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NO.

8 / NOVEMBRO 2010

RESUMO DE SEGURANÇA DE ÁFRICA


U M A P U B L I C A Ç Ã O D O C E N T R O D E E S T U D O S E S T R AT É G I C O S D E Á F R I C A

Democracia e Cadeia de Comando:


Uma Nova Governação no Sector da
Segurança em África
POR DOMINIQUE DJINDJÉRÉ

◆◆ Os militares de alta patente responsáveis pela defesa e segurança em África devem adoptar padrões mais
elevados de liderança de modo a transformar as forças de segurança africanas em organismos profis-
sionais capazes de fazer frente às actuais ameaças à segurança e conquistar o respeito das populações.

◆◆ O cumprimento, por parte dos políticos, dos limites constitucionais do poder evitará colocar os respon-
sáveis militares na posição insustentável de escolher entre o respeito pelas autoridades civis e a defesa
da democracia.

◆◆ A cooperação e a assistência de parceiros internacionais no domínio da segurança deverão colocar os


estados africanos numa via de governação responsável neste sector.

DESTAQUES

Em anos recentes, as graves crises políticas vezes, foram mesmo reconhecidas enquanto tal a
no Níger, Honduras, Turquia, Bangladesh, Guiné, nível internacional.
Madagáscar, Tailândia e Mauritânia ilustraram a Esta situação caótica já não é aceitável. Quase
influência continuada das forças de segurança sobre toda a África está hoje empenhada na promoção
as trajectórias de vários países em diferentes par- das normas da democracia e direitos humanos, que
tes do mundo. Os exemplos dessa instabilidade são têm vindo a acentuar-se nas duas últimas déca-
particularmente frequentes em África. Nas crises das. Apesar disso, o caminho para a democracia,
políticas em África, sejam elas golpes de estado, in- estabilidade e desenvolvimento é longo e repleto
surreições armadas ou confrontos de consequências de obstáculos. Se África quiser manter-se no bom
trágicas, as forças de defesa e de segurança (FDS) caminho, as suas forças de defesa e de segurança
desempenham, invariavelmente, um papel crucial. devem assumir resolutamente o papel que lhes
Durante muitos anos, e no que toca a conflitos in- é confiado pelas nações que servem, no respeito
ternos, as acções dos militares foram justificadas ao dedicado e coerente das regras constitucionais e
abrigo dos direitos de soberania do estado. Muitas da ética republicana.

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Como reestruturar as forças de defesa e segurança De forma a corrigir estas fragilidades estruturais e
para que estas cumpram o seu papel de defesa da de- organizacionais, compete aos responsáveis da cadeia
mocracia? Em última instância isto depende de um de comando:
respeito profundo pelo estado de direito por parte
de todos os interessados, quer sejam civis ou mili- ◆◆ d efinir uma estratégia de segurança nacional
tares, agentes governamentais ou não. Deste modo, inter-serviços clara e pertinente
a qualidade do comando e da liderança exercidos
pelos oficiais superiores de um país determinará a ◆◆ e stabelecer regras adequadas sobre o uso
capacidade das FDS de apoiar eficazmente a gover- da força
nação democrática. Para tal, os dirigentes do sector
de defesa e segurança devem concentrar-se em cinco ◆◆ adoptar estruturas organizativas racionais
reformas prioritárias de modo a forjarem uma nova
governação militar em África. ◆◆ d efinir e aplicar práticas correctas de gestão
dos recursos humanos e materiais.
“a África, na sua maioria, está
agora firmemente apostada A existência de planos nacionais bem elabora-
na aplicação das normas da dos é um indício de profissionalismo militar e permite
democracia e direitos humanos” uma resposta pró-activa, flexível e rápida às ameaças.
O Gana, Senegal, Serra Leoa e Burkina Faso, entre
REFORMA Nº 1: CRIAR FDS NACIONAIS, outros, têm feito progressos notáveis no que toca à
B A S E A D A S E M A M E A Ç A S C O N C R E TA S elaboração destes planos globais.
Uma estratégia de segurança nacional coerente
Algumas forças de defesa e segurança africa- fornece uma base sistemática à reestruturação das
nas continuam a operar sem qualquer documento forças de defesa e de segurança de uma nação. Esta é
constitucional que defina claramente a sua missão a principal prioridade, tendo em conta que as estru-
e as regras da sua intervenção. Perpetuam-se desta turas militares de muitos países africanos não estão
forma muitos problemas e grandes incertezas quanto adaptadas às ameaças dos nossos dias. Uma estrutura
à definição de objectivos, configurações, recursos e de defesa racional confere às estruturas de comando
missões que lhes são confiadas. e às autoridades responsáveis pela vigilância maior
Nesta área, por conseguinte, as forças são defi- capacidade para gerirem as missões a levar a cabo,
cientemente organizadas e equipadas, com efectivos em termos dos recursos disponíveis. Com base em re-
desproporcionados difíceis de gerir e de controlar. Em sultados, promove igualmente os meios necessários à
muitos casos, as funções e as responsabilidades dos elaboração de orçamentos, recrutamento, formação,
militares e da polícia são pouco claras e sobrepõem-se, procura de activos, manutenção de equipamentos e
o que conduz a dotações orçamentais inadequadas e monitorização fiável das compensações das tropas.
intervenções incorrectas e contraproducentes. Deste modo, mesmo num contexto de recursos or-
çamentais limitados, a eficiência e a disponibilidade
globais podem ser melhoradas. Além disso, estas fer-
ramentas ajudam a prevenir o desvio de fundos e a
O Brigadeiro General Dominique Djindjéré é Chefe corrupção, problemas frequentes nas FDS africanas.
do Estado-Maior das Forças Armadas do Burkina Faso. Na Zâmbia, por exemplo, a apresentação pública do
Uma versão alargada deste documento foi apresentada orçamento da defesa ao Parlamento foi reinstituída
inicialmente numa palestra em francês, em 2 de Março na década de 1990, o que tem levado a ajustamentos
de 2010, dirigida aos participantes do curso “Próxima contínuos que produzem resultados, revelam lacunas
Geração de Dirigentes Militares Africanos”, no Centro de gestão e permitem corrigir as atribuições indevidas
Africano de Estudos Estratégicos de África. de fundos no seio das FDS.

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A reestruturação das forças de defesa e de segu- Os princípios éticos devem também ser valori-
rança deve envolver, a nível social, todas as partes zados por estes oficiais, que devem recompensar es-
interessadas. Esta abordagem enfatiza o facto de as crupulosamente as tropas, com base no mérito e no
FDS terem origem na sociedade em geral, a ela se desempenho, e proibir o favoritismo e as tomadas de
destinarem e não serem distintas da mesma. A Serra decisão arbitrárias. Além disso, a liderança pelo ex-
Leoa, que continua a consolidar reformas empreen- emplo, desprovida de quaisquer demagogias, é uma
didas no decurso de uma reestruturação global das qualidade fundamental de uma FDS disciplinada e
FDS ao longo de vários anos, representa um modelo moralmente responsável. Os oficiais superiores devem
de revisão da defesa baseado em consultas produtivas. saber ouvir e pronunciar-se a favor das suas tropas,
Grupos de cidadãos, organismos da sociedade civil e exercer a autoridade com justiça e encorajar o de-
oficiais de alta patente colaboraram na concepção de senvolvimento profissional. Além disso, a disponibi-
novas políticas que integraram as estruturas de co- lidade para adoptar ideias vindas do exterior cultiva
mando das FDSs, elevaram a fasquia da formação e a inovação e aumenta a qualidade ao longo de toda a
das prioridades pessoais e aumentaram a responsabi- cadeia de comando.
lidade e a transparência. O profissionalismo no seio das FDS deverá ter por
base uma formação contínua de alto nível. Este é o
REFORMA Nº 2: CRIAR INSTITUIÇÕES DE
FDS PROFISSIONAIS princípio subjacente a qualquer organização que pre-

Ordem, disciplina, conhecimento prático e nor- “muitos estados africanos não


mas rigorosas foram sempre os pilares de forças de dispõem de escolas militares e de
defesa e de segurança eficazes. As cenas de motins, outras instituições que fomentem
saques e violência de soldados envergando uniformes a especialização técnica e o
esfarrapados—tão recorrentes em África—são a antí- conhecimento das estratégias
tese de FDS profissionais. As reformas para reforçar a
mais avançadas”
ética, melhorar a formação e disponibilizar os meios
adequados ao apoio e bem-estar das tropas contri- tende agir com eficácia. As competências profissionais
buirão para o seu profissionalismo. são adquiridas através de uma selecção objectiva dos
A criação de uma força de segurança e de defesa participantes, de instruções compreensíveis dadas por
deve apoiar-se em valores éticos básicos, tradicional- oficiais experientes e de uma utilização correcta dos re-
mente formalizados num código de conduta oficial des- cursos humanos e financeiros. Contudo, muitos estados
tinado a orientar o modo de pensar e agir das tropas. Es- africanos não dispõem de escolas militares e de outras
tes valores incluem lealdade à nação e às forças armadas, instituições que fomentem a especialização técnica e
sentido do dever, serviço desinteressado e integridade. o conhecimento das estratégias mais modernas. As-
Apesar de haver em África algumas forças de se- sim, deve ser instituída uma cooperação militar, com
gurança totalmente destituídas de códigos de ética, objectivos claramente definidos e dinâmicos, não só
outras, como as do Mali, Senegal, Gana, Zâmbia, entre países desenvolvidos e países em desenvolvim-
Tanzânia e Malawi têm envidado grandes esforços no ento, como igualmente entre estes últimos.
sentido de integrar essas normas nas operações quo- No contexto da segurança em África, são prio-
tidianas das suas tropas; todavia um código de con- ridades absolutas os programas de formação centra-
duta só tem valor quando é conhecido e respeitado. dos em operações de paz, no controlo responsável
Como provou o esforço bem sucedido do Mali, estes de multidões e de motins, nas regras de intervenção,
códigos devem ser inculcados tanto nos novos recru- no respeito dos soldados pelo estado de direito e nas
tas como nos soldados mais experientes, devendo o tecnologias de informação e de comunicação. A for-
exemplo ser dado pelas altas patentes, condição es- mação nestas áreas desenvolve as capacidades das
sencial para os ensinamentos serem interiorizados DSF e integra normas democráticas. Os programas
pelas tropas. devem também moderar a forma como os soldados e

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os oficiais encaram o “inimigo”, dando-lhes noções Para lograr este objectivo, as acções das altas pat-
mais humanas dos “adversários”, particularmente entes das FDS devem visar três metas em particular.
durante as operações de baixa intensidade, frequen- Primeiro, o estabelecimento de um quadro legal
tes na manutenção da paz, e nas menos frequentes baseado na primazia das autoridades políticas da nação,
operações policiais a nível interno que requerem a legalmente eleitas, sobre as forças de defesa e de segu-
intervenção das FDS. Os soldados capazes de avaliar rança. Este requisito básico assenta na neutralidade das
os problemas de modo calmo e racional actuam com forças armadas enquanto instituição não-politizada. Entre
maior eficiência. as forças armadas de África, só as da Tanzânia, Botswana,
Importa prestar uma atenção especial aos aspec- Malawi, Senegal e Maurícias e meia dúzia de outras nun-
tos sociais das forças armadas. É necessária uma rede ca orquestraram nem se envolveram em golpes militares.
de serviços sociais que garanta um regresso digno dos Este comportamento deverá ser a norma entre os milita-
militares à vida civil, à reforma e à gestão da vida fa- res das democracias emergentes de África que querem ser
miliar. Devem igualmente ser feitos esforços para criar amplamente respeitados como profissionais.
apólices de seguros que apoiem as famílias no caso Em segundo lugar, garantir que os efectivos de
de ferimentos graves ou morte de um membro das defesa e de segurança são uma força genuinamente
FDS. O objectivo é satisfazer as necessidades materi- nacional e um grupo que representa todos os quadran-
ais básicas, facilitando assim a serenidade e a vontade tes étnicos e sociais do país. Esta abordagem ajudará
de servir e diminuindo a vulnerabilidade aos riscos de a construir um sentimento de identidade nacional, a
corrupção e manipulação. gerar um orgulho profundamente enraizado nas for-
Durante a década de 1980, as forças armadas
senegalesas criaram um sistema de cuidados de saúde “a conduta das forças de
financiado, mensalmente, pelo pessoal militar. Uma segurança deve ser exemplar
gestão criteriosa levou a um aumento das prestações em todas as ocasiões, locais
da segurança social, e permitiu empréstimos para e circunstâncias, e estar
aquisição de imóveis e a criação doutros serviços. Em firmemente ancorada na legislação
2007, as forças armadas do Burkina Faso instituíram
humanitária internacional”
um sistema semelhante, financiado por um modesto
subsídio do governo associado a contribuições men- ças armadas, e a inspirar uma atitude de dedicação e
sais privadas. O sistema tem funcionado bem, para entrega à defesa dos interesses da nação. No Burkina
grande satisfação do pessoal e constitui um motivo Faso, o recrutamento é feito em todo o país, sem dis-
de orgulho. criminações de qualquer espécie. A selecção baseia-
se na regra da proporcionalidade. O recrutamento é
REFORMA Nº 3: INSPIRAR O RESPEITO
P E L O S VA L O R E S R E P U B L I C A N O S determinado pela dimensão da população que vive
numa determinada área em termos do número total
Dotadas, pela constituição, da capacidade de em- a recrutar a nível nacional. Desta forma, as FDS re-
pregar a força, as forças de defesa e de segurança têm flectem melhor a diversidade nacional.
obrigação de transcender considerações partidárias Terceiro, a conduta das forças de segurança deve ser
e representar os ideais da unidade nacional e do pa- exemplar em todas as ocasiões, locais e circunstâncias,
triotismo. Em resumo, devem reflectir um espírito e estar firmemente ancorada na legislação humanitária
republicano exemplar. Numa forma democrática de internacional. A violência, os tráficos e extorsões e out-
governo, isto significa o respeito pelos direitos e liber- ros tipos de assédio da população local têm de ser elimi-
dades dos cidadãos durante os períodos de eleições, nados para que as forças de segurança possam merecer
greves, manifestações de protesto e outras formas de a confiança e o respeito dos cidadãos. A fim de desen-
expressão democrática. Infelizmente, entre as forças corajar tais comportamentos, a cadeia de comando deve
de defesa e segurança em África, o respeito pelos va- delegar competências e criar Gabinetes de Inspectores
lores democráticos permanece uma raridade. Gerais bem equipados com meios e pessoal suficiente,

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destinados a dissuadir, investigar e punir abusos. Os ofi- cial, militar e civil assim como apoio aos governos,
ciais superiores devem trabalhar em estreita colabora- na análise e concepção de políticas de defesa. Inicia-
ção com as comissões parlamentares responsáveis pela tivas semelhantes deveriam ser adoptadas por outros
vigilância e com as autoridades fiscais e judiciais. países e sub-regiões de África. A criação de programas
de intercâmbio entre oficiais de alta patente e seus
REFORMA Nº 4: MELHORAR AS
R E L A Ç Õ E S E N T R E C I V I S E M I L I TA R E S homólogos civis, enquanto primeiro passo, contri-
buiriam para criar confiança e garantir que as acções
Apesar dos esforços de ambas as partes, as rela- empreendidas por ambas as partes seriam coordena-
ções entre civis e militares em África continua a ser das, complementares e mutuamente compreendidas.
marcada pela desconfiança mútua, preconceitos pro-
fundos e tabus originados sobretudo pela ignorância e “um público que conhece e
a falta de comunicação. A verdade é que são raros os compreende uma FDS e os seus
locais onde civis e militares se encontrem com regu-
objectivos apoiá-la-á
laridade. Quando civis e membros das forças armadas
mais livremente”
africanas se encontram em reuniões internacionais, é
muitas vezes perceptível a existência do fosso que os
separa em termos de perspectivas, apesar da comple- A cultura de secretismo que permeia muitas das
mentaridade das suas competências. forças armadas de África (algumas, por exemplo, não
São necessários fóruns onde civis e militares pos- divulgam sequer os seus planos nacionais de segurança)
sam conviver num clima de liberdade e confiança para é outro dos obstáculos ao estabelecimento de boas rela-
explorarem interesses comuns e estabelecerem uma ções entre civis e militares. É essencial uma estratégia
cultura de diálogo. Tais fóruns não só ofereceriam opor- de informação que permita ao público e aos meios de
tunidades para o estabelecimento de relações como comunicação compreenderem a actividade dos milita-
representariam um espaço para uma abordagem inte- res. Trata-se, com efeito, de uma questão de princípio e
grada da segurança nacional e um entendimento mais de vantagens concretas. Uma população que conhece
claro dos papéis e responsabilidades de cada um. Em e compreende uma FDS e os seus objectivos apoiá-
momentos de crise, as relações construídas através la-á mais livremente. A FDS, por seu turno, poderá
destes fóruns são um contributo precioso para alcançar contar com uma partilha de informações atempada, o
soluções consensuais e duradouras. que lhe permitirá levar melhor a cabo a sua missão de
Provou ser construtiva a experiência de reunir protecção. Devido ao desenvolvimento vertiginoso das
civis e militares de alto nível em sessões de planea- tecnologias de comunicação em África, a transmissão
mento estratégico na Nigéria, África do Sul e Egip- de boatos e suspeitas pode propagar-se rapidamente em
to. Além disso, a muito respeitada Southern Africa períodos de crise e complicar as missões da FDS, como
Defence and Security Management Network (Rede aconteceu no Quénia em 2007, no surto de violên-
de Gestão da Defesa e Segurança da África do Sul) cia que se seguiu às eleições, nos motins alimentares
revelou-se uma iniciativa excepcional na promoção de 2010 em Moçambique, e em conflitos comunais
da transparência, confiança e cooperação entre re- recorrentes na Nigéria. Uma estratégia pró-activa de
sponsáveis civis e militares, e contribuiu igualmente partilha de informações, utilizando os recursos desta
para alterações na política e nas mentalidades. Criada tecnologia, contribuirá para esclarecer situações, des-
originalmente na África do Sul, esta rede composta fazer boatos e evitar ou estabilizar conflitos.
por dez universidades e institutos de pesquisa de toda
REFORMA Nº 5: ATENUAR A COMPLEXIDADE
a sub-região da SADC (Comunidade de Desenvolvi- DOS FACTORES NÃO-MILITARES
mento Sul Africana) é um organismo independente
não-governamental parcialmente financiado por doa- O progresso para uma melhor governação no seio
dores internacionais. Presta formação especializada e da FDS depende também de questões complexas com
certificada a profissionais das áreas da segurança poli- factores que ultrapassam o sector da segurança.

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Como diz um ditado popular “o peixe apodrece gionais, em particular, com crescente dinamismo, têm
a partir da cabeça”. Se as forças armadas estiverem elaborado instrumentos legais destinados a reforçar a
submetidas à autoridade política civil, o respeito pe- democracia, a paz e a boa governação. Por exemplo:
los valores republicanos no seio das forças de defesa
e segurança dependerá em grande medida da quali-  Carta Africana sobre Democracia,
◆◆ A
dade dos dirigentes políticos civis. Infelizmente, o Eleições e Governação da União Africana
sectarismo e os interesses individuais sobrepõem-
se com frequência aos interesses da nação. Para se ◆◆ A
 Nova Parceria de Desenvolvimento para
agarrarem ao poder ou para dele se apoderarem em África, Mecanismo de Revisão de Pares
eleições fraudulentas ou perdidas, alguns dirigentes (APRM), adoptada pela União Africana
africanos estão dispostos a violar a constituição e a
pôr o seu país em risco. ◆◆ O
 Protocolo sobre Democracia e Boa Gov-
Tais manobras envolvem frequentemente ten- ernação, da Comunidade Económica dos
tativas de manipulação ou de comando de unidades Estados da África Ocidental.
militares e paramilitares. As acções empreendidas
para fomentar o descontentamento ou até a revolta Estes acordos e outros do mesmo tipo pretendem
começam geralmente pela difusão de boatos e infor- tornar obrigatórias as disposições relativas ao cumpri-
mações falsas, por vezes habilmente filtradas por el- mento das normas democráticas, de direitos humanos
ementos directamente interessados no seio dos meios básicos e de boa governação. Em África o desprezo
de comunicação. Há políticos abastados e sedentos de por tais princípios contribuiu para enfraquecer a le-
poder que dispõem de milícias próprias que utilizam gitimidade do estado, para a esclerose institucional e
para atingir os seus fins. Tais forças irregulares e ban- para outros problemas que, frequentemente, causam
dos armados desempenharam um papel preponder- e alimentam as crises. Por outras palavras, o respeito
ante em conflitos recentes ou em curso na República pelos processos democráticos e a legitimidade que o
Democrática do Congo, Costa do Marfim, Burun- mesmo acarreta, tem um impacto directo sobre a paz e
di, Zimbabué, Sudão, Libéria, Uganda e Somália. a conflitualidade e, consequentemente sobre as FDS.
Noutros países, os frágeis equilíbrios de poder colo-
cam as FDS à mercê das forças políticas. Na maio- “o respeito pelos processos
ria dos estados africanos estáveis, por exemplo, é democráticos—e a legitimidade
frequentemente pouco claro o papel da legislatura que o mesmo acarreta, tem
na aprovação de intervenções, nomeações e outras um impacto directo sobre
decisões tomadas pelo chefe de estado. a paz e a conflitualidade e,
O papel tradicional e importante dos serviços
consequentemente sobre as FDS”
de segurança privados também exige atenção. Estes
serviços, que incluem responsabilidades de defesa e Nos casos de violação da Carta ou Protocolo
segurança cruciais, são por vezes confiados a mer- pelos signatários, os organismos regionais e os seus
cenários, movidos pela ambição do lucro. Tal privati- membros têm a obrigação de tomar atitudes firmes
zação contribui para desvirtuar a defesa e a segurança e coerentes para travar e prevenir a desestabilização
das nações. Esta situação é por vezes agravada pela e procedimentos anticonstitucionais. Tais medidas
intervenção de potências externas que, ocasional- por parte dos organismos regionais, com particular
mente, exacerbam conflitos internos por motivos relevo no que se refere às altas patentes, contribuem
estratégicos, económicos ou outros. para delimitar as fronteiras entre a política, a defesa
Existem, porém, modelos de boa governação que e a segurança. Os dirigentes civis que respeitam esses
podem contrabalançar os efeitos negativos destes acordos conquistam a confiança não apenas popu-
complexos factores não militares. As Nações Unidas, lar como dos dirigentes militares e das suas forças.
a União Africana e as Comunidades Económicas Re- Quando tais limites desaparecem, os militares de alta

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patente são confrontados com o dilema perturbador âmbito da cooperação para a segurança em África. A
de escolher entre o respeito pela autoridade civil e a cooperação e a assistência prestadas aos parceiros que
defesa das normas democráticas. O estado e toda a demonstram respeito pelos princípios e desempenhos
cadeia de comando ficam assim comprometidos e a eficazes pode constituir um incentivo à governação
trajectória da nação torna-se incerta. responsável no seio das FDS e desencorajar a explo-
O Mecanismo Africano de Revisão de Pares ração das forças de defesa e de segurança para fins
merece uma menção especial no contexto da re- políticos e interesses pessoais.
forma das FDS africanas. Através do APRM, os
CONCLUSÃO
estados africanos avaliam os seus esforços de incen-
tivo à governação democrática. A avaliação inclui O grau de consolidação da democracia em África
a análise, nestes estados, das políticas, instituições depende da estruturação, do profissionalismo e da
e processos existentes destinados a evitar e a gerir subordinação das forças de defesa e de segurança à
conflitos intra e inter-estatais. Com vista a reforçar autoridade política civil. Assim, em todo o conti-
a responsabilidade e a partilha de melhores práticas, nente africano, todos os dirigentes sociais e gover-
CENTRO DE ESTUDOS ES-
a auto-avaliação é acompanhada de uma avaliação namentais, incluindo as altas patentes do exército, TRATÉGICOS DE ÁFRICA
independente realizada por uma equipa multinacio- devem reconhecer a necessidade de abandonar para- Director: Embaixador
(reformado)
nal de peritos africanos. As doze avaliações APRM digmas mentais obsoletos que impedem as reformas William M. Bellamy
National Defense University
até agora efectuadas identificaram vulnerabilidades e ajustamentos necessários. Por seu lado, os parceiros
300 Fifth Avenue, Building 21
específicas no que respeita a conflitos e apresentaram internacionais tudo devem fazer para encorajar a boa Fort McNair
Washington, DC 20319-5066
recomendações pormenorizadas com vista a melhorar governação e denunciar inequivocamente a interfer- Telefone: + 1 202 685-7300
a diversidade, a formação em direitos humanos e a ência das forças de defesa e segurança na vida política Website: www.africacenter.org

boa aplicação da lei, assim como a correcção de out- assim como os políticos que procuram pôr em causa ESCRITÓRIO REGIONAL
ras lacunas nas FDSs. Por outras palavras, o APRM o equilíbrio do poder constitucional e a utilização de DO CENTRO DE ÁFRICA
EM DAKAR
fornece aos responsáveis pela cadeia de comando um milícias armadas e de mercenários como instrumento Gerente Regional:
Elisabeth Feleke
instrumento eficaz para medir o desempenho, iden- de contestação e domínio. É igualmente importante Telefone: 221 33 869 61 00
tificar áreas que carecem de melhorias e receber re- um apoio sustentado aos reformadores empenhados Email: FelekeE@ndu.edu

comendações e sugestões inovadoras dos parceiros em levar à prática bons planos consensuais. ESCRITÓRIO REGIONAL
africanos. As FDS devem cooperar e empenhar-se Com forças de defesa e segurança totalmente DO CENTRO DE ÁFRICA EM
ADIS ABEBA
firmemente no processo APRM. dedicadas a estas reformas, África conseguirá levar Gerente Regional:
Brad Anderson
Em complemento dos objectivos destes instru- por diante a dinâmica agora em curso e expandir pau-
Telefone: 251 11 517 4000
mentos africanos, a Corporação do Desafio do Milé- latinamente o número de países no continente que Email: AndersonBG@state.gov
nio (uma agência do Governo dos Estados Unidos respeitam a democracia e os direitos humanos. RESUMOS DE SEGURANÇA
da América) é uma iniciativa que recompensa a boa DE ÁFRICA
Editor: Dr. Joseph Siegle
governação com mais investimento em desenvolvi- Telefone: + 1 202 685-6808
mento. Esta iniciativa merece ser reproduzida no Email: SiegleJ@ndu.edu

O Centro de Estudos Estratégicos de África apoia o desenvolvimento O Resumo de Segurança de África apresenta pesquisa e análise
de políticas estratégicas dos EUA que visam a África, oferecendo de especialistas do CEEA e eruditos, com o objectivo de avançar
programas académicos de alta qualidade e relevantes, fomentando a compreensão das questões de segurança Africanas. As
a consciencialização e o diálogo sobre as prioridades estratégicas opiniões, conclusões e recomendações expressas ou implícitas
dos EUA e assuntos relacionados com segurança em África, criando são dos contribuintes e não refletem necessariamente a opinião
redes de líderes militares e civis africanos, americanos, europeus e do Departamento de Defesa dos Estados Unidos ou qualquer outro
internacionais, assistindo as autoridades dos EUA na formulação de órgão do Governo Federal. Para mais informações sobre o CEAA,
políticas eficazes para África e articulando as perspectivas africanas a visite o Web site http://www.africacenter.org.
autoridades dos EUA.

A F R I C A C E N T E R F OR S T R AT E G I C S T U D I E S

http://www.africacenter.org

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