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Luci Praun*
Claudia Costa **
Resumo
Considerada como empresa estratégica, fundamental para o projeto de desenvolvimento nacional
proposto pelos militares, a Petrobras foi alvo, desde o dia seguinte ao golpe de 1964, de uma série de
ações que, na concepção dos golpistas, visaram eliminar o que eles denominavam como
“comunização” da estatal. Para que essas ações fossem viabilizadas, uma minuciosa estrutura
nacional de vigilância, monitoramento e repressão passaria a funcionar no interior da empresa, mas
com importante conexão e enraizamento nos diferentes órgãos de repressão comandados pelo
Estado brasileiro. Este artigo tem por objetivo apresentar e analisar, apoiado em pesquisa
bibliográfica e documental, a estrutura de repressão instituída no interior da Petrobras durante a
vigência do regime civil-militar brasileiro, assim como sua repercussão sobre seus trabalhadores e
órgãos de representação política e sindical.
Palavras-chave: Ditadura civil-militar brasileira (1964-85). Trabalhadores da Petrobras. Ditadura e
estruturas de repressão.
Abstract
Considered a strategic company, crucial for the national development proposed by the military,
Petrobras was a target since the day after the 1964 coup of a number of action that, in the minds of
the coup perpetrators, focused on eliminating those that they seemed as ‘comunisizing’ the estate
company. To make it possible it a thoroughly and national structure of vigilance and monitoring
started operating within the company but also with strong connections and roots at many repression
organs operated by the Brazilian state. This article has the goal of presenting and analyzing,
supported by bibliographical and documental research the structure of repression that took place
within Petrobras during the civilian-military regime in Brazil as well as its repercussion on its workers
and organs of political and syndical representation.
Keywords: Civilian-military dictatorship in Brazil (1964-85). Petrobras workers. Dictatorship and
repression structures.
Comunicação Social da Fiam/Faam. Responsável pelo Departamento de Comunicação da Central Sindical e Popular (CSP)-
Conlutas. Contato: claudia.l.costa@gmail.com
Introdução
Criada pela Lei 12.528/2011, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instituída em 16 de
maio de 2012 com o objetivo de investigar as graves violações de Direitos Humanos ocorridas no
Brasil. O período estipulado para a pesquisa compreende de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro
de 1988.
Com um prazo de desenvolvimento dos trabalhos previsto para um ano, em dezembro de
2013 o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014, por meio de uma medida provisória,
a de nº 632. A decisão deveu-se à quantidade de documentos encontrados que, apesar de longe de
representar a totalidade, evidenciou a insuficiência do tempo firmado inicialmente para conhecer a
diversidade e intensidade de atrocidades cometidas durante a ditadura civil-militar brasileira.
A entrega do relatório final à presidenta Dilma Rousseff aconteceu em 10 de dezembro de
2014, após dois anos e sete meses de trabalho. O documento foi dividido em três volumes, com mais
de 4 mil páginas. No Volume 1, constam cinco partes que englobam a Comissão Nacional da Verdade,
as estruturas do Estado e as graves violações de direitos humanos, os métodos e práticas nas graves
violações de direitos humanos e suas vítimas, a dinâmica das graves violações de direitos humanos:
casos emblemáticos, locais e autores e o Judiciário, além das conclusões e recomendações; este
volume contém dezoito capítulos distribuídos em cinco partes. No Volume 2, estão os relatórios
temáticos sobre as violações dos direitos humanos em diversos segmentos: militar, trabalhadores,
camponeses, igrejas cristãs, povos indígenas, universidades, homossexuais, assim como civis que
colaboraram com a ditadura e a resistência da sociedade civil. O Volume 3 traz a trajetória dos 434
mortos e desaparecidos atribuídos à ditadura brasileira.
As pesquisas desenvolvidas pela CNV se deram por meio de grupos de trabalho coordenados
pelos membros que compunham a comissão. No total foram 13 grupos, focados nos seguintes
temas: ditadura e gênero; Araguaia; contextualização, fundamentos e razões do golpe civil-militar de
1964; ditadura e sistema de Justiça; ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical;
estrutura de repressão; mortos e desaparecidos políticos; graves violações de direitos humanos no
campo ou contra indígenas; Operação Condor; papel das igrejas durante a ditadura; perseguições a
militares; violações de direitos humanos de brasileiros no exterior e de estrangeiros no Brasil e o
Estado ditatorial-militar.
A investigação sobre a relação da direção da Petrobras com os órgãos de repressão está
inserida no grupo de trabalho Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical,
composto pelas centrais sindicais brasileiras CUT, Força Sindical, CSP-Conlutas, CTB, CGTB, CSB,
Intersindical Central, Intersindical, Nova Central e UGT e outras entidades, e coordenado por Rosa
Maria Cardoso da Cunha, grupo com o qual as autoras deste artigo colaboraram.
As investigações comprovam o financiamento e as relações de diversas empresas com os
órgãos de repressão, como Volkswagen, Petrobras, Embraer, General Motors, Fiat, Grupo Ultra e
outras. O resultado desse trabalho levou o grupo a defender entre as 43 recomendações
apresentadas, a punição para empresários e empresas, públicas e privadas, que colaboraram com a
ditadura:
Investigar, denunciar e punir empresários, bem como empresas privadas e estatais,
que participaram material, financeira e ideologicamente para a estruturação e
consolidação do golpe e do regime militar; Instituir um fundo, mantido por meio de
multas e punições pecuniárias provenientes de empresas públicas e privadas que
patrocinaram o golpe e a ditadura subsequente, para a reparação dos danos
causados aos trabalhadores, organizações sindicais e ao patrimônio público;
Elaborar política pública de resgate da memória de luta dos/as trabalhadores/as
que garanta a reparação histórica, somando-se à reparação econômica, sob
responsabilidade do Estado e das empresas envolvidas com a repressão. (CUNHA,
2015, p. 45).
1 O acervo é constituído por materiais classificados em quatro grupos: a) Livros de Registros – composto por 18 arquivos de
tamanho bastante variável, entre os quais podem ser localizados processos de auditoria, sindicâncias, inquéritos
administrativos, parte deles com data anterior a 1964; b) Prontuários e Dossiês sobre trabalhadores – composto por
131.277 pastas nas quais se podem também encontrar fichas sobre trabalhadores da Petrobras e de empresas prestadoras
de serviço à estatal; c) Movimentação de Pessoal – 116 pastas que abrigam ofícios e listas sobre contratações e demissões
de trabalhadores da Petrobras entre 1964 e 1992, constando também listas de trabalhadores contratados por subsidiárias e
prestadoras de serviço; d) Avulsos –14 pastas, entre elas aquelas compostas por documentação relativa às demissões
efetuadas em 1964, resultantes das atividades da Comissão Geral de Investigações da Petrobras, em funcionamento entre
março e outubro daquele ano. Parte dos documentos também se referem às demissões realizadas a partir do AI-5, de 1968.
(PRAUN; COSTA, 2015).
2 Criado pelo Decreto nº 9.775, de 6 de setembro de 1946.
3 Criado em 1966, apesar de não constar como instância formal do Min. das Relações Exteriores (BRASIL, 2014).
- Empresa estratégica
Incluída entre as “áreas indispensáveis à Segurança Nacional”4 e integrante de setor
econômico capaz de, na perspectiva da cúpula das Forças Armadas brasileiras, “colaborar para a
pronta emancipação econômica do país” (BR_RJANRIO.HF.AVU.3, p. 10), a Petrobras vivenciou
durante o regime civil-militar brasileiro uma importante expansão de suas atividades. Fundada em
1953, às primeiras instalações, herdadas do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), foram acrescidas
outras, como as do Serviço Regional da Amazônia (SRAZ) e as da Refinaria de Duque de Caxias
(REDUC), no Rio de Janeiro, em funcionamento a partir de 1961. A ditadura herdaria também do
período que a antecede duas importantes refinarias: a Landulpho Alves (RLAM), de Mataripe, na
Bahia, e a Presidente Bernardes (RPBC), localizada em Cubatão, São Paulo.
Ao longo do período ditatorial (1964-85) entraram em funcionamento as refinarias de
Alberto Pasqualini (REFAP), no Rio Grande do Sul, e a de Gabriel Passos (REGAP), em Minas Gerais,
ambas em 1968. Em 1971, seria inaugurada a refinaria de Paulínia (REPLAN), no estado de São Paulo.
Três anos depois, em 1974, a Refinaria Exploração de Petróleo União S/A passaria a compor a
estrutura da estatal, dando origem à Refinaria de Capuava (RECAP), localizada em Mauá, São Paulo.
Outras duas refinarias, a Presidente Getúlio Vargas (REPAR), no Paraná, e a Henrique Lage (REVAP),
em São José dos Campos, São Paulo, seriam respectivamente inauguradas em 1977 e 1980.
Ao chegarem ao poder, assumir o domínio de cada setor dessa empresa passou a ser
encarado pela cúpula militar como parte das ações urgentes e necessárias para a garantia do
controle das estruturas do Estado brasileiro e da implantação dos projetos estratégicos do regime.
No que diz respeito ao processo de controle das instâncias da Petrobras, não se trata de exagero
afirmar que a importância atribuída pelos militares a esta estatal “foi proporcional às ações de
repressão desencadeadas sobre seus trabalhadores” (PRAUN; COSTA, 2015, p. 83). Vale acrescentar
que a amplitude das instalações da Petrobras, impulsionaria a organização de um sistema nacional
de informação e repressão.
O que se iniciou, portanto, no dia seguinte ao Golpe, como ações de desmantelamento de
focos de resistência, converteu-se rapidamente em um intenso, articulado e sumário processo de
perseguição, prisões e demissões. A ofensiva repressiva e a busca pelo controle da empresa
encontraria sustentação fácil, expressa inclusive na forma leviana como eram acusados os
perseguidos, no discurso da Guerra Fria e na justificativa de uma suposta “comunização” de suas
instalações. O discurso da “Segurança Nacional”, aliado ao do progresso da nação, passou a sustentar
as diferentes formas de aplacar qualquer manifestação de oposição, sobretudo aquelas oriundas dos
movimentos dos trabalhadores.
5 O Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão que incorpora o SFICI, será constituído somente a partir de 13 de junho de
1964. A subordinação da CGI ao SFICI/SNI pode ser identificada em documentos que compõem o Relatório da CGI
(BR_RJANRIO.HF.AVU.2), entre eles ofício da Petrobras/Estado da Bahia dirigido ao presidente da CGI, datado de 25 de
junho de 1964 (BR_RJANRIO.HF.AVU.2, p. 1-5).
Apesar de reveladoras das arbitrariedades cometidas pelos militares frente à Petrobras, as
listas são apenas uma pista para desvendar as diferentes facetas do sistema montado pela ditadura
no interior da empresa. Por trás dos nomes que compõem as listas escondem-se, em diferentes
graus, histórias de intimidações, perseguições, prisões, inclusive torturas.
Os trechos a seguir, reproduzidos de três cartas6 recebidas por um dos trabalhadores
localizados na listagem citada, da Refinaria de Cubatão, ajudam a esclarecer sobre o clima de
intimidação vigente a partir de abril de 1964. Entre a primeira carta, com a data do dia de início dos
trabalhos da CGI, e a última, 12 dias depois, pode-se observar a inclusão do trabalhador na lista de
“suspeitos”, a “investigação” e “audiência”, e a demissão por “justa causa”.
Entre os trabalhadores presos após o Golpe, o caso mais conhecido é do deputado federal
Mário Soares Lima, dirigente sindical petroleiro da Refinaria Landulpho Alves/BA. Sobre esse caso,
Márcio M. Alves (1996, p. 33) cita uma matéria publicada em 17/04/64 no jornal Correio da Manhã
que denuncia que “o ex-deputado Mário Lima, eleito pelos Sindicatos da Petrobras, estava sendo
submetido a surras diárias na prisão da Polícia Militar”.
As prisões, no entanto, conforme se pode constatar a partir dos documentos da Petrobras,
foram praticadas com certa regularidade. Eram parte dos procedimentos de “investigação”. Visavam
a intimidação e o desmantelamento da organização e resistência dos trabalhadores, tal como pode-
se verificar no fragmento abaixo, extraído do Relatório da CGI – Petrobras (BR_RJARIO_HF_0_AVU_3,
p. 74).
6 As cartas, de arquivo pessoal do trabalhador, foram localizadas entre documentos guardados na Associação dos
Trabalhadores Aposentados e Pensionistas da Petrobras de Duque de Caxias (ASTAPE) e integraram sua solicitação de
anistia política.
7 Aparentemente a abreviação de Divisão de Pessoal (DP).
Documento 1
8 Referências às intervenções nas entidades sindicais petroleiras e à “quebra” da estabilidade de seus dirigentes podem ser
localizadas no Relatório da CGI – Petrobras (BR_RJARIO_HF_0_AVU_3).
9 A documentação analisada (BR_RJANRIO_HF_0_PTR_000528 / DECOM/SG-1015/65, p. 12) indica a existência, desde 1965,
Figura 1 12
No interior da Petrobras, no topo desta estrutura, esteve, desde os primeiros anos da DIVIN,
o Cel. Fausto de Carvalho Monteiro. O militar também acumulava a função de Coordenador Geral de
Segurança da Petrobras, atividades que, pela natureza e objetivos, não guardavam fronteiras claras
10
Com protocolo de recebimento assinado pelo Diretor do DOPS em 02/07/1974.
11 O relatório da CGI-Petrobras, de outubro de 1964, indicou reformulações no Setor de Vigilância das unidades da empresa.
Conforme as orientações contidas nesse documento, “Os elementos desse serviço deverão ter uma instrução semelhante à
militar e aos seus quadros ser incluídos elementos com habilitações de polícia, aos quais serão dadas tarefas de ligação c/ a
2a Secção do QG da 6a Região Militar e com a DOPS” (BR_RJANRIO.HF.AVU.3, p. 96). Em outra passagem, afirma-se: “Dada a
importância da REDUC do ponto de vista de segurança, cremos ser indispensável nomear um oficial do Exército para a
Chefia do Setor de Vigilância da Unidade, atualmente interina e entregue a um de seus inspetores (idem, p. 238).
12 Organograma construído pelas autoras a partir de diferentes fontes documentais da Petrobras, disponíveis no Arquivo
Nacional, da legislação relativa à constituição de parte desta estrutura, e do Relatório da Comissão Nacional da Verdade
(2014).
entre si, mas que mantinham, em ambos os casos, expressa subordinação ao Conselho de Segurança
Nacional (CSN) e ao Serviço Nacional de Informações (SNI). O carimbo reproduzido abaixo
(Documento 2), presente em diversos documentos do período, é esclarecedor. Nele pode-se ler:
“ATENÇÃO: A DIVISÃO DE SEGURANÇA E INFORMAÇÕES DA PETROBRAS INTEGRA O SISTEMA
NACIONAL DE INFORMAÇÕES NOS TERMOS DOS DECRETOS 66.622, DE 25/05/70 E 67.325, DE
2/10/70.”
Documento 2
Fonte: BR_RJARIO_HF_0_PTR_000002
Vale, no entanto, ressaltar que apesar da menção explícita à subordinação destas Divisões
aos Ministérios Civis, o Artigo 2º (e o carimbo impresso nos documentos da DIVIN) não deixa dúvidas
quanto à hierarquia e subordinação última destes órgãos. Essa relação de subordinação pode
também ser observada no período anterior à constituição formal da DIVIN, particularmente durante
o funcionamento da Comissão Geral de Investigações – Petrobras, criada imediatamente após o
Golpe de 1964. Os decretos 66.622, de 25/05/70 e o 67.325, de 2/10/70, apesar de manterem a
subordinação dessas “Divisões de Segurança e Informações (DSI)” aos “respectivos Ministros de
Estado” deixam clara “sua condição de órgão sob a superintendência e coordenação do Serviço
Nacional de Informações (SNI)” (Regulamentação das Divisões de Segurança e Informações dos
Ministérios Civis, Art. 1º).
14 Na segunda metade dos anos 1980, esse documento passou a ser denominado “Ficha de Controle do Levantamento
Sócio-Funcional” e acrescido de outra ficha, de “Levantamento Sócio-Funcional”. As investigações passaram a priorizar
referências em empregos anteriores, antecedentes criminais e cadastro no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
15 Na ficha reproduzida, o nome do trabalhador e de seus pais foi ocultado de forma a preservar sua privacidade.
Documento 3
Fonte: BR_RJARIO_HF_0_PTR_000242
Por outro lado, no acervo dos Arquivos Públicos Estaduais, como o de São Paulo, é possível a
localização de parte importante dessa documentação que circulava entre os órgãos de repressão,
reafirmando as conclusões alcançadas pela CNV ao analisar as atividades da Oban (Operação
Bandeirante). Segundo a CNV, “a circulação de informes não era mero protocolo, e sim a maneira
como a Oban desempenhava importante papel na provisão dos arquivos do SNI e,
consequentemente, de todos os parceiros de sistema.” (CNV, 2014, p.134). A mesma conclusão pode
ser aplicada, sem receio, aos processos que envolvem a Petrobras.
Um entre tantos outros documentos que ilustra essas conclusões é a “FICHA INFORMATIVA”
de um trabalhador da Refinaria Duque de Caxias (REDUC). Nela pode-se observar o caminho e o
processo de retroalimentação das informações e dos arquivos das distintas instâncias do sistema.
Circulam informações sobre o trabalhador, conforme a ficha, entre abril de 1964 e agosto de 1968.
Nesse período, observa-se que as “investigações” transitaram pelo Serviço Federal de Informações e
Contrainformações (SFICI) – abril/64; Comissão Geral de Investigações (CGI-Petrobras) – julho/64;
Diretoria da Petrobras – janeiro/1965; Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara
(DOPS/GB) – maio e junho/65; Setor de Vigilância da Petrobras – novembro/65; Centro Nacional de
Informações da Marinha (CENIMAR) – março/1966; 2ª Seção do I Exército – maio/66; Departamento
de Polícia Política e Social do Rio de Janeiro (DPPS/GB) – julho/66; I Exército; Setor de Vigilância da
Petrobras – julho/67; Superintendência da REDUC – agosto/1968, culminando com a indicação de
demissão.
Documento 4
Documento 5
Fonte: BR_RJANRIO_HF_0_PTR_000199
5. Listas sujas
A circulação de dossiês e prontuários sobre os trabalhadores também se constituiu
na base de um sistema particular de troca de informações, subjacente e subordinado ao
organizado pelos órgãos de repressão, que deu origem às chamadas “listas sujas”.
Inicialmente restritas aos trabalhadores diretos da Petrobras, nos anos seguintes ao
Golpe, a troca de informações se estenderia para as empresas prestadoras de serviço e
subsidiárias. Enviadas mensalmente para a DIVIN, as listas consideravam a movimentação de
pessoal, admissões e demissões, das referidas empresas. Era a partir da DIVIN que os
encaminhamentos relativos ao Plano de Buscas eram disparados, de forma a estabelecer se
aquele trabalhador deveria ser admitido ou não.
A troca de informações também possibilitava identificar se um trabalhador demitido
em uma das empresas encontrava-se contratado por outra, conforme indicam os
Documentos 6 e 7, abaixo, além de manter atualizado, mensalmente, o quadro de
funcionários do conjunto de empresas ligadas à Petrobras.
Documento 616
Fonte: BR_RJANRIO_HF_0_PTR_000088
16 “14-6-1967. Informe GB 15. Revendo pasta de informações datada de 6 de junho de 1966 em que trata da firma
Engebrás, empreiteira das obras da Fábrica de Asfalto no estado do Ceará. Informo que alguns elementos principalmente
[ilegível] Conforto e alguns instrumentista[s] que foram demitidos da RPBC e da Reduc estavam trabalhando na firma
[ilegível] – GB – fábrica de Tecidos. Aguardo orientação. GB – 15.”
Documento 7
Fonte: BR_RJANRIO_HF_0_PTR_000089
Considerações finais
O vasto material encontrado nos arquivos mencionados neste artigo confirma a presença da
atuação do Governo Militar diretamente na gestão de pessoal de empresas, neste caso da Petrobras,
assim como a colaboração das empresas privadas para com a ditadura.
A instituição da CNV foi fundamental para que a sociedade tivesse acesso à documentação
antes negada ao público, assim como permitiu que fossem recolhidos 1121 depoimentos, realizadas
80 audiências e sessões públicas, além de inúmeras diligências e perícias. Os trabalhos desenvolvidos
impulsionaram a investigação em sete unidades militares e locais utilizados pelas Forças Armadas
para a prática de graves violações de Direitos Humanos.
Contudo, ao institui-la, as limitações imputadas à CNV pelo governo federal de Dilma
Rousseff restringem a punição aos responsáveis pelos crimes cometidos na Ditadura Civil-Militar
brasileira. O perfil unicamente investigativo proporcionou a negação das recomendações do GT dos
Trabalhadores sobre a punição de empresas e empresários responsáveis por perseguições políticas a
trabalhadores.
Para que a CNV cumprisse uma tarefa efetiva seria necessário, além de identificar os agentes
do Estado que cometeram crimes, assim como os empresários e políticos envolvidos no
financiamento e na repressão da Ditadura Civil-Militar, que fosse estabelecida a responsabilização
por esses crimes, o julgamento e aplicadas as devidas punições.
A constituição do Fórum de Trabalhadores deve-se justamente à necessidade de garantir a
punição das empresas e empresários responsáveis pelos graves ataques cometidos contra os direitos
humanos no Brasil, imputar a reparação aos trabalhadores perseguidos com ameaças, demissões e
delações que provocaram prisões, torturas e, em alguns casos, chegaram à morte.
Nesse sentido foi apresentada a representação ao MPF sobre a colaboração da Volkswagen
na Ditadura Civil-Militar brasileira e será preparada também para outras empresas, entre elas a
Petrobras.
A punição e reparação também têm como objetivo garantir a liberdade de organização
sindical e política dos trabalhadores brasileiros que ainda hoje enfrentam situações similares ao
período ditatorial, sofrendo vigilância, retaliações, demissões e interditos proibitórios em processos
de greves. Um legado da impunidade dessas empresas.
Entre suas ações, o Fórum dos Trabalhadores também atua pela modificação da Lei da
Anistia de 1979, aprovada ainda sob a ditadura, para que permitisse a punição dos agentes do Estado
que cometeram crimes de lesa-humanidade.
O entendimento é de que, se a totalidade dos responsáveis for punida, será um exemplo
para que tais crimes não se repitam.
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