Ainda que guardando suas diferenças ligadas à própria história
nacional, as universidades em todo o mundo estão gradualmente
entrando em uma nova era. Que se denomine de “universidade empresarial”, “gerencial” ou “neoliberal”, que se fale de “capitalismo acadêmico” ou de “universidade capitalista”, ou ainda de “mercado globalizado de ensino superior”, todos estes conceitos designam uma mudança que põe em questão não apenas os modos de organização ou “governança” do ensino superior, mas também suas finalidades e suas funções sociais, culturais e políticas.
Costuma-se dizer que a universidade deve “estar a serviço da
sociedade” ou, ainda, que é um “serviço público de interesse geral”. Entende-se, muitas vezes, como sendo uma função de expertise, em sentido tecnocrático. No entanto, a principal função da universidade em relação à sociedade é de ser um local ativo. de reflexividade crítica.
Sobre [...] o caráter especificamente universitário da formação dos
estudantes. Se a universidade não pode desinteressar-se das “oportunidades profissionais” dos estudantes, numa sociedade em que o regime assalariado é largamente majoritário, ela não pode renunciar a esse princípio. A dimensão profissionalizante dos estudos deve nutrir-se dos saberes acadêmicos e da reflexividade crítica, de modo que os futuros profissionais que tenham concluído a formação universitária possam integrar a seu ambiente de trabalho e a sua vida social o que ali aprenderam, em particular exercendo seu livre arbítrio como cidadãos esclarecidos. A universidade como instituição é uma comunidade, regida por regras democráticas, na qual professores-pesquisadores, pessoal não docente, estudantes e representantes dos cidadãos formam uma comunidade política.
A universidade é uma instituição aberta a todos os públicos, não
uma instituição reservada a uma elite privilegiada, nem mesmo a uma única geração. As regras de abertura social da universidade permitem que todos possam adquirir conhecimento, contribuir para produzi-lo e difundi-lo na sociedade. Isso implica, em especial, a abertura de cursos e atividades formativas a trabalhadores da ativa, a aposentados e a todos os indivíduos que assim o desejarem.
A igualdade de acesso ao saber pressupõe que a organização dos
estudos e os métodos de ensino estejam subordinados ao objetivo da equalização real das condições de aprendizagem, o que pressupõe condições materiais adequadas, acompanhamento pedagógico suficiente e adaptado ao nível dos estudantes, um financiamento dos estudos mediante um sistema pertinente de bolsas de estudo que torne inútil o recurso a “pequenos bicos” pelos estudantes oriundos dos meios populares.
Liberdade não significa isolamento individual. Tanto em termos de
pesquisa como de ensino, o princípio orientador da universidade é o do “pôr em comum” ou da cooperação. A pressão competitiva é substituída apenas pela emulação intelectual. Não se pesquisa nem se aprende sozinho. Na pesquisa como no ensino, a progressão é coletiva. Neste último caso, o trabalho conjunto dos estudantes é valorizado e incentivado em todos os níveis. Tantas questões que, em última análise, remetem a uma questão muito maior: até que ponto a educação superior pode ainda ser um espaço de resistência ou mesmo uma alavanca para a transformação da sociedade?
Os vários órgãos da administração universitária são regidos pelos
princípios da representação democrática das várias unidades de ensino e pesquisa (professores-pesquisadores, estudantes, funcionários técnico-administrativos). Os professores- pesquisadores têm ali um lugar central e uma responsabilidade eminente.
A equipe gestora (da reitoria) é a emanação dos colégios eleitorais
e não pode, de forma alguma, configurar-se como um poder gerencial autônomo, fora do controle da comunidade política universitária. Os representantes dos vários segmentos nos órgãos de administração da universidade mantêm-se sob o controle dos representados, aos quais devem fornecer relatórios periódicos dos seus mandatos provisórios e revogáveis.
São conhecidas as tendências oligárquicas de qualquer democracia
representativa. É por isso que as decisões importantes são todas discutidas em assembleias dos colégios/segmentos da comunidade universitária, assim como os relatórios dos mandatos, de modo que os representantes dos diversos colégios são obrigados a seguir as orientações das assembleias. A participação de todos nas assembleias, lugares de autogoverno da instituição, não é apenas incentivada, mas institucionalmente estabelecida como uma obrigação. [...] o conhecimento, mais do que nunca necessário para enfrentar os enormes desafios coletivos do século XXI, é um bem comum mundial que supõe não grandes e belos discursos, mas uma instituição que o faça existir como tal.
Não se pode simplesmente esperar por uma transformação geral da
sociedade antes de começar a mudá-la. É preciso começar a inscrever na realidade outras formas de produzir conhecimento, outras práticas de ensino, voltadas para outro modelo de universidade, que propus chamar de universidade como comum ou universidade do comum.
O que ocorre, hoje, é como se a sociedade neoliberal não precisasse
mais da universidade como lugar da ciência, do conhecimento racional, da verdade. O que se buscaria é uma universidade transformada em engrenagem da máquina produtiva e comercial, como visto em algumas tendências globais. Essa transformação progressiva afeta profundamente o significado histórico da universidade, ou seja, a produção de conhecimento validado por mecanismos institucionais de verdade.