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ESTRATÉGIA DE MELHORIA DA GESTÃO DE AGENDA APÓS IMPLEMENTAÇÃO

DE PRONTUÁRIO ESUS-AB : RELATO DE EXPERIÊNCIA

Rio de Janeiro
2019
Aline Cristine Vieira, Alison Marie Ferreira Negron
e Julianne Carvalho Dias Gaudio

ESTRATÉGIA DE MELHORIA NA GESTÃO DE AGENDA APÓS IMPLEMENTAÇÃO

DO PRONTUÁRIO ESUS-AB : RELATO DE EXPERIÊNCIA

Monografia apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Médico de Família e
Comunidade ao Programa de Residência em
Medicina de Família e Comunidade da
Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro.

Orientador: Lucas Vega Martinez Veras Ferreira


Médico de Família e Comunidade pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro.
Co-orientador: Rafael Luis Castillo Duranza
Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo.
Médico de Família e Comunidade pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família
e Comunidade.

Rio de Janeiro
2019

1
RESUMO

VIEIRA, Aline Cristine; NEGRON, Alison Marie Ferreira; GAUDIO, Julianne Carvalho Dias.
Estratégia de melhoria na gestão de agenda após implementação do prontuário
ESUS-AB: relato de experiência. ​Monografia de título de especialista em Medicina de
Família e Comunidade, Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da
Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Objetivo: descrever as estratégias de gestão do atendimento de demandas, tanto


espontâneas, quanto agendadas, utilizadas em uma unidade básica de saúde (UBS)
município do Rio de Janeiro, após a implantação do E-SUS AB, com a finalidade de
melhoria da qualidade do acesso dos usuários às suas equipes. Método: implantação de
uma planilha do Google Drive como ferramenta de organização dos turnos de atendimentos
da referida UBS. Resultado: após a introdução da planilha, percebeu-se uma melhoria da
qualidade do acolhimento/acesso dos usuários às equipes, devido a melhoria da gestão dos
atendimentos. Estes foram marcados por redução do tempo de espera por consulta e,
consequentemente, fortalecimento do vínculo dos usuários com a unidade. Além disso, ao
estimar o horário de atendimento, a planilha permitiu aos usuários uma melhor gestão de
seu tempo enquanto aguardavam, reduzindo, assim, a ansiedade da espera. A ferramenta
promoveu, ainda, um aumento da capacidade resolutiva de demandas agudas por parte da
enfermagem, uma vez que queixas de menor gravidade puderam ser avaliadas por estes
profissionais sem necessidade de interconsulta médica. Por outro lado, a implementação da
planilha não foi capaz de ampliar o acesso em termos quantitativos, mesmo com o aumento
de fluidez dos atendimentos. Conclusão: a estratégia de criação da planilha com a finalidade
de melhoria da gestão dos turnos de atendimento da unidade mostrou-se acertada. Além
disso, também foi possível verificar as impressões dos trabalhadores com relação às
mudanças imediatas e à médio prazo após a implantação do e-SUS AB.

Abstract

Objective: to describe the strategies for managing the demands, both spontaneous and
scheduled, used in a basic health unit (UBS) in the municipality of Rio de Janeiro, after the
implementation of E-SUS AB, with the purpose of improving quality access to their teams.
Method: implementation of a Google Drive spreadsheet as a tool to organize the attendance
shifts of said UBS. Result: After the introduction of the spreadsheet, it was noticed an
improvement in the quality of the user's reception / access to the teams, due to the
improvement of the management of the services. These were marked by reduction of the
waiting time by consultation and, consequently, strengthening of the bond of the users with
the unit. In addition, by estimating service hours, the spreadsheet allowed users to better
manage their time while waiting, thereby reducing waiting anxiety. The tool also promoted an
increase in nurses' ability to resolve acute demands, since less severe complaints could be
evaluated by these professionals without the need for medical consultation. On the other
hand, the implementation of the spreadsheet was not able to increase the access in
quantitative terms, even with the increase of fluidity of the consultations. Conclusion: The
strategy of creating the spreadsheet with the purpose of improving the management of the
unit's service shifts proved to be correct. In addition, it was also possible to verify the
employees' impressions regarding immediate and medium-term changes after the
implementation of e-SUS AB.

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Resumen

Objetivo: describir las estrategias de gestión de la atención de demandas, tanto


espontáneas, como programadas, utilizadas en una unidad básica de salud (UBS) municipio
de Río de Janeiro, después de la implantación del E-SUS AB, con la finalidad de mejora de
la calidad del acceso de los usuarios a sus equipos. Método: implementación de una hoja de
cálculo de Google Drive como herramienta de organización de los turnos de atención de
dicha UBS. Resultado: después de la introducción de la planilla, se percibió una mejora de la
calidad de la acogida / acceso de los usuarios a los equipos, debido a la mejora de la
gestión de las atenciones. Estos fueron marcados por reducción del tiempo de espera por
consulta y, consecuentemente, fortalecimiento del vínculo de los usuarios con la unidad.
Además, al estimar el horario de atención, la planilla permitió a los usuarios una mejor
gestión de su tiempo mientras esperaban, reduciendo así la ansiedad de la espera. La
herramienta promovió, aún, un aumento de la capacidad resolutiva de demandas agudas por
parte de la enfermería, una vez que las quejas de menor gravedad pudieron ser evaluadas
por estos profesionales sin necesidad de interconsulta médica. Por otro lado, la
implementación de la planilla no fue capaz de ampliar el acceso en términos cuantitativos,
incluso con el aumento de fluidez de las atenciones. Conclusión: la estrategia de creación de
la planilla con la finalidad de mejora de la gestión de los turnos de atención de la unidad se
mostró acertada. Además, también fue posible verificar las impresiones de los trabajadores
con relación a los cambios inmediatos ya medio plazo después de la implantación del e-SUS
AB.

Palavras-chave: ​Agendamento de consultas, Registros eletrônicos de saúde, Acolhimento,


Atenção Primária à Saúde.
Key words: Appointments and schedules, Electronic health records, User embracement,
Primary Health Care.
Palabras clave: Citas y horarios, Registros electrónicos de salud, Acogimiento, Atención
Primaria de Salud.

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INTRODUÇÃO

As práticas em saúde pública assumem funções que visam melhorias por


meio da promoção e proteção da saúde e prevenção de doenças em nível
comunitário e individual. Por isso, a compreensão das necessidades de saúde da

população se faz muito importante e um processo que deve ser contínuo. (1)
A Atenção Primária à Saúde (APS) assume um papel privilegiado dentro
deste contexto, uma vez que, além de promoção de saúde, prevenção de doenças,
cuidado de doenças comuns e manejo de problemas de saúde continuados,
também atua como primeiro nível de contato com o sistema de saúde. (2) Como tal,
torna-se não só uma via direta de implementação aos princípios doutrinários do SUS
- equidade, longitudinalidade e universalidade, como permite o acesso da população

a um sistema de saúde mais equânime. (3)
Assim, a qualidade do acolhimento na APS tem relação de interdependência
​ , ao falar que ‘’ a definição de acesso é
com este acesso, como discute Starfield (4)​
mais do que o uso oportuno dos serviços de saúde, é a forma como a pessoa
experimenta o serviço de saúde’’. Portanto, fica clara a correlação entre a qualidade
do acolhimento/acesso aos serviços da UBS e o cumprimento efetivo das diretrizes
básicas do SUS.
Ainda sob esse aspecto, a agenda dos profissionais se torna um
recurso-chave, tanto para garantir a retaguarda para o acolhimento, quanto para a
continuidade do cuidado (programático ou não). Sendo assim, o planejamento e

gestão das agendas necessita contemplar diferentes situações. (5)
Uma das estratégias de acolhimento mais utilizadas na APS é o acesso misto,
em que há um manejo diário de demandas agudas, assim como de consultas
agendadas. Este modelo também é conhecido como ​carve-out,​ em que a UBS
deliberadamente reserva uma parte de sua capacidade diária para consultas
concernentes às questões agudas. (6) Com a implementação do prontuário eletrônico
​ , sistema de informação do SUS, consideramos que houve um impacto
E-SUS AB (7)​
negativo no acolhimento dos usuários e na organização dos atendimentos por turnos
da unidade, devido a uma deficiência inerente à plataforma.

4
Segundo o Ministério da Saúde (MS), órgão responsável pela criação do
E-SUS Atenção Básica (E-SUS AB), a plataforma “é uma estratégia do
Departamento de Atenção Básica para reestruturar as informações da Atenção
Básica em nível nacional.” O objetivo de sua criação é o de qualificar a gestão da
informação, para que isto se traduza em melhoria de qualidade de atendimento da
população.​ (7)
O objetivo deste relato de experiência é descrever as estratégias de gestão
do atendimento de demandas, tanto espontâneas, quanto agendadas, utilizadas em
uma UBS do município do Rio de Janeiro, após a implantação do E-SUS AB, com a
finalidade de melhoria da qualidade do acesso dos usuários às suas equipes.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Durante o processo de mudança de prontuário eletrônico para o E-SUS AB,


que ocorreu a partir de maio de 2018, em uma unidade de APS do município do Rio
de Janeiro, os profissionais de nível superior responsáveis pelo atendimento -
médicos e enfermeiros - identificaram a necessidade de implementação de uma
estratégia de gestão do atendimento. Isso se deu porque, ao contrário do prontuário
eletrônico anterior, o E-SUS-AB não apresenta, até o momento, uma ferramenta
adequada que auxilie os profissionais na organização da agenda do dia,
prejudicando o acesso dos pacientes e a fluidez dos atendimentos.
A referida UBS é composta por seis equipes de Estratégia de Saúde da
Família (ESF) atreladas ao Programa de Residência Médica de Medicina de Família
e Comunidade (PRMMFC) da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro
(SMS-RIO), do qual as três autoras deste trabalho fazem parte.
Ao longo dos dois anos de experiência como residentes de Medicina de
Família e Comunidade, percebemos que a gestão do atendimento é mais eficaz
quando dados como nome, idade e motivo de consulta são conhecidos pelos
profissionais responsáveis pelo atendimento. Estas informações permitem que o
atendimento seja realizado de forma equânime, pois, os profissionais conseguem
priorizar casos segundo critérios clínicos, idade, particularidades de cada paciente,
consultas agendadas e demandas do dia.

5
O prontuário eletrônico anterior, com o qual trabalhamos por mais de um ano,
contava com uma aba/tela em que dados de todos os pacientes que aguardavam
por atendimento naquele dia eram claramente visualizados, com pormenorização de
idade, motivo e natureza da consulta - se agendada ou de demanda espontânea -
que ficavam detalhados em campos específicos. A facilidade de visualização dessas
informações permitia que os profissionais escalados para o atendimento
permanecessem cientes do cenário que se desenhava na sala de espera, para,
desta maneira, adaptarem-se a ele e conseguirem tornar os atendimentos mais
eficientes. Além disso o prontuário possuía aba para que os profissionais em
atendimento pudessem se comunicar com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS)
do acolhimento via on-line, sem precisar sair do consultório, facilitando ainda mais o
manejo da agenda e otimizando tempo.
Apesar dessas vantagens, tal prontuário, desenvolvido por uma empresa
privada e, portanto, dependente de contratação, gerava custos de manutenção para
a prefeitura. Em contrapartida, acredita-se que o E-SUS AB, por ter sido
desenvolvido pelo Ministério da Saúde (MS), tenda a ser menos oneroso, uma vez
que não se trata de produto cuja comercialização gere lucro.
O E-SUS AB, em sua tela que contém a relação dos pacientes que se
encontram na sala de espera, permite apenas a visualização de seus nomes e da
ordem de chegada, prescindindo, assim, de detalhamento que julgamos, em nossa
prática cotidiana, ser de crucial importância para a gestão da agenda do dia. Essa
deficiência de informação tornava o atendimento desorganizado e aumentava a
insatisfação dos pacientes. Além disso, o ESUS-AB, não disponibiliza ferramenta de
comunicação entre os profissionais do acolhimento e do atendimento, tão útil no dia
à dia.
A UBS na qual nosso trabalho é inspirado, tem como estratégia de
acolhimento o acesso misto, em que há um manejo diário de demandas agudas,
assim como de consultas agendadas. Neste contexto, optou-se por criar uma
planilha do Google Drive que permitisse a comunicação em tempo real entre os
profissional médico ou enfermeiro que estava no atendimento e o ACS que realizava
o acolhimento. Cada atendimento do dia passou a ser colocado nesta planilha,
indicando nome, idade e motivo de consulta. A planilha, ainda, organizava os

6
pacientes segundo horário de chegada, em se tratando de demandas agudas, e
horário de agendamento, para as consultas previamente marcadas. Com isso, os
profissionais, conseguiam realizar o manejo da agenda, priorizando os atendimentos
que fossem necessários.
O processo de implantação da planilha iniciou-se por meio da sua
apresentação, durante reunião de equipe, aos profissionais que seriam diretamente
envolvidos no processo de seu preenchimento e manejo: ACS, Médicos e
Enfermeiros, com a finalidade de que houvesse boa aceitação da ferramenta por
parte destes profissionais.
Neste primeiro contato dos profissionais com a planilha, muitas dúvidas e
inquietações surgiram, principalmente com relação à dinâmica de preenchimento
dos campos da planilha concomitantemente ao manejo do E-SUS AB, que se
tornaria dependente das informações da planilha. Durante esta etapa pudemos
perceber que, em alguns momentos, houve certa resistência ao uso da planilha por
parte dos ACSs, muito em decorrência, em nossa percepção, do acúmulo de
funções que este profissional poderia experimentar durante o processo de
acolhimento.
Na etapa seguinte, este e outros dilemas que surgiram ao longo do processo
de apresentação foram dissolvidos pelo pragmatismo inerente ao uso da planilha,
que, na prática, requer apenas a digitação de dados simples, que são fornecidos, em
tempo real, pelo paciente que procura por atendimento.
Durante implementação da planilha e os oito meses subsequentes de
seu uso, pudemos perceber que a melhoria no manejo da agenda impactou não
somente no aumento da satisfação dos profissionais, como também dos pacientes,
que com isso obtiveram uma estimativa mais aproximada do horário do seu
atendimento, reduziram a ansiedade pela espera e tiveram suas consultas
priorizadas em casos emergenciais. Além disso, observamos, ainda, uma otimização
dos atendimentos da equipe de enfermagem, que pôde gerir sua agenda, e
contribuir com o atendimento de pacientes que não necessitavam de interconsulta
médica.
O presente trabalho não tem o objetivo de realizar uma revisão bibliográfica
acerca do tema, contudo, procuramos relacionar nossa experiência aos dados

7
publicados na literatura. A busca de artigos se deu no período de 2 meses através
das plataformas virtuais ​Scielo, Pubmed, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e dos
Cadernos de Atenção Básica do Ministério da Saúde.

DISCUSSÃO

A experiência do uso da planilha enquanto ferramenta de gestão da agenda


de atendimentos, ao longos dos últimos oito meses, permitiu-nos elencar aspectos
positivos e negativos relacionados ao seu emprego no cotidiano da UBS em que
desenvolvemos nosso trabalho. Talvez o maior destaque seja a evidente melhoria do
acolhimento/acesso do usuário às equipes promovida pela visualização do motivo da
consulta, uma vez que esta permitiu um aperfeiçoamento na organização da agenda
e dos fluxos de atendimento.
Consequentemente, há uma melhora do vínculo dos usuários com às equipes
e com a própria UBS, já que eles mostraram-se mais satisfeitos tanto com a redução
no tempo de espera pelo atendimento, quanto pelo atendimento realizado de
maneira mais equânime, uma vez que casos considerados críticos, não apenas por
critérios clínicos, mas também sociais, puderam ser priorizados em relação aos
demais.
Schimith​(8) ​discute a importância e inter relação do acolhimento e do vínculo
do usuário: “Acolhimento e vínculo dependem do modo de produção do trabalho em
saúde . O acolhimento possibilita regular o acesso por meio da oferta de ações e
serviços mais adequados, contribuindo para a satisfação do usuário. O vínculo entre
profissional/paciente estimula a autonomia e a cidadania, promovendo sua
participação durante a prestação de serviço​”. Assim, ​entende-se que o vínculo
permite tanto aos profissionais quanto aos usuários descobrirem suas
potencialidades, com a finalidade de estabelecer relações mais recíprocas e que

permitam a construção de atos terapêuticos (9,10)​ .
Outro aspecto importante, é que a planilha fornece uma estimativa de horário
de atendimento permitindo ao paciente uma maior liberdade na gestão do seu tempo
enquanto aguarda por avaliação, reduzindo assim, a ansiedade da espera. Da
mesma forma, auxilia o profissional a organizar o seu tempo de atendimento. Em

8
2014, uma pesquisa avaliativa sobre arranjos e estratégias inovadoras na
organização da APS foi realizada em uma grande cidade do estado de São Paulo e
concluiu que a população considera o atendimento das UBSs melhor que o de
outras unidades de saúde, porém declara que o tempo de espera é o grande entrave
​ constatou o mesmo em sua análise, ao deparar-se
ao atendimento.​(11) Souza at al.(12)
com falas de usuários que apontavam a demora por consulta como um grande
obstáculo a resolução de suas queixas de saúde. Não apenas a população, mas
também o Ministério da Saúde, por meio da Política Nacional de Humanização
(PNH), considera que a redução nas filas e no tempo de espera é um fator

preponderante para ampliação do acesso. (6,13)
Apesar de a finalidade inicial da criação da planilha não ter sido fazer um
diagnóstico de demanda da unidade, percebemos que isto será possível de ser feito
no futuro, a partir dos registros de idade e motivos de consulta. Knight e Lembke​(6)
compartilham algumas sugestões de como moldar a demanda à capacidade,
seguindo as seguintes etapas: 1) criação de uma planilha onde serão computados
todos os pedidos diários de consulta não agendada por profissional (médicos e
enfermeiros) por, ao menos, quatro semanas. 2) construção de um gráfico de barras
para comparar o número de consultas solicitadas (demanda) com o número de
consultas ofertadas. 3) por fim, adaptação da oferta de consultas de acordo com a
demanda.​(6)
A planilha permitiu, ainda, um aumento da capacidade resolutiva de
demandas agudas por parte da enfermagem, por meio da visualização prévia da
queixa do usuário, uma vez que queixas de menor gravidade puderam ser avaliadas
por estes profissionais, sem necessidade de interconsulta médica. Resultado
semelhante foi encontrado por Fabrellas​(14) em 2011, que demonstrou que os
enfermeiros resolveram aproximadamente 62% das consultas de adultos e 75% das
pediátricas das demandas agudas (same day) na Catalunha. Segundo o estudo, os
enfermeiros apresentaram taxa de resolutividade acima de 90% em consultas de
pacientes adultos cujas queixas relacionavam-se com queimaduras, lesões de pele e
contracepção de emergência, porém essa taxa caía para cerca de 46% em se
tratando de sintomas urinários inferiores, infecção de garganta e conjuntivite. Com
relação ao público pediátrico, houve altas taxas de resolução para cólicas e

9
queimaduras e baixas para tosse. A taxa de retorno para se consultar num intervalo
de sete dias pelo mesmo problema foi baixa, sendo 4% nos adultos e 2,4% nas
crianças.
A implementação da planilha não foi capaz de ampliar o acesso em termos
quantitativos, mesmo com a melhora de fluidez dos atendimentos. Uma possível
explicação seria a limitação das equipes em ultrapassar a capacidade de
atendimentos diante da pressão assistencial sempre crescente. Sabe-se que esse
volume tem importantes implicações para a prática no que se refere ao acesso e à
carga de trabalho da equipe da ESF, influenciando a satisfação dos usuários e dos
profissionais de saúde.
Estudos realizados na APS britânica, em 1961 e em 2001, serviram como
base para orientar a estruturação dos serviços de saúde / cobertura populacional
daquele país. A partir desses estudos, preconizou-se que uma equipe da APS
inglesa responsabiliza-se por 1.500 a 2.000 pessoas​(15, 16)​. Outros países apresentam
proporções semelhantes usuários/médicos na APS: Dinamarca, 1.600; Espanha,
2.500; Itália, 1.030; Portugal, 1.500; e Holanda, 2.350​(17)​. No Brasil, a Política
Nacional de Atenção Básica (PNAB) disserta que cada equipe de ESF deve ser
responsável por, no máximo, 4000 pessoas, sendo a média recomendada de 3000,
respeitando-se critérios de equidade para esta definição. Contudo, o cálculo para o
teto das equipes de APS não é explicitado, não apresenta critérios bem definidos e,
portanto, abre margem a questionamentos sobre a adequabilidade desta proporção,
que contrasta, inclusive, com a realidade da APS de outros países​(18)​.
​ 19) fez um paralelo interessante sobre a APS na Inglaterra e
Em 2004, Harris (6,
Austrália, ao dizer que populações de regiões pobres têm piores índices de saúde
comparadas com as de lugares mais ricos, ainda que não haja evidências de que
elas busquem menos por atendimento. O autor associa este fato ao maior número
de atendimentos que as equipes de ESF fazem em regiões mais pobres, diminuindo,
portanto, o tempo médio gasto com cada paciente em consultório. Além disso, o
estudo afirma que regiões mais pobres têm menor relação de médico/população, o
que também determina menor tempo de consulta, levando a piores desfechos com
relação aos índices de saúde dessa população.

10
Nesse contexto, na tentativa de se realizar um acolhimento que viabilize um
acesso mais efetivo, a pressão assistencial excessiva gera angústia, carga
extenuante de trabalho e estresse emocional nos profissionais.
Infelizmente, apesar de evidenciar que há uma superutilização do serviço por
parte de uma parcela de pacientes, ao passo que outra parcela da população não
consegue atendimento na unidade, a planilha não teve influência sobre a
manutenção da iniquidade ao acesso, uma vez que não pôde modificar este cenário.
Como na conhecida Lei dos Cuidados Inversos, descrita por Tudor em 1971,
“aqueles com maior necessidade ​de cuidados serão menos propensos a recebê-lo a
​ . Essa lei
menos que uma ação positiva seja tomada pelos sistemas de saúde” (6)​
demonstra a dificuldade em manter-se uma força de trabalho que atenda às
necessidades de populações mais vulneráveis. Um sistema de saúde menos iníquo

provê acesso oportuno e continuidade do cuidado. (6)

CONCLUSÃO

O presente estudo, ainda que de maneira bastante inicial, permitiu verificar as


impressões dos trabalhadores de uma unidade de saúde com relação às mudanças
imediatas e à médio prazo, a partir da implantação do sistema e-SUS AB, além de
estratégias para melhoria da gestão da agenda.
Apesar das dificuldades iniciais de adaptação ao preenchimento concomitante
da planilha implantada e do prontuário eletrônico E-SUS AB, percebemos que os
profissionais mostraram-se satisfeitos com as melhorias alcançados na organização
dos atendimentos.
Como discutido, a planilha não foi capaz de ampliar o acesso ao atendimento
ou de resolver questões como as relacionadas com a lei dos cuidados inversos.
Conclui-se que a solução para ampliação do acesso envolve fatores diversos que
estão além de questões relacionadas à gestão de agenda. Contudo, a melhoria na
organização dos atendimentos, na satisfação dos usuários e dos profissionais, bem
como, a possibilidade futura de realização de um estudo do perfil de demanda da
unidade gerou nos autores uma impressão majoritariamente positiva em relação a
implementação dessa ferramenta de gestão.

11
Esperamos que este estudo possa contribuir para tornar mais efetivo e ágil o
processo de trabalho dos profissionais de saúde, concatenados às ferramentas
tecnológicas, bem como gerar idéias para melhoria da plataforma E-SUS AB.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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