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Universidade Rural do Rio de Janeiro

Instituto Multidisciplinar
Geografia Urbana
Docente: ANITA LOUREIRO DE OLIVEIRA
Discentes: Brenda Silva Guimarães e Joice Barbosa da Silva

Relatório de campo
O trabalho de campo realizado no dia 15 de maio de 2023 pela turma de Geografia
Urbana percorreu espaços importantíssimos para a história da evolução urbana no Rio de
Janeiro, mas também para a história de resistência de homens e mulheres que chegaram ao
Brasil através da diáspora africana. Assim, o trabalho se iniciou na Praça XV onde fica o palácio
imperial que foi residência da família real portuguesa até a sua mudança para São Cristovão.
Algo interessante sobre esse ponto é o chafariz da Praça XV, fruto da intenção de D. João de
urbanizar a cidade e que acabou sendo um marco na crescente efervescência da cidade com o
aumento do comércio e da população. Outra questão a se notar, e podemos ver na imagem
abaixo, é como diferente de outros chafarizes a bacia deste está alta, isso é assim pois não se
queria que ninguém tocasse a água para pega-la, assim restava as pessoas escravizadas que o
faziam estender os braços para cima para encher seus recipientes.

Figura 1: Chafariz da praça XV

Fonte: https://images.app.goo.gl/suztrLCZve1H86Mr9
Outro ponto visitado foi o Castelo na Ladeira da Misericórdia, antiga praia da Piaçava,
que recebeu esse nome por causa da Santa Casa da Misericórdia ali localizada. Próxima a ela, a
sua direita após casarios, havia também a Rua da Misericórdia, extinta durante a reurbanização
do Rio de Janeiro, os próprios casarios também foram demolidos. Como podemos ver nessas
fotos:

Figura 2: Ladeira da Misericórdia atualmente

Fonte: https://images.app.goo.gl/bFYzr7RY2JeTvNXH7

Figura 3: Ladeira da Misericórdia na Colônia

Fonte: https://images.app.goo.gl/hxYZWUpdZDQjqp116

Em seguida, outro ponto a ser observado foi na Cinelândia, desde o Odeon ao Teatro
Municipal, a Câmara dos Vereadores, a Biblioteca Nacional e a Av. Rio Branco. O lugar recebeu
esse nome pois na década de cinquenta havia mais de 26 cinemas no local, e para além disso
muito comércio, marcando uma época efervescente em se tratando de movimentação física e
econômica lá. Agora o que temos são os espaços citados e outros como o Museu de Belas Artes
que já funcionou como a Escola Nacional de Belas Artes.

Figura 4: Cinelândia atualmente


Fonte: https://images.app.goo.gl/iawqQi5KwQzAegMw9

Já o Passeio Público, próximo ponto foi construído sob o aterro da Lagoa do Boqueirão
da Juda, lugar de despejo de dejetos humanos.

Figura 5: Chafariz do Passeio Público

Fonte: https://images.app.goo.gl/6LFinA1REbLjebAo8

Já na Lapa, uma questão observada foi a Rua Riachuelo, antiga rua Mata-cavalos, onde
hoje há diversas lojas mas que é principalmente residencial, e que leva ao Morro do Catumbi, e
tem saídas que levam a Santa Tereza. Além disso, seguindo a Rua da Riachuelo chegaria-se ao
Morro do Senado que também já foi derrubado:

Figura 6: Lapa atualmente


Fonte: https://images.app.goo.gl/SwbV8mPhAeenKLQD6

Por último, o grupo chegou ao Largo da Carioca, antiga Rua do Piolho, onde há também
um chafariz histórico, muito usado para a população se abastecer. E é interessante pensar na
quantidade de chafarizes ou bicas que podem ser encontrados nesse trajeto pois esses lugares
foram importantes pontos de sociabilidade das pessoas negras na Cidade, sendo assim lugares-
resistências pois nessas oportunidades podia haver a comunicação em suas próprias línguas,
combinar revoltas ou fugas, criar estratégias de sobrevivência e resistência a escravidão.
(GUIMARÃES, p. 279, 2015)

Figura 7: Largo da Carioca atualmente

Fonte: https://images.app.goo.gl/fWoboymBdGa99jks9

Figura 8: Largo da Carioca na Colônia


Fonte: https://images.app.goo.gl/DRY2JgHsGhaH6xui9

Após observarmos esses pontos vale lembrar da tese de doutorado de Geny Ferreira
Guimarães Rio Negro de Janeiro: olhares geográficos de heranças negras e o racismo no processo-projeto
patrimonial, onde a pesquisadora postula que devido ao processo colonizatório e o deslocamento
forçado de pessoas negras africanas para o nosso atual território, hoje existe um legado físico,
cultural e simbólico da população negro-africana no Rio de Janeiro:

por toda a constituição espacial das relações negras que se


estabeleceram nesta cidade e se estenderam no tempo gerando uma
dimensão racial no espaço carioca cuja territorialidade atual está
expressa na numerosa população negro-brasileira e na paisagem da
cidade do Rio de Janeiro. (GUIMARÃES, p. 253, 2015)

Foi a população negra quem construiu geograficamente e economicamente o Rio de


Janeiro, desde as casas à própria Igreja do Morro do Castelo, construída e demolida pela
população negra, e que foi um dos lugares visitados através da Ladeira da Misericórdia. Assim, o
Rio de Janeiro é negro em sua estrutura e formação, segundo Geny Ferreira:

Foi construída uma história na qual a população negra seria


composta por anônimos, sem vozes, corpos, expressões,
produções, culturas e origens. Mas, pelo contrário,
qualquer ponto histórico da cidade que seja citado possui
marcas geográficas negras que permaneceram ao longo do
tempo histórico, em locais específicos e/ou nas
proximidades que foram construídas por mãos negras. O
enraizamento destas marcas e heranças na geografia da
cidade ocorreu a partir do estabelecimento de resistências
físicas, psicológicas e culturais. (GUIMARÃES, p. 255, 2015)

No entanto, não podemos esquecer que cada um desses lugares foi construído com
trabalho forçado, envolvendo mortes e uma desumanização constante. Vale então pensar na
importância das ações de resistência ocorridas nesses territórios, a pesquisadora pontua que esses
lugares estão repletos de memórias, ancestralidades e culturas africanas por exemplo, assim como
os quilombos que foram eles próprios lugares-resistências.
Além desses lugares de resistência há outros que marcam a paisagem com uma história
atroz que, contudo, não pode ser esquecida. Na praça XV, por exemplo, antes havia o Largo do
Carmo, havia mercados e trapiches onde pessoas escravizadas eram jogadas e vendidas. Assim,
reitera-se que sem a população negra-africana a cidade do Rio de Janeiro hoje não seria como é,
e, além disso, como aponta a pesquisadora: “Os negro-africanos e brasileiros escravizados
superavam 50% e somados ao número de libertos” (GUIMARÃES), o que aponta que o Rio de
Janeiro já era negro até mesmo demograficamente.
Outo lugar que traz essas marcas é, sem dúvida, o Cais do Valongo, remodelado como
Cais da Imperatriz para esconder sua história e redescoberto durante as obras do Porto Maravilha.
Dessa forma, é importante observar o Rio de Janeiro por ambos os lados, pois o
apagamento da presença, influência e atuações negras e africanas na construção da cidade, e até
mesmo do Brasil, imputa uma violência simbólica e política ao manter como única história a que
retrata essas pessoas em local de servidão, apagando seu papel na construção da cidade.
Para além da arquitetura do Centro do Rio, que denuncia uma forte intervenção estatal
para garantir a preservação da história nacional, é possível perceber que os monumentos, os
edifícios, as estruturas que correspondem a outros recortes de tempo, ainda permanecem em
lugares de sociabilidade e trânsito, na medida em que esses pontos ou elementos configuram uma
sociedade mais moderna e menos reflexiva acerca dela própria. Pensemos através da colocação de
Milton Santos que considera a intervenção social um fator que caminha a favor do tempo e do
espaço, enquanto essa interferência humana colabora para alterar os espaços geograficamente.

A formação social se diferencia do modo de produção pois estes escrevem a história no


tempo, enquanto as formações sociais escrevem-na no espaço.
SANTOS, Milton. A formação social como teoria e como método.

Com isso conseguimos elaborar algumas reflexões acerca desses lugares quando olhamos
para eles como lugares de trânsito. É possível que o homem transite pelo Centro do Rio sem
imaginar que histórias estão soterradas abaixo de seus pés? É possível que nesta sociedade tão
demarcada pela injustiça social possa existir um elo entre os espaços geográficos a ponto de torná-
lo viável para todos os acessos e públicos? É possível que ainda estejamos escavando histórias
destoantes de uma história oficial? Que relações existem entre a economia escravagista e a
configuração da economia capitalista de hoje?
Alguns desses questionamentos já conseguimos desenvolver nos trechos anteriores, mas
ainda precisamos identificar alguns espaços que fazem parte do nosso roteiro e deste também.
(As imagens a seguir fazem parte do nosso acervo pessoal).

(Imagem 1)

(imagem 2)
Circuito de Herança Africana (mapeamento - MUHCAB)
(Imagem 3)

Cais do Valongo/Cais da Imperatriz (imagem 4)

Largo da Prainha (imagem 5)


(Imagem 6)
Cemitério dos Pretos Novos (identificação de fósseis após processo de escavação)

(imagem 7)
Cemitério dos Pretos Novos (índice anual do tráfico de escravizados: embarcados,
desembarcados e mortos durante o trajeto)
(Imagem 8)
Igreja São Francisco da Prainha (Morro da Conceição)
Morro da Conceição (imagem 9)
Pedra do Sal (imagem 10)
(imagem 11)

(imagem 12)
Murais em exposição no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB)
(Na primeira imagem, Zezé Mota)

(imagem 13)
Vista da Praça Mauá e do MAM através do Museu de Arte do Rio (MAR)

Neste trajeto, desviamos do percurso original para contemplar diversos pontos localizados no Centro
do Rio, mas estivemos observando, através do Circuito de Herança Africana (imagem 1 e 2), como a
memória da diáspora negra é demarcada neste território. No ponto de vista do cotidiano, imaginamos
que as intervenções do homem diante de um processo histórico que modifica o espaço em escala
macro, se pensarmos nos desmontes estruturais e demográficos, e em escala micro quando, se
pensarmos nas ausências gritantes, não notamos a devida reverência aos corpos que sustenta a
infraestrutura e a existência do que se compreende enquanto atrativos turísticos de hoje. Percebemos
como Milton é pontual para elaborar um pensamento que evidencia o que pode nos ser mais caro
enquanto sujeitos pertencentes de territórios explorados, o registro. Quando não há um registro visível
aos olhos e aos corpos, não há memória, nem sensibilidade, e quando não há intervenções para
remorar ou ressignificar determinados espaços, não existe a possibilidade de registrar as identidades
e culturas pertencentes a eles.
Hoje, alguns lugares que tiveram outra configuração, seja para economia, seja para as relações
sociais que se deram no Brasil Colonial, já fazem parte de um novo registro, como é o caso da Pedra
do Sal (imagem 10) ou dos Museus memoriais (imagem 11 e 12), seja pelo fomento da cultura afro-
brasileira, seja pela ativação desses espaços para narrar histórias que soterram um passado que se
deseja soterrar e esquecer.

Referências:

ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Instituto Pereira Passos.
1987.

GUIMARÃES, Geny Ferreira. Rio Negro de Janeiro: olhares geográficos de heranças negras e o
racismo no processo-projeto patrimonial / Geny Ferreira Guimarães. -- Salvador, 2015.

LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Tradução de Sergio Martins. – Belo Horizonte. Ed.
UFMG, 1999. 178p.

MOREIRA, Ruy. A cidade e o urbano no Brasil. In SILVA, Catia Antonia da; CAMPOS,
Andrelino. Metrópoles e invisibilidades. Rio de Janeiro, Lamparina, 2015.

SANTOS, Milton. A formação social como teoria e como método. 1977.


Links figuras:

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https://images.app.goo.gl/bFYzr7RY2JeTvNXH7

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