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FARMACOTERAPÊUTICA

Ano VI - Número 07

ISSN 1413-9626
Mar/Abr/01
Centro Brasileiro de Informações sobre Medicamentos
CEBRIM
Conselho Federal de Farmácia - CFF

O Papel do Farmacêutico na Prevenção de


Problemas Relacionados ao Uso de
Medicamentos. Resultados do Projeto
Fleetwood*.
Rosaly Correa-de-Araujo, MD, MSc, PhD
Diretora de Programas, Geriatria e Saúde Internacional
American Society of Consultant Pharmacists – ASCP
Alexandria, Virginia - USA

Nos Estados Unidos, regulamenta- Nos Estados Unidos, farmacêuticos ca (i.e., revisão retrospectiva da prescrição
ções federais requerem que as prescrições consultores em farmacoterapia que se espe- medicamentosa) nos resultados finais do tra-
medicamentosas para cada residente de uma cializam em cuidados geriátricos são consi- tamento e os custos gerados pelos proble-
nursing home# sejam revisadas, pelo menos, derados elementos importantes dentro do mas ou complicações da farmacoterapia fo-
uma vez por mês, por farmacêuticos consul- sistema de saúde, reconhecidos e valoriza- ram determinados3.
tores em farmacoterapia e que estes farma- dos pela prática de cuidados farmacêuticos A fase II, também completada, tes-
cêuticos relatem ao médico responsável e ao oferecidos a pacientes idosos e àqueles com tou o modelo Fleetwood, no qual o farma-
diretor da nursing home, qualquer irregulari- doenças crônicas. Tais farmacêuticos atuam cêutico se responsabiliza pela revisão pros-
dade observada nas prescrições. Medidas como experts em farmacoterapia e são res- pectiva dos regimes medicamentosos, acom-
também devem ser tomadas para a correção ponsáveis pela garantia do uso correto, apro- panhada de um planejamento formalizado de
imediata dos problemas encontrados.1 priado e seguro dos medicamentos, pela iden- cuidados farmacêuticos para idosos com alto
tificação, solução e prevenção de problemas risco de desenvolvimento de problemas ou
ou complicações relacionados com a farma- complicações da farmacoterapia em utiliza-
CEBRIM coterapia que possam intervir nos objetivos ção.4
Centro Brasileiro de terapêuticos.2 A fase III encontra-se em desenvol-
Informações A American Society of Consultant vimento e tem como objetivo determinar a
sobre Medicamentos Pharmacists – ASCP – é uma associação pro- existência de resultados caracteristicamente
fissional internacional que lidera a educação, dependentes da atuação do farmacêutico no
Conselheiro Coordenador: os direitos e os recursos para o avanço da cuidado dos pacientes acima mencionados5 .
Micheline M. M. de A. Meiners prática farmacêutica relativa aos cuidados de Detalhes da metodologia utilizada em
idosos2. Através de seus 7.000 membros, a cada fase do projeto Fleetwood são descritos
Farmacêuticos: Sociedade gerencia, aperfeiçoa o uso dos a seguir.
Carlos Cezar Flores Vidotti medicamentos e promove a melhoria da qua- A Fase I do Projeto Fleetwood
Emília Vitória Silva lidade de vida de pacientes geriátricos e de A fase I deste projeto foi conduzida
Rogério Hoefler outros indivíduos que residem em comuni- por J. Lyle Bootman e colaboradores, do
Secretária: dades especializadas (i.e., nursing homes, as- Center for Pharmaceutical Economics, Uni-
Valnides Ribeiro de Oliveira Vianna sisted living facilities##). versity of Arizona College of Pharmacy3 .
Em 1996, a Fundação de Pesquisa da Nesta fase, criou-se o conceito de modelo
FARMACOTERAPÊUTICA ASCP criou o projeto Fleetwood, um projeto com resultados potencialmente negativos
Informativo do Centro Brasileiro de pesquisa composto de três fases, visando (i.e, problemas ou complicações), gerados
de Informações sobre a documentar o valor do trabalho do farma- pela farmacoterapia do idoso. Estes não só
Medicamentos - CEBRIM cêutico consultor na prevenção de proble- se referem aos efeitos adversos dos medica-
SBS Qd. 01 - Bl. K mas ou complicações relacionados com o uso mentos, mas também à presença de indica-
Ed. Seguradoras - 8º andar de medicamentos2. ções clínicas não tratadas, ao uso desneces-
Fones: (61) 321-0555 e 321-0691 O projeto Fleetwood está sendo con- sário de medicamentos, à prescrição incor-
Fax: (61) 321-0819 duzido em nursing homes. A fase I do proje- reta, à prescrição incorreta para a condição
CEP 70093-900 - Brasília - DF to foi completada. Nesta fase, os custos en- do paciente, às dosagens muito altas ou mui-
e-mail: cebrim@cff.org.br volvidos com problemas ou complicações da to baixas, às interações medicamentosas e ao
home page: http://www.cff.org.br/cebrim farmacoterapia em pacientes idosos e o im- uso incorreto do medicamento pelo pacien-
pacto causado pela intervenção farmacêuti- te.

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Nesta fase, foram também identifi- Quadro 2 – Fatores de risco para o desenvolvimento de problemas relacionados com
cados os recursos utilizados no tratamento farmacoterapia em idosos morando em asilos. Consenso do Painel de Experts
destes problemas ou complicações e os cus-
tos associados com os mesmos. O quadro 1 Fatores Média Intervalo de
resume os resultados da fase I do modelo
Fleetwood, com base nos oito problemas ou Medicamentos Específicos
complicações da farmacoterapia no idoso.
Ainda, nesta fase, uma análise far- Digoxina 4,3 4,0-4,6
macoeconômica foi realizada, para avaliar o Varfaria 4,7 4,4-4,9
impacto da revisão retrospectiva das pres- Lítio 4,5 4,2-4,8
crições medicamentosas, feita por farmacêu- Clorpropamida 4,5 4,1-4,8
ticos consultores, nos resultados da farma-
coterapia. Esta análise revelou que a revisão Classe de Medicamentos
dos regimes terapêuticos melhora em 43% Anticonvulsivantes 4,3 4,0-4,7
os resultados finais do tratamento e gera uma Antipsicóticos 4,7 4,4-5,0
economia de US$3,6 billões de dólares, por Sedativos/hipnóticos 4,7 4,5-5,0
ano, relacionada à prevenção de problemas
ou complicações oriundos da farmacotera- Benzodiazepínicos de ação
pia. prolongada (meia vida > 24 horas) 4,8 4,6-5,0
Apesar desta economia, para cada Benzodiazepínicos de ação
dólar gasto com medicamentos em nursing intermediária (meia vida de 10-24 horas) 4,3 4,1-4,6
homes, dois dólares são também gastos no
Analgésicos narcóticos 4,5 4,3-4,8
tratamento de problemas ou complicações
decorrentes do uso de medicamentos. Foi es- Anticolinérgicos 4,4 4,0-4,8
timado que quando farmacêuticos não revi- Características do Paciente
sam as prescrições, os gastos com proble- No. de doenças crônicas ativas (> 6) 4,3 4,0-4,6
mas ou complicações são da ordem de
No. de doses de medicamentos por
US$7,6 billhões, por ano, contra um gasto
de US$4 bilhões, por ano, quando esta revi- dia (> 12) 4,7 4,5-5,0
são é efetuada. Tais gastos são elevados com ≥ 9 medicamentos 5,0 5,0-5,0
pacientes idosos, porque estes têm, em ge- Reação adversa prévia 4,4 4,1-4,7
ral, múltiplas patologias, tomam múltiplos
Baixo peso corporal ou index de massa
medicamentos e sofrem dos efeitos fisiológi-
cos da idade sobre a farmacocinética e a far- corporal (< 22 kg/m2) 4,7 4,4-4,9
macodinâmica dos medicamentos. Idade avançada (>85) 4,5 4,2-4,7
Função renal reduzida (< 50 mL/min) 4,5 4,1-4,8
A fase II do projeto Fleetwood
mas com o uso de medicamentos, prescrição teristicamente sensíveis ou dependentes da
A fase II do projeto foi um estudo subótima e reações adversas em pacientes atuação do farmacêutico na prevenção de
piloto de seis meses, com o objetivo de tes- idosos morando em nursing homes ou em problemas ou complicações gerados pelo uso
tar a praticabilidade do modelo Fleetwood1,5,6 . comunidades residenciais. de medicamentos. 1,2,5
O estudo foi conduzido em seis asilos que Referências listadas nos artigos ori- Com o refinamento do projeto na fase
recebiam serviços farmacêuticos da Vitalink ginais também foram consultadas. Em segui- III, procurar-se-à facilitar a implementação
Pharmacy Services and Manor Care2,5. O da, uma equipe de farmacêuticos compilou do modelo Fleetwood, através do treino de
modelo piloto – modelo Fleetwood – tem uma lista preliminar de fatores de risco, a farmacêuticos consultores em colaboração
quatro componentes: identificação de paci- qual foi submetida para consideração por um com provedores de cuidados da saúde em
entes de alto risco para o desenvolvimento painel multidisciplinar de 28 experts nas áre- nursing homes e outras comunidades espe-
de problemas ou complicações da farmaco- as de medicina, farmácia e enfermagem. Os cializadas.
terapia; revisão prospectiva dos regimes me- fatores de risco foram avaliados pelos ex-
dicamentosos prescritos; interação direta perts de acordo com uma escala de 5 pontos Discussão
entre o farmacêutico consultor e o médico – escala de Likert – na qual os seguintes va-
responsável pela prescrição e, o preparo de lores foram atribuídos a cada fator de risco Nos Estados Unidos, o impacto eco-
um planejamento formalizado de cuidados identificado4 : nômico dos problemas ocasionados pelo uso
farmacêuticos. de medicamentos, em todos os setores de
A fase II do projeto Fleetwood mos- 1 = definitivamente não é um fator de risco atenção à saúde (ambulatorial, hospitalar, co-
trou que a revisão prospectiva das prescri- 5 = definitivamente é um fator de risco munidades especializadas), é enorme, atin-
ções permite uma participação maior do far- 3 = fator de risco questionável gindo mais de 100 bilhões de dólares por
macêutico no processo de decisão e inter- ano, valor este equivalente ao custo com
venção clínica. Observou-se, também, me- A lista final de fatores de risco para doenças comuns da população geriátrica.1
lhoria na interação com pacientes e respecti- o desenvolvimento de problemas ou compli- Atualmente, estratégias para redução
vas famílias e no relacionamento com outros cações da farmacoterapia está demonstrada de custos na área de saúde concentram-se na
profissionais da saúde. Desta forma, o far- no Quadro 2. redução do preço de medicamentos, através
macêutico encontra maior satisfação profis- do uso de medicamentos genéricos ou da uti-
sional e pessoal.2 A Figura 1 mostra de forma esque- lização de formulários, na redução de custos
Um aspecto importante da primeira mática as etapas da intervenção farmacêuti- com a distribuição de medicamentos e redu-
parte da fase II do projeto Fleetwood foi a ca na fase II do projeto Fleetwood. ção na utilização de altas taxas de pagamento
identificação de fatores de risco para o de- e autorização requeridos por provedores de
senvolvimento de problemas ou complica- A fase III do projeto Fleetwood serviços de atenção médica. No entanto, o
ções relacionados com a farmacoterapia4 . custo real da terapia medicamentosa deve
Estes fatores foram identificados, através O componente mais importante da incluir o gasto gerado com o tratamento dos
de uma revisão extensa da literatura, de 1966 fase III do projeto Fleetwood, atualmente, problemas ou complicações decorrentes da
a 1996, sobre tópicos abrangendo proble- em execução, é a busca de resultados carac- farmacoterapia.

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O treinamento adequado de farma-
cêuticos, em farmácia clínica, com ênfase es-
pecial a medicamentos e a participação dos Quadro 1 - Resultados da Fase I do Projeto Fleetwood
mesmos no processo de decisão terapêutica
com total integração na equipe médica, con- % terá ótimo resultados com a
tribui, de forma relevante, tal como demons- terapia medicamentosa
trado pelo projeto Fleetwood, para a preven-
ção de problemas ou complicações gerados Problemas c/ medicamentos Nenhum tratamento
pelo uso de medicamentos, com redução sig- futuro
• Falta tratamento para
nificativa nos gastos (economia de 3,6 bilhões % falha do Discussão adicional
condição presente
de dólares por ano) na área de saúde, nos tratamento por com profissionais
Estados Unidos. Mesmo assim, conforme já • Medicamento incorreto problema c/
medicamento Rx
mencionado, para cada dólar gasto com medi- • Dose subterapêutica
camentos, dois dólares são gastos com trata- • Falha no uso do Laboratório ou
mento dos problemas ou complicações resul- % terá novo radiologia adicionais
tantes do uso dos mesmos por pacientes ido- medicamento
problema médico Visitas à sala de
sos em nursing homes. • Dosagem para mais gerado por emergência
• Rea ção adversa medicamentos
A quantificação dos efeitos decorren- Admissão hospitalar
• Interação medicamentosa
tes do cuidado farmacêutico – fatores sensíveis % falha do Visitas adicionais de
ou dependentes do farmacêutico - é uma aspec- • Medicamento não tratamento e novo profissionais da
to essencial para descrever o valor dos serviços indicado p/o problema problema gerado saúde
prestados por farmacêuticos aos consumido- por medicamentos
res, provedores e pagadores envolvidos no sis- Óbito
tema de saúde. Além disso, a medida padroni- Para cada 100 pacientes no sistema de saúde
zada destes resultados fornece aos farmacêuti-
cos a oportunidade para obter o reconhecimen-
to das intervenções que tais profissionais utili- Release, American Society of Consultant Congresso de Ciências Farmacêuticas do
zam para beneficiar a saúde de pacientes indivi- Pharmacists (ASCP). Alexandria, VA. Espírito Santo e IV Encontro dos Centros de
duais ou da população, em geral. November 1st, 2000. Informação de Medicamentos do Brasil,
realizado, em Vitória, de 21 a 25 de novembro
3. Bootman JL, Harrison DL, Cox E. The de 2000.
Em países onde o potencial de atua- health care cost of drug-related morbidi-
ção do farmacêutico é ainda limitado ou pouco ty and mortality in nursing facilities. Arch # Nursing homes oferecem um ambi-
reconhecido e valorizado, recomenda-se que Intern Med 1997; 157: 2089-96. ente de proteção e terapia para aqueles que ne-
prioridades sejam estabelecidas na área de edu- 4. Fouts M, Hanlon J, Pieper C, Pefetto E, cessitam de cuidados de reabilitação ou não
cação, visando a uma reestruturação e expan- Feinberg J. Identification of elderly nur- podem mais viver independentemente, em de-
são do curriculum de farmácia, com a criação corrência de condições físicas ou mentais crô-
sing facility residents at high risk for drug- nicas que requerem atenção constante. Noven-
de programas de residência para farmacêuticos related problems.The Consultant Phar- ta e sete por cento dos residentes de nursing
e um redirecionamento da profissão para a aten- macist 1997; 12(10): 1103-11. homes requerem assitência para a realização
ção farmacêutica na qual o farmacêutico tam- 5. The Fleetwood Project. 1999 Annual re- atividades diárias, entre as quais incluem-se
bém se responsabiliza pelo doente. port – American Society of Consultant banhos, vestir-se, uso de toilet, refeições e con-
Pharmacists Research and Education tinência. Nos Estados Unidos, cerca de 24% da
Referências Foundation. Alexandria, VA. pp 13-15. população acima de 85 anos reside em nursing
homes.
6. Daschner m, Brownstein S, Cameron KA,
1. Erwin WG. The role of consultant phar- Feinberg JL. Fleetwood Phase II tests a ## Assisted living facilities oferecem
macist. The Consultant Pharmacist 1999; new model of long-term care pharmacy. um programa de assitência para refeições, cui-
14(12): 1342-51. The consultant Pharmacist 2000; 15(10); dados pessoais e médicos e, suporte para algu-
2. _ The Fleetwood project phase II study 989-1005. mas atividades diárias, mas sem a necessidade
de atenção constante. Nos Estados Unidos, mais
proves feasibility of implementing a new * Conferência proferida no Cebrim- de um milhão de idosos residem neste tipo de
model for long-term care pharmacy. Press CFF, Brasília, 20 Novembro de 2000 e, Segundo comunidade.

PUBLICAÇÕES FUNDAMENTAIS EM FARMACOLOGIA E FARMACOLOGIA CLÍNICA


• FOYE, MEDICINAL CHEMISTRY • GOODMAN & GILMAN, PHARMACOLOGICAL BASIS OF THERAPEUTICS • KOROLKOVAS, DICIONÁRIO TERAPEUTICO GUANABARA • LUND, WALTER (ED):
THE PHARMACEUTICAL CODEX • MARTINDALE: THE EXTRA PHARMACOPOEIA • OLIN, DRUG FACTS AND COMPARISONS • PDR GENERICS • PDR GUIDE TO DRUG INTERACTIONS SIDE
EFFECTS INDICATIONS • PDR PHYSICIANS’ DESK REFERENCE • PDR FOR NON-PRESCRIPTION DRUGS • RANG & DALE, PHARMACOLOGY • STEDMAN, DICIONÁRIO MÉDICO • THE MERCK
INDEX • USP XXIII + NATIONAL FORMULARY XVIII • USP DI - UNITED STATES PHARMACOPOEIA DRUG INFORMATION • USP DICTIONARY USAN • ZANINI, GUIA DE MEDICAMENTOS
MATRIZ (Metrô República):
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