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A Aquisição do discurso: a emergência de uma compêtencia ou


aprendizagem de differentes capacidades de linguagem?

DOLZ-MESTRE, Joaquim, PASQUIER, Auguste, BRONCKART, Jean-Paul

Abstract

A noção mais frequentemente utilizada para descrever e conceituar os processos envolvidos


na aquisição-aprendizagem dos discursos é a de “competência”. Após retomar as opções
epistemológicas que subjazem ao surgimento dessa noção, mostramos que sua extensão ao
discurso não apenas veicula uma concepção unária e global do desenvolvimento, em
contradição com a maioria dos dados disponíveis neste domínio, mas também serve para
caracterizar fenômenos de níveis muito diferentes, para os quais uma diversificação dos
conceitos de desenvolvimento parece se impor. Na segunda parte, tentamos definir as
diferentes ordens de capacidades exigidas de um aluno para produzir um discurso adaptado
a uma dada situação de interação. Em seguida, nos interrogamos sobre as etapas de
aprendizagem de cada uma dessas capacidades e sobre as interações existentes entre elas.
Por fim, propomos alguns elementos para um ensino (ou uma didática) articulado/a às
condições efetivas da aprendizagem dos discursos em situação escolar.

Reference
DOLZ-MESTRE, Joaquim, PASQUIER, Auguste, BRONCKART, Jean-Paul. A Aquisição do
discurso: a emergência de uma compêtencia ou aprendizagem de differentes capacidades de
linguagem? Nonada: Letras em Revista, 2017, no. 28

Available at:
http://archive-ouverte.unige.ch/unige:109841

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A AQUISIÇÃO DO DISCURSO:
EMERGÊNCIA DE UMA COMPETÊNCIA OU
APRENDIZAGEM DE DIFERENTES CAPACIDADES DE
LINGUAGEM?1

L’ACQUISITION DES DISCOURS: EMERGENCE D’UNE


COMPÉTENCE OU APPRENTISSAGE DE CAPACITÉS
LANGAGIÈRES DIVERSES?

Joaquim Dolz
Auguste Pasquier
Jean-Paul Bronckart

RESUMO: A noção mais frequentemente utilizada para descrever e conceituar os processos envolvidos na
aquisição-aprendizagem dos discursos é a de “competência”. Após retomar as opções epistemológicas que
subjazem ao surgimento dessa noção, mostramos que sua extensão ao discurso não apenas veicula uma
concepção unária e global do desenvolvimento, em contradição com a maioria dos dados disponíveis neste
domínio, mas também serve para caracterizar fenômenos de níveis muito diferentes, para os quais uma
diversificação dos conceitos de desenvolvimento parece se impor. Na segunda parte, tentamos definir as
diferentes ordens de capacidades exigidas de um aluno para produzir um discurso adaptado a uma dada
situação de interação. Em seguida, nos interrogamos sobre as etapas de aprendizagem de cada uma dessas
capacidades e sobre as interações existentes entre elas. Por fim, propomos alguns elementos para um ensino (ou
uma didática) articulado/a às condições efetivas da aprendizagem dos discursos em situação escolar.

RÉSUMÉ: La notion la plus fréquemment utilisée pour décrire et conceptualiser les processus en jeu dans
l’acquisition-apprentissage des discours est celle de “compétence”. Après avoir ré-évoqué les options
épistémologiques qui ont sous-tendu l’apparition de cette notion, nous montrons que son extension au discours,
soit véhicule une conception unaire et globale du développement en contradiction avec la plupart des données
disponibles en ce domaine, soit sert à caractériser des phénomènes de niveaux très differents, pour lesquels une
diversification des concepts développementaux nous parâit s’imposer. Dans une seconde partie, nous tentons de
definir les différents ordres de capacités requises d’un apprenant pour produire un discours adapté à une
situation d’interaction donnée. Nous nous interrogeons ensuite sur les étapes d’apprentissage de chacune de ces
capacités et sur les interactions qui existent entre elles. Nous proposons enfin quelques éléments pour un
enseignement (ou une didactique) articulé aux conditions effectives de l’apprentissage des discours en situation
scolaire.

1Nota do Tradutor: Este texto foi originalmente publicado na revista Études de Linguistique Appliquée, n.
92. 1993. pp. 23-37, com o título L’acquisition des discours: emergence d’une compétence ou apprentissage de
capacités langagières diverses?. Agradeço à gentileza dos autores por permitirem a publicação desta
tradução e, em especial, à revisão e às importantes sugestões de Joaquim Dolz. É válido destacar que
este texto foi produzido há mais de 20 anos e deve ser lido neste contexto. Todavia, sua pertinência
permanece bastante atual para aqueles que, em alguma medida, dialogam com a perspectiva do
Interacionismo Sociodiscursivo. Tradução de Cassiano Ricardo Haag (Centro Universitário Ritter dos
Reis – UniRitter/Capes-PNPD).
Como descrever e conceituar os processos envolvidos na aquisição-
aprendizagem dos discursos? É a esta questão geral que se articulam os
elementos de reflexão e de discussão que se seguirão.
Ao longo das últimas décadas, a noção de “competência” foi a mais
frequentemente utilizada para descrever as aptidões dos alunos a respeito do
discurso. Após retomar os postulados epistemológicos que subjazem à
introdução dessa noção na obra de Chomsky, tentaremos mostrar que a
extensão de seu uso para o domínio do discurso não apenas testemunha uma
concepção unária e global da aquisição em contradição com a maioria dos dados
empíricos recolhidos nesse domínio, mas também serve para caracterizar
fenômenos de níveis muito diferentes, que não dependem da competência
propriamente dita, e para os quais uma diversificação dos conceitos de
desenvolvimento parece se impor.
Na segunda parte, por outro lado, inspirando-nos na caminhada que
desenvolvemos pela psicologia da ação e dos discursos, tentamos
primeiramente definir as diferentes ordens de capacidades exigidas de um
aluno para produzir um discurso adaptado a uma dada situação de interação.
Na sequência, com base nos resultados de pesquisas sobre o desenvolvimento,
interrogamo-nos acerca das etapas de aprendizagem de cada uma dessas
capacidades, bem como das interações existentes entre elas. Ao final, propomos
alguns elementos para um ensino (ou uma didática) articulado/a às condições
efetivas de aprendizagem dos discursos em situação escolar.

Uma “competência” discursiva?

Das origens da noção de competência

Foi no contexto da atribuição de um estatuto psicológico às gramáticas


gerativas em elaboração que Chomsky introduziu as noções de competência e
de performance. Como se sabe, o objetivo principal desse autor era (e continua
sendo) construir um sistema de regras formais suscetíveis de gerar uma
infinidade de frases gramaticais (e nada além de frases gramaticais) no quadro
de uma língua natural dada. Em Aspects (1965), Chomsky afirma que essa
máquina formal deve, ainda, “representar” a criatividade operada em todo
funcionamento de linguagem, isto é, a capacidade que tem todo ser humano de
produzir e compreender uma infinidade de frases, apesar do número limitado
de elementos linguísticos (fonemas, morfemas, lexemas) à sua disposição.
Nessa ótica, a noção de competência não designa senão a gramática interna que
sustenta o conjunto de manifestações de linguagem concretas (ou
performances) de todo indivíduo. Se se leva em consideração os postulados
inatistas, mentalistas e universalistas da epistemologia chomskiana, essa
noção-chave pode ser caracterizada da seguinte maneira:
a) A competência é de natureza biológica; inscrita no potencial
genético do sujeito, ela escapa a todo determinismo histórico ou
social.
b) A competência é um conhecimento formal (puramente sintático),
independente dos conhecimentos de ordem pragmática e, portanto,
imunes a quaisquer efeitos do contexto.
c) A competência não é objeto de nenhuma aprendizagem; ela
“emerge” gradualmente pela maturação do sistema nervoso.
d) A competência aplica-se apenas às frases e a priori não tem nenhuma
pertinência para o que diz respeito às aptidões relativas aos textos
e aos discursos.

Uma competência textual: as abordagens cognitivistas

Quando, ao longo das duas últimas décadas, a pertinência da


consideração do texto como unidade linguística foi reconhecida, uma corrente
de psicologia cognitivista começou a esforçar-se para generalizar a noção de
“competência” para as aptidões de que dispunham os sujeitos nesse domínio.
Os primeiros trabalhos recaíam sobre a narração (ver principalmente
Kintsch e van Dijk, 1975; Mandler e Johnson, 1977; Rumelhard, 1975) e
trouxeram a hipótese da existência de estruturas mentais comuns (ou
“esquemas”), favorecendo a compreensão e a memorização desse tipo de texto.
Modelo dos conhecimentos implícitos do sujeito, o esquema narrativo designa
tanto a estrutura lógica da organização do conteúdo (noção de “macroestrutura
semântica”), quanto a estrutura sequencial das proposições do texto (noção de
“superestrutura”). Na perspectiva desses autores, o texto narrativo é estudado
sob a ótica de uma atividade geral de resolução de problemas, na qual a
finalidade perseguida pelo enunciador serve como orientação à estrutura
hierárquica das informações; não é, portanto, concebida como uma estrutura
discursiva particular adaptada a uma situação de interação determinada, mas
como um relatório linguageiro de eventos, subordinado, na verdade, apenas à
lógica do universo referencial.
Na sequência desses trabalhos, a psicolinguística cognitivista propôs a
noção de esquema textual prototípico para modelizar os procedimentos de
tratamento de todo tipo de texto (descritivo, argumentativo, explicativo, etc.).
O não domínio desse esquema (uma vez adquirido, disponível na memória de
longo termo) explicaria a desigualdade das competências entre sujeitos
inexperientes e experts. Em produção, o modelo de Hayes e Flower (1980)
integra igualmente a noção de esquema textual prototípico a título de
mecanismo de monitoramento dos processos de planificação, de textualização
e de revisão. Segundo observa Schneuwly (1991, p. 45), “na verdade, os
cognitivistas postulam um funcionamento único da linguagem no qual o gênero
discursivo intervém apenas como uma variável entre outras sem afetá-lo
fundamentalmente”. Nos modelos de aquisição que eles propõem, existe apenas
uma única competência textual (conjunto de saberes formais relativos à
organização dos textos), e as aptidões para adaptar esses textos às diversas
situações de comunicação se originariam somente da performance.
Como pode se constatar, projetando a noção chomskiana de
competência sobre o universo textual, os cognitivistas transpuseram a ela,
juntamente, os postulados biologizantes de unicidade e de generalidade. Ora,
se alguns dados experimentais relativos à memorização dos textos parecem
compatíveis com essa opção, não é o que acontece a respeito dos dados relativos
à produção. As pesquisas sobre desenvolvimento realizadas por Dolz (1990),
Dolz, Rosat e Schneuwly (1988) e de Weck (1991) fazem surgir mudanças
importantes especialmente no domínio de diferentes gêneros discursivos
(conto, notícia, explicação, carta), mudanças que dizem respeito, por um lado,
às capacidades de planificação, por outro, às capacidades de utilização
apropriada de subconjuntos de unidades linguísticas como os tempos verbais,
as anáforas ou os organizadores textuais. Esses trabalhos, na verdade, mostram
que, uma vez que é posto o problema do desenvolvimento de entidades
linguísticas adaptadas a situações específicas (entidades que qualificaremos,
daqui para a frente, de “discurso”), o postulado de unicidade veiculado pela
noção de competência deve ser recusado.

Outros usos da noção de competência

Aderindo-se ou não a ela, a concepção cognitivista da competência


testemunha uma indiscutível coerência epistemológica. Mas o “sucesso” dessa
noção engendrou outros empregos, que parecem introduzir mais confusão do
que clareza.
Maingueneau (1984, pp. 47-48), por exemplo, transpõe essa noção para
o plano dos modelos disponíveis no ambiente social e afirma que “o desvio por
um modelo de competência, pelo que pode ser dito, permite […] dar conta com
mais qualidade do que foi efetivamente dito”. Defendendo a hipótese da
primazia do interdiscurso sobre o discurso, o autor considera que este último
se estrutura, na totalidade, coerente e recebe sua identidade de uma presença
implícita ou polêmica de outros discursos. Em sua ótica, não é necessário buscar
as regras de formação dos discursos na consciência individual, mas no próprio
discurso, cujas regras se impõem a todo indivíduo. Assim, a competência
discursiva estaria subordinada a uma competência interdiscursiva (“domínio
tácito de regras que permitem produzir e interpretar enunciados dependentes
de sua própria formação discursiva, e, correlativamente, identificar como
incompatíveis com ela enunciados das formações discursivas antagônicas” op.
cit., p. 13). Por um curioso paradoxo, no entanto, para dar conta desse
interdiscurso, Maingueneau postula a existência de um sistema simples de
restrições semânticas (um filtro semântico) suscetível de se investir nos mais
diversos universos textuais. “A formação discursiva não seria um conglomerado
mais ou menos consistente de elementos diversos que se aglutinam pouco a
pouco, mas principalmente a exploração sistemática das possibilidades de um
nó semântico” (op. cit., p. 62). Beacco (1988, pp. 37-38) igualmente retém a noção
de competência discursiva para designar

o conhecimento implícito, mas que pode ser explicitado em termos


linguísticos, das convenções de funcionamento de alguns discursos.
Em uma dada área cultural, alguns locutores são capazes de
(re)produzir ou (re)conhecer textos de acordo com matrizes
discursivas ou com a representação que eles têm destas. A matriz de
tais protótipos de textos pode referir-se tanto a suas características
macroestruturais […], quanto, em outro nível, a suas características
linguísticas (propriedades dos marcadores linguísticos em relação a
um discurso considerado).

Enquanto as proposições que acabam de ser evocadas assinalam-se pela


generalização ao texto ou ao discurso da concepção unária original de
competência, numerosos autores utilizaram esse mesmo termo para designar as
diversas aptidões de que devem dispor os humanos em matéria de produção e
de compreensão de linguagem: competência poética, literária, social,
pragmática, receptiva, produtiva, etc. (para um levantamento, ver Hymes, 1991,
pp. 126-127). O próprio Hymes propôs a expressão competência de
comunicação como conceito genérico (e, de novo, aparentemente unário),
integrando e sintetizando essas diferentes “competências” particulares.
Esses exemplos mostram que a noção de competência remete tanto a
uma capacidade genética, quanto a uma construção sócio-histórica
misteriosamente interiorizada, e que ela caracteriza tanto a emergência natural
quanto as aprendizagens sociais. Outros exemplos (ver principalmente Dabène,
1987) mostrariam que ela se aplica, além disso, aos estados de conhecimentos
sucessivos do aluno, ou até mesmo aos objetivos do ensino.
Transposta para todo tipo de problema do desenvolvimento e
adaptando-se aos mais diversos quadros epistemológicos, a noção de
competência não nos parece ter grande sentido. Nós a abandonaremos, então,
em sua disciplina original (a Biologia) ou aos psicólogos que consideram que
seu objeto é exclusivamente de ordem biológica, e proporemos substituí-la por
um conjunto de noções articuladas a uma psicologia da linguagem radicalmente
oposta à epistemologia chomskiana. É essa concepção e as noções dela
decorrentes que apresentaremos na segunda parte deste artigo.

A aprendizagem das capacidades de linguagem

Elementos de um quadro teórico

Nossos trabalhos inscrevem-se na corrente das ciências humanas que


toma como objeto central as atividades, ou seja, as estruturas de condutas –
materiais e/ou simbólicas – orientadas pelas finalidades de um grupo e cuja
significação mesma procede de uma confrontação com os “sistemas de
coordenadas formais” (ou “mundos” racionais) sócio-historicamente
elaborados por esse mesmo grupo (ver principalmente Habermas, 1987). Ainda
que o estudo das atividades provenha principalmente da Sociologia, como
psicólogos, tomamos por objeto as ações humanas, isto é, essas mesmas
estruturas de condutas, imputáveis a um agente singular (ou “sujeito
psicológico”) e a suas representações. As questões que endereçamos a esse
objeto trataram primeiramente das modalidades e das condições de
participação do agente singular nas diferentes atividades (problemática da
“razão prática”: intenções, finalidades e razões de agir); elas concernem, em
seguida, às formas de conhecimentos mobilizadas e construídas no quadro
dessas mesmas atividades (problemática da cognição ou da “razão pura”). Nessa
perspectiva, e em conformidade com as abordagens de Habermas (1987) e de
Ricoeur (1986), consideramos que a função primeira da linguagem é constituir
o meio através do qual os membros de um grupo humano se entendem (ou
negociam) sobre o que são os contextos de ação (nesse sentido, a linguagem é a
condição mesma da constituição dos “mundos” e da racionalidade).
Consideramos, na sequência, que toda conduta verbal se inscreve em uma
estrutura de ação de linguagem (ou discurso), da qual uma das ações maiores é
“refigurar” as ações não linguageiras e, por isso mesmo, permitir ao agente
desenvolver sua compreensão dos determinismos da razão prática.
Consideramos, por fim, que a atribuição de um valor declarativo (ou de um
estatuto de “signo”) às unidades linguísticas procede necessariamente de uma
abstração-generalização secundária, que opera sobre os valores de uso (ou
ilocutórios) resultantes de seu emprego em estruturas discursivas variadas
(para uma apresentação detalhada dessa posição, ver Bronckart, 1992).
De forma mais concreta, uma ação de linguagem é uma estrutura de
condutas que consiste em produzir, compreender, interpretar e/ou memorizar
um conjunto organizado de enunciados orais ou escritos (ou texto, no sentido
geral que daremos a esse termo). A noção de ação de linguagem designa, assim,
a unidade comportamental (ou unidade psicológica) “correspondente” à
unidade linguística que constitui o texto. Levando em conta diferenças entre as
formas oral ou escrita, entre produção, compreensão ou memorização, podem-
se distinguir diversas modalidades instrumentais de realização da ação de
linguagem, as quais, todavia, na prática, frequentemente estão emaranhadas. No
que segue, vamos nos limitar à análise teórica apenas das modalidades de
produção de linguagem, e essa análise implicará a distinção de três níveis
hierárquicos.
O primeiro nível é o da própria ação de produção de linguagem, que
se define por seu contexto e por seu conteúdo referencial, sem prejudicar
características linguísticas efetivas do texto ao qual ela conduzirá. O contexto
é produzido pelas representações elaboradas pelo agente a respeito de seu
ambiente físico e social. No plano físico, o agente da ação é um organismo
humano (emissor), eventualmente na co-presença de outros humanos
(receptores), ambos situados nas coordenadas de espaço e tempo. No plano
social, emissor e receptor estão implicados em uma forma de interação humana,
da qual depreendem não apenas seus estatutos (respectivamente, de
enunciador e de enunciatário), mas também as relações de finalidade ou de
visada emaranhadas entre si. O conteúdo referencial é constituído pelas
representações do mundo (os conhecimentos) que o agente vai mobilizar em
sua produção de linguagem. A seguir, um exemplo de produção oral: no dia 12 de
dezembro de 1993, no prédio de uma escola de Yverdon (espaço-tempo de produção) e no
quadro de suas atividades profissionais (forma de interação “Escola”), X (emissor),
assumindo seu papel de professor (enunciador), dirige-se oralmente a Y (receptor), que
possui o estatuto de aluno (enunciatário), para convencê-lo de inscrever-se em uma aula de
reforço (finalidade). Como se sabe, entretanto, em tal situação, textos de estilos
muito diferentes poderão ser produzidos. Essas diferenças ocorrem pelo fato de
que o agente da ação deve efetuar escolhas entre as múltiplas soluções que a
língua natural que ele utiliza lhe oferece: por um lado, escolha de um tipo de
discurso; por outro, escolha de modalidades de organização linguística.
Os parâmetros gerais da ação de linguagem que são evocados
constituem uma base de orientação a partir da qual o agente selecionará um
dos “modelos de discurso” disponíveis em seu ambiente linguageiro (ou no
“interdiscurso”). Retornando a nosso exemplo, o professor pode se engajar em
uma conversação de caráter maiêutico; pode também produzir um discurso
expondo as vantagens das aulas de reforço; pode ainda construir uma narrativa
evocando os benefícios que ele mesmo teve com esse tipo de aulas em sua
adolescência. Nesse segundo nível, o agente adota, então, o tipo de discurso
que lhe parece mais eficaz na situação de interação. Os diferentes tipos de
discurso (conversação, discurso teórico, narrativa, narração, etc.) são formas
sócio-históricas de estruturação dos enunciados que se caracterizam, ao mesmo
tempo, por um modo específico de planificação do conteúdo referencial (planos
narrativos, teóricos, conversacionais, etc.) e pela mobilização de paradigmas de
unidades linguísticas mais ou menos específicas (presença ou não de unidades
dêiticas, adoção de um dos subsistemas dos tempos verbais, de um subconjunto
de organizadores, etc.).
Mesmo que dependa de um tipo determinado, o texto que será
efetivamente produzido comportará características irredutivelmente
singulares. Essa singularidade se dá pelo fato de que o agente deverá ainda
escolher entre diferentes procedimentos de textualização (em particular de
conexão, de coesão e de modalização) que conferirão um valor determinado às
unidades linguísticas utilizadas: por exemplo, se uma narração é produzida,
algumas formas verbais servirão para codificar as ações no primeiro plano, e
outras, para situá-las em segundo plano; alguns organizadores explicitarão a
origem cronológica dos eventos, outros marcarão as ligações (ou relés)
temporais. Como temos mostrado (ver principalmente Bronckart et al., 1985),
as escolhas efetuadas nesse terceiro nível podem ser descritas como o resultado
de operações psicolinguísticas complexas, isto é, operações que combinam um
tratamento psicológico dos parâmetros da ação de linguagem (processos
implicados na representação do contexto social, do contexto físico e do
referente) e uma tradução linguística do produto desse tratamento no quadro
das oposições lexicais e morfossintáticas da língua natural utilizada, bem como
no quadro das oposições do modelo discursivo adotado.

O desenvolvimento das capacidades de linguagem

Realizando-se em uma situação dita natural (por exemplo, no âmbito


familiar) ou em uma situação formal (sobretudo, no âmbito escolar), o
desenvolvimento das capacidades de linguagem participa sempre parcialmente
de um mecanismo de reprodução. Os modelos de discurso já estão
“disponíveis” no ambiente linguageiro, e os adultos empreendem ações e
percursos explícitos para que os mais jovens se apropriem deles. Para
conceituar os processos de aquisição/aprendizagem, de um lado, é necessário
distinguir o problema das expectativas da sociedade em relação ao discurso
(quais são os repertórios de saber-fazer e de saberes discursivos que as diversas
instituições sociais exigem dos alunos?), bem como o dos objetivos preferidos
nesse domínio pelas instituições formais de aprendizagem. De outro lado, é
preciso ainda distinguir o problema da caracterização (da avaliação) das
aptidões do aluno a cada momento de seu desenvolvimento. Nos limites deste
artigo, não nos centraremos no primeiro problema, mas notaremos que não nos
parece poder ser abordado em termos de “competência” ou de “capacidade”.
Tais termos deveriam estar reservados à descrição das aptidões dos alunos e,
para designar a que esses últimos são diretamente confrontados, conviria ater-
se às noções de modelos discursivos, de finalidades (ou expectativas) e de
objetivos pedagógicos. Os modelos discursivos são certamente, eles mesmos, o
produto histórico da operacionalização das capacidades de linguagem dos
membros do grupo, mas essa questão se inscreve na problemática do estatuto
das atividades e não nas condições sincrônicas da aquisição/aprendizagem. Ao
contrário, abordaremos explicitamente o segundo problema; primeiramente,
atendo-nos às ações de produção de linguagem, propomos distinguir três
ordens de “capacidades de linguagem”, ou aptidões requeridas para a realização
de um texto em uma situação de interação determinada: capacidades de ação,
isto é, aptidões para adaptar a produção de linguagem às características do
contexto e do referente; capacidades discursivas, ou aptidões para mobilizar
os modelos discursivos pertinentes a uma ação determinada; por fim,
capacidades linguístico-discursivas ou capacidades de domínio das múltiplas
operações psicolinguísticas exigidas para a produção de um discurso singular.
Em seguida, nos interrogaremos sobre as interações existentes entre as
diferentes modalidades instrumentais de realização das ações de linguagem, em
particular, as relações entre o oral e o escrito e entre a produção e a
compreensão.

As capacidades de ação

Como demonstraram diversos psicólogos (para uma síntese observável,


ver Bruner, 1990), desde os primeiros meses de sua existência, por meio da
interação com o ambiente humano, a criança constrói um conjunto de
capacidades comunicativas (atenção conjunta, pedido, ordem, intenção, etc.)
que se pode redefinir como a construção das significações ligadas às ações
humanas. Assim, as produções sonoras implicadas nesses processos interativos
têm apenas um valor ilocutório. Quando surge a linguagem propriamente dita,
formas locutórias (ou signos) são integradas ao processo, e a criança desenvolve
rapidamente capacidades de ação verbal ou de linguagem. Essas capacidades
são, no entanto, a princípio, fortemente autocentradas, ou seja, ligadas às
significações que a criança atribui a suas próprias ações. À custa de uma longa
aprendizagem, ela desenvolve capacidades de produzir ações de linguagem
adaptadas às diversas exigências de seu meio social. Como os professores
sabem, e conforme algumas de nossas pesquisas experimentais confirmaram
(ver Bronckart e Bourdin, 1993; Dolz, 1990; de Weck, 1991), entre 10 e 14 anos,
muitos alunos experimentam uma grande dificuldade para produzir um texto
adaptado a uma ordem que define completamente o tipo de ação de linguagem
a ser efetuada.
As capacidades discursivas

Como, para uma ação de linguagem determinada, os alunos selecionam


um tipo de discurso? Em outras palavras, como eles constroem os critérios que
lhes permitem efetuar uma escolha entre os modelos de discurso disponíveis no
ambiente linguageiro?
As pesquisas experimentais mencionadas anteriormente (ver também
Schneuwly, 1988; Schneuwly e Dolz, 1989; Schneuwly, Dolz e Rosat, 1989)
evidenciam um desenvolvimento muito desigual de escolhas discursivas, assim
como uma diferenciação e uma diversificação crescente dos discursos
produzidos em função do nível de escolarização dos alunos. Essas mudanças
geralmente têm sido descritas em termos de progressão contínua de tipos de
discurso “simples” para tipos de discurso “complexos”: nessa ótica, o discurso
interativo oral (conversação) serviria de base para o desenvolvimento da
narração que, uma vez dominada, serviria de base para o desenvolvimento da
argumentação. Segundo Fayol (1987, pp. 232-233), por exemplo,

Nota-se uma passagem gradual e lenta do discurso para a narrativa.


Aos 6-7 anos, as crianças procedem como se elas se situassem em um
quadro conversacional. Os fatos que elas relatam remetem, cada um,
a um “turno de fala” no qual aparecem os traços de uma forte
ancoragem enunciativa (predominância do Eu, do passado [passé
composé], dos indicadores espaço-temporais “próximos”).
Diferentemente, os sujeitos de 10-11 anos recorrem
sistematicamente às marcas linguísticas próprias da narrativa:
apagamento mais ou menos acentuado dos traços da ancoragem
enunciativa, exploração sistemática das oposições de formas
verbais, emprego dos conectores específicos, etc. No período
intermediário – pelos 8-9 anos – as produções participam, ao mesmo
tempo, do discurso e da narrativa.

Esse tipo de hipótese interpretativa foi contestado especialmente por


Schneuwly (1988), de Weck (1991) e Dolz (1990), para quem cada tipo de
discurso exige uma aprendizagem específica. Esses autores formularam uma
nova hipótese, segundo a qual a aprendizagem se realizaria mediante um
trabalho sobre uma amostra reduzida de textos dependentes de um tipo de
discurso determinado, que permitiria, em seguida, a generalização ao conjunto
virtual dos textos do mesmo tipo. Confrontado muito precocemente às diversas
práticas discursivas operadas em seu ambiente discursivo, o aluno seria capaz
de intervir nesse espaço, retomar os discursos dos outros, interagir com eles e
anunciar esboços de variações; ao longo desse processo interativo, ele se
tornaria apto para identificar segmentos de texto dependentes de um tipo
determinado e se apropriaria das propriedades específicas principais desse tipo.
Decorrente da interpretação de resultados experimentais, essa hipótese
da especificidade das aprendizagens, entretanto, revelou-se pouco apta para dar
conta dos processos observados no quadro de pesquisas aplicadas (sobretudo,
no âmbito da experimentação de sequências didáticas). Consequentemente, ela
tem sido objeto de uma reformulação que destaca as interações permanentes
entre diferentes ordens de capacidades (ver infra, 2.3.2).

As capacidades linguístico-discursivas

No quadro do modelo ao qual nos referimos, podem-se distinguir cinco


conjuntos de operações implicadas em toda produção de linguagem: operações
de planificação, de estruturação temporal, de coesão, de conexão e de
modalização. O desenvolvimento das operações de planificação foi estudado,
sobretudo, no âmbito da narrativa; para esse tipo de discurso, Fayol (op. cit., pp.
232-233) principalmente evidenciou a seguinte evolução:

Nas crianças mais jovens, observa-se claramente a aposta em uma


sequência de eventos independentes em que cada um tem o estatuto
de um “anúncio de novidade”. Ao contrário, os mais velhos centram-
se majoritariamente em um fato, e apenas um, que eles dilatam para
relatá-lo em elementos organizados na forma de um episódio, este
sim parecido com o “esquema” canônico observado por diversos
pesquisadores.

De nossa parte (ver Dolz, 1990; Bronckart e Bourdin, 1993), analisamos


o desenvolvimento das operações de estruturação temporal e de coesão verbal
em diversos tipos de discurso. No que concerne à utilização dos tempos verbais
na narração, esses trabalhos mostram que os alunos constroem estratégias
primeiramente ligadas a alguns aspectos da planificação (à “dinâmica dos
personagens”), depois, orientadas para o estabelecimento de oposições globais
(distinção entre o primeiro e o último plano) e, por fim, eventualmente
preferências pelo estabelecimento de contrastes locais (contrastes de aspecto
ou de temporalidade relativa). Outros trabalhos de nossa equipe (ver
anteriormente citados) evidenciaram progressões análogas no que diz respeito
às operações de conexão e às operações de coesão nominal.

As interações entre modalidades instrumentais

Se a especificidade das modalidades instrumentais evocadas


anteriormente (oral-escrita, produção-compreensão) é indiscutível, a
observação das práticas de linguagem mostra que essas modalidades, em geral,
estão a elas funcionalmente associadas. Nesse sentido, põe-se a seguinte
questão: em que medida as capacidades relativas a uma modalidade
instrumental devem ser consideradas como pré-requisito para a aquisição de
capacidades relativas a outras modalidades?
No que diz respeito à distinção produção-compreensão, os dados
elaborados pela psicolinguística do desenvolvimento não fornecem uma
resposta clara. Os trabalhos centrados nas fases iniciais da aquisição das regras
sintáticas de base (ordem das palavras, marcação das funções gramaticais)
regularmente sublinharam o deslocamento existente entre capacidades de
compreensão e de produção e produziram a hipótese conforme a qual as
primeiras constituíam um pré-requisito para o desenvolvimento das segundas.
Mas pesquisas posteriores centradas em outras unidades morfológicas
evidenciaram uma ordem de aquisição mais complexa. Como principalmente
Bronckart (1976) demonstrou, muito precocemente as crianças estão aptas a
produzir diversos tempos verbais, mas a função atribuída a essas unidades não
corresponde à que elas têm na linguagem do adulto (subgeneralização dos
valores aspectuais em detrimento dos valores temporais). E as fases ulteriores
do desenvolvimento consistem em uma aprendizagem dos valores “adultos”
dessas unidades, aprendizagem que parece se realizar simultaneamente sobre
os planos da compreensão e da produção.
No que tange à segunda distinção, geralmente é admitido que, após a
aprendizagem da leitura, certo grau de domínio oral constitui as bases sobre as
quais se efetua a aquisição da escrita. Se se pode admitir que o domínio dos
discursos orais interativos constitui um pré-requisito para a aquisição dos
aspectos dialógicos dos discursos escritos, numerosas pesquisas recentes (ver
principalmente Rosat, 1991) mostram, entretanto, de um lado, que o domínio
dos discursos monológicos, escritos ou orais, exige um distanciamento em
relação às características dialógicas orais (e essa autonomização é
frequentemente difícil!), de outro, que o acesso à língua escrita exerce um efeito
rebote sobre as características das produções orais.
Portanto, as concepções lineares do desenvolvimento da linguagem
(compreensão depois produção; oralidade depois escrita) merecem ser
seriamente matizadas, e, de maneira mais geral, é necessário admitir que nosso
conhecimento sobre as interações complexas existentes entre as modalidades
instrumentais principais permanece ainda amplamente insuficiente.

O ensino das capacidades de linguagem

As capacidades de linguagem são objeto de uma aprendizagem social

Em conformidade com o conjunto dos elementos anteriormente


levantados, afirmaremos que o desenvolvimento das capacidades de linguagem
depende mais de uma aprendizagem social do que de um processo de aquisição
“natural” e que é a esse mecanismo de aprendizagem que deve se articular o
ensino dos discursos.
As concepções centradas na aquisição postulam a existência de
competências que não apenas procedem diretamente da emergência de
estruturas biologicamente inscritas (conforme Chomsky), mas também
decorrem secundariamente da aplicação recursiva de grandes mecanismos
funcionais inatos (segundo a posição piagetiana da construção progressiva de
estágios de desenvolvimento pela aplicação dos mecanismos de assimilação,
acomodação e regulação). Nessas abordagens, os parâmetros do meio social
exercem somente um efeito negligenciável sobre o desenvolvimento: o meio “em
si” é certamente necessário, mas as variações dos parâmetros desse mesmo meio
não exercem nenhum efeito diferencial sobre a aquisição. Aplicada à
problemática pedagógica, esse tipo de postura deveria logicamente implicar
uma concepção do professor como “jardineiro” (que rega suas “plantas” e lhes
fornece o adubo necessário), posição que mais ninguém defende em razão de
sua ineficácia! Ela se traduz mais geralmente pelas tentativas de fundar o ensino
sobre o conhecimento do “estágio” de desenvolvimento de cada um dos alunos.
Além dos slogans incansavelmente reproduzidos (levar em conta o “estado de
linguagem” de cada aluno), essa caminhada se revela ilusória, na prática, tanto
porque são numerosas e variadas as capacidades implicadas no domínio dos
discursos, quanto, sobretudo, porque essas mesmas capacidades implicadas
não podem ser avaliadas de maneira estática e in abstracto. Avaliar as
capacidades de um aluno é identificar não um “estágio” de desenvolvimento,
mas os processos dinâmicos nos quais é capaz de se engajar (veja-se a noção
vigotskiana de “zona de desenvolvimento proximal”); consequentemente, é
identificar as ações de linguagem que está apto a realizar em resposta a uma
instrução dada, e em uma situação didática específica.
A adesão a uma concepção centrada na aprendizagem funda-se,
portanto, sob dois conjuntos de considerações. De um lado, os objetos a serem
dominados (os discursos) são construções sócio-históricas, frequentemente
recentes, e que apenas conservam suas propriedades gerais à medida que o
grupo social dá lugar, de geração em geração, a caminhadas explícitas de
formação. De outro lado, e de forma mais geral, numerosos trabalhos recentes
(ver especialmente Perret-Clermont, 1988) mostram que a apropriação dos
saberes e do saber-fazer (de linguagem ou não) efetua-se sempre no quadro das
interações, diretas ou indiretas, com outros membros do grupo social. Uma
concepção do ensino adaptada a essa realidade fundamental do
desenvolvimento deve, primeiramente, definir explicitamente as características
dos modelos de discurso cujo domínio é socialmente exigido, pesquisar as
situações que favorecem a mobilização (ou motivação) do aluno (as razões e as
finalidades suscetíveis de fazê-lo agir de uma determinada maneira) e, por fim,
pensar as modalidades de influência social às quais é desejável que o aluno seja
confrontado.

As capacidades de linguagem estão em interação permanente

Como sugerem nossas pesquisas, as diferentes capacidades de


linguagem se constroem em interação, sem que se possa falar de dominância ou
de precedência de uma capacidade em relação à outra.
Em primeiro lugar, as ações de produção de linguagem requerem
representações do contexto e do referente, a partir dos quais os discursos são
escolhidos e estruturados. Essas representações são ativadas no quadro de uma
negociação dos parâmetros do contexto social. Ora, esse contexto inclui
igualmente o conjunto dos modelos discursivos disponíveis e de sua finalidade
social e, portanto, a decisão de adotar um tipo de ação de produção de
linguagem adaptado ao ambiente social é sempre parcialmente solidário com a
decisão de adotar o tipo de discurso considerado como pertinente. A escolha de
um tipo de discurso é, então, orientada, ao mesmo tempo, pelos parâmetros
sincrônicos da ação de linguagem e pelas determinações sócio-históricas
cristalizadas no interdiscurso.
No que se refere às capacidades linguístico-discursivas, se notará que
algumas delas (operações de planificação e de estruturação temporal) são
fortemente dependentes do tipo de discurso escolhido, enquanto outras
(operações de coesão e, sobretudo, de modalização) são, ao mesmo tempo,
dependentes da escolha discursiva e dos parâmetros sociais da ação engajada
(valores tomados pelo enunciador, pelo destinatário e pela finalidade). Além
disso, se sublinhará a forte interação interna entre os diferentes conjuntos de
operações de linguagem. De um lado, as mesmas unidades linguísticas podem
traduzir operações de nível diferente (ou combinação de operações; veja-se o
exemplo dos tempos verbais). De outro, observam-se diversas formas de
“compensação” entre as operações: uma planificação fraca (ou seja, que não se
inscreve em nenhum esquema convencional) pode ser compensada por um
emprego sistemático de unidades de conexão (e vice-versa); uma marcação
sistemática das oposições internas (coesão verbal) pode suprir a ausência
aparente de estruturação temporal geral, etc.
Enfim, como temos notado, as diferentes modalidades instrumentais
estão geralmente emaranhadas no quadro da realização de ações de linguagem
complexas. Para um mesmo aluno, as capacidades de produção oral variam
conforme se trate de conversar, de narrar ou de argumentar, adaptando-se a
uma situação de interação precisa, e o mesmo vale para as capacidades de
produção escrita e para as capacidades de compreensão.
Sequências didáticas: uma forma de ensinar capacidades de linguagem

Desde alguns anos, elaboramos e testamos sequências didáticas, que


se caracterizam por um vai-e-vem constante entre as atividades pedagógicas
centradas nas diferentes capacidades de linguagem implicadas no domínio de
um dado tipo de discurso. Em um primeiro momento, o professor propõe e
discute com seus alunos um projeto de produção textual relacionado a uma ação
de linguagem. Ele contextualiza e explicita as características da situação de
interação. Os alunos produzem, então, um primeiro texto que permite ao
professor identificar algumas dificuldades relativas às capacidades discursivas
e linguístico-discursivas. O exame dos textos produzidos permite ao professor
escolher as dimensões para trabalhar em aula, bem como os tipos de atividades
pedagógicas que podem ser realizadas. Permite igualmente negociar com os
alunos um contrato didático que explicita os objetivos a alcançar. Em um
segundo momento, os alunos realizam uma série de oficinas que abordam
atividades diversas: debates orais, análise e observação de textos, exercícios de
produção simplificada, desempenho de papéis, exercícios de vocabulário,
exercícios sobre as unidades linguísticas e sobre as expressões características
do tipo discursivo envolvido. Em grande parte dessas oficinas, o trabalho sobre
as dimensões linguísticas implica uma reflexão sobre as características da
situação de interação às quais essas dimensões se articulam. Finalmente, graças
ao que apreenderam ao longo dessas oficinas, os alunos revisam e reescrevem a
produção inicial ou escrevem um texto diferente. Essa atividade permite ao
aluno, pela comparação entre os dois textos, tomar consciência do progresso
realizado.
Tais como as concebemos, essas sequências de ensino têm por
finalidade suscitar uma progressão nas aprendizagens dos alunos, que se
caracteriza pelas quatro etapas seguintes:
1. Desenvolvimento de novas capacidades de ação. Os alunos são
confrontados a novas situações de interações; eles são levados a refletir
sobre as características dessas situações e sobre as influências que elas
podem exercer sobre a produção textual; em seguida, eles têm de produzir
textos adaptados a essas novas situações. Nessas produções textuais, os
alunos mobilizam capacidades discursivas e linguístico-discursivas
construídas por situações de interação já conhecidas e que se revelam,
assim, mais ou menos pertinentes. É engajada uma reflexão sobre os
diferentes tipos de discurso cuja produção é pertinente para uma situação
de interação determinada.
2. Desenvolvimento de capacidades discursivas específicas. Nessa etapa,
o ensino é centrado em um tipo de discurso específico. Um corpus de textos
relevante a esse tipo é proposto e analisado (para o tipo narrativo, por
exemplo, apresentação de extratos de diferentes gêneros, como o conto, o
romance, a novela, etc.). Então, diversas atividades são empreendidas para
conduzir o aluno a um domínio de algumas capacidades linguístico-
discursivas próprias a esse tipo (domínio dos valores temporais, dos
mecanismos anafóricos, etc.), e, portanto, para favorecer a interiorização
das características desse “modelo discursivo”.
3. Generalização de capacidades linguístico-discursivas.
Simultaneamente, no quadro das atividades de análise (de um novo corpus
de textos variado) e de produção (em resposta a demandas diversas), o
foco é posto nos aspectos comuns aos diferentes tipos de discurso (que se
referem, por exemplo, à planificação, à conexão ou à modalização). Aqui é
visada uma abstração/generalização das capacidades linguístico-
discursivas anteriormente construídas a respeito de um dado tipo.
4. Integração das diferentes ordens de capacidade. Retornando à
problemática das situações de interação, e confrontando os alunos a um
terceiro corpus, centra-se a caminhada sobre a heterogeneidade
constitutiva da maioria dos textos (em um texto dado, combinação de
segmentos dependentes do narrativo, do discurso interativo [diálogos] ou
do discurso teórico [comentários avaliativos]). O objetivo é, de um lado,
mostrar que os gêneros de textos disponíveis no interdiscurso combinam
tipos diferentes, de outro, conduzir o aluno à integração desses diferentes
tipos no quadro de uma mesma unidade textual, adaptada a uma situação
de interação determinada.

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