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JUDITH C. HOFFNAGEL
Universidade Federal de Pernambuco

A MODALIDADE E SEU
TRATAMENTO NO ENSINO DE LÍNGUA

1 Introdução Como nota Koch (1996:86-87), “ao produ-


zir um discurso, o locutor manifesta suas intenções
Nos últimos quatro anos tenho me dedicado e sua atitude perante os enunciados que produz atra-
ao estudo de modalidade no âmbito mais amplo de vés de sucessivos atos ilocucionários de moda-
um projeto sobre a língua falada e a língua escrita. lização, que atualizam por meio dos diversos modos
Desde o início do projeto foi observado que, embo- de lexicalização que a língua oferece”.
ra a modalidade seja um fenômeno bastante comum Entre os vários tipos de lexicalização possí-
tanto na fala quanto na escrita, é pouco estudada por veis das modalidades, a autora cita os seguintes:
lingüistas e quase que ignorada por gramáticos da lín- a) performativos explícitos: eu ordeno, eu proíbo,
gua portuguesa. Não há, portanto, de admirar a au- eu permito, etc.
sência do tratamento da questão da modalidade no b) auxiliares modais: poder, dever, querer, precisar,
ensino, de todos os níveis. Meu objetivo, neste tra- etc.
balho, será mostrar que a inclusão de, pelo menos, c) predicados cristalizados: é certo, é preciso, é
algumas noções básicas sobre a modalidade no ensi- necessário, é provável,
no pode contribuir para a formação de bons e críti- d) advérbios modalizadores: provavelmente, certa-
cos usuários da língua portuguesa. Primeiro, será mente, necessariamente, possivelmente, etc.
apresentada uma breve discussão sobre modalidade. e) formas verbais perifrásticas: dever, poder, que-
Em seguida, será mostrado o tratamento dado ao as- rer, etc, + infinitivo
sunto pelas gramáticas de referência e nos manuais de f) modos e tempos verbais: imperativo; certos em-
ensino. Finalmente, algumas sugestões para um trata- pregos do subjuntivo, uso do futuro do pretérito
mento da modalidade no ensino serão oferecidas. com valor de probabilidade, hipótese, notícia não
confirmada; uso do imperfeito do indicativo com
2 A Modalidade valor de irrealidade, etc.
g) verbos de atitude proposicional: eu creio, eu sei,
As noções de ‘modo’ e ‘modalidade’ são no- eu duvido, eu acho, etc.
toriamente vagas. Palmer (1986) cita algumas das h) entoação: (que permite, por exemplo, distinguir
definições propostas e comenta que elas englobam uma ordem de um pedido, na linguagem oral
aspectos tais como a atitude ou opinião do falante, i) operadores argumentativos: pouco, um pouco,
atos de fala, subjetividade, não-factividade, não- quase, apenas, mesmo, etc.
asserção, possibilidade e necessidade. Lyons
(1977:791-2), na sua discussão sobre a modalidade, Os exemplos (1) do corpus escrito e (2) do
nota que até muito recentemente a lógica modal tem corpus falado, mostram casos típicos da modalidade.
se preocupado quase que exclusivamente com a mo- (1) Há exatos 11 anos, estava na linha de frente da
dalidade alética, aquela que diz respeito à necessi- campanha pelas eleições diretas para presidente
dade e contingência da assertiva, ou seja, aquela que da República. Foi uma luta difícil. Uma briga de
julga sobre o possível, o necessário e o impossível e todos aqueles que queriam acabar com um regi-
suas nuanças. Essas modalidades ditas aléticas têm me totalitário e romper com estruturas. Perde-
suas conseqüências (lógicas) na cadeia do discurso, mos. Tanto tempo depois, porém, podemos
pois quando algo é tido como necessário, não pode finalmente dizer que vivemos na mais absoluta
ser asserido mais adiante como improvável. Hoje normalidade democrática. Por esse motivo, acho
em dia, dois outros tipos de necessidade e possibili- indispensável garantir a todos os governantes,
Revista dade são reconhecidos e formalizados pelos lógicos seja na esfera municipal, estadual ou federal, o
do GELNE e lingüistas: direito de se reeleger. Sempre fui um defensor
Ano 1 (a) a epistêmica, que se refere à crença ou ao co- dessa tese. Não se trata aqui de fazer uma defe-
No. 1 nhecimento que temos de um estado de coisas; sa da atual safra de administradores ou mesmo
1999
(b) a deôntica, que se refere à conduta ou às nor- do presidente Fernando Henrique Cardoso. É

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mas, aquilo que se deve fazer. preciso colocar o Brasil em sintonia com os
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principais países do mundo, onde a reeleição é (5) os sociologistas... não é? entre aspas ... do direito
um instrumento da democracia. Os itens chamado, entre aspas, no sentido
(E032 fonte: IstoÉ) indicam que o item lexical ou a frase que eles
(2) L2: não sei se certo ou se errado isso somente o modalizam é de alguma forma problemático, por
futuro é que dirá... exemplo: ou seu significado não é geralmente acei-
acontece é que realmente para ISSO a comu- to, ou é um uso técnico, ou então varia de falante
nicação foi válida para falante. Em qualquer das ocorrências, mostram
L1: até certo ponto como: veículo de politização alguma atitude sobre o significado do item lexical
da massa ou da frase.
é poSSÍvel que a comunicação seja boa Força ilocuionária: os exemplos (6), (7) e
porque isso aí fica na FAIXA da cultura MËdia... (8) mostram a modalização da força ilocucionária.
e eu tava pensando em termos de cultura Alta... (6) Temos que admitir... que a realidade terceiro
(fonte:NURC/REC27) mundo foi descoberto no pós-guerra
No primeiro exemplo, o autor está defenden- (7) Foi um prazer recebermos seu pedido de as-
do a tese de reeleição, alternando entre asserções sociação ao Citibank Classic Mastercard.
categoriais Foi uma luta difícil, posições pessoais (8) Gostaríamos de informar-lhe que o processo
acho indispensável garantir, e ações obrigatórias de análise de sua proposta...
É preciso, para construir seu argumento. Os falan- Em cada um dos exemplos algo mais é dito do
tes, no segundo exemplo, estão discutindo o valor que seria estritamente necessário para simplesmen-
da comunicação. L2 alterna entre incerteza Eu não te comunicar que “admitimos que a realidade...”; “re-
sei e certeza, realmente, enquanto L1, que anterior- cebemos seu pedido” e informamos sobre sua
mente tinha falado dos grandes defeitos da comuni- proposta”, modalizando a força ilocucionária de cada
cação, delimita sua posição, até certo ponto, em enunciado.
termos de e admite a possibilidade da comunica- Proposições: a modalização de proposições
ção ser boa em circunstâncias específicas. Em am- pode ser vista nos exemplos (9), (10 e (11).
bos os exemplos, vemos o autor e os falantes (9) É verdade que esta inquietação está associada a
expressando suas atitudes e se comprometendo com uma questão mais ampla...
seus enunciados em graus diferentes, no processo (10) Acredito que a nossa próxima professora de
da construção dos seus argumentos. português jamais será como V.Sa.
O que é evidente nos dois exemplos é a sub- (11) Realmente, é uma questão financeira mesmo.
jetividade dos enunciados, a qual é, para Palmer Os modalizadores, é verdade, acredito, e re-
(1986:16), um critério essencial para a modalidade. almente revelam o grau de comprometimento do
Esse autor sugere que a “modalidade, podia ser defi- falante/escritor em relação à proposição.
nida como a gramaticalização das atitudes e opini-
ões (subjetivas) dos falantes”.
3 A modalidade nas gramáticas e
Para Stubbs (1986:4), a modalidade “pode ser
vista como um princípio organizador central da lin- manuais de ensino
guagem”. Este autor usa o termo modalidade para
significar os meios em que a língua é usada para co- Foi realizado um exame de sete gramáticas
dificar significados tais como graus de certeza e da língua portuguesa.1 A escolha das gramáticas para
comprometimento ou alternativamente vagueza e análise foi baseada nas indicações de colegas quan-
falta de comprometimento, crenças pessoais versus do perguntei qual gramática eles usavam como
conhecimentos geralmente aceitos. Segundo Stubbs, apoio ao ensino da língua portuguesa. A análise
é possível de modalizar apenas três tipos de unidade mostrou que a grande maioria nem sequer menciona
lingüística:: 1) itens lexicais individuais (palavras e o termo modalidade. Todas, porém, usam o termo
frases), 2) forças iloucionárias e 3) proposições. Os modo. Isto, em geral, é feito no capítulo sobre ver-
exemplos que seguem mostram estas possibilidades: bo e é simplesmente dito que o verbo em portugu-
Itens lexicais: escritores e falantes, às ve- ês possui três modos: o indicativo, o subjuntivo e
zes, usam palavras e frases com as quais não se o imperativo, seguidos com exemplos das formas.
identificam completamente, como os exemplos Algumas ainda tecem breves comentários sobre o
(03), (04) e (05): significado de modo como Rocha Lima (p. 123):
(3) tiveram que lutar contra o chamado imperialis- “O modo caracteriza as diversas maneiras sob as
mo branco quais a pessoa que fala encara a significação conti-
(4) ...fazer filosofia no sentido acadêmico o sen- da no verbo; distinguem-se três modos: indicativo,
tido rigoroso subjuntivo e imperativo. Revista
do GELNE
1
As gramáticas foram os seguintes: Gladstone Chaves de Melo, Gramática Fundamental da Língua Portuguesa, 3 ed, Ano 1
1978; Celso Ferreira da Cunha, Gramática da Língua Portuguesa, 6ed, 1980; Napoleão Mendes de Almeida, Gramática No. 1
Metódica da Língua Portuguesa, 3 ed, 1994; Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 3 ed, 1994; Carlos 1999
Henrique de Rocha Lima, Gramática Normativa, 32 ed, 1972; Maria Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua
Portuguesa, 2 ed, 1989; Mário Vilela, Gramática da Língua Portuguesa, 1995.
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Apenas duas gramáticas consultadas usam o propostos cita um artigo de jornal em que o autor
termo modalidade: (1) a Gramática da Língua Por- do artigo diz “Acredito que a maioria das pessoas se
tuguesa de Mário Vilela que distingue “modo” e automedica por sugestão de amigos...” O exercício
“modalidade”. “O “modo”, como categoria gramati- pergunta se o uso do verbo acreditar, em termos de
cal própria do verbo, é um dos instrumentos privile- força argumentativa, é mais convincente que os da-
giados para exprimir a “modalidade” (p.137). Por dos estatísticos apresentados num outro trecho do
modalidade o autor entende “como a gramati- mesmo artigo e se o uso desse tipo de argumento
calização das atitudes subjectivas do falante e a sua desqualifica o resto da dissertação. A resposta ofe-
transposição para o conteúdo do enunciado”.(p.138) recida é: sim embora o uso do verbo acreditar en-
(2) a Gramática da Língua Portuguesa de Maria fraqueça o argumento comparado ao uso de “dados
Helena Mira Mateus et al. com uma seção objetivos” (os números), não invalida o argumento
intitulada Modalidade. São discutidos tanto os do resto da dissertação porque o autor é um médico
modos verbais quanto os verbos modais. As au- conhecido e portanto pode fazer hipóteses sobre
toras notam que, enquanto prática lingüística em porque as pessoas se automedicam. Não há, no en-
interação, todo enunciado apresenta um determi- tanto, nada no capítulo em questão ou em outros ca-
nado grau de modalização que consiste “numa mo- pítulos do livro, qualquer discussão ou explicação
dificação introduzida pelo locutor ao nível da que levaria o aluno a esta resposta.
predicação, como resultado das condições pos-
tas à sua realização e da relação entre os elemen- 3 Considerações para um tratamento
tos envolvidos na produção” (1983:143). da modalidade no ensino
Talvez, o tratamento dado à modalidade na
maioria das gramáticas, ajude explicar sua ausência
Como não sou pedagoga nem, sequer, pro-
como tema nos livros didáticos da língua portuguesa
fessora de língua, não tenho a pretensão de mostrar
que foram examinados.2 Às vezes, expressões mo-
como deve ser ensinada a questão de modalidade.
dalizadoras são introduzidas sob outra terminologia
Quero, apenas, sugerir que a modalidade é um as-
(verbos de introdução de opinião, advérbios, etc.),
pecto da língua que deve ser considerado nas aulas
mas considerações mais detalhadas sobre as impli-
de língua materna, por consistir num domínio ne-
cações ou as situações apropriadas do seu uso, são,
cessário aos usuários dessa língua, tendo em vista
em geral, inexistentes.
as implicações diretas e indiretas do uso ou não uso
Por exemplo, em um livro didático recente de
dos modalizadores na interação social. A habilidade
Platão e Fiorin, intitulado Lições de Texto: leitura
de expressar-se bem na língua, como a habilidade
e redação (Ática 1996), num capítulo sobre argu-
de interpretar (compreender) a língua (oral ou es-
mentação há o seguinte comentário:
crita) depende, em parte, no domínio que se têm dos
“Para tornar o texto convincente, pouco adi- recursos que a língua oferece. A modalidade é um
antam manifestações de sinceridade do au- importante recurso para a produção de sentido; sen-
tor ou declarações de certeza expressa por tidos que variam do bem sutil ao bem explícito.
construções como tenho certeza, estou se- Nos livros didáticos examinados há uma pre-
guro, creio sinceramente, afirmo com toda ocupação em apresentar diferentes tipos de textos.
convicção, é claro, é evidente. Num texto Muitos utilizam textos reais com o objetivo de en-
não se prometem sinceridade e convicção. sinar o aluno a ler e produzir os vários tipos de tex-
Constrói-se o texto de forma que ele pare- tos que podem ser encontrados na sua vida cotidiana,
ça sincero e verdadeiro. A argumentação é de textos práticos (bilhete, anúncio, cardápio, con-
exatamente a exploração de recursos com vite, manual de instruções, bula de remédio) e tex-
vistas a fazer o texto parecer verdadeiro, tos informativos (textos jornalístico, enciclopédia,
para levar o leitor a crer.” gramática, mapa etc.) aos textos literários (poema,
A maioria das construções citadas são moda- conto, crônica, fábula, novela etc.)
lizadores epistêmicos. Os autores não abordam ex- É comum nos livros didáticos, ao descrever
plicitamente a modalidade, embora teria sido uma os diferentes gêneros de texto, atribuir aos textos
oportunidade para mostrar porque não é apropriado científicos a característica principal da objetividade.
o uso destas expressões num argumento ou melhor Se forem realmente objetivos, não devemos en-
ainda, uma vez que são extremamente comuns até em contrar muita modalização, expressão principal da
textos argumentativos, quando é apropriado usá-las. subjetividade. No entanto, o discurso científico é
Não há considerações deste tipo no texto da lição, bastante modalizado. Veja-se, por exemplo, o seguin-
embora neste mesmo capítulo, um dos exercícios te caso: (exemplo 12).
Revista
do GELNE
Ano 1 2
Para a análise dos livros didáticos, foram escolhidas coleções que tinham recebidos as mais altas recomendações do MEC nas
No. 1 avaliações para 98 e 99. M.F. Cócco e M.A Hailer, ALP (Análise, Linguagem e Pensamento), FTD e C.S Carvalho e M.G.
1999 Baraldi Construindo a Escrita, Ática, para as séries 1-4; M.F. Cócco e M.A Hailer, ALP (Análise, Linguagem e Pensamento),
FTD e M. Soares, Português através de textos, Moderna, para as séries 5-8. Para o segundo grau foi examinado Platão e

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Fiorin, Lições de texto: leitura e redação, Ática e Faraco e Moura, Língua e Literatura, Ática.
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(12) Admitindo que o objetivo fundamental do pro- cia escrita em maiúsculos NÃO TOME REMÉDIO
fessor de Português é o de ampliar a capacidade SEM O CONHECIMENTO DE SEU MÉDICO é
de comunicação, expressão e integração pela lin- modalizada logo em seguida, PODE SER PERIGO-
guagem da população atingida pelo seu trabalho, SO PARA A SUA SAÚDE, tirando assim, uma boa
parece correto esperar que o currículo de Le- parte da força da advertência. É dizer, é possível,
tras prepare o futuro professor para (...) mas não certo, que será perigoso; portanto arrisca!
(Fonte: Ilari |(1992:99-100) Podemos, através do estudo de textos cotidia-
Observem-se aqui as duas expressões assina- nos como as bulas, ensinar, ou pelo menos, alertar os
ladas. Seguramente, o autor postula tanto o objetivo alunos para os possíveis efeitos de sentido encadea-
do professor de Português, como defende a confi- dos pela modalização. Entre outros textos (escritos e
guração do currículo de Letras proposto. Contudo, orais) que podiam ser analisados para os efeitos de
deixa esta sua segurança sem a certeza que a carac- sentido devido a modalização, são textos políticos,
teriza, não porque tenha dúvidas, mas sim por não textos de propaganda, e textos jornalísticos.
querer se apresentar impositivo. Como Coracini
(1991) bem observou, o discurso científico não se 4 Conclusão
acha infenso à modalização como expressão da “sub-
jetividade” do enunciador. O estudo da modalização O que foi exposto aqui é, apenas algumas refle-
na escola prepararia o aluno para ser mais crítica na xões sobre as possíveis aplicações no ensino de por-
leitura e produção, também dos textos científicos. tuguês da análise da modalização. Para terminar
Ou seja o aluno aprenderia quando e porque é apro- gostaria sugerir que o ensino dos vários usos da
priado modalizar mesmo em textos “objetivos”. modalização é também muito importante para o ensi-
O estudo da modalidade pode ilustrar muito no de português como segunda língua. Embora a
bem a construção de sentido num texto, principal- modalização esteja presente em todas as línguas, suas
mente o sentido implícito. O exemplo (4) extraído formas e seus usos variam muito de língua para lín-
de uma bula de remédio mostra o uso do auxiliar gua, dificultando uma aquisição fácil justamente por-
modal poder para amenizar os possíveis efeitos que em muitos casos não há formas equivalentes entre
colaterais de um remédio a primeira e segunda língua. Apesar desta dificuldade,
(13) O álcool intensifica o efeito do “Rivotril” e isto enfocar a aquisição das sutilezas da modalização, o que
pode ser prejudicial. é imprescindível para a formação de um competente
[...] usuário da língua, deve ser também uma das metas do
O “Rivotril” pode modificar reações que ne- processo ensino/aprendizagem de uma língua, seja como
cessitem muita atenção como dirigir veícu- língua materna ou como segunda língua.
los ou operar máquinas perigosas. [...]
NÃO TOME REMÉDIO SEM O CONHECI- Bibliografia
MENTO DE SEU MÉDICO. PODE SER PE-
RIGOSO PARA A SUA SAÚDE. [...]
Como outras drogas deste tipo, o “Rivotril” CORACINI, Maria José. 1991. Um Fazer persua-
pode modificar o comportamento dos paci- sivo: O Discurso Subjetivo da Ciência. São
entes (por exemplo, dirigir veículos) Paulo, Pontes/EDUC.
(Bula de Remédio “Rivrotril”) KOCH, Ingedora G.V. 1996. Cognição e proces-
samento textual. Revista da ANPOLL 2:35-44.
Após a leitura de uma bula repleta deste mo-
dalizador, temos a impressão que embora possível, LYONS, J. 1977. Semantics. Cambridge, Cambridge
não é muito provável que os efeitos colaterais e da- University Press.
nosos nos afetarão. Por exemplo, mais de uma vez MATEUS, Maria Helena Mira; Brito, Ana Maria;
há menção do efeito da combinação do uso do re- Duarte, Inês; Faria, Isabel Hub. 1989. Gramá-
médio com álcool e a relação entre o uso do remé- tica da Língua Portuguesa. 2 ed. rev. Lisboa,
dio e certas operações tais como dirigir veículos ou Caminho.
operar máquinas perigosos.
PALMER, F.R. 1986. Mood and Modality.
O efeito de sentido do uso do auxiliar modal
Cambridge, Cambridge Univeristy Press.
poder, nestes exemplos, é de atenuar as conseqüên-
cias potencialmente danosas do uso desta droga. Veja PLATÃO E FIORIN. 1996. Lições de Texto: leitura
a diferença de sentido se retiramos os modalizadores e redação. São Paulo, Ática.
nas linhas1 e 2: O álcool intensifica o efeito do
“Rivotril” e isto é prejudicial. O “Rivotril” modi-
STUBBS, Michael. 1986. “A matter of prolonged Revista
fieldwork”:Notes towards a modal grammar of do GELNE
fica reações que necessitem muita atenção como
English. Applied Linguistics 17(1):1-25. Ano 1
dirigir veículos ou operar máquinas perigosas.
A advertência encontrada na linha 3 aparece VILELA, Mário. 1995. Gramática da Língua Por- No. 1
1999
em quase todas as bulas. O curioso é que a advertên- tuguesa. Coimbra, Almedina.

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