Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rubem Alves (1999), no início da crônica intitulada “Escutatória”, afirma: “Sempre vejo
anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer
aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória.
Mas acho que ninguém vai se matricular.”
O autor desta crônica existencialista, ao longo do texto, chama a atenção para um fato bastante
interessante: muitas pessoas têm dificuldade em ouvir. Nesse fragmento, sublinha-se que, na
verdade, ninguém quer aprender a ouvir. Uma hipótese que levantamos para isso é que tal
acontece, porque não seria necessário aprender o que já se sabe. No entanto, partimos do
pressuposto de que escutar não é uma habilidade da língua tão simples quanto parece. Isso
porque o ouvinte não ocupa um papel passivo, no evento comunicativo. Na realidade é um
interactante que, mesmo em silêncio, ocupa também um papel ativo. E não estamos falando,
aqui, dos feedbacks (como, por exemplo, o balançar da cabeça de cima para abaixo indicando
compreensão, concordância, nas culturas brasileira e portuguesa) tão caros aos falantes, mas do
processo de produção de sentido.
Partindo do princípio de que o texto não está pronto, o processo de escuta demanda uma série de
conhecimentos e estratégias de compreensão textual, que são bem contemplados quando se
debate sobre o eixo da leitura. No entanto, tratando-se de características válidas para qualquer
situação de compreensão (seja o texto oral ou escrito), o que propomos é a extensão dessas
contribuições, bem difundidas para os futuros professores e os já docentes, ao ensino da
oralidade.
Para o processamento textual, seriam, pois, necessários conhecimentos (cf. Koch, 2002):
- A realização de inferências (ligada à compreensão do que está nas “entrefalas”, ou seja, do que
não foi dito explicitamente);
- A monitorização da compreensão (pedir, se possível, para repetir o que não se ouviu em função
de articulação; voltar o vídeo para resgatar uma informação importante esquecida; questionar-se
se está acompanhando o raciocínio do falante, etc.).
A partir dessas estratégias, relacionadas de certa forma às estratégias de leitura, seria possível
promover o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos em vários âmbitos como,
por exemplo, os lexicais, morfossintáticos, morfológicos e, sobretudo, os semânticos e
pragmáticos (Martins & Sá, 2010).
- Os interruptores, que têm dificuldade em ouvir e estão sempre a tentar assumir o papel de
falante;
- Os distraídos, que não escutam, não prestam atenção e, como consequência, correm o risco de
empobrecer a interação, ao repetir o que foi dito, por exemplo;
Neste último caso, a autora não se está a referir à etapa natural do processo de ouvir, em que se
fala quando necessário, depois de escutar e procurando associar o conhecimento que se tem ao
que foi dito. Assim, o monologador é um misto do distraído (porque não se foca no que está
sendo dito por estar planejando sua fala) e do interruptor (porque faz a sua intervenção depois de
ter ‘concluído’ o seu monólogo interior, sem verificar se o falante já terminou a sua intervenção).
Tal como fizemos para os falantes, também no que toca aos ouvintes referimos a nossa crença de
que uma mesma pessoa, apesar da tendência em se enquadrar numa das categorias acima
apresentadas, pode fazer parte de qualquer uma delas, dependendo dos contextos. Acrescentamos
também que outras categorias poderiam ser criadas como, por exemplo, a dos ouvintes críticos.
Estes, para nós, seriam aqueles que escutam e, ao invés apenas de decodificar, compreendem os
textos orais, construindo sentidos de forma crítica.
A função da escola seria, então, de trabalhar com o aluno, para que ele seja ouvinte crítico em
situações diversificadas, a partir da compreensão de textos de distintos níveis de formalidade,
recorrendo a variadas estratégias de produção de sentidos, tais como: a realização de inferências,
a consideração do contexto situacional (quem fala, de que lugar social fala, com que intensão), as
associações com outros textos (orais ou escritos).
Os processos de compreensão textual seriam, pois, foco do trabalho. É por isso que defendemos
a ideia de que escutar também é habilidade a ser aprendida na escola.
Dentre as questões envolvidas no processo de ensino-aprendizagem da escuta de textos orais,
Núñez Delgado (2000, p. 171) aponta: “(…) reflexión sobre cómo se usa el lenguaje para la
relación entre las personas llamando la atención de los alumnos para que distingan cuando se
opina y cuando se informa, para que se fijen en el valor de la entonación y de los gestos a la hora
de determinar el verdadero sentido de un mensaje, para que capten la ironía, el humor y los
dobles sentidos, para que observen distintos grados de formalidad en el uso del lenguaje y las
causas a que responden, etc.” 16
A fim de explorar esses pontos em prol do desenvolvimento de uma escuta crítica, defendemos a
necessidade do trabalho em etapas:
- O momento de pré-escuta é importante, uma vez que nele é possível realizar três ações
relevantes ao processo de compreensão
• A socialização da temática,
• A contextualização do texto;
É nesta última etapa que o professor atua como mediador, ouvindo as interpretações, tirando as
dúvidas, levantando questionamentos, confrontando – juntamente com os alunos – pontos de
vistas, avaliando, etc.
Metodologicamente, é o que já propõem os estudos sobre ensino da leitura como, por exemplo, o
de Carreira e Sá (2004), que concebe como de fundamental importância, no contexto das
preocupações educativas, o desenvolvimento de estratégias promotoras da ativação e
aprodundamento dos conhecimentos prévios dos alunos.
É importante salientar que, antes de envolver os alunos na exploração de uma situação de
comunicação oral, o professor deve:
- Escolher cuidadosamente os textos orais a trabalhar;
É sobre a seleção de textos pelo docente e também sobre a concepção de texto que discutiremos
no tópico a seguir.