Você está na página 1de 5

TEXTO 01: Bandeirantes - Heróis ou vilões?

A construção do mito

Durante muito tempo, os bandeirantes foram encarados como "heróis". Eles


teriam sido os desbravadores que contribuíram para a construção de nosso país,
expandindo nossas fronteiras. Essa imagem heroica acabou dando lugar a outra,
oposta: os bandeirantes teriam sido bandidos cruéis e sanguinários, que saqueavam
aldeias indígenas, matando crianças, violentando mulheres e escravizando os índios.
Os bandeirantes estão entre as figuras mais polêmicas da história do Brasil. A
confusão se dá entre a história dos bandeirantes propriamente dita e a construção da
memória em torno deles. A imagem que bandeirantes que há os traz calçados com
botas de montar, vestidos com calções de veludo e casacas de couro almofadado. É
desse modo que eles aparecem em pinturas, ilustrações de livros e até em estátuas.
A pesquisa histórica revela uma realidade bastante diferente: a maioria dos
bandeirantes andava descalça e com roupas muito simples. Na verdade, todas as
imagens que vemos dos bandeirantes foram feitas muito tempo depois da época em
que eles viveram.
Expedições que geralmente partiam de São Paulo e eram organizadas com o
fim de capturar índios e encontrar ouro e pedras preciosas, as bandeiras existiram do
século 16 ao 18, enquanto as pinturas mais antigas sobre o tema foram feitas a partir
do século 19, sob a ótica idealizadora do Romantismo.
Outro fator que contribuiu para o mito do herói bandeirante foi a própria
transformação de São Paulo em uma metrópole, que ocorreu muito tempo depois da
época dos bandeirantes. No período colonial, São Paulo não passava de um povoado
isolado com pouco mais de mil habitantes. O crescimento da economia cafeeira
contribuiu para que São Paulo crescesse. A região ganhou a fama de "terra do
trabalho", de lugar em progresso. As elites paulistas resolveram difundir uma história
idealizada, segundo a qual, as raízes desse progresso já existiam na época dos
bandeirantes. Os membros da aristocracia do café seriam os descendentes diretos
dos "heroicos bandeirantes". Os paulistas, especialmente os membros da elite,
traziam "no sangue" a herança dos bandeirantes, homens valentes que não tinham
medo de desafios, o que explicaria porque os paulistas eram trabalhadores dedicados
e incansáveis.
TEXTO 02: ENTRE HOMENAGEM E AGRESSÃO

Os monumentos históricos fazem parte da paisagem urbana e do cotidiano das


cidades. Eles estão por toda parte e muitas vezes são vistos como um retrato fiel do
passado. Entretanto, essas obras não são isentas de contradições e materializam
visões de mundo particulares dos artistas e do contexto no qual estão inseridas.
Os monumentos de bandeirantes, como a estátua de Borba Gato em Santo
Amaro e o Monumento às Bandeiras no Ibirapuera, são os casos mais emblemáticos
em São Paulo. Antes vistos como figuras heroicas que ajudaram a construir a cidade
no período colonial, hoje há o entendimento de que eles escravizaram e causaram
enorme violência a povos indígenas e negros.
Além das estátuas, os bandeirantes estão presentes em nomes de avenidas e
rodovias. Em março, o Metrô de São Paulo decidiu alterar o nome de uma futura
estação da linha 2-verde de Paulo Freire, educador brasileiro, para Fernão Dias,
bandeirante conhecido por caçar e escravizar indígenas. Na última sexta-feira, 27, a
Justiça proibiu a alteração, com base na Lei nº 12.781/13 que veta a denominação de
bens públicos em homenagem a pessoas conhecidas pela exploração de mão de obra
escrava.
Na visão da pesquisadora Thabata Dias Haynal, formada em Letras e
pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.,
o impasse mostra a importância de debater a questão e ampliar o acesso à História:
“Os bandeirantes continuam no imaginário social como heróis e isso incomoda uma
população que historicamente é marginalizada. Não podemos ignorar a violência que
continuamos cometendo contra eles.
Ela avalia que o principal problema é a falta de intervenções que motivem a
discussão crítica sobre essas obras. “O Brasil não superou questões de violência
contra as pessoas indígenas e negras. É inaceitável os monumentos estarem da
forma que estão no espaço público, porque é uma manutenção do ponto de vista que
desumaniza e apaga o sofrimento dessas populações. Qual memória queremos
preservar?”
TEXTO 03: NOTÍCIA

A estátua em homenagem ao bandeirante Manuel de Borba Gato (1649-1718),


um dos monumentos mais tradicionais e controversos da cidade de São Paulo, foi
incendiada no dia 24 de julho de 2021. Um grupo denominado Revolução Periférica
assumiu a autoria do ato e publicou nas redes sociais imagens do ataque. Diversos
jovens mascarados de preto jogando pneus e em seguida líquido inflamável e
colocando fogo. As labaredas subiram rapidamente, assim como a fumaça preta no
bairro de Santo Amaro, zona sul da cidade. Inaugurada em 1963, a estátua é alvo de
críticas pelo papel de Borba Gato no avanço colonizador ao interior do país na época
da mineração, tomando terras e escravizando indígenas e negros. A estátua tem 13
metros de altura e levou seis anos para ficar pronta. A obra do escultor Julio Guerra
(1912- 2001) já havia sido pichada em 2016, junto com o Monumento às Bandeiras,
outro símbolo da exploração colonial brasileira na cidade.
Diversos grupos pedem a derrubada da estátua, em um movimento que
ganhou força no ano passado após decapitações e demolições de símbolos
escravagistas nos Estados Unidos impulsionadas pela onda de protestos anti racistas
gerada pela morte de George Floyd. Hoje, a estátua Borba Gato, situada no bairro de
nome homônimo, no distrito de Santo Amaro, presta homenagem à sua biografia
genocida, descreve uma das petições on-line direcionadas à Secretaria Municipal de
Cultura cobrando a retirada da estátua.
Em uma publicação nas redes sociais em junho de 2020, o jornalista e escritor
Laurentino Gomes, autor dos dois volumes de Escravidão (Globo Livros), declarou ser
contra a demolição das estátuas e outros monumentos que representam figuras hoje
criticadas e revistas por pesquisadores. “Estátuas, prédios, palácios e outros
monumentos são parte do patrimônio histórico. Devem ser preservados como objetos
de estudo e reflexão”, escreveu. Vejo nas redes sociais um movimento pela derrubada
da estátua do bandeirante Borba Gato situada no bairro de Santo Amaro, em SP. Sou
contra. Estátuas, prédios, palácios e outros monumentos são parte do patrimônio
histórico. Devem ser preservados como objetos de estudo e reflexão.
TEXTO 04: ANÁLISE DA ESPECIALISTA

Os protestos contra monumentos e esculturas em espaços públicos ficaram


mais fortes em diversos países em 2020, após as manifestações antirracistas nos
Estados Unidos, motivadas pela morte de George Floyd. As ações de manifestantes,
com foco em estátuas e monumentos de figuras históricas controversas, revelam o
anseio das populações de muitos países de revisar a história. Por aqui, projetos de
lei tramitam na Câmara Municipal de São Paulo, na Assembleia Legislativa paulista e
no Congresso, em Brasília, para discutir a reparação dos monumentos que fazem
referência a personagens e momentos controversos da história. Para a historiadora e
antropóloga brasileira Lilia Schwarcz, é possível "reutilizar monumentos e continuar
contando a história através deles. "Eles podem ser retirados e colocados em museus,
explicando o porquê foram retirados; outros devem receber monumentos ao lado,
tencionando a verdade.” Ainda de acordo com ela, já passou da hora de deixarmos
de homenagear personagens desse tipo. Numa linha semelhante, a prefeitura de São
Paulo tem um programa chamado Ruas de Memória, que modifica o nome de ruas,
praças, pontes e viadutos que reverenciam torturadores e violadores dos direitos
humanos. Em 2016, por exemplo, o nome oficial do Minhocão passou de Elevado
Costa e Silva [o segundo presidente da ditadura militar] para Elevado João Goulart [o
presidente deposto pelo golpe de 1964]. Em ações desse tipo, no entanto, não basta
simplesmente mudar o nome da rua ou retirar a estátua da praça. É preciso que antes
se faça um debate público a respeito da mudança, pois em primeiro lugar, a retirada
das estátuas precisa fazer parte de uma política pública. Não se pode improvisar. É
necessário que seja algo pensado e organizado. Em segundo lugar, o debate público
é essencial para que fique claro para a sociedade porque a estátua está sendo
retirada, qual foi o papel negativo que essa personalidade desempenhou na história
e porque ela não deve ser homenageada.
TEXTO 05: REVISIONISMO NO MUSEU

Não é de hoje que a figura do bandeirante tem sido revista na história brasileira. Se
antes eram exaltados como heróis, agora estão situados em seus devidos lugares, como
homens que exploraram várias partes do país, principalmente em busca de ouro e na captura
de escravizados fugidos e indígenas. Entre os mais conhecidos estão Antônio Raposo
Tavares, Domingo Jorge Velho, Fernão Dias Pais, Jerônimo Leitão e Manuel Borba Gato –
este último teve a estátua em sua homenagem, na Zona Sul de São Paulo, incendiada ano
passado.

Além do trabalho de inúmeros historiadores para divulgarem a biografia real desses


homens, também é possível conhecer a de alguns deles na mostra Uma História do Brasil,
em cartaz no Museu do Ipiranga, recém-inaugurado. Logo no saguão de entrada do prédio
histórico estão algumas dessas figuras, que são vistas e apresentadas sob uma nova ótica.
As pinturas e esculturas representam colonizadores, bandeirantes e personalidades que
atuaram na independência do Brasil, muitas feitas a pedido das elites que governaram São
Paulo no início do século 20.

Para atender a estes ‘mecenas’ da época, são visões consideradas racistas, pois não
valoriza a importância de indígenas e negros, além de sexistas, porque as mulheres não são
visualizadas. Entre os bandeirantes homenageados logo de início, estão duas enormes
esculturas de Raposo Tavares e Fernão Dias, feitas pelo italiano Luigi Brizzolara. Elas foram
encomendadas pelo governo do Estado de São Paulo – em uma época em que se pensava
que estes nomes eram os grandes benfeitores do país – e confeccionadas em mármore
carrara. Tavares, por exemplo, é colocado com traços europeus, observando o horizonte em
referência ao seu papel de conquista ao território. Junto aos seus pés tem ramos de café,
símbolo da riqueza de São Paulo quando as obras foram feitas.

Já na exposição Passados Imaginados, na sala 1, há o quadro Domingos Jorge Velho


e o locotenente Antônio Fernandes de Abreu, do pintor Benedito Calixto. Foi o primeiro retrato
de um bandeirante realizado em São Paulo no século 20 (1901-2000) e a primeira pintura
com esse tema adquirida para o Museu, em 1903. Ele representa o bandeirante que
comandou a destruição do Quilombo dos Palmares junto a seu principal auxiliar.

É importante dizer que em nenhum momento, quando se faz a visita ao museu, estes
nomes são colocados como heróis, como no século passado. Os educadores e curadores
que podem ser abordados no local situam seus reais papéis nesse contexto, inclusive
trazendo a visão crítica de suas atuações.

Você também pode gostar