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Haim Orner

Autcrîcbde
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&
O resgate da voz dos pais
Autoridade sem violência
o resgate da voz dos pais
Copyright para esta edição © Editora ArteSã - Belo Horizonte

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou


transmissão de partes deste livro, por quaisquer m eios, sem previa
autorização por escrito da Editora.

055a

H aim O m er,
A u torid ad e sem v io lên cia : o resgate da v o z d o s p ais.
/ H aim O m e r ;- B e lo H orizon te: A rteS ã, 2 0 0 2
x v iii, 156 p.; 16 x 2 3 cm .

IS B N 8 5 - 8 8 0 0 9 - 0 6 —4

1. E d u cação d e crian ças. P ais e filh o s. I. T ítu lo .

CDD: 372.5
Haim Omer

Autoridade sem violência


O resgate da voz dos pais

AvfeSâ,
Belo Horizonte
AtóeSã

Editor
C arlos A rturo M o lin a -L o za

S ecretaria e adm inistração


Jan ice S ilv ér io

T radução
J o sé A u g u sto d e A len ca r M oreira

R ev isã o
M aria L u iza S o u za L eite

C apa
M arcelo B ica lh o

2002
T o d o s o s d ireitos d esta ed iç ã o reservad os

AnteSã
R ua d o O uro, 136 sala 1006
B e lo H orizon te, M in as G erais
3 2 2 2 0 -0 0 0 - B R A S IL
F o n e -fa x [55] [31] 3 2 2 7 14 53
m olin a l@ u o l.co m .b r

Im presso no Brasil
Decfico este fivro aos meus cinco fi(os:
N a ti, Tanatfiati, Micfiaeí, N o a m e Taeí.
Sumário

Introdução xiii
A gradecim entos xviii

C ap ítu lo I
D efinição d a idéia de p resen ça p a re n ta l 1
A presença parental
e seus níveis prático, conceituai e ético 4
Os fundam entos da presença parental 6
Caso 1: O abraço do urso 7
Caso 2: O contrato 11
Caso 3: “Eu sou sua m ãe!” 16

C ap ítu lo II
P resen ça p a re n ta l à luz de o u tro s en fo q u es 21
U m a nova visão com portam ental
para os apuros de uma mãe 25
O enfoque sistêm ico e a influência de terceiros 28
Os terapeutas hum anistas
e a descoberta do pai com o indivíduo 30
A presença parental
com o um a abordagem integrativa 35

C ap ítu lo III
A p re se n ç a ativ a 37
O respeito pelos pais 39
A presença corporal 41
O território 43
O fator temporal 46
Caso 4: Protesto pacífico 48
Informação e supervisão 50
A fala dos pais 52

ix
O temor 54
Caso 5: Superação do medo 57
Prêmio e Castigo 63
Time-in 63
O em penho 64

C ap ítu lo IV
P resen ça sistêm ica 67
Solidão e falta de apoio 69
Caso 6: cham ar ou não a polícia 72
Conflito conjugal 75
Caso 7: Um desafio às acusações mútuas 77
Caso 8: Desafiar o ódio 80
Escola, pais e amigos: interfaces 83
Redes de presença 85

C apítulo V
P resença pessoal 89
Convicções psicopatológicas 92
Pena, culpa e ansiedade 94
Caso 9: “Injusto mas presente!” 97
A voz dos pais 100
Caso 10: Com o criar filhos “por dúzia” 101
Caso 11 : Tratar a criança com o criança
e não com o um ente divino 108

C ap ítu lo VI
A u to rid a d e flexível 113
Caso 12: O trabalho do desespero 117

C ap ítu lo VI
E n v o lv er a cria n ç a n a te ra p ia 125
M etas e inimigos com uns 128
Caso 13: D efinir um inimigo com um 129
Respeitar o rebelde 132

x
Caso 14: U m a dupla narrativa empática:
respeitar o rebelde e o carcereiro 134
Caso 15: U m a narrativa em pática
num caso de am eaça de vida 139

Conclusão 145
Um a abordagem prática 145
U m a ponte teórica 146
A presença parental
e a autoridade baseada na violência 147
Referências bibliográficas 149
índice rem issivo 153
Introdução

Existem inúm eras m aneiras de se educar crianças. A enorm e varie­


dade de estruturas familiares, de valores e práticas educativas desafia
qualquer classificação. Nas últimas décadas temos visto o surgim ento
de grupos e formas fam iliares que, há pouco tempo, teriam sido ju lg a­
dos inaceitáveis. E, surpreendentem ente, crianças criadas até em fa­
mílias extrem am ente não convencionais podem tornar-se adultos bem
ajustados. Foi-se o tem po em que se podia dizer qual era a m aneira
correta de educar ou o tipo ideal de família. No entanto, m esm o na
nossa m oderna Torre de Babel de formas fam iliares, existe um a firme
concordância entre todos os pais que querem o bem de seus filhos: eles
não querem que seus filhos usem drogas, recorram à violência, se
envolvam em atos crim inosos ou se tornem prom íscuos. Em outras
palavras, todos os pais querem ser capazes de transm itir seus padrões e
valores e ver seus filhos crescerem e se tornarem pessoas das quais
eles se orgulhem - pessoas que venham a contribuir para um a socie­
dade melhor. Autoridade parental vem a ser esta habilidade de esta­
belecer regras e valores para a criança e de prevenir os atos que pos­
sam vir a subvertê-los. Neste sentido, todos os pais, sejam eles m o­
dernos ou antiquados, leigos ou religiosos, honestos ou desonestos,
aspiram a tal autoridade. Eles podem preferir apoiar sua autoridade em
obediência cega ou em discussão racional, em prem iar ou punir, em
dar exem plo positivo (“Faça o que eu faço”) ou negativo (“N ão faça o
que eles fazem ”); no entanto, sem a autoridade, os pais não poderão
transm itir seus padrões ou evitar que seus filhos se destruam .
Este livro fala de pais que perderam a autoridade em famílias
onde é com um zom bar de suas regras e onde crianças ou adolescentes
reinam através de ameaças, violência, chantagem ou indiferença. O
propósito deste livro é apresentar m eios que possibilitem o resgate da
autoridade parental em tais famílias.
Este livro tom a o pluralism o da sociedade m oderna com o um
dado. Não prega o retorno a valores tradicionais com o panacéia para
nossos problem as. Nem, por outro lado, oferece um a m aneira certa de
criar filhos. O que é certo e bom para uma fam ília ou criança pode ser
ruim para outra. No entanto, quando os pais se sentem incapazes de
enfrentar a violência e a auto-destruição de um filho, algo tem de ser
mudado. É precisam ente em tais situações dram áticas que os pais,
freqüentem ente, buscam ajuda profissional. Infelizm ente, nem sem pre
nós profissionais os ajudamos.
Freqüentem ente, pais não são tratados com respeito c considera­
ção por terapeutas. M uitos destes têm o hábito de culpar os pais pelos
problem as dos filhos, dizendo ou insinuando, que eles se im portam
mais com os seus propósitos egoístas (narcisistas, no jarg ão psicoló­
gico) do que com as necessidades dos filhos e que eles têm pouca ou
nenhum a em patia ou com preensão para com eles. Os pais ouvem tam ­
bém, que as crianças são tão vulneráveis que qualquer falha no rela­
cionam ento com elas causa cicatrizes irreparáveis. Insinua-se, que a
cura de tais cicatrizes seria a atribuição exclusiva de terapeutas; e,
quase que sim ultaneam ente, deixa-se subentendido que um a terapia só
pode ser bem sucedida se os pais mudarem profundam ente suas atitu­
des em relação à criança.
“M as m udar com o?” perguntariam os pais. A m udança alm ejada
fica freqüentem ente envolta numa névoa psicológica. Não é, com
certeza, um a m udança específica de com portam ento, mas algo interno
e impreciso: mãe, por exem plo, deveria tornar-se mais “ m aternal” . N a
realidade, o que se espera é que ela se torne um a psicoterapeuta: um a
boa mãe teria que ser sempre com preensiva, em pática, sensível; não
deve julgar, pleitear, nem punir. Q ualquer m ãe saberá bem que é
quase impossível com petir nesses termos com a terapeuta. O resultado
deste desencontro é que os pais acabam por sentir-se ainda mais
incom petentes, confusos e culpados. Ao invés de fortalecer a autori­
dade parental, muitos terapeutas acabam, assim, por subvertê-la.
M as eu não estaria enfocando o problem a erradam ente? Talvez o
problem a decorra não da falta de autoridade, mas da falta de aceitação
e carinho. Será que, em aum entando a autoridade, nós não term inaría­
mos por piorar a situação? Não seria m elhor fazer tudo para criar um
am biente perfeitam ente perm issivo e aceitador? Realm ente, essas
idéias já foram muito populares e vieram a ser a bíblia da educação.
Hoje, sabem os (e isso foi com provado por pesquisas) que o sonho de

xiv
perm issividade total era oco (Baum rind, 1971; 1991). C rianças assim
criadas não são menos propensas à violência e à delinqüência. N a ver­
dade, elas são mais propensas. E, além disso, desenvolvem um a auto­
estim a m uito baixa.
Os dados destas pesquisas abalaram profundam ente o ideal per­
missivo. Cria-se que a criança desenvolveria seus próprios recursos e
talentos se a deixassem crescer sem pressões deform adoras. A criança
assim criada tornar-se-ia segura de si, teria um a m ente aberta, seria
criativa e sadia. A pesquisa mostrou que não é bem assim: crianças
sem limites e sem exigências freqüentem ente crescem sem noção de
valor e com pouca habilidade de resistir a frustrações. A inexistência
de limites e exigências parece ser tão danosa quanto o mais rígido
autoritarism o.
Estaríam os, então, de volta aos velhos tempos nos quais os pais
“sabem sem pre m elhor” e “uma boa palm ada não faz mal a ninguém ?”
De forma alguma. As mesmas pesquisas mostraram que um a educa­
ção extrem am ente rígida seria tão ruim para a criança quanto a perm is­
sividade total. Não é preciso dizer que a violência física contra as cri­
anças é desastrosa. No entanto devem os ter em m ente que a violência
da criança pode ser não menos desastrosa. Na realidade, a violência da
criança prediz a violência na adolescência, o que, por sua vez, prediz a
violência e crim inalidade na vida adulta (Cham berlain e Patterson,
1995; Patterson, Reid e Dishien, 1992). Assim , a violência em casa é
sem pre danosa, sejam as crianças suas vítimas ou seus algozes. N osso
objetivo seria então, um am biente caseiro livre de violência, seja ela
dos pais, seja dos filhos. E, algo paradoxal: a violência dos pais é, com
freqüência, conseqüência de sua falta de autoridade. Assim , aquele pai
(ou mãe) que perdeu a autoridade estará em m aior perigo de perder as
estribeiras e recorrer à força física. Assim sendo, ao ajudarm os aos
pais a recuperarem o controle, estarem os, tam bém , aum entando o seu
próprio auto-controle.
Algumas das conclusões das pesquisas sobre educação de filhos
são um tanto frustrantes: não há regras universais; não deu certo pa­
dronizar a educação; o que funciona com uma criança, freqüentem ente

xv
não funciona com outra; e não existe garantia contra erros. Então,
corno poderem os ajudar? Aonde podem os achar um ponto de partida?
Quase todos aceitam que, para criarm os bem as crianças neces­
sitam os de firm eza e amor. O problem a é que esta m istura se desfaz
quando a criança tem problem as de com portam ento. Nessas situações,
os pais tendem a ser ou am orosos ou rigorosos, ou, às vezes, oscilam
entre dois pólos. E o mesmo fazem os profissionais: alguns são cam ­
peões em em patia e aceitação e outros em regras e limites. Alguns
entendem que firm eza e am or são necessários, mas, com o fazer que
ambos trabalhem juntos? A síntese entre firmeza e am or c vital para
crianças com problem as de conduta. M as essas crianças exigem tanta
firmeza, que os pais têm dificuldades em expressar amor; e precisam
de tanto amor, que a firm eza se dilui. Nessas situações o am or fre­
qüentemente toma a forma de com pensação, o que enfraquece a fir­
meza anterior; ou a firm eza assume a forma de rejeição, anulando a
mensagem de carinho. Neste livro proponho uma form a de criar a
síntese de firm eza e amor, através do conceito de presença parental.
Penso, assim, apresentar uma cam inho legítimo para o resgate da auto­
ridade parental.
O livro aborda os diversos aspectos da presença parental. O ca­
pítulo I (“D efinição da presença parental”) apresenta e ilustra o con­
ceito. O capítulo II (“Presença parental à luz de outros enfoques”)
analisa o conceito de presença parental à luz das abordagens com por-
tamental, sistêm ica e hum anística1. O Capítulo III (“Presença ativa” )
descreve com o os pais podem recuperar a capacidade de agir. O C a­
pítulo IV (“Presença sistêm ica”) lida com a influência de outras pes­
soas (o outro cônjuge, pessoas da escola, familiares e am igos dos fi­
lhos) sobre a presença parental. O C apítulo V (“Presença pessoal”)
descreve a perda e o resgate, pelos pais, de sua voz pessoal e única. O
Capítulo VI (“Autoridade flexível”) lida com o im passe e com o su-
perá-lo. O Capítulo VII (“Envolver a criança na terapia”) apresenta
algumas m aneiras positivas de incluir a criança na terapia, sem enfra­

1 Este capítulo pode ser pulado por pais mais interessados no lado prático das coisas.

xvi
quecer os pais. O livro term ina com uma avaliação do conceito de
presença parental dos pontos de vista prático, teórico e ético.
Ao longo do livro incluí vários casos não bem sucedidos. Creio
que a credibilidade do profissional sofre com a apresentação m aquiada
de terapias sem pre bem sucedidas, quase mágicas. Tal tendência faz
com que pais e profissionais fiquem despreparados para dificuldades e
impasses.

xvii
A gradecim entos

Este livro deve m uito à ajuda de Uri W einblatt. Ele com eçou com igo
o projeto (nós com eçam os com um anúncio no jornal, convidando
“pais que têm medo de seus filhos” a se apresentarem para um pro­
gram a de aconselhamento). Muitos dos casos apresentados no livro
foram conduzidos por ele. Ele também foi co-autor do capítulo II.
Quando escrevo na primeira pessoa do plural, não se trata de um mero
recurso de estilo: os “n ó s” referem-se a todos que trabalharam sob a
minha supervisão e, especialmente, a Uri W einblatt, que desem penhou
um papel chave no desenvolvimento do modelo.
Também quero agradecer a todos aqueles pais que perm itiram
dividir comigo seus sofrimentos e triunfos e todos os terapeutas que
trabalham sob minha supervisão. Eu pensei inicialm ente em dedicar
este livro aos meus cinco filhos, que me ensinaram tudo o que eu sei
sobre a “impotência parental”. M as, com o eles também me ensinaram
outras coisas melhores e mais prazerosas, eu sim plesm ente dedico-lhes
este livro - e ponto final.

xviii
Capítulo I

Definição da idéia de presença parental


T o d o s sabem que um dos piores traum as que um a criança pode sofrer
é crescer sem a presença de figuras parentais (pai, mãe ou quem os
substitua) que lhe dêem carinho, cuidado e proteção. Sabem os tam ­
bém que a perda de um dos pais durante a infância é quase sem pre
profundam ente traumática. M enos reconhecida, no entanto, é uma
outra forma de privação: a que se dá quando um dos pais se deixa pa­
ralisar ou perde sua voz ativa. M uitos pais cedem , ocasionalm ente,
quando se defrontam com dem andas, am eaças ou agressões da criança.
No entanto, quando ceder se torna um hábito, direm os que a criança
fica privada de presença parental. O que talvez fosse até pior: a cri­
ança sente que ela própria teria elim inado a presença dos pais.
N essa m esm a circunstância, a percepção dos pais pode ser exa­
tam ente oposta: eles podem sentir que estão sem pre presentes, pois
eles vivem somente para a criança! M as é este o problem a: se os pais
vivem só para a criança, eles não têm voz ativa c perderam a própria
individualidade. O pai (ou mãe) torna-se, então, um executor, um em ­
pregado, uma som bra da criança. Ser presente é ser alguém , com seus
próprios pensam entos, sentim entos e desejos. Para crescer, a criança
precisa de alguém assim presente. Som ente então poderá a criança
sentir-se segura. O pai (ou a mãe), que se torna um eco das vontades
da criança, a deixa num vazio.

3
A experiência de presença parental pode também perder-se de
outra maneira: quando quem cuida da criança está presente som ente
com o indivíduo mas não com o alguém engajado no papel parental.
Alguns pais vêm isto como um ideal: “Eu quero ser sem pre o am igo de
meu filho” ou “Eu quero ser amada pelo que eu sou e não por ser sua
m ãe” . Outros pais encaram somente as suas próprias necessidades sem
cuidarem das da criança. Em ambos os casos, a criança fica sem a
presença parental.
Presença parental é, assim, um conceito bipolar: os pais têm que
estar presentes tanto com o indivíduos autônom os quanto com o titula­
res do papel parental. Se um destes aspectos falta, a criança estará
privada da presença parental. A privação mais séria se dá quando os
pais se deixam apagar tanto com o pessoas quanto no papel parental.

A presença parental e
seus níveis prático, conceituai e ético

O conceito de presença parental tem que atender a três critérios: (1)


num nível prático, ele deve proporcionar diretrizes sim ples, que per­
mitam decisões rápidas, sob pressão em ocional; (2) em um nível con­
ceituai, ele tem que servir de ponte entre os diversos profissionais que
lidam com a família, sejam quais forem suas abordagens terapêuticas;
e (3) em um nível ético ele tem que possibilitar uma forma de autori­
dade bem distinta daquela baseada na força bruta.
O critério prático decorre da urgência dos problem as com que li­
damos. Violência, am eaças de suicídio e fugas requerem ação im edi­
ata. Assim, o conceito de presença parental tem que ser capaz de nos
proporcionar tanto respostas rápidas como soluções duradouras. Eu
espero m ostrar que o m odelo de presença parental leva tanto a respos­
tas imediatas cm situações de urgência, quanto a planos de longo al­
cance.
O critério conceituai decorre da freqüente necessidade de envol­
ver, no tratam ento de cada caso, pessoas com formações bastante dis­
tintas (professores, policiais, juizes, psicólogos e assistentes sociais).
Nosso conceito de presença parental precisa ser aceito por todas essas

4
pessoas, ajudando-as a ter uma m esm a linguagem, que perm ita um
trabalho em comum. Eu espero m ostrar que a idéia de presença pa­
rental pode servir não somente com o um elo entre distintas abordagens
terapêuticas, tais com o, com portam ental, sistêm ica e hum anística, mas,
tam bém , com o uma ponte entre pais e educadores.
O critério ético tem a ver com a legitim idade das m edidas utili­
zadas. Prim eiram ente, os m étodos propostos têm que ser legais. Em
alguns países, por exem plo, até mesm o segurar um a criança contra a
sua vontade é ilegal. Os profissionais deverão, assim, levar em consi­
deração toda e qualquer restrição legal vigente em cada situação. As
propostas terapêuticas têm, também, que ser legítimas sob o ponto de
vista dos pais e com patíveis com seus valores e objetivos. O terapeuta
pode, evidentem ente, negociar com os pais, tentando convencê-los.
No entanto, somente aquelas ações e atitudes que sejam totalm ente
aceitas pelos pais poderão ser consideradas válidas. As m edidas pro­
postas devem também ser aceitas pelos outros profissionais envolvidos
no caso (terapeutas, assistentes sociais, professores). Eu até arriscaria
afirm ar que qualquer proposta que contrarie a maneira de ver desses
profissionais terá pouca chance de ser plenam ente aceita pelos pais. E,
em relação às crianças? As ações e medidas de autoridade não deve­
riam ser também legítimas e aceitas por elas? De início, não. Crianças
em qualquer idade irão rejeitar toda c qualquer m edida de autoridade,
que venha a limitar a liberdade à qual elas estejam acostum adas. Se,
no entanto, a criança continuar por longo tempo a rejeitar totalm ente as
medidas, algo deve estar errado com as medidas. Neste caso teremos
de reformulá-las.
O conceito de presença parental será o nosso guia para avaliar
qualquer gesto de autoridade. Por exem plo, pais que usam com o
form a de punição espancar a criança, ou pais que punem , retirando-se,
não iriam passar no teste de presença: no bater, o contato é mínimo
(nada além de uma fração de segundo) e retirar-se é um a form a de au­
sência e não de presença. Tam bém aquele pai (ou mãe), cujo relacio­
nam ento com a criança fica reduzido a uma luta estereotipada pelo
poder, na qual cada m ovimento da criança é seguido por um outro,
totalm ente previsível, do pai (ou mãe) e vice-versa, também não pas-

5
sará no teste de presença: tal com portam ento faz dos pais caricaturas e
não pessoas reais.
Mas, não há casos de excesso de presença parental? A um entá-la
não iria então sufocar a individualidade nascente da criança? R eal­
mente, à m edida que a criança cresce, os pais precisam aprender a de-
sengajar, fazendo com que sua presença seja, aos poucos, m enos atu­
ante. Faltando isto, a criança está em risco de perm anecer dependente
e imatura. M as, qual seria o ritmo correto desse desengajam ento? Até
quando devem ser m antidos o envolvim ento e a supervisão? O bvia­
mente, enquanto a criança estiver vivendo na casa paterna, os pais de­
verão ser capazes de fazer valer sua presença em situações de violência
ou perigo. Nas fam ílias de que trato neste livro, esta capacidade está
bastante com prom etida: os pais estão tão paralisados que perderam o
poder de protegerem tanto a si quanto à criança.

Os fundam entos da presença parental

Há três aspectos da presença parental. Os pais têm que ser capazes de:

1. Em preender um a ação efetiva;


2. D esenvolver um sentimento de autoconfiança; e
3. Sentir-se apoiados e não minados pelos outros.

Em outras palavras, os pais têm que ser capazes de dizer: “Eu posso
agir!” ; “ Isto é correto!” ; e “Eu não estou sozinho!” Estes são os três
fundam entos da presença parental: a presença ativa (ou seja, a capaci­
dade de agir); a presença pessoal (ou seja, a sensação de posse de uma
voz individual e moral); e a presença sistêm ica (ou seja, a sensação de
ser parte de um contexto social de apoio). Os três fundam entos são
intim am ente inter-relacionados: o poder de agir deriva-sc das convic­
ções m orais e pessoais dos pais que, por sua vez, são apoiadas pelo
contexto social.
Para a criança, o sinergism o entre a ação parental, a auto-confi­
ança dos pais e o apoio dos outros é uma experiência altam ente signifi­
cativa. Q uando a criança percebe que as ações e atitudes dos pais cor-

6
respondem a seus valores morais e pessoais e que estes valores têm o
apoio do contexto fam iliar e social, a presença parental é mais am pla­
mente vivenciada. As crianças tendem a reagir de m odo positivo
quando os pais alcançam esta confluência entre atos, valores e apoio.
M esmo quando protestam e põem os pais em cheque, vê-se nelas al­
gum alívio. E com o se elas estivessem dizendo: “Não faça isso!!!...
mas, por favor, continue!”

Caso 1: O abraço do urso

M íriam era gerente de um superm ercado, mãe solteira, e a m elhor


amiga de seu filho, João, de 5 anos. D iariam ente M iriam voltava para
casa às 4 da tarde, e deixava para realizar parte do trabalho que preci­
sava fazer para tarde da noite, após João ter ido dormir. Do m om ento
em que chegava em casa até João ir dormir, ela se dedicava inteira­
mente a ele. Ela queria com pensar a inexistência de um pai, dedi­
cando-se a João o mais que pudese. A creditava em um relaciona­
mento igualitário: as opiniões de João deveriam ter tanta im portância
quanto as dela própria e tudo deveria ser decidido através de discus­
sões racionais. João, no entanto, conseguia o que queria através de
ameaças e acessos de raiva. Miriam culpava-se, achando que ela pró­
pria havia ensinado a violência a seu filho, nas ocasiões em que per­
dera a paciência e lhe dera algumas palmadas. Ela tinha certeza que o
havia traum atizado.
As coisas teriam continuado assim se não tivessem ocorrido al­
guns fatos alarmantes. João com eçou a fazer coisas m uito perigosas.
Por exem plo: quando o telhado do seu jardim de infância estava sendo
consertado, ele subiu numa escada e atirou pedras c telhas nas crianças
que estavam em baixo. Ele também desenvolveu o hábito de se jogar,
com toda a força, contra o muro de pedras do jardim de infância, fe­
rindo-se na testa e nos ombros. M íriam decidiu procurar ajuda profis­
sional quando encontrou seu filho dorm indo no peitoril de um a janela
aberta. Eles moravam no 3o andar de um prédio.
M íriam sentia-se culpada; achava que João estava crescendo em
um estado de carência afetiva. Além de ter de crescer sem pai, ele

7
também tinha que suportar os acessos dela. Ela im aginava que era
devido a essa carência afetiva que ele estava querendo se auto-destruir;
tal carência explicaria tam bém o com portam ento ansioso do menino.
João era tão inseguro que tudo o amedrontava: cachorros, insetos, o
mar, o escuro. D orm ia na cam a de M íriam e somente se sentia forte
quando lutava com ela.
O terapeuta decidiu fazer, im ediatamente, um a visita à casa de­
les. A situação lá era muito mais caótica do que M íriam havia des­
crito: havia restos de com ida por todos os cantos, as paredes estavam
todas rabiscadas e o sofá e o carpete estavam com pletam ente m ancha­
dos. N a presença do terapeuta, João com eçou a chutar um a bola contra
um guarda-louças da cozinha, rindo com o chacoalhar dos pratos. M í­
riam o seguia, limpando as coisas e esforçando-se para sorrir diante da
“exuberância” dele. Ela explicou ao terapeuta que João não era sem ­
pre daquele jeito c que, às vezes, era até bem com portado. O terapeuta
marcou para o dia seguinte uma outra sessão para M íriam e transm itiu-
lhe a seguinte mensagem:

Você me disse que João está crescendo em estado de carência.


Eu acho que você está certa: os sintom as que ele apresenta
mostram que ele está estressado. M as eu não acho que ele esteja
carente de amor, atenção ou aceitação. Eu também não acho
que seus problem as decorram da fa lta de um pai. Acho que João
poderá crescer perfeitam ente bem sem a presença de um pai,
como ocorre com m uitas outras crianças. Na realidade, entendo
que João sofre de carência de regras e de limites. Ele precisa de
regras e limites tanto quanto de am or e atenção. Sem isso ele
não poderá crescer. Acho que quando ele se lança contra o
m uro no ja rd im de infância, ele pede, na realidade, que lhe esta­
beleçam limites. A questão é como o fa z e r de uma m aneira não
violenta. Vou lhe propor um procedim ento que poderá, de início,
chocá-la, mas que eu tenho certeza que é o oposto de um
procedim ento violento: cham am os esse procedim ento de “o
abraço do urso ”.

8
Todas as vezes que João tiver um acesso de raiva ou com eçar
a gritar ou jo g a r as coisas em você, pegue-o no colo, e enlace-o
num abraço apertado. É m elhor que o segure de costas para
você, de m odo a que ele não cuspa na sua cara. Se ele
espernear, im obilize-o com suas pernas. N ão diga nenhum a
palavra, pois fa la r só irá prolongar a luta. Palavras serão
deixadas para outras oportunidades, quando ele não estiver
violento. Ele irá gritar, suar e lutar. A única coisa que você tem
que fa z e r é não o soltar. Segure-o p o r uma hora. Ele não deve
saber quanto tempo isso tudo demorará. Se ele perguntar, não
responda. No fim de uma hora, deixe-o ir-se sem você dizer
nenhum a palavra. Se ele tiver outro acesso de raiva, repita o
procedim ento. Você poderá ter que fa z e r isso m ais algum as
vez.es, m as duvido que sejam m ais do que dez.
Seria isto violência? Não há dúvida que você está se m o s­
trando a dona da situação. M as você não apresentará o lado es­
sencial e m ais danoso da violência: sua característica de rejei­
ção e expulsão, que deixa a vítima dolorida e abandonada. Uma
criança que apanha ou que é brutalm ente m andada embora,
também recebe a m ensagem: “Eu não quero você p o r perto! ” O
contato é mínimo: um tapa ou uma palm ada leva uma fra ç ã o de
um segundo. Na realidade, o propósito da violência é, norm al­
mente, evitar o contato. E como se o agressor estivesse evitando
ser contaminado pela presença da vítima. A o usar o abraço do
urso você dirá o contrário: “Eu estou com você! Eu não deixo
você sozinho! Eu ainda sou sua mãe, m esm o que você grite e
xingue!" Você está dizendo também, “Eu posso p a ra r você!
Você não pode me assustar, nem m e d estru ir!” Isso é m uito im ­
portante, porque o m undo vem se tornando um lugar assustador
para João. Ele acha que não há ninguém m ais fo r te que ele e,
assim, não há ninguém que possa protegê-lo. E p o r isso que ele
tem estado tão ansioso e amedrontado. N a violência comum, a
vítima se sente sozinha e desprotegida. N o abraço do urso, João
vai perceber que você está disposta a fic a r com ele. Após o
abraço, volte a um relacionamento rotineiro. N ão o repreenda,

9
nem ofereça nenhum tipo cie compensação. M as as suas exigên­
cias cpie desencadearam a briga devem ser mantidas.
M ais uma coisa... É possível cjue João tenha um acesso de
raiva num lugar onde você não se sinta à vontade ao usar o
abraço do urso. Se isto ocorrer, espere até você chegar em casa,
relem bre-lhe do acesso e pegue-o no abraço. Segure-o, em si­
lêncio, durante toda uma hora.

M íriam ficou im pressionada: ela se sentiu atraída e am edrontada pela


idéia. A terapeuta disse que M íriam poderia telefonar para ela a qual­
quer hora que quisesse. Após usar o “abraço do urso” por duas vezes,
M íriam ligou para a terapeuta. D isse-lhe que estava preocupada porque
João estava apresentando sinais de desespero: um minuto após o início
do abraço, fizera-se de morto. Após mais cinco minutos, ele havia
adormecido. Quem sabe João estaria perdendo a vontade de viver? A
terapeuta acalmou M íriam, dizendo-lhe que isso, provavelm ente, esta­
ria m ostrando que João eslava se sentindo seguro nos braços dela.
M íriam decidiu continuar o processo. Ao todo, ela deu o abraço por
seis vezes. O com portam ento de João no jardim de infância com eçou
a mudar. Ele parou de se machucar c de machucar os outros.
Após quatro semanas, Míriam levou João para passar um feriado
com sua família. O irmão de M íriam era um biólogo m uito conhecido.
Sua irmã tinha doutorado em psicologia e era casada com um ban­
queiro. M íriam tinha sem pre sido vista com o a ovelha negra da fam í­
lia. Tornar-se mãe solteira foi a confirm ação final de que não estava no
mesmo nível dos outros. No meio do jantar, João com eçou a se com ­
portar de modo inconveniente. Míriam pediu-lhe que parasse e ele
gritou para ela. Ela levantou-se para o levar para outra sala, onde po­
deria dar-lhe o abraço sem distrações. Os pais de M íriam reclam aram ,
dizendo que ela estava estragando a reunião familiar. M íriam respon­
deu que sabia perfeitam ente com o criar seu próprio filho. Ela ficou
surpresa de ouvir o tom de sua própria voz. M ais tarde ela contou para
a terapeuta que o que aconteceu fez com que ela se lem brasse da deci­
são de sair da casa dos pais quando tinha 18 anos, o que havia perm i­

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tido que se valorizasse e se sentisse autônom a pela prim eira vez na
vida.
M as foi João, que acrescentou à situação o lance mais surpreen­
dente: ele foi à mãe, pegou sua mão, e puxou-a na direção da outra
sala. Ele havia ficado do lado dela, contra os avós, em bora eles qui­
sessem mimá-lo. Ao chegar na outra sala, ele sentou-se no colo dela,
já na sua posição habitual. Apesar de M íriam abraçá-lo da m esm a
maneira de sempre, os dois sentiram -se diferentes.
Esta foi a últim a vez que M íriam precisou usar o abraço do urso.
Nas sem anas seguintes, apesar da pouca interferência da terapeuta, a
atitude de M íriam cm relação a limites mudou. Ela descobriu, para sua
própria surpresa, que suas habilidades de adm inistrar um superm er­
cado eram bastante úteis na adm inistração da casa. A ansiedade, a
agressividade e os riscos que João corria, dim inuíram até níveis aceitá­
veis.

Caso 2: O contrato

Correu um boato na escola de que Pedro teria dito que queria morrer.
Ninguém sabia exatam ente o que ele havia falado. E ele tam bém não
repetiu o que talvez tivesse dito. Mas, quando Pedro parou com pleta­
mente de falar em casa, o que ele teria ou não teria dito na escola tor­
nou-se mais sério e am edrentador. Pedro tam bém parou de com er
junto com a família. Passou a com er no quarto dele, com seus próprios
pratos e talheres. M ais recentem ente, ele havia com eçado a lavar as
mãos, muitas vezes ao dia.
Passaram -se dois anos sem ele dirigir a palavra a qualquer pessoa
da família, ou sequer m encionar por gestos o que quer que fosse. Os
pais tinham de adivinhar se ele precisava de roupas, livros ou coisas de
computador. Eles ficaram craques em adivinhar o que ele queria pois,
se adivinhassem errado, Pedro, sim plesm ente, não usava o que era
comprado e eles tinham que tentar novamente. Pedro nem se dignava
a mostrar seu desgosto. Paradoxalm ente, quanto menos ele indicava o
que queria, mais os pais faziam força para ler seus pensam entos.

11
Na escola, Pedro falava normalmente, tinha alguns am igos, e era
muito boin aluno. Ele também conversava com seu tio, para quem deu
diversas explicações sobre seu silêncio: uma foi a de que seus pais
tinham preferência pela irmã dele; outra foi a de que eles o tratavam
como uma criança. Pedro nunca havia causado a seus pais nenhum a
preocupação especial, até o surgim ento do boato na escola. No en­
tanto, seu silêncio, sua maneira de com er e o seu constante lavar de
mãos deram -lhes a pensar sobre o equilíbrio mental de Pedro. Eles
começaram a andar na ponta dos pés, receosos de que qualquer erro da
parte deles pudesse ter terríveis conseqüências.
Os pais viviam sob a som bra do boicote de Pedro. Só convida­
vam visitas à casa deles quando ele não estava lá, a fim de ocultarem o
seu com portam ento estranho. A família já o havia deixado com o m o­
nopólio do com putador, para evitar as brigas silenciosas que term ina­
vam, inevitavelmente, com Pedro trancado no seu quarto, durante ho­
ras ou dias. Os pais estavam am edrontados dem ais, para contestar seu
com portamento. E o medo ficou ainda m aior após as consultas com
dois profissionais, que disseram que Pedro precisava de tratam ento
psiquiátrico. Com o Pedro só iria ao psiquiatra se fosse levado à força,
os pais resolveram deixar tudo na mesma. G radualm ente, a vida social
da família encolheu, o medo dos pais aumentou e Pedro passou a la-
var-se mais e mais.
M arlene e Roberto, pais de Pedro, consultaram -se com um a tera­
peuta de fam ílias conhecida por sua habilidade em lidar com adoles­
centes recalcitrantes. Ela propôs aos dois uma série de seis consultas
nas quais ela iria tentar cativar Pedro. Após a prim eira consulta com
os pais, ela mandou uma carta a Pedro, inform ando-lhe de que os pais
haviam ido à terapia por causa da dor de o estar perdendo. Ela havia
tentado adivinhar seus sentim entos, mas não achou certo falar sobre
ele com os pais às suas costas. A carta term inava com um convite à
próxim a consulta; seu direito de ficar em silêncio, caso ele assim pre­
ferisse, seria respeitado.
A carta, que os pais deixaram na m esa do Pedro, ficou lá, apa­
rentemente sem ser tocada, durante uma semana. Contudo, na noite
anterior ao dia da consulta os pais a acharam, am assada, à porta do

12
quarto deles. Tudo indicava que Pedro a havia lido. Essa m esm a se­
qüência foi repetida após a segunda, terceira, quarta, e quinta cartas
que a terapeuta mandou. A página era am assada e entregue pontual­
m ente na noite anterior à consulta. Parecia que um novo ritual estava
surgindo... Ao final da sexta consulta, a terapeuta disse aos pais que
não valeria a pena continuar na m esm a linha de ação. Ela propôs, en­
tão, um a m udança radical.
Ela disse aos pais que, por causa dos receios deles, eles tinham
quase sum ido da vida de Pedro. Eles tinham medo de agir, de falar c,
às vezes, até de pensar por si mesmos. Provavelm ente, Pedro achava
que eles já estavam resignados a não mais ouvi-lo. N a visão dele, tal­
vez, eles não mais se im portavam com ele o suficiente para tentar lutar
pelo contato. A terapeuta ofereceu-se para ajudá-los a batalhar pelo
direito de voltarem a ser presentes na vida de Pedro. N essa luta eles
iriam enfrentar seus piores medos, ao invés de renderem -se a eles.
Eles teriam que dar total prioridade ao tratamento, e envolverem no
processo pelo menos mais três pessoas da família. Os pais pediram
tem po para pensar na idéia. Roberto, particularm ente, não estava que­
rendo revelar suas dificuldades a outros membros da família.
Alguns dias depois, Roberto telefonou e disse que já havia con­
versado com alguns m em bros da família. Os pais vieram à consulta
seguinte acom panhados por dois tios e duas tias de Pedro. O seguinte
plano foi elaborado: os pais iriam tirar três dias de folga no trabalho.
N a noite anterior ao início do plano, eles iriam revistar toda a casa à
procura de qualquer coisa com a qual Pedro pudesse pôr-se em perigo.
Eles iriam também retirar as chaves do banheiro e de todos os quartos.
De m anhã bem cedo, com o tio de Pedro já na casa (para ajudar no
caso de Pedro recorrer à força c para servir de m ediador), os pais iriam
entrar no quarto de Pedro, acordá-lo, sentar na cam a dele, e lhe dizer
que a situação não podia continuar daquele jeito. A sua recusa em
falar ou com er com a família, teria que acabar. Eles teriam que nego­
ciar e assinar um contrato (M arlene propôs a idéia do contrato, pois
Pedro era um a pessoa m uito formalista), regulando o novo estado de
coisas. Até que chegassem a um acordo, ninguém sairia de casa.

13
Os pais foram alertados para não esperarem um a solução rápida.
D epois de um a espera de algumas horas, eles sairiam do quarto de Pe­
dro e o tio, então, interviria. Com o esse era o tio com o qual Pedro
falava, ele estaria em posição de fazer propostas que pudessem possi­
bilitar a Pedro recom eçar a falar, sem se sentir hum ilhado. Ele propo­
ria, por exem plo, que Pedro com eçasse a se com unicar por gestos ou
escrevendo. Ele poderia também falar as prim eiras palavras (respostas
tipo “sim ” e “não” ) de costas para os pais. O lio, um advogado, ajuda­
ria tam bém a form ular o contrato. Os outros m em bros da fam ília se
revezariam com os pais e o tio, na “ocupação" do quarto de Pedro. Ele
não poderia ficar sozinho até a assinatura de um acordo e a realização
de um a refeição em comum para selá-lo. Se Pedro quisesse ir ao ba­
nheiro, teria que indicar sua necessidade, mesmo que fosse através de
um gesto. Os pais foram instruídos para não adivinhar nada. A tera­
peuta ficaria de plantão, pronta para qualquer necessidade.
Os pais entraram no quarto de Pedro às 6 da manhã. Durante as
primeiras quatro horas, Pedro manteve-se calado e sombrio. Os pais
deixaram claro que ele não poderia sair; ele não tentou afastá-los, nem
sair à força. Então, o lio substituiu os pais no quarto. Após alguns
minutos de conversa, Pedro com eçou a negociar. Para preservar sua
dignidade, ele exigiu um par de tênis com o condição de com eçar a
falar com os pais. Os pais, após uma rápida consulta à terapeuta, deci­
diram concordar com a condição: Pedro jam ais havia tentado qualquer
tipo de chantagem ; se esse com portam ento se tornasse um hábito, eles
poderiam lidar com isso mais tarde. Por ora, a meta era que ele vol­
tasse a falar e, para isso eles estavam dispostos a fazer concessões.
Pedro dirigiu suas prim eiras palavras aos pais por volta das duas horas
da tarde. Após mais três horas, conseguiu-se rascunhar um acordo
com pleto. Aí apareceu um problema. Pedro exigiu que sua irm ã não
fosse incluída no acordo. Ele queria um item específico sobre isso no
contrato. Os pais recusaram a condição: a inclusão deste parágrafo no
contrato legitim aria o boicote e com isso eles não podiam concordar.
Pedro voltou a fechar-se num silêncio total. A parentem ente, todas as
conquistas deste longo dia teriam ido por água abaixo.
D em orou mais 24 horas para se chegar a um novo acordo. O
avanço ocorreu através da m ediação de uma tia que não havia estado
na consulta com a terapeuta, mas que se envolveu com o problem a
mais tarde. Ela m orava um pouco longe e entrou em cena às quatro
horas da tarde no segundo dia. Em contraste com os outros m em bros
da família, ela estava descansada e com as idéias frescas. Levando
Pedro a um canto, ela lhe disse que ele não tinha a m enor idéia sobre o
que lhe esperava. Os pais haviam com prado provisões suficientes para
um "cerco" de três meses! Por outro lado ela acreditava que com al­
gumas concessões de ambas as partes, seria possível chegar-se a um
acordo a respeito da irmã. Pedro propôs que ele estaria disposto a res­
ponder sum ariam ente às suas perguntas ou reagir a pedidos rotineiros
(por exem plo, passar o sal durante refeições), mas ele queria que
constasse no contrato que ele não tinha a m enor intenção de ser am igo
dela. Isso foi visto com o aceitável e o acordo foi assinado. Pedro se
com prom eteu a responder a qualquer pergunta com pelo m enos uma
palavra. As três tias e os dois tios serviram de testem unhas na assina­
tura do contrato. A irm ã de Pedro (que estava na casa do avô) foi
cham ada para a refeição que selou o acordo. Pedro havia passado 38
horas da mais intensa presença parental de toda sua vida.
Nos meses seguintes, o acordo foi respeitado. Pedro não se tor­
nou falador (o que ele nunca foi mesmo), mas respondia quando fala­
vam com ele e passou a com er com a fam ília (em bora lhe fosse perm i­
tido o uso de prato e talheres próprios). Ele também pediu a ajuda do
pai no estudo de m atem ática e datilografou para a mãe um as páginas
de um trabalho que ela estava realizando.
Quando ele deixou algumas vezes de responder às perguntas dos
pais, as testem unhas foram cham adas, o contrato foi form alm ente re­
lido e Pedro voltou a responder aos pais, m esm o que sucintam ente.
Em uma conversa com o tio, ele disse que o contrato foi m uito vanta­
joso para ele, porque deixou claro seus direitos e seus reais sentim en­
tos sobre sua irmã.
A m udança de atitude de seus pais ficou bem clara no seguinte
incidente. M ais ou menos dois meses depois de assinado o acordo,
Pedro recusou-se a m over quando a mãe pediu para que ele saísse do

15
quarto para limpá-lo. Roberto interferiu e disse a Pedro que, no pas­
sado, eles haviam cedido porque temiam que ele sofresse de algum a
doença mental. M as, agora que sabiam que ele não tinha nenhum a
doença, não mais engoliriam seu antagonismo. Pedro recuou. Uma
hora mais tarde ele com entou com a mãe que ele nunca im aginara que
o pai ousaria agir assim.
Entretanto, os pais do Pedro não ficaram totalm ente satisfeitos.
Em bora o boicote tivesse term inado e Pedro estivesse conversando e
com endo com a família, ele ainda m antinha-se bastante distante de
todos. Os pais tinham uma expectativa de que, depois que Pedro re­
com eçasse a conversar, ele se abriria com eles c a relação tornar-se-ia
harm oniosa. E isso não aconteceu. As mudanças ocorridas em casa
não provocaram uma revolução. Contudo, ocorreu um ganho inespe­
rado: a vida social do Pedro melhorou m uito e, pela prim eira vez em
muitos anos, ele começou a trazer seus amigos para casa. E vidente­
mente, ele tinha vergonha de convidar seus amigos para a casa m aluca
de antes!

Caso 3: “Eu sou sua m ãe!”

Ana tinha 13 anos e era a mais jovem de três crianças adotadas cm


uma família. Ela tinha uma longa lista de reclam ações contra sua mãe,
Raquel: ela estava sem pre doente, nunca saia em sua com panhia,
nunca ia com ela às excursões da escola, nem mesmo havia dado á luz
a ela. Que tipo de mãe era essa? Outros pais acampavam com os fi­
lhos! Alguns até mesm o jogavam tênis com eles! A mãe dela era uma
m orta viva! Porque não morria dum a vez? Quem precisava dela?
Depois de enraivecer-se assim durante um tempo, Ana batia a porta
com violência e sum ia por várias horas. Para tornar as coisas ainda
piores, Ana estava fascinada por sexo. Ela falava e lia sem parar sobre
sexo e estava sem pre procurando na televisão filmes sobre tem as sexu­
ais. Esse interesse quase obsessivo, somado às suas desaparições, dei­
xava Raquel totalm ente angustiada.
A m aioria das explosões da A na era ligada à doença da mãe.
Raquel sofria de um problem a congênito no coração que não havia

16
perm itido que ela tivesse filhos biológicos, o que a obrigava a repousar
a todo m om ento e, às vezes, a se internar. D urante o ano anterior, ela
havia sido hospitalizada duas vezes e, em ambas, A na reagiu com
m uita raiva.
A pesar de suas limitações físicas, Raquel era um a m ulher m uito
ativa. Ela trabalhava em regime de m eio-expedienle em um a agência
de relações públicas (em bora a fam ília não precisasse desse salário),
adm inistrava a casa, e dedicava bastante tempo às três crianças. Além
disso, sua excepcional habilidade no lidar com as pessoas ajudava-a a
com pensar seu problema. Assim, ela ocupava um lugar im portante na
com unidade e era conhecida pela capacidade de organizar eventos so­
ciais sem sair do quarto, só usando o telefone e seu talento social.
Seu relacionam ento com o marido, Almir, era m uito bom. Ele
era um hom em excessivam ente gentil, a ponto de recusar-se a ser rigo­
roso com Ana. Ele se derretia todo quando a via. Raquel disse à tera­
peuta que A lm ir já havia desistido anteriorm ente de uma terapia por­
que a terapeuta tinha feito questão de que se fosse mais firm e com
Ana. Esse havia sido o único ponto em que ele havia tido coragem de
se opor à Raquel. Em tudo o mais, seu com portam ento para com ela
era o sum o da cortesia.
Raquel já havia tentado, fisicamente, im pedir Ana de sair de
casa, mas a m enina sim plesm ente em purrou-a e saiu. Raquel pediu a
Almir que a apoiasse, mas ele se recusou, dizendo que achava que Ra­
quel e os psicólogos estavam errados. Ele confiava cm que, com o
passar do tem po e com m uita paciência, Ana iria se m odificar. Enten­
dia, ainda, que só com am or e aceitação poderiam com pensar a sensa­
ção de Ana, de que seus pais não eram realm ente seus pais.
As explosões de Ana se alternavam com fases em que ela era
toda candura. E aí, ela conversava muito com Raquel e a ajudava nas
tarefas da casa. Podia passar uma sem ana nesta “lu a -d e -m er\ M as
quando Ana encontrava Raquel novam ente na cam a ou a ouvia falando
com seu médico, um a nova explosão não tardava a ocorrer.
Quando a terapeuta perguntou a Rachel se ela já havia conse­
guido algum a vez im por limites à Ana, ela disse que, de certa feita,
desligara a televisão a cabo e Ana, para surpresa da mãe, controlara-se

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durante duas semanas. Quando a televisão foi reconectada, contudo,
voltaram os problemas habituais. Encorajadas por esse episódio, a
terapeuta e Raquel, desenvolveram um plano que foi precedido pela
seguinte mensagem maternal:

Você acha que eu não sou uma pessoa nem uma m ãe completa
porque eu tenho um problem a no coração. Você está m uito en­
ganada. Eu nunca desisti de nada: nunca parei de trabalhar,
criei uma verdadeira fa m ília e eduquei m eus filh o s sem ajuda de
ninguém. Nunca me entreguei à doença e nem vou me entregar!
Você está também muito enganada ao pensar que eu não
sou cem p o r cento sua mãe. Em m eus atos e em m eus sentim en­
tos, sou cem p o r cento sua mãe. Você vai ver o quanto isto é ver­
dade. Você vai perceber isso até m esm o quando não gostar. O
fa to de eu ter adotado você, não me fa z m enos sua mãe: ao con­
trário, eu optei p o r ser sua mãe e decidi que você seria minha
filha. Você pode enraivecer o quanto quiser, mas você não pode
fa z e r com que eu seja nem um pouquinho m enos sua mãe.
Você acha que eu sou fra ca e que não sou capaz, de lidar ,
com você. Você logo vai ver o quanto você está enganada. Op­
tei por ser forte, mas ao meu modo. Você vai descobrir que eu
estarei presente m esmo quando você pensa que estou longe e que
eu continuo sendo sua mãe m esmo quando você estiver ocupada
com outras coisas. Vai perceber que eu sou sua m ãe também
quando você estiver na escola ou quando você sum ir e até
m esm o quando você estiver dormindo. Sou cem p o r cento sua
mãe, 24 horas por dia, 7 dias na semana, 4 sem anas p o r mês e
12 m eses ao ano. Serei sua mãe sempre, com o sua sombra. Se­
rei sua m ãe silenciosamente, secretam ente e quando m enos você
esperar.

Essa m ensagem foi acom panhada de uma série de medidas:

1. Sempre que A lm ir estivesse em casa e A na tivesse um acesso de


raiva, Raquel viraria para ele e diria que o barulho a estava pertur-

18
bando e que ela queria sair com ele. Ela sabia que A linir não se re­
cusaria; recusar-se seria falta de cortesia da parte dele.
2. Após um a explosão, Ana era privada de algumas de suas coisas pre­
feridas, com o por exem plo seus CDs, seu suéter mais bonito, ou até
mesm o o livro que estivesse lendo.
3. Se Ana chegasse atrasada em casa ou faltasse à escola, descobriria
que Raquel im ediatam ente o sabia. Raquel havia desenvolvido uma
rede de contatos, que a inform avam continuam ente por telefone sobre
sua filha. Essa rede também perm itia que Raquel deixasse recados
para A na em vários lugares (por exem plo, com o treinador de tênis de
A na ou com pais de suas am igas), alguns deles intencionalm ente
constrangedores.

Raquel sentiu um prazer especial em inventar estratagem as desse tipo.


Com a ajuda do telefone e de sua habilidade de persuasão, ela obteve a
colaboração de muitas pessoas com as quais A na tinha contato direto
ou indireto. Raquel aum entou enorm em ente sua presença na vida da
filha. De início Ana ficou indignada, mas gradualm ente sua reação
tornou-se mais e mais positiva. Paradoxalm ente, foi exatam ente por
sua ousadia de agir pelas costas de Ana, que Raquel se transform ou
num a presença parental perene, dem onstrando que ela era aquela mãe
cem por cento que A na tanto desejava.
Esses três casos exem plificam com o os pais podem recuperar o
senso de iniciativa, confiança pessoal e apoio. Esses vários pais ousa­
ram experim entar com novas idéias, escolhendo o horário, local e con­
dições mais adequados para fazer sentir sua presença. Em todos os
casos, a terapeuta procurou adaptar suas propostas aos pais, de maneira
que elas fossem aceitáveis para eles tanto moral quanto pessoalm ente.
Além disso, as ações dos pais estavam integradas, o mais possível,
dentro de um contexto de apoio social. Em todos os três casos, os pais
foram capazes de dizer: “Eu posso agir!” , “Isso é certo!” e “Eu não
estou sozinho!”
As medidas práticas utilizadas em cada caso, entretanto, não de­
correm diretam ente da idéia de presença parental: existe um salto con­
ceituai entre a idéia abstrata e sua im plem entação prática. O resto

19
deste livro é um a tentativa de esclarecer e sistem atizar este salto, para
tornar o processo um em preendim ento metódico que possa ser apren­
dido e praticado tanto por terapeutas como por pais.

20
Capítulo II

A presença parental à luz de outros enfoques


Com Uri W einblatt
í l á apenas uma geração, a grande m aioria dos profissionais acredi­
tava que só um a teoria poderia ser verdadeira e só um tratam ento cor­
reto para problem as psicológicos. Esta visão decorria da com preensão
de que a realidade é um a só e, assim sendo, só uma única teoria pode­
ria refleti-la fielmente. Essa crença não é, atualm ente, mais aceita. As
teorias que explicam o com portam ento humano serão sem pre tão m úl­
tiplas quanto as perspectivas com que encaram os os seres humanos.
N a verdade, nossas teorias não refletem o m undo com o um espelho,
mas sim nossas m aneiras preferidas de descrevê-lo e observá-lo. Isso
não quer dizer que não exista mais verdade e mentira: um a criança foi
ou não abusada, fugiu ou não da escola, tentou ou não se suicidar. A
veracidade dessas afirm ativas pode, cm princípio, ser determ inada. O
que não dá para se dizer com precisão é se a criança foi abusada, fugiu
da escola ou tentou se suicidar por causa de im pulsos de auto-destrui-
ção inconscientes, por programas ineficientes de reforço ou pelo esta­
belecim ento de limites inadequados. Essas diferentes explicações re­
fletem sim plesm ente diferentes ângulos de visão. Cada um a delas
pode enriquecer nossa com preensão, mas nenhum a descreve os even­
tos num nível de veracidade m aior ou m enor do que as outras.1

1 Para críticas detalhadas dessa revolução pluralista em psicoterapia, veja Omer c


London, (1988) e Omer c Alon, (1997).

23
Então, porque incomodar-nos com teorias? Sim plesm ente, por­
que quando falamos com pais, com outros profissionais ou até conosco
mesmos, só podem os nos expressar em termos dos nossos conceitos
teóricos, sejam eles explícitos ou implícitos. Da m esm a maneira,
quando propom os um a intervenção, não temos alternativa senão ju sti­
ficá-la através de conceitos teóricos. A té mesm o nossas perguntas
vêm desses conceitos. Assim, quando perguntam os se um a criança foi
desejada pelos pais ou não, se é retraída ou expansiva, se tem ou não
livre acesso ao quarto dos pais, estam os sendo guiados por um a teoria.
Contudo, nós não podem os presumir, com o fazíam os antiga­
mente, que nossas teorias representem a verdade científica ou o ponto
de vista de Deus. Particularm ente, não há mais justificativa para ex­
cluir as perspectivas dos pais, suas preferências ou teorias im plícitas.
Não podemos mais dizer: “Esta é a maneira certa para pensar e agir. É
a única que é científica; se você não a aceitar, pior para você!” Na
realidade, se os pais rejeitam nossas propostas, isto nos diz som ente
que as propostas são inadequadas para esses pais ou, então, que não
nos explicam os bem.
Além disso, ao reconhecerm os que as teorias c abordagens serão
sempre múltiplas, terem os de m udar nossas relações com outros pro­
fissionais, que utilizam teorias e abordagens diferentes das nossas.
Nos casos em que trabalham os, envolvem -se quase sem pre um número
de profissionais tais com o psicólogos, assistentes sociais, estagiários,
juizes, professores, diretores e médicos. Criar um diálogo produtivo
entre estes é de sum a importância. O sucesso ou fracasso em casos
difíceis resulta, freqüentemente, da habilidade dos profissionais envol­
vidos em superarem suas diferenças (Elizur e M inuchin, 1993). Por
outro lado, quando um terapeuta assume uma posição que não deixa
espaço para as opiniões dos outros profissionais envolvidos, os pais c a
criança podem sofrer. Por isso, precisam os urgentem ente de conceitos
que com patibilizem diferentes abordagens. Este capítulo pretende
mostrar que o conceito de presença parental pode servir com o ponte
entre diversas perspectivas profissionais.

24
Uma nova visão com portam ental
para os apuros de uma mãe

Os terapeutas com portam entais têm sido m uito criativos no desenvol­


vim ento e pesquisa de estratégias para ajudar pais a lidar com crianças
indisciplinadas. Entretanto, de tanta im portância quanto as inúmeras
pesquisas e técnicas desenvolvidas pelos com portam entalistas (behavi-
oristas), é a grande teoria com portam ental sobre o processo pelo qual
as mães podem tornar-se incapazes e as crianças tirânicas. Refiro-me à
Teoria da coação de Gerald Patterson (Patterson, 1979; 1982).
Patterson não se encaixa bem no estereótipo do com portam enta-
lismo com o um a visão do indivíduo com o sendo passivam ente m ol­
dado por fatores externos. Na sua visão, pais e filhos se m oldam uns
aos outros: a mãe é tão treinada pelo filho quanto o filho o é pela mãe.
M as por que falar em mãe? Por que não o pai? A resposta de Paller-
son tem um apoio empírico: é exatam ente à mãe a quem cabe a m aio­
ria dos contatos desagradáveis com a criança. A ssim , a m ãe é quem
recebe 71% das queixas e dos pedidos de ajuda e 56% dos atos agres­
sivos dos filhos (o restante é dividido entre outros irmãos, o pai, e ou­
tras pessoas).
Enquanto uma parte grande do dia da mãe envolve aborrecim en­
tos com os filhos (pesquisas mostram que num a fam ília com uma cri­
ança problem ática e mais um irmão, um a mãe sofre pelo menos um
aborrecim ento por minuto!), a atividade mais com um do pai (com pro­
vado pelos cuidadosos métodos de m edida de Patterson) é a de ler o
jornal! E, para com pletar, quando uma crise se desenvolve, o pai, com
freqüência, tende a ficar neutro ou até sum ir da cena. Patterson con­
clui que “o pai parece às vezes mais um hóspede do que outra coisa”
(Patterson, 1980). M esmo assim, Patterson afirm a que seria errado
concluir que o papel do pai não é importante: em famílias de mães
solteiras, a quantidade de aborrecim entos (transtornos) é m aior do que
em famílias onde existem pai e mãe. Os dados de Patterson mostram
também que quando o pai se envolve com a educação dos filhos, ocor­
rem m enos problemas.

25
Entretanto, o fardo mais pesado fica para a mãe. N ão é de se
surpreender que vários estudos mostrem consistentem ente um a queda
na satisfação pessoal e conjugal da mãe durante os prim eiros dez anos
da criação dos filhos (Rollins e Felman, 1970). Para as mães de crian­
ças agressivas, a situação é ainda pior: elas sofrem significativam ente
m ais de ansiedade e depressão do que as mães de crianças sem pro­
blem as ou de crianças com outros problemas psicológicos (A nderson,
1969).
Essa descrição dos apuros da mãe explica com o ela se torna vul­
nerável ao ciclo de coação que caracteriza a relação entre ela e uma
criança indisciplinada. A maioria das mães, com o vim os, sofre perío­
dos de tensão e desgaste. Se a esses problem as “norm ais” , se acres­
centam outros (como dificuldade financeira, doença, solidão, divór­
cio), a mãe pode tornar-se tão exausta a ponto de precisar com prar
tranqüilidade a qualquer preço. O palco então estará pronto para o
treinam ento m útuo da mãe e da criança.
Digam os que a mãe dê uma ordem. A criança responde muitas
vezes com um a ação evasiva ou com uma birra. Se a mãe estiver
exausta, é provável que ela desista da ordem para se poupar ou term i­
nar com a birra. A cada repetição desse ciclo, o com portam ento de
am bos é reforçado: o com portamento da criança é reforçado pela de­
sistência da mãe, e o com portam ento da mãe é reforçado pelo m o­
m ento de tranqüilidade que ela conseguiu. A criança tenderá então a
criar mais distúrbios e a mãe, a recuar. Aos poucos, a criança passa a
acreditar que a mãe irá sempre recuar e a mãe passa a crer que ela não
é capaz de resistir. As vezes, a mãe pode tentar assum ir um a posição
mais firme. A criança, já acostum ada à vitória, am plia o distúrbio:
gem er vira gritar, gritar vira am eaçar e am eaçar vira bater e quebrar.
M esm o se a mãe resiste por um momento, freqüentem ente ela acaba
recuando. O resultado é que o ciclo vai se intensificando.
À m edida que o nível de perturbação da criança vai aum entando,
a mãe vai-se habituando aos níveis mais baixos: ela passa a não mais
percebê-los. N a realidade, isso c um ato de sobrevivência: “Se você
não pode controlar, não perceba!” Essa cegueira adaptativa gradual­
m ente se espalha para outras áreas, tais com o não perceber com quem

26
a criança está andando. Essa cegueira adaptativa e essa paralisia vão-
se aprofundando, até que a mãe se torne quase ausente da vida da cri­
ança. Se, além disso, o pai é distante ou ausente, a criança se torna,
praticam ente, órfã.
A meu ver, uma das principais virtudes desta descrição é que a
mãe não é considerada culpada (como sói acontecer em m uitos relatos
psicológicos). Na verdade, a mãe é levada inexoravelm ente a se com ­
portar dessa maneira. O resultado é trágico, mas ninguém é culpado.
Esta visão em pática, perm itirá o estabelecim ento de um contato melhor
entre o terapeuta e a mãe.
Os program as com portam entais de aconselham ento a pais tentam
interrom per esse ciclo vicioso através de uma série de medidas:

f 1. Ensina-lhes os princípios de reforço (prêm io e castigo)


2. Treina-os a observar e m edir o com portam ento problem ático da cri­
ança;
3. Define novas condições de reforço; e
4. M onitora e apóia os pais, a fim de que continuem no programa.

Esses program as buscam resgatar os pais do estado de cegueira adap­


tativa e de desam paro a que se submeteram: os pais são treinados para
ver e agir. Pouco a pouco, à medida que internalizam os princípios e
as técnicas, eles desenvolvem sua iniciativa própria.
Programas com portam entais podem ter bons resultados: a violên­
cia da criança dim inui, melhora-se a auto-estim a da mãe e os ganhos
podem se estender a novos locais, com o por exem plo, a escola. Pes­
quisas mostram que as mudanças são freqüentem ente m antidas, até por
anos após o tratamento. Existem, entretanto, alguns problem as:

1. M uitos pais desistem dos programas;


2. Baixa taxa de sucesso com crianças maiores, especialm ente adoles­
centes; e
3. Relutância da maioria dos profissionais de apoiar um a posição es­
tritam ente com portamental.

27
Esses problem as limitam em muito o impacto desses programas.
Contudo, as idéias de Patterson podem ser integradas num program a
centrado no estabelecim ento da presença parental. Com o espero m os­
trar, o conceito de presença parental responde aos três problem as m en­
cionados acima: a desistência dos pais, a baixa taxa de sucesso com
crianças maiores e a relutância profissional a uma linha estritam ente
comportamental.

O enfoque sistêm ico


e a influência de terceiros

Presença parental é um a idéia que se refere às experiências didáticas


entre pais e filhos. No entanto, a principal contribuição do enfoque
sistêmico é, precisam ente, ajudar-nos a expandir o nosso foco, bus­
cando a influência de terceiros sobre a dupla pai-filho ou m ãe-filho.
As questões típicas levantadas sob uma perspectiva sistêm ica serão:
Que terceiras pessoas afetam positiva ou negativam ente a presença
parental? Com o proceder para dim inuir influências negativas ou au­
mentar influências benéficas de terceiros sobre a presença parental?
Por exem plo, num a das mais com uns danças de fam ília (um a ex­
pressão favorita de terapeutas sistêm icos) sempre que um dos pais
tenta estabelecer um limite à criança, o outro (o terceiro, neste caso)
faz exatam ente o contrário e passa a ficar especialm ente mais perm is­
sivo com a criança. O resultado é que aquele que estabeleceu o limite
fica mais fraco, a criança fica mais forte e o desentendim ento entre os
pais se aprofunda. Essa dança obedece a um ditado bem conhecido
entre os terapeutas de família: “ Uma criança que é mais alta do que um
dos pais deve estar sentada no ombro do outro.”
O fator que influencia a dupla pai-filho não é necessariam ente
um indivíduo. A relação entre pais e filhos está situada num a rede de
sistemas extra-fam iliares que afetam o seu funcionamento. Poderem os
então considerar a influência de sistem as com o os seguintes:

1. A escola. O relacionam ento entre pais e a escola pode ser caracteri­


zado tanto por apoio com o por sabotagem. Todos nós sabem os que a

28
autoridade da escola é freqüentem ente enfraquecida pelos pais. O in­
verso, entretanto, não é menos verdadeiro: pais que não colaborem
com o professor ou o diretor podem vir a ter sua autoridade enfraque­
cida na eventualidade daquelas pessoas passarem a não se interessar
em dar inform ações sobre a criança.
2. Os am igos da criança. A influência de am igos aum enta com a
idade da criança (e atinge seu auge na adolescência), afetando o rela­
cionam ento com os pais em vários graus. N a adolescência, a reputa­
ção dos pais pode, às vezes, ficar à mercê do julgam ento dos amigos
do adolescente.
3. A comunidade. A influência de vários setores da com unidade, como
a igreja, a polícia ou algum grupo ao qual os pais pertençam pode ser
profunda. Por exem plo, o apoio da com unidade a mães viúvas é nor­
malmente m uito m aior do que o apoio a mães divorciadas ou solteiras,
com o resultado de que as prim eiras sofrem menos de problem as com-
portam entais dos filhos.
4. A mídia. Não existe praticam ente um contato entre pais e filhos que
não seja influenciado tacitam ente pela mídia. Assim, sem pre que uma
criança ameaça, geme, adula ou bate, e sem pre que o pai perde o con­
trole, resiste ou desiste, ambos, pais e criança?, já conhecem estas situ­
ações através da mídia. Eles já "estiveram lá", por procuração, através
dos heróis e heroínas de filmes e da televisão.

Q ualquer um desses sistem as pode se tornar o foco de um a intervenção


terapêutica. Ao ajudar os pais a restabelecerem sua presença, o
terapeuta às vezes vai achar oportuno contatar outros membros da fa­
mília, a escola, os amigos da criança (ou os pais dos am igos), o tribu­
nal, o policial ou a igreja. M esmo a influência da m ídia pode ser par­
cialm ente controlada, pois para cada program a de televisão pode-se
achar um contra-program a que traz a mensagem oposta. Às vezes, até
mesmo o “sacrilégio” de retirar a televisão do quarto da criança ou da
casa poderia ser com etido, com resultados surpreendentes.
Entre os profissionais da área de ajuda, são provavelm ente os te­
rapeutas sistêm icos os principais defensores dos pais. Surpreendente­
mente, a idéia de terapia familiar veio a ter m á fam a em alguns meios,

29
justam ente por ser vista com o antagonista aos pais. Esse preconceito
talvez fosse justificado no passado, especialm ente entre os pioneiros da
terapia de familia, que desenvolveram conceitos pejorativos, tais com o
criança-bode-expiatório e mãe esquizofrenizante. Atualm ente, essa
crítica é injusta: terapeutas sistêm icos de fam ília têm feito m uito para
restabelecer a influência e a dignidade dos pais, para proteger os pais
dos maus tratos dos filhos e para com bater o enfraquecim ento da pre­
sença parental que, no final, acaba por ser tão prejudicial aos filhos.

Os terapeutas hum anistas


e a descoberta do pai com o individuo

Denom inam os hum anistas aqueles profissionais que vêem a individu­


alidade do cliente com o o centro de toda atividade terapêutica. M as
isso não seria óbvio? Todos os terapeutas não seguem essa crença?
Oficialmente, sim. Contudo, por um a ironia da história da psicotera­
pia, os pais têm sido quase privados do seu direito de serem vistos
como indivíduos. A razão é simples: a criança está em prim eiro lugar.
Em nossa cultura, quando pais e filhos são considerados em conjunto,
presume-se que os direitos mais amplos sejam os da criança. Entre
terapeutas, essa preferência é baseada tanto num julgam ento teórico,
quanto em um julgam ento de valor. Pois não é verdade que todos os
problemas psicológicos da criança provêm da inabilidade dos pais de
criar um meio sadio? Visto que são eles os responsáveis pelos pro­
blemas de seus filhos, não é mais do que justo que eles carreguem o
fardo de reparar suas próprias falhas?
Apesar de raram ente serem explícitas, essas posições têm uma
inegável influência. Até bem recentemente, por exem plo, pouco havia
sido escrito ou falado sobre pais com o vítimas de agressão de crianças.
Maus tratos eram presum idos virem somente de um a direção: entre
pais e crianças, só as últimas poderiam ser consideradas com o vítimas.
Quando eu contava às pessoas que estava fazendo uma pesquisa sobre
pais que eram abusados por seus filhos, as pessoas ficavam perplexas
(“Existiriam casos assim?), ou num curioso mal entendido me incenti­
vavam a continuar a lutar contra a praga do abuso infantil. Essa

30
cegueira seletiva é tão geral que foi necessária um a ousadia de pensa­
mento para m ostrar que os pais também podem ser vitim izados pelos
filhos e para ver os pais como indivíduos com plenos direitos.
Donald W innicott foi um dos prim eiros a propor que som ente
pais hum anam ente im perfeitos podem criar bem seus filhos. Se a mãe
fosse perfeitam ente sintonizada com as necessidades da criança, esta
não se desenvolveria. Felizm ente, observa W innicott, os defeitozinhos
e as pequenas necessidades egoístas da mãe garantem que a sintonia
ideal seja "adequadam ente imperfeita" (W innicott, 1965).
W innicot é enfático quando fala sobre agressão: a violência da
criança deve ser enfrentada de um a m aneira contundente e em ocional.
Caso contrário a criança não se dará conta de que o outro tam bém está
vivo. Pois se a raiva da criança não for enfrentada por um a raiva au­
têntica, a criança virá a crer que tam pouco o am or do outro seja autên­
tico (W innicott, 1958). Para tirar qualquer dúvida de que o que W in­
nicott propõe não seja um a m era metáfora, citam os sua própria reação
ao com portam ento agressivo de um órfão de 9 anos, a quem ele deu
abrigo durante a guerra.

“Bati nele? A resposta é não, nunca bati. M as eu teria batido


se não tivesse plena consciência de meu ódio e se não lhe tivesse
falado abertam ente sobre este ódio. D urante as crises eu o
pegava na fo rça bruta e o colocava para fo ra de casa, fo s s e qual
fo sse o tempo ou a hora do dia ou da noite. Sem pre que eu o
colocava para fo ra de casa eu lhe dizia que o que havia
acontecido tinha fe ito com que eu o odiasse. Isso era fá c il para
mim, porque era a pura verdade. ” (Winnicott, 1958, p. 200).

W innicott acrescenta que a profunda relação do m enino com a fam ília


W innicott foi uma das poucas coisas estáveis em sua vida de órfão.
Entendemos que as coisas foram assim porque W innicott se havia feito
totalmente presente na vida do menino, em todos os seus sentim entos e
fraquezas. Nem mesmo o ódio foi om itido ou minimizado.
Evidentem ente que o ódio dos pais não pode ser diretam ente de­
monstrado a um bebê ou a uma criança pequena. Controlar a raiva é

31
um dos importantes desafios aos pais no início da criação de crianças.
Entretanto, W innicott sustenta que a raiva maternal ou parental é com ­
pensada indiretamente por meios culturais aprovados, com o algumas
cantigas de ninar de conteúdo sádico como “N ana neném que a cuca
vem pegar...” e “Boi, boi, boi; boi da cara preta pega essa criança que
tem medo de careta.” Com o passar do tempo, no entanto, a criança
vai ficando mais capaz de enfrentar um a raiva autêntica. Os pais "ide­
ais" que se destacam demais no autocontrole da própria ira, estarão
privando a criança de uma experiência essencial ao seu desenvolvi­
mento. Se isso acontecer, acrescenta W innicott, a criança perm anecerá
infantilizada.
Um outro direito parental que foi recentem ente reabilitado por
escritores psicanalistas, depois de ter perm anecido proscrito por muito
tempo, é o direito de sonhar sobre o futuro dos filhos. Antigam ente,
entendia-se que tais sonhos expressavam necessidades narcisistas dos
pais que só poderiam prejudicar o desenvolvim ento da criança. Hoje
em dia, no entanto, expectativas parentais estão voltando a ser não
somente permitidas, com o também recom endadas (Elson, 1984)! Evi­
dentemente que os pais não devem ser rígidos em suas expectativas.
Consideremos, por exem plo, as seguintes histórias. (Elson, 1984, p.
303).
A prim eira é sobre o pai de Richard Strauss, que foi, também, um
excelente músico (tocava a trompa). Em um a carta ao filho sobre a
estréia de seu poem a sinfônico “M acbeth” , o pai lhe recom endou: “Eu
te aconselho, em bora triste porque sei que não adianta, a m odificar
Macbeth... e dar às trom pas mais oportunidades para se destacarem .”
A segunda história é sobre o pai de Eugene O rm andy, que for­
çava seu filho a estudar violino batendo nele sem pre que ele parava de
tocar. M uitos anos depois, o pai foi convidado por Eugene (que havia
largado o violino muito tempo atrás) para um concerto de violino que
ele, Eugene, regeu. Após o concerto, o pai com entou am argamente:
“Se eu tivesse batido em você um pouco mais, seria você quem estaria
tocando o violino e ele quem estaria regendo!”
Am bos os pais tinham expectativas sobre o futuro dos filhos.
A mbos ficaram desapontados por essas expectativas não terem se rea-
lizado exatam ente com o eles queriam. O pai de Strauss reagiu expres­
sando um desejo íntimo de que seu filho tivesse colocado na música
um pouco mais do pai (as trompas). Já o pai de O rm andy respondeu
com um a dem onstração de rejeição que bem se encaixou na sua m a­
neira bruta de educar o filho. Claro que recom endaríam os mais o fle­
xível narcisism o do papai Strauss do que a rigidez do papai Ormandy.
Evidentem ente que algumas crianças sofrem com as expectativas
excessivam ente rígidas dos pais. No entanto, será que outros também
não sofrem pela falta de expectativas? Nas famílias que estam os estu­
dando, a resposta é claram ente positiva. Os pais que estam os ajudando
sentem -se tão inseguros que não se atrevem nem mesm o a esperar algo
de seus filhos. Parece que eles consideram a esperança com o um peri­
goso micróbio: esperar significaria tentar, tentar significaria exigir, e
exigir significaria naufragar num mar de brigas. O uvim os, entretanto,
muitas queixas tardias dessas crianças contra seus pais: “V ocê nem
sequer sonhou que de mim sairia algo de bom !”
Não seria exagerado dizer que a descoberta dos pais com o indi­
víduos é algo bastante recente entre terapeutas. Falar sobre pais como
entes individuais de pleno valor humano era algo tão fora da moda,
que um dos prim eiros livros sobre pais com o seres hum anos com eça
com uma apologia: “Em bora amemos m uito as crianças, falarem os
pouco sobre elas - as bibliotecas estão cheias de livros sobre crianças”
(LeM aslers & DcFrain, 1989).
A descoberta dos pais com o indivíduos com eçou com a constata­
ção de que, por muitas vezes, eles têm sido julgados de um a maneira
profundam ente injusta. Assim, os pais têm sido culpados por qualquer
coisa que não funcione com seus filhos. M ães, em particular, têm sido
vistas com o responsáveis por seus filhos se tornarem hiperativos, es­
quizofrênicos ou transexuais (Caplan, 1986). Além disso, os pais têm
sido subm etidos não só ao julgam ento de outros pais (como se dá com
pessoas em outros papéis), com o também ao julgam ento de terapeutas,
professores, médicos, enferm eiras, juizes e jornalistas. Além do mais,
em nossa sociedade, as exigências crescentes de desem penho parental
coincidem com um período histórico de dim inuição no apoio tradicio­
nal que os pais recebiam da fam ília extensa.

33
E sta nova visão, que encara os pais mais positivam ente, tem le­
vado à destruição de vários mitos. Por exem plo, a convicção de que
antigam ente os pais eram menos abusivos e, de um m odo geral, mais
bem sucedidos na educação dos filhos,' foi convincentem ente contes­
tada em pesquisas (LeMasters & DeFrain, 1989; Straus & Gelles,
1986). A síndrome do “ninho vazio” também parece ocorrer
raramente: algumas pesquisas têm mostrado que a satisfação conjugal
e pessoal dos parceiros diminui após o nascim ento dos filhos, mas
aumenta de novo quando as crianças ficam mais independentes. O
apogeu da satisfação é atingido quando os filhos saem de casa! E é
quando o tal “ninho vazio” volla a ser preenchido pela volta para casa
de um filho que não conseguiu morar sozinho, que o nivel de
satisfação dos pais chega ao seu nível mais baixo! (Glenn & Me
Lanahan, 1982; White, Booth, & Edwards, 1986).
Ultimamente, livros, cursos e grupos de apoio para pais têm
focalizado, cada vez mais, nos direitos de pais com o seres hum anos e
nas distorções que urna perspectiva centrada exclusivam ente na criança
tem trazido à vida familiar. Novas metáforas e parábolas estão sendo
criadas para com patibilizar essas novas idéias. Em uma dessas, a casa
não deveria ser vista como um círculo com um centro único — a
criança — mas como uma elipse com dois centros — os pais e o filho.
Uma fábula típica desse novo espírito fala de um a mãe que, voltando
do mercado, enfrenta seus filhos gritando por comida. Ela se esconde
na cozinha e faz uma boa refeição para si mesma. Quando alguém
pergunta como é que ela pode ser tão egoísta, ela responde: “Estou
preparando uma mãe forte e saudável para eles!” (Amit, 1997).
De todos os m ovim entos em prol da afirm ação dos pais, no
entanto, nenhum tem mais im pacto em ocional do que grupos de auto-
ajuda como “Pais A nônim os” e “A m or Exigente” (Toughlove). Ficar
sócio de um grupo desse tem muitas vezes o efeito im ediato de liberar
os pais do ciclo de culpa em que eles estão presos. Pais descobrem de
repente que suas dores e dificuldades não são nem vergonhosas nem
únicas. Eles aprendem que merecem o luxo de um lar habitável, que
têm direito a algum descanso e que suas próprias vozes podem e
devem ser ouvidas. Eles têm também a oportunidade de receber e dar

34
apoio. Esses grupos tem ajudado a muitos pais a ganhar de volta sua
sensação de valor moral e pessoal.

A presença parental
com o um a abordagem integrativa

As perspectivas com portam ental, sistêm ica e hum anista descrevem três
maneiras pelas quais os pais podem tornar-se gradualm ente ausentes
da vida dos filhos:

1. Terapeutas com portam entais sublinham a perda progressiva da ca­


pacidade de agir dos pais. O filho, ao contrário, fica cada vez mais
seguro de seu poder de governar através da perturbação.
2. Terapeutas sistêm icos creditam o enfraquecim ento da presença pa­
rental à intervenção de fatores externos (a influência dos terceiros). A
criança, por sua vez, aprende a usar esses fatores para neutralizar os
pais.
3. Os hum anistas enfocam a perda da voz ativa dos pais. A criança,
por sua vez, passa a ver os pais com o figuras ocas, desprovidas de ini­
ciativa própria.

A presente abordagem é um a tentativa de integrar essas diferentes per­


cepções, de maneira teórica e prática. Teoricam ente, ao invés de vei­
as perspectivas com portam ental, sistêm ica e hum anista com o m utua­
mente excludentes, podem os vê-las através do enfoque unificador da
presença parental com o com plem entares. Praticam ente, nossa meta
tríplice é ajudar aos pais a tornar-se presentes por três cam inhos: a) a
retom ada da capacidade de agir; b) o desenvolvim ento de um apoio (ao
invés de um vazamento) sistêm ico; e c) o resgate de sua voz pessoal.
Estes cam inhos não são independentes, mas agem de m aneira sinergé­
tica.
Essa tríplice meta pode tam bém ser form ulada através da pers­
pectiva da criança. N osso alvo é, assim, resgatar a criança: a) de um
vácuo de ação parental; b) de um caos de influências m utuam ente des-
qualificantes; e c) da falta de um a figura parental individualizada. Os

35
próxim os tiês capítulos tratam de cada uma dessas facetas da presença
parental.

36
Capítulo III

A presença ativa
O s pais se tornam paralisados por medo, por pena, por m uito falar ou
escutar e por crerem muito mais em especialistas do que em si pró­
prios. N este capítulo, explorarem os maneiras de identificar e reverter
estes problem as. Nosso objetivo é colocar novam ente os pais no cen­
tro da ação, mesm o os pais considerados por terapeutas com o “desm o­
tivados” , “incapazes de educar” ou “inadequados à paternidade” . Na
verdade, esta definição negativa dos pais reflete mais a nossa incom ­
petência com o terapeutas do que a real condição dos pais. Em grande
parte nós terapeutas somos responsáveis pelas nossas próprias pers­
pectivas negativas. Corrigi-las e evoluir para um a atitude de respeito
pelos pais pode ser o prim eiro e decisivo passo no tratamento.

O respeito pelos Pais

Como descrevem os no capítulo anterior, as profissões terapêuticas e de


ajuda social freqüentem ente perderam de vista o fato de que pais são
indivíduos dotados não só de deveres, mas de direitos também. A fim
de corrigir esta nossa cegueira profissional seletiva, deverem os encon­
trar novos m eios de com preender os pais e de nos com unicar com eles.
Em outras palavras, devem os aprender a respeitar os pais e a expressar
este respeito.
Em prim eiro lugar, o respeito terapêutico deve ser expresso em
face à dor, aos valores e às conquistas dos pais. Respeitar a dor dos

39
pais significa m ostrar o nosso reconhecim ento de que os m edos e os
ferim entos causados pelos filhos são legítimos e im portantes. Esta
regra aparentem ente banal muitas vezes é deixada de lado. Assim,
uma reação com um às queixas dos pais costum a ser: “ Eles devem ter
feito algo para m erecer isto” . Tal postura é inaceitável, especialm ente
quando se trabalha com pais que são vítimas de abuso. Felizm ente, no
que concerne a outros tipos de vítimas, com o mulheres estupradas ou
espancadas e especialm ente crianças molestadas, existe uma consciên­
cia crescente quanto ao dano causado por esta atitude acusatória. Infe­
lizm ente os pais se beneficiaram pouco desta tom ada de consciência:
de certa forma, a dor deles é considerada menos legítim a do que a de
outros tipos de vítimas. H abituados a esta norma, os pais se surpreen­
dem quando um terapeuta mostra interesse sincero eni suas mágoas,
recusa-se a aceitar que eles sejam culpados e oferece ajuda para que
eles se protejam.
Nós terapeutas também ternos dem onstrado pouco respeito aos
valores dos pais. Assim, é com um nos referirm os a eles com o mais
interessados no sucesso dos filhos do que na sua felicidade, com o mais
guiados pelas próprias fantasias do que pelas necessidades dos filhos,
ou como tendo uma visão totalm ente restrita sobre a educação da cri­
ança. As vezes até caím os na tentação de ensinar-lhes com o ser pais,
mostrando-lhes com o lidamos com a criança durante a terapia. Por
exemplo: alguns terapeutas de crianças convidam os pais à sessão com
a criança, com o objetivo de dem onstrar como se pode ser aceitador e
em pático. Outros terapeutas, mais focados no aspecto disciplinar,
tentam m ostrar aos pais como lidar com a criança em casa através do
m odo com o interrompem uma perturbação da criança durante a sessão.
Apesar destes exem plos parecerem muito óbvios, nós todos caím os às
vezes em formas mais ou menos sutis dessas falhas.
O terceiro aspecto de respeito aos pais está relacionado às áreas
positivas, às conquistas e sucessos parciais dos pais. M uito tem sido
dito sobre a tendência dos terapeutas de enfocarem mais o lado nega­
tivo e patológico dos clientes. Realmente, há uma tendência a se en­
xergar os pais sob a ótica de suas falhas, ignorando o fato de que uma
criança desajustada em casa pode ser equilibrada na escola ou que os

40
pais possam ter sido bem sucedidos na criação de outros filhos. A
ênfase oposta, que consiste em pontuar experiências parentais bem
sucedidas pode ter um grande valor para os pais e para o processo te­
rapêutico.
Esta análise esclarece com o chegam os tão com um ente à conclu­
são de que os pais são incapazes e desm otivados. Tal não surpreende,
já que fizem os todo o possível para vê-los dessa forma!
Entretanto, um a questão se impõe: com o podem os atuar na m u­
dança dos pais, com um a atitude contínua de respeito e confirm ação?
A nossa resposta é que podem os questionar com mais eficiência as
falhas dos pais e ajudá-los a mudá-las, se os apoiarm os em suas dores,
valores e realizações. A poiar e questionar são duas faces de um a
mesma moeda: quanto mais enfáticos formos no apoio aos pais em
suas dores, valores e realizações, maior será a nossa capacidade de
questionar suas falhas específicas para com os filhos.
As intervenções terapêuticas deste livro terão, na m aioria das ve­
zes, uma form a dialética. Com eçam com um a expressão em pática de
respeito e encerram -se com um questionam ento (O m er & Alon, 1997;
Omer,1998). As duas partes da mensagem se fortalecem : o questio­
namento é sem pre mais aceitável quando precedido de um apoio em ­
pático e o apoio adquire sem pre maior credibilidade quando seguido de
uma indagação ou um desafio. De certo modo, esta atitude de apoiar e
desafiar reflete, na esfera terapêutica, a m ensagem da presença ativa
dos pais. Da m esm a form a que os pais dizem a seus filhos “Eu estou
com você e, portanto, posso im pedi-lo de agir destrutivam ente!” , o
terapeuta pode dizer aos pais “Eu estou com vocês e respeito suas do­
res, seus valores e suas realizações, por isto posso ajudá-los a mudar
suas ações ineficientes!”

A presença corporal

A primeira e mais básica maneira dos pais se mostrarem presentes


junto aos filhos é através do corpo. Os pais estão presentes ao segurar,
abraçar e cuidar do bebê. N a m edida em que crescem , a presença cor­
poral se torna mais interm itente e outros meios, mais sim bólicos, de

41
dem onstrar a presença parental vão sendo desenvolvidos. A necessi­
dade da presença corporal, entretanto, não desaparece: quando a cri­
ança com eça a correr por todos os lados, a subir uma escada ou a brin­
car em um a piscina, as mãos protetoras dos pais exercem um papel
vital. Em todas estas circunstâncias, a grande diferença de tam anho
entre a criança e os, pais pode ser um fator significativo. Por exem plo,
quando o filho chora inconsolavelm ente, é nos braços largos e proteto­
res dos pais que a criança irá, aos poucos, se acalmar. D e certo modo,
este “uso” em ocional dos braços dos pais (ou de outro ente querido)
continua por toda a vida. Contudo, nós tendemos a crer que assim que
a criança cresce ela ainda pode fazer bom uso dos braços que confor­
tam, mas não dos que cerceiam. Mas, seriam os dois tão diferentes
assim? O exem plo do prim eiro caso (veja Capítulo I, O A braço do
Urso) m ostra que a diferença é menor do que pensamos.
O corpo é o nosso contato com a realidade. Nos beliscam os para
saber que não estam os sonhando. Para uma criança cujos pais torna-
ram-se virtualm ente ausentes, podem os presum ir que voltar a sentir a
presença corporal dos pais será a mais convincente constatação da
existência deles. Se os corpos dos pais estão lá, sólidos e inabaláveis,
a criança não estará sonhando! Quando as crianças reagem com ceti­
cism o às tentativas iniciais dos pais de retornarem à cena familiar,
nada lhes silencia mais as dúvidas do que a presença física dos pais.
Para uma criança pequena, o abraço do urso é um a das provas
mais incontestáveis da presença parental. Nós o temos utilizado cm
vários casos que envolvam acessos de raiva e violência, sem pre com
crianças pequenas, de menos de sete anos. A pesar dc eu norm alm ente
sugerir que o abraço de urso dure uma hora, muitos pais tem dado des­
contos no tem po sem nenhum a perda na eficácia. No entanto não pode
ser reduzido a alguns m inutos hesitantes e cheios de culpa. A maioria
dos pais se decidem a aplicar o abraço do urso desde que o terapeuta
tenha explicado as mensagens im plícitas do ato: “Eu estou aqui!” “Eu
não vou abandoná-lo!” “Eu não vou desistir!” “Eu posso lidar com a
sua raiva c sua dor!” “Eu vou ficar com você o quanto for necessário!”
Os pais com preendem perfeitam ente a grande diferença entre as m en­
sagens passadas pelo abraço do urso e as transm itidas, digam os, por

42
um tapa. A pesar de este procedim ento ser altam ente eficiente para a
maioria dos casos, eu gostaria de descrever um a experiência mal suce­
dida:

Umas gêm eas agressivas cie 9 anos desenvolveram uma reação


peculiar às tentativas dos pais de aplicar o abraço do urso:
quando uma clelas estava sendo abraçada a outra perguntava
porque ela não estava! P or outro lado, quando as duas estavam
sendo abraçadas, cada uma reclamava p o r estar sendo abraçada
de m aneira m ais severa do que a outra. Os pais, então, tentavam
tornar iguais as condições, o que só levava a m ais reclamações.
D epois de algum as tentativas os pais desistiram.

O território

Com outras crianças o contato direto com o o abraço do urso pode ser
substituído por ações que têm a ver com a liberdade e o espaço da cri­
ança. Por exem plo, quando um adolescente, contra as determ inações
dos pais, tenta sair pra a rua em hora inadequada, pode-se im pedir a
saída bloqueando a passagem com o próprio corpo. A m ensagem as­
sim transm itida (“Eu estou aqui e daqui não saio!”), é m uito m ais forte
do que a transm itida por simples palavras. O im pacto é aum entado se
o pai ou a mãe perm anecer bloqueando a porta por um longo período,
várias horas se possível, quase com o um guardião mitológico. Em um
caso, depois de um escarcéu, um adolescente se levantou às três horas
da m adrugada apenas para descobrir que seu pai ainda estava em seu
posto, dorm indo num sofá que bloqueava a saída do apartam ento.
M as e se o adolescente conseguir furar o bloqueio dos pais? A
partida foi perdida? Não necessariamente! A simples necessidade de
se furar o bloqueio já dem onstra uma certa presença parental (em con­
traste com o adolescente que pode assum ir que os pais não farão nada
para impedi-lo). Além disso, os pais podem continuar a dem onstrar
sua presença, organizando uma busca pelo fugitivo ou aparecendo pes­
soalmente nos locais em que o adolescente se encontra. Assim , nós
temos encorajado vários pais a fazerem visitas de surpresa aos escon­

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derijos, às casas de jogos eletrônicos, às bocas de fumo e aos clubes
noturnos. O aparecim ento de um casal de pais de m eia-idade em uma
casa noturna procurando por sua filha e perguntando a todos se eles a
viram ou se a conhecem pode ser considerada um “traum a constru­
tivo” .
O im pacto dessas intervenções decorre do fato de que o ser hu­
mano é profundam ente territorial. Toda criança dá m uito valor a sím ­
bolos de possessão e território: “Este é o meu brinquedo, a m inha bola,
a minha cama, o m eu quarto!” Os pais tendem a respeitar estas de­
mandas e, ao m esm o tempo, procuram ensinar a criança a respeitar os
limites dos outros. Ambos são necessários, pois posse e território são
elem entos centrais para o desenvolvim ento da individualidade.
Território, contudo, não c somente o resultado do poder, mas é,
também, um a grande fonte de poder. Assim, todos os anim ais territo­
riais lutam mais ferozm ente quando no centro de seus territórios.
M uitos adolescentes sc com portam deste modo, quando sentem que
seu território está em jogo. Eles podem então lutar com uma fúria
m uito m aior do que em quaisquer outras circunstâncias. Em um de
nossos casos, um garoto dc quinze anos, que nunca antes havia usado a
violência física com seus pais, reagiu à entrada de sua mãe cm seu
quarto sem bater, em purrando-a para fora, agarrando-a pelo pescoço, e
am eaçando m atá-la caso repetisse o ato. Um outro adolescente treinou
um cão de guarda para atacar qualquer um que entrasse em seu quarto
na sua ausência (Tiba, 1996). Alguns adolescentes se entrincheiram
em seus quartos por longos períodos, saindo apenas à noite para com er
e pilhar a casa. Em tais casos a contestação do direito territorial abso­
luto da criança torna-se o ponto central do tratamento.

A m ãe de uma menina de 7 anos procurou ajuda p o r causa de


uma serie de exigências que a filh a impunha a ela todas as noi­
tes. A s fechaduras de todas as portas e ja n ela s tinham que ser
inspecionadas detalhadam ente pela filh a e pela mãe. A mãe,
então, tinha que virar todas as bonecas do quarto da m enina
com as fa c e s voltadas para a parede. Tudo isto acom panhado de
um severa rotina de boa noite.

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O terapeuta sugeriu um contra-ritual: os clois pais leva­
riam a m enina a todos os côm odos da casa, apontando os dife­
rentes objetos e dizendo à filh a (e a si m esm os) que todos eles
pertenciam aos pais. Sobre cada item eles diriam quando fo i
com prado e p o r quanto. E o ritual seria concluído com a se­
guinte declaração:
“Esta casa e tudo o que existe dentro dela pertence ao papai
e à mamãe. O seu quarto nos pertence porque nós com pram os e
pagam os p o r tudo isto. Todas as portas e janelas pertencem a
nós. M esm o as suas bonecas são na verdade nossas convidadas,
tendo que cum prir as regras da casa. Claro que esta é também
sua casa, porque você é nossa filha. M as tudo o que está dentro
dela pertence a nós. De agora em diante, som os nós quem veri­
ficarem os se a casa está devidam ente trancada e não iremos
aceitar sua interferência nisto. Além disso, em nossa casa n e­
nhum a boneca dorm e de cara para a parede. Se, pela manhã,
nós acharm os algum as delas nessa posição, elas passarão uma
sem ana dentro do armário. Boa noite. ”
A intervenção teve um impacto imediato. Os rituais notur­
nos desapareceram e não fo ra m substituídos p o r quaisquer ou­
tros. Alem disso, a m enina tornou-se m ais calma durante o dia.
Foi como se antes ela estivesse só, mas, agora, os p ais teriam
voltado para casa.

Uma intervenção territorial básica, especialm ente útil no que se


refere a adolescentes, é o protesto pacífico. Os pais entram no quarto
do adolescente, ficam lá por uma hora inteira, repetindo o procedi­
mento dia após dia, se necessário. O jovem é im pedido de deixar o
quarto ou expulsar os pais de lá. Pouca conversa é necessária: sim ­
plesmente recom endo aos pais que digam que as coisas não podem
ficar como estão. O objetivo do protesto pacífico é persuadir o adoles­
cente a negociar (Veja ainda “O Contrato” , no Capítulo I e, também,
“Como criar filhos ‘por dúzia’” , no Capítulo V).
Além do próprio quarto, os filhos têm outras m odalidades de pri­
vacidade. Por exem plo, muitos pais concordam que o dinheiro da cri­

45
ança deve ser administrado por ela e gasto segundo sua vontade. A pe­
sar de tal atitude ser geralmente positiva, pode, eventualm ente, causar
sérios problemas. Em um de nossos casos, os pais de um garoto dia­
bético sentiam que não podiam im pedir que ele com prasse grandes
quantidades de doce (pois o dinheiro era dele), o que por várias vezes o
levava à hiperglicemia.
Eu proponho como regra que os pais respeitem a privacidade da
criança, na medida em que esta seja utilizada legitimamente. Q uando
a liberdade e a privacidade da criança se transform am num a fonte de
poder destrutivo, nada há de ajudar, a não ser que os pais se decidam a
contestar este abuso de maneira decidida.

O fator temporal

Uma cena de cinema. O garoto é previam ente avisado de que não deve
deixar a mesa até que tenha term inado sua refeição. A câm era, então,
mostra-o sentado sozinho, tendo à sua frente um prato intocado. As
mudanças na iluminação indicam a passagem do tempo. Após um
tempo que parece muito longo, o pai vai à m esa c diz ao garoto que
pode ir para o quarto.
Apesar desta cena ser perfeitam ente possível, é um tanto inco-
mum que uma criança, qual seja sua idade, se mostre capaz de derrotar
os pais numa batalha de paciência iniciada e cuidadosam ente planejada
por estes. Entretanto, a vitória tático-disciplinar é apenas um a parte
pequena do objetivo principal: m ostrar â criança uma mensagem con­
vincente de presença parental. O fator tempo som ado ao fator espaço
constituem o "Cogito ergo sum !" da presença parental: “Eu tom o
tempo c espaço, logo sou!”
O domínio do fator temporal, entretanto, vai além da paciência e
do pé firme. A iniciativa também é de grande im portância. Pais que
se limitam a reagir às ações da criança acabam parecendo privados de
vontade própria. O restabelecim ento da iniciativa devolve aos pais a
condição de seres autônomos. No caso “Eu sou sua m ãe” , no capítulo
I, a disposição da mãe para agir segundo sua própria vontade, ao invés
de sim plesm ente reagir à provocação da filha, fez com que ela deixasse

46
de ser uma inválida ausente, tornando-se subitam ente num fator a ser
considerado. Ela tornara-se imprevisível! Na realidade, agir assim
constitui um eficiente modo de fazer-se presente à mente de alguém,
pois nossos sistem as nervosos são program ados para reagir intensa­
m ente ao inusitado e ao inesperado. Para ser construtiva, entretanto, a
surpresa deve ser bem planejada!

Os pais de dois garotos (sete e nove anos) queixavam -se p o r que


eles estragavam, com suas brigas e gritarias, todos os passeios
da fam ília. P or vez.es o p a i parava o carro e am eaçava os m e­
ninos de nunca m ais sair com eles outra vez. A í crianças fic a ­
vam quietas p o r alguns instantes para, logo em seguida, volta­
rem a brigar. Foi sugerido aos p ais que dissessem aos filh o s que
sairiam para fa z e r canoagem. Os m eninos colocaram os calções
de baldío de modo a não haver atraso e fo ra m tom ados p o r um
clima de férias. Assim que chegaram à estrada, com eçaram a
gritar e a brigar. D iante dos gritos, o p a i disse ci m ãe que não
estava m ais disposto a andar de barco. A m ãe concordou, eles
viraram o carro e voltaram para casa. Esse “traum a constru­
tiv o ”fo i reforçado p o r um outro, dois m eses depois.

A liberdade de iniciativa da qual goza a criança, em com paração com


seus pais, torna-se evidente na sua escolha dos m om entos para as
perturbações. Por exem plo, muitas crianças sentem a liberdade de
criar vexam es para alcançar suas metas, aproveitando o fato de que os
pais se sentiriam acanhados de reagir energicam ente em público, ju s­
tam ente para evitar um vexame. Esta assim etria tem, evidentem ente,
justificativas culturais, pois são os pais que ensinam as normas de
com portam ento e decoro aos filhos e não o contrário. Entretanto, se a
criança não só tom a a liberdade de constranger seus pais mas, também,
sabe selecionar m om entos especialm ente delicados para criar um a cena
na qual ela coloca suas dem andas ("Me compra! M e com pra!"), é che­
gada a hora para os pais declararem uma batalha pelo direito de "si­
metria do vexame".

47
Uma menina, cuja m ãe liderava um grupo de controle de peso,
costum ava fa z e r com que sua mãe escrevesse cartas à p ro fes­
sora, explicando que a menina não havia fe ito os deveres de casa
devido a uma enxaqueca. Certa vez, tendo a m ãe se recusado a
escrever a carta, a própria menina a datilografou e levou o d o ­
cum ento para que a m ãe o assinasse no m eio de uma sessão de
grupo. Tem endo alarde, a mãe assinou. Mas, na m anhã se­
guinte, quando a m enina entregou a carta na escola, a p ro fes­
sora a avisou que sua mãe havia telefonado, explicando que a
carta havia sido extorquida e que a m enina nunca havia sofrido
de enxaqueca.

Caso 4: Protesto pacífico

A lice com eçou a isolar-se aos dezessete anos de idade. D eixou de


com er em família, de conversar com os pais (Joana e Bernardo) e de
encontrar-se com os amigos. Sua agenda diária ficou limitada a um
curso de inglês, um em prego de meio expediente em uma biblioteca,
um a viagem de ônibus ida e volta ao trabalho e horas a fio passadas em
seu quarto.
Alice veio a desenvolver hábitos alimentares bastante curiosos.
Em alguns dias com ia apenas brotos de feijão e bebia água mineral.
Joana tem ia que sua filha estivesse se tornando anoréxica. Já que
A lice só se alim entava quando estava sozinha na cozinha, sua mãe
decidiu retirar-se sempre que a filha entrasse, tentando assim estim ulá-
la a com er. Após alimentar-se, Alice jogava pela jan ela o resto de co­
mida. Com o tempo, começou a atirar vários outros objetos pela ja ­
nela, inclusive um a calcinha manchada de sangue.
D urante a noite, Alice saía do quarto e andava pela casa. Joana
com eçou a dar pela falta de algumas roupas suas. Um relógio e uma
pulseira tam bém desapareceram. Um dia, estando Alice no trabalho,
Joana vasculhou o quarto da filha e lá encontrou as peças desapareci­
das. Q uando Joana comentou com Alice o que havia achado, ela fez
um gesto de descaso e trancou-se no quarto. Joana e Bernardo con­

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sultaram um psiquiatra, que disse que a filha provavelm ente estaria
esquizofrênica.
Os pais recorreram à terapia de fam ília quando Alice, na época
com vinte anos, abandonou o em prego e isolou-se por com pleto. En­
corajada pelo terapeuta, Joana resolveu reconquistar paulatinam ente os
espaços perdidos. Assim, ela não mais saía da cozinha quando a filha
por lá aparecia. Alice adaptou-se à nova situação, passando a alimen-
tar-se quando a mãe não estava em casa. Isto foi um sinal encorajador
para os pais.
Durante as outras sessões, novos fatos vieram à tona: Alice sem ­
pre foi m uito intransigente para com seus pertences. D esde muito
nova, não perm itia a ninguém tocar suas coisas. Ela passava horas
arrumando seu quarto e faria um escândalo se algo estivesse fora do
lugar. A m edida que foi crescendo, esse traço foi-se intensificando.
M esmo seus gestos davam a im pressão de estarem sob controle. O
diagnóstico que com eçou a em ergir foi m uito diferente daquele dado
pelo psiquiatra. Alice parecia ser obsessivo-com pulsiva, o que dava
aos pais mais esperanças. Segundo o terapeuta, a m elhor m aneira de
confirmar o diagnóstico seria desafiar Alice em seu próprio território.
Se ela estivesse realm ente sofrendo de um transtorno obsessivo-com -
pulsivo, reagiria de modo positivo após uma provável explosão de an­
siedade. Bernardo e Joana decidiram tentar.
Os pais foram instruídos a entrarem juntos no quarto de A lice e
lá perm anecerem por cerca de uma hora de cada vez. Eles diriam a
Alice que não podiam mais agüentar a situação e que fariam tudo o
que poderiam para modificá-la, menos atacar Alice (esta prática de
sentar-se no quarto da filha e aguardar passivam ente por um longo
tempo é inspirada pelos métodos de protesto pacífico de Gandhi).
Nesse período, Joana poderia arrum ar o quarto de Alice, já que esta
perdera seus hábitos meticulosos e seu quarto era, então, um a total
bagunça. Se A lice reagisse de forma violenta, Bernardo deveria se-
gurá-la e contê-la, mas sem bater nela em revide. O terapeuta estaria
disponível o tempo todo para uma cham ada telefônica. O objetivo
principal era questionar a inviolabilidade do território de Alice e fazê-
la negociar.

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A reação de Alice foi surpreendentem ente rápida. As conse­
qüências da batalha foram um arranhão no rosto de Bernardo e um
olho roxo em Joana. Quando o pai a conteve, ela com eçou a gritar. E
gritou por um a hora, até que passou a lamentar-se, o que fez por toda a
duração das outras duas ocasiões em que os pais assim procederam.
Ao final do terceiro “protesto pacífico” , Alice resolveu conversar. De
início tentou estabelecer um conluio com o pai, em detrim ento da mãe.
Como tal iniciativa falhou, ela decidiu negociar. N enhum outro “pro­
testo pacífico” foi necessário. Alice voltou a com er com os pais e,
uma sem ana depois, saiu com a mãe para fazer com pras, o que não
acontecia desde seus quinze anos. Voltou a trabalhar em meio expedi­
ente e decidiu entrar na Universidade. Estuda com sucesso e leva vida
saudável há dois anos.

Inform ação e supervisão

À m edida que a criança cresce, a presença dos pais com eça a m anifes­
tar-se de outras form as. A presença física da prim eira infância dim i­
nui, e os pais passam a m ostrar-se presentes através da supervisão e do
monitoram ento: eles cuidam de saber aonde e com quem os filhos an­
dam e o que estão fazendo, e de fazer com que os filhos saibam que
eles sabem. Com o tempo, tanto os pais com o os filhos deverão dim i­
nuir a necessidade deste monitoramento. O problem a seria decidir
qual o ritmo adequado para esta diminuição.
A privacidade é um dos principais valores da cultura ocidental.
Deve estar presente na formação da criança e sua falta pode resultar
em desvios no seu desenvolvim ento. Entretanto, crianças com pro­
blemas com portam entais mais graves são geralm ente fruto mais de
uma falta do que de um excesso de supervisão parental (Cham berlain
& Patterson, 1995). Essa falta se explica pela grande dificuldade dos
pais em instituir essa necessária supervisão em um a cultura que super-
valoriza a privacidade. M uitos adolescentes, mesm o que claram ente
envolvidos em atividades suspeitas, conseguem desvencilhar-se do
monitoramento parental fazendo uns poucom entários acerca da
liberdade dada a alguns de seus amigos. E alguns adolescentes nem
mesmo necessitam recorrer a esse método. Seus pais lim itam esponta­
neam ente suas próprias intervenções, por respeito ao valor sagrado da
privacidade. M odificar esta atitude espontânea de não-intervenção é
um passo altam ente significativo para m uitos pais. É útil dizer aos
pais que as pesquisas m ostram que a supervisão parental reduz os ris­
cos de drogas e delinqüência (Kolvin, M iller, Fleeting & Kolvin,
1988).

Um rapaz que estava se envolvendo com uma gangue de rua h a ­


via neutralizado seus pais am eaçando-os de que fu g iria de casa
caso eles se intrometessem em sua vida. Já na prim eira sessão
de terapia os pais chegaram à conclusão de que sua política de
não-intervenção só estava piorando as coisas. O p a i decidiu que
com eçaria a seguir o rapaz e buscaria o m áxim o de inform ações
sobre ele. Passou três sem anas seguindo o filh o em todos os lu­
gares e fa zen d o inúmeras ligações telefônicas. A p ó s uma se­
mana o garoto disse à mãe que o p a i estava dem onstrando um
im pressionante talento como detetive. A atividade do p a i deu ao
rapaz uma boa desculpa para reduzir seu contato com a gangue:
afinal, ele não queria tornar-se num delator indireto! E já que o
rapaz estava sob constante vigilância, também fo i conveniente
para a gangue que ele os abandonasse.

Assim com o as outras medidas de autoridade parental aqui propostas,


o objetivo da supervisão não é m eramente o controle das ações dos
filhos, mas a efetivação da presença parental. As vezes, o que os pais
descobrem sobre os filhos acaba sendo bem diferente de suas suspeitas
iniciais. Houve um caso, inclusive, em que as atividades secretas de
um rapaz m ostraram -se na realidade muito positivas. Contudo, quais­
quer que sejam os achados da supervisão, a idéia que é transm itida
para os filhos não se resume a, somente, “Papai está de olho!” , mas,
também, “Nós estam os com você! Nós não perdem os a esperança!”

51
A fala dos pais

Um dos elem entos que mais contribuem para o desgaste da presença


parental é a fala interminável. Pais paralisados não se cansam de ex­
plicar, am eaçar, exigir, culpar etc. Esse discurso torna-se um a trilha
sonora,.um a m úsica am biente que faz com que os pais percam o pouco
de respeito que talvez ainda guardem aos olhos dos filhos. A interm i­
nável fala dos pais convence os filhos, e inclusive os pais, de que não
haverá nada além de palavras. A questão que se impõe é de com o in­
terrom per o blablablá e ajudar aos pais a falarem bem m enos mas bem
melhor.
Às vezes ajuda m ostrar aos pais como o discurso interminável
lhes degenera a autoridade. Eles geralmente sorriem sem graça
quando são perguntados se seus filhos são dados a puxá-los para a dis­
cussão, com o intuito de impedir a ação. M uitos deles sabem m uito
bem que a criança ridiculariza suas admoestações. Alguns jovens, por
exem plo, são peritos na arte de caricaturar o modo com o seus pais fa­
lam. O valor do discurso parental, entretanto, pode ser gradualm ente
retom ado por meio de silêncio, atitudes inusitadas e uní uso criterioso
de novas form as de com unicação. Esses três procedim entos reforçam -
se m utuam ente.

A m ãe cie um adolescente, que a destratava freqüentem ente, d es­


creveu a fo rm a como ela resolveu interrom per todos os seus ser­
viços ao filho, quando ele a expulsou do quarto diante de seus
colegas. O que m ais a surpreendeu fo i o fa to de que, sem ne­
nhum planejam ento prévio, ela parou também de dirigir-lhe a
palavra p o r toda a duração da sua “greve Ela percebeu que o
silêncio a tornava m ais resoluta. Quando eventualm ente ela
voltou a ja la r, a comunicação já era outra para ambos.

A greve de silêncio, especialm ente quando acom panhada de outras


medidas de retom ada da presença parental, pode ser uma intervenção
de alto im pacto. Pode parecer que o silêncio, sendo um a form a de
isolam ento, contrariaria o princípio da presença parental. No entanto,

52
não é bem assim. O blablablá, a conversa sem fim é que representam a
ausência já que as palavras acabam por não significar nada. O silên­
cio, acom panhado de atos, pode, assim, ter o significado de que os pais
estão de volta.
Tudo isso tem a ver com um fenôm eno bastante conhecido:
quanto mais uma pessoa é subm etida a um estím ulo físico constante,
mais ela se acostum a a ele, chegando ao ponto de não mais percebê-lo.
Nem sequer um a reação neurológica c então acusada pelo estím ulo.
Tal fenôm eno é cham ado habituação. No entanto, assim que o estí­
mulo constante se interrompe, o cérebro (e a pessoa) volta a reagir.
Assim, o silêncio transform a-se num sinal! O mesm o acontece com o
blablablá incessante dos pais. Sua interrupção acaba por provocar na
criança a percepção de que os pais estão presentes.
Novas atitudes podem revitalizar as palavras dos pais mas, às ve­
zes, a preponderância do antigo discurso enfadonho pode invalidar os
progressos mais significativos. Por exem plo, se os pais aplicam o
abraço do urso e, sim ultaneam ente, se explicam , exortam e se descul­
pam, o abraço é enfraquecido. O antigo pai que reaparece através do
blablablá acaba por apagar a percepção do novo pai.
O discurso efetivo também pode ser recuperado ao ser expres­
sado de m aneira diferente ou em novos contextos, com o no exem plo
seguinte:

Unia adolescente de pais divorciados recusava-se a ver seu pai


ou m esm o a fa la r com ele ao telefone. O terapeuta conseguiu
convencer o p a i a escrever ¿i filh a semanalmente. D everia reser­
var um horário especialm ente para este fim e mantê-lo, não im ­
portando qual a reação da filh a . O terapeuta também o alertou
que poderiam se passar meses, ou m esmo anos até que a filh a lhe
respondesse. O pai m antinha consigo uma cópia de cada carta
que enviava. De acordo com as expectativas, a filh a rasgou as
prim eiras cartas que chegaram.
Porém, cerca de um mês depois, ela parou de rasgá-las e
com eçou a guardá-las intactas na gaveta, apesar de não as 1er.
A pós um ano, em um m omento em que estava tendo brigas sérias

53
com a mãe, ela começou a ler as cartas. D em orou m ais outro
ano até que ela começasse a se encontrar com seu pai. Em um
dos encontros, ela com entou com ele que as cartas haviam tido
um efeito reconfortante para ela. Disse ainda que, m esm o antes
de com eçar a lê-las, apenas o fa to de as cartas chegarem regu­
larm ente (mesmo que ficassem na gaveta) já tinham um efeito
positivo, m ostrando-se prova inequívoca do inabalável carinho
do pai.

Sem pre que recom endo aos pais que se dirijam aos filhos por escrito,
tento fazer com que as cartas se m antenham livres dos temas que con­
tam inam o relacionam ento face a face. Queixas, desculpas e exorta­
ções devem ser evitadas. Exam ino os textos com os pais para torná-los
sensíveis aos elem entos negativos. Após um certo tempo, os pais pas­
sam a dom inar o m étodo e começam a escrever sozinhos, contando
fatos cotidianos e dividindo com os filhos planos e pensam entos sobre
o futuro. Alguns pais escrevem sobre o passado c sobre os bons m o­
m entos que haviam tido com seus filhos ou mesm o sobre suas próprias
experiências de infância. Outros juntam fotografias às cartas. Alguns
pais contaram -m e que o ato de escrever cartas aos filhos m elhorou
m uitò o diálogo espontâneo. Uma avó, desde que a nela retom ou com
ela o relacionam ento, publicou as cartas em forma de livro.

O tem or

Para fazer com que os pais saiam de sua paralisia, é de sum a im portân­
cia que seus medos sejam abordados. Os pais convivem com dois ti­
pos de medo. Ao mesmo tempo que temem que seus filhos os agridam
ou rejeitem , têm medo também de que suas atitudes venham a provo­
car dor ou dano à criança ou até mesmo colocá-la em algum a situação
de risco. Esta dupla preocupação pode ser muito enfraquecedora c
todos os esforços terapêuticos serão infrutíferos enquanto os pais não
conseguirem resolver esse dilema. O temor parental deve, desse
modo, ser tratado com seriedade, sendo mesmo um dos temas centrais
da terapia. Será possível, então, canalizar o tem or em favor do pro-

54
cesso terapêutico. Com o? O prim eiro passo consiste em tornar o te­
mor explícito. Os terapeutas devem indagar explícita e abertam ente
sobre as situações mais aterrorizantes.
Jam ais se deve pensar que os temores parentais sejam triviais.
Até m edos que parecem ser de menor im portância geralm ente são ape­
nas um indício dos mais atrozes. Na im aginação dos pais, sem pre há
casos (de am igos ou parentes) que reforçam seus tem ores mais catas­
tróficos. O terapeuta deve concentrar esforços em trazer os m edos à
tona, em pleno conhecim ento de que o simples fato de falar sobre eles
não virá a dissipá-los. Com efeito, os tem ores relacionados a nossos
filhos são freqüentem ente mais intensos do que os tem ores relaciona­
dos a nós próprios. A imagem de nossos filhos envolvendo-se com
drogas, sofrendo desvios mentais ou com etendo suicídio se apega à
nossa m ente com uma tenacidade indescritível. Assim sendo, não
basta trazer os temores à tona. E preciso passar para um program a de
ação que tenha por objetivo o com bate real aos perigos através do re­
forço da presença parental.
U m a vez explicitados os medos, chega-se ao que deve ser o
ponto central da terapia: os pais, juntam ente com o terapeuta, centram
suas atenções sobre o fator crítico da derrota parental. Na realidade,
são os medos dos pais que os levam a aceitar os mais absurdos com ­
portam entos e exigências dos filhos. Sob essa ótica, o com portam ento
dos pais é perfeitam ente com preensível. E o medo, que era anterior­
mente visto com o um indício de uma im potência covarde, passa a ser
visto com o proveniente de uma preocupação parental legítima. A tra­
vés desta análise os pais se vêm absolvidos de qualquer acusação. O
palco agora está pronto para a passagem à ação construtiva.
O terapeuta deve ajudar aos pais a com preender que ceder, ju s ­
tamente nestes m om entos críticos, seria a mais perigosa das opções. O
ato de ceder traz consigo uma m ensagem im plícita de desespero, de
abdicação parental. A criança sente-se, então, abandonada 110 auge da
tormenta. O que é necessário nessa situação é uma clara manifestação
de presença parental: não ceder, não fugir, não deixar as coisas aconte­
cerem. Ao contrário, perm anecer presentes de corpo e alma, transmi-

55
3 a mensagem: “Nós estam os aqui! Nós não vam os desistir de
i! Não vamos abrir mão a você ou de você!"
Os pais devem estar cientes de que o procedim ento pode levar
es. O terapeuta deve perguntar se eles estão dispostos a dar total
ridade à tarefa. O objetivo principal, entretanto, deve ser colocado
termos muito claros e positivos: transform ar a ausência em pre-
;a parental, para que os pais se tornem num fator real e positivo na
i da criança.
Quanto maiores os m edos dos pais, m aiores serão o im pacto e o
er mobilizador desta mensagem terapêutica. Isso se torna evidente,
exemplo, quando os tem ores de um filho vir a com eter suicídio
seguem os pais ininterruptam ente, do início do dia até a últim a hora
)ne da noite. O estabelecim ento da presença parental é, então, a
ca forma de não abandonar a criança num vácuo e de não transm itir
Jéia de desespero. Os pais vêem um filho que tenha tentado ou
eaçado suicidar-se com o alguém que vive à beira do precipício,
sim, o melhor que se pode fazer num a situação dessas é conquistar a
ilquer preço o direito de fazer-se presente, de m odo a não deixar a
inça só à beira desse precipício. E, evidentem ente, há esperança
;sa iniciativa: os pais, que perm anecem presentes, estarão o sufici-
:e próximos para im pedir que ele pule no precipício. Além disso, a
:sença dos pais faz com que a criança sinta-se m enos desolada c
itária.
Entretanto, alguns pais temem que sua obstinação em estabelecer
ísença nessa situação possa em purrar a criança ao precipício. E pre­
so, portanto, esclarecer, que o suicídio decorre, sobretudo, de solidão
desespero. Assim, a tenacidade da presença parental é um a forte
cdida anti-suicídio. N a realidade, são os atos de ceder, desistir e
ixar de lado que, ao longo do tempo, podem levar ao suicídio. E os
lis acabam por com preender isso m uito bem. Um trabalho terapêu-
;o que principia com este acordo raram ente sofrerá de falta de moti-
ição.

56
Caso 5: Superação do medo

Sueli foi adotada assim que nasceu. V inda de outro continente, era
bem diferente dos pais. Em seu prim eiro ano de vida, ela tinha aspecto
frágil e sofria de incontáveis doenças. Seus pai, Samuel e Rute, a tive­
ram que levar por várias vezes ao hospital. Porém, assim que com eçou
a dar os prim eiros passos, Sueli tornou-se excepcionalm ente saudável,
forte e bonita, com o se tivesse passado por um período de adaptação
biológica ao novo ambiente.
Cada período de transição, entretanto, era bastante penoso. Sueli
levara meses para adaptar-se ao jardim de infância e sua passagem
para a prim eira série foi ainda pior. A pesar de ser extrem am ente inte­
ligente e de não ter nenhum diagnóstico de distúrbios de aprendiza­
gem, Sueli tinha problem as com todas as matérias escolares. O psicó­
logo da escola não conseguia explicar os imensos problem as da m e­
nina, o que reforçava nos pais a idéia de que a filha realm ente seria
uma pessoa extrem am ente diferente, um ser de outro m undo, que desa­
fiava os sistem as tradicionais de classificação. M esm o assim, a vida
com a filha era um a maravilha, com os bons aspectos superando de
longe os problem as. Ela parecia uma luxuriante planta tropical, que
deixava tudo mais rico e belo. No com eço da adolescência, contudo, a
preocupação em torno de algo estranho e obscuro, passou a ganhar
novas proporções.
Sueli passava m adrugadas acordada, ouvindo m úsica e passando
o tempo no telefone com uma amiga, que também dorm ia m uito tarde.
Ela com eçou a mentir. Inicialm ente eram coisas de pequena im portân­
cia mas, com o tempo, tornaram -se bem mais sérias. Samuel e Rute
com eçaram a perceber que nada sabiam sobre o que a filha fazia. O
desespero era tanto sobre o que poderia estar acontecendo que eles
chegaram a gram pear o telefone de Sueli e passavam boa parte do
tempo ouvindo as fitas. Nesse ponto, Sueli já estava passando várias
noites fora de casa e as tentativas dos pais de controlar isso eram res­
pondidas com uma torrente de vitupérios. Ela ria diante dos dois di­
zendo: “Blábláblá! É só o que vocês sabem fazer!” Sueli havia con­
seguido quebrar toda e qualquer resistência dos pais através de gestos

57
am eaçando o suicídio, caso os pais não cedessem. Sueli foi m andada a
um a sessão com um psicólogo e quando lhe perguntaram com o havia
sido a sessão, respondeu com o mesmo deboche: “Patatipatatá!”
Sueli tinha muitos temores; alguns explícitos e outros não. Tinha
m edo da escola c freqüentem ente recusava-se a ir, especialm ente em
dias de prova. Outro de seus constantes medos era a possibilidade de
os pais se divorciarem , o que, na realidade, era uma possibilidade real.
Às vezes, porém , Sueli ficava desesperada sem motivo aparente. Seus
pais acreditavam que esses medos provinham do obscuro m undo inte­
rior da filha, do qual sentiam-se excluídos. A creditando em que um
psicólogo pudesse solucionar o problem a, eles se esforçavam em con­
vencê-la a fazer uma terapia. Ofereceram viagens à D isneylândia e às
O lim píadas caso ela aceitasse. Sueli com pareceu a algum as sessões,
mas só até que voltasse das viagens. Ela também aceitou uma consulta
com um psiquiatra, o que veio a custar aos pais um aparelho de som.
A contribuição do psiquiatra foi dizer que a m enina estava com fortes
tendências suicidas.
Sueli tinha uma grande necessidade dc pertenciinento e, apesar
do medo, iria ao colégio para manter contato com os am igos e as am i­
gas. Porém , apesar de toda essa sua vontade, ela, aos poucos, estava
ganhando um a reputação de “esquisita” -e tornando-se m uito só. Ela
acabou ficando com apenas uma amiga, exatam ente aquela com a qual
passava horas no telefone durante a m adrugada e que também tinha
reputação de esquisita.
Eram justam ente as conversas com essa am iga que estavam
sendo m onitoradas pelos pais. Mas todos os esforços dos pais não
conseguiram tornar as coisas mais claras. N um a das conversas inter­
ceptadas, a am iga de Sueli propôs que ambas se tornassem prostitutas
de luxo. Os pais, contudo, não conseguiram chegar à conclusão se a
proposta havia sido séria ou não. Na realidade, quanto mais ouviam as
conversas, mais confusos ficavam acerca da verdade.
Sam uel e Rute chegaram ao nosso program a num a condição de
desânim o total. Sueli permanecia fora de casa praticam ente durante
toda a noite e dorm ia durante a m aior parte do dia. U ltim am ente es­
tava se recusando a falar com os pais, exceto quando lhe convinha

58
mostrar seu sarcasmo. Os pais disseram já terem tentado de tudo, in­
clusive uma m udança radical na atitude deles para com Sueli. Samuel,
descrito pela esposa com o “mole com o m anteiga derretida” , havia,
certa vez, perdido a paciência e posto, a força, a filha no quarto, dei­
xando-a trancada por várias horas. Ele ficou surpreso com sua própria
atitude e, mais ainda, por ter notado Sueli com portando-se m elhor por
alguns dias. Já Rute, que tinha o hábito de ser sem pre mais rigorosa e
exigente, tentou ser mais tolerante. Ironicam ente, pareceu que as duas
atitudes teriam sido program adas exatam ente para anularem -se m utu­
amente. Nenhum deles acreditava que essas m udanças de atitudes
pudessem ter algum im pacto positivo. Estavam convencidos de que,
assim com o as outras tentativas, essas fracassariam perante o núcleo
misterioso e inabordável de Sueli.
Samuel e Rute estavam se preparando para o pior: perder Sueli.
Samuel tentava apenas nutrir esperanças de que Sueli não optasse pela
morte com o solução. Era com o se aquela menina, que entrara em suas
vidas vinda de outro mundo, estivesse aos poucos voltando para esse
mundo. Este foi o gancho para uma mensagem do terapeuta sobre
presença parental.

Percebo que, assim como vocês estão sofrendo com o vazio que o
distanciam ento de Sueli está fa zen d o em suas vidas, ela também
sofre profundam ente com a ausência de vocês. Creio que, m ais
que tudo no mundo, ela queira a presença de vocês. A penas a
presença inabalável de vocês poderá dar-lhe a segurança de que
precisa. Com certeza vocês têm tentado tudo para m ostrar que
se importam com ela: vocês a ouviram, ponderaram , negociaram
e disseram que a amavam. Quando essas atitudes mostrciram-se
ineficientes, vocês recorreram a profissionais que fa la ra m e
tentaram fa zê-la falar. Tudo isso peca em um ponto comum: aos
olhos de Sueli, palavra não é presença. Talvez, ju sta m en te ao
contrário, palavras tenham passado a significar ausência. E é
ela própria quem afirma isso quando diz: “Blábláblá! E só o
que vocês sabem fa zer! ” O que precisam os fazer, ao invés disso,

59
é substituir palavras p o r atos que provarão que vocês estão
efetivamente presentes.
Se vocês estiverem de acordo com este caminho, precisarão
dispor de bastante tempo. M as será tempo investido em ações
concretas e não ouvindo gravações de gram pos telefônicos.
Mostrando-se efetivamente presentes, vocês poderão atenuar os
temores de Sueli. Será uma tarefa árdua e eu quero ajudá-los ao
máximo. Assim, ja m a is hesitem em entrar em contato comigo, a
qualquer hora que seja, durante toda a duração do tratamento.
Se vocês estão dispostos a com prometer-se e a dar a m áxim a
prioridade a essa tarefa, poderem os ir adiante.

Após ter recebido a concordância total dos pais, o terapeuta


prosseguiu:

A prim eira coisa que devem fa z e r é descobrir os lugares onde


Sueli fic a quando não está em casa. Então, quando ela não vol­
tar para casa na hora marcada, vocês m esm os irão aos locais e
procurarão p o r ela. Irão até ela não importa qual seja o lugar.
Lá chegados, vocês dirão que vieram levá-la para casa. Se ela
se recusar, vocês se sentam e fica m lá. Se ela fugir, vocês a p ro ­
curam de novo. Uma vez que os três estejam em casa, vocês d e­
vem fic a r ju n to s a ela até que ela comece a negociar. N ão a dei­
xem sozinha e não voltem cis suas atividades normais, m esm o que
leve dias para que ela inicie a negociação. Vocês podem se al­
ternar para tom ar conta dos deveres cotidianos, m as ao m enos
um de vocês deve fic a r sem pre perto dela. O m elhor m esm o se­
ria que am bos ficassem ju n to s a ela. Vocês podem p ed ir ajuda a
am igos e parentes. Todos devem estar cientes da tarefa.
Esse será o prim eiro passo no resgate de sua própria voz.
Ela, então, irá com eçar a sentir o gosto da sua renovada p r e ­
sença. Em breve, vocês verão, ela já estará se utilizando das
fo rça s que receberá de vocês no combate a seus m edos e insegu­
ranças. Não esperem uma solução rápida. Problem as n ã o fa lta -

60
rãio. M as os problem as oferecerão novas oportunidades para
que vocês se fa ça m presen tes. ”

Rute perguntou o que deveriam fazer frente aos vitupérios de Sueli.


Com o estím ulo do terapeuta, resolveram confiscar o aparelho de som
da filha por três dias. Logo apareceu uma oportunidade de pôr em
prática esta decisão. Sueli respondeu bem e isto encorajou os pais.
Eles viram que eram capazes de agir!
O verdadeiro dram a com eçou, entretanto, quando Sueli não vol­
tou da discoteca no horário marcado. Os pais foram à discoteca e, não
a tendo encontrado no meio da m ultidão, pediram ao gerente que a
cham asse pelos alto-falantes, alegando um caso de urgência. Sueli
ficou m uda de choque ao defrontar-se com os pais. Ela entrou no carro
dos pais com duas amigas. Os pais haviam concordado em levá-las às
suas casas (anotando o nome e o endereço de cada uma). Já em casa, a
m enina falou que estava indo em bora e com eçou a fazer as malas. Não
levou m uito tempo para que m udasse de idéia: resolveu sentar-se no
parapeito do balcão... no quinto andar, um gesto de ameaça, que ela já
havia utilizado várias vezes no passado. Quando seus pais se aproxi­
maram, ela ameaçou pular. Rute ligou im ediatam ente para o terapeuta,
que disse para ficarem juntos a ela dizendo que não desistiriam dela.
Após um tempo, Sueli com eçou a fazer um a série de m ovim entos insi­
nuando que pularia. Samuel, que estava bem próxim o a ela, agarrou-a,
abraçou-a fortemente, e levou-a para o seu quarto. Ele colocou-a na
cama, sentou-se junto a ela e lá ficou sentado, silenciosam ente, por
quase quatro horas. De repente, ela disse com voz serena: “Pai, me
deixe ficar sozinha. Quero dorm ir.”
Sueli ainda estava dorm indo quando seus pais se encontraram
com o terapeuta, no dia seguinte, pela manhã. Ele disse que o ato de
puxá-la da janela, abraçá-la e ficar com ela no quarto fora um a maneira
de dizer: “Nós estam os trazendo você de volta à nossa casa! Nós que­
remos você conosco!”
A tempestade, no entanto, estava só com eçando. Samuel e Rute
voltaram para casa decididos a não perm itir que as coisas voltassem ao
que eram antes até que se chegasse a uma negociação que estipulasse

61
novas regras de conduta. O terapeuta recom endou que Sueli fosse
m antida em casa pelo tem po que fosse necessário à negociação e que
cham assem os am igos da fam ília e os parentes para colaborarem no
entendim ento. Os pais fecharam as duas saídas do apartam ento, retira­
ram a tranca do banheiro e esperaram que Sueli acordasse. Quando ela
acordou, entrou em pânico: gritou, fez ameaças e atirou objetos, que­
brando duas janelas e um espelho. Samuel a agarrou num abraço de
urso até que ela parou de resistir fisicamente. Quando foi solta, ela
voltou a gritar. Os vizinhos se queixaram, mas ninguém cham ou a
polícia. Sueli só parou de gritar quando chegaram os parentes e os
amigos.
Recusou-se a falar até tarde da noite, quando, então, disse que
queria sair de casa. Ligaram para o terapeuta que agendou um a sessão
com os três na m anhã do dia seguinte. M esmo a contragosto, Sueli
com pareceu. Q uando questionada sobre o que ela desejava, ela disse
que queria ir em bora de casa. O terapeuta, então, propôs um contato
com um colégio interno. A m enina disse que não queria ir para um
colégio interno e que preferia ir para a casa da avó. Os pais então in­
tervieram e disseram que não iriam perm itir a ida para a casa da avó.
Sueli, então, ameaçou m atar o terapeuta. E ela disse que não tinha
nada a perder, pois pretendia também matar-se. O terapeuta disse aos
pais que eles deveriam ficar com ela até que fosse elim inado o risco de
suicídio. E a sessão se encerrou.
No fim do dia, Sueli disse que havia decidido ficar em casa. Os
pais responderam que, para isso, seria necessário o cum prim ento de
um a série de regras: não deveria haver nenhum a violência, física ou
verbal; Sueli deveria informar aos pais seu paradeiro quando saísse;
som ente sairia com permissão; e deveria assistir a aulas particulares
para recuperar o conteúdo que havia perdido na escola. Sueli, por seu
lado, conseguiu algumas das concessões que desejava com respeito às
horas de retorno da discoteca. Entretanto, concordou que não voltaria
sozinha e, se ninguém a pudesse acom panhar, cham aria os pais para ir
buscá-la. As negociações só term inaram pela m adrugada e, na m anhã
seguinte, os pais foram surpreendidos com uma m esa já posta para o
café para os dois. Sueli disse que já havia comido. Estava sentada

62
pacientem ente no sofá, dando sinais de satisfação em ver seus pais
com endo juntos à mesa que ela m esm a preparara. Em bora ainda um
tanto alheia, ela já não estava num outro mundo. Rute e Samuel sa­
biam que problem as na certa surgiriam , mas eles já se sentiam mais
preparados para reagir.

Prêm io e castigo

Apesar da im pressionante quantidade de pesquisas sobre este tem a, os


programas com portam entais baseados em prêm io e castigo costum am
ser pouco atrativos tanto para pais quanto para terapeutas. A lguns os
vêem com o um a form a de suborno, enquanto outros repudiam sua na­
tureza artificial. No entanto, os program as de prêm io e castigo podem
tornar-se poderosos instrum entos de presença parental quando usados
com um a ênfase diferente.

“Tim e-in”

Considerem os, por exem plo, a técnica com portam ental do “tim e-out” .1
O procedim ento é com posto por um objetivo com portam ental especí­
fico (como acessos de raiva, por exem plo) e por um procedim ento de
“tim e-out” quando o com portam ento indesejado se m anifestar. U m a
vez definidos o com portam ento indesejado e o procedim ento de “time-
out” para com batê-lo, o program a pode funcionar de m odo bastante
impessoal. Basta que o com portam ento indesejado seja seguido do
“time-out” , não interessando quem o aplique. N um a m odificação
deste procedim ento, vejamos com o o tem po é usado com o fator de
presença ao longo desse capítulo. Ao invés de m andar a criança a um
certo lugar, os pais perm anecem com ela pelo tem po que for
necessário. Além disso, somente os pais podem conduzir o
procedimento, já que a m ensagem a ser passada à criança é: “Nós

1 “Time-oul” significa lempo de exclusão. O procedimento consiste em um tempo


determinado (alguns poucos minutos) durante os quais a participação da criança em
toda e qualquer atividade é interrompida. A criança, por exem plo, tem de permane­
cer inativa no meio do quarto, por cinco minutos.

63
estam os aqui!” A pesar de esse procedim ento também constituir uma
form a de castigo, o impacto interpessoal é com pletam ente diferente.
Para sublinharm os a diferença do procedimento com porlam ental do
“tim e-out” , devem os cham ar nosso procedim ento de “tim e-in” .

O em penho

O uso do processo prêmio e castigo como uma ferram enta de presença


parental também é mostrado em uma estratégia conhecida com o “o
em penho” (Price, 1997). Os pais definem uma im portância semanal
em dinheiro a ser dada à criança no caso de ela cum prir certas regras.
A quantia é guardada em um jarro (ou algo que represente a im portân­
cia é colocado à mostra) e as regras são explicadas à criança. A cada
vez que as regras forem infringidas, uma certa quantia é subtraída da
im portância semanal. A criança pode não apenas perder lodo o di­
nheiro, mas também ficar com um saldo negativo. Nesse caso, os pais
se apoderam de algum dos pertences da criança, como e o objeto ti­
vesse sido penhorado. A criança recebe um recibo do em penho, que a
perm itirá resgatar o objeto. A criança poderá resgatar seus pertences
através do pagam ento da dívida.
Pode parecer que essa estratégia reduza os pais a contadores anô­
nim os, mas não necessariamente. Antes de tudo, são os pais que defi­
nem o que constituiria uma ofensa. Em caso de discussão, eles podem
dizer: “Este é o modo como vemos o assunto; então é assim que que­
rem os que as coisas sejam .” Desta maneira os pais estarão recupe­
rando sua própria voz e seu próprio parecer. Assim, dizem os aos pais:
“Não é o prêmio ou o castigo por si mesmos que funcionam , mas, sim,
o fato de que são vocês que definem as regras, vocês que possuem o
arbítrio e vocês que premiam ou castigam .” Ao invés de ser uma téc­
nica im pessoal, a estratégia, assim vista, resgata os pais de um a condi­
ção de anonimato.

A m ãe de umas gêm eas de nove anos de idade confiscou as bo­


necas das filh a s quando seus saldos negativos alcançaram a
m etade da soma semanal. Uma sem ana depois, as m eninas ha-

64
viam conseguido quitar suas dívidas. Elas abraçavam e beija­
vam as bonecas, consolando-as e dizendo-lhes que ja m a is as
deixariam sozinhas de novo. A s m eninas encenaram esta "reu­
nião fa m ilia r" na presença da mãe. A pesar de, na superfície, o
texto deste evento ter a ver com prêm io e castigo, na realidade, o
texto profundo tem a ver com a ausência parental e a retomada
da presença.
Capítulo IV

Presença sistêmica
U ir e m o s que os pais dem onstram presença sistêm ica na m edida em
que eles se sentem , e que a criança tam bém os sinta, com o apoiados e
confirm ados por outros em suas atividades parentais. Os pais não
agem num vácuo, mas são continuam ente influenciados um pelo outro
e pelas pessoas e pelas instituições entre as quais vivem. Assim com o
a presença parental pode ser fortalecida por apoio e afirm ação, ela
pode tam bém esvair-se por conflitos, sabotagem ou indiferença. C om ­
pete ao terapeuta ajudar os pais a identificar e sanar o enfraquecim ento
sistêm ico de sua presença, assim com o procurar m eios sistêm icos de
confirm á-la e fortalecê-la.

Solidão e falta de apoio

Entre pais que são vitim izados pelos filhos, há um grande número de
mães solteiras, desquitadas e viúvas. As mães que cuidam de seus
filhos sozinhas têm boas razões para se sentirem enfraquecidas: elas
podem sentir-se fisicamente em desvantagem com relação a seus filhos
ou filhas, cansadas ao ponto de exaustão ou sofrer da insegurança tí­
pica das pessoas solitárias. No entanto, o conflito conjugal crônico é
às vezes até pior do que a solidão, no que toca à falta de apoio e à sa­
botagem da presença parental.
Para que o apoio se torne significativo, ele deve fortalecer a fi­
gura parental e não a substituir. Q ualquer form a de assistência, mesmo

69
que bem intencionada, que m antenha os pais num a condição de in­
competência, só estará agravando a ausência parental. Isso pode
acontecer, por exem plo, quando um a babá é introduzida no lar para
preencher o papel da mãe ou quando um psicoterapeuta se torna res­
ponsável pela saúde mental da criança. Em tais intervenções, caso a
ajuda venha a tom ar o lugar da mãe enfraquecida, o resultado pode ser
negativo.
Em nosso programa, ficam os de início disponíveis para atender
chamados de em ergência pelo telefone. Para o pai ou a mãe solitários,
a possibilidade de se discutir questões de urgência no m om ento em que
estas em ergem pode ser de alta valia. A disponibilidade do terapeuta,
porém, deve ser vista com o um recurso temporário a ser eventualm ente
substituído por outras formas de ajuda.
Pais e mães solitários freqüentem ente vêm a crer no seguinte si­
logismo:

Sou só e desam parado.


Ninguém gosía dos solitários e desamparados.
Assim, perm aneço só e desamparado.

Para rom per esse ciclo negativo, deve-se buscar ajuda de parentes e de
amigos. O próprio terapeuta pode oferecer-se para convencer c m obi­
lizar parentes e amigos dos pais solitários. Em nossa experiência, a
maioria dos pais dispensam essa ajuda, assumindo por si m esm os a
tarefa da procura de apoio.
U m a vez iniciados os pedidos de ajuda, essa geralm ente aparece.
Assim, não é difícil encontrar algum amigo ou am iga dispostos a dar
apoio a um a m ãe que teme ser agredida fisicam ente pelos filhos. Su­
gerimos que os colaboradores fiquem junto à mãe durante as fases crí­
ticas do tratam ento (geralmente, bastam umas duas horas no período
mais tenso do dia) e somente intervenham em caso de violência física
contra a mãe. A m era presença de uma outra pessoa tem um efeito
inibidor sobre a agressividade da criança. A mãe, por seu lado, vem a
sentir-se duplam ente apoiada: ela se vê digna de ser ajudada e seu
medo de ser atacada é atenuado. Com este apoio, a mãe pode engajar-

70
se em um projeto de presença parental que antes parecia im praticável.
Evidentem ente, há sem pre o receio de que as coisas voltem ao ponto
de partida, assim que a figura do protetor não estiver mais presente.
N a m aioria dos casos, entretanto, mesmo com a saída do protetor, a
mãe já se sentirá menos desam parada, enquanto a crianjá poderá vê-
la de um a maneira diferente.

Os pais idosos de um adolescente violento de dezesseis anos, que


haviam sido várias vezes agredidos pelo filho, aceitaram a su ­
gestão de um terapeuta fa m ilia r de colocar um anúncio no jo rn a l
oferecendo hospedagem a algum jovem , em troca de seus servi­
ços e de sua colaboração durante algum as horas p o r dia. Os
pais, juntam ente com o terapeuta, entrevistaram alguns candi­
datos, escolhendo no fin a l um jovem m uito gentil, m as m uscu­
loso. Ele deveria estar presente nas horas m ais críticas do dia:
quando o m enino voltava da escola e no início da noite. Além
disso, se o m enino am eaçasse bater em seus pais, o colaborador
deveria interpor-se, porém sem revidar os golpes.
Quando o m enino chegou da escola, encontrou o novo m o­
rador na sala de jantar, assistindo televisão, com endo am endo­
ins e fa zen d o longas séries de exercícios de fisiculturism o.
Quando o m enino perguntou aos pais quem era aquela pessoa,
eles responderam evasivamente que se tratava de alguém que
eles haviam decidido hospedar p o r suas próprias razões. A sim ­
ples presença do convidado na casa p ô s fim a toda violência f í ­
sica. O colaborador nunca precisou sequer intervir e, de que­
bra, ainda tornou-se treinador do m enino em fisiculturism o. Ele
deixou a casa após três meses, m as ainda m anteve contato com a
fa m ília e com seu discípulo. A violência não voltou a m anifes­
ta rse .

Pais vitim izados freqüentem ente têm de considerar a possibilidade de


pedir ajuda à polícia. E perfeitam ente com preensível que os pais relu­
tem em registrar um a queixa contra seus filhos. Tem em que tal ato
possa levar à estigm atização da criança, ou torná-los odiosos a seus

71
olhos. Há também o constante medo de que a criança venha a ser
maltratada. A polícia é assim um a caixa de Pandora. U m a m aneira de
minimizar esses receios seria, previam ente, contatar o conselheiro tu­
telar que ficaria encarregado da criança, caso os pais registrassem a
queixa. Essa am pliação da rede terapêutica para incluir o conselho
tutelar pode ser de grande valia. No caso a seguir, recorreu-se à polí­
cia sem a mediação do conselho tutelar, o que levou a certas com plica­
ções.

Caso 6: Cham ar ou não a polícia

Davi, 18 anos, filho único de A lessandra e Artur, era fisiculturista. Foi


criado com o um príncipe mas, para a tristeza de seus pais, tornou-se
um tirano. U ltim am ente, ele havia desenvolvido um a form a original
de expressar seu poder sobre a mãe: quando ela o irritava, ele a espre­
mia com seu corpo massivo contra as paredes. A mãe reagia às agres­
sões de Davi perdoando e conciliando, enquanto o pai se tornava cada
vez mais rancoroso e distante. Eles buscaram o nosso program a
quando sentiram que a situação estava insuportável.
M esm o A lessandra entendia bem que fora de casa, Davi era uma
pessoa positiva, sociável e trabalhadora. Inclusive havia com prado,
recentem ente, um a moto com o dinheiro que ele ganhara trabalhando
em um posto de gasolina. Contudo, assim que chegava em casa, m u­
dava assustadoram ente seu com portam ento. A rtur se retirava para o
quarto, enquanto A lessandra preparava o jantar especial que o filho
requeria e passava suas roupas. M esmo ela, no entanto, já estava se
cansando e com eçava a pensar seriam ente em fazer com que o filho
saísse de casa. Sobre isto, os pais pareciam estar de acordo, em bora
tivessem profundas divergências sobre praticam ente todos outros as­
suntos.
Ambos pensavam que o filho concordaria em se m udar para ou­
tra casa desde que tivesse apoio financeiro dos pais. Ele mesm o havia
dado a idéia. Mas às vezes afirm ava que nunca sairia de casa. O casal
tem ia que Davi pudesse pilhar a casa antes de ir embora. Ele já havia
roubado dinheiro da bolsa de A lessandra e apanhado várias vezes o

72
carro do pai sem autorização (antes de com prar sua própria moto).
U m a vez ele estacionou o carro longe de casa por três dias, para punir
o pai por seu "mau com portam ento". O casal tem ia também que Davi
viesse a usar am eaças e violência para extorquir dos pais dinheiro para
com prar um apartamento. O pai pensava em cham ar a polícia se isto
acontecesse. A lessandra já havia cham ado a polícia por duas vezes,
mas ela desm entia toda a história quando os policiais chegavam . O
terapeuta disse aos pais que um tal passo poderia ser benéfico, desde
que fosse cuidadosam ente planejado. Por outro lado, cham ar a polícia
num rompante, só para desm entir a acusação depois, era pior do que
não se fazer nada.
O terapeuta entregou aos pais um a carta a ser m ostrada à polí­
cia caso estes decidissem registrar uma queixa. Por nossa experiência
anterior, sabíam os que alguns policiais gostavam de se livrar dos pais
que vinham registrar queixas, enviando-os a um psicólogo. A carta
preveniria esta postura, pois era justam ente um psicólogo que dizia aos
policiais para levar a queixa dos pais a sério. O terapeuta tam bém es­
creveu aos páis um sumário de suas im pressões sobre a família. Esta
carta foi lida para eles na sessão seguinte. U m a cópia foi tam bém en­
viada a Davi, com o consentim ento dos pais, para m ostrar a Davi que
os pais não estavam mais nem sós nem desam parados:

Gostaria de dizer a vocês quais são as m inhas im pressões sobre


os conflitos entre vocês e o Davi. Enviarei uma cópia dessa
carta a ele também, pois creio que ele deve estar ciente da deci­
são que vocês tomaram de buscar ajuda.
Davi apresenta um enigma: seria ele um jo vem bem suce­
dido ou um m isto de bebê e brigão? A s evidências apontam em
am bas direções. Por um lado, ele já m ostrou que é capaz, de ser
popular, estudar e trabalhar. Ele dem onstrou também perseve­
rança, sendo o único dentre seus am igos que conseguiu com prar
uma moto com seu próprio trabalho. P or outro lado, há m uitos
sinais do bebê-brigão. Assim, em casa, ele consegue seus objeti­
vos p o r m eio de am eaças e ataques de raiva. Nisto ele se m ostra
um brigão. Ele afirma não conseguir controlar-se, quando pro-

73
vocado, justam ente o que bebês-brigões costum am dizer. Não
tenho dúvidas de que, se ele se com portasse assim fora de casa
também, ele j á teria sido despedido do trabalho, perdido sua
carteira de habilitação e provavelm ente seus amigos.
Talvez a solução do enigma seja de que D avi é um bebê-
brigãio em casa e um rapaz independente fora. Provavelm ente
ele é um bebê-brigão em casa porque isto dá resultado. N a a ti­
tude de vocês para com ele, vocês oscilam entre o medo e a pena.
O m edo paralisa vocês enquanto a pena lhes derrete o coração.
Esta oscilação entre o m edo e a pena reforça m uito o com porta­
m ento de bebê-brigão de Davi: a pena de vocês torna-o m ais
bebê, enquanto o medo de vocês o torna m ais brigão. Assim, ele
está sendo m ais e m ais estragado pela perm anência desta situa­
ção, tornando-se cada vez m ais bebê-brigão. M ais cedo ou m ais
tarde isto há de se m ostrar também fo ra de casa.
P or isto, penso que vocês têm razão em pensar que D avi
deva m udar-se de casa. Não sei se vocês vão ou não se em pe­
nhar nisso, ou se D avi vai aceitar. Q ualquer que seja a decisão
de vocês, as coisas podem fu g ir do controle e vocês podem p reci­
sar de proteção policial. Por isto, dou-lhes também uma carta
para a polícia para que, caso vocês decidam registrar uma
queixa, a polícia os leve a sério e providencie a retirada de D avi
de casa. Estarei à sua disposição para qualquer eventualidade.

Já durante a própria leitura desta m ensagem para os pais, o acordo en­


tre eles com eçou a se romper. Artur tornou-se mais decidido, en­
quanto A lessandra perguntou, chorosa: "Se Davi for m orar em outra
casa, quem irá cozinhar para ele?" Toda a determ inação de A lessandra
derreteu-se em pena maternal. A rtur resolveu encerrar a sessão ali
mesmo. D isse que eles deveriam conversar antes de decidirem se ha­
veria lugar para um a outra sessão. Ambos, porém, concordaram que a
carta tam bém deveria ser enviada a Davi.
O terapeuta telefonou para eles três sem anas depois. A lessandra
disse que Davi estava se com portando muito melhor. D isse também
que não conseguiria nem pensar em cham ar a polícia: "Afinal de con-

74
tas, sou a mãe dele." Mal sabia ela que A rtur já havia ido à polícia.
U m a sem ana depois da sessão, Davi o havia am eaçado de morte. A r­
tur havia ido à polícia c registrado uma queixa. Q uando o terapeuta
telefonou, Davi já havia se apresentado à delegacia e um processo
contra ele havia sido iniciado.
O terapeuta só veio a saber disso quatrò meses depois. A rtur li­
gou para ele e contou que alguns dias depois da sessão, ele havia re­
gistrado um a queixa com acusações de ameaça, furto e violência física.
O im pacto sobre Davi foi dramático. Ele cessou todas as form as de
agressão, tanto física com o verbal. A rtur disse que a m udança foi sim ­
plesm ente inacreditável: Davi havia se tornado prestativo e solícito.
No m om ento só restava um problema. Por causa da m elhora do filho,
Artur quis cancelar a queixa. Ele foi à delegacia, mas disseram -lhe
que o processo já havia sido iniciado e que Davi seria levado a ju lg a­
mento. A rtur escreveu várias petições, mas em vão. Ele telefonara ao
terapeuta para ver se ele poderia ajudar. M as já era tarde. Tam bém as
cartas enviadas pelo terapeuta tiveram respostas negativas. Se Davi
fosse m enor de idade, o processo teria sido encam inhado a um repre­
sentante da vara da infância e da adolescência e as coisas
provavelm ente teriam tomado outro rumo.
Davi, porém, não voltou a ser com o era antes, quando descobriu
que seu pai nada poderia fazer para term inar o envolvim ento com a
justiça. Tanto Davi com o os pais estão tendo de pagar um alto preço
pelos ganhos que tiveram.

Conflito conjugal

Um erro com um dos profissionais quando trabalham com questões


pertinentes a pais e filhos é o de desviar o diálogo terapêutico do âm ­
bito da criação dos filhos para o âm bito conjugal. Alguns terapeutas
defendem a idéia de que, sendo que os pais fracassam com os filhos
por causa do conflito conjugal, não pode haver progressos reais na
criação dos filhos até que este conflito seja resolvido. Outros terapeu­
tas alegam, que com o os problem as de com portam ento da criança têm
a função de salvar o casam ento dos pais, é preciso cuidar do casam ento

75
para resgatar a criança de seu papel. Tais argum entos são pouco con­
vincentes:

1. M uitos pais conseguem cooperar na criação dos filhos, apesar de


profundas desavenças em outras áreas.
2. M uitos pais acham mais fácil queixar-se sobre o casam ento do que
enfrentar os problem as da criança. Ao centrar a terapia nas questões
conjugais, o terapeuta não faz mais do que ajudar os pais a fugir das
tarefas difíceis da criação.
3. A situação precária da criança dificilm ente pode esperar até a con­
clusão e o êxito da terapia conjugal.

Eu concluiria que, a melhor opção para o terapeuta quando os pais


procuram ajuda por causa de problem as dos filhos, é de m anter o tra­
tamento dentro deste âmbito, mesmo quando os pais tentam dar a prio­
ridade aos assuntos conjugais.
Porém, há uma área de distúrbio conjugal que jam ais deve ser ig­
norada ou posta de lado: as acusações, rivalidades e sabotagens mútuas
na criação da criança. Neste ponto é de sum a im portância a negocia­
ção de um a trégua c o estabelecim ento de novas regras. O papel do
terapeuta é o de indicar os conflitos, esclarecer os danos â educação e
ajudar os pais a buscar alternativas. Um entrave com um nesse pro­
cesso é que cada membro do casal pode vir a perceber o terapeuta
com o aliado do outro. A terapia será então contam inada pelas próprias
acusações, rivalidades e sabotagens mútuas que ela se propunha solu­
cionar. Para im pedir isso, o terapeuta deve assum ir uma postura equi­
distante e não-julgadora para com ambos. Os pais, contudo, esperam
mais de um a terapia do que uma mera neutralidade nâo-acusatória. O
que eles querem é ver-se positivam ente justificados. Essa é um a situa­
ção bastante delicada, pois cada lado pode ver o apoio dado ao outro,
com o equivalente a uma condenação de si próprio.
M ais uma vez, pode-se fazer bom uso do tipo de mensagem ci­
tado no capítulo anterior: uma confirm ação em pática seguida de uma
confrontação respeitosa. É importante, porém, que am bos os esposos
sejam apoiados c confrontados na mesma medida, para que a m ensa-

76
gem seja perfeitam ente simétrica. D este modo, o terapeuta conquistará
um a posição positiva e equilibrada frente ao casal. O procedim ento é
ilustrado nos dois casos que se seguem:

Caso 7: Um desafio às acusações mútuas

Laura e Boris foram cham ados à delegacia porque sua filha de dezes­
seis anos, Rita, havia sido presa. Ela foi apanhada jogando com am i­
gos em um cassino clandestino. Para piorar a situação, portava grande
quantidade de maconha. Os pais levaram Rita para casa e tendo en­
contrado m uito dinheiro em sua bolsa, suspeitaram que ela estivesse
envolvida também com tráfico. Eles a pressionaram e ela acabou con­
fessando ter roubado uma grande quantia de dinheiro deles e da avó.
No dia seguinte, os pais levaram a m enina a um a terapeuta. Ela
prometeu afastar-se das más com panhias que a teriam envolvido com
as drogas e com a jogatina. Até tempos atrás, ela era bastante popular
na escola e ainda tinha alguns amigos a quem podia recorrer. A pesar
de aparentar sincero arrependim ento e m ostrar-se cooperativa, ela não
reagiu nada bem à decisão dos pais de vigiá-la mais de perto. R ita
entendia que sua confissão e sua boa vontade a tornavam digna de
maior confiança. Diante dessa atitude, a terapeuta resolveu realizar
algumas sessões com Boris e Laura em separado de Rita.
N a prim eira sessão com os pais, m anifestou-se um padrão conju­
gal de acusações mútuas: Laura acusava Boris de ser m uito crítico para
com a filha e Boris acusava Laura de ser m uito mole. Laura exigia que
Boris se tornasse mais tolerante e ele replicava exigindo que ela o
apoiasse na colocação de limites mais firmes. Cada um culpava o ou­
tro pelos problem as de Rita. Esse vai-e-vem de acusações quase aca­
bou com o tratamento. Após uma outra sessão desperdiçada com acu­
sações mútuas, a terapeuta mandou aos pais a seguinte carta:

D epois de nossa última sessão com ecei a m e perguntar qual se­


ria o problem a na relação de vocês com Rita. Cheguei à conclu­
são de que vocês, apesar de terem aspirações e atitudes p aren­
tais positivas para com ela, na tentativa de colocá-las em prá-

77
tica, estão conseguindo justam ente o contrário daquilo que que­
rem.
Você, Laura, reage à Rita segundo seus instintos m ater­
nais. Você se identifica com os sofrim entos de Rita e sofre com
ela. Quando você cede às suas exigências, você não o fa z p o r
pura fraqueza, m as pela convicção de que Rita precisa de am or e
com preensão da m esma fo rm a que precisa de regras e cobran­
ças. Essa é a sua fo rm a de ser mãe. A gir contrariam ente a essa
fo rm a seria como que trair a você mesma. Sendo assim, p o r que
você tem tido tão pouco êxito ? Como é possível que você, ao in­
vés de fo rta lecer a Rita esteja talvez levando ao resultado con­
trário? Acredito haver duas razões para esse efeito paradoxal.
Uma delas tem a ver com a Rita e a outra com o Boris.
Rita interpreta seu carinho como pena. Isso constitui uma
experiência bastante negativa: para ela, ser coitada é ser infe­
rior. Ela sente que você m ostra seu am or p o r ela com condes­
cendência, e não com respeito. Ela se vê então entre duas o p ­
ções, am bas negativas: ela pode aceitar seu am or m isericordioso
e reconhecer assim que ela é fra ca e incapaz, ou pode rejeitá-lo
em seu íntimo, explorando-o para seus próprios fin s. N o p ri­
m eiro caso sua auto-estima decai, no segundo, sua moral. Com
relação a Boris: você gostaria que ele se tornasse m ais com pre­
ensivo e tolerante. No entanto, na m edida em que você é m ovida
p o r pena, m ais ele se convence que só ele está m ostrando á Rita
a realidade. Boris se torna então m ais e m ais exigente e crítico.
E isso é exatam ente o contrario do que você queria.
E quanto a você, Boris? Sua atitude, no fundo, é a de um
p a i carente e protetor: você quer que Rita pare de se enganar. A
seu ver, se ela não encarar sua situação de uma fo rm a m ais ho­
nesta, ela está perdida. Essa é a razão de seus esforços em com ­
bater as tentativas de Rita e Laura de m inim izarem as coisas.
Você se sente o único que se atreve dizer a verdade. Contudo,
por que seus esforços também são frustrados? São fru stra d o s
p o r causa das reações que provocam em Laura e em Rita.
Quando você diz o que pensa a Rita, Laura se sente obrigada a

78
com pensar as suas palavras, pois ela sente que a filh a se encon­
tra sem carinho e sem apoio. Assim, sua atitude fa z aum entar
ainda m ais a pena de Laura. Em relação et Rita, quanto m ais se­
veras as suas reprimendas (e às vezes o seu tom de voz vem a ser
zom bador e desdenhoso), m ais ela se torna rebelde e cínica. Eu
vi isso ocorrer m ais de uma vez em nossa prim eira sessão: ela
reagia a sua rudeza com deboche. Essa resposta de cinism o é
uma das m ais perigosas para uma m enina como Rita. O cinism o
pode cegá-la para quaisquer iniciativas positivas.
E o que vocês podem fa zer? E possível escapar a esse cír­
culo vicioso? Parece-me claro que se você, Laura, conseguir
expressar seu am or p o r Rita sem deixá-lo deteriorar-se em pena
e você, Boris, conseguir dizer a sua verdade sem rudeza e d esde­
nho, vocês poderiam m anter as próprias vozes e estilos de uma
m aneira vantajosa. Creio também que se vocês dois conseguis­
sem deixar de culpar e desqualificar um ao outro, vocês p o d e­
riam, às vezes, até trocar de papel. Então, Boris, seria a sua vez
de m ostrar-se sensível e complacente, enquanto você, Laura, p o ­
deria, às vezes, m ostrar-se construtivam ente enérgica. Rita cer­
tamente se beneficiaria m uito deste padrão m ais rico de com ­
portam ento de vocês.

A m ensagem preparou o terreno para as sessões seguintes. D epois de


algumas sem anas, as disputas entre Laura e Boris estavam significati­
vamente reduzidas. O com portam ento tem pestuoso de Rita, porém ,
pôs os pais (e a terapia) à prova várias vezes. De vez em quando, os
pais voltavam, por algum tempo, às mútuas acusações. Entretanto, a
terapeuta conseguiu superar estas crises, cm boa parte, porque Laura e
Boris sentiam -se individualm ente seguros de sua im parcialidade e
aceitação. A m ensagem sim étrica de apoio e desafio havia garantido à
terapeuta esta posição. Esta mensagem também perm itia a ela bastante
flexibilidade, pois mesmo que o tratam ento se concentrasse, por algum
tempo, nas atitudes problem áticas de um dos pais, am bos sabiam que a
atitude básica da terapeuta era equilibrada. Findos oito meses de in­

79
tenso trabalho, os pais e Rita sentiam -se m uito mais confiantes quanto
ao futuro.

Caso 8: D esafiar o ódio

Bernardo teve seu prim eiro ataque epilélico aos dezesseis anos. O
diagnóstico foi rapidam ente feito, mas, apesar de lodo o tratamento
médico, Bernardo continuou a sofrer ataques ocasionais. Ele era ex­
trem am ente apegado às suas rotinas e reagia violentam ente quando
seus pais (M arcelo e Ana) ou irmãs m odificavam -nas. A fam ília vivia
sob constante ameaça. Se esquecessem de com prar a com ida de que
ele gostava, na quantidade e marca por ele especificadas, ou se
esquecessem de gravar o seriado da TV do qual ele era viciado, ou
mexessem em qualquer coisa em seu quarto, ou conversassem muito
quando ele quisesse silêncio, todos sabiam exatam ente o que Bernardo
faria: ele não hesitaria em agredir os pais verbal e fisicam ente, ter
ataques de raiva e quebrar objetos. Algumas vezes, os ataques
ocorriam no meio da noite. Certa vez chegou a ferir o pai com um
vaso de porcelana.
M arcelo e Ana, que já vinham pensando em divórcio antes do
prim eiro ataque epilético de Bernardo, sentiam -se presos num a arm a­
dilha. Tem iam que a condição do filho pudesse se agravar ou que ele
com etesse suicídio caso eles viessem a se separar. E já que o casal
sem pre brigava por causa de Bernardo, Ana também tem ia que ele se
sentisse culpado pela separação. Aliás, ele não era a única pessoa vio­
lenta na casa: as brigas entre M arcelo e Ana às vezes se transformavam
em pancadaria.
Ana m udara radicalm ente sua atitude diante de B ernardo desde
que ele havia ficado doente. Apesar de ter sido sem pre rígida e exi­
gente, ela com eçou a apoiar quaisquer desejos do filho e passou, inclu­
sive, a exigir que os outros membros da casa o tratassem de form a pri­
vilegiada. Ela culpava o marido pela situação do filho. A firm ava que,
xingando o filho e tendo dito que se arrependia de tê-lo gerado, M ar­
celo teria destruído os últim os resquícios da auto-estim a do filho.
M arcelo, por sua vez, cham ava a esposa de "capanga de Bernardo" e

80
afirm ava que ela subestim ava a capacidade do filho. Por exem plo,
apesar de seu problem a de saúde, Bernardo chegou a ser aceito com o
voluntário no exército e não havia tido nenhum ataque mais sério fora
de casa. Ana não contestava os fatos, dizendo que Bernardo não tinha
ataques fora de casa, sim plesm ente porque estes eram causados pela
violência verbal de M arcelo.
Todas as tentativas do terapeuta em fazer com que M arcelo e
A na concordassem com algum a linha de ação no tratam ento de Ber­
nardo eram frustradas pelas hostilidades mútuas. As sessões de terapia
haviam se transform ado em mais uma arena para as brigas. Incapaz de
fazê-los chegar a um acordo, o terapeuta enviou-lhes a seguinte carta:

D epois de nossa última sessão concluí que há uma lógica quase


com pulsória p o r trás das atitudes de vocês. A m bos sentem -se
justam ente indignados. Você, Ana, reage com profunda revolta
— ou m esmo ódio — quando M arcelo diz. palavras tão cruéis
para seu filho. Você, Marcelo, não pode aceitar que a fa m ília
inteira viva sob um regime de terror ditado pela tirania de
Bernardo e pela estratégia de rendição incondicional de Ana.
Esses sentim entos são perfeitam ente justificáveis, assim com o os
seus respectivos objetivos. Acredito que, sob condições
diferentes, vocês conseguiriam realizá-los.
A trágica ironia estéi em que, apesar de seus propósitos p o ­
sitivos, vocês acabam obtendo justam ente o contrário do que d e­
sejavam. Assim, Ana, suas tentativas de estabelecer uma at­
m osfera de m aior tolerância, só conseguem aum entar o clima de
tensão e ódio na fam ília. Acredito que, no fim das contas, B er­
nardo acaba sofrendo m uito m ais com o ódio na fa m ília do que
com a violência verbal de M arcelo. As ofensas de M arcelo são
ditas fa c e a face, enquanto o ódio trabalha p o r debaixo dos p a ­
nos, como um veneno a longo prazo.
Você, Marcelo, nas suas tentativas de livrar a fa m ília da ti­
rania de Bernardo, não conseguiu m ais do que aum entar o ter­
ror. Cada uma de suas rebeliões contra ele ou contra a A na é
seguida de um revés que recai sobre toda a fam ília. A o invés de

81
conseguir m ais liberdade, você vem a piorar ainda m ais a situa­
ção. Q uanto m aior a sua raiva, Marcelo, m ais A na irá lhe odiar.
Quanto m aior a sua indignação, Ana, m ais M arcelo irá lhe
odiar. Atualm ente, vocês estão tão am arrados pelo ódio que
qualquer tentativa de livrar-se só vem a apertar as amarras.
Acredito que a m aior parte do sofrim ento de vocês venha
do ódio. M as seria possível m udar as coisas? Vocês teriam al­
gum controle sobre isso? Vocês não seriam irresistivelm ente le­
vados a tudo isso apesar da boa vontade de vocês? Não seria o
destino trágico de vocês viver sem pre odiando-se? Eu não tenho
resposta a essas perguntas. Acho que às vezes som os nós que
sustentam os o ódio, m as às vezes o ódio nos agarra e nos es­
maga. No fin a l das contas, cada um de vocês terá de achar por
si próprio a resposta a esta questão: se o seu destino será de
render-se ao ódio ou de salvar a fa m ília de seu controle.

O im pacto da mensagem foi enorme: M arcelo e A na ficaram indigna­


dos e am edrontados pela im putação de que estavam sendo levados pelo
ódio. Tentaram dizer que apenas reagiam c que não tinham intenção
de provocar sofrimento. M arcelo foi o prim eiro a dar um passo adi­
ante: decidiu evitar todos os conflitos com Bernardo, o que fez com
grande determinação. Ana reagiu bem ao passo de M arcelo e parou de
responsabilizá-lo pela condição de Bernardo. Ela também deixou de
exigir que a fam ília atendesse às exigências do garoto. Fazia o que
podia sozinha, sem obrigar ninguém a ajudá-la. A m edida cm que os
pais foram deixando de brigar entre eles e com ele, Bernardo também
acalm ou-se.
As m elhorias no am biente fam iliar elim inaram em M arcelo
aquele sentim ento de estar em xeque e alguns meses depois ele mu-
dou-se para outra casa e deu entrada nos papéis do divórcio. A na ficou
furiosa com isso, acusando M arcelo de tê-la deixado sozinha para
agüentar o baque da doença de Bernardo. Contudo, logo ela se surpre­
endeu ao perceber que, com a ausência de M arcelo, ela se tornara mais
assertiva com relação a Bernardo.

82
Um ano depois, o garoto estava m uito m elhor do que M arcelo e
Ana jam ais teriam imaginado. Ele havia concluído o segundo grau e
estava estudando arduam ente para entrar na faculdade. A na também
percebeu que ela estava satisfeita com divórcio e, pela prim eira vez em
cinco anos, ela decidiu que não precisava de nenhum a terapia.

Escolas, pais e amigos: interfaces

Scott W. Hengeller (1996) é o mestre da interface. Em sua abordagem


m ultissistêm ica para o tratam ento de crianças com distúrbios com por-
tam entais, ele m ostra com o a criação e a m anutenção de contatos entre
os diferentes subsistem as relacionados à criança — com o pais, am igos
e escola — podem levar a resultados inesperados.

Uma m enina de 15 anos estava sendo repudiada p o r suas cole­


gas porque cheirava mal. A terapeuta fo i até a casa da m enina
para tentar levar a m ãe a uma reunião com a professora. A m ãe
era uma m ulher relaxada e desgastada que vivia com os sete f i ­
lhos numa casa-rehoque sem água encanada. A professora era o
oposto da mãe: uma moça de classe média-alta, bem vestida,
bem apessoada e de fin íssim o s modos. Parecia im possível criar
um contato entre estes dois mundos. No cam inho a té a escola a
terapeuta percebeu que a m ãe carregava em uma bolsa algo que
ela suspeitou ser uma fa c a de açougueiro. A terapeuta p ergun­
tou sobre a fa c a e a m ãe respondeu que poderia ser útil caso a
conversa não adiantasse. A terapeuta conseguiu convencer a
m ãe a deixar a fa c a no carro. Com a ajuda de sua mediação, a
professora e a mãe conseguiram se comunicar. A pesar das con­
dições extremam ente desfavoráveis com as quais o caso p rin ci­
piara, o resultado fo i claramente positivo tanto para a menina,
quanto para a mãe e a professora (H engeller, 1996, pp. 190-191).

Uma m enina de 14 anos que havia sido apanhada fu rta n d o em


uma loja (juntamente com outras duas amigas) fo i convencida,
na terapia, a m arcar um encontro, delas três e m ais o terapeuta,

83
num a lanchonete. O terapeuta conseguiu fa z e r com que as três
se interessassem p o r um novo tipo cie aventura: procurar em pre­
gos de m eio expediente. Ele ensinou-as a preencher adequada­
m ente os fo rm u lá rio s e deu conselhos para a hora da entrevista.
A pós algum as semanas, as três já estavam empregadas. Depois,
o terapeuta colaborou nos entendim entos entre elas e seus pais
quanto ao uso dos salários (Hengeller, 1996, p. 162).

Estes casos parecem talvez contos de fadas. H engeller não os apre­


senta com o típicos, entretanto eles mostram algumas opções terapêuti­
cas pouco utilizadas. As pesquisas confirm am essa expectativa: a
abordagem m ultissistêm ica tem tido mais sucesso do que qualquer
outra no tratam ento da delinqüência juvenil, tanto no que toca à redu­
ção de atividades crim inosas quanto à melhora do convívio fam iliar
(H engeller, Rodick, Borduin et al., 1986). O próxim o caso mostra
com o os contatos intersistêmicos de Hengeller podem reforçar a pre­
sença parental.

O filho de 8 anos de uma mãe divorciada, que era nova im i­


grante da Rússia, passou a recusar-se, após ter vivido apenas
nove m eses em Israel, a fa la r com ela em russo. Ele estava f a ­
lando hebraico fluentem ente e era bom aluno na escola. A mãe,
po r sua vez, que m al conseguia se expressar em hebraico, com e­
çou a ser vítima de ironias e galhofas do menino. A princípio,
ela agüentou tudo em silêncio, já que o filh o esta va se adaptando
bem à nova situação. Porém, quando ele com eçou a roubar d i­
nheiro da sua bolsa, ela decidiu procurar ajuda. Ela recorreu à
psicóloga da escola, também russa, e que havia chegado a Israel
cinco anos antes. Foi desenvolvido, então, um plano, no qual a
professora (ou a diretora da escola) ligaria para a m ãe todos os
dias para informá-la sobre o progresso e o com portam ento do
menino. O m enino também receberia sem analm ente um relató­
rio escrito em russo (que ele não sabia ler) para ele devolver a s­
sinado pela mãe. Esta também deveria enviar para a terapeuta
relatórios sem anais (em russo, evidentemente) sobre o com por­

84
tam ento da criança em casa. A psicóloga leria os relatórios cia
m ãe e fa ria alguns com entários com o menino. Para com pletar
esse ciclo cie contatos de apoio, a m ãe fo i convidada para acom ­
panhar o m enino e sua turma na excursão anual da escola. A vi­
são que o m enino — e a própria mãe — passou a ter dela
m elhorou bastante. M ais segura de si, a mãe, que havia sido
professora de m atem ática nci Rússia, com eçou a ensinar ao filh o
brincadeiras e truques com núm eros com os quais ele passou a
divertir seus colegas e sua professora.

Redes de Presença

Considere os seguintes casos:

1. Os pais de um a m enina de 15 anos, que já havia fugido de casa por


duas vezes, contataram os amigos dela e seus respectivos pais, os seus
professores, o diretor da escola e o responsável pela boate que ela fre­
qüentava, para pedir que eles os ajudassem a fazer com que a m enina
parasse de fugir de casa.
2. O pai de um a m enina de 17 anos que estava se tornando dependente
de cocaína cham ou quatro amigos dela (que não eram usuários), para
um a sessão com a terapeuta. A terapeuta ajudou o pai e os am igos a
definirem um a estratégia de um mês de vigia para im pedir que a m e­
nina usasse cocaína.
3. A esposa de um rapaz de 19 anos, grávida, contou aos pais dele que
ele planejava se suicidar. Os pais conclam aram todas as pessoas que
se im portavam com rapaz para visitá-lo e suplicar que desistisse dessa
idéia. Entre os suplicantes constavam , além da esposa e dos pais, as
irmãs (de 6 e 10 anos), a professora da escola prim ária, os avós e a
sogra.

Em todos esses casos, o estabelecim ento de um a rede de apoio foi um


fator decisivo na solução da crise. Um exem plo tocante de W hite e
Epston (1990) pode ajudar a com preender porquê.

85
Haare, um m enino M aori de 13 anos, havia perdido, no período
de poucos meses, am bos os avós que o haviam criado. Ele, en­
tão, deixou a escola, tornou-se apático e parou de tom ar seus
remédios para a asma. Sua mãe, de 29 anos, m orava e traba­
lhava em outra cidade e não tinha m uito contato com Haare,
mas logo após a m orte de seus pais, ela se m udou para a antiga
casa para cuidar dele. Ele fo i hospitalizado seis vez.es com crise
respiratória aguda. 0 responsável pelo CTI disse que ele sobre­
vivera po r pura sorte, m as que se continuasse a não tom ar os
remédios, estava condenado. A m ãe e outros dois prim os de
Haare tentaram convencê-lo, sem sucesso, a medicar-se. D avid
Epston, o profissional a quem a mãe recorreu, disse que, sendo
uma questão de vida ou morte, somente aceitaria a responsabili­
dade do tratamento se a mãe trouxesse vinte m em bros da fa m ília
extensa à sessão seguinte. A mãe levou H aare e todos os vinte
membros. Epston disse à fa m ília que o m enino havia perdido a
vontade de viver e que a m issão de todos ali era im pedir que ele
morresse. A pós um aceso debate, a fa m ília decidiu que H aare
deveria fic a r com a mãe, mas que ela receberia toda a ajuda de
que precisasse. Foi preparado um program a que ajudasse H a­
are a desenvolver uma rotina diária e a voltar à escola. Os tios
e prim os de H aare se encarregaram de ajudá-lo com as tarefas
da escola e de levá-lo a excursões. Alguns outros parentes o
ajudariam a preparar um álbum que perpetuasse a m em ória dos
avós. Assim, os avós passaram a participar sim bolicam ente da
rede de ajuda. Também houve intensa vigilância quanto à m edi­
cação. O m enino recuperou-se rapidam ente e não teve m ais n e­
nhuma crise respiratória. Cinco anos depois, ele estava indo
m uito bem (W hite and Epston, 1990, pp. 86-88).

Devemos notar que, anteriorm ente, não haviam faltado tentativas para
ajudar Haare. Desta vez, entretanto, as coisas foram duplam ente dife­
rentes: (a) os esforços dispersos foram unidos cm um a rede e (b) a rede
foi coordenada pela mãe e serviu de apoio para ela (assim com o para

86
Haare). É a confluência desses dois processos que torna um a série de
tentativas dispersas num a rede unificada de presença parental.
N a criação de uma rede de apoio, há um ponto crítico no qual o
crescim ento quantitativo da rede (por acréscim o de novos membros)
transform a-se numa m udança qualitativa. É, então, com o se a rede
passasse a representar o mundo. Assim, se a rede representa carinho, o
mundo deixa de ser indiferente. Deste modo, o m undo de H aare dei­
xou de ser vazio. Do ponto de vista da presença parental é crucial que
tenha sido a mãe quem conclamou os participantes e perm aneceu com o
coordenadora da rede. Pois é somente quando os m em bros da rede
atuam com o agentes e representantes dos pais, que a rede se torna um
instrum ento de presença parental.
Um a das principais tarefas da rede é dar um selo confirm atorio às
iniciativas dos pais. Digamos, por exem plo, que os pais façam algo
com pletam ente inusitado, como entrar num a boate no meio da noite
procurando por seu filho ou filha. O adolescente certam ente conside­
raria tal iniciativa com o absolutam ente maluca. Se, contudo, o mesm o
ato fosse realizado ao som de um coro de vozes (de parentes e am igos)
que o apoiassem , ele não seria mais um evento isolado, mas um a nova
realidade. Desse modo, a rede legitim iza o gesto parental, elevando-o
ao status de um a nova lei.
N a realidade, nem sem pre é necessário que se disponha de uma
rede m uito extensa para se obter impacto. Quando o objetivo é cir­
cunscrito, basta um pequeno grupo de apoio. A influência confirm ato­
ria de um tal grupo pode ser aum entada quando a história é contada a
mais e mais pessoas ou quando um relatório ou um a carta são distri­
buídos. É com o se os recipientes da história tivessem se tornado tes­
temunhas que confirm am a nova realidade. No entanto, num a situação
crítica (criança que tenha fugido de casa, ou tentado suicídio, ou se
envolvido em algum a atividade crim inosa) recom enda-se a criação de
uma rede bem extensa, que atinja uma m assa crítica capaz de definir
uma nova realidade. Nesses casos, tentar com um grupo m enor pode
vir a ser um desperdício de uma oportunidade terapêutica.

87
Um rapaz de 16 anos conseguiu coagir os pais a comprar, para
ele, uma m oto através de uma série de prom essas e extorsões que
culm inaram com uma ameaça de suicídio. Logo depois de g a ­
nhar a moto, o rapaz feriu-se gravem ente em um acidente. M as
dois m eses depois ele já estava em campanha p o r uma moto
nova. Os p ais negaram e o rapaz fu g ia de casa. D uas sem anas
depois ele fo i visto na companhia de um conhecido traficante.
Ele m ostrou um maço de notas para um de seus antigos am igos
que encontrara p o r acaso e gabou-se de que, em breve, teria
m ais do que o suficiente para uma nova moto. Os p a is p ro cu ra ­
ram um terapeuta, que pediu que eles trouxessem à próxim a ses­
são o m aior núm ero possível de parentes e amigos. A o todo doze
pessoas compareceram. Os princípios da presença sistêm ica f o ­
ram esclarecidos aos participantes. N os dias que se seguiram à
sessão, os mem bros da rede de apoio travaram contato com toda
e qualquer pessoa que pudesse saber algo sobre o paradeiro do
rapaz. Diariamente, boates, casas de jogos, clubes e becos do
bairro fo ra m visitados. M ensagens fo ra m deixadas em todos os
lugares. 0 boato começou a circular de que o garoto tinha um
"exército de babás" ci sua procura. Uma sem ana depois de ini­
ciada a busca, ele voltou para a casa. Além disso desligou-se de
seus contatos suspeitos e voltou a andar com seus antigos am i­
gos. Em pouco tempo decidiu também voltar à escola. Um mês
depois, quando ele ameaçou fu g ir outra vez, os m em bros da rede
fo ra m avisados e a casa do rapaz fico u cheia de visitas p o r vá­
rios dias. A partir de então, não houve m ais am eaças ou sinais
de atividade criminosa.

88
Capítulo V

Presença pessoal
T o m a r efetiva a presença parental envolve m uito mais do que a mera
explicitação de um com portam ento assertivo: os pais devem desenvol­
ver tam bém a percepção de que aquilo que eles estão fazendo expressa
seus sentim entos e valores. Presença pessoal trata dessa experiência
— os pais falando com suas próprias vozes.
Pais que perderam a autoridade perante os filhos, às vezes pare­
cem crer que a expressão de seus valores e necessidades seria uma
prova de introm issão e egoísmo. Contudo, freqüentem ente, aqueles
m esm os pais que parecem tão fracos em casa são pessoas m uito deci­
didas fora de casa. Com o poderem os com preender essa discrepância?
Que forças estão envolvidas nas relações com os filhos que podem
apagar até mesmo a presença pessoal da mais vibrante das pessoas?
Um dos fatores mais com uns dentre aqueles que sufocam a voz
dos pais é a crença de que o com portam ento da criança se deva a ra­
zões psicopatológicas. Os pais que estejam convencidos disso são
levados a ter sentim entos exagerados de pena, ansiedade e culpa. Es­
ses sentim entos, então, levam a uma sensação de incom petência e uma
dupla necessidade de apaziguar e com pensar, o que acaba por intensi­
ficar o com portam ento-problem a ao invés de reduzi-lo. Assim, o desa­
fio do terapeuta é ajudar os pais a libertarem -se do estado de passivi­
dade induzido por suas próprias convicções.

91
Convicções psicopatológicas

Com freqüência acredita-se que estabelecer exigências e regras seria


irrelevante ou mesm o nocivo quando os problem as com portam cntais
da criança se devem a causas mais profundas, com o, por exem plo, ex­
periências traum áticas ou conflitos inconscientes. Em tais casos, en­
tende-se que a criança necessitaria mais de terapia do que de disci­
plina. Assim, os pais são levados a tentar disciplinar a criança somente
após esses problem as mais profundos estarem sanados adequadamente.
Essa atitude está duplamente errada. Primeiro, porque crianças
que sofrem de problem as psicopatológicos não têm m enos necessidade
de regras do que crianças ditas “norm ais” . Na realidade, o ideal pode
ser exatam ente o oposto, já que quanto mais caótico o mundo interno
da criança, maior a necessidade de ordem e estabilidade. Lim ites va­
gos ou inexistentes podem apenas piorar a confusão. Segundo, consi­
derações morais nunca deixam de ser cruciais no desenvolvim ento da
criança. U m a criança que esteja m entalm ente mal, deve ser ensinada,
exatam ente com o no caso de uma criança sadia, a distinguir o bem do
mal. Assim, um esquizofrênico que não tenha sido educado quanto à
moral estará em pior condição do que um que tenha sido ensinado a
respeitar os direitos dos outros. A noção de que a saúde mental deve
ter prioridade sobre o desenvolvim ento moral é, portanto, absurda.
M uitos terapeutas não têm consciência do fato de que suas m en­
sagens podem enfraquecer os pais. Assim, muitos pais que estejam
convencidos de que o com portam ento de seus filhos seja fruto de con­
flitos inconscientes, de traumas reprimidos ou de problem as de desen­
volvim ento, podem acabar concluindo que a correção ou m elhora
dessa situação é um assunto para um especialista. Apesar de a maioria
dos terapeutas não concordar com isso, a conclusão dos pais é com pre­
ensível: se o com portam ento da criança é proveniente de causas que
vão além do entendim ento deles, e somente pode ser com preendido
depois de anos de estudo e experiência clínica, como poderiam eles
pretender lidar com o problem a? Uma das queixas mais com uns entre
terapeutas é a de que os pais querem que eles (os terapeutas) resolvam
o problem a no lugar deles (pais). O que não se costum a notar é que,

92
ao menos em parte, essa atitude dos pais tem sido involuntariam ente
reforçada pelos terapeutas.
Em nossa experiência, os pais têm reagido m uito bem à re-des-
crição, por parte do terapeuta, do com portam ento desregrado da cri­
ança com o um indício normal de um natural egoísm o hum ano e de um
anseio universal por com odidade, prazer e poder, ao invés de traum as
ou patologias. Assim, a criança não é, a priori, nem dem ente nem par­
ticularm ente má, mas m eramente turbulenta e naturalm ente egoísta.
Contudo, a persistência da im potência parental pode agravar essas ten­
dências. O desafio dos pais passa a ser, então, estancar tudo aquilo que
possa vir a ser um a tendência da criança a se corrom per. Essa pers­
pectiva dá legitim idade às iniciativas dos pais que seriam absurdas em
um contexto psicopatológico. Mas não estaríam os assim estigm ati­
zando a criança de uma forma nova, trocando o rótulo psicopatológico
por um rótulo moral? Acreditamos que não. Estam os falando de um a
tendência universal de entender que a criança é esperta e forte o sufici­
ente para tentar conseguir o que deseja. Com efeito, quanto mais con­
sigam os ajudar os pais a perceberem e considerarem a força e a astúcia
da criança na luta pela sobrevivência, mais eles serão capazes de lutar
contra as tendências negativas dos filhos.

A mãe de um m enino de 15 anos, divorciada, descreveu com o o


filh o entornava o prato no chão sempre que a comida não esti­
vesse ao seu gosto. O trecho abaixo fo i transcrito da segunda
sessão de terapia:

M ãe: Eu não entendo o porquê de ele fa z e r isso! Parece uma


doença. Talvez ele tenha impulsos sádicos. Se ao m enos eu p u ­
desse descobrir o que o está incomodando! Pode ser algo ligado
ao tempo do divórcio... Ele fo i traum atizado p o r cenas m uito d e­
sagradáveis. Talvez ele esteja repetindo, inconscientemente, o
que ele viu.

Terapeuta: Talvez ele se com porte desse modo p o r saber que


pode ganhar a partida!

93
M ãe: M as p o r que ele gostaria de agir assim ? Isso é doentio!

Terapeuta: M uitas crianças gostam de dem onstrar sua força.

M ãe (rindo com ironia): Você fa z isso parecer quase desejável.

T erapeuta: Não acho que seja doentio. A o m enos p o r enquanto.


Acredito que agir assim o excita. Você me disse uma vez que ele
gritou com você e a expulsou do quarto dele na fre n te dos am i­
gos. Acho que isso fo i muito excitante para ele, quase um or­
gasm o de poder: “Veja só o que posso fa z e r ! ”

M ãe: E possível que isso se torne uma perversão sexual? Pode­


ria ele tornar-se um sádico ?

Terapeuta: Ele poderia gozar de seu po d er absoluto cada vez


mais. As pessoas fica m viciadas nesse tipo de prazer. Ter tudo
ao seu próprio je ito é algo que pode corrom per qualquer um.

M ãe: Isso é horrível, é perigoso! Ele tem que ser parado!

A m ãe esperou uma oportunidade para entrar no quarto do filho


quando ele estivesse com seus amigos. Q uando ele gritou para
que ela saísse do quarto, ela mandou os am igos em bora com
firm eza, dizendo que seu filh o não estava em condições de rece­
ber visitas. Os amigos, muito sem graça, fo ra m embora. O ra­
paz fic o u furioso, mas o fa to veio a ser um prim eiro passo para a
recuperação da voz ativa da mãe.

Pena, culpa e ansiedade

Nos pais, o sentim ento de culpa alimenta o de pena e am bos garantem


um suprim ento contínuo de ansiedade. E os três podem reduzir até a
voz pessoal mais vibrante a um inexpressivo sussurro.

94
Em “Cham ar ou não a polícia” (C apítulo IV), descrevem os uma
mãe que afirm ava que não seria uma mãe de verdade se não tivesse
pena de seu filho. Mas será verdade? A creditam os que a com paixão e
não a pena, é um sentimento adequado para com filhos crescidos. A
com paixão tem origem em um senso de igualdade (com = junto, pai­
xão = sofrim ento), enquanto a pena é um sentim ento que se tem por
quem seja mais fraco ou inferior. Na com paixão, a dor alheia é consi­
derada porque tam bém considero a m inha própria dor. Isso não ocorre
na pena: a dor alheia tom a toda a cena, e o outro não é visto com o um
semelhante. A pena, assim, anula a reciprocidade. Os pais conseguem
com preender o golpe que é desferido na auto-estim a da criança quando
usam os expressões ou atitudes de pena, pois não é possível apiedar-se
sem transm itir uma visão de que o outro é menos capaz. A criança
pode, então, ou aceitar as mensagens de inferiorização ou revoltar-se
contra elas. Assim, a pena gera, no prim eiro caso, o ódio a si próprio
e, no segundo, ao outro. Por um m otivo sem elhante, a pena tam bém é
m uito diferente do am or maduro. Para que am em os nossos filhos
com o pessoas (e não apenas com o objeto de nosso sentim entalism o),
precisam os nos sobrepor à pena que sentíam os de nossos filhos quando
eles ainda eram pequenos c incapazes.
M uitos danos são também causados pelas tentativas incessantes
dos pais de jam ais sentir culpa: é com o se o desejo dos pais de ser bons
e justos para com os filhos fosse tão grande que todos os m eios que
lhes perm itissem sentir-se assim fossem legítimos. M uitos filhos são
peritos em tirar vantagem dessa fraqueza dos pais. Eles sabem que a
mais sutil acusação de injustiça costum a ser o bastante para que os pais
façam de tudo para provar o contrário. Contudo, os pais deveriam ter
consciência de que uma criança que se sinta discrim inada, jam ais será
convencida que não o é pelas tentativas de com pensação dos pais.
Pelo contrário: os esforços dos pais m ostram à criança que eles devem
se sentir em débito. Pais e filhos podem ver-se presos a esse ciclo vi­
cioso por toda a vida.

Um viúvo de 75 anos fo i a um psicoterapeuta devido tis insaciá­


veis exigências de seu filh o m ais novo (44 anos), que vivia com

95
ele. O filh o sempre se sentiu discrim inado em relação à irmã
m ais velha (que era casada e vivia em sua própria casa). N o de­
correr dos anos, p o r meio de intermináveis queixas sobre o
quanto o p a i seria injusto com ele, o filh o conseguiu fa z e r com
que o p a i lhe desse quatro carros, uma generosa m esada (ele
trabalhava intermitentemente). Além disso, o p a i lhe legou a
m aior parte de seus bens em seu testamento. A pesar disso, o f i ­
lho vinha pressionando o p a i para que ele pusesse a casa em seu
nom e imediatamente. O pai afirm ava que a casa já havia sido
legada a ele pelo testamento. M as o filh o reclamava que a irmã
iria certam ente questionar o docum ento e, uma vez que ela tinha
dinheiro, acabaria ganhando a causa; ele continuaria sem uma
casa e ela estaria m ais e m ais rica. O pai cedeu e o filho, m esmo
assim, não fic o u satisfeito; ele queria agora que o pai remobili-
asse a casa. D urante uma discussão entre os dois, ele disse ao
pai: “Se você não me ama de verdade, pode ir m orar com a sua
filh a e me deixar em paz em minha c a sa !’’ O viúvo ligou para o
terapeuta dias depois para cancelar a segunda sessão: ele havia
se m udado para a casa da filha. Esperam os que seu destino seja
m elhor do que o do Rei Lear.

Para quebrar o ciclo crescente de sentim entos de culpa e conciliação,


acreditam os ser de grande valia que os pais façam um “Curso de vaci­
nação contra a cu lp a ”. Fazemos com que eles percebam que, seja o
que for que eles façam, a culpa é inevitável: serão culpados tanto por
resistir quanto por ceder (adolescentes mimados às vezes acusam os
pais de não os prepararem para a vida). Os pais sorriem diante dessa
obviedade e tornam -se bem mais dispostos a aceitarem nossas suges­
tões no “Curso de vacinação contra a culpa” .
São os seguintes os temas do curso:

1. Que, frente às acusações dos filhos, eles confessem a própria culpa,


mas sem m udar as suas decisões;
2. Q ue eles recusem continuar discutindo as acusações; e

96
3. Que eles busquem oportunidades para dem onstrar um a injustiça
construtiva em seu próprio com portam ento para com os filhos.

A m ãe de uma adolescente agressiva, que havia m uito não estava


conseguindo suportar suas queixas de injustiça, ligou para o psi-
coterapeuta para dizer que havia acabado de bater o telefone na
cara da filh a no meio de uma conversa. A m enina havia ligado
para a mãe, que estava no trabalho, para reclam ar da preferên­
cia da m ãe pela irm ã e, p o r conta disso, exigir uma com pensa­
ção na m esada daquela semana. A m ãe ligou para o terapeuta
logo depois de bater o telefone. Nervosa, ela disse que havia li­
gado não só para pedir ajuda mas, também, para que o telefone
fica sse ocupado caso a filh a ligasse outra vez. Um m ês depois, a
mãe disse que estava orgulhosa de seus “progressos em injustiça
construtiva ”. Pela prim eira vez em vários anos, ela também viu-
se livre do ressentimento crônico que tinha em relação à sua f i ­
lha.

Caso 9: “Injusto, mas presente!”

Susana e M arcos tinham cinco crianças com vários tipos de problem as,
inclusive uso de drogas, hábitos obsessivo-com pulsivos e brigas vio­
lentas. M arcos queixava-se de não ter espaço em casa: qualquer coisa
que tentasse fazer seria sabotado por Susana. Ela sem pre se m antinha
do lado dos filhos, mesm o em detrim ento de decisões às quais tivesse
chegado de com um acordo com o marido. Assim, depois de ele e Su­
sana terem concordado em com prar um skate para o filho mais novo (9
anos), com o presente de aniversário (tendo recusado, por ser perigoso,
um jogo de dardos que o menino havia pedido), M arcos descobriu que
a esposa tambcm com prara o jo g o de dardos. Algum tem po atrás, Su­
sana tam bém havia pago uma viagem cara para o outro filho (18 anos)
sem consultar M arcos. M ais recentem ente, havia perm itido à filha
única (16 anos) ir a um festival de jazz com os amigos (os quais, os
pais sabiam , eram envolvidos com drogas), mesmo M arcos tendo ex­

97
pressam ente proibido. Em algumas dessas ocasiões, M arcos reagira
com violência física contra Susana.
M arcos disse que seu maior desejo era ter um a fam ília à qual ele
se sentisse pertencer realmente. As constantes “traições” da esposa,
contudo, faziam com que ele se sentisse um estranho. Susana, por sua
vez, disse que o que ela mais queria era que M arcos estivesse do seu
lado na educação dos filhos. M as ele só reclam ava e criticava, ten­
tando lidar com tudo com o que por controle remoto. M arcos sabia que
Susana não agüentava lidar com os filhos sozinha. Ela, por sua vez,
reconhecia que preferia levar uns trancos dele do que agüentar as pres­
sões das crianças.
Os pais de Susana eram sobreviventes do holocausto. Ela era fi­
lha única e seu papel sempre foi o de com pensar o sofrim ento pelo
qual os pais haviam passado. Ainda hoje, quando o pai de Susana a
visita, ela se sente obrigada a satisfazer os seus menores desejos. O
m esm o também acontecia com os filhos: era com o se eles tivessem
aprendido com os avós! Susana não estava contente com seu papel.
Contudo, ela sentia que M arcos apenas a tornava ainda mais vulnerá­
vel às exigências dos filhos. Nas sessões, sem pre que M arcos se quei­
xava de suas traições, Susana se apagava. Porem, certa vez, quando
ele a abraçou, ela ficou alerta e envolvida.
M arcos também fora criado com o filho único em um triste lar.
Seu pai m orrera quando ele tinha apenas cinco anos e a mãe perm ane­
ceu em um estado de desinteresse apático por vários anos. Ele só tinha
conhecim ento de uma vida familiar ativa por meio de filmes ou de
breves contatos com outras famílias. Filhos com famílias de verdade o
enchiam de inveja. Ele se casou com a intenção de constituir uma
fam ília com o sem pre sonhara, mas a parcialidade de Susana em favor
das crianças e em detrim ento dele, parecia confirm ar que ele era desti­
nado a ser um excluído.
M arcos e Susana sentiam-se fortem ente privados de presença
pessoal em casa. M arcos sentia-se excluído de seu lugar na família e
Susana sentia-se privada de sua vontade própria. Ambos sentiam-se
sozinhos e sem voz ativa. O terapeuta disse crer que as necessidades
de M arcos e Susana, além de serem com patíveis, reforçavam -se mutu­

98
amente: à m edida em que M arcos conquistasse um a posição efetiva na
fam ília, Susana recuperaria sua habilidade para expressar sua própria
vontade; inversam ente, à medida em que Susana se sentisse apoiada,
M arcos se sentiria não excluído. O terapeuta propôs um plano que
envolvia “injustiça construtiva” para ajudá-los: sem pre que M arcos
percebesse Susana contrariando uma decisão que fosse de ambos, ele
deveria tom ar a iniciativa de cancelar essa concessão e perm anecer por
perto e atento no sentido de ter certeza de que sua ordem seria cum ­
prida. Em cada uma dessas situações, ele deveria dizer ao filho em
questão que o que ele estava fazendo era injusto, mas que, com o pai,
ele havia decidido agir de maneira injusta. Para m ostrar à Susana (e às
crianças) que ele não estava contra ela, eles sairiam juntos a cada vez
que ele se servisse da “injustiça construtiva” . Susana, por sua vez,
concordaria de antemão com M arcos em seu direito de se fazer pre­
sente daquele modo.
M arcos em polgou-se rapidam ente pela idéia. “Injustiça constru­
tiva” tornou-se seu lema. E não tardou em se m ostrar útil, reforçando
uma decisão que ele havia tom ado em uma situação de crise com um
de seus filhos (18 anos). O rapaz chegou em casa estranho. Pressio­
nado, confessou que havia usado ácido. M arcos disse, então, ao filho,
apesar dos gestos de aflição de sua esposa, que ele não poderia ficar
em casa se estivesse usando drogas. Seu quarto seria revistado regu­
larmente e ele deveria m anter os pais sem pre inform ados de seu para­
deiro. O rapaz, com raiva, deixou a casa por duas semanas.
Alguns dias depois ele voltou para casa. M arcos entrou im edia­
tamente no quarto do filho e fez uma inspeção com pleta. R espon­
dendo às queixas do filho de que aquilo era um a invasão de privaci­
dade, disse que havia decidido, com o pai, agir de um a m aneira injusta.
Deixou claro, mais uma vez, que se o filho quisesse ficar, teria que
acatar as regras. M ais tarde, à noite, M arcos levou Susana ao cinema.
Essa ocasião serviu de m odelo para outros eventos bem -sucedi­
dos. M arcos, contudo, ainda criticava Susana por não o defender mais
decididamente. Ele levou alguns meses para reconhecer que a esposa
poderia facilm ente manter sua aliança com os filhos, às custas dele, se
ela assim o desejasse. Susana, na verdade, estava m antendo a porta

99
aberta para a entrada do marido na família. Ela ficou radiante quando
Marcos reconheceu a contribuição que ela vinha prestando.
A relação entre os dois não se tornou tão harm oniosa quanto que­
riam, mas quase não houve mais traições e a violência física cessou.
Marcos, por sua vez, sentia que havia conseguido o lugar que tanto
queria na família.

A voz dos pais

Todos sabem os da diferença entre uma atitude que tom am os por con­
vicção íntim a e outra que tom am os por conveniência ou por pressões
externas. Quando o ato não é uma expressão de nossas próprias idéias,
sentim os-nos tolhidos e um tanto ausentes. Quando é, sentim os-nos
inteiram ente presentes. Evidentem ente, o mesmo ocorre com os pais:
se suas ações na educação não forem fruto de suas próprias necessida­
des, sentim entos e valores, eles se sentirão um tanto ausentes.
Nós, com o terapeutas, costum am os não considerar essa obvie­
dade. Por exem plo, freqüentemente, terapeutas com portam entais igno­
ram as objeções dos pais de que o reforço (prêmio) é um a form a de
suborno; terapeutas hum anistas não mostram m uito respeito pela opi­
nião dos pais de que os resultados não são menos im portantes do que
os sentim entos; e terapeutas familiares se opõem aos desejos dos pais
por um profundo envolvim ento pessoal com a criança. Essa falta de
consideração não pode ser justificada pelo argum ento de que as cren­
ças e desejos dos pais são patológicos. Temos evidentem ente o direito
de crer que nossas noções terapêuticas são boas e legítimas. Contudo,
a cada vez que im pom os nossos valores aos pais, pagam os um preço:
as ações dos pais soarão algo ocas, tanto para eles mesm os quanto para
seus filhos.
A voz dos pais também fica com prom etida quando lhes é solici­
tado que se com portem de um modo que não seja próprio de seus esti­
los individuais, mesm o se o com portam ento estiver de acordo com
seus valores. Assim , não ajuda em nada esperar que um pai fechado se
torne expressivo e quente ou que um a “m ãezona” venha a ser rigorosa
na correção dos com portam entos inadequados dos filhos. E, mesmo

100
que os pais consigam manter, por um certo tempo, essa m udança esta­
belecida artificialm ente por um terapeuta. Tanto eles quanto os filhos
vão esperar que “a nova m oda” seja abolida na prim eira oportunidade.
Os filhos dizem: “Logo eles vão se cansar” . E os pais dizem: “Até
quando terem os que continuar com isso?” Para am bos os lados, o pro­
gram a não é nada mais do que um recurso temporário.
M as, será que isso significa, então, que estam os condenando os
pais a perm anecerem do jeito que são? Imagine um a fam ília na qual
os pais sejam defensores ferrenhos da idéia de um am biente fam iliar
dem ocrático; eles têm um estilo natural de desorganização espontânea
e seu principal objetivo atual é libertarem-se da rígida educação que
tiveram. Com o poderíamos contribuir para a restauração da autoridade
desses pais sem desfigurá-los?
Felizm ente, os valores e estilos de cada pessoa são multifaceta-
dos. A qualquer mom ento, dentro de nossas mentes, há vários circui­
tos que ainda não foram usados ou que estão meio que adorm ecidos.
Com pete ao terapeuta encontrar, entre essas tendências próprias dos
pais, a que m elhor possa ser aproveitada em favor da meta comum.
Ao invés de proporm os uma maneira “certa” de com o se criar os fi­
lhos, devem os procurar uma forma para que estes pais consigam vir a
criar seus filhos melhor. Como veremos, se conseguirm os um a con­
gruência entre o program a terapêutico e as peculiaridades ainda não
utilizadas dos pais, poderem os tornar pais que pareciam fracos e des­
motivados em pais envolvidos e decididos.
Nos dois casos seguintes, o problem a não era apenas o rum o que
deveria ser proposto aos pais, mas, principalm ente, com o ajudá-los a
reassumir a tarefa de educar em consonância com seus valores morais
e em resposta aos mais íntimos desafios de suas vidas.

Caso 10: Com o criar filhos “por dúzia”

Eram doze filhos nessa família de judeus ortodoxos. A filha m ais ve­
lha tinha apenas 16 anos. O pai, Hershel, passava a m aior parte de seu
tempo na Yeshivah (um a escola religiosa) estudando a lei dos rabinos.
A mãe, Esther, sentia-se totalm ente exausta.

101
f ih f/r ,U ° n enta?ao ao psicólogo da escola a respeito de seu
filho M auricio, de 12 anos, que estava tendo problem as de aprendiza­
gem Poiem , um a vez na presença do terapeuta, ela deixou de lado os
pioblem as de M aurício e com eçou a se queixar incessantemente da
e im possível de se criar doze crianças sapecas. Levá-las à escola
no ho ian o certo ou colocá-los na cam a era uma tarefa sobre-humana
Ate mesm o os bebês pareciam estar ansiosos para com eçarem lo^o a
andar para se juntarem à bagunça. Esther freqüentem ente perdia a
cabeça e com eçava a dar palmadas. Às vezes ela simplesmente en­
trava em colapso e ficava deitada na cama. Hershcl exercia mais auto-
i idade, mas som ente enquanto ele estivesse diretam ente envolvido com
as crianças. No entanto, logo após chegar à casa, corria para os livros,
deixando Esther sozinha para segurar a barra.
Tudo vinha correndo bem até o nascim ento do quarto filho
Isaac, que estava, ao tempo do tratamento, com 13 anos. Ele era o
mais esperto dos filhos c um estudante brilhante. Seu professor exal­
ava sua extraordinaria memória. Entretanto, em casa, ele era o chefe
do bando. Esther, scnt.a-se em desvantagem frente ao brilho intelectual
do filho. Eu nao sou nada com parada a ele!” Isaac dava o exemplo de
desobediencia total e era entusiasticam ente seguido pelos outros ir­
mãos. Chatear a mae tornou-se um esporte; m entir virou rotina. Aos
poucos a desobediência se alastrou para fora de casa. Assim, apesar
a ptoibiçao expressa dos pais, as crianças mais velhas participaram
ativam ente das cam panhas eleitorais, inclusive das brigas nos comi-
C IO S .

s vezes, Hershel e Esther tentavam instituir alguma campanha


paia m elhorar o am biente na casa. Por exem plo, no Tu-Bi-Shvat o
fenado das plantas e das árvores, eles com eçaram um programa
veide de lenovaçao: as crianças receberiam ordens uma única vez
Piem ios e castigos seriam aplicados sistem aticamente. As crianças
"ao deram bola, prevendo que a estratégia falharia por ela mesma.
Esther logo descobriu que não conseguiria sustentar o projeto. E o
program a foi por água abaixo como todos os anteriores.
Esther com entou com o terapeuta que Hershel, com o um homem
lehgioso, era bastante cetico quanto a psicólogos. Ademais, apesar de

102
estar preocupado com as dificuldades escolares de M aurício, ele
achava que com os outros não havia nenhum problem a: “crianças eram
assim m esm o e tudo ficaria bem no final”, pensava Hershel. A pesar
disso, ele concordou em conversar com o terapeuta, mas apenas por
um a vez. Sabendo que Hershel seria cético quanto às sugestões de um
psicólogo sem formação religiosa, o psicoterapeuta consultou um ra­
bino antes da sessão.
A sessão com eçou mal. Hershel deu a im pressão de que havia
ido a contragosto. Ele respondia lacónicam ente às perguntas do tera­
peuta, dizendo que não havia nenhum problem a com seus filhos. Es-
ther disse que alguns deles estavam mal encam inhados. A filha mais
velha, por exem plo, estava ficando cada vez mais atrevida. Hershel
disse que era exagero dela. Esthcr respondeu que os filhos já estavam
se envolvendo em com ícios, apesar da proibição dos pais. Hershel
hesitou, dando a oportunidade pela qual o terapeuta esperava.

Terapeuta: Gostaria de dar-lhes uma sugestão que pode fu n c io ­


nar e na qual você, Esther, não vai precisar fa z e r p apel de
contadora, o que decerto fa lh a ria em se tratando de doze
crianças.

Esther: Sim, eu tentei m onitorar os com portam entos deles, mas


as crianças logo perceberam que eu não conseguiria fa z e r isso
p o r m uito tempo.

H ershel: Posso dizer uma co isa ? Acho que você vai nos pedir
que coloquem os uma das crianças como responsável. Já tenta­
m os e não deu certo.

Terapeuta: Acho que vou propor algo que vocês ainda não ten­
taram. Pode ser um bocado estafante no prim eiro mês. O
estágio inicial é como uma batalha: o estabelecimento das
regras, a luta pela autoridade e pelo respeito a vocês. A questão
é, se vocês vão achar se vale ou não a pena fa z e r um esforço
concentrado para recuperar o respeito de seus filhos.

103
Hershel: A questão é se vai ou não funcionar.

Terapeuta: Eu proponho que todas as noites, às oito, vocês p o ­


nham todos os filh o s (com exceção dos bebês, naturalm ente)
sentados à m esa de ja n ta r e digam: “Estam os aqui para que
cada um de vocês pense no que fez. no dia de hoje, fa ç a um
exame de consciência e veja se fe z algo de errado. ” D ito isso,
vocês irão esperar. Se ninguém disser nada, vocês sim plesm ente
continuem esperando. Esperem e esperem e m antenham -nos
sentados. Repitam a fra se de hora em hora. A pós três horas, às
l i da noite, mandem todos para as suas camas, sem mais
palavras. Na noite seguinte, procedam exatam ente do mesmo
modo.

H ershel: Eles vão caçoar disso tudo. Eles podem continuar sen­
tados e caçoando a noite toda.

Terapeuta: Ótimo. Eles vão com eçar caçoando. N ão p o r toda a


noite, como você diz, mas p o r somente três horas. Vocês con­
trolam o tempo e devem perm anecer calados e sérios, apesar das
risadinhas. Na noite seguinte, quando vocês com eçarem tudo de
novo, eles terão percebido que as risadinhas não serviram prá
nada.

H ershel: Temos um filh o muito inquieto, que certam ente vai se


levantar e com eçar a pular pela casa.

Terapeuta: Você pode segurá-lo, faz.endo-o perm anecer sentado


à mesa.

H ershel: E o que teremos disso tudo?

Terapeuta: Alguém vai acabar tomando a iniciativa e confes­


sando um mau comportamento. Talvez não na prim eira ou se-

104
gunda noite. Mas, com certeza, alguém vai acabar querendo sa ­
ber o que acontecerá depois cla confissão cle um erro. Q uando
isso acontecer, perguntem : “Como você imagina com pensar o
que você fe z? Como você pode reparar o seu erro ? ” Expliquem
aos m ais novos o que significa reparar um erro. A penas pergun­
tem e esperem. A espera, o silêncio e o tédio estarão do lado de
vocês. Alguém vai quebrar o silêncio, confessando algum a coisa
e propondo uma maneira de reparar o erro. Vocês devem anali­
sar a proposta p o r alguns minutos, dizer que pode ser uma boa
idéia e, em seguida, fa la r ao filh o (ou filh a ) que se abriu que ele
está liberado para ir dormir. Os outros devem perm anecer
sentados.

Na noite seguinte, vocês devem perguntar àquela criança que se abriu,


se ela fez o que havia proposto. Caso não tenha feito, ela deverá en­
contrar uma forma de garantir a vocês que o fará no dia seguinte. M ais
um a vez, deixem que o silêncio, o tédio c a espera funcionem. Se eles
fizerem algum a brincadeira, apenas continuem a esperar. A credito que
eles vão com eçar a pressionar uns aos outros a confessarem -se e todos
vão acabar propondo uns aos outros idéias para a reparação do erro.
Vocês podem não acreditar, mas irão ver que é exatam ente isso que vai
acontecer.
Q uando três ou quatro já tiverem falado, encerrem a sessão. V o­
cês não devem recom endar ou punir, mas perguntar e aguardar. A
iniciativa e o controle são de vocês, mas não deverão dar ordens ou
sugestões. E hora dos seus filhos exam inarem a si mesm os e proporem
melhoras. Aos poucos, uma nova dinâm ica será iniciada.

H ersh el (em um tom diferente): Acredito que você possa estar


certo. Da maneira como as coisas estão agora as crianças se
mantém apegadas às criancices delas. Porém, acredito que os
m ais novos não vão se dar conta do que estará acontecendo.

Terapeuta: Talvez vocês só devessem incluir as crianças de 5


anos ou mais. Quando passar a haver uma m elhora no com por-

105
lam ento das crianças, vocês podem passar a fa z e r as sessões so­
m ente duas vezes p o r semana. No entanto, é m elhor retomar as
sessões diárias caso venha a haver alguma recaída.

H ershel: M as p o r que à noite? Talvez fo sse m elhor fa z e r a reu­


nião quando estivessem todos brincando, antes de escurecer.

Terapeuta: O que importa é que todos estejam em casa.

H ershel: Podem os fa ze r com que todos estejam. Então, poderei


estudar algum as horas a m ais à noite, depois de eles irem
dormir.

Terapeuta: Ótimo!

H ersh el (depois de um longo silêncio): E se eles tornarem-se


m uito rebeldes no dia seguinte p o r estarem nervosos e cansados?

Terapeuta: Eles deverão, então, apresentar propostas para repa­


rar essa rebeldia.

H ershel (novam ente após uma longa espera): E se Isaac ou seu


irmão m ais velho encontrarem uma fo rm a de sabotar o projeto?
E se eles, na hora, sumirem?

Terapeuta: Isso pode ser um problema, m as talvez possam os


encontrar uma solução.

H ershel parecia ainda cético. Ele parecia irritado e ficava o tempo


todo apontando algum problema. O terapeuta perguntou, então, se ele
era contra a idéia com o um todo. Ele respondeu evasivam ente, di­
zendo que só queria averiguar os detalhes. No fim da sessão, o tera­
peuta passou para eles seu telefone de casa, deixando-os à vontade
para esclarecerem quaisquer dúvidas que aparecessem. Esther anotou
o número. Hershel fez uma reverência educada e fria e saiu.

106
O terapeuta ligou uma sem ana depois. Esther disse que a idéia
estava dando certo. O terapeuta estranhou o fato de ela não ter m ar­
cado um a segunda sessão. Contudo, as coisas se esclareceram em uma
outra conversa, três meses depois. Esther, tendo reconhecido a voz do
terapeuta, respondeu com entusiasmo:

Estou m uito fe liz p o r você ter ligado! Bendito seja D eus! B en­
dito seja D eus! Você não pode nem im aginar com o estou agra­
decida a você. H ershel em polgou-se com a idéia. A s crianças
reagiram bem já no prim eiro dia. M antivem os as reuniões diá­
rias por três sem anas! Agora estam os fa zen d o só uma sessão
p o r semana. H ershel gostou tanto cjue tem vindo da Yeshivah na
hora do almoço para estudar com as crianças. Isaac está encar­
regado de selecionar os textos e ajudar o p a i a ensinar a lição.
Eu não posso nem acreditar! A casa m udou e o próprio M aurí­
cio está indo m elhor na escola. Bendito seja D eus!

Na realidade as perguntas aparentem ente críticas e os longos silêncios


de Hershel não eram sinais de resistência. Q uando eu relatei o caso
para a m inha filha mais velha, que entende m uito de escritos rabínicos,
ela me contou a história do Rabino Yohanan ben Zakkai e seu discí­
pulo Rish-Lakish. Sobre cada ponto da lei sobre o qual o m estre fa­
lava, o discípulo levantava 24 objeções; para cada um a das objeções o
Rabino ben Zakkai apresentava uma explicação. No entanto, Rish-
Lakish veio a morrer. Após a morte dele, o Rabino ben Zakkai perdeu
o am or que tinha por dar aulas porque nunca mais apareceu nenhum
discípulo que o desafiasse tão bem quanto Rish-Lakish. Na realidade,
no contato que tivemos com Hershel, não conseguim os perceber o
quanto ele estava considerando e gostando da proposta! Ao invés de
representarem resistência, suas objeções racionais, eram , na realidade,
o início de um processo de assimilação pelo qual Hershel, aos poucos,
foi m odificando a proposta apresentada pelo terapeuta em algo verda­
deiram ente seu. A idéia das crianças confessarem suas falhas e depois
sugerirem idéias de com o as reparar tocou bem fundo nos valores pes-

107
soais de Hershel. E isso fez com que ele sentisse que, aí então, estaria
falando com sua própria voz.

Caso 11: Tratar criança com o criança e não com o um ente divino

M aria era filha única, nascida quando Eva, a mãe, tinha 48 anos e o
pai, João, tinha 56. João tinha um filho de outro casamento, William,
com o qual não linha contato desde quando M aria era bebê. João
contou que cortara todos os laços com a antiga esposa e o filho,
quando descobriu que ela era lésbica, pois tem ia que a permanência do
contato o fizesse voltar à relação conjugal. João deixou-os com a casa
e todo o dinheiro que econom izara ao longo da vida. Tempos depois,
casou-se com Eva, almejando vir a ter uma família. Eva, contudo, só
conseguiu engravidar dez anos depois, quando já fazia muito tempo
que ambos haviam desistido da idéia. Para João, M aria era um pre­
sente dos céus - um anjo, um ser de beleza e alegria. Ela existia para
ser adorada. Eva concordava externam ente, mas não parecia conven­
cida.
João e Eva procuraram a terapia quando M aria, agora com 4
anos, resolveu não mais freqüentar o jardim de infância. Ela queria
ficar em casa para sempre. Para M aria, João era o m elhor dos amigos
e Eva a m elhor das professoras. Sua babá também era m uito melhor
com panheira que as professoras do jardim de infância. M aria também
determ inou que os pais não poderiam sair de casa a não ser que fosse
para trabalhar. Por que eles precisariam de outros am igos? Ela deve­
ria ser tudo para eles; e eles, tudo para ela. M aria parecia estar perfei­
tam ente satisfeita com as coisas do jeito que estavam. Era um a criança
m im ada e alegre.
Se Eva e João quisessem sair, tinham que fingir que estavam
indo trabalhar. A filha só concordava depois de um longo interrogató­
rio. D orm ir era outro problema: M aria só ia para a cam a depois de
m eia-noite e um dos pais tinha que ficar com ela até que adormecesse.
Além disso, ela ainda só se alimentava através de m am adeira, rejei­
tando qualquer com ida sólida com exceção dos doces.

108
Eva estava exausta. Ela não tinha descanso e apenas, a muito
custo, conseguia convencer a filha a apagar as luzes às onze e meia da
noite. Eva tinha que trazer um presente para M aria todos os dias. A
filha a recebia perguntando “O que você trouxe hoje?”
A pesar disso, João e Eva estavam encantados. M aria era a vida
deles. Eles sabiam que ela teria que crescer. M as com o? João brin­
cava e ria com ela e ficava adm irando-a. Ele nunca a faria chorar; a
mera idéia disso já lhe soava absurda. Ele perguntou ao terapeuta se o
fato de eles irem à terapia faria com que M aria voltasse ao jardim de
infância. Se fosse assim, ele seguiria o tratamento. Contudo, se em
algum m om ento fosse necessário que ele viesse a fazer a filha chorar,
ele não colaboraria.
Nos últim os tempos, João estava ficando curioso com relação a
seu filho. H avia notícias de que W illiam teria se tornado um bom es­
tudante e um bom atleta. João im aginava a possibilidade de encontrar-
se com ele e de W illiam e M aria se conhecerem e se gostarem . O tera­
peuta imaginou que a obstinação de João em não frustrar a filha pode­
ria estar relacionada ao sentim ento de culpa que ele sentia por ter
abandonado o filho. No seu entendim ento, tendo sido mau no passado,
ele deveria agora ser o pai mais bondoso possível. Eva, por sua vez,
parecia estar mais inclinada a vir a ter um a atitude equilibrada e rea­
lista para com a filha. A seguinte m ensagem do terapeuta deu início às
mudanças nos pais:

O nascim ento de M aria fo i um m ilagre para vocês. D epois de


tantos anos de desilusões, ela veio com o uma criança encantada
de um conto de fadas. E como pais de contos de fadas, vocês se
sentem como cpte em dívida com o destino e obrigados a agir de
m odo condizente com a graça que receberam. M aria deveria
estar sem pre alegre. Frustrá-la ou ser exigente com ela não se ­
ria apenas cruel, mas ingrato, quase um sacrilégio. Para fa la r a
verdade, vocês até que estão se saindo bem nessa tarefa: M aria
parece realm ente estar feliz. Vocês a descrevem como uma m e­
nina que sorri o tempo todo. Assim como vocês poderiam estra­
gar isso tudo fazendo-a chorar?

109
Contudo, esse sentimento está quase impedindo que vocês
sejam pais, pois vocês se comportam muito mais como servos do
que como pais. M aria na verdade talvez esteja crescendo quase
que privada de pais.
A história de vocês é bastante triste, pois, mesmo depois de
tantos anos de sonhos frustrados, vocês podem estar perdendo a
grande oportunidade que apareceu para vocês. Você, João, no
passado, sofreu uma tragédia semelhante: perdeu sua chance de
ser pai. Você sentiu que não tinha alternativas, mas não que­
rendo fic a r com a consciência pesada, deixou tudo o que tinha
para sua ex-esposa e seu filho. Porém, você perdeu aquela
oportunidade de ser pai. Sua dor ainda pode ser percebida pelo
modo como você fa la de seu filho. Acredito que agora você es­
teja tendo uma chance de com pensar aquela tragédia. Você está
tendo uma segunda chance de ser pai. Se perder essa oportuni­
dade, sua vida terá sido uma dupla tragédia.
Você, Eva, está começando a entender que quando cede
aos m ínim os desejos de Maria, você é subtraída de seu papel de
pessoa e de mãe, tornando-se, simplesmente, uma provedora,
uma serva. Para ajudar Maria, você deve, primeiramente, aju­
dar a si mesma, voltando a ser uma pessoa com necessidades e
vontades próprias. Somente voltando a ser a "Eva ” é que você
conseguirá ser uma mãe para Maria.
Quero que vocês pensem sobre isso e cheguem a uma deci­
são sobre a terapia. Não tenho como fa z e r com que M aria volte
ao jardim de infância ou com que vocês recuperem a voz ativa
como indivíduos e como pais se vocês estabelecerem condições
ou decretarem, de antemão, que não a fa rã o chorar. Ela terá
que chorar exatamente como as outras crianças. Se não, ela vai
continuar sendo um anjo e, assim, não vai fa z e r parte desse
mundo. E, se isso acontecer, ela poderá vir, no futuro, a não
perdoar vocês. Se vocês aceitarem essa proposta, poderem os
desenvolver um program a em que M aria não venha a ser p ri­
vada clas coisas que ela realmente precisa.

110
A mensagem modificou o clim a das sessões. Conseguiu fazer ressur­
gir nos pais as experiências que seriam úteis para tornar a criação de
um a filha em uma tarefa de crescim ento pessoal para eles próprios.
João com eçou a levar a filha diariam ente ao jardim de infância. Eva
aboliu os presentes diários, a m amadeira e a rotina da hora de dormir.
M aria reagiu bem: ela percebeu que outras crianças e o jardim de in­
fância poderiam ser bem mais divertidos do que seus pais. João ainda
passou um certo tempo pensando em uma form a de entrar em contato
com W illiam , mas o medo foi maior do que a vontade c ele desistiu da
idéia.
Capítulo VI

Autoridade Flexível
C o m o qualquer idéia, a idéia dc presença parental pode ser aplicada
com rigidez excessiva. Isto sói ocorrer quando a com petição pelo
poder se intensifica e tanto os pais quanto a criança se entrincheiram
mais e mais em suas próprias posições. A relação se encontra então
em perigo de limitar-se à guerra pura. Isto é o que temos de prevenir.
Em bora não haja maneira de evitar-se questões dc poder, o objetivo
dos pais deve ser o resgate da presença parental e não a capitulação
incondicional da criança. A presença parental envolve o diálogo com a
criança e não um m onólogo 110 qual a criança perm anece passiva.
Seria absurdo querer prom over a presença parental através da abolição
da presença filial! Portanto, quando um círculo vicioso se cria, no qual
a possibilidade de diálogo gradualm ente dim inui, é preciso m udar de
direção. Tais mudanças de direção fazem com que o processo de
resgate da voz dos pais jam ais seja um processo em linha reta. Um
certo zigue-zaguc é necessário, pois a criança rebelde é, ao mesm o
tempo, a adversária da autoridade dos pais e o objeto dos seus maiores
cuidados.
Os sintom as típicos de um círculo vicioso são facilm ente
reconhecíveis: (a) os pais e a criança reagem um ao outro mais e mais
negativamente; (b) todo contato positivo desaparece, e (c) pais e
criança desenvolvem uma visão m útua negativa e estereotipada.
Devemos, entretanto, lembrar que ao avaliarm os estes sintom as é
importante considerar não somente sua aparição com o tam bém sua
persistência. Reações negativas da criança são inevitáveis quando
pais, previam ente paralisados, começam a retom ar as rédeas do
processo. O que deve ser prevenido não c a aparição destas reações,
mas sua transform ação em sintomas crônicos.
A capacidade de reconhecer um erro e de m udar o rumo, não c
sinal de fraqueza ou de falta de determinação. Ao contrário, a pessoa
com falta de confiança própria é que, freqüentem ente, se sente
am eaçada por mudanças de roteiro. Em nossa experiência, os pais são
particularm ente inflexíveis no princípio do processo terapêutico,
quando eles ainda se sentem inseguros. A m edida em que vão ficando
temperados pela em preitada, eles se tornam mais flexíveis e sentem-se
mais capazes de reconhecer erros e abandonar exigências
dem asiadam ente rígidas. Este ganho em flexibilidade c que transforma
impasses cm novas avenidas de diálogo.
Mas com o podem os saber se as posições dos pais tornaram -se tão
rígidas que é chegado o mom ento de m odificá-las? A resposta tem a
ver com sentim entos de humilhação. Com freqüência, à m edida em
que os pais rcasseveram sua presença, a criança sente um a perda de
poder. Para ela isto pode significar um golpe severo à sua auto-estima.
Quando este sentim ento se torna dominante, um im passe pode surgir.
Algo deve então ser feito para rem ediar a ofensa causada.
No vai-e-vem de relações de poder, há uma tendência trágica pela
qual os hum ilhados, quando se vêm por cima, tornam -se opressores.
Pais também caem nesta tentação. Assim, na luta por sua voz ativa, os
pais freqüentem ente vêm a expressar suas novas dem andas de uma
maneira agressiva, que é ressentida pela criança com o um a ofensa c
uma ameaça. Sentindo-se encurralada, a criança responde na mesma
moeda. É então que o reconhecim ento, por parte dos pais, de que a
criança tem direito a uma solução honrosa, pode restabelecer o
equilíbrio da balança e abrir novas opções.
Às vezes, contudo, enquanto os pais se recusarem a m odificar não
só o estilo, mas também o conteúdo de suas exigências, o impasse
perm anecerá insolúvel. Isto é especialm ente com um com
adolescentes, para quem a violação dos limites de sua individualidade
é uma questão vital. Isto ocorre devido à sensação do adolescente de

116
que a criação de um espaço privado, c a escolha independente de um
cam inho de vida, são suas tarefas centrais de desenvolvim ento. Os
pais, por seu lado, têm a tarefa paralela de abrir espaços para a
autonom ia da criança. O problem a é que, para os pais de crianças
rebeldes, a abertura destes espaços, assim com o retirada de quaisquer
exigências, parece im possível, pois a seus olhos isto seria o mesmo
que consentir no processo de deterioração. Não seria isto o contrário
de tudo o que apregoam os neste livro?
Às vezes, afrouxar um pouco é absolutam ente necessário. Isto se
dá quando se cria um impasse intransigente e perigoso, no qual o
adolescente recusa-se totalm ente a aceitar toda e qualquer direção
parental. Tentativas dos pais nesta direção, podem então conduzir a
uma escalada de agressão, que chega rapidam ente a níveis alarmantes.
E então chegado o m om ento de reexam inar a estratégia parental.
Evidentem ente, os pais não podem voltar a seus papéis anteriores de
vítimas: o adolescente terá que aceitar o direito deles à auto-protcção.
Os pais, por seu lado, terão que aceitar os limites de sua própria
influência. Esta barganha pode trazer um gosto am argo de derrota;
mas também alguns proveitos de alto valor.

Caso 12: O trabalho de desespero

Bernardo era escorregadio como sabão: se um professor o irritava, ele


desaparecia; se seus pais não lhe davam dinheiro, pedia esm olas nas
ruas; se eles se atreviam a perguntar onde ele havia estado, desaparecia
até bem tarde da noite ou até o dia seguinte; se os pais am eaçavam
trancar-lhe a porta, os antecipava dorm indo num jardim público. Por
outro lado, Bernardo era também explosivo: em sua escola anterior (da
qual ele havia sido expulso), seus acessos de ira eram lem brados como
eventos de proporções quase mitológicas. Bernardo passava a maior
parte de seus dias com seus am igos num centro de jogos de vídeo. Ele
mendigava algumas fichas e provavelm ente também roubava. Tinha
apenas 14 anos, mas todo o mundo em sua volta sentia que ele era já
muito velho.

117
O pai de Bernardo, João, havia batido nele uma única vez. Nessa
ocasião, Bernardo foi à polícia e registrou queixa contra ele. João foi
preso por alguns dias. Bernardo estava triunfante: agora o pai não teria
mais nenhum poder contra ele. Como para com provar que assim era,
Bernardo denvolveu o hábito de bater no pai. João, temendo a
polícia, limitava-se a cobrir a cabeça contra os tapas. Bernardo tinha
certeza que seus pais jam ais apelariam à polícia contra ele: eles
tem iam que se Bernardo fosse preso ele com eteria suicídio ou se
tornaria crim inoso.
Recentem ente, Bernardo havia feito uma visita à sua antiga escola,
entrara em sua antiga classe no meio da aula e fazendo gestos obscenos
à professora. A polícia foi cham ada e Bernardo foi enviado a um
conselheiro tutelar, que opinou que Bernardo deveria ser enviado a um
reformatório. O juiz, entretanto, resolveu dar a Bernardo mais uma
chance. João c Liliana vieram então à terapia com a intenção de fazer
todo o possível para manter Bernardo em casa.
Bernardo tinha certeza que seus pais o tirariam do aperto. Ele
também acreditava que a orientadora de sua nova escola viria em sua
ajuda. Esta crença tinha fundamento. A equipe da escola, dirigida
pela orientadora, havia feito enorm es esforços para o ajudar. Eles o
deixavam estudar o que ele queria, quando queria e com quem queria.
Levando em consideração sua perene inquietude, eles lhe permitiam
passear livrem ente pela escola, também durante as aulas. Este plano,
em bora praticam ente nulo do ponto de vista escolar, tinha ao menos a
virtude de dim inuir os atritos. E, de fato, houve poucos incidentes
desagradáveis na nova escola. Os pais achavam que este programa era
pura cam uflagem . Entretanto, não achavam que eles próprios estavam
agindo de maneira melhor: também eles estavam comprando calma a
preço de fechar os olhos.
João era mais próxim o a Bernardo do que Liliana e, apesar dos
choques, continuava sendo um pai afetuoso. Liliana confessou entre
lágrimas ao terapeuta que seu am or por Bernardo estava se acabando.
A pesar das recom endações de uma terapeuta anterior, que havia
sugerido que Liliana mostrasse amor a Bernardo, quaisquer que fossem
as circunstancias, Liliana sentia-se incapaz de encenar um afeto que

118
não sentia. Bernardo, por sua vez, acusava a mãe de gostar mais de
seus irmãos (de 9 e 16 anos) do que dele. Às vezes ele pedia à mãe
para abraçá-lo c beijá-lo. Liliana, entretanto, achava que isto acontecia
som ente quando ele havia feito algo de errado e queria o abraço e o
beijo com o sinais de perdão incondicional. Ela se sentia num beco
sem saída: quando cedia a Bernardo, ela se sentia enganada; quando
não, sentia-se um a má mãe.
O terapeuta convidou Bernardo para a segunda sessão com os pais.
No início Bernardo pareceu disposto a colaborar, mas quando o
terapeuta sugeriu que os pais se sentassem com ele cada noite para
fazer o program a do dia seguinte, Bernardo protestou horrorizado:
“Eles são ate capazes de querer que eu faça os deveres de casa!” A
sessão descam bou para uma gritaria e Bernardo com eçou a fazer
am eaças contra Deus c todo o mundo. O terapeuta perdeu o controle c
disse que se Bernardo voltasse a bater em seu pai, julgando-se seguro
por causa da polícia, ele poderia ter certeza de que o terapeuta iria à
delegacia e contaria à polícia a história inteira. Algum as horas depois,
Bernardo telefonou ao terapeuta, gritando que “sua vida tinha se
tornado m uito pior desde a sessão” . Ele jurou que nunca, nunca, nunca
mais botaria o pé no consultório do terapeuta. João e Liliana,
entretanto, ficaram satisfeitos porque, finalmente, alguém havia
tom ado o seu partido. Eles até pensaram que a fúria do terapeuta fazia
parte do seu método!
Bernardo passava o tempo inteiro peram bulando e visitando urna
espelunca de jogos eletrônicos. O terapeuta sugeriu que os pais
fizessem visitas de surpresa ao local. Quando eles o fizeram , Bernardo
fugiu e sumiu por uma noite c um dia. M as, depois de três ou quatro
visitas dos pais ao local, Bernardo com eçou a dim inuir suas
peram bulações. Ele também voltou a jo g ar basquete (no passado ele
havia se destacado em vários esportes). Quando João viajou para o
exterior a negócios, Bernardo pediu de presente um jo g o caro de
com putador. João telefonava do exterior diariam ente, sim plesm ente
para conversar com Bernardo, mas ao mesm o tem po esclarecia que
não iria trazer o jogo. Liliana esperava um a explosão.
Surpreendentem ente, Bernardo ficou contente em ter seu pai de volta

119
com um pequeno presente (bem menos caro do que o jogo desejado).
Também na escola houve somente um incidente em seis sem anas, uma
ótima média para Bernardo.
Apesar destes sinais positivos, Bernardo não estava fazendo nada
de construtivo. Os pais, por seu lado, já se sentiam prontos a dar mais
um passo. Eles vieram com uma exigência modesta, mas clara: que
Bernardo passasse meia hora por dia com um deles, fazendo alguma
atividade escolar. Bernardo entrou em pé de guerra: sumiu por noites
inteiras, parou de dizer onde estava, cobriu seus pais de vitupérios e
tornou-se violento na escola. Em um de seus acessos de fúria,
aterrorizou um outro garoto a ponto de este ficar por horas trem endo
na sala do diretor, alegando que a turma de Bernardo estava esperando
na rua para acabar com ele. Quando uma professora tentou fazer com
que Bernardo entrasse na sala do diretor para conversar, cie a
empurrou e ameaçou matá-la. A polícia foi cham ada e B ernardo
atacou um guarda. João e Liliana foram à delegacia buscá-lo.
Todo mundo ficou alvoroçado: o terapeuta recebeu cham ados de
emergência de Liliana, do diretor e do conselheiro tutelar. A tentativa
de fazer com que Bernardo estudasse um pouco havia levado a uma
escalada insuportável. A escola queria expulsar Bernardo
imediatamente. O conselheiro tutelar achava que a única saída era o
reformatorio. O juiz em cargo do caso de Bernardo marcou uma
sessão dentro de quinze dias para decidir sobre o reformatorio.
Bernardo, por seu lado, não dem onstrava nenhum temor. Pelo
contrário, ele estava mais truculento que nunca.
Os pais perguntaram ao terapeuta se ainda seria possível remediar
a situação. Haveria ainda algo a fazer? Seria possível convencer a
escola a fazer mais uma tentativa? Uma sessão foi convocada, na qual
participaram o terapeuta, o conselheiro tutelar, o diretor da escola,
João e Liliana. Liliana argumentou, convincentem ente, que Bernardo
não havia, até hoje, dem onstrado com portam entos típicos de
delinqüente: não usara drogas, não assaltara, não esfaqueara. Num
reformatorio ele aprenderia a fazer tudo isto. O terapeuta opinou que a
idéia do reformatorio talvez tivesse mais a ver com a raiva e a
impotência dos adultos, do que com qualquer opção terapêutica real.

120
Ele pediu alguns dias de prazo para desenvolver um a proposta
alternativa.
Após uma consulta com alguns colegas, o terapeuta marcou uma
sessão com os pais. Ele lhes disse que, do ponto de vista de Bernardo,
havia uma profunda diferença entre exigências parentais que
almejavam fazê-lo estudar ou fazer algo construtivo e, por outro lado,
posições que os pais tomavam com o medida de auto-proteção. O
terapeuta propôs que os pais declarassem a Bernardo que eles estavam
decididos a abandonar toda e qualquer tentativa de orientação positiva
a ele, mas estavam igualmente decididos a lutar para se protegerem e
para proteger o lar da exploração e violência de Bernardo. Os pais
perguntaram ao terapeuta se isto não era sim plesm ente um a confissão
de desespero. O terapeuta respondeu que, num certo sentido, sim.
Mas o desespero poderia ser construtivo. Os pais e o terapeuta
redigiram, então, a seguinte m ensagem a Bernardo:

“Chegamos à conclusão de que não podem os orientar ou influenciar a


você de uma maneira positiva. Não podem os fa z e r você estudar, nem
lhe oferecer um m odelo de comportamento. Também não podem os
salvá-lo de todo e qualquer aperto. A ceitam os com o inevitável o fa to
de que você não suporta ser orientado ou guiado p o r nós ou p o r
qualquer outra pessoa adulta. Com preendem os que, para você,
obedecer a um adulto é um ato de rendição incondicional.
Respeitarem os esta posição, porque sabem os que não há je ito de
mudá-la. Entretanto, não serem os m ais abusados ou explorados. N ós
respeitarem os os seus limites e você terá que respeitar os nossos. N ós
não lhe direm os m ais que você tem de estudar ou m udar suas
am izades ou sua companhia. M as não aceitarem os m ais violência
nenhuma em casa. N ão lhe diremos aonde ir, m as você terá de dizer-
nos aonde você está. Do contrário nós nos sentirem os explorados, o
que não vamos tolerar. ”

Cham am os este plano de trabalho de desespero. Os pais fariam o


possível para elim inar toda esperança sobre as suas ilusões de
influência e sobre os seus sonhos de com o poderiam ajudar a

121
Bernardo. Entretanto, os pais não estariam perdendo as esperanças
com Bernardo: este poderia, eventualmente, tom ar decisões positivas
sobre a própria vida. Tampouco estariam os pais deixando de acreditar
na sua própria capacidade de proteger-se e de proteger o lar contra a
exploração e a violência. Os pais compreenderam perfeitam ente que o
que eles tinham a fazer era um trabalho interno de liberação de suas
esperanças ilusórias.
Os pais responderam p<. ivamente e o terapeuta fez, então, um a
proposta semelhante à equipe da escola. Não haveria m ais
camuflagem: eles diriam a Bernardo que não podiam fazê-lo estudar.
Eles lhe permitiriam ficar na escola somente quando ele estivesse na
classe e se ocupasse de alguma atividade escolar. N o m om ento em
que ele se decidisse a sair da classe, teria de ir para casa, pois do
contrário eles se considerariam explorados. Se resistisse, eles
chamariam a polícia. O diretor perguntou quem seria legalmente
responsável por Bernardo, quando ele fosse m andado para casa. O
terapeuta disse que os pais assinariam um docum ento assum indo a
responsabilidade. O terapeuta tomou a iniciativa de colocar a equipe à
par da mensagem que os pais haviam transm itido a Bernardo. A
equipe da escola aceitou a idéia. O conselheiro tutelar também ficou
convencido e pediu ao juiz para adiar a sessão por mais dois meses.
Bernardo reagiu bem. Ele começou a ir de m anhã à escola e
permanecer um par de horas na classe. Quando saía da classe, ele era
enviado para casa. Não houve mais incidentes problem áticos. A
tensão em casa também diminuiu. Depois de um mês de calma,
Bernardo fez um passo que foi considerado com o inaceitável por
Liliana e João: ele decidiu por um piercing 110 queixo. Liliana e João
consideraram isto uma afronta que não estavam dispostos a engolir.
Por que justam ente 0 piercing despertou de tal maneira a resistência
dos pais permanece um tanto misterioso. Entretanto, ambos disseram
que eles se sentiriam mal cm sua própria casa se Bernardo andasse
com um piercing no queixo. Eles lhe com unicaram de maneira
definitiva que não o deixariam entrar em casa com o anel. Bernardo
tentou todos os seus truques para realizar o seu plano. Ele até
telefonou ao conselheiro tutelar, dizendo que seus pais não tinham

122
direito de intervir neste assunto. Este, recusou-se a tom ar partido.
Com o era de se esperar, Bernardo resolveu ignorar a proibição dos pais
e veio para casa com o anel no queixo. Liliana entrincherou-se em
casa e recusou-se a deixá-lo entrar. Bernardo telefonou ao pai, mas o
pai não foi mais flexível. Bernardo pediu à mãe que lhe retirasse o
piercing. Ela respondeu que ele teria de fazê-lo sozinho. Duas horas
depois, Bernardo voltou ao médico que lhe havia inserido o piercing e
este o retirou. Ao voltar para casa ele nem sequer m encionou o
episódio.
Nos próxim os meses, a atmosfera perm aneceu calma. Bernardo
com eçou a ter um a relação mais positiva com a mãe. Às vezes parecia
que ele tinha saudades dos seus sermões. Ele im itava seus gestos c seu
tom de voz, dizendo em tom de gozação: “Se você com eçasse a fazer
algo de construtivo, você teria uma resposta apropriada de nossa
parte!”
A mãe sorria, mas não caia na tentação de brigar ou responder com
um sermão. Agora ele passava a m aior parte do dia cm casa,
assistindo televisão, jogando com seus velhos jogos de com putador e
queixando-se de tédio. Ele parou de ir ao local dos jogos eletrônicos.
No dia da sessão com o juiz, João declarou que ele bem sabia que
ele e Liliana haviam fracassado com o pais e que não tinham nada de
positivo a oferecer a Bernardo. Se a corte tivesse algum a proposta
positiva, ele estaria pronto a colaborar. Liliana apoiou-o. O ju iz
exam inou todos os dados e decidiu que não havia no m om ento
nenhum a razão para enviar Bernardo a um reformatório. N a últim a
sessão terapêutica, João disse que talvez B ernardo não tivesse sido
ajudado, mas eles sim. Tanto ele com o Liliana sentiam que a casa
havia se tornado num lugar melhor. Liliana disse que ela se sentia
muito m elhor sem camuflagens. A gora Bernardo teria que se defrontar
por si próprio com a realidade. Só o tempo dirá o quanto isto o
ajudará.

123
Capítulo VII

Envolver a criança na terapia


T a n t o pais corno profissionais consideram evidente que a criança tem
que ser pessoalm ente envolvida na terapia. Entretanto, quando se trata
de restabelecer a presença parental, nem sem pre este pressuposto é
válido. Isso porque são exatam ente os pais os principais clientes e
agentes de mudança, e a decisão habitual de envolver a criança na te­
rapia poderia até ter um efeito negativo. Isto acontece, por exem plo,
quando a criança consegue m onopolizar as sessões ou utilizá-las tão
somente com o fonte de inform ação sobre os planos dos pais, a fim de
saber com o m elhor neutralizá-los. Um crítico poderia retrucar que isto
não quer dizer que a criança não deva ser incluída, pois o terapeuta
está lá justam ente para neutralizar tais situações. Entretanto, uma m a­
neira igualm ente legítima de preveni-las, seria a decisão de excluir a
criança das sessões.
Sem dúvida, quando pais e criança têm uma m eta com um , o en­
volvimento da criança na terapia pode ser m uito positivo. H á também
casos em que é necessário transm itir mensagens terapêuticas à criança.
Isto se dá, por exem plo, quando os pais e a criança desenvolvem entre
si uma percepção totalm ente negativa: tal processo leva, freqüente­
mente, a um ciclo vicioso. Para quebrar este ciclo, pais e terapeuta
devem buscar um a maneira de expressar um real respeito pelo rebelde:
isto ajuda a resolver o im passe e a rem ediar os danos que possam ser
causados.

127
M etas e inim igos com uns

Há um a frase dos pais que poderia facilm ente ganhar o título da mais
usada e inútil da história universal: “Isto é para o seu bem !” Pais con­
tinuam repetindo este refrão, apesar do fato de que, provavelm ente,
jam ais houve uma criança sequer que tenha respondido: “O brigado,
papai! O brigado, mamãe! A gora sim, entendi!” As vezes, com o
tempo, muitas crianças vêm a descobrir que o conselho dos pais não
era tão ruim quanto parecia. Este reconhecim ento tardio, entretanto,
jam ais chega enquanto os pais continuam martelando: “Isto é para o
seu bem !” Parece que esta fórm ula tem o efeito de fechar os olhos e
ouvidos da criança, ao invés de abri-los.
Por que então os pais mantêm tal atitude? Provavelm ente porque
o objetivo seja de tão alto valor. Os pais sentem que se fosse possível
transm itir à criança sua própria experiência, todos os problem as seriam
resolvidos! Infelizmente, isto não é possível. A sabedoria dos pais
não é um substituto ao desenvolvim ento da própria experiência da cri­
ança. A experiência dos pais é, evidentem ente, um a parte da m atéria
prim a que a criança utiliza na construção da sua própria. M as ela ja ­
mais será mais do que matéria prima. E, m esm o assim, a criança terá
que adaptá-la e m oldá-la à sua própria com preensão e necessidade. Na
verdade, um a boa parte da m atéria prim a da experiência dos pais aca­
bará sendo rejeitada, por ser inadequada aos novos tem pos ou aos inte­
resses e estilo da criança.
Os pais, entretanto, nem sempre podem dar-se ao luxo de esperar
que a criança lentam ente selecione e assim ile a m atéria prim a de sua
experiência. Por exem plo, se a criança se põe a experim entar por
conta própria violência, drogas, delinqüência e prom iscuidade, não vai
sobrar muito da criança ao cabo do experimento! Os pais então sentem
que é absolutam ente vital transm itir-lhe a m ensagem “Isto é para o seu
bem !” É por isto que os pais se vêem quase forçados a continuar ba­
tendo na m esm a tecla.
O objetivo é, assim, criar um a ponte sobre a barreira que separa
os pais da criança, ao invés de tentar derrubá-la por repetidos ataques
frontais. O terapeuta pode representar um papel im portante na criação

128
desta ponte: sabendo que a criança não pode aceitar, sem m odifica­
ções, os term os colocados pelos pais, o terapeuta pode servir de tradu­
tor, tentando criar um a linguagem e um a meta comuns.
Há várias m aneiras de ajudar a com unicação entre pais e criança.
Há terapeutas que colocam a ênfase num a fala mais clara e aberta.
O utros, tentam desenvolver uma percepção m útua mais em pática. Uns
terceiros dão preferência ao desenvolvim ento de acordos m útuos for­
mais. Uma das contribuições mais originais nesta área é a de M ichael
W hite e D avid E pston,1 que inventaram um procedim ento para
personalizar o problem a da criança em form a de um inimigo com um ,
contra o qual a criança e os pais devem lutar. Ao definir o problem a
com o o vilão da história, W hite e Epston criaram um a linguagem tera­
pêutica que é aceitável tanto por adultos com o por crianças. É com o se
um Esperanto da fam ília tivesse sido descoberto!2

Caso 13: D efinir um inimigo com um

M aurício e D afna não entendiam o que vinha acontecendo com Daniel,


filho deles de 13 anos, antes um m enino brilhante, adm irado por todos.
Daniel dim inuíra trem endam ente seu aproveitam ento na escola até
que, todos em volta, inclusive os pais, com eçaram a duvidar de sua
capacidade. A escola exigia que Daniel fosse transferido para um a
outra, m ais adequada a seu baixo nível de funcionamento.
O único resultado das tentativas dos pais de fazerem com que
Daniel voltasse a estudar, foi muito mais brigas e m uito m enos coope­
ração. A conduta negativa de Daniel com eçou a espalhar-se para no­
vas áreas: ele com eçou a recusar-se levantar pela m anhã e voltava para
casa tarde da noite. M aurício e D afna ficaram chocados ao descobrir
que os professores de Daniel falavam dele quase que com m enosprezo.
Como era de se esperar, Daniel reagia à altura, m ostrando a eles des­

1 W hite, M. & Epston, D. (1990). Narrative Means to Therapeutic EnclsL N ew York:


Norton.
2 Embora os casos seguintes tenham sido influenciados por W hite e Epston, minha
cnfase permanece o resgate da voz dos pais. Quaisquer desvios da abordagem
original de White e Epston são da minha responsabilidade.

129
prezo e falta de consideração. Nos últim os tempos ele havia com eçado
a com er durante as aulas e, às vezes, levantava-se em m eio à aula e
saía sem m aiores explicações.
D afna tentara desenvolver uma atitude mais severa do que a
usual, e M aurício uma mais flexível. N ada parecia dar certo. Com
relação aos pais, Daniel ainda se com portava razoavelm ente bem, mas
som ente quando não ocorriam exigências. Se os pais dem onstravam
quaisquer expectativas, a conversa deteriorava. A única pessoa que
Daniel ainda respeitava era seu irmão mais velho, que era piloto de
aviões a jato.
O terapeuta pediu aos pais que trouxessem Daniel com eles para
a segunda sessão. Ele perguntou a Daniel se ele achava que a atitude
da escola para com ele era justificada. Daniel disse que os professores
o perseguiam. O terapeuta perguntou se os professores tinham consci­
ência de sua capacidade mental. Daniel respondeu que eles não perce­
biam nenhum valor nele, mas que isso não o incomodava. O terapeuta
perguntou a Daniel e aos pais se haviam outras pessoas, que também
haviam sido afetados por esta onda de m enosprezo c que, hoje, tinham
uma opinião mais negativa sobre Daniel do que no passado. Aos pou­
cos, Daniel reconheceu que até alguns de seus am igos gostavam dele
menos do que no passado. Os pais também confessaram que, às vezes,
eles acreditavam menos na capacidade de Daniel do que anteriorm ente.
O terapeuta perguntou a Daniel se não acontecia de ele próprio com e­
çar a duvidar de sua própria capacidade. Daniel disse que sim. O te­
rapeuta concluiu que uma “epidem ia de m enosprezo” parecia estar
contam inando todo o mundo. O “m enosprezo” havia gradualm ente
convencido os professores de que Daniel era incapaz. A m edida que
foi triunfando, o “m enosprezo” com eçou tam bém a levar os am igos,
parentes e pais de Daniel a duvidarem de seu potencial. Parecia que
até m esm o Daniel, ao menos às vezes, caía na arm adilha do “m enos­
prezo” , vindo a duvidar de suas próprias chances de sucesso. A ssim , o
“m enosprezo” estava se espalhando e contam inando a tudo e a todos.
Tanto os pais quanto Daniel adotaram esta form a de falar, refe-
rindo-se ao “m enosprezo” com o se fosse uma entidade. O terapeuta
disse que talvez um dos golpes mais baixos do “m enosprezo” era o de

130
convencer Daniel que ele era seu amigo. Assim, levando Daniel a m e­
nosprezar outros, o “m enosprezo” lhe dava a ilusão de estar a seu lado.
M as isto era exatam ente o que o “m enosprezo” queria. Pois quanto
mais Daniel m enosprezava os outros, mais eles o m enosprezavam em
revide. Era só um a questão de tempo até que o veneno viesse a pene­
trar com pletam ente nas defesas de Daniel. Tam bém os pais sentiam
que suas vidas estavam caindo nas garras do “m enosprezo” : eles esta­
vam perdendo a auto-estim a com o pais e respeitando D aniel cada vez
menos. À pergunta do terapeuta se teria havido ocasiões nas quais o
"m enosprezo" tivesse sofrido algum a derrota, mesm o que pequena e
tem porária, os três responderam que às vezes eles conseguiam m anter
um a atitude positiva, apesar das tramas do “m enosprezo” .
O terapeuta perguntou a Daniel se ele estaria interessado em usar
os dois últim os meses do ano letivo para com bater o "m enosprezo".
Daniel poderia ver isto como uma experiência científica, pois depois
de provar seu próprio valor, ele poderia decidir com o preferiria viver
no futuro. Daniel gostou da idéia. O terapeuta disse que, com o o
tem po era curto, se ele queria de fato agir com seriedade, ele deveria
preparar-se para uma batalha difícil, que envolveria um treinam ento
duro, não m uito diferente do treinam ento de um piloto de aviões. D a­
niel não respondeu. O terapeuta disse que, com o a batalha poderia ser
dura dem ais para Daniel e para seus pais, ele lhes daria alguns dias
para refletir. Para ajudá-los na decisão, ele em prestou-lhes um a fita de
vídeo sobre um grupo de homens que haviam se decidido a fazer tudo
o que pudessem para lutar não só contra o m enosprezo, mas também
contra o ódio e a condenação social. O filme era Os doze condenados
{The D irty Dozen).
Daniel voltou à terapia pronto para a luta. Os pais, contudo, que­
riam saber porque o terapeuta havia lhes em prestado Os doze conde­
nados, sendo que o filme tratava de crim inosos. O terapeuta respon­
deu que era porque os crim inosos haviam conseguido redim ir-se de
seus crim es através de esforço e devoção totais. Daniel, era claro, não
havia feito nada de moralmente errado. Entretanto, nas próxim as se­
manas, sua força de vontade e determ inação seriam colocados a prova

131
Por exem plo, Daniel teria que levantar bem cedo pela m anhã e os
pais teriam que exigir que isso realmente acontecesse. A ssim com o
em Os doze condenados, a grande crise viria provavelm ente com o
prim eiro castigo: o recruta teria então que decidir, se ele iria desistir ou
ranger os dentes e seguir em frente. Se Daniel não estava pronto a
agüentar um castigo, seria m elhor que ele já o dissesse de im ediato,
pois todo o esforço seria vão. Daniel disse que agüentaria.
O resto da sessão foi dedicada à seleção de um time de treinado­
res de alto gabarito. Os pais ficariam a cargo da rotina diária e de
contratarem três professores particulares bem exigentes, que seriam
escolhidos para as disciplinas mais difíceis (M atem ática, H istória e
Inglês). O pai se propôs a correr com Daniel todas as noites. O irmão
foi contatado por telefone e ficou encarregado de planejar o treina­
mento físico. A mãe ficou encarregada de ajudar Daniel a preparar a
agenda diária e de traçar com ele os gráficos que apresentariam as
m etas e os progressos.
D epois de cinco dias m uito positivos, Daniel recusou-se a levan­
tar pela manhã. O pai confiscou-lhe m etade dos CDs. Quando Daniel
com eçou a brigar, o pai disse que não se renderia ao "m enosprezo"
sem luta. Daniel rangeu os dentes e engoliu o castigo. Os resultados
foram m uito bons. Daniel fracassou em um exam e, mas foi m uito bem
sucedido em todos os outros. Entretanto, ele ainda achava que dois
dos professores o perseguiam. Os pais disseram que eles tam bém pen­
savam que algo na atitude da escola havia perm anecido m uito nega­
tivo. Daniel queria m udar de escola. Os pais resolveram verificar se,
com suas novas notas, ele poderia ser aceito num a escola que era até
mais considerada do que a que ele estudava na época. E ele foi aceito.

R espeitar o rebelde

É de sum a im portância procurar resolver situações nas quais se desen­


volvem visões mútuas puram ente negativas entre os pais e a criança.
Como já vim os, estas visões negativas são, às vezes, um efeito colate­
ral da própria luta pela presença parental. Torna-se, então, necessário
dar a mais alta prioridade ao tratam ento destas visões negativas. O

132
ponto crítico deste trabalho é, quase sempre, a questão da dignidade: se
o terapeuta conseguir desenvolver, juntam ente com os pais, um a ati­
tude de respeito para com o rebelde, de tal maneira que o sentim ento
de dignidade da criança seja resgatado, a crise poderá ser resolvida.
Esta atitude de respeito, entretanto, jam ais deverá enfraquecer os pais
ou servir de apoio aos atos destrutivos da criança.
M as por que, perguntariam os pais, exprim ir respeito pelo re­
belde justam ente quando estam os tentando debelar a rebelião? Não
seria m elhor esperar pelo menos até o com bate term inar? Esta espera,
entretanto, será inútil já que é precisam ente a visão negativa, que os
pais às vezes transm item , que im pede todo e qualquer desenvolvi­
m ento positivo. A expressão de respeito pelo rebelde poderá, então,
ter o efeito de solucionar o im passe e interrom per a escalada de hosti­
lidades entre pais e criança.
Poder-se-ia ainda argum entar, que o respeito pela criança não
deve conter um respeito pelo lado rebelde da criança. O pais poderiam
talvez dizer: “Eu respeito você, mas condeno a sua rebeldia!” A
questão, entretanto, é: a quem se referiria o “você” da m ensagem p a­
rental? Pois, quando pais e criança se entrincheiram em atitudes de
rejeição mútua, a idéia de rebeldia passa a preencher toda a visão que
os pais têm da criança. Dizer, então: “Eu respeito você, mas condeno a
sua rebeldia!”, seria o mesm o que dizer: “Eu respeito a criança que
você costum ava ser, mas não essa que você é agora!” Esta é, eviden­
tem ente, um a m ensagem de desrespeito! O que necessitam os, então, é
justam ente de um a dem onstração real e construtiva de respeito pelo
rebelde.
O respeito pelo rebelde, entretanto, não im plica em um a legiti­
mação dos atos destrutivos da criança. O objetivo da afirm ação de
respeito toca às atitudes legítimas que subtendem a rebeldia. U m a tal
afirm ação é o que em outras publicações denom inei de narrativa em ­
pática." N um a narrativa em pática as atitudes da pessoa são descritas
com o perfeitam ente lógicas, a tal ponto que, se estivéssem os nas mes-

3 Orner, H. (1997). Narrative empathy. Psychotherapy, 3 4 , 1 9 -2 7 . Omcr, H. &


Alon, N. (1997). Constructing therapeutic narratives. Norlhvale, NJ: Jason
Aronson.

133
mas circunstancias, poderíam os sentir e pensar de uma m aneira sem e­
lhante. No que toca à criança rebelde, a narrativa em pática nos pro­
porciona um a visão interna da rebelião. A quilo que, visto de fora, pa­
rece absurdo e irracional, visto de dentro, torna-se com preensível e
justificável.
Quem transm itiria esta mensagem em pática à criança? Às vezes
os pais, se eles conseguirem aceitar e concordar com a narrativa. Às
vezes, contudo, os pais temem que a criança interprete suas palavras
com o um sinal de fraqueza. Ou, talvez, o im passe entre pais e criança
pode ser tão profundo, que a criança não é capaz de captar nenhum a
mensagem positiva proveniente dos pais. O terapeuta pode, então,
funcionar com o um a terceira parte, uma parte neutra, transm itindo a
m ensagem , seja oralm ente, seja por carta. A criança passa, então, a
participar da terapia (ainda que às vezes só com o recipiente) e, ao m e­
nos tem porariam ente, um a tríade (pais-criança-terapeuta) é constituída.
Esta tríade, é de se esperar, será menos vulnerável a situações de im­
passe do que a díade original pais-criança.
Para que a posição dos pais também seja preservada, é de grande
im portância acom panhar a narrativa em pática da rebelião da criança
por um a narrativa igualmente em pática da atitude dos pais. E de se
esperar que esta dupla narrativa positiva venha a substituir a narrativa
hostil e negativa que impede qualquer progresso. Às vezes, mesm o
que um a reconciliação total não seja alcançada, ao m enos pode ser
dim inuído o desentendim ento total, que, no m om ento, dom ina o qua­
dro familiar. Outras vezes, a expressão sincera de respeito por parte
dos pais suscita um a resposta à altura por parte da criança. A presença
parental vem então de encontro à presença filial.

Caso 14: U m a dupla narrativa empática:


respeitar o rebelde e o carcereiro

M iguel voltou para Israel com seu pai, Ricardo, quando tinha 14 anos,
depois de viver nove anos na França com sua mãe. Ela o havia levado
para fora de Israel logo depois de seu divórcio, sem que o pai sou­
besse. Ele cresceu no exterior, sentindo-se só e diferente de todos.

134
Levou m uito tem po até ele aprender a língua e as outras crianças sem ­
pre gozavam de sua pronúncia e de suas m aneiras estrangeiras. Ele
tinha m uita saudade de sua antiga casa e, de m aneira surpreendente
para um a criança, assumiu a condição de um exilado. A pesar de ser
inteligente, ele era mau aluno. As coisas foram piorando até que, com
a idade de 12 anos, depois de haver faltado à escola por várias sem a­
nas, ele foi transferido para um a escola para crianças com problem as
de com portam ento. Com 14 anos ele fugiu de casa, dorm iu num ja r­
dim público e conseguiu perm anecer escondido por duas semanas,
evitando todas as buscas da polícia e da família da mãe. D epois disso,
juntou-se a um grupo de meninos de rua e fez am izades com vagabun­
dos e pessoas sem-telo. Ele com eçou a se ver com o pertencendo a esse
grupo. Passou a fumar e a beber e, durante os m eses seguintes, foi
preso duas vezes por roubo. A mãe entrou em pânico e telefonou ao
pai, pedindo-lhe que levasse M iguel de volta para Israel. M iguel, por
esse tempo, já havia perdido suas saudades da antiga pátria. Ele só
consentiu em ir a Israel para um a visita de experiência, depois que os
pais lhe prom eteram que ele decidiria por si mesmo onde iria viver.
Entretanto, quando depois de um mês em Israel, M iguel afirm ou que
queria voltar à França, o pai lhe disse que ele e a mãe haviam decidido
que M iguel perm aneceria em Israel. Para M iguel isto equivalia a um
segundo rapto: antes para a França e agora para Israel.
O pai trouxe M iguel para uma terapia depois de ele haver fugido
de casa. N ovam ente, M iguel havia dorm ido na praia por um a semana,
vivendo com os vagabundos. Q uando seu pai o encontrou, ele estava
bêbado. Encorajado pelo terapeuta, Ricardo pôs-se a vigiar M iguel
continuam ente. Durante todas as férias de verão, ele não deixou M i­
guel sozinho por um só instante. O pai m udou sua rotina diária, para
manter-se livre para este m onitoram ento. Ele m anteve M iguel longe
das “más com panhias”, da bebida e dos cigarros, e cuidou da aparência
do filho. M iguel protestou, mas não tentou fugir. D epois de um mês
nestas condições, ele até com eçou a ajudar o pai em seu trabalho de
carpinteiro artístico. M iguel explicou ao terapeuta que, para ele, isto
não era trabalho, pois ele só fazia aquilo porque lhe dava prazer. Ele
desenvolveu uma filosofia marginal e hedonista: trabalho e dever são

135
valores para o rebanho. Ele perm aneceria à parte, buscando prazeres e
associando-se com outros não-conform istas. Ele pôs-se a escrever
poem as surrealistas, a filosofar e a sonhar. Um dia, ele abriria um a
boate para esquisitões com o ele: isto lhe traria dinheiro e lhe perm itiria
encontrar-se com o tipo de pessoas com as quais se identificava.
M iguel m anifestou seu protesto contra esse “encarceiram ento” de
várias maneiras: ele falava debochadam ente com Ricardo e sua esposa,
gozava de seus valores e fazia tudo para atrapalhar a rotina da casa.
Além disto, em menos de um mês, conseguiu ser expulso da nova es­
cola. Ele não se interessou em fazer novas am izades com outras crian­
ças. M iguel desafiava o pai e os professores, que tentavam m udar a
sua m aneira de ser. Ele bem sabia que a força da lei estava do lado dos
adultos. M as, só enquanto ele fosse m enor de idade. A té os 18 anos,
ele contaria o tempo, com o um prisioneiro. M as ele jam ais alim entava
as expectativas de seus “carcereiros” a seu respeito. Ricardo, por seu
lado, estava decidido a continuar vigiando M iguel de perto, m esm o
que para isso fosse necessário sacrificar quatro anos de sua vida. Ele
não se daria por satisfeito com m enos do que ver M iguel agindo e es­
tudando com o um a criança normal.
A princípio, o terapeuta via M iguel e Ricardo conjuntam ente. As
posições dos dois, entretanto, pareciam totalm ente inconciliáveis. D e­
pois de três meses de terapia, o terapeuta transm itiu-lhes a seguinte
m ensagem (oralm ente e por escrito), com o intuito dc superar este im ­
passe:

“Miguel, quero lhe dizer como penso que você se tornou quem
você é. A história da sua vida transform ou você num renegado.
A princípio, você não escolheu este papel: ele lhe f o i imposto.
Você sofreu na condição de renegado, exilado e m arginalizado
durante toda sua infância. A té que um dia, não sei exatam ente
quando, você tomou a decisão criativa de assum ir a identidade
de renegado. Isto resgatou você do papel de coitado e de inca­
paz. É como se você estivesse dizendo: “Vocês m e renegaram, e
agora eu é que renego vocês! Vocês m e baniram, e agora sou eu
que estou banindo vocês! Saiam de m inha vid a !” A identidade

136
de exilado tom ou-se sua bandeira e a sua filosofia. A o invés de
ser menosprezado, você tornou-se o m enosprezador: O rebanho
conformista é que é digno de desprezo. Com esta escolha exis­
tencial você também desenvolveu duas atitudes de sobrevivência:
a provocação e a desqualificação. Quando você provoca, você
não é m ais uma vítima. E quando você desqualifica o outro, ele
é inferior, e não você. No seu reino, o renegado é rei.
Você também encontrou outros exilados e renegados aos
quais você veio a se juntar, de igual para igual. Eles tornaram-
se para você m ais im portantes do que todo o mundo. Você sente
saudades deles, assim como quando criança, você sentia sauda­
des de sua antiga casa. Você quer juntar-se a eles, não importa
o que os outros pensem. Eles são o seu povo. Estas suas atitu­
des, em bora pareçam absurdas às pessoas em sua volta, redim i­
ram você da condição de vítima.
Entretanto, para tudo há um preço. Você bem sabe que seu
estilo de vida é perigoso e que, em conseqüência dele, você pode
até morrer. A impressão que tenho é que você é um tipo de so-
brevivente. Por isto, espero que você possa fa z e r ambos: m anter
sua identidade e sobreviver.
Posso antever três cam inhos para seu futuro. O prim eiro é
o cam inho do conformismo. Este caminho, no que toca a você,
está totalm ente fechado. Embora seu p ai ainda nutra esperanças
de que você retorne a ele, você sabe m uito bem que isto é im pos­
sível. Para você, isto seria o m esm o que aceitar hum ildem ente a
rejeição e o desprezo dos outros. M enciono este caminho, não
porque haja qualquer perigo que você o tome, m as porque ele
ainda é uma fo n te de pressão sobre você. O segundo cam inho é
o cam inho da morte. Este cam inho passa pela rejeição com pleta
e total de qualquer outra opção ou espaço que lhe sejam ofereci­
dos. Paradoxalmente, ao escolher este cam inho você talvez não
esteja som ente m atando-se fisicam ente, m as tam bém m atando
sua liberdade de escolha. Isso porque, nesse caso, você não es­
taria escolhendo livremente seu cam inho mas, sim plesm ente, j a ­
zendo sem pre o contrário de tudo o que os outros sugerem.

137
Creio que às vez.es você se sente tentado a tom ar este caminho,
m as creio que outras vezes ele lhe parece excessivam ente estreito
e monótono. Quando, p o r exemplo, você escreve poesias ou fa z
algo p o r prazer e não sim plesm ente p o r ser o contrário do que
os outros dizem, você está fugindo do cam inho da morte. Isto
nos leva ao terceiro caminho: o cam inho da individualidade. A
essência deste cam inho é que você cultive sua identidade de exi­
lado e, ao m esm o tempo, cuide da própria sobrevivência. Por
exemplo, quando você sonha sobre a sua boate para tipos esqui­
sitos, você está cultivando sua individualidade. D o ponto de
vista da "sociedade normal", você perm anece um renegado, m as
do seu ponto de vista, você está cultivando suas opções.
Quero também dizer-lhe, honestamente, o que penso sobre o
papel de seu pai. Acho que ele, não m enos do que você, age da
única m aneira que lhe parece possível. Eu o intitularia um “car­
cereiro d evo to ”. Ele é, sem dúvida, um carcereiro, m as bem d i­
feren te dos outros. Assim como você, ele está lutando sua luta
existencial. Se ele cedesse, sentiria que, em fa c e ao passado,
estaria dando seu aval ao rapto que sua m ãe perpetrou e à con­
seqüente privação da convivência com um filh o que lhe f o i im ­
posta. A bandonar este cam inho seria para ele uma auto-trai-
ção. E claro que você protesta, pois protestar é sua obrigação.
É claro, também, que você não pode, sim plesm ente, ceder. Mas,
a m eu ver, o seu p a i está contribuindo para o seu projeto de in­
dividualidade. Pois ele está lhe dando uma experiência de devo­
ção, da quai você necessitará como parte da sua instrum entação
pessoal. Quando você, aos 18 anos, ganhar a liberdade, você
provavelm ente será bem m ais capaz de utilizá-la, sim plesm ente
pelo fa to de ter tido essa experiência. Seu p a i tam bém está lhe
dando o treinamento m ais intensivo possível, na m anutenção de
sua direção interior. Pois, se você conseguir m anter sua própria
direção, apesar da vigilância contínua de seu pai, você estará
dem onstrando que você é, de fato, um rebelde tenaz e decidido. ”

138
Durante a leitura da m ensagem , M iguel voltou-se várias vezes em di­
reção ao pai, com o que suplicando que ele ouvisse. Esta atitude era
muito diferente de sua típica postura de m enosprezo. A m bos ficaram
em ocionados e levou vários minutos para que a conversa fosse reto­
mada.
Nas sem anas seguintes, não houve grandes m udanças no relacio­
namento dos dois. No entanto, gradualm ente, M iguel foi se envol­
vendo na escola, suas notas m elhoraram e ele parou de m alar aula.
O stensivam ente, sua atitude perm anecia a mesma. A ssim , ele decla­
rava que não estava num a terapia, porque ele era trazido a contragosto.
Mas, ele estava disposto a trocar idéias com o terapeuta e ler-lhe seus
poemas. As vezes, o terapeuta, assim com o o pai, sentiam -se frustra­
dos porque M iguel se recusava a pedir qualquer ajuda. M as depois de
repensar a questão, o terapeuta disse a M iguel que entendia m uito bem
que era um erro esperar que ele assumisse a identidade de paciente.
Isto seria equivalente a uma rendição.
A m ensagem terapêutica foi também útil para o pai. Ela o ajudou
a aceitar as dificuldades e a abandonar a ilusão de que M iguel acabaria
por converter-se a seus valores. A dupla narrativa em pática ajudou,
assim, a Ricardo a ser um carcereiro não som ente devoto, mas tam bém
respeitador.

Caso 15: Uma narrativa em pática


num caso de am eaça de vida

Até seus 21 anos João havia tido ótim a saúde. De repente, em poucas
semanas, sua vida passou por uma revolução com pleta. Ele desenvol­
veu um a insuficiência renal aguda que progrediu rapidam ente e o le­
vou à perda de ambos os rins. João foi enviado para o exterior, onde
recebeu um rim de um doador. Jorge, pai de João, teve um papel cen­
tral no processo decisório e, se não fosse por sua prontidão e devoção,
João teria perdido a vida. Jorge foi também o principal apoio de João
durante a convalescença. A mãe, Clara, ficou tom ando conta da casa,
de seus filhos m enores e dos negócios da família, enquanto Jorge per­
manecia no exterior para acom panhar a cirurgia e a convalescença de

139
João. Ela se sentia aliviada de que Jorge tivesse assum ido a responsa­
bilidade, pois ela não se sentia capaz de suportar tam anha pressão.
Ao voltar a si depois da operação, João perguntou ao m édico se
ele seria capaz de vir a ter filhos. Seu com portam ento posterior m os­
trou que o que na realidade o preocupava, era sua potência sexual. De
retorno a casa, ele desenvolveu um estilo de vida totalm ente dedicado
ao sexo e ao prazer; abandonou toda idéia de estudos superiores, re­
jeitou as sugestões e as pressões dos pais sobre a possibilidade de tra­
balhar e pôs-se a passar noites inteiras em boates e outras espeluncas,
trazendo para casa um a garota atrás da outra. Por um ano inteiro não
fez nada de proveitoso. O carro do pai tornou-se praticam ente seu. O
pai tinha que lhe dizer, com antecedência, quando precisaria do carro.
O dinheiro para suas farras, João conseguia do pai, por meio de súpli­
cas ou de ameaças. Tudo isto ainda não bastava: João queria um carro
que fosse som ente dele e não parava de exigir do pai que lhe com ­
prasse. Frente à recusa de Jorge, João o acusava de colocar o dinheiro
acim a da vida de seu filho. Ele se sentia o jovem mais azarado do
mundo: com o é que seus pais não entendiam que ele m erecia algum a
com pensação pela sua m á sina?
João tinha que seguir um regim e m édico rígido. Q ualquer falha
ou atraso com os medicam entos poderia ter conseqüências graves.
João não dava bola e esquecia de tom ar os rem édios, a não ser que seu
pai estivesse presente para garantir que ele os tom asse. Jorge tornou-
se, assim, o guardião físico de João. Ele o despertava pela m anhã (às
vezes m inutos depois de João adormecer, recém -chegado de sua farra
noturna), para lhe dar os remédios. João estava usualm ente tão can­
sado que levava longas chacoalhadas até despertar o suficiente para
engolir as pílulas. O carro tornou-se o objeto das batalhas sobre a coo­
peração com o regim e médico. Jorge am eaçava não dar o carro a João,
a não ser que este cooperasse, e João se tornava mais e mais negli­
gente, a não ser que o pai lhe prom etesse o carro. João m antinha seu
pai continuam ente à beira do pânico. Assim, ele esquecia os m edica­
mentos dentro do carro num dia quente de verão, ou declarava que
estava pensando abandonar o tratam ento e tornar-se m acrobiótico, ou

140
sim plesm ente sumia, deixando as pílulas em casa. Às vezes ele am ea­
çava se m atar caso os pais não lhe dessem o carro.
Quanto mais Jorge pedia, mais irresponsável João se tornava.
Jorge sentia que não podia sair do papel de guardião, pois a situação de
João poderia piorar instantaneamente. Os dois estavam presos a um
jogo de gato e rato. Tanto João com o Jorge falavam um sobre o outro
de um a m aneira profundam ente negativa. Jorge dizia que João era
irresponsável, irracional e ingrato. João dizia que não tinha pais, que
eles jam ais haviam tentado entendê-lo e que, sob o pretexto de cuidar
dele, o estavam levando ao desespero. Jorge explicava que era tudo
para o bem de João. João dizia que estava cheio deste refrão. Clara,
por seu lado, não esperava nada de ambos: tanto as exigências de João
quanto as súplicas de Jorge lhe eram repugnantes.
Para os pais a situação parecia sem solução. O terapeuta pensou
que havia poucas chances de progresso, enquanto am bos os lados
m antivessem visões tão negativas um do outro. Para tentar sair deste
im passe, o terapeuta transm itiu a João e aos pais, oralm ente e por es­
crito, a seguinte mensagem:

Quero com partilhar com vocês m inhas idéias sobre a situação.


Primeiramente, quero dizer-lhes que não é verdade que o com ­
portam ento de João não fa ç a sentido. Pelo contrário, creio que
a reação dele é uma tentativa profundam ente hum ana de lidar
com uma situação extrema. João, você encontrou-se com a
m orte fa c e a face. De certo m odo este encontro ainda não ter­
minou, pois o perigo continua a pairar sobre a sua vida. Você
sente, com razão, que o destino fo i muito padrasto com você. O
que lhe aconteceu não aconteceu a nenhum outro jo vem que você
conhece. E como se o destino, além de o estar condenando a
esta tortura, dissesse: “De agora em diante você tem que se
com portar bonitinho, se não... ” Você não só tem que viver sob
am eaça constante, mas, também, de abaixar a cabeça, aceitar o
ditame, e viver na m ais total obediência, suplicando ao destino
p o r uma prorrogação de sua licença para continuar vivo.

141
A sua resposta não tardou a vir: ela é uma recusa ousada
às condições que o destino lhe impôs. Do m om ento em que você
recobrou a consciência após o transplante, você não parou de
dizer: “Eu vou viver da maneira m ais intensa que exista! ” “Eu
não me rendo, não sou dominável, não me deixo apagar! ” A sua
prim eira pergunta depois da operação fo i se você poderia ter f i ­
lhos. Eu a traduzo com o seguinte significando “Poderei am ar?
Poderei ter uma vida sexual norm al?" A resposta veio logo:
você pode, e como! Você não tem a m ínim a intenção de se p o u ­
p a r neste ramo. E como se você jo g a sse à cara do destino:
“Veja só como eu me ren d o !”
Seu estilo de vida é um desafio ímpar. “Viverei plenam ente
cada d ia!" “Viverei como se cada dia fo sse o ú ltim o!" “Não
me sacrificarei p o r um fu tu ro hipotético: m inha vida é aqui e
agora!" Tudo isto exprime seu espírito, o espírito de quem não
se rende. Adm iro seu atrevimento, sua vitalidade e sua recusa.
Você é um herói do momento. M uita gente sonha viver assim.
Entretanto, há outros aspectos importantes, se não para
você, para os seus pais. Do ponto de vista de sua expectativa de
vida, é como se você tivesse decidido jo g a r roleta russa. Cada
dia é uma nova aposta e um novo risco. “Tenho que acordar
para tom ar o remédio às 7 da m anhã? Pois vou tom á-lo em ou­
tra hora ou quando o meu pai conseguir me acordar! ” “Preciso
dorm ir em horas fix a s e norm ais? Pois vou dorm ir só quando
me convier!" Você vai m anter seu desafio total, m as só a té o dia
em que acontecer da bala da roleta russa estar no cano. Isto
pode acontecer amanhã, ou daqui há um ou cinco anos. A té en­
tão, você vai viver sem se im por limites. De certa form a, esta
roleta russa é a roleta do desespero, pois o seu pressuposto bá­
sico é que com seu azar e com o presentão que você recebeu do
destino, não há sentido em planejar a longo prazo. Você não se
rendeu ao destino, quando ele exigiu que você vivesse na defen­
siva. M as você se tornou o trouxa do destino, no m om ento em
que você renunciou ao seu futuro. Na verdade a sua escolha é
uma que apetece muito ao diabo, pois você assinou um contrato

142
dizendo: "Pegue o fu tu ro como pagam ento e deixe-m e p intar o
sete p o r enquanto!”
Seus pais podem até com preender o sentido dessa sua es­
colha, m as não podem apoiá-la. Se o fizessem estariam as­
sinando sua sentença de morte com a própria mão. Se eles o
apoiarem, eles ja m a is poderão se perdoar. Q uando eles vieram
me ver, fico u óbvio, depois de cinco m inutos de conversa, que
eles se sentem como se estivessem colocando, p o r si próprios, a
bala no cano do seu revólver suicida. Espero que possa ajudá-
los a parar de agir assim. Se você não se perm ite um futuro, eles
estão proibidos de ajudá-lo. Para você a escolha fa z sentido,
para eles ela é catastrófica.
Será que você seria capaz de tentar o suicídio, caso eles
parassem de render-se às suas exigências? Acho que este é um
perigo real. Não creio que você ja m a is tenha fe ito uma am eaça
em vão. Para mim, isso é claro, pois você jo g a o jo g o de vida e
m orte dia a dia! Não é apenas nas suas am eaças que você se
aproxim a da morte, mas, também, em inúm eras situações roti­
neiras. Tentarei ajudar seus pais a fa zerem todo o possível para
im pedir o seu suicídio, a não ser em relação a uma coisa: ren­
der-se às suas exigências. Pois se eles o fizerem , eles estarão
assinando a sua sentença. Eu lhes disse que na m inha opinião
você não blefou nem sequer uma vez. Respeito dem ais a sua tra­
gédia e a sua coragem para fa z e r pouco caso de suas ameaças.
M as os seus p ais não podem render-se. Se o fizerem , você estará
perdido.
O que é que estou lhe propondo? Que você aceite o ditam e
do destino e viva na renúncia e na obediência, com o bom aluno e
m enininho polido? Não, esta não é minha intenção. Você teve a
coragem de dizer "Não! ” ao destino. Talvez você também tenha
a coragem de resgatar do destino tanto o presente com o o futuro.
Seu estilo aventureiro não o abandonará. Ele fa z parte de você.
Ele é uma conquista sua. Você não corre o risco de perdê-lo. A
grande questão é outra: se você vai continuar ou p arar de ser o
trouxa do destino.

143
Continuarei a encontrar-m e com seus pais. C ontinuarei a
encontrar-m e com qualquer pessoa que se im porte com você.
E estarei sem pre pronto a conversar com você, caso você es­
teja interessado em pensar, ju n to comigo, sobre com o viver no
presente sem pagar p o r isso com o seu futuro. ”

Cinco m inutos depois de esta m ensagem ser lida, o terapeuta com eteu
um a falha. Num excesso de confiança causado pelo enorm e im pacto
da m ensagem , decidiu seguir adiante, propondo aos pais que parassem
de dar dinheiro a João e impedissem o uso do carro por ele. E sta de­
claração inoportuna teve o efeito de praticam ente apagar a reação po­
sitiva de João à mensagem. Até o fim da sessão, João não parou de
protestar e ameaçar. M as nos dias que se seguiram , viu-se que nem
tudo estava perdido. João tornou-se cortês e respeitoso para com os
pais. Nas sessões seguintes (que foram conduzidas só com os pais),
Jorge com eçou a aprender com o m odificar o seu discurso parental ine­
ficiente (“É tudo para o seu bem !”) Por algum tem po, parecia que as
coisas estavam m udando para melhor. João com eçou a trabalhar (in­
felizm ente por um curto período) e parou de pedir dinheiro (mas não
de usar o carro).
Por vários meses aconteceram altos e baixos. Jorge não se sentia
capaz de abandonar seu papel de guardião, pois o preço era alto de­
mais. O relacionam ento entre Jorge e João teria que m udar gradual­
mente. Houve algum progresso nesta direção; perm itindo a Jorge e
Clara tirarem férias, pela prim eira vez, desde a cirurgia. O terapeuta
tentou ajudar Jorge a transm itir algumas funções a Clara, mas sem
sucesso. Jorge sim plesm ente não conseguia perm itir-se abandonar o
m onitoram ento em relação ao filho. João, por seu lado, continuou com
o m esm o estilo de vida. N a últim a sessão com os pais, podia-se cons­
tatar alguns sinais positivos: João voltara a pensar em estudos superio­
res. Além disso, ele havia recebido um grande susto com os resultados
de seus últim os exam es médicos e estava um pouco mais disposto a
aceitar o acom panham ento do departam ento médico. Isto poderia,
eventualm ente, liberar Jorge de seu papel im possível. O terapeuta,
entretanto, ainda achava que a situação perm anecia m uito inflamável.

144
Ele não acreditava que a fam ília o procuraria em caso de um a nova
crise. Em resumo, a mensagem terapêutica havia, gradualm ente, per­
dido seu impacto.
Este provavelm ente seja um caso de fracasso terapêutico. Em
contraste com a m aioria dos casos neste livro, pouca m elhora no rela­
cionam ento tornara-se evidente, mesmo após m eses de tratamento.
Nem sequer o cam inho da resignação estava aberto a esta fam ília, pois
quem pode resignar-se à perda de um filho? A escolha deste caso,
com o o caso final do livro, não visa desesperar o leitor. Em vários
outros casos aqui apresentados, as crianças foram salvas de padrões de
com portam ento que colocavam seu desenvolvim ento, ou mesm o suas
vidas, em perigo. Entretanto, para ajudar tais fam ílias, precisam os ter
a coragem de encarar nossas limitações e de aceitar nossos fracassos
terapêuticos sem culpar ninguém.

C onclusão

No prim eiro capítulo, propus três critérios para avaliar o conceito de


presença parental: a) que seja um a abordagem prática; b) que sirva de
ponte entre diversas visões teóricas, e c) que seja m oralm ente viável e
que não seja confundida com a autoridade baseada na violência.
Terem os satisfeito estes critérios?

Uma abordagem prática

O conceito de presença parental tem -se mostrado um conceito fácil de


captar e aplicar. Em contraste com outros conceitos teóricos mais
com plexos, a idéia de presença parental é de fácil com preensão por
suas im agens quase plásticas de atividades parentais, nas quais os pais,
por exem plo: dão um abraço de urso na criança, sentam -se com ela por
horas a fio em seu quarto, impedem que a criança se prejudique, en­
tram em contacto com ela até mesmo em lugares pouco acessíveis e de
m aneiras surpreendentes, entram em contacto com pessoas que se rela­
cionam com a criança, e abrem um a rede de pessoas para protegê-la.

145
Há também imagens contrárias de ausência parental, quando pais, por
exemplo: batem na criança, expulsam a criança de casa, cedem à cri­
ança para com prar tranqüilidade, am eaçam ou suplicam à criança, e
sabotam o cônjuge. Estas imagens servem com o um guia de referência
tanto para profissionais com o para pais. Em situações de em ergência,
um a ou outra destas imagens virá à mente. Evidentem ente, elas não
têm que ser aplicadas de form a literal. Em m uitos casos torna-se ne­
cessário introduzir modificações. Mas isto é precisam ente o que espe­
ramos de um a abordagem prática: que ela nos proporcione um m odelo
flexível que possa ser adaptado a cada circunstância.

Uma ponte teórica

As teorias com portam ental, sistêm ica e hum anística enriqueceram


bastante nosso conceito de presença parental. Por outro lado, através
da lente convergente da presença parental, enriquecem os nossa visão
destas teorias e de seus pontos de contato. Assim, vim os que a teoria
com portam ental tem pontos de contato com a sistêm ica (por exem plo,
na visão circular da interação coercitiva e na im portância que am bos
modelos atribuem ao apoio sistêm ico); a teoria sistêm ica com a hum a­
nística (o apoio sistêm ico, por exem plo, é um a fonte vital de auto-es-
tima parental); e a teoria hum anística com a com portam ental (por
exem plo, a ressonância entre os valores contidos em um tratam ento
com portam ental c os próprios valores dos pais, explicam tanto a coo­
peração dos pais com tratamento, com o seu rápido abandono). D esta
maneira, o conceito de presença parental, torna-se um a ponte trilateral:
pode-se entrar nela vindo-se de qualquer um a das proposições teóricas
e cam inhar em direção a um a outra. Esta linguagem com um tornou-se
evidente também na prática: o conceito tem -se m ostrado altam ente
aceitável a profissionais de diferentes abordagens e contribuído m uito
para facilitar o diálogo e o planejam ento em conjunto.

146
Presença parental
e autoridade baseada na violência

N a dem onstração de presença parental, a fonte de poder e a justifica­


ção moral são um a m esm a coisa: os pais tornam -se fortes por estarem
presentes. E no ato de dem onstrar sua prontidão de cuidar da criança
com todo o seu ser corporal, em ocional e moral, que os pais ganham
em influência e postura. Assim, a presença parental é o contrário de
uma autoridade tirânica, cuja força provém da punição, da agressão e
da expulsão da criança e cujo objetivo é evitar, ao invés de instituir, a
intimidade. O pai tirânico alm eja m anter a distância. O pai presente
procura o contacto. M as não estaríam os encorajando os pais a criar
um hiper-envolvim ento? Lem brem o-nos que estam os tratando de
fam ílias caracterizadas por um a falta de presença parental, nas quais os
pais foram lentam ente levados a um a posição marginal e à perda da
própria voz ativa. Nessas famílias, a criança reina através de am eaças
e de violência. Essa criança necessita de pais mais presentes e não de
mais espaço para mais auto-dcstruição. Passo a passo, à m edida que a
criança desenvolve a capacidade de autocontrole, tanto os pais com o a
criança serão capazes de desenvolver m aneiras menos invasivas de
contato. Em nenhum de nossos casos aconteceu de os pais continua­
rem a utilizar o abraço de urso, a resistência pacífica ou o m onitora­
mento contínuo e total da criança. Estas medidas foram sem pre passa­
geiras. Talvez isto seja uma conseqüência do fato de que, distinta­
m ente do poder baseado na força pura, a presença parental exige um
investim ento grande dem ais para que os pais possam viciar-se nela a
ponto de fazer com que as medidas se tornem rotineiras.
A presença parental contrasta profundam ente com a autoridade
baseada na violência, também no que toca à dignidade da criança. A
m eta da presença parental jam ais é a rendição incondicional da
criança. Pelo contrário, a presença parental é um conceito dialógico:
os pais alm ejam tornar-se presentes para a criança e em relação à
criança. Este aspecto dialógico se evidencia em vários elem entos do
tratamento: no cuidado tom ado para evitar-se hum ilhações, na
prioridade que é dada a situações de impasse e na ênfase a uma

147
autoridade flexível. Sobretudo evidencia-se a natureza dialógica da
presença parental em nossa expressão de respeito pelo rebelde. N a
verdade, o respeito pelo rebelde, do qual tratamos no últim o capítulo,
corresponde exatam ente ao respeito pelos pais, do qual tratam os no
prim eiro. Creio que, com isto, tenham os fechado um círculo.

148
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151

índice remissivo

A bordagem multi-sistêm ica, D elinqüência, xv, 51, 84, 128


23, 84 Dishien, xv
A braço de urso, 8,9,10, 11, 42, D rogas, 51, 55, 77, 99, 120
43, 53, 62, 145, 147
Abuso infantil, 30 Edwards, J.N ., 34
Com unidade Elizur, Y., 24
apoio da 29 Elson, M., 33
A lo n ,N „ 2 3 ,4 2 , 133 Epston, D., 85, 86, 129
Amit, H., 34
A m or Exigente, 34 Fala parental interm inável, 52
A nderson, L.N., 26 Fam ília extensa, 33, 86
Apoio, grupo de, 87 Feldm an, H., 26
A utoridade, 4, 5, Fleeting, M ., 51
falta de, xiv, xv
parental, xiii, xiv Gelles, R.J., 34
resgate da, xiii Glenn, M .D., 34
flexível, 113 G rupo de apoio, 87

Baum rind, D., xv H abituação, 53


Booth, A., 34 H anson, C.L.
Borduin, C.M ., 84 H enggeler, S.W ., 83, 84

Caplan, P.J., 33 Im potência parental, 93

Com portam ental Kolvin, I., 51


técnica, 63 Kolvin, P.A., 51
procedim ento, 64
Cham berlain, P., xv, 50 LeM asters, E.E., 33, 34
Conflito marital, 75 London, P., 23
crônico, 69
M cLanahan, S., 34
DeFrain, J., 33, 34 M edos, 40, 54, 55, 58, 60

153
dos pais, 55, 56 sabotagens da, 69
M ídia, 29 sistêm ica, 6, 69, 88
M iller, F.J.W ., 51 testes de, 5, 6
M inuchin, S., 24
Psicanalistas, 30
N arrativa em pática, 133, 134, Price, J., 64
139
Rede de apoio, 87, 88
Omer, H „ 2 3 ,4 1 , 133 de presença, 85
O rm andy, E., 32, 33 unificada de presença
partental, 87
Pais Anônim os 34 Reid, xv
Patterson, G., 25, 28, 50, xv Respeito pelos pais
Perm issivo, Rodick, J.D., 84
am biente, xiv Rollins, B.C., 26
ideal, xv
Polícia, 71, 72, 7 3 ,7 4 ,9 5 , 117, Sistem as extra-fam iliares, 28
118, 119, 120, 121 Straus, M .A., 34
Prêm ios e castigos, 63, 64 Strauss, R., 32, 33
Presença Suicídio
ativa, 6, 41 am eaças de 4, 56, 57, 88
corporal, 41, 42 com eter 80
filial, 115 im pedir o, 143
parental, xvi, xvii, 3, 4, 5, risco de 62
6, 15, 16, 3 0 ,3 5 ,3 6 ,4 2 ,4 6 , planejar 85
5 3 ,5 6 , 6 9 ,7 1 ,8 7 ,9 1 , 115, tentativa de, 87, 143
127, 132, 145 Supervisão parental, 50, 51
enfraquecim ento sistêmico
da presença, 69 Teoria
excessos da, 6 com portam ental, 146
fundam entos da, 6 da coação, 25
instrum entos da, 87 hum anista, 146
pessoal, 6, 91, 98 sistêm ica, 146
resgate da, 115 Terapia
com portam ental, 5, 35

154
familiar, 30
Território, 43, 44
Tiba, I., 44
Time-in, 63
Tim e-out, 63
V iolência, xiv, xv, 4, 6, 7, 9,
1 6 ,4 2 ,4 4 , 6 2 ,7 5 ,8 1 , 100,
120, 121, 128, 145, 147
contra a mãe, 70, 71, 98
os pais, 73
da criança, xv, 27, 31

W einblatt, U.,
W hite, L., 34
W hite, M „ 85, 86, 129
W innicott, D., 31, 32

155
ArteSã

T ítu lo s p u b lica d o s

D e C arlos Arturo M o lin a -L o z a

Coleção tartaruga

Destino familiar, desatino terapêutico. Experiências si-cibernéticas em


terapia fam iliar sistêm ica breve (e sg o ta d o )

Chaves para uma terapoética da fam ília


Conhecer e com preender a fam ília brasileira

H istórias contadas com amor, para m udar e crescer


N arrativas terapêuticas I

Eu não sabia mas... Clio me contou


N arrativas terapêuticas 11

Em espanhol

Nuestras abuelitas ya lo sabían


Las historias y los cuentos pueden curar dolores dei alm a

Coleção Poucas Palavras

Casal... que bicho é e sse ?


Passos para uma com preensão ecoetológica
da incompreensão na relação homem-mulher
Coleção Urso branco

Os recursos dafratria

Edith Tilmans-Ostyn, Muriel Meynckens-Fourez (Organizadoras)

Autoridade sem violência


O resgate da voz dos pais

Haim Homer

C oleção Canguru

Intercâmbio... interno

A nna Em ilia Souza Leite Gaetani


M aria Luiza Souza Leite

Este livro foi composto na tipologia Times New Roman em corpo 12


e impresso em papel Pólen 80g/m2 Pela Lastro Editora Ltda.
A edição consta de 1500 exemplares
Belo Horizonte julho de 2002
Quando decidi aceitar o desafio da publicação de
9788588009066
/ I utoridade sem violência. O resgate da voz dos pais, tinha
certeza de que iria contribuir para a difusão de uma mensagem
cheia de amor e esperança, tanto para os pais quanto para os
terapeutas de família do Brasil. Muitas vezes, tanto uns como
os outros, encontram-se perdidos diante das atitudes dos jovens
que, também perdidos, precisam daquilo que está tão bem
definido no livro como presença.

Com seu livro, Haim Omer, faz-se presente no Brasil e


promove a redescoberta da voz de uma autoridade paterna
que se recusa a ser autoritária ou demissionária.

Este livro permaneceu na lista dos mais vendidos em Israel


durante vários meses. O mesmo ocorre atualmente na
Alemanha, onde é um dos mais vendidos entre os livros
profissionais.

Por seu conteúdo, deveria ser lido por todos aqueles, pais ou
terapeutas, que se questionam sobre o tema da autoridade.

Carlos Arturo Molina-Loza


ArteSã

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