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A Epistemologia Genética de Jean

Piaget

Conteudista
Prof.ª Ana Alice Reis Pieretti
Prof.ª Caroline Battistello Cavalheiro de Souza

Revisão Textual
Camila Yuraki Ferrari

Revisão Técnica
Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro
Sumário

Objetivos da Unidade.............................................................................................................3

Introdução............................................................................................................................... 4

Vida e Obra.............................................................................................................................. 4

O Método e o Objeto de Estudo......................................................................................... 5

Principais Processos de Desenvolvimento da Estrutura Cognitiva............................ 8

Organização e Adaptação................................................................................................................ 9

Esquemas de Ação.............................................................................................................................. 9

Assimilação e Acomodação...........................................................................................................10

Equilíbrio e Desequilíbrio..................................................................................................................11

Desenvolvimento e Aprendizagem na Teoria de Piaget...............................................13

Desenvolvimento X Aprendizagem............................................................................................ 13

Fatores Do Desenvolvimento: Maturação Orgânica, Experiência com Objetos,


Interações Sociais e Equilibração................................................................................................ 15

Epistemologia Genética......................................................................................................18

Estágio Sensório-Motor...................................................................................................................18

Estágio Pré-Operatório.................................................................................................................... 19

Estágio das Operações Concretas............................................................................................. 20

Estágio Operatório Formal............................................................................................................. 21

Material Complementar..................................................................................................... 27

Referências............................................................................................................................28
Objetivos da Unidade

a. Conhecer os conceitos e as abordagens de Jean Piaget;

b. Observar os principais processos do desenvolvimento da estrutura cognitiva,


segundo Piaget;

c. Refletir sobre as possibilidades de aprendizagem, segundo Piaget;

d. Estudar a Epistemologia Genética de Piaget.

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3
VOCÊ SABE RESPONDER?

Quais são os conceitos e abordagens de Jean Piaget, e como os principais proces-


sos do desenvolvimento da estrutura cognitiva, de acordo com Piaget, influenciam
as possibilidades de aprendizagem? Além disso, como a Epistemologia Genética de
Piaget contribui para o entendimento do desenvolvimento cognitivo?

Introdução
Esta Unidade, ao abordar os conceitos de Jean Piaget, possibilita um adensamento
das reflexões sobre a Psicologia da Educação. Piaget aborda as questões do desen-
volvimento cognitivo de maneira substancial e complexa, revelando-nos, assim, um
quadro fundamental para entendermos como o conhecimento se produz.

Vida e Obra
Jean Piaget nasceu em 9 de agosto de 1896, na cidade de Neuchâte, Suíça. O per-
curso dele como docente e pesquisador fez com que se tornasse um dos mais
importantes pesquisadores de Educação e Pedagogia, pois questionou visões tradi-
cionais sobre a aprendizagem. A graduação de Piaget foi em Ciências Naturais, linha
que optou por estudar também no doutorado. A especialidade de Piaget, enquanto
pesquisador, era a Psicologia Evolutiva e a Epistemologia (DOLLE, 1987).

A formação em Biologia levou-o a pressupor que os processos de conheci-


mento poderiam depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico. Piaget
buscou conjugar essas duas variáveis – o lógico e o biológico – em uma
única teoria (DOLLE, 1983).

Piaget mudou-se para a cidade de Zurique, em 1918, lá trabalhou em um laboratório


de Psicologia e estagiou em uma clínica de Psiquiatria. No ano de 1919, estudou Psi-
copatologia na Universidade de Sorbonne, na França, onde trabalhou com pesquisas
sobre as características do pensamento infantil. Durante dois anos, ele seguiu seus
estudos na Sorbonne e assistiu às apresentações de doentes no hospital psiquiátrico
de Saint-Anne. Atuou também como diretor do Instituto Jean-Jacques Rousseau,
na Suíça (1921), e como docente de Psicologia Infantil na Universidade de Genebra
(1925) (DOLLE, 1987).

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Figura 1 – Jean Piaget
Fonte: novaescola.org
#ParaTodosVerem: a imagem mostra Jean Piaget, um senhor já idoso, de cabelos brancos, que usa óculos. Ele
está sentado, veste terno e gravata e tem as mãos sobre as pernas. Fim da descrição.

Em 1936, Piaget foi condecorado com o título de Doutor Honoris Causa, pela Univer-
sidade de Harvard. Voltou à Universidade de Genebra para dar aulas de Sociologia
na Faculdade de Ciências Econômicas, no período de 1939 a 1950. Nos anos se-
guintes, foi presidente da Sociedade Suíça de Psicologia, codiretor da Revista Suíça
de Psicologia, professor catedrático de Psicologia e Sociologia na Universidade de
Lausane e de Psicologia da Criança na Sorbonne. Em 1950, publicou o livro “Introdu-
ção à Epistemologia Genética”, no qual apresenta a sua principal tese sobre como o
conhecimento é construído (PALANGANA, 2001).

O Método e o Objeto de Estudo


Piaget tinha como principal objeto de estudo e tema de suas pesquisas o conheci-
mento humano, mais precisamente a forma como o construímos. Mais do que um
estudo epistemológico, em que se busca entender o que é o conhecimento, Piaget
desenvolveu uma epistemologia genética voltada a entender como elevamos tal co-
nhecimento de um nível para outro.

De acordo com Dolle (1987, p. 45):

5
Se a epistemologia tradicional conhece apenas os estados superiores do
conhecimento, a epistemologia genética quer remontar às fontes, logo
apreender a gênese do conhecimento na perspectiva em que não há co-
nhecimento predeterminado, nem nas estruturas do sujeito, posto que
elas são o resultado de uma construção efetiva e contínua [...].

A preocupação teórica de Piaget era com a forma como o conhecimento era cons-
truído, e não com a descoberta de qual a melhor forma de se ensinar, pois seu ob-
jetivo não era desenvolver um método de ensino, ou seja, sua teoria versa sobre o
desenvolvimento cognitivo, e não sobre a aprendizagem. No entanto, dos estudos
de Piaget, podemos tirar muitas implicações para o ensino, pois eles nos ajudam a
entender como a criança constrói o conhecimento.

Para realizar suas pesquisas, Piaget empregou o método clínico, que consistia na
conversação livre com a criança sobre um tema dirigido pelo interrogador. Nesse
método, o pesquisador faz perguntas, e a criança responde, justificando as respos-
tas (DOLLE, 1987).

Piaget partia do pressuposto de que ingressar no pensamento da criança, por meio ape-
nas da linguagem, poderia ser uma limitação para sua pesquisa. Por essa razão, utilizava
materiais concretos, desafios que exigiam raciocínios que eram expressos verbalmente.

Importante
Em outras palavras, podemos dizer que Piaget realizava tarefas
com as crianças – as provas piagetianas – e fazia perguntas, ex-
plorando, assim, os pensamentos delas.

As provas piagetianas são instrumentos de diagnóstico que buscam identificar no-


ções-chave desenvolvidas pela criança e podem ser consideradas práticas de inves-
tigação utilizadas no método clínico.

Vejamos a explanação que Dolle (1987) faz de uma prova piagetiana de conservação
de substância.

Nessa prova, o experimentador apresenta à criança duas bolas de argila (ou massa
de modelar) e pede-lhe que faça duas bolas tendo a mesma quantidade de massa.
Após a criança ter admitido que, na composição das duas bolas, A e B, utiliza-se a
mesma quantidade de matéria, começa-se, então, a transformar a bola B em um
formato de uma bolacha (arredondada e fina). Pergunta-se, então, à criança se há
ainda a mesma quantidade de massa na bolacha e na bola e o porquê.

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Figura 2 – Criança brinca com massa de modelar
Fonte: Freepik

Pode ser que ela pense haver mais ou menos massa em algum dos dois formatos.
Quando a criança ainda não alcançou a compreensão da conservação de massas, ela
pode dar respostas como: há menos massa porque é mais fino, no caso da bolacha.

Utilizando as provas, Piaget conseguia ir além da fala da criança, ele podia com-
preender seu pensamento por meio das ações ao solicitar tarefas e pedir que elas
explicassem o que estavam fazendo.

Na sala de aula, quando realizamos diagnósticos individuais com as crian-


ças, estamos fazendo uso dessa mesma abordagem, pois fazemos per-
guntas individuais e, por meio da conversa, conseguimos entender como
a criança está elaborando seus pensamentos para responder a uma
situação-problema.

Vimos até aqui que Jean Piaget recebeu influências da área das Ciências Naturais
e aproximou-se da Psicologia inicialmente por meio da Psiquiatria. Quando se
volta para estudar como as crianças constroem o conhecimento, aproxima-se
mais da Psicologia e passa a utilizar o método clínico. No tópico a seguir, ve-
remos as conclusões da pesquisa de Piaget sobre os principais processos do
desenvolvimento cognitivo.

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Principais Processos de
Desenvolvimento da Estrutura
Cognitiva
A nossa estrutura cognitiva se desenvolve ao longo da vida. A forma como organiza-
mos nossos pensamentos, resolvemos problemas mentalmente e aprendemos não
é igual quando temos 1 ou 10 anos.

Na Prática
Pense, por um momento, em uma criança que aprende a dar os
primeiros passos, a forma como ela sustenta o corpo, as estra-
tégias que utiliza para não cair. Agora imagine uma criança de
10 anos aprendendo a andar de patins. Perceba que ela já pos-
sui outras habilidades que permitem o planejamento dos movi-
mentos e o evitar das quedas.

E como nossa estrutura cognitiva se desenvolve? Por meio de quais processos? Para
Piaget, a resposta para essa pergunta está nos itens que estudaremos a seguir: or-
ganização e adaptação, esquemas de ação, assimilação e acomodação, equilíbrio e
desequilíbrio.

Figura 3 - Equilibre, de Jean Hélion


Fonte: Wikimedia Commons

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Organização e Adaptação
Precisamos lembrar que, para Piaget, o conhecimento está na interação entre o su-
jeito e o objeto (o meio), e é essa relação que possibilitará os processos de adapta-
ção e organização.

Para Dolle (1987), a adaptação é uma das tendências


básicas inerentes ao ser humano, algo que ele
nasce propício a realizar. Ela é possibilitada por
Adaptação
meio da inteligência, que permite ao ser humano
modificar-se e transformar o ambiente em que
vive para melhorar sua convivência.

A outra tendência é a organização. Podemos dizer


que, à medida que interagimos com o meio, este nos
Organização
leva a produzir esquemas generalizáveis, ou seja, a
agrupar por semelhança algumas experiências.

Coll (2004) afirma que, na teoria de Piaget, a meta é sempre a adaptação, ou seja,
conseguir dar uma resposta adequada aos problemas com os quais o sujeito vai
defrontar-se em cada momento. Coll (2004), como exemplo, cita quando o bebê
quer tocar um móbile (que geralmente é pendurado sobre o berço), e ainda não sabe
como fazer isso, assim, ele precisará aprender, ou seja, precisará adaptar-se para
construir novas respostas para melhor interagir com o meio.

A adaptação acontece por meio da organização e, dessa forma, o organismo discri-


mina entre estímulos e sensações com os quais vive e os organiza em alguma forma
de estrutura.

Esses conceitos ficarão mais claros quando chegarmos ao item sobre assimilação e
acomodação, mas antes precisamos entender sobre os esquemas de ação.

Esquemas de Ação
Os esquemas de ação estão relacionados à forma como organizamos o conheci-
mento para interagir com o mundo.

9
Importante
De acordo com Dolle (1987), chama-se esquema de ação aquilo
que, em uma ação, é transponível para a situação seguinte, ou
seja, o que há de comum às diversas repetições da mesma ação.

Realizamos diariamente inúmeros esquemas de ação já aprendidos anteriormente


e que já generalizamos para outras ações. Toda ação exige um aprendizado sobre
como a executar, o qual ocorre, em sua maioria, no início do desenvolvimento. Não
precisamos aprender a empurrar cada porta nova com que nos deparamos, pois já
aprendemos o esquema da ação “empurrar” quando éramos pequenos. E toda porta
que virmos saberemos como empurrar para abrir.

Os esquemas vão se desenvolvendo e evoluindo ao longo da vida, por exemplo,


quando muito pequenos, sabemos separar peças por cores. Conforme crescemos,
aprendemos a separá-las por cores, formas, texturas, pesos, tamanhos etc., aumen-
tando a complexidade do esquema.

Figura 4 – O ato de organizar


Fonte: Freepik

No início da vida, dispomos quase que exclusivamente de esquemas reflexos, que


são ações automáticas, como o reflexo de sucção do bebê na amamentação. Aos
poucos, outros esquemas de ação vão surgindo, ainda de forma simples e restrita. O
andar é um esquema de ação, pois necessita de um conjunto de ações para ocorrer.

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Assimilação e Acomodação
A assimilação e a acomodação estão no centro do processo de aprendizagem. São
elas que processarão as experiências vividas.

Assimilação Acomodação

A assimilação refere-se à inclu- A acomodação se define pela re-


são de novas experiências ou in- organização dessas estruturas,
formações ao processo mental, de tal forma que elas possam
sem, contudo, alterá-las. incluir os novos conhecimentos,
transformando-os para se ajusta-
rem às novas exigências do meio
(PALANGANA, 2001).

Para tornar mais claros os conceitos, vamos a um exemplo. Imagine uma criança que
entende como peixe todo animal que nada e vive no mar. Ao observar um golfinho,
ela tentará assimilá-lo a um esquema ao qual ele não corresponde totalmente. No
processo de acomodação, a criança precisará modificar os sistemas conhecidos.

Depois de aprender que golfinho não é um peixe, a criança vai adaptar o conceito
geral de “peixe” para diferenciá-lo do conceito de “animal marinho”.

Importante
Utilizar os processos de assimilação ou acomodação vai depen-
der de quanto um novo conhecimento pode ser ou não inserido
em alguma estrutura mental já existente, ou seja, quanto mais
diferente, complexo e desafiador o conhecimento, mais ele exi-
girá que sejam utilizados processos de acomodação.

Equilíbrio e Desequilíbrio
Esses dois conceitos são especialmente importantes para o processo de ensino e
aprendizagem. Podemos dizer que, para Piaget, o aprendizado requer desequilíbrios
– desafios aos nossos conhecimentos já construídos.

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Segundo Wadsworth (1996), uma criança, ao experimentar um novo estímulo (ou um
estímulo velho, outra vez), tenta assimilar o estímulo a um esquema existente. Se ela
for bem-sucedida, o equilíbrio, em relação àquela situação estimuladora particular, é
alcançado. Se a criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta, então, fazer uma
acomodação, modificando um esquema ou criando um esquema novo. Quando isso
é feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento, o equilíbrio é alcançado.

Figura 5 – Quebra-cabeças
Fonte: Freepik

Imaginemos uma situação de quando é apresentado um conteúdo novo para a


criança e ela fica com dificuldade para entendê-lo. Podemos dizer que, nesse caso,
houve um desequilíbrio e ela precisará de processos para compreender o tema novo
e entrar em equilíbrio com o conhecimento.

O equilíbrio e o desequilíbrio estão fortemente ligados ao conceito de assimilação


e acomodação. Moreira (2011) nos diz que muitas vezes os esquemas de ação da
criança não conseguem assimilar determinada situação. Nesse caso, o organismo
pode realizar duas ações: desistir ou se modificar. Caso se modifique, ocorre o que
Piaget chama de acomodação. No caso de um conteúdo novo apresentado ao alu-
no, que gere desequilíbrio, mas, que durante o processo de ensino e aprendizagem,
ele o compreenda, podemos dizer que o aluno acomodou o conhecimento e entrou
em equilíbrio cognitivo.

Os desafios são muito importantes para o desenvolvimento cognitivo, pois


geram desequilíbrios e facilitam a construção de novos conhecimentos. Se
o meio não apresenta problemas, dificuldades, a atividade da mente é ape-
nas de assimilação. São os desafios que geram os desequilíbrios.

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Observamos, até aqui, os processos estudados por Piaget para a construção do
conhecimento e podemos perceber a importância dos desafios, das ações e dos
conhecimentos que desequilibram o sujeito e obrigam-no a criar novos esquemas
para atingir a compreensão.

Veremos, no próximo tópico, a relação que existe entre o desenvolvimento cogniti-


vo e a aprendizagem, como um interfere no outro e complementam-se.

Desenvolvimento e Aprendizagem
na Teoria de Piaget
Ainda com o objetivo de conhecer os principais conceitos da teoria de Piaget, abor-
daremos os temas: desenvolvimento e aprendizagem, desenvolvimento mental em
níveis e os fatores do desenvolvimento.

Tais temas afetam diretamente as atividades de ensino e aprendizagem, uma vez


que as pesquisas de Piaget contribuem para uma compreensão sobre como a crian-
ça pensa e aprende em cada faixa etária.

Para o fazer docente, assim como para a Psicologia da Educação, conhecer como o
desenvolvimento cognitivo interfere e é interferido pelos processos de aprendiza-
gem é essencial, pois nos auxilia a entender a criança e suas formas de pensar.

Desenvolvimento X Aprendizagem
Vimos anteriormente que Piaget não foi propriamente um educador, mas seus es-
tudos são de grande importância para a área educacional. Ele preocupou-se com a
Pedagogia, mas sua obra é sobre como o ser humano constrói seu conhecimento.

Ele escreveu alguns textos sobre Pedagogia, apresentando sua teoria e deixando aos
professores a interpretação e a utilização pedagógica, mas sua importância para os
educadores está ligada a motivos mais abrangentes.

A teoria de Piaget tratava, de forma consistente, sobre a criança e seu de-


senvolvimento, fato esse que fez com que seus estudos fossem utilizados
para embasar outras pesquisas no campo da Psicologia da Educação.

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Moreira (2011) lembra que Piaget não enfatiza o conceito de aprendizagem, talvez
por não concordar com a definição usual da época, a de que aprender era modifi-
car o comportamento resultante da experiência. Ele preferia falar em aumento do
conhecimento, analisando como isso ocorre.

Importante
Para Piaget, há aprendizagem como sinônimo de aumento do
conhecimento quando o esquema de assimilação sofre aco-
modação, ou seja, quando precisamos modificar um esquema
mental – uma forma de pensar

Além disso, para ele, é o nível cognitivo no qual a criança se encontra que determina-
rá o que ela pode fazer. Moreira (2011) afirma que as implicações dessa proposição
para o ensino são de grande importância, já que o professor precisa estar atento
para compatibilizar o ensino com o nível do desenvolvimento cognitivo da criança.
Temos, como exemplo, o ensino da Matemática. Para as crianças pequenas, a Mate-
mática precisa estar pautada no concreto, no manuseio de materiais, uma vez que
elas ainda não desenvolveram a capacidade de pensar de forma abstrata.

Figura 6 – Uso do ábaco


Fonte: Freepik

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Fatores do Desenvolvimento: Maturação
Orgânica, Experiência com Objetos, Interações
Sociais e Equilibração
Não é apenas a idade de cada sujeito que interfere nos níveis do desenvolvimento.
Piaget observou que havia aspectos que afetavam os processos de desenvolvimento.

Segundo Dolle (1987), Piaget focou em quatro fatores gerais do desenvolvimento


mental, cujas influências são variáveis. Os fatores são: maturação, experiência com
objetos, interações sociais e equilibração.

A maturação é o primeiro fator. Ela A experiência com objetos consiste


diz respeito ao crescente número na experiência adquirida por meio da
de conexões nervosas que nosso ação efetuada sobre os objetos. So-
cérebro adquire ao longo da vida bre esse fator, Dolle (1987) diferencia
e dos novos aprendizados. Dolle a experiência física da experiência
(1987) aponta que o cérebro con- lógico-matemática. A primeira con-
tém conexões neurológicas (entre siste em agir sobre os objetos para
os neurônios) hereditárias, mas abstrair suas propriedades, e a se-
que a maioria das novas conexões gunda consiste em, igualmente, agir
são adquiridas por meio da intera- sobre os objetos, mas para conhecer
ção com o mundo; sendo assim, os resultados da coordenação das
a maturação neurológica não age ações. Como exemplo, podemos ci-
sozinha, depende de outros fatores tar uma criança que brinca com um
para se desenvolver. carrinho, segura-o na mão, olha suas
formas – realizando uma experiência
física – e uma criança que faz esse
carrinho andar para ver até onde ele
consegue ir – testando sua força no
objeto – realizando uma experiência
lógico-matemática.

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As interações sociais compõem o Para Piaget, no processo de conhe-
terceiro fator e ocorrem por meio cimento, a relação do sujeito com
da linguagem. Dolle (1987) diz que um objeto desconhecido pode ser
a linguagem é um fator do desen- conflituosa. A assimilação pode
volvimento, mas não é sua fonte, encontrar resistências de adesão
uma vez que, mesmo antes de ao novo, fazendo com que o sujeito
dominar a linguagem, a criança já tenha que remodelar suas estrutu-
estaria organizando sua estrutura ras mentais para que o objeto de
de assimilação, para compreender conhecimento seja acomodado
a própria linguagem. A linguagem e compreendido, isto é, o sujeito
só parece, então, estar dominada busca um equilíbrio, e Piaget o cha-
quando as estruturas necessárias ma de equilibração.
a uma lógica verbal são adquiridas.
O desenvolvimento cognitivo não
ocorre apenas com interferência do
organismo próprio sujeito, como a
maturação, ele conta também com
os fatores externos para progredir,
como a interação com objetos e
pessoas.

O desenvolvimento passa, portanto, por um processo que envolve equilíbrio – dese-


quilíbrio – reequilíbrio. É interessante notar que Piaget prefere o termo equilibração
a equilíbrio, porque justamente esse processo se dá de maneira móvel e dinâmica,
e não estática. O desenvolvimento é um processo de ordem dialética “que conduz
de certos estados de equilíbrio aproximado a outros qualitativamente diferentes,
passando por múltiplos desequilíbrios e reequilibrações” (PIAGET, 1975, p. 9).

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Piaget trabalhou durante muito tempo sobre sua teoria da equilibração e, na aborda-
gem final, passou a refletir sobre a forma como a causalidade interfere nos processos
de assimilação e acomodação. Nesse sentido, Garcia (2002) descreve resumida-
mente o processo da seguinte maneira:

• Desde as atividades iniciais de uma criança, toda ação é causal, não


apenas pelos mecanismos psicofisiológicos que as geram, mas tam-
bém por seus resultados. Seu próprio organismo está submetido a in-
terações físicas;

• A causalidade está envolvida na formação dos esquemas de ação e


em suas coordenações (ordenar, formar conjuntos), dos quais surgi-
rão as operações;

• O desenvolvimento cognitivo consistirá inicialmente na tomada de


consciência das relações causais procedentes das ações do próprio
sujeito, diferenciando-as das relações entre os objetos. A partir daí, o
desenvolvimento leva à construção progressiva de dois sistemas: as
operações do sujeito, geradas nas coordenações gerais da ação e à
causalidade que extrai suas “informações” das ações particulares;

• A causalidade conduz aos “fatos” e às “leis”, a partir de propriedades


observáveis. Mas a “leitura” dos fatos supõe instrumentos de “assimi-
lação”, que não passam de formas de organização que dependem das
estruturas operatórias construídas pelo sujeito.

GARCIA, 2002, p. 95

Nesta Unidade, pudemos conhecer alguns dos principais conceitos da teoria de


Jean Piaget relacionados ao desenvolvimento e à aprendizagem. Apesar de ele não
ter feito uma pesquisa destinada aos processos de ensino e aprendizagem, influen-
ciou e continua influenciando muitas de nossas ações educativas. A forma como or-
ganizamos nossos currículos e as separações por séries (anos escolares) são alguns
exemplos disso.

Entender como as crianças constroem o conhecimento é essencial para que pos-


samos propor estratégias pedagógicas adequadas. É possível dizer que a grande
atribuição escolar para a construção do conhecimento é gerar desequilíbrios nos
esquemas cognitivos já estruturados dos alunos, ou seja, é propor desafios, proble-
mas, levá-los a questionar o conhecimento que já possuem e, com base nele, elevar
o nível do conhecimento.

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Figura 7 - Evanescence (Red), de Denise Green
Fonte: Wikimedia Commons

Epistemologia Genética
Em 1970, foi publicada a obra de Piaget intitulada “Epistemologia Genética”, na qual
o autor, em linhas gerais, se debruça sobre como a construção das capacidades
cognitivas se realiza de maneira sucessiva. Ao lançar luz sobre a dimensão sucessiva
do processo de desenvolvimento dos conhecimentos, Piaget chama a atenção para
a conexão entre as etapas do conhecimento e se contrapõe à tese da linearidade e
do começo absoluto do processo.

Importante
Para o autor, o desenvolvimento se dá em saltos e rupturas, de
forma, portanto, não linear, e estrutura-se em estágios.

Esses estágios geram alterações de qualidade no desenvolvimento do conhecimen-


to, são inter-relacionados entre si – o estágio seguinte é consequente e relacionado
ao estágio anterior – e são classificados como: estágio sensório-motor, estágio pré-
-operatório, estágio das operações concretas e estágio operatório formal.

Estágio Sensório-Motor
Período que vai do nascimento até aproximadamente 1 ano e meio a 2 anos e que
Piaget caracteriza como um estágio no qual “ainda não existem nem operações pro-
priamente ditas, nem lógica, mas onde as ações já se organizam segundo certas
estruturas que anunciam ou preparam a reversibilidade e a constituição das invarian-
tes” (PÁDUA apud PIAGET, 2009, p. 28).

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Ao contrário de outros autores, Piaget acredita e demonstra que o desenvolvimento
cognitivo começa antes dos processos de aquisição de linguagem.

O estágio sensório-motor se caracteriza como um período de “inteligência


prática”, porque a criança forja seu desenvolvimento não pelo uso da lin-
guagem, mas sim por suas ações e percepções; são estas que estimulam o
desenvolvimento de suas estruturas mentais.

Nesse período, a criança se conecta com a objetividade do mundo, com sua dimen-
são concreta, formulando, assim, as suas primeiras noções e conexões com o real. E
é também nesse estágio que a criança começa a ter noções de causalidade dos ob-
jetos presentes no mundo. Ela percebe que esses objetos interagem entre si e que
essas interações causam efeitos, gerando, desse modo, uma relação de causalidade
e nota também que ela própria faz parte desse sistema de relações, causas e efeitos.

Estágio Pré-Operatório
O segundo estágio começa por volta dos 2 anos, vai até aproximadamente os 7-8
anos e chama-se estágio pré-operatório. Nesse período, a inteligência tem uma mu-
dança de qualidade em virtude da aquisição de linguagem por parte da criança e de
sua consequente estruturação simbólica por meio de representações. Pádua (2009)
destaca esse processo da seguinte forma:

A representação é a capacidade que a criança adquire, por meio das cons-


truções cognitivas, de pensar um objeto através de outro objeto. Além
disso, esta representação é crescente e consiste, em boa parte, numa
interiorização progressiva daquelas ações que eram executadas de for-
ma sensório-motora. Neste estágio, a inteligência ainda é prática, mas
agora, além de prática ela é uma inteligência em representação e Piaget
denominou de Pré-operatório porque significa que a criança utiliza a re-
presentação, mas ela tem todo um trabalho de assimilação, acomodação
e equilibração de organizar essas representações num todo.

PÁDUA, 2009, p. 30

Esse contato da criança com a representação, os jogos simbólicos e as múltiplas


formas de simbolização geram um processo importante de desenvolvimento das
estruturas mentais e de dois acontecimentos importantes.

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O primeiro deles é que a introdução à linguagem permite que a criança acesse uma
socialização da inteligência e a complexificação das estruturas simbólicas a partir
de seus elementos, como o signo, o significado e a articulação entre signo e objeto.

Figura 7 - Crianças conversando


Fonte: Freepik

O segundo acontecimento é a aproximação da criança da moralidade e de suas nor-


matividades. É nesse período que valores, regras, critérios e diversas noções cultu-
rais começam a ser assimilados.

Estágio das Operações Concretas


O terceiro estágio é chamado de estágio das operações concretas, inicia-se por vol-
ta dos 7-8 anos e é caracterizado pela constituição de estruturas lógicas e operató-
rias, chamadas de concretas. Essa fase se caracteriza pela ação do sujeito e pode ser
descrita da seguinte forma:

Se nos níveis sensório motores, ação significava manipular o mundo, tra-


balhar o mundo e agir sobre o mundo; se no pensamento pré-operatório
esta ação passou a ser interiorizada, ou uma ação por representação; com
o advento do pensamento operatório a criança adquire a habilidade de
pensar uma ação e reverter esse pensamento. Em outras palavras, opera-
ção é uma ação interiorizada reversível e coordenada.

Fonte: PÁDUA, 2009, p. 32

Essa operacionalização concreta está intimamente ligada ao processo de estrutu-


ração de princípios lógicos, o que faz com que a inteligência salte qualitativamente.
As ações começam a ser coordenadas, derivadas de elaborações interiorizadas e
próprias, que fundem retroações e antecipações por parte das instâncias cognitivas.

20
Estágio Operatório Formal
A quarta e última fase, para Piaget, começa em torno dos 11-12 anos e se caracteriza
pelo ingresso das crianças no universo das operações formais. E a diferença quali-
tativa desse estágio é que o sujeito passa a realizar operações a partir de hipóteses,
ou seja, desse ponto em diante, a criança pode estruturar sua cognição por meio de
enunciados verbais.

O termo formal vinculado ao operatório indica que, a partir desse momento, as


crianças caminham em direção a raciocínios formais e abstratos, complexificando,
portanto, a sua inteligência, como destacado a seguir.

Segundo Piaget, com as operações formais “o conhecimento supera o


próprio real para inserir-se no possível e ligar diretamente o possível ao
necessário sem a mediação indispensável do conceito” e este possível
cognitivo ‘é necessariamente extemporâneo, por oposição ao virtual físi-
co, cujas realizações se desenvolvem no tempo.

Fonte: PÁDUA, 2009, p. 33

Em relação às abstrações, Piaget classificou-as em dois tipos: abstração empírica e


abstração reflexiva.

Abstração empírica Abstração reflexiva

O conhecimento é produzido As informações necessárias à


pela retirada de informações do produção do conhecimento ad-
objeto por parte do sujeito. vém das ações do próprio sujeito
sobre o objeto.

Esse processo de produção do conhecimento se dá de maneira interior e exterior,


constituindo, assim, uma dinâmica que Piaget destaca da seguinte forma: “iniciado
com o nascimento acaba por assegurar essa harmonia paradoxal entre um pensa-
mento que se liberta, enfim, da ação material e de um universo que engloba esta
última, mas a supera de todas as formas” (PIAGET apud PÁDUA, 2009, p. 33).

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Para finalizar, vale dizer que a epistemologia genética elaborada por Piaget é uma
importante ferramenta para analisar os processos de desenvolvimento, tendo em
vista a sua preocupação com os estágios e suas camadas, gerando, assim, um qua-
dro complexo e múltiplo sobre os processos do conhecimento.

Figura 9 – Relief (Flour), de Constantin Flondor


Fonte: Wikimedia Commons

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Material Complementar

Vídeos
Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget
https://youtu.be/m7eaxOgn_Ng

A Epistemologia Genética de Jean Piaget


https://youtu.be/_7HkwA_rVZA

Pensadores: Jean Piaget – A Educação


https://youtu.be/LxELyNK4HVE

Leitura
A Teoria Piagetiana na Educação Atual: um Retorno Necessário
https://bit.ly/3rP49O3

23
Referências

ATTA MÍDIA E EDUCAÇÃO. Jean Piaget. São Paulo: ATTA Mídia e Educação, 2004.
(Coleção Grandes Pensadores).

COLL, C. As contribuições da psicologia para a educação: teoria genética e aprendi-


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nitiva da aprendizagem. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimen-
to psicológico e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação:


psicologia evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004.

DOLLE, J. M. Para compreender Jean Piaget: uma iniciação à psicologia genética


piagetiana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987.

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oria de sistemas complexos. Porto Alegre: Artmed, 2002.

MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 2011.

PÁDUA, G. L. D. A Epistemologia Genética de Jean Piaget. In: Revista FACEVV, Vila


Velha, ES, n. 2, p. 22-35, 2009.

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PIAGET, J. Epistemologia Genética. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970.

PIAGET, J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.

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Matheus Guazzelli, 1996.

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