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2019)
@ Dr. Fernando Amado Couto (1992)
PARTE III
TRANSPORTE TERRESTRE
CAPÍTULO I
TRANSPORTE FERROVIÁRIO
Até à reforma de 2005, o transporte ferroviário não era tratado no Código Comercial, à
semelhança do que sucede na maioria das legislações, mas sim, em legislação avulsa. Isto porque,
salvo excepções como dos Estados Unidos da América, o transporte ferroviário apareceu
posteriormente ao movimento codificador e, ainda, porque foi conceitualmente considerado
sempre como um serviço público.
O Código comercial de 20051 consagra disposições de carácter geral para os diferentes modos de
transportes, incluindo o transporte ferroviário.
Antes de entrarmos no estudo específico deste diploma legal, detenhamo-nos sumariamente sobre
alguns aspectos históricos relativos aos caminhos-de-ferro de Moçambique, que foram e
continuam a ser um instrumento importante no desenvolvimento do país.
1
Aprovado pelo Decreto-Lei nº 2/2005, de 27 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-
Lei nº 2/2009, de 24 de Abril, e pelo Decreto-Lei nº 1/2018, de 4 de Maio.
2
Publicado no BO nº 27, I Série, de 2 de Julho de 1966.
O corredor de Maputo é servido pelo Porto de Maputo e da Matola, e três linhas férreas – de
Ressano Garcia, Goba e Limpopo, esta última, também, conhecida por linha de Chicualacuala. A
primeira serve o trânsito da África do Sul, com uma distância de 88 km; a segunda, a
Swazilândia, com um percurso de 74 km, e a última parte do Zimbabwe, com uma distância de
528 km.
A ideia da construção da actual linha férrea de Ressano Garcia surge em 1870, tendo o seu
primeiro traçado sido feito pelo Eng. G.P. Moodie, que assinou, em Novembro de 1870, um
contrato de concessão com o Governo Português. A posição contratual de Moodie foi adquirida
no mesmo ano pelo presidente sul-africano Burgers. O Governo Português retira então a
concessão a Moodie.3 Entretanto, regista-se um facto de importância política capital – a
arbitragem de Mac-Mahon que reconhece os direitos de Portugal sobre Lourenço Marques,
Catembe e Inhaca contra as pretensões inglesas.4
Em face do delicado problema político que se desenhava, o Governo de Lisboa decide contratar o
Eng. Joaquim José Machado5.
O General Machado viria a ser o homem chave do Governo português para concluir a construção
da linha. Enviado a Moçambique em 1882, concluiu os estudos do projecto que entusiasmam o
presidente Kruger. Faltava, então, obter os meios financeiros para a execução da obra. Esta
omissão veio, aparentemente, a ser suplantada com o surgimento na cena, do empresário norte-
americano, de nome Edward McMurdo6.
3
Nos melindres diplomáticos, Portugal assina, em Maio de 1879, um Tratado político com a Grã-Bretanha, em que se
reconhecem direitos comerciais e de acesso aos portos de Moçambique e, ainda, de estudarem conjuntamente a
construção da linha férrea de Lourenço Marques. Por razões do conflito político entre monárquicos e republicanos, esse
tratado nunca foi aprovado pelas Cortes Portuguesas.
4
Foi a 24 de Julho de 1875 que o Presidente da República francesa, o marechal Mac-Mahon, produziu a decesão
arbitral.
5
A figura de Machado tornou-se marcante. Os seus planos foram fundamentais para a execução da linha. Reconhecido
pelos seus serviços o presidente Kruger pretende recompensá-lo com uma quantia fabulosa para a época – 10 000 libras
de ouro ao que ele recusa, pois já tinha recebido pagamento pelo mesmo serviço de Lisboa. Em sua homenagem Kruger
dá o nome de Machadodorp, a uma das estações da via-férrea, que se mantêm ainda hoje.
6
McMurdo, foi um combatente da guerra da secessão nos EUA. Tratou-se de indivíduo habilidoso, sem capitais, mas
que conseguiu à custa de manobras políticas, atrair investidores para a sociedade anónima que controlava.
Desde 1902 que se ventilava, por parte das entidades da então Rodésia, a possibilidade de
construção de uma via-férrea que ligasse a região de Bulawayo a Lourenço Marques. Mas só em
1951 foi a empreitada iniciada na parte moçambicana, cujas obras terminaram em 1954, sendo
aberta ao tráfego a 13 de Fevereiro.
O corridor da Beira, para além do porto, é formado por duas linhas férreas – a de Machipanda,
operacional, que faz a ligação entre a capital de Sofala e Machipanda, na fronteira com o
Zimbabwe, e ainda a de Sena que, partindo da vila do Dondo, liga o porto ao Malawi,
indirectamente, à Zâmbia e à República Democrática do Congo.
A história da Cidade da Beira e a razão da sua existência interlig-se directamente com o porto e
com a linha férrea de Machipanda9. A dinâmica para a construção desta via deve-se,
fundamentalmente, aos esforços e à visão do Comissário Régio, António Enes e aos trabalhos
técnicos do militar Renato Baptista, a partir de 1891, cujas construções se iniciaram em 1893 e se
completaram em 1897.
A exploração do Caminho de Ferro da Beira foi atribuída, desde o seu início, a uma sociedade
britânica, denominada “The Beira Railway Company”, criada em 1892, cuja concessão foi
resgatada pelo Governo Português, em 1 de Outubro de 1949.10 O Porto da Beira foi, igualmente,
resgatado em Janeiro do mesmo ano. Em 1994 foram concluidas as obras do corredor da Beira
7
Assinale-se que os interesses polícos se manifestam neste jogo pela construção da linha férrea. Assim, o
presidente Paul Kruger, obtêm financiamentos para a parte da linha no Transval da Holanda, excluindo os
ingleses. Ora estes que tinham a moior parte das acções da sociedade comercial controladas por McMurdo.
8
A construção de ramais na RSA, desviava o tráfego swázi, sob dominação britânica, para os portos sul-
africanos.
9
De tal forma era estratégica a saida para o mar, que promovida por Cecil Rhodes, uma expedição inglesa
tentou em 1891, a tomada militar da Beira.
10
Publicado no Boletim Oficial no18, de 1949.
A construção de uma linha férrea que ligasse a costa à região do Niassalândia era um velho sonho
português, até como forma de consolidar o seu domínio territorial contra as pretensões britâncas.
A linha do norte conheceu múltiplas etapas, e apenas em 1937 se coloca a hipótese de a “testa da
linha”, ou seja o seu ponto de saída para o mar, ser Nacala, pelas razões de ser um porto de águas
profundas. Nos meados de 1950 terminam as obras e a ligação por mar, de Nacala a Entre Lagos,
permitindo a ligação com o Malawi, passando a constituir a saída mais próxma para o mar deste
país sem litoral.
Dado que a maior parte da legislação interna dos CFM resulta de diplomas anteriores importa
traçar, de forma resumida a história desta empresa. Em 1931, pelo Diploma Ministerial nº 31515,
foram instituídos os Serviços dos Portos e Caminhos de Ferro, como uma empresa do sector
produtivo do Estado, gerida por princípios híbridos entre a gestão privada e pública, dotada de
personalidade juridica e autonomia financeira. Dentro deste contexto institucional, foi elaborada a
maior parte das normas da administração ferroviária e portuária ainda hoje vigentes,
nomeadamente, o documento legal fundamental - o Regulamento para a Fiscalização, Polícia e
Exploração dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto nº 47. 043, de 7 de Junho de 1966.
11
Tratou-se do percurso de dois quilómetros entre Durban e a localidade “Point”.
12
Na execução deste trabalho, foi utilizada a seguinte bibliografia: “História dos Caminhos de Ferro de
Moçambique”, de Pereira de Lima-3 volumes; “Caminhos de Ferro de Moçambique – um projecto colonial
ou de cooperação regional” de Maria Luisa Norton Pinto Teixeira e o trabalhe Margaret Elisabeth Northey,
intitulado “General Joaquim José Machado – a selective bibliography”.
13
Publicado no Boletim da República no 36 – 4o Suplemento.
14
Criada através do Decreto nº 6/89, de 11 Maio. Publicado no BR no19 – 2oSuplemento.
15
Publicado no Boletim Oficial no 34.
“Nº 3.- A empresa administra ainda os bens de domínio público do Estado afectos às actividades
a seu cargo.”
“Nº 4.- Os bens do domínio público do Estado afectos à empresa são inalienáveis e
emprescriptivieis”.
Em face destas disposições, importa determinar se as linhas férreas integram ou não o domínio
público. A resposta a esta questão deve encontrar-se a dois niveis de análise:
Sobre a dominalidade pública, ensina, a doutrina, que no regime dos bens públicos verificam-se
os seguintes traços:
• Os seus sujeitos são pessoas de direito público – no caso em apreço é indubitável, pois os
CFM - E.P., são uma pessoa colectiva de direito público.
• É a lei que cria os bens de domínio público, que “define a sua extensão e atribui a sua
titularidade”, no dizer do ilustre Mestre do Direito Administrativo, prof. Marcello
Caetano. Ou seja, as linhas férreas, em qualquer das suas ópticas, só serão qualificáveis
de domínio público quando tal resultar de comando legal escrito.
• Trata-se de bens sujeitos ao Direito Administrativo e fora do alcance do Direito Privado.
Trata-se mais de uma consequência, do que uma característica propriamente dita, isto é,
se as linhas férreas forem efectivamente, domínio público a sua regulamentação legal é
do Direito Público e a sua jurisdição será a dos Tribunais Administrativos.
A questão deve antes de tudo ser analisada à luz da legislação constitucional. O art.98 no2 da
Constituição da República, contém uma enumeração dos bens que constituem o domínio público
do Estado, de entre os quais as vias-férreas. Não se acham, porém, referidos os terrenos sobre os
16 81
Publicado no Boletim da República no 40.
quais repousam as linhas férreas. Note-se que o legislador constitucional deixa aberta a
possibilidade de a qualificação como parte do domínio público se encontrar nos “demais bens
como tal classificados”- (artigo 98, no 2, alínea g).
Relativamente aos terrenos em que assenta a linha férrea, há que encontrar a resposta em
legislação especial. Destaca-se assim, a Lei de Terras – Lei nº 19/97, de 7 de Outubro, que
enumera como zona de protecção parcial “os terrenos ocupados pelas linhas férreas de interesse
público e pelas respectivas estações, com uma faixa confinante de 50 metros de cada lado do eixo
da via”- (artigo 8, alínea f)). Por seu turno, o Regulamento da Lei de Terras, contido no Decreto
nº 66/98, de 8 de Dezembro, estabelece, na sua alínea e), do no 1 do artigo 6, que a aprovação dos
projectos de construção de infra-estruturas públicas tais como as linhas férreas e respectivas
estações, na faixa de terreno de 50 metros confinante, implica a criação automática de zona de
protecção parcial que as acompanham.
Do exposto, pode-se concluir que a classificação do regime de terrenos sobre os quais assentam
as linhas férreas, parece não ser líquida enquanto bem integrante do dominio público, porquanto
não existe uma expressa qualificação legal nesse sentido, o que permite uma interrogação. Como
articular as linhas férreas, enquanto bens do domínio público, dissociadas do terreno em que se
inserem? Ora, necessariamente, o mais vale ao menos, ou seja, as porções de terreno, aonde
repousam as linhas férreas são igualmente bens de domínio público. Para além disso, existem
vários critérios para determinar a dominialidade dos bens. Um deles é o critério de afectação, ou
seja, destinam-se a uso comum17, critério que será aplicado aos “leitos” da via-férrea.
Não existe nenhum monopólio legal que impeça que entidades privadas exerçam a exploração da
indústria do transporte ferroviário. Na realidade esta assumpção tem como base o Regulamento
para a Fiscalização, Polícia e Exploração dos Caminhos de Ferro, porquanto, no seu no 3 do
artigo 1, lê-se:
Pelo que, no plano legal, a empresa pública Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique - EP,
não goza de nenhum monopólio estatal. Esta realidade é reafirmada no preâmbulo do Decreto da
sua constituição, quando o legislador menciona os seguintes princípios de política programática
17
Nesse sentido o Prof. Marcello Caetano in “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, Pág.
427.
Aliás, como se teve a oportunidade de analisar, historicamente muitos dos investimentos nas
linhas férreas foram feitas por entidades concessionárias privadas. Nos últimos tempos essa
tendência está a reconquistar o terreno, depois de alguns anos de aparente monopólio dos CFM,
nesta actividade.
CAPÍTULO II
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
5.- ENQUADRAMENTO DA ACTIVIDADE DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO
• Os veículos sejam propriedade de uma pessoa singular ou colectiva, por sua exclusiva
conta e sem direito a qualquer remuneração directa ou indirecta.
Enquadra-se, ainda, no transporte particular ou por conta própria, nos termos do nº 2 do artigo
5 do RTA, designadamente, os transportes de hóspedes quando realizados pelos respectivos
estabelecimentos hoteleiros, de alunos, pelo estabelecimento de ensino e de trabalhadores ou
funcionários de uma instituição publica ou privada.
18
Publicado no Boletim da República no90 –I Série.
O transporte público ou por conta de outrem pode ser explorado em regime de aluguer ou
colectivo, conforme dispõe o artigo 8 do RTA.
Os transportes públicos de aluguer são, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 18 d RTA, transportes
por conta de outrem, destinados ao serviço comercial de interesse público, em que os veículos são
alugados no conjunto da sua lotação ou da sua carga e postos ao exclusivo serviço de uma só
entidade, segundo itinerário da sua escolha. É equiparado ao transporte de aluguer o transporte de
(i) mercadorias acompanhadas ou não pelos respectivos proprietários, desde que efectuado em
veículos de mercadoria ou misto, ou (ii) serviço funerário (cfr. alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 18
do RTA).
O transporte público colectivo é aquele que é efectuado por meio de veículo automóvel utilizado
por lugar da respectiva lotação ou fracção da capacidade de mercadoria do veículo, obedecendo a
itinerários e horários previamente estabelecidos, podendo servir varias pessoas simultaneamente
sem ficar sem ficar exclusivamente ao serviço de nenhuma delas (cfr. para 46 do glossário).
Num outro plano, o destaca-se o transporte internacional, que é o que estabelece a ligação entre
o território nacional e o estrangeiro, com rotas previamente definidas (cfr. para 55 do glossário).
O transporte público ou por conta de outrem deve, nos termos do nº 2 do artigo 7 do RTA, ser
efectuado em veículos automóveis de matricula nacional registados em nome do titular da licença
ou de quem tenha autorização de uso, gozo ou fruição. O nº 2 da mesma disposição legal, dispõe
que todas as licencas de veículos pertencentes à mesma empresa individual ou colectiva constam
de um único alvará titulado à empresa beneficiária.
A entidade licenciadora pode, ainda, autorizar, mediante uma licença ocasional, o transporte de
passageiros quando solicitado pelo proprietário do veiculo para efectuar serviços de casamento,
funeral, desporto, cultura, cerimonias oficiais, somente para uma viagem de ida e volta.
Esta estipulação presta-se a alguma confusão, na medida em que parece afastar a possibilidade de
as empresas públicas ou estatais - pessoas colectivas, indiscutivelmente, de Direito Público,
puderem obter licenças. Poder-se-á entender que a criação destas entidades, por entidade pública,
será suficiente para que o processo de licenciamento seja dispensado? Estamos inclinados a
concluir que sim, já que, por um lado, o nº 1 do artigo 10 daquele Diploma contempla a
exploração do transporte colectivo, uma das modalidades do transporte público, por “… pessoas
singulares ou colectivas…” e, por outro, o conceito de empresário comercial à luz do Art. 2 do
Código Comercial19, de 2005, inclui as pessoas singulares e colectivas, estas podendo ser públicas
ou privadas, bem como as sociedades comerciais. Ou seja, as empresas públicas ou estatais
exercem a actividade transportadora à luz do nº 1 do artigo 10 do RTA, e do nº 1 do artigo 2 do
Código Comercial.
Para além da condição essencial para a exploração da indústria de transporte público, prevista no
nº 2 do artigo 10, o RTA prevê requisitos específicos para o licenciamento de cada tipo de
transporte. Tais são os previstos no artigo 21 e seguintes, relativamente ao transporte
personalizado; do artigo 34 e seguintes, quanto ao transporte escolar; do artigo 47 e seguintes,
relativamente ao transporte turístico; do artigo 58 (2), relativamente ao transporte de aluguer sem
condutor; do artigo 61, relativamente ao transporte de aluguer de pronto-socorro; do artigos 64 e
65, relativamente ao transporte de mercadorias em automóveis pesados; dos artigos 69 e 70,
quanto aos transportes colectivos de passageiros; e do artigos 113 e 114, quanto ao transporte
internacional.
O RTA prevê, ainda, no seu artigo 11, a emissão de alvará, com validade de 10 anos, renováveis
por iguais períodos, às entidades singulares ou colectivas que se proponham dedicar-se à
exploração da actividade de transporte, devendo o respectivo pedido de emissão conter os
documentos referidos nas alíneas a) a e).
19
Aplicável subsidiariamente ao Direito dos Transportes.
• Tipo D – Transporte colectivo, praça e misto cuja exploração se circunscreva à área sob
jurisdição do distrito; e
O artigo 70 do RTA estabelece que o transporte colectivo é efectuado por pessoas singulares ou
colectivas em benefício social, e o nº 1 do artigo 74, que os concessionários de carreiras
regulares, quando o interesse público o justifique, podem celebrar contratos de combinação de
serviço com outros concessionários. Por outro lado, o artigo 76 sujeita a concessão de carreiras a
concurso público.
Assim, entendemos que, no quadro legislativo actual, o transporte rodoviário colectivo se integra
no serviço público, tendo carácter industrial e comercial.
O regime das concessões funciona na base das carreiras que são “as ligações entre diferentes
locais estabelecidos por colectivo com itinerários, horários e tarifas previamente aprovadas pela
entidade licenciadora” (cfr. para 15 do glossário). Essas carreiras podem ser regulares, expresso,
eventuais, e provisórias, podendo ser, quanto às localidades servidas, urbanas, inter-urbanas, e
inter-provinciais (cfr. artigo 75).
Como foi assinalado, o transporte rodoviário, nos seus diferentes tipos, encontra-se profusamente
regulado com um marcante grau de intervenção do Estado na actividade.
O pormenor legislativo vai ao ponto de regular aspectos tais como, uniforme dos condutores,
cobradores e outros empregados dos concessionários. Por exemplo, quando em serviço, os
condutores de transporte personalizado não deverão tomar refeições dentro do veículo (cfr. alínea
f) do artigo 127).
Algumas das empresas intervencionadas serviram de base para a constituiçãode empresas estatais,
como a ROMOS; a ROMOC; a ROMON e a CAMIONAGEM DE MOÇAMBIQUE20; outras
criadas de novo, como a RÁDIO TAXI.21 Outras ainda, resultaram da transformação de serviços
públicos geridos pelas autarquias locais, como os SMV, em empresas estatais, como o TPU-
TRANSPORTES PÚBLICOS URBANOS. Assiste-se mesmo à “nacionalização” dos táxis,
através da revogação das suas praças e licenças, por decisão dos Conselhos Executivos.
Restavam, é certo, alguns operadores privados22 que se sujeitavam ao plano central nas
importações de veículos e sobressalentes, em maifesta situação de desigualdade com o sector
público.
Este quadro permite concluir que o Estado, tanto por mecanismos resultantes da legislação, como
através dos instrumentos operativos das empresas estatais operadoras, controlava o mercado do
transporte rodoviário de forma quase monopolista.
Por razões diversas, empresários privados, empreedem a partir de 1984, nas margens da
legalidade, uma actividade de transporte de passageiros nos meios urbanos. Nascia assim um dos
mais importantes núcleos da indústria dos transportes o “chapa cem” que, eufemísticamente,
passa a ser designado como “semi-colectivo”.
Foi um fenómeno espontâneo, que pode ser apontado como um exemplo mais claro da outra
característica legal dos anos oitenta a “desregulamentação”, ou seja, a desintervenção legislativa
do Estado na vida económica. Os operadores do “chapa-cem” determinam, através das regras de
mercado, as suas tarifas, os seus percursos, etc.
20
Herdeira basicamente da Camionagem Automóvel dos CFM.
21
Que teve duração efémera.
22
Casos das empresas Oliveiras e Manuel Antunes.
CAPÍTULO III
CONTRATO DE TRANSPORTE
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Nos termos do artigo 559 do mesmo Diploma o contrato de transporte é regulado pelas normas
legais que lhe sejam directamente aplicáveis em virtude do meio de transporte utilizado e pelas
disposições aplicáveis do respectivo Capítulo VII do Título II, do Livro III. Ou seja, as diferentes
modalidades de transporte estão sujeitas, primariamente, às normas legais especiais em virtude do
modo de transporte e, por conseguinte, às disposições aplicáveis do Código.
Assim, o quadro legal do contrato de transporte integrará, primariamente, entre outros Diplomas,
o RTA (Decreto nº 35/19, de 10 de Maio), quanto ao transporte rodoviário; o Regulamento para a
Fiscalização, Policia e Exploração dos Caminhos de Ferro (Decreto nº 47.043, de 7 de Junho de
1966), quanto ao transporte ferroviário; as disposições do Livro III do Código comercial de 1888,
relativamente ao transporte marítimo, que continua em vigor, em virtude do artigo 2 do Decreto –
Lei nº 2/2005, de 27 de Dezembro.
Como qualquer outro contrato comercial, importa ter em linha de conta que as normas pertinentes
do Direito Civil, nomeadamente, sobre teoria geral do negócio jurídico e dos contratos em geral,
ser-lhe-ão, subsidiariamente, aplicáveis.
O contrato de transporte será um contatato civil ou comercial? O Código Civil não comporta
qualquer norma relativa ao transporte, no âmbito dos contratos em especial. Portanto, para a
legislação, civil trata-se de um contrato inominado e atípico, na medida em que não tem nome
próprio, nem qualquer regulamentação específica24.
Já o Código Comercial de 2005 enquadra-o no Cap. VII, do Título II, do Livro III (arts.557 e
seguintes), dando-lhe a seguinte definição:
“O contrato de transporte é aquele pelo qual uma pessoa se obriga a conduzir pessoas ou bens
de um lugar para o outro, mediante retribuição”.
23
Aprovado pelo Decreto – Lei nº 2/2005, de 27 de Dezembro.
Nos termos do Art. 558, o contrato de transporte pode efectuar-se por via terrestre, marítima,
fluvial, lacustre, ferroviária e aérea.
“É considerado como contrato mercantil, aquele que é celebrado pelos empresários comerciais,
entre si ou com terceiro, desde que no exercício da actividade empresarial”.
a) as pessoas singulares ou colectivas que, em seu nome, por si ou por intermédio de terceiros,
exercem uma empresa comercial;
b) as Sociedades comerciais”.
O transportador, que quer pode assumir a forma de pessoa singular, assim como colectiva, é, na
verdade, um Empresário Comercial, porquanto, reúne os requisitos do Art. 2, conjugado com o
Art. 3, ambos do Código Comercial.
Sabendo-se, porém, que a actividade de transporte é exercida pelo Estado e outras pessoas
colectivas de Direito Público, resta saber qual é o seu enquadramento, a nível daquele Diploma.
Como vimos supra, no ponto 8, este aparente desenquadramento legal tem a sua resposta no
próprio artigo 10 (1), pois, contempla a exploração do transporte colectivo por “… pessoas
singulares ou colectivas…” atraindo assim, para o seu âmbito, o Estado e outras pessoas
colectivas públicas.
“O transportador pode fazer efectuar o transporte directamente por si, ou por intermédio de
terceiros.
§ Único: No caso previsto na parte final deste artigo, o transportador que primitivamente
contratou com o expedidor, conserva para com este a sua originária qualidade...”
Note-se que a regra geral do artigo 2 do Código Comercial, sofre um desvio quanto ao transporte
público de passageiros, para o exercício do qual, o artigo 7 (2) do RTA impõe que deve ser por
veículos registados em nome de do titular da licença ou de quem tenha autorização de uso, gozo,
ou fruição.
O transporte multimodal ou intermodal. Nesta modalidade são pelo menos utilizados dois modos
diferentes de transporte, a coberto do mesmo contrato de transporte.
O transporte multimodal é relativamente recente. Nasce nos princípios dos anos setenta, com a
necessidade de se assegurar um sistema integrado de transporte. Permite, com o mesmo
documento de transporte, que uma determinada mercadoria seja transportada “porta a porta”,
assegurando redução de custos, de tempo e uma maior segurança. É essencialmente utilizada no
transporte de mercadorias. O documento emitido no transporte multimodal ou intermodal chama-
se “documento combinado”.
Para regular as questões emergentes do Direito Internacional Privado, nos contratos de transporte
multimodal, foi adoptada a CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O TRANSPORTE
MULTIMODAL INTERNACIONAL DE MERCADORIAS26, assinada em Genebra, a 14 de Maio
de 1980. Este tratado multilateral aplica-se, nos termos do no1 do art.1 na:
No escopo da referida Convenção as mercadorias têm que estar unitizadas, ou seja, contidas em
contentor ou em palete, ou outra unidade de transporte. Aliás, a razão histórica da facilitação e do
sucesso do transporte multimodal resulta da introdução dos contentores, como forma de
embalagem das mercadorias a transportar.
25
A doutrina italiana aponta que no transporte por correspondência, os transportadores têm a obrigação de
cooperar entre si, por forma a dar continuidade à cadeia da deslocação. P. ex.- e por todos VIVANTE.
26
Moçambique não é parte e ela própria ainda não entrou em vigor, em virtude de não ter reunido até aqui
o nr. De ratificações necessárias para o efeito.
O sector empresarial do Estado assumiu importante peso económico, pelas coordenadas políticas
definidas na Constituição.
No quadro legislativo, a Lei nº 2/81, de 30 de Setembro, ora revogada pela Lei nº 3/2018, de 19
de Junho, criou o Estatuto Tipo das Empresas Estatais. Ao abrigo dessa Lei-tipo, algumas
empresas de transporte foram constituídas, e outras regiam-se por forma pouco clara, por essa
mesma legislação, através do recurso a uma figura conhecida por empresa estatal (em
formação)27.
As empresas estatais, muito embora o legislador não afirme expressamente, eram pessoas
colectivas de Direito Público, sujeitas ao Direito Público. Esta conclusão resulta do seu regime
legal (criação administrativa dos órgãos do Estado, não sujeição à falência, incompetência dos
tribunis comuns em dirimir litígios entre si, entre as principais características).
Este quadro sofreu algumas alterações, em virtude da Resolução nº 11/92, de 5 de Outubro. Com
a revogação da Lei nº 2/81, de 30 de Setembro, deixaram de existir as Empresas Estatais. No
entanto, ao longo de todo o período da sua existência, foram sujeitos de direito público.
As empresas públicas são pessoas colectivas de Direito Público? Qual o regime jurídico aplicável
às suas actividades?
Diz o art. 4 da Lei nº 3/18, de 19 de Junho (que revogou a Lei nº 6/2012, de 8 de Fevereiro):
Ou seja, às empresas públicas, o Direito Privado será, subsidiariamente, aplicado para as matérias
que não se encontrem reguladas na Lei nº 3/18, de 19 de Junho, e no diploma de sua criação.
27
Devido a estas irregularidades o legislador, através do Decreto N° 14/93, de 14 de Setembro, publicado
no BR N°36 – Suplemento, determinou que “as unidades económicas de propriedade do Estado que
careçam de personalidade juridica… poderão ser transformadas em sociedades comerciais de capitais
públicos .”
28
Será discutível se a extinção da empresa estatal será ou não possível. Defendemos que sim e que trata-se
de alternativa contida implicitamente na Lei-Tipo das Empresas Estatais. Algumas Empresas Estatais,
ligadas ao sector dos transportes, foram extintas. É o caso da ANAVIA, ESOF e EMAP.
Reduzindo a temática genérica às especialidades dos transportes, retenha-se, antes de mais que, o
contrato de transporte comercial é, não só de um acto de comércio objectivo, como ainda d’um
acto de comércio absoluto29.
Importa ainda lembrar o artigo 5 do Código Comércial, que consagra a teoria da unidade, aos
actos bilaterais, em que uma parte é comerciante e outra não. Os actos mistos sujeitam-se á
legislação comercial relativamente a ambas as partes.
Retenha-se ainda que a empresa de transportes é considerada comercial - cfr. artigo 3. Retenha-
se, igualmente, e por último, que o legislador comercial considera como transportadoras as
“pessoas colectivas”, que não se limitam às sociedades comerciais.
Este enquadramento permite-nos equacionar algumas questões com implicações para o Direito
dos Transportes. Assim,
• quando uma empresa pública, que seja transportadora, formule um contrato de transporte
com outra empresa pública a Legislação aplicável será o Direito Comercial, se o contrato
tiver a natureza mercantil e não actuarem imbuidas de jus imperii.
• quando o transportador seja uma empresa pública e o expedidor um comerciante, o acto
será, de igual modo, regulado pela legislação comercial, por força do artigo 5 se se tratar
de um acto misto.
• o mesmo se aplica à situação inversa, comerciante, transportador e expedidor, empresa
pública.
É comumente aceite na doutrina que as empresas públicas possam ser comerciantes, se bem que
as bases da sua fundamentação sejam diferentes30. Mas esse facto não significa que o quadro de
direitos e obrigações, tal como definido pelo Código Comercial, seja aplicado na sua plenitude,
como a não sujeição á falência.
Mesmo que o expedidor e destinatário se confundam na mesma pessoa singular ou colectiva, não
se verifica qualquer alteração na posição dos sujeitos do contrato de transporte. A cada um
pertencem direitos e deveres específicos. Nem se verifica qualquer confusão, no sentido de
extinção da obrigação.
29
Cite-se, a este propósito, o dr. Miguel Pupo Correia “a mais importante dessas actividades (de prestação
de serviços) é a de transporte que, intervindo em todas as actividades humanas e em todos os estádios de
evolução económica e social, tem relevantíssima importância functional para outros ramos económicos.
Daí que a actividade transportadora seja, desde sempre, considerada como comercial” – in “Direito
Comercial” – pag. 63 – 64.
30
Posição de Lobo Xavier, Menezes Cordeiro, Oliveira Ascenção, Simões Patrício, entre outros, na
doutrina portuguesa.
a) Contrato em favor de terceiro. Recorde-se que este tipo de acordo é uma das fontes das
obrigações, encontrando-se regulada no artigo 443 e seguintes do Código Civil.
Genericamente, num contrato a favor de terceiro verifica-se a formação de um acordo
entre duas partes, para proporcionar, directamente, uma vantagem a um terceiro, que
consiste normalmente num direito de crédito31. Este direito constitui-se,
independentemente, da aceitação do terceiro, mas este pode rejeitar a promessa,
conforme estipula o no 1 do artigo 447 do Código Civil.
Seria o que se verificava no contrato de transporte. O Expedidor e Transportador
formulam o contrato, que se irá repercutir na esfera jurídica do destinatário.
Crítica: Esta tese comporta vários senãos. Assim, em primeiro lugar, a execução do
contrato de transporte não fica na dependência da aceitação ou rejeição do destinatário.
Este assume as suas obrigações desde que a guia de transporte é emitida32. Acresce-se,
também, que não é só o destinatário que tem um direito sobre o transportador. Este
possui, de igual modo, direitos de crédito sobre o destinatário.
b) Cessão de créditos. Para esta corrente o que se verificaria seria depois da formação do
contrato, o expedidor ceder os seus direitos de crédito ao destinatário, que assumiria a
posição de cessionário. A cessão de créditos é uma das formas de transmissão das
obrigações, prevista no art. 577 do Código Civil.
31
Seguindo os ensinamentos do Prof. Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações – Súmula”, pág.
83.
32
Adiante-se que a Guia de Transporte, de que falaremos mais adiante, é o documento que evidencia as
condições do contrato de transporte de mercadorias.
c) Direito próprio dos transportes. Esta é a posição dominante que encontrou eco na
jurisprudência francesa e italina. Sustenta-se que a explicação da posição particular do
destinatário, enquanto sujeito da relação jurídica, se deve ao próprio direito dos
transportes, sendo um dos seus institutos particulares33. O destinatário terá um direito
directo contra o transportador, mercê do próprio contrato.
2.2.2.- O consignatário
Por vezes, fica estipulado que a mercadoria não é enviada directamente ao destinatário, mas sim
a outra entidade denominada- consignatário. Este actua por conta do destinatário na recolha das
mercadorias.
Pelos elementos menciondos estamos em posição de dar uma definição ao contrato comercial de
transporte.
Contrato de transporte é a convenção pela qual uma pessoa se obriga a conduzir pessoas ou bens
de um lugar para o outro, mediante remuneração.
Desta definição podem-se demarcar alguns elementos, quanto á sua natureza jrídica dentro da
classificação dos contratos.
3.1.-Contrato consensual
É um contrato consensual porque a sua formação não depende de forma especial prescrita por lei.
A sua celebração depende apenas do acordo de vontades entre as partes contratantes.
“Os contratos dizem-se sinalagmáticos quando derem lugar a obrigações recíprocas, ficando as
partes, simultaneamente, na situação de credores e devedores e coexistindo prestações e
contraprestações”, afirma o Prof.Menezes Cordeiro35. O transportador encontra-se vinculado a
uma pesrtação no contrato de transporte de passageiros ou mercadorias - deslocá-los. O
passageiro e/ou o expedidor têm para com o transportador uma contraprestação, o pagar - o
bilhete, ou o frete. É por isso um contrato sinalagmático.
34
No sentido em que os dois contratos mantêm a sua individualidade, mas encontram-se interligados na sua
execução. Neste sentido o Prof. Inocêncio Galvão Teles, in “Dos contratos em geral”.
35
In “Direito das Obrigações” vol I, pág. 422.
Estaremos perante um contrato oneroso, citando o Prof. Menezes Cordeiro “quando implique
esforços económicos para ambas as partes, em simultâneo, e com vantagens correlativas36”.
Há quem defenda que não se concebe o transporte sem pessoa ou coisa a transportar. Para os
defensores da inculsão do acordo deste transporte nesta categoria, a celebração do contrato teria
apenas efeitos de um “contrato promessa”.
Ora esta posção, afigura-se-nos que não deve ser aceite, porquanto:
• Não se explica como o expedidor pode ser obrigado a pagar o frete por inteiro ou em
parte - designado por frete morto, quando não apresenta a mercadoria em devido tempo
ou no local acordado. O frete morto não é uma cláusula penal de um contrato promessa,
mas sim uma indemnização resultante do contrato de transporte, o que indca que o
contrato produziu efeitos logo após a sua conclusão37. O mesmo se deve aplicar ao
passageiro que não se apresenta ao embarque no tempo acordado. Normalmente esta
figura é conhecida como “no-show”, sendo vulgar no mercado da aviação comercial.
Esta temática interliga-se á problemática dos contratos de adesão que se caracterizam por existir
um conteúdo pré-fixado, dirigido a uma generalidade de pessoas. O mundo actual, sobretudo no
36
In “Direito das Obigações” vol I, pág. 426 e igualmente em “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol I, pág.
536.
37
O frete morto ou o no-show do passageiro só podem ser aplicados quando as condições de transporte o
expressem.
que toca ao transporte urbano de passageiros não se compadece com uma livre e prévia discussão
das condições do transporte. O contrato de transporte, salvo excepções, é um contrato de adesão
que “é uma manifestação fatal da sociedade de massas e... corresponde à racionalidade técnica da
sociedade actual”, no entender do Prof.Oliveira Ascensão.38
Os contratos de adesão têm suscitado uma larga controvérsia doutrinária, não só pela sua natureza
jurídica, como pelos seus efeitos, ao consagrar o domínio de uma parte sobre a outra, mercê da
sua posição de domínio no mercado, ou poderio económico. Como forma de se defenderem os
interesses da parte mais desfavorecida, ou seja, daquela cuja vontade se manifesta por aceitar ou
rejeitar em bloco a proposta contratual, alguns ordenamentos jurídicos têm produzido normas no
sentido de proteger as condições elementares para que a liberdade contratual e o princípio da
equidade se manisfestem. A forma usual da produção dessas normas é através das claúsulas
contratuais gerais.39
Assinale-se que é usual nos diferentes contratos de transporte as condições gerais serem escritas
em letras minúsculas e impressas a cores que dificultem a sua leitura, com prejuízo manifesto
para as outras partes contratantes.
CAPÍTULO IV
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
1- CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
O requisito são e salvo pode parecer uma redundância, mas importa ser reafirmado na medida em
que indica de forma peremptória que o transportador deve ter o seu equipamento em estado de
manutenção adequado e os seus condutores habilitados de forma a assegurar que a deslocação do
passageiro não esteja sujeito a riscos desnecessários. Por outro lado, este requisito, denota que
serão irrelevantes as cláusulas que o transportador introduza, derrogando a responsabilidade por
danos causados ao passageiro e bagagem, em caso de acidente por causas imputáveis á empresa
transportadora – Vide nº 5 do artigo 565 do Código Comercial.
38
In “Teoria Geral do Direito Civil” - 3° Vol. Pag.369.
39
“As cláusulas contratuais gerais surgem como um instituto à sombra da liberdade contractual … As
padronozações negociais favorecem o dinamismo do tráfego jurídico, conduzindo a uma racionalização …
mas não se deve esquecer que o predisponente pode derivar do sistema certas vantagens que signifiquem
restrições, despesas ou encargos menos razoáveis para os particulares”, citando o Prof. Menezes Cordeiro/
Almeida Costa In “Cláusulas contratuais gerais”, pág.11.
um outro contrato, nem um contrato acessório, mas um acto emergente do próprio contrato de
transporte do passageiro – Vide o artigo 116 e seguintes do RTA e o artigo 561 do Código
Comercial.
O contrato de transporte de passageiros segue na sua celebração as regras do direito civil quanto á
formação dos contratos. Como se disse, trata-se de um contratual consensual, evidenciado por um
meio de prova - o bilhete.
Se existe uma compra antecipada do título de transporte, por parte do passageiro, o contrato é
celebrado na aquisição desse bilhete e os seus efeitos jurídicos são produzidos a partir desse
momento. Se o título for adquirido no próprio veículo, o contrato inicia a produção dos seus
efeitos a partir desse acto.
• em relação aos menores: o negócio será válido se recair dentro dos pressupostos da alínea
b) do no 1 do artigo 127 do Código Civil, que consagra a validade dos negócios dos
menores decorrentes da sua vida normal que impliquem despesas de pequena
importância.
• caso o contrato de transporte tenha sido celebrado por um menor sem autorização, com
um valor mais avultado40, o negócio poderá ser anulável - artigo125 do Código Civil,
salvo havendo dolo, nos termos do artigo 126.
• mutatis mutandi quanto aos interditos, por força do disposto no artigo 139 e aos
inabilitados artigos 156, todos do Código Civil.
Mas o puro plano dos rigores normativos encontra-se definitivamente confrontado, com a vida
prática. Autores apontam que o interesse colectivo se sobrepõe aos princípios individualistas,
tentando desta forma explicar a prática neste domínio.
Nas grandes cidades no transporte urbano, a venda de bilhetes feita por empregados do
transportador tem sido substituida por máquinas em que a escolha do trajecto é ordenada pelo
passageiro à máquina, e esta produz o respectivo título, aceitando o pagamento e efectuando, em
determinadas circunstâncias, os respectivos trocos.
Este automatismo tem colocado problemas de enquadramento jurídico. Em primeiro lugar, para
se determinar se é legítima a celebração de um negócio jurídico entre uma pessoa jurídica e uma
máquina - autómato ou computador - Já que por mais que a inteligência artificial exista, não são
consideradas por nenhum ordenamento jurídico como pessoas jurídicas. A resposta a esta
primeira questão resulta, nesta fase do desenvolvimento da sociedade, de que a máquina foi
programada pelo homem, donde que ela reproduz a vontade humana.
Em segundo lugar, como classificar essa actividade jurídica, dentro da formação dos contratos.
Parece-nos que a doutrina defendida por LARENZ, tratando-se de uma oferta ao público, o
declarante (no nosso caso o passageiro) limita-se a aceitar as condições genéricas que a máquina,
actuando de acordo com o programa introduzido lhe oferece.
Ora, o contrato de transporte de passageiro, nas suas modalidades rodoviárias e ferroviária, não
deixa de estar no âmbito privado e na categoria de contratos de adesão. Isto porque os termos do
contrato não são aprovados por imposição da lei, mas existe uma margem (miníma é certa) da
liberdade contratual, e nem o facto de poderem ser aprovados os transforma em contratos
administrativos. Cite-se, a este propósito, prof. Oliveira Ascensão: “Não há, porém, ainda
regulamento, se as cláusulas forem objecto de uma aprovação administrativa. Não obstante a
aprovação, continuam a ser autónomos”41 .
41
In Teoria Geral ... Vol III, pag. 376
Neste diploma estão reunidas as normas relativas aos transportes de passageiros por cominhos de
ferro. Analisemos os principais pontos. Nos termos do artigo 39, o passageiro deve munir-se de
um bilhete, que o habilita ao transporte e impõe um vínculo obrigacional ao transportador. O
bilhete é a prova da celebração de um contrato. Caso uma pessoa seja encontrada a viajar “sem
bilhete ou bilhete não válido e se recuse ao pagamento do transporte... será condenado em multa
igual ao décuplo da importância total que lhe for devida pela viagem que fizer” (art. 39 no2).
Existe, assim, um mecanismo de prova que se presume de quem não se encontre na posse do
título de transporte, se encontra em situação irregular.
“No1 a empresa responde pelas perdas e danos que causar ás pessoas e á proprieda alheia...
“no2 – Em tudo quanto não esteja expressamente previsto neste Regulamento aplicar-se-ão as
normas dos diplomas legais e dos regulamentos especiais sobre a responsabilidade do transporte
que não contrariem o disposto na lei geral sobre a matéria da responsabilidade civil”.
1.- Cumpre á empresa indemnizar os passageiros de todos os prejuízos que sofrerem nas suas
pessoas em consequência de acidente, salvo se demosnstrar que o acidente foi produzido por
caso fortuito, força maior, culpa da vitíma ou de terceiro.
2.- Quando se trate de danos em valores de mão ou animais que os passageiros levem consigo só
haverá lugar á indemnização na medida em que aqueles danos sejam susceptíveis de avaliação
directa”.
O Decreto n. 35/19, estabelece de igual modo alguns princípios. O uso do bilhete é obrigatório
(arts. 103 e 104 (2)). Os bilhetes das carreiras terão menções obrigatórias, nomeadamente, o nome
da empresa concessionária: o nome e contactos da empresa concessionaria; a indicação da data da
viagem e período de validade; o percurso, o preço e o número do bilhete (art. 105). Confere ainda
o direito ao transporte gratuito de bagagem no interior dos veículos, desde que pelas suas
dimensões e natureza, não incomodem os restantes passageiros e prejudique ou danifique o
veículo, nas carreiras urbanas (art. 118). Os passageiros que viagem em veículos afectos a
carreiras interprovincial e internacional têm direito ao transporte gratuito de 20kg de bagagem
(art 116). Para além do disposto nos artigos 122 e 123, não estabelece qualquer regime especial
quanto á responsabilidade civil do transportador, pelo que se aplicam, supletivamente, as normas
do Código Civil.
CAPÍTULO V
No caso particular do transporte rodoviário, já se notou que o art.153 do RTA, faz sujeitar á
legislação comercial os contratos de transporte.
Para além das capacidades jurídicas das partes intervenientes no acordo, exigindo duas
declarações de vontade de sentido oposta válidas.
No entanto, na maiorea das vezes, a proposta contratual do transportador é uma oferta ao público,
feita pelo transportador ao público em geral. Este oferece os seus serviços a uma generalidade de
pessoas, ou ao mercado.Neste domínio é de ressaltar o art. 230 no3 do Código Civil, em que
estipula que a revogação da proposta ao público só é eficaz “desde que seja feita na forma da
oferta ou em forma equivalente”.
Anote-se que a teoria das relações contratuais de facto,42 que se pode aplicar, no domínio do
transporte de passageiros, será inaplicável no transporte de mercadorias. Não basta um
comportamento social típico, torna-se necessário, a existência de uma mercadoria. Da mesma
forma que, na formação do contrato, a teoria da culpa in contrhendo, aflorada no art.227 do
Código Civil poderá ser aplicada ao convénio de transporte. A título de exemplo serão os casos
de o expedidor não possuir nenhuma mercadoria a fazer deslocar, ou o transportador não operar
42
Foi uma teoria desenvolvida por nomes sonantes da escola juridical germânica, que não encontrou eco
nos trabalhos preparatórios do Código Civil e como tal, não foi consagrada.
nenhum meio de transporte, se bem que nesta eventualidade, o transportador nem sequer merece
essa qualificação jurídica. Em ambos os casos violam-se os princípios jurídicos. Em ambos os
casos violam - se os princípios da boa-fé e prssupõe-se a culpam do expedidor ou do
transportador.
Vejamos ainda o que as legislações especiais nos dizem sobre esta matéria:
A resposta á questão enunciada é que a entrega da Guia de Transporte diz respeito ao momento
em que o expedidor entrega a mercadoria ao transportar para que este a faça deslocar. Não se trata
de nenhum requisito de forma na celebração do contrato, sendo este consensual por natureza.
Analisemos a matéria respeitante à guia de transporte. Determina a art. 577 do Código Comercial
que a guia deve conter as menções de acordo com o estatuído no n°1 do art. 576. Normalmente,
alguns dos requisitos da guia de transporte são compulsórios por natureza. São os casos que
vamos analisar:
a) Identificação do transportador/expedidor/destinatário
Trata-se da identificação dos sujeitos do contrato. Tratando-se de comerciantes, o nome
será a sua firma.
Sendo a guia emitida “ao portador”o destinatário não será logicamente identificado na
emissão da guia.
d) Outras menções
O frete será o preço a pagar pelo transporte que é calculado ou pelo sistema tarifário43
existente ou mediante convenção das partes.
O frete tanto pode ser pago ao transportador pelo expedidor, como pelo destinatário. Na
gíria comercial, na primeira situação - frete pago é inserto na guia de transporte; no
segundo caso insere-se a menção de, frete a cobrar no destino. Neste último caso, o
transportador fica intitulado a reter a mercadoria, até que o pagamento seja efectuado.
Aguia de transporte pode ser emitida sob duas formas (art. 577, n°.3):
§ á ordem;
§ ao portador.
No primeiro caso, a sua transmissão faz-se pelo endosso, por força do art. 583, n°1. No segundo
caso por meio da simples tradição, ou seja pela sua entrega, transmite-se o direito que a guia
incorpora, de igual modo ex vi art. 583, n°1.
43
O Dr. Cunha Gonçalves ensina e correctamente que as tarifas não só indicam o quadro de preços, mas
também as condições do transporte. In op. Citada, pag. 415. Exemplo desta situação é o sistema tarifário
dos CFM.
Como meio de prova a guia de transporte ocupa uma posição específica, na medida em que todas
questões e disputas emergentes do contrato de transporte, são em primeiro lugar, resolvidas por
recurso á guia de transporte. Cfr. art. 576, n°1 do Código Comercial.
A guia serve ainda de recibo da mercadoria por parte do trasportador. Esta função constante do
art.577, n°2. O legislador atesta não só a recepção dos objectos a trasportar, a data da entrega e
ainda do estado da sua aparente qualidade. Permite traçar com exactidão o momento em que a
trasferência do risco é transmitida ao transportador.
Por último a guia de trasporte integra-se nos documentos que constutuem títulos de crédito. Não
existe qualquer disposição no Código Comercial que peremptoriamente permita esta conclusão.
Anote-se que a teoria dos títulos de crédito era á data da redacção do Código incipiente.44 Daí que
importa em face da legislação aplicável aos contratos de transporte de mercadorias e dos
princípiso definidores da disciplina jurídica dos títulos de crédito, determinar quais as razões que
nos permitem concluir que a guia de transporte integra a categoria legal dos títulos de crédito.
2.3.3.1.- O documento
Em primeiro lugar para que se verifique um título de crédito é cecessário que exista um
documento. E que o documento tenha forçosamente um título. Ora, no nosso caso, a guia de
transporte é um documento escrito, e para ter a força de título de crédito, deve indicar
obrigatoriamente a designação de “guia de transporte”ou “nota de expedição” (que é
equivalente, como já se afirmou).
• a incorporação;
• a literalidade;
• a autonomia ou abstracção.
2.3.3.2.- a incorporação
44
De tal forma que nos trabalhos preparatórios do Código Civil se avançou com uma proposta de incluir
uma rubrica sobre esta materia. Proposta que não foi aceite, pois se concluiu que a sede da matéria seria o
Código Comercial.
Aplicando este princípio à legislação do transporte de mercadorias por guia é patente que este
requisito dos títulos de crédito se verifica, porquanto o transportador tem a obrigação de efectuar
a entrega da mercadoria “imediatamente e sem estorvo”ao destinatário que lhe apresente a guia
em “termos regulares”, não lhe competindo investigar “o título porque o destinatário recebe os
objectos transportados”, de acordo com o art. 578, n°4.
A única diferença que resulta da análise comparativa com outros títulos de crédito, como a
livrança, letra, cheque, é que nestes o direito incorporado é um crédito. Ao passo que na guia de
transporte, como no conhecimento de embarque, ou na carta de porte a prestação incorporada é
um dirito real, confere a propriedade da mercadoria.
2.3.3.3.- a literalidade
Este requisito decorre da conexão entre o documento e o direito, de tal forma que a determinação,
conteúdo e modalidade deste direito se encontram contidos no documento. Como assinala
Vivante45 “o crédito existe nos limites determinados pelo título. Nenhuma excepção, nenhuma
limitação de reduzir o seu alcance, contradizendo o que nele está exarado”.
Esta característica dos títulos de crédito é fundamental para a sua circulação. Pois que os
sucessivos portadores beneficiam da garantia que contra eles não poderão ser invocados acordos
ou estipulações que não constem do título. Pode-se dizer que a literalidade também se verifica.
Estas características estão manifestadas na regulamentação da guia. Veja-se os artigos 578 e 580.
Exemplificando: A, expedidor de uma mercadoria, transfere por endosso a guia a B, com que ting
celebrado um contrato de compra dessa mercadoria. Este por seu turno transmite a guia a C. Caso
tenha existido incumprimento no contrato de compra e venda entre A e B (direito subjacente) A,
nada pode opôr a C, quando este proceder ao levantamento da mercadoria.
Existem vários critérios classificativos sobre os títulos de crédito. Neste contexto enuncie-se a
classificação da guia de transporte.
Quanto à emissão
A guia pode ser à ordem e ao portador. A lei não prevê a possibilidade da emissão de guias de
transporte nominativas, em que a circulação se processa por cessão de créditos. A doutrina
divide-se. Na base em que para os conhecimentos de embarque é admissível esta forma de
45
In “Instituições de Direito Comercial”, pág. 137
emssão, aplicando a analogia, parte da doutrina admite a emissão de guias de transporte sob a
forma nominativa.
Quanto ao conteúdo
Nesta classificação distinguem-se os títulos de crédito propriamente ditos e os títulos
representativos. Os primeiros incorporam um direito de crédito, os segundos representam um
direito real sobre uma coisa. É, nesta última classificação que se insere a guia de transporte.
Quanto à natureza
Dentro da classificação de títulos públicos e privados (“a natureza pública ou privda dos títulos
não resulta da natureza de quem concreta ou incidentalmente os emitiu, mas sim da natureza de
quem típicamente os emitiu”46), a guia de transporte será um título de natureza privada.
Outras classificações
De acordo com a classificação de títulos causais ou abstractos, dependente da natureza do
negócio que os originou, a guia será causal, pois depende sempre de um contrato de transporte.
Por último trata-se de um título individual, contrapondo-se assim aos títulos em série, que são
emitidos em massa e destinados a diferentes pessoas- caso das acções ou obrigações.
A regra geral de fazer o endoso na guia de transporte é pela inscrição no verso do documento
“entregue-se à ordem de...”, com a assinatura do endossante.
Alguns desses vínculos encontram-se previstos no Código Comercial, como normas supletivas, e
imperativas. Outros são formulados pelos princípios da liberdade contratal e como tal devem ser
46
Pedro Paes de vasconcelos In ‘Direito Comercial – Títulos de Crédito” – pag. 39
O direito de retenção encontra-se consagrado no Código Civil e no art. 755 no1 al.a), afirma:
“gozam do direito de retenção-o transportador sobre as coisas transportadas, pelo crédito
resultante do transporte”.
O direito de retenção poderá ser usado caso o original da guia de transporte não seja entregue ao
transportador. Isto devido à qualificação da guia como título de crédito e pelo direito real que
incorpora.
Ø Quando existirem transportadores sucessivos o direito de retenção será
exercido em conformidade com o no2 do art. 755 do Código Civil, ou seja
pelo último transportador, desde que estes se tenham obrigado em comum.
Ø No caso do exercício do direito de retenção o transportador pode pedir o
depósito e venda da coisa transportada, para sim se fazer pagar pelo qual se
efectue a venda e o depósito. O entendimento será que deve ser efecuado pela
via judicial.
Ø O transportador goza do privilégio creditório sobre as mercadorias
transportadas. Esta garantia confere-lhe a faculdade de ser pago
preferencialmente a credores do expedidor ou do destinatário. Como se sabe o
privilégio não carece de registo e pode abranger juros pelo período de dois
anos, caso sejam devidos.
O privilégio do transportador é uma garantia real que lhe assegura o cumprimento da obrigação
do pagamento do frete e outras despesas decorrentes do transporte. Extingue-se com a entrega da
mercadoria.
6.3.-direitos do destinatário
Antes de enunciarmos o quadro dos direitos do destinatário, assinale-se que o destinatário, dada a
sua posição particular no contrato de transporte, tem um direito dispositivo sobre a mercadoria
deslocada adquirido de modo próprio e directo. Assim,
No primeiro caso, a simples mora, implica o dever de indemnizção, por força do art. 805 no2
al.a) do Código Civil. No segundo caso, depende da exitência ou não do regulamento do
transportador. Por exemplo, no transporte ferroviário, estabele-se que as empresas ferroviárias
fixarão “as durações máximas do transporte ferroviário”. Verificando-se atraso na entrega da
mercadoria transportada. O transportador fica constituído em mora. Por último, não sendo
convencionado prazo, não existindo regulamento ou o mesmo sendo omisso matéria, segue-se os
usos do comércio. É costume aplicar critérios como a velocidade do meio de transporte utilizado
frente à distância a percorrer, bem assim casos precedentes. Havendo-se fixado um prazo
razoável, o transportador constituiu-se em mora.
O princípio do art.590 trata-se pois de uma presunção tantum iuris, na medida em que admite
prova em contrário (cf. Art. 350 no2 do Código Civil). O ónus da prova cabe neste caso ao
destinatário, por força do art. 344 do mesmo Código.
Não havendo reservas, nem prova em contrário, o transportador não responde pela perda ou
deterioração que a mercadoria venha a sofrer durante o tempo em que esteja sob sua guarda, que
como se sabe se incia com a recepção da coisa a transportar e termina com a sua entrega ao
destinatário. Como o carregamento e descarregamento da mercadoria compete ser feita pelo
transportador, salvo estabelecendo-se no contrato, que essas operações de manuseamento são da
conta e risco do expedidor e destinatário.
A perda pode ser parcial ou total, cosnoante se verifique o desaparecimento de toda ou parte da
mercadoria. A este propósito recorra-se aos ensinamentos do dr. Cunha Gonçalves: “há perda, no
sentido legal, não só quando a coisa foi extraviada, furtada ou destruida, mas ainda todas as vezes
qie o tranportador não prova que a entregá-la”. De acordo com o mesmo autor chama-se
deterioração ou avaria “qualquer desgaste e estrago (fermentação, ferrugem) que a cousa sofre
por algum facto exterior, calor, frio, chuva, chuva, choque...de modo que ela já não possa servir
ou tenha menor utilidade para o fim que era destinada ou diminua de valor”.
O art. 588 dispõe que as deteriorações verificadas desde a entrega dos bens ao transportador são
comprovadas e avaliadas pela convenção e, na sua falta ou insuficiência, nos termos gerais de
direito, tomando-se como base o preço corrente no lugar e tempo da entrega.
o Caso fortuito;
o Força maior,
o Culpa do expedidor;
o Culpa do destinatário;
o Vício do objecto transportado.
47
Publicado no Boletim do Ministério da Justiça n°213
Anota-se que não constitui motivo de exoneração a falta de meios suficientes de transporte, nos
termos do art. 2, do C.com.
No entanto, o legislador comercial, aptou por não regulamentar o que entende por força
maior/caso fortuito, ou os casos em que se verifica culpa do destinatário ou expedidor. O que
obriga ao trabalho da doutrina.
9.1.1.-Na Jurisprudência
Recorrendo à jurisprudência, no quadro da actual legislação, pode-se afirmar que existe uma
diferenciação entre caso fortuito e força maior. Citemos dois acódãos a este propósito:
“para que a destruição da coisa transportada possa ser atribuída, a caso fortuito é preciso que
se prove que para ele não concorreram, de nenhum modo o transportador o caso fortuito
diustingue-se da força maior, em que aquele provêm do próprio funcionamento da empresa e este
é exterior à empresa”.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/03/1947
“Consideram-se casos foruitos os que sào produtos das forças da natureza e de força maior, os
factos em que intervêm o homem, mas que não se pode resistir e contra a qual nada vale a
previsão humana. O caso de força maior reveste as características de irrestível, imprevisivel e
impensável e a ele dve ser completamente estranho quem o provoca”.
Acórdão da Relação de Lisboa de 4/03/1953
9.1.2.-Na doutrina
A nível doutrinário pode-se indicar duas tendências. Uma que distingue entre a força maior e o
caso foruito e outra que entende tratar-se da mesma figura.
Assim, para o prof. Marcello Caetano50, que perfilha a primeira tendência, haverá caso de força
maior quando “um facto imprevisível e estrano à vontade dos contrentes que impossibilita
absolutamente de cumprir as obrigações contratuais”. E estaremos perante um caso imprevisto
quando “um facto estranho à vontade dos contraentes que, determinandoa modificação das
48
O que se diz neste capítulo vale, com as devidas adaptações para o transporte maritime e aéreo.
49
Anote-se que o regime legal da força maior é no sistema jurídico românico, ou continental bem mais
restrito do que no direito anglo-saxónico ou “comon Law”, sobretudo na perspectiva americana. A cláusula
da ‘hardship’ é bem mais lata. A influência deste sitema, pelo peso económico, originou a sua adopção em
muits instrumentos contratuais privados.
50
In ‘Manual de Direito Administrativo” – Tomo II
circunstância económicas gerais, trona a execução muito mais onerosa para uma das partes do
que caberia no risco normalmente considerado”.
Para o prof. Pessoa Jorge, as duas figuras serão sinónimos porqeu os seus efeitos tanto para o
Direito Civil, como para o Direito Comercia sào iguais. Assim o ilustre Mestre acentua três
pressupostos para a sua verificação: inevitabilidade; a insuperalidade e a imprevisibilidade. Para a
primeira, há um obstáculo superior às forças do devedor; na segunda, trata-se “de algo que
irrompe inesperadamente o curso normal dos acontecimentos”e a imprevisibilidade afere-se não
só em relação ao seu agente como ao momento em que o devedor se encontra de evitar a falta de
cumprimento.51
Por último, atente-se ao disposto no art.790 no1 do Código Civil, que se aproxima da figura da
força maior, quando a préstação se torne impossível, devido a causa não imputável ao devedor.
“1.- a empresa responde pelos prejuizos sofridos pelas mercadorias desde a recepção até à
entrega, salvo se porvar que o prejuizo resultou de caso fortuito, força maior, vício de objecto,
culpa do expedidor ou do destinatário.
2.-Responde também pelos prejuizos resultantes de demora na entrega, salvo se fizer prova de
que a demora foi consequência da circunstâncias que o caminho-de-ferro não podia evitar nem
estava ao seu alcance remediar”.
Exemplos destas sutuações: caso do destinatário não efectuar o levantamento das mercadorias no
prazo convencionado e verificando-se furto ou deterioração.Será ainda o caso do expedidor não
enviar a guia de transporte original ao destinatário para que este exerça o seu direito.
51
In ‘Direito das Obrigações”- pág. 537 a 539
Sendo o transporte internacional uma actividade que implica o trânsito por territórios de mais de
um Estado, implica necessariamente, numa perspectiva jurídica, o intercruzamento de diferentes
ordenamentos jurídicos, dando lugar a conflitos de diferentes leis. A questão de fundo, por isso
mesmo, torna-se a de saber qual dos regimes jurídicos (das leis) que se lhe aplicará.
Conflito de leis
A resposta à questão de qual dos regimes jurídicos (das leis), ora envolvidos se aplicará pode se
encontrar por referência às normas de conflito, no caso vertente, as constantes dos Arts. 41 e 42
do C.C. Como regra de princípio, num contrato internacional de transporte, as próprias partes têm
primáriamente a liberdade de designar a lei que entenderem que melhor poderá reger as suas
relações contratuais (Cfr. Art.41 (1) C.C.).
Na falta de determinação da lei competente, atende-se ... à lei da residência habitual comum das
partes (Cfr. Art. 42 (1)), e na falta dessa, ... a lei do lugar da celebração. (Cfr. Art. 42 (2)).
Legislação Internacional
Ainda que a matéria relativa à regulamentação jurídica dos contratos internacionais de transporte
comporte aspectos comuns nas diferentes modalidades que o transporte pode assumir, torna-se
necessária, para uma melhor sistematização, a sua apreciação por modalidade:
52
Não se encontra em vigor na RM, nem em qualquer outro Estado da região
O Art. 2 daquele Diploma define por Terminais Internacionais de Mercadorias, as àreas fiscais
primárias com instalações adequadas onde as mercadorias, objecto de transporte internacional,
são depositadas sob controlo aduaneiro em regime suspensivo de pagamento das imposições.
0000oooooo0000
53
Entrou em vigor a 1 de Maio, de 1985. Não se encontra em vigor na República de Moçambique, nem em
qualquer outro Estado da região.
54
Publicado no BR nº5, I Série, de 30 de Janeiro, de 2002.