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PEDRO HENRIQUE DA SILVA ORIOLA CARDOSO

A repressão política da ditadura militar brasileira durante o período de transição


(1974-1979)

Professor Orientador: Prof Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos

Rio de Janeiro

2014
PEDRO HENRIQUE DA SILVA ORIOLA CARDOSO

A repressão política da ditadura militar brasileira durante o período de transição


(1974-1979)

Professor Orientador: Prof Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Instituto de História da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (IH-UFRJ), como parte dos
requisitos necessários à obtenção de grau de
Bacharel em História.

Rio de Janeiro

2014
A REPRESSÃO POLÍTICA DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA
DURANTE O PERÍODO DE TRANSIÇÃO (1974-1979)

Pedro Henrique da Silva Oriola Cardoso

DRE: 110148186

Monografia submetida ao corpo docente do Instituto de História da


Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Bacharel.

Aprovada por:

__________________________________________________

Prof Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos- orientador (UFRJ)

____________________ ______________________________

(titulação)

___________________________________________________

(titulação)

Rio de Janeiro

2014
Para as mulheres da minha vida: Elza e Cláudia
Sumário:

Introdução 11

I- O caráter do golpe de 1964 11

II- Justificativa do objeto 16

III- Quadro teórico 18

IV- Metodologia e fontes 26

V- Dinâmica dos capítulos 27

Capítulo I- A gênese da transição 28


1.1 Perspectivas teóricas sobre a transição 28

1.2 Periodização acerca do inicio da transição 30

1.2.1 A questão militar 42

Capítulo II- A violência política contra a esquerda e aos

movimentos sociais 48
2.1 Questão teórica sobre o funcionamento do aparato

repressivo 48

2.2 Historiografia 53

2.3 A atuação da esquerda no período de distensão 57

2.4 Medidas castrenses para conter a oposição militar 61

2.5 Características do Estado pós 1974 70

2.5.1 Controle 70

2.5.2 Negociação 72

2.5.3 A valorização do sistema eleitoral 72

2.6 Exemplos da repressão política 73


2.6.1 Jogo eleitoral restrito 73

2.6.2 Repressão aos partidos comunistas 78


2.6.3 Repressão ao movimento estudantil 81

2.6.4 Repressão ao movimento grevista 83

2.7 A lei da anistia e a reforma partidária- 85

Conclusão 87

Referências bibliográficas 93
Lista de Abreviaturas:
AI-5- Ato Institucional nº5

ALESP- Assembléia Legislativa de SP

ALN- Aliança Libertadora Nacional

ARENA- Aliança Renovadora Nacional

ASI- Assessoria de Segurança e Informação

CENIMAR- Centro de Informações da Marinha

CGT- Comando Geral dos Trabalhadores

CIA- Agência Central de Inteligência

CIE- Centro de Informações do Exército

CPDOC- Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

CS- Convergência Socialista

CT- Comissão Trilateral

DGI- Delegacia Geral de Investigações

DOI-CODI- Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa


Interna

DOPS- Departamentos Estadual de Ordem Política e Social

DSI- Divisão de Segurança e Informação

DSN- Doutrina de Segurança Nacional

ESG- Escola Superior de Guerra

EUA- Estados Unidos da América

FGTS- Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FIESP- Federação das Indústrias de São Paulo

FPN- Frente Parlamentar Nacionalista

IBAD- Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IPES- Instituto Pesquisa e Estudos Sociais

IPMS- Inquéritos Policiais Militares


ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros

LSN- Lei de Segurança Nacional

MDB- Movimento Democrático Brasileiro

MEP- Movimento pela Emancipação do Proletariado

MR-8- Movimento Revolucionário 8 de outubro

N-CISA- Núcleo do Serviço de Informações da Aeronáutica

OBAN- Operação Bandeirantes

PCB - Partido Comunista brasileiro

PC do B- Partido Comunista do Brasil

PDS- Partido Democrático Social

PDT- Partido Democrático Trabalhista

PF- Polícia Federal

PM- Polícia Militar

POC- Partido Operário Comunista

PO- Política Operária

PRI- Partido Revolucionário Institucional

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

PT- Partido dos Trabalhadores

PUC-SP- Pontifícia Universidade Católica de SP

SNI- Serviço Nacional de Informações

SP- São Paulo

SSP/BA- Secretaria de Segurança Público do Estado da Bahia

STF- Supremo Tribunal Federal

UDN- União Democrática Nacional

UFF- Universidade Federal Fluminense

UNE- União Nacional dos Estudantes

URSS- União das Repúblicas Socialistas Soviéticas


VPR- Vanguarda Popular Revolucionária
Resumo

CARDOSO, Pedro. A repressão política da ditadura militar brasileira durante o período


de transição (1974-1979). Orientador: Renato Luís do Couto Neto e Lemos. Rio de Janeiro:
UFRJ/IFCS/Instituto de História, 2014. Monografia (Bacharel em História)

O objetivo deste trabalho é analisar o sentido e a dimensão da repressão politica


exercida pelo Estado brasileiro, durante o período de transição do regime ditatorial para o
regime democrático. A priori a repressão no período datado acima, está relacionada com o
tipo de transição que foi realizada no país, ou seja, uma transição iniciada e controlada pelo
grupo dirigente a qual obteve êxito. Assim, perceber ao mesmo tempo em que o governo abria
concessões democráticas, como por exemplo, a extinção do Ato Institucional n°5(AI-5)
embora simultaneamente continuasse interrogando, prendendo e cassando e até exterminando
os seus inimigos políticos, como no caso de membros do Partido Comunista brasileiro (PCB)
e o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e também políticos cassados que almejavam voltar
a exercer cargos públicos e que, portanto não estariam inclusos no projeto de transição
politica. Por fim fica em evidencia que a transição tinha um objetivo estratégico e o uso da
coerção política foi um meio para conseguir tal tarefa, por isso o objeto do estudo é tornar
evidente a permanência do aparato repressivo durante o processo para o retorno ao Estado de
Direito.

Palavras –chave:ditadura militar.transição.repressão política


ABSTRACT

CARDOSO, Pedro. A repressão política da ditadura militar brasileira durante o período


de transição (1974-1979). Orientador: Renato Luís do Couto Neto e Lemos. Rio de Janeiro:
UFRJ/IFCS/Instituto de História, 2014. Monografia (Bacharel em História)

The objective of this study is to analyze the meaning and the extent of political repression by
the Brazilian government during the transition period from dictatorship to democracy. A
priori repression in the period dated above, is related to the type of transition that took place
in the country, ie, a transition initiated and controlled by the ruling group which was
successful. Thus, realizing at the same time the government opened democratic concessions,
such as the extinction of the Institutional Act No. 5 (AI-5) while simultaneously questioning
continued, holding and revoking and even exterminating his political enemies, as in the case
members of the Brazilian Communist Party (PCB) and the Communist Party of Brazil (PC do
B) and also disenfranchised politicians who longed to return to holding public office and
therefore would not be included in the political transition project. Finally is in evidence that
the transition had a strategic objective and the use of political coercion was a means to
achieve such a task, so the object of the study is to make clear the permanence of the
repressive apparatus during the process to return the rule of law.

Key words : dictatorship militar.transition.violence policy


Introdução

[o governo] não aceita, nem poderia admitir jamais pressões indevidas e campanhas
reivindicatórias de indivíduos ou de grupos quaisquer que, sob variados pretextos
(...) pretendem forçar mudanças e revisões inconvenientes, prematuras ou
imprudentes, do quadro político nacional. (...) Tais pressões [sobre a opinião
pública] servirão apenas para provocar contrapressões de igual ou maior intensidade.
[E ainda que, não pretendia abrir mão dos] instrumentos excepcionais de que o
governo se acha armado para a manutenção da atmosfera de segurança e ordem. [Em
segundo lugar, reforçou a estratégia adotada frente à “linha dura” militar quando
afirmou que para evitar crimes contra os direitos humanos] os órgãos de segurança
continuarão atuantes, no combate perseverante, rigoroso, mas sem excessos
condenáveis, duro, porém sem violências inúteis, pois lhes compete agir para a
salvaguarda das instituições e da ordem pública (Opinião, 2/9/1974, p.3).1

O caráter do golpe de 1964

Este trabalho tem como objeto entender o sentido da violência política contra a
esquerda e aos movimentos sociais, no período que compreende a posse do presidente Ernesto
Geisel (1974) até a reforma partidária feita no primeiro ano de mandato do governo João
Figueiredo (1979). Contudo, neste tópico inicial tenho como objetivo demonstrar brevemente
o caráter do golpe de 1964 e o regime que o sucedeu.

Nesse assunto, o historiador Renato Lemos2 busca explicar o golpe de 1964 analisando
um conjunto de fatores de longo, médio e curto prazos no período entre 1914-1989. O
argumento do autor para essa perspectiva de longa duração é de que:

“o golpe de 1964 e o regime ditatorial − apresenta características derivadas de


mecanismos básicos situados em tempos anteriores: o processo de acumulação
capitalista em escala mundial e a internacionalização da luta de classes. Mas, tais
mecanismos assumem novos conteúdos na conjuntura histórica que se inicia com a
Primeira Guerra Mundial – em especial pela ocorrência da Revolução Russa em
1917, visceralmente ligada às condições da guerra −, que serve, por isso, como
marco inicial de um novo momento histórico, que se encerrará com a crise do
mundo socialista na década de 1980” 3

No tempo longo (1914-1989), Renato Lemos 4 estabelece dois marcos históricos


fundamentais. O primeiro é a Revolução Russa 5 (1917) que introduziu no cenário político
mundial um novo elemento, o socialismo. Portanto a partir desse momento a sociedade

1
Discurso do presidente Geisel no dia 2 de setembro de 1974. MACIEL, David. Democratização e manutenção
da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova República. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal
de Goiás, 1999.p.114
2
LEMOS Renato. Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.
3
Ibidem. p.03
4
Idem.
5
A Revolução de Outubro de 1917 foi a primeira revolução socialista na história.
11
capitalista e a sua classe dominante, a burguesia, tratou de criar mecanismos preventivos para
evitar que uma possível revolução de cunho socialista ocorresse, mesmo sem grandes chances
de ser realizada (LEMOS, 2010). No Brasil, podemos fornecer como exemplo a tentativa
6
frustrada do Levante Comunista (1935) de tomar o poder durante o Governo
Constitucionalista de Vargas (1934-1937). Esse evento histórico teve uma grande dimensão
para as Forças Armadas, tanto que passou a ser lembrado anualmente pelos militares como
uma referência simbólica e memorialística7, devido à morte de alguns membros do Exército
pelos seus colegas comunistas8, durante o levante. A partir dessa construção de memória, o
anticomunismo ganhou nova faceta graças à mística militar que o faria um dos elementos mais
importantes da crise dos anos 60 e do regime ditatorial.9O segundo evento, citado por Lemos, é a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que trouxe inflexões no Brasil, através do crescimento
econômico e consequentemente da classe operária. Na década de 30 o Estado brasileiro
instituiu instrumentos, especialmente durante a ditadura varguista (1937-1945), para controlar
o conflito capital-trabalho. Cito como um desses mecanismos, os sindicatos atrelados ao
Estado, que inclusive foi preservado pelo regime democrático (1946-1964) que o sucedeu10.

Seguindo essa análise, sobre o tempo médio (1945-1964), esse historiador destaca a
posição brasileira no contexto político internacional, marcado pelo conflito ideológico entre
as duas superpotências mundiais- União Soviética (URSS) e Estados Unidos da América
(EUA) - respectivamente socialismo e capitalismo11 e nessa conjuntura o Brasil se inseriu no
bloco capitalista e reforçou o anticomunismo12 . Acentuo que essa época ficou marcada por
três elementos: o nacionalismo; o reformismo; e o anticomunismo e em torno dessas
perspectivas se estabeleceram dois grandes polos que almejavam impor a sua matriz política
nas diretrizes do Estado. O primeiro campo chamado de “varguismo”, que era composto por
um segmento civil-militar nacional-popular, entre os membros, pode-se apontar integrantes do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Partido Comunista do Brasil (PCB); militares

6
Para informações sobre a Intentona Comunista de 1935; ver: ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário
histórico-bibliográfico do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2009. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar. aspx. Acessado em: julho de 2014.
7
MOTTA, R. P. S.. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil. 1. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva/Fapesp, 2002
8
É importante ressaltar que não há nenhuma comprovação da realidade desse fato.
9
LEMOS Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.p.04
10
Idem.
11
Ibidem. p.05
12
Idem.
12
nacionalistas, membros do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Esse campo tinha
propostas de teor nacionalista e reformista13. No lado oposto se constituiu uma perspectiva
liberal; associacionista; antivarguista e anticomunista. Era integrado principalmente por
políticos da União Democrática Nacional (UDN), militares que frequentavam a Escola
Superior de Guerra (ESG) e empresários vinculados ao Instituto Pesquisa e Estudos Sociais
(IPES) 14. Além disso, outro ponto a ser destacado é “à inserção da economia brasileira no
novo modo de acumulação do capitalismo mundial” (LEMOS, 2010.p.06-07), quando grandes
oligopólios transferiram para países semi-industrializados como o Brasil ou realizaram o
investimento em associação com o capital local15.

O último período abordado é o ‘tempo curto’(1960-1964), quando se instaurou uma


crise na sociedade brasileira. Esse cenário pode ser explicado pela insuficiência do regime
democrático, pautado na Constituição de 1946, para corresponder às demandas tanto do
empresariado multinacional e associado quanto das classes trabalhadoras urbanas e rurais16.
Renato Lemos, também sublinha nesse contexto, a influência da Revolução Cubana (1959) e
o impacto do seu alinhamento ao bloco socialista (1961) 17. Então através de uma estratégia
preventiva contrarrevolucionária, integrantes do capital multinacional associado criaram uma
atmosfera anti- João Goulart e Reformas de Base18.Contudo, Lemos propõe uma análise que
transcende o governo Jango (1961-1964), pois:

“Para as classes dominantes, que executaram o golpe em 1964, o problema


transcendia o governo de Goulart, localizando-se no próprio regime político, ou seja,
na forma de exercício da dominação de classe. Enquanto a democracia balizada pela
Constituição de 1946 foi um jogo restrito aos seus representantes políticos, diretos
ou indiretos, foi uma forma de dominação satisfatória. Ameaçada, contudo, pela
crescente ativação popular nas ruas, nos campos e no Parlamento, as classes
dominantes recorreram ao seu repertório de alternativas estratégicas, onde se
destacava a democracia forte e elitista, mais conveniente às necessidades do capital
multinacional e associado e adequada a um mundo em que a ideia democrática era o
referencial legitimador da dominação política aceitável. Para chegar a ela, contudo,
foi necessário aceitar que, por meio do golpe em 1964, ajustassem contas com o
governo forças políticas das mais diversas naturezas, todas integrantes da frente
golpista: facções militares, candidatos civis a presidente nas eleições de 1965,

13
Ibidem. p.06
14
Idem.
15
Ibidem. p.06.07
16
Idem.
17
Ibidem. p.08
18
Essas reformas foram propostas pela equipe do governo João Goulart. Compreendiam os seguintes setores:
agrário, bancário, administrativo, eleitoral e urbano. Ver MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O Governo João
Goulart e As Lutas Sociais No Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

13
entidades tradicionalistas, udenistas historicamente frustrados em suas ambições de
poder.”19

A partir da afirmação acima, podemos afirmar que nos anos 60, a sociedade brasileira
estava no auge da sua politização e nesse sentido, o golpe empresarial militar de 1964
significava a dominação efetiva e hegemônica do bloco multinacional associado através do
regime ditatorial. Nesse ponto, Caio Navarro de Toledo20 afirma que naquele cenário ocorreu
a politização da sociedade brasileira à esquerda e à direita, pelo fato de estarem se
mobilizando politicamente. A politização do lado da esquerda contava com o apoio da Frente
Parlamentar Nacionalista21 (FPN), dos trabalhadores urbanos e rurais, estudantes e militares
nacionalistas. Destaca-se a classe operária, através do Comando Geral dos Trabalhadores22
(CGT) que colaborou e apoiou as iniciativas políticas do governo Jango 23 . Outro setor
importante que se mobilizou foi o dos trabalhadores rurais, através das Ligas Camponesas24
que almejavam a reforma agrária 25 . É também importante ressaltar a atuação da baixa
oficialidade das Forças Armadas que desejava ampliar os seus direitos políticos. Nessa
questão realço o movimento dos sargentos da Marinha e da Aeronáutica em Brasília, no ano
de 1963, quando estes protestaram contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que
anulou a eleição de dois sargentos 26 . E por último a atuação da União Nacional dos
Estudantes 27 (UNE) na frente antilatifúndio e antiimperialista 28 . Em contrapartida, “a
contramobilização da direita” (TOLEDO, 1982,83), reunia empresários, setores militares, a
Igreja Católica e os latifundiários, os quais se organizaram para manter os seus interesses que
estavam ameaçados pela ‘politização à esquerda’ e simultaneamente combater o avanço dos
movimentos sociais de cunho nacionalista e de esquerda29.

Tendo como base a crise de hegemonia e a luta política nos anos 60, o “regime
instituído em 1964 era de fato uma contrarrevolução” (FERNANDES, 1981,21). Essa ideia do
sociólogo Florestan Fernandes segue a mesma linha de raciocínio de Renato Lemos, pois o

19
Idem. p.10
20
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o Golpe de 1964. São Paulo: Brasiliense, 1982.
21
Era composta pela grande maioria dos políticos do PTB e do PSB e além de uma minoria representada por
setores nacionalistas do PSD, UDN e PDC. DHBB
22
Criado em 5 de julho de 1961 por lideranças trabalhistas que apoiavam o governo João Goulart. DHBB
23
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o Golpe de 1964. São Paulo: Brasiliense, 1982.p.74-75
24
As ligas camponesas foram associações de trabalhadores rurais criadas inicialmente no estado de Pernambuco
e posteriormente se espalhou para outras regiões do Brasil. Ver: ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário
histórico-bibliográfico do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
25
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o Golpe de 1964. São Paulo: Brasiliense, 1982.p.78-79
26
Ibdem. p.80
27
Foi criada em 11 de agosto de 1937.
28
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o Golpe de 1964. São Paulo: Brasiliense, 1982.p.81
29
Ibdem. p.83
14
que se tratava naquela conjuntura, não era uma autodefesa da democracia contra o comunismo
internacional, mas sim de impedir a mudança de uma democracia restrita para uma
democracia ampliada, ou seja, uma forma de regime democrático que poderia prejudicar os
interesses da burguesia e do grande capital30. Portanto, o golpe empresarial militar de 1964
tinha como objetivo no curto prazo, impedir esse processo e eliminar a atuação política da
classe trabalhadora31. O jurista Fábio Konder Comparato, nesse sentido, afirma que:

’O novo regime político fundou-se na aliança das Forças Armadas com os


latifundiários e os grandes empresários, nacionais e estrangeiros. Esse consórcio
político engendrou duas experiências pioneiras na América Latina: o terrorismo de
Estado e o neoliberalismo capitalista. A partir do exemplo brasileiro, vários outros
países latino-americanos adotaram nos anos seguintes, com explícito apoio dos
Estados Unidos, regimes políticos semelhantes ao nosso “32

Nesse ponto de vista é importante salientar não apenas a campanha do bloco


multinacional associado para depor o presidente João Goulart 33 , através do complexo
IPES/IBAD34, mas sim para o fato de que estes setores vieram a ocupar os principais postos
estratégicos do Estado a partir de 1964. Nessa ideia, René Dreifuss35 chama a atenção para o
equívoco de rotular a administração pós 1964 apenas de ‘militar’(DREIFUSS, 1981, 417),
mas sim para a predominância contínua dos civis no poder. Nessa linha de raciocínio, esse
autor realiza uma análise acerca do caráter desses ‘civis’ e constata que estes ocuparam os
principais cargos burocráticos e técnicos da nova ordem 36 . Portanto, esses ‘civis’, para
Dreifuss, devem ser chamados de empresários e tecno – empresários, pois esses indivíduos
que ocupavam os principais setores da administração do Estado eram os mesmos
componentes do complexo IPES/IBAD que conspiraram para derrubar o presidente João
Goulart37. Dessa forma, a articulação desses setores não se limitou a uma ação golpista, mas

30
FERNANDES, Florestan. Revolução ou Contra Revolução. Contexto, São Paulo, n. 5, p. 21, mar. 1978.p.21
31
Idem.
32
COMPARATO, Fábio Konder. Compreensão histórica do regime empresarial-militar brasileiro. Brasil de
Fato, São Paulo, 11 de março de 2014
33
No dia 2 de abril de 1964, o presidente do Senado declarou vago o cargo de presidente da República e assim
assumiu o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli.
34
O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais(IPES) foi uma organização de empresários do Rio de Janeiro e de
São Paulo estruturada no decorrer de 1961 e fundada oficialmente em 2 de fevereiro de 1962.Esse organização
foi fundamental no planejamento e na derrubada do então presidente João Goulart.O Instituto Brasileiro de Ação
Democrática(IBAD) foi fundada em maio de 1959 por Ivan Hasslocher com o objetivo de combater a
propagação do comunismo no Brasil. Intensificou suas atividades em 1962 através da Ação Democrática Popular
(Adep), sua subsidiária, que interveio ativamente na campanha eleitoral daquele ano, patrocinando candidatos
que faziam oposição ao presidente João Goulart.Ver DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado:
Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Editora Vozes, 1981.
35
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis:
Editora Vozes, 1981.
36
Ibidem.p.417
37
Idem.
15
também para ocupar e administrar o Estado brasileiro de acordo com os seus interesses de
classe. Então houve uma sincronia de interesses entre as propostas do IPES, desenvolvidas
entre 1961-1964, com as reformas estruturais e organizacionais a realizada a partir de 196438.
Essa sincronia só foi possível porque os tecno – empresários conseguiram ocupar os
principais cargos públicos e assim direcionar o Estado brasileiro a atender as expectativas e
projetos do bloco multinacional e associado 39 . Desta forma para Dreifuss o bloco
multinacional associado conseguiu o controle direto do aparelho do Estado e nesse sentido:

“..através dele , dos outros setores das classes dominantes e das classes dominadas
da sociedade foi, se não a forma mais completa de levar à frente os interesses do
grande capital, pelo menos a forma mais eficiente e segura à disposição dos
interesses financeiro- industriais multinacionais e associados.Resumindo,após 1964
o poder estatal direto transformou-se na mais alta expressão do poder econômico da
burguesia financeiro- industrial multinacional e associada”40

Justificativa do objeto

O meu objeto é a permanência do aparato repressivo estatal no período de distensão,


como uma forma dos dirigentes políticos alcançarem os seus objetivos estratégicos. Sendo
assim, pretendo entender sob quais conjunturas o regime democrático foi constituído, pois
estava inserido na perspectiva dos setores dominantes que estavam no controle do Estado.

A transição de regime político no Brasil teve como característica a iniciativa e


consequentemente o controle dos setores dirigentes perante o mesmo. Esse tipo de mudança
de regime é denominado por Share e Mainwaring41 como “transição por transação”. Entendo
que essa forma de mudança controlada pela classe dominante, necessitava dos mecanismos de
violência. Então a mudança de regime político no Brasil, marcado pela autonomia do núcleo
dirigente e a sua capacidade de assumir a iniciativa das mudanças, pôde se antecipar às
demandas da sociedade civil e resultou em uma forte centralização por parte do Estado.
Destaco o governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) como fundamental neste
processo, pois sem esta concentração de poder militar seria impossível o processo de transição
autocontrolada do regime 42 . Nessa perspectiva, o objetivo era não somente a mudança de
regime político simplesmente, mas sim a construção de uma democracia ideal que se

38
Idem.
39
Idem.
40
Ibidem.p.419
41
SHARE, Donald & MAINWARING, Scott. “Transição pela transação: democratização no Brasil e na
Espanha”. Dados (Revista de Ciências Sociais), Rio de Janeiro, vol.29, nº2, 1986, p.207
42
OLIVEIRA, E. R. De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia. Campinas: Papirus, 1994,
p.114
16
legitimasse através das eleições e que tivesse recursos para atenuar as lutas de classe 43. Por
conseguinte durante o governo Geisel, o controle foi fundamental, pois como Renato Lemos
alerta:

“Previstas resistências à esquerda e à direita ao projeto, a mudança foi concebida


como um lento e gradual processo de recomposição de forças no sentido da
formação de um centro político conservador mais amplo do que aquele que
sustentava a ditadura, pela aproximação entre setores do regime e da oposição
moderada e exclusão das forças consideradas de “linha dura” e extrema-esquerda.
Contra estas, o regime defendeu e fez avançar o projeto de transição usando todo o
repertório da contrarrevolução terrorista “44

Portanto, percebemos que em relação a oposição de esquerda, a repressão política foi


mais intensa, pois o Estado recorreu a todos os instrumentos de coerção e coação através do
seu aparato repressivo.Nessa hipótese,cito um trecho do discurso do presidente Geisel muito
significativo,pois segundo a afirmação do general: “envidaremos sinceros esforços para o
gradual, mas seguro aperfeiçoamento democrático” 45 . Esta frase nos faz refletir para qual
finalidade o termo “seguro” foi utilizado e também nos faz questionar: seguro de quem?
Logo podemos supor que para certos setores da sociedade, ou seja, para a esquerda, o
argumento de “segurança” seria na verdade para afastá-los ou diminuir a sua influência no
processo em direção a democracia. Portanto não havia uma “contradição entre a política
oficial e a realidade da remanescente repressão política (ALVES, 1984, 200) e isso pode ser
explicado pela não linearidade do processo de transição. Nesse sentido Luís Werneck
Vianna46 assinala que o projeto de transição não deve ser confundido com o processo, visto
que este estava relacionado à atuação de forças sociais e políticas.O autor argumenta que o
projeto concebido e planejado pelos setores dominantes seria confrontado por projetos
opostos. Com base nessa hipótese destaco que a atuação dos remanescentes partidos de
esquerda, atuação do movimento estudantil, movimento operário,o surgimento de novas
organizações socialistas e até a atuação dos setores autênticos do Movimento Democrático
Brasileiro(MDB) representaram de fato uma contestação ao projeto distensionista.Por isso a
violência do Estado era uma política oficial dos governos de transição à medida que esses
setores tentaram se organizar e atuar politicamente.Portanto, entender a repressão estatal

43
LEMOS,Renato.A anatomia da transição é a chave da anatomia da ditadura: o governo Geisel e a
contrarrevolução no Cone Sul da América.Comunicação apresentada no Colóquio Internacional O colapso das
ditaduras: Sul da Europa, América Latina, Leste Europeu e África do Sul - História e Memória,2012.
44
Idem.
45
Discurso do presidente Geisel para o seu ministério em 19 de março de 1974. In: COUTO, Ronaldo Costa.
História indiscreta da ditadura e da abertura: Brasil: 1964-1985-5 ed- Rio de Janeiro: Record ,2010.p-138
46
VIANA, Luís Werneck. A Classe Operária e a abertura. São Paulo, Cerifa, 1983
17
nesse contexto é fundamental para entender a dinâmica do processo de mudança de regime
político. Cito alguns dados estatísticos para dar uma dimensão da coerção estatal no recorte
temporal proposto.Segundo informações da Anistia Internacional, mais de 2.000 pessoas
foram detidas em todo o Brasil no período entre 1975-197647;além disso o presidente Geisel
usou o Ato Institucional nº5(AI-5) para cassar os mandatos e suspender os direitos políticos
de 12 parlamentares;fechar o Congresso Nacional em 1977 e punir outros 62 cidadãos 48.

Esse trabalho alude à perspectiva de ampliar o debate historiográfico sobre o tema,


apoiando-se em uma bibliografia teórica já existente. Contudo, esta pesquisa não se propõe a
analisar os casos individuais atingidos pela coerção estatal, em razão de entendemos que há
espaços para esse tipo de questão relacionada ao campo dos direitos humanos49. A proposta é
justamente ir além das violações de direitos individuais para entender o sentido da violência
como uma prática institucional do Estado. E especialmente no período de transição conceber
em quais bases o regime democrático esteve pautado para entender a gênese da limitação da
democracia atual.

Quadro teórico

Em relação a parte teórica do trabalho,como já foi apresentado nas primeiras


páginas,parto do pressuposto da contrarevolução preventiva.Nessa perspectiva será muito útil
as análises de Renato Lemos e Florestan Fernandes acerca da natureza contrarrevolucionária
do processo de transição política.

O historiador Renato Lemos 50 , já citado neste trabalho, analisa as mudanças da


contrarrevolução ao longo do tempo. Marcuse afirma que o marco central dessa inflexão foi a
Revolução Russa (1917), pois naquela conjuntura a burguesia passou de objeto a sujeito da
teoria 51 , ou seja, a contrarrevolução foi adaptada aos interesses das classes dominantes
burguesas. Após a Revolução socialista na Rússia, a burguesia começou a praticar a
47
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984).Petrópolis:Vozes,1984.p.203
48
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-985.5ªed Rio de Janeiro:
Record,2010 p.251
49
Para uma crítica a visão que associa a violência política como uma violação apenas aos direito humanos;ver:
LEMOS, Renato . Sob o signo do Corvo: a Comissão Nacional da Verdade e o bordão 'nunca mais'. 2013.
Disponível em: http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=1621. Acessado em julho de 2014.
50
LEMOS Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.
51
MARCUSE, Herbert. Idéias sobre uma teoria crítica da sociedade, 1972. In: LEMOS Renato. Anistia e crise
politica no Brasil pós 64. Topoi. (Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, n.n.5, 2002.p.291
18
contrarrevolução, isso se justifica na medida em que os processos revolucionários alastravam
seu potencial de ameaça à ordem burguesa 52 . Arno Mayer ressalta que em qualquer crise
social ou política que tenha alguma possibilidade ou não de revolução, as classes dominantes
dão prioridade máxima à proteção e à preservação de suas posições, através da colaboração
com os contra-revolucionários 53. Portanto Lemos afirma que:

“Em situações de forte mobilização de setores sociais em favor de reformas ou de


grave crise governamental, que aponte o risco de uma conflagração, cria-se um
ambiente marcado por “suspeitas, incertezas e violência jacente”. Líderes
contrarrevolucionários são estimulados ao trabalho de convencimento das classes
dominantes de que a crise é revolucionária, o confronto é questão de tempo e há que
adotar a estratégia da contrarrevolução preventiva”.54

No paradigma da contrarrevolução, esse historiador também sugere uma periodização


com base na hipótese de que o golpe militar-empresarial de 1964 teve como característica o
seu caráter contrarrevolucionário preventivo, assim como o regime que se estabeleceu a partir
dele55. Esse trabalho está de acordo com a periodização do autor que será mostrada a seguir.

A primeira fase chamada de “contrarrevolução terrorista” (1964-1974) assumiu a


feição de terrorismo de Estado, visando derrotar o movimento de massas, o nacionalismo civil
e militar, o comunismo e o populismo (LEMOS, 2010,15). O autor divide essa primeira fase
em duas subfases. A primeira abrange o período de 1964-1968 e a segunda o tempo de 1968-
1974.

A primeira subfase (1964-1968) no campo político se caracterizou pela estruturação


do Estado a partir dos conflitos com o campo oposicionista em plena ação da
contrarrevolução terrorista 56 . Dessa forma instrumentalizaram-se os órgãos de repressão
existentes – Departamento de Polícia Federal (PF), Departamentos estaduais de ordem
política e social (DOPS), Polícias civis e militares e além da criação do Serviço Nacional de
57
Informações (SNI) . Além disso, implantaram-se estruturas e práticas para fortalecer o
Estado, como os atos institucionais e o “decurso de prazo” na apreciação, pelo Legislativo,

52
Idem.
53
MAYER, Arno J. Dinâmica da contra-revolução na Europa, 1870-1956. Uma estrutura Analítica, 1977. In:
LEMOS Renato. Anistia e crise politica no Brasil pós 64. Topoi. (Rio de Janeiro), Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2002.
54
Idem.
55
LEMOS Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.p.14-15.
56
Idem.
57
Foi criado em 13 de junho de 1964 pelo General Golbery do Couto e Silva.
19
dos projetos via Executivo. Subordinaram-se o Legislativo e o Judiciário ao Executivo, por
meio de cassações de mandatos e determinações restritivas emanadas de atos institucionais.
Utilizou-se o máximo da legislação sindical vigente, promovendo-se a intervenção em
entidades e a destituição de dirigentes e criando maiores obstáculos à promoção de greves
legais, além da repressão aos trabalhadores no campo58. Por outro lado nesse mesmo período,
no aspecto econômico, destaca-se o enxugamento do fluxo monetário, por meio do arrocho
salarial e creditício, os estímulos à vinda de capital estrangeiro de empréstimo e de
investimento e a criação de poderosos instrumentos de potencialização da centralização de
capitais, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que retirou a estabilidade
do trabalhador59.

A segunda subfase (1968-1974) da “contrarrevolução terrorista”, o autor a denomina


de “fastígio do regime”, pois nesse contexto ocorreu sob a égide do Ato Institucional nº 560
(AI-5), o aperfeiçoamento do aparato repressivo com a criação da Operação Bandeirantes61
(OBAN) e posteriormente a institucionalização do Destacamento de Operações de
Informações - Centro de Operações de Defesa Interna62 (DOI-CODI) e, além disso, os atos
institucionais nº 13 e 14 que respectivamente instituíram as penas de banimento, perpétua e de
morte 63 . No plano jurídico, as inovações mais expressivas foram a ampliação da Lei de
Segurança Nacional (9/1969), que substitui a decretada dois anos antes, a Emenda
Constitucional n. 1 (10/1969), que modificou a Carta de 1967 e os decretos-leis n. 1001, n.
1002 e 1003, que implantaram os novos Código Penal Militar ,o Código do Processo Penal
Militar e nova organização judiciária militar. Assim, o Estado conseguiu derrotar as
“oposições extrassistêmicas” ao regime e desta forma alcançou a meta política mais
importante da fase de contrarrevolução terrorista 64 . Nessa mesma subfase, mas na parte
econômica o regime também conseguiu alcançar suas metas estratégicas. Isso se deve ao
58
LEMOS Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.p.15
59
Ibidem. p.16
60
Foi instituído em 13 de dezembro de 1968.
61
Criada em 1969 no estado de São Paulo com o objetivo de coordenar as operações de informação e de
repressão.
62
Esse sistema foi criado em função do ‘sucesso’ da OBAN e tinha como responsabilidade coordenar as
operações de repressão à luta armada.
63
LEMOS Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.p.16
64
Idem.
20
período de grande crescimento da economia brasileira, conhecido como “milagre econômico”
65
.

A segunda fase chamada de “contrarrevolução democrática” também é subdividida em


duas subfases. A primeira subfase (1974-1978) correspondeu ao projeto de transição
estabelecido a partir do governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) sob a iniciativa e o
controle do grupo dirigente, que determinou a agenda e o ritmo do processo desde a sua
gênese.66Destaco essa subfase, pois ela se enquadra quase em todo o recorte temporal desse
trabalho. Renato Lemos afirma que o objetivo estratégico desta subfase foi a “formação de um
centro conservador no cenário político nacional que desse suporte e legitimidade à nova forma
de dominação que se pretendia construir” (LEMOS, 2010,17) e “para os setores de esquerda
socialista críticos da transição comandada pelo governo, o procedimento era a costumeira
violência estatal, pela aplicação dos poderes que o AI-5 conferia ao chefe do Executivo”
(LEMOS,2010, 18).Essas considerações do autor serão exploradas ao longo desse
trabalho,principalmente no segundo capítulo.

A segunda subfase (1978-1988) começou com a decretação da Emenda n º 11 que,


entre outras determinações, revogou os atos institucionais e complementares − cuja ausência
foi compensada pelo estabelecimento das “medidas de emergência” e outras “salvaguardas”
do Estado −, extinguiu as penas de morte, banimento e prisão perpétua e determinou as regras
gerais para a extinção dos partidos políticos e a formação de novos partidos. Tratava-se das
linhas de força que deveriam reger o processo político nacional até a sucessão do sucessor do
general Geisel, prevista para 198967. O término da contrarrevolução democrática tem como
marco a Constituição de 1988 que significou o pacto de outro regime político. Renato Lemos
o classificou como uma:

“definição provisória, de uma construção híbrida, que combina traços liberal-


democráticos e democrático-autoritários. Seu texto consagra avanços significativos,
em termos de ampliação da base representativa do regime, como o reconhecimento
do direito de voto para os analfabetos e subalternos militares, e em termos da
liberdade de organização popular, com a supressão de vários elementos da estrutura
sindical corporativista herdada da ditadura do Estado Novo (1937-1945). Por outro
lado, superdimensiona o papel das Forças Armadas, preservando muitas de suas
prerrogativas. A Constituição representa, ainda, a concretização de uma reforma
proposta pelos críticos da democracia liberal: o reforço dos poderes do Executivo.
Cumpriu este papel, em especial, com a criação da Medida Provisória, pela qual o
presidente da República, sob alegação de urgência e relevância, pode baixar uma

65
Idem.
66
Ibidem. p.18
67
Idem.
21
medida que só depois será apreciada pelo Congresso. Durante a ditadura, essa
função foi cumprida pelos decretos-leis68.”

Essa proposta de periodização feita pelo autor é fundamental nesse trabalho, pois
podemos entender que a violência política estava de acordo com a perspectiva de algum
período específico do regime ditatorial. Portanto para a minha análise é central a hipótese de
que, no período estudado, a coerção política estava de acordo com os interesses do Estado
para atingir os seus objetivos estratégicos e por isso não pode ser entendido apenas como uma
simples violação a uma liberdade individual. Assim pretendo demonstrar o sentido da
repressão estatal contra a esquerda, em uma conjuntura de estruturação da saída do regime
ditatorial para o regime democrático.

Incluo também nesse trabalho as considerações de Florestan Fernandes 69 , já citado


anteriormente, sobre o caráter estrutural da transição política. Esse autor afirma que a
transição foi determinada e controlada pelos interesses das classes dominantes 70 . Nesse
sentido, esses setores procuraram adaptar a concentração do poder aos meios mais usuais 71.
Em função desse caráter de transição, Florestan afirma que o processo foi controlado e
entende-se o seu caráter preventivo, devido a um possível retorno para uma democracia
ampliada que poderia ocasionar em uma presença efetiva das classes trabalhadoras e das
massas na cena política72. Nessa linha de raciocínio, Florestan Fernandes define que: “Para
estas camadas da população, o Estado autocrático burguês não dá com uma mão o que tira
com a outra. Ele tira com ambas e devolve tão pouco que não há como conciliar dentro da
ordem” 73. Portanto essa mudança de regime político visava uma democracia que atendesse às
necessidades dos setores dominantes e que mantivesse a sua dominação perante toda a
sociedade, assim produziu a “democracia que necessita” (FERNANDES, 1978,31).

A contribuição das ideias desse autor para esse trabalho é fundamental, pois ficam
claros a limitação e o caráter restrito da transição iniciada em 1974 e nessa hipótese, podemos
afirmar que para certos setores da sociedade as suas propostas políticas não seriam incluídas
e, por conseguinte a repressão estatal se demonstrou como um instrumento que impediu o
avanço dessas demandas.

68
Ibidem. p.19-20
69
FERNANDES, Fernandes. Revolução ou Contra Revolução. Contexto, São Paulo, n. 5, p. 21, mar. 1978
70
Esse assunto será tratado no capítulo 1.
71
FERNANDES, Fernandes. Revolução ou Contra Revolução. Contexto, São Paulo, n. 5, p. 21, mar. 1978.p.23
72
Idem.
73
Ibidem. p.25
22
Igualmente, outro autor central nas bases teóricas desse trabalho é Décio Saes74 pois
analisa as continuidades da mudança de regime. O cientista político inicia o seu texto
criticando a tese de que o Estado ditatorial militar se transformou em um processo evolutivo
para um regime democrático75. Para Décio Saes, o argumento dessa tese é de que “o Estado
consiste numa organização material e humana que pode, mesmo em uma sociedade como a
nossa ser colocada a serviço de todo o povo, do bem comum ou do interesse geral”
(SAES,2001,33).Contudo, realizando uma análise critica dessa teoria, o autor discorda da
definição de Estado, pois para Décio Saes , o Estado corresponde:

“a organização humana, material que desempenha a função latente, acobertada


cotidianamente pela proclamação da função expressa de satisfazer o interesse geral
da sociedade., de atenuar o conflito de classes, contendo – o dentro de certos
limites.Ao desempenhar essa função,o Estado coloca-se objetivamente ,quaisquer
que sejam as intenções dos seus agentes(funcionários) a serviço dos interesses mais
gerais da classe exploradora.O Estado,portanto está longe de ser uma organização a
serviço de todos os indivíduos ;ele tem um caráter de classe ,quaisquer que sejam a
complexidade e a variedade das vias de concretização desse caráter”76

A tese central de Décio Saes é de que tanto o regime ditatorial quanto o regime
democrático atual, mantiveram a sua classe dominante, a burguesia. Para comprovar a sua
hipótese, recorre a uma definição distinta de Estado e de regime político. Desta forma em
relação às formas de Estado:

“As variações na forma do Estado burguês correspondem a mudanças na relação de


forças dentro do aparelho de Estado; isto é a relação entre o conjunto de ramos
propriamente burocrático desse aparelho, de um lado, e um órgão de representação
propriamente politica(parlamento), de outro lado.A forma ditatorial de Estado
burguês consiste na monopolização pela burocracia de toda capacidade decisória
propriamente estatal, em detrimento do órgão de representação
política(Parlamento);e implica além do mais, a ascendência das Forças Armadas
sobre os ramos civis no seio da burocracia(militarização do Executivo).Ao contrário
a forma democrática do Estado burguês significa a participação efetiva do
Parlamento no processo decisório estatal e, portanto uma disputa incessante entre
Parlamento e burocracia que tem como objeto padrão de repartição da capacidade
estatal total” 77

Em relação a regime político a definição é:

“algo distinto da relação de forças travada no seio do aparelho de Estado burguês, o


padrão de organização da luta política – luta entre as classes sociais, luta entre
facções da classe dominante, luta entre as camadas da mesma classe-, no que esta
luta se desenvolve dentro dos limites fixados pelo Estado burguês. Numa frase:

74
SAES, D. A. M.. República do capital/capitalismo e processo político no Brasil. 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2001
75
Ibidem. p.33
76
Ibidem. p.34
77
Ibidem. p.34-35
23
regime político designa aqui a configuração de cena política e não do aparelho de
Estado.” 78

O professor ainda destaca dois elementos centrais na democracia burguesa: o primeiro


são o sistema partidário e o Parlamento que assume uma função de governo, ou seja, os
setores dominantes governam simultaneamente por meio da burocracia estatal e do sistema
partidário 79 . O segundo elemento é o caráter militarizado do aparelho de Estado e a
manutenção da capacidade das Forças Armadas de influenciar o processo político. O autor
exemplifica a presença dos militares no processo da constituinte durante o governo José
Sarney (1985-1990).

A análise desse autor é primordial nesse trabalho, pois podemos concluir a


permanência da classe dominante, apesar da mudança de regime político. Entendo que para
essa continuação, as pretensões políticas das classes dominadas tiveram que ser limitadas e
afastadas de qualquer realização. Minha hipótese, de acordo com esses pressupostos teóricos,
nesse trabalho é a de que o sentido da repressão política contra a esquerda e aos movimentos
sociais se enquadra nessa perspectiva da manutenção da classe dominante. Essa análise de
cunho mais estrutural presente nos textos citados80 é central, pois nos permite entender que a
mudança de regime político não se limita apenas ao aspecto de ‘liberalização’, destacada por
Alfred Stepan81, que significa o abrandamento da censura nos meios de comunicação, um
maior espaço para a realização de atividades autônomas da classe trabalhadora, a reintrodução
de algumas salvaguardas legais para os indivíduos, como o direito ao habeas corpus em caso
de crimes políticos, por exemplo, a libertação de quase todos os prisioneiros políticos, o
retorno dos exilados políticos82 . Mas, apesar dessas inflexões, o processo de transição foi
iniciado e controlado pelos setores dominantes e estes mantiveram a sua posição no regime
democrático atual. Contudo, vários trabalhos acadêmicos destacam justamente esse padrão de
‘liberalização’ e não citam ou atribuem importância à continuidade das classes dominantes da
antiga na nova ordem.

78
Idem.
79
Ibidem. p.40
80
SAES, D. A. M.. República do capital/capitalismo e processo político no Brasil. 1. ed. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2001; FERNANDES,Fernandes.Revolução ou Contra Revolução.Contexto, São Paulo, n. 5, p. 21, mar.
1978; LEMOS Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010 ; LEMOS,Renato. Anistia e crise politica no Brasil pós
64.Topoi.(Rio de Janeiro),Rio de Janeiro ,n.n.5,2002
81
STEPAN, Alfred. Os militares: da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
82
Ibidem. p.12
24
Com base nessa reflexão cito que um desses trabalhos é de autoria do historiador
Francisco Carlos Teixeira da Silva83, bastante conhecido no meio acadêmico. Não pretendo
me alongar e citar as ideias equivocadas do autor e nem os erros em relação ao conhecimento
factual, mas sim na sua perspectiva teórica. No tópico ‘ A dinâmica própria do processo de
abertura’84·, o autor critica a ideia de que os militares tiveram o controle do processo. O seu
argumento é de que a partir de 1983 o processo de transição saiu das mãos dos militares para
a sociedade civil. Para comprovar a sua alegação, fornece alguns exemplos: o movimento das
Diretas Já85 e a eleição do candidato de oposição Tancredo Neves ao cargo de presidente da
República. Do mesmo modo, o historiador aponta: a anistia, o retorno dos exilados políticos e
a condução do processo de abertura por políticos de vários partidos (Sarney, Tancredo,
Aureliano Chaves, Franco Montoro, Brizola, Marco Maciel, Miguel Arraes, Antonio Carlos
Magalhães) que se unem para evitar retrocessos ou rupturas86. Portanto em síntese para esse
autor “a transição final entre a ditadura e o regime democrático, teve como característica a
perda do governo de toda a iniciativa e permitia por inércia e inapetência, que os partidos de
oposição e as ruas das grandes cidades ditassem o ritmo da abertura87”.

Inicialmente podemos discordar da sua concepção de que o Estado perdeu o controle e


afirmar que seus argumentos são insuficientes para comprovar a sua tese. O primeiro ponto a
ser criticado é o princípio da condução do processo distensionista por toda a sociedade civil,
pois como já afirmei anteriormente a oposição de esquerda e dos movimentos sociais foi
amplamente reprimida quando tentava se articular; segundo a anistia não pode ser considerada
um fator absolutamente positivo, pelo fato de ter sido, como veremos no segundo capítulo,
um instrumento contrapreventivo dos setores dominantes, terceiro, a eleição de Tancredo
Neves não pode ser considerada uma vitória da oposição, porque a sua candidatura não só
estava de pleno acordo com os interesses dos militares, mas também apoiada por setores
dissidentes do partido do governo, o Partido Democrático Social (PDS), apontados pelo
próprio autor; e por fim a vitória dos candidatos da oposição nas eleições estaduais de 1982

83
TEIXEIRA DA SILVA, F. C.Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil,1974-1985
In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Org.) .O Brasil Republicano O tempo da
ditadura Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. v. 1.
84
Ibidem. p.264-279
85
Movimento da sociedade civil que queria a aprovação da Emenda Dante de Oliveira no Congresso.
86
TEIXEIRA DA SILVA, F. C Op. cit.p.276.
87
Ibidem. p.273
25
deve ser mais bem analisada, porque podemos considerar apenas Leonel Brizola do Partido
Democrático Trabalhista (PDT) uma oposição de fato ao regime ditatorial.

Portanto esse trabalho de Francisco Carlos Teixeira se encaixa na definição criticada


por Décio Saes, devido à sua análise se concentrar nas ”transformações políticas como:
anistia, ampliação das possibilidades legais de organização partidária, alargamento da
margem de tolerância da censura, eleições diretas para todos os níveis do Executivo, inclusive
o federal” (SAES, 2001,40). E assim essa perspectiva despreza o caráter classista do processo
de transição e apenas destaca as inflexões de cunho liberal. Contudo, reitero que as liberdades
democráticas apontadas por esse autor se demonstram insuficientes ao abordarmos o aspecto
da violência do Estado no período.

Metodologia e Fontes

A metodologia deste trabalho terá como uma de suas bases a análise de jornais do
período proposto, como por exemplo, a ‘Folha de São Paulo’ além disso, informações recém
disponibilizadas pelas Comissões da Verdade e fornecidas pela imprensa atualmente devido à
atmosfera da (des) comemoração dos 50 anos do golpe empresaria militar de 1964. A
documentação oriunda do Estado também será fundamental. A proposta é analisar os
relatórios do Departamento Geral de Investigações (DGI) sobre as organizações de esquerda e
os diversos movimentos contestatórios ao regime ditatorial expedidos no período entre 1974-
1979. Outra possibilidade de acesso a esses documentos é a digitalização dos mesmos na
internet e cito dois sites que tornam isso possível. O primeiro é chamado Documentos
Revelados 88, onde estão disponíveis arquivos relativos às organizações de esquerda e dos
órgãos de repressão e de informação. O segundo portal se chama Arquivos da Ditadura 89, que
são documentos que até então estavam de posse do jornalista Elio Gaspari e que foram
recentemente digitalizados. Esse acervo reúne bilhetes, despachos, discursos, manuscritos,
diários de conversas travadas pela cúpula e telegramas do governo americano, assim reunindo
em torno de 15 mil itens. E ainda contém o arquivo do general Golbery do Couto e Silva, com
suas apreciações e análises conjunturais. Outra fonte do trabalho são os depoimentos de
oficias militares que tiveram participação ativa durante o período ditatorial. Serão utilizados
nesta categoria duas obras de referência. O primeiro trabalho é o livro Ernesto Geisel com
base na entrevista do ex presidente a pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação de

88
Ver http://www.documentosrevelados.com.br/#1. Acessado em junho de 2014.
89
Ver http://arquivosdaditadura.com.br/
26
História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas. E o outro livro se
chama A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura também organizado pelo
CPDOC que reúne uma série de entrevistas com militares que ocupavam posições estratégicas
no período, que abordam, entre outros temas, a repressão política e a transição.

Dinâmica dos capítulos

O primeiro capítulo intitulado “A gênese da transição” tem como objetivo demonstrar


os motivos do inicio do projeto distensionista no Brasil, apresentando inicialmente as análises
da historiografia acerca do tema. Também pretendo demonstrar em qual conjuntura foi
concebido o projeto de regime político. O segundo capítulo “A violência política contra a
esquerda e aos movimentos sociais” é o principal desse trabalho, pois através dele demonstro
inicialmente, o sentido da atuação do aparato repressivo estatal e realizo uma análise teórica
acerca do sentido da violência política no aspecto geral. Depois busco explicar os poucos
trabalhos acadêmicos que tratam especificamente do tema e, imediatamente, estabeleço uma
análise critica desses trabalhos. Em seguida, demonstro o meu argumento sobre o sentido da
violência política em função das características do Estado a partir de 1974, e por fim, cito os
setores atingidos pela coerção estatal.

27
Capítulo 1

A gênese da transição

Esse capítulo tem como propósito inicial citar as principais abordagens sobre a
mudança de regime político e em seguida explicar a gênese do projeto distensionista e os
fatores que proporcionaram tal fenômeno político. Para esse trabalho é fundamental apontar
alguns elementos que inspiraram o projeto distensionista. Eliezer Rizzo de Oliveira 90 destaca
primeiramente que o regime ditatorial trouxe aspectos negativos para o próprio
funcionamento das Forças Armadas causando uma crise institucional baseada na quebra da
hierarquia e na disciplina. O segundo ponto destacado por esse autor é o problema acerca da
elaboração do cálculo de custo político feito pelos setores dominantes. A solução para esse
problema foi justamente a saída antecipada dos militares em função de uma possível crise
institucional para assim, preservar a capacidade de controle no processo de transição 91. Nesse
sentido, Eliezer Rizzo de Oliveira faz a seguinte afirmação:

“Esta (distensão) por sua vez, tem o duplo significado de preservar as Forças
Armadas como partido militar, apto a exercer o controle social, e no plano da
instituição castrense, antecipar-se ao agravamento possível da crise de legitimidade
que pudesse acarretar uma situação politicamente incontrolável de explosão
social.”92

1.1 Perspectivas teóricas sobre a transição

A princípio é necessário apontar as principais teorias sobre a transição das ditaduras. A


literatura sobre a mudança de regime político é pautada a partir dos anos 80 e inicialmente
buscou-se entender os motivos que levaram o fim desses regimes políticos, principalmente na
América Latina. Desde então, cientistas políticos buscaram compreender a natureza desses
fenômenos.

Dessa forma, podemos atribuir à primeira perspectiva teórica, as explicações baseadas


em fatores econômicos. Eli Diniz define que:

“Do lado das interpretações que enfatizam as pressões que emanam da sociedade
como elemento propulsor da mudança,o argumento econômico um dos mais
difundidos.Sob esse aspecto, a erosão do regime autoritário seria determinada
principalmente pelos efeitos de contradições econômicas aguçadas ou não por
conjunturas de crise.As tensões a partir daí geradas, suas repercussões sobre a

90
OLIVEIRA, E. R.. De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia. 1. ed. Campinas: Editora
Papirus, 1994.p.63
91
Idem.
92
Ibidem. p.41
28
posição dos diferentes atores, o aumento da insatisfação social e as dissensões daí
resultantes seriam os elementos principais no solapamento das bases de sustentação
do regime.”93

Podemos observar que nesse tipo de abordagem há uma relação direta entre a
sustentação do regime ditatorial e a situação econômica 94 . Fernando Henrique Cardoso 95
utiliza o termo ‘estrutural crítica’ para se referir a essa concepção. No caso brasileiro,
tomando como ponto de partida esse pressuposto, pensou-se preliminarmente que a gênese da
saída da ditadura estaria associada a crise do milagre brasileiro, ou seja, o fracasso do modelo
econômico teria causado o colapso do regime militar no Brasil.Portanto, o aumento do custo
de vida e a diminuição da renda impediu que os militares brasileiros se legitimassem através
do sucesso econômico e por conseguinte os setores dominantes perderam a capacidade de
controlar o processo de abertura 96 .É importante também mencionar que essa forma de
abordagem agrada aos que privilegiam as explicações baseadas na resistência da sociedade
civil e supõe a existência de uma consciência social que é contra a desigualdade e à vista disso
possui a capacidade de influenciar decisões no âmbito político97. Nessa mesma perspectiva o
cientista político argentino, Guillermo O’ Donnell98 afirma que uma das formas de transição,
pode ser por colapso, em função da existência de conflitos internos e de uma oposição
atuante99. Além disso, esse mesmo autor acrescenta que além desses antagonismos, a crise
também pode ocorrer devido a conflitos bélicos100. Guillermo O’ Donnell se refere ao caso da
Argentina101e destaca que nessa forma de transição os setores dominantes não conseguem
negociar com a oposição, devido a revitalização da sociedade civil e de setores como a classe
operária, populares urbanos ou rurais e em virtude dessas circunstancias o Estado não teria a
capacidade de controlar o processo de abertura política102.

93
DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. Dados. 1985.p.330
94
Ibidem. p.331.
95
CARDOSO, Fernando Henrique. “Regime político e mudança social (algumas reflexões sobre o caso
brasileiro)”. Revista de Cultura Política, n ] 3,São Paulo,Cedec e Rio de Janeiro,Paz e Terra,1980.p.15
96
SOARES, G. A. D. (Org.) ; D'ARAUJO, Maria Celina Soares (Org.) ; CASTRO, Celso (Org.) . A volta aos
quartéis: a memória militar sobre a abertura. 1. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.p. 17
97
Idem.
98
O’DONNEL, Guillermo. “Transições, continuidades e alguns paradoxos”. In: Reis, Fábio Wanderley e
O’Donnell, Guillermo. (orgs.) Democracia no Brasil. Dilemas e Perspectivas. São Paulo: Vértice, Editora
Revista dos Tribunais, 1988.
99
Ibidem. p.50
100
Idem.
101
Em 1982, a Argentina entrou em conflito com a Grã Bretanha devido à posse das Ilhas Malvinas.
102
O’DONNEL, Guillermo. “Transições, continuidades e alguns paradoxos”. In: Reis, Fábio Wanderley e
O’Donnell, Guillermo. (orgs.) Democracia no Brasil. Dilemas e Perspectivas. São Paulo: Vértice, Editora
Revista dos Tribunais, 1988.p.50
29
Em oposição a essa perspectiva explicitada acima, há explicações que destacam a
autonomia dos setores dominantes e a sua capacidade de assumir a iniciativa do processo de
transição. E dessa forma se antecipam as pressões da sociedade por mudanças efetivas103. Para
Fernando Henrique Cardoso 104 essa possibilidade de análise é chamada de ‘estratégico
conservadora ‘, a qual o governo para evitar o ‘desgaste de poder’ se adianta a uma possível
pressão da sociedade 105. Destaco essa segunda linha de análise, pois esse trabalho concorda e
entende que desta forma pode se explicar e entender o caso brasileiro. Eli Diniz nesse sentido
define que:

“este processo evoluiria segundo uma lógica própria, situando-se fora do âmbito de
controle dos partidos e da sociedade.A abertura brasileira refletia,portanto, um ato
de escolha de segmentos da cúpula dirigente,que seriam os formuladores da
trajetória a ser seguida por aquele processo,impondo-lhe limites e traçando-lhe a
direção”106

1.2 Periodização acerca do inicio da transição

Após apresentar as duas principais teses sobre a causa da saída dos regimes ditatoriais,
nesse tópico procuro demonstrar como a segunda perspectiva se apresenta mais coerente ao
analisarmos a transição ocorrida no Brasil. A constatação de que os setores dominantes se
anteciparam a uma possível crise, é um indício importante para entendermos sob qual
conjuntura se assentou o inicio do projeto de distensão e que se demonstra fundamental para o
prosseguimento deste trabalho

No entanto, é considerável refletir sobre o que tornou possível essa antecipação dos
setores dominantes para o desenvolvimento do projeto distensionista. Podemos supor que a
articulação e o desencadeamento da abertura política têm vinculação com a situação favorável
desfrutada pelo regime durante o governo Médici (1969-1974) 107. Então ao conquistar os
seus objetivos estratégicos, os setores dominantes perceberam que nesse contexto seria o
melhor momento para iniciar o processo de descompreensão da ditadura. Nesse sentido,
Aloysio de Carvalho discorda da perspectiva que atribui a transição brasileira a reflexo de
uma crise iminente. Um trabalho que se enquadra nessa perspectiva criticada é de autoria de

103
DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. Dados. 1985.p.332
104
CARDOSO, Fernando Henrique. Regime político e mudança social (algumas reflexões sobre o caso
brasileiro)”.Revista de Cultura Política,n ] 3,São Paulo,Cedec e Rio de Janeiro,Paz e Terra,1980.
105
Ibidem. p.15
106
DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. Dados. 1985.p.332
107
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. O governo Médici e o projeto de distensão politica (1969-1973).
Dissertação de mestrado apresentado na IUPERJ. 1989.p.02
30
Bernardo Kucisnki108, que atribuiu as origens da abertura a dois abalos iniciais: a crise do
milagre econômico e a derrota da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) nas eleições de
1974 109 . O autor argumenta que o aumento do preço do petróleo encerrou o período de
crescimento da economia brasileira e complementa que a derrota nas urnas do partido
governista gerou a perda da legitimidade do regime. Dessa forma o fracasso eleitoral acabou
se voltando contra o próprio governo, pois as eleições seriam como um plebiscito, ou seja,
uma ampla vitória do partido da oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
significava uma rejeição ao regime militar110. Criticando esse ponto de vista, pode-se afirmar
que o primeiro indício da crise do petróleo ocorreu depois da indicação do general Ernesto
Geisel para o cargo de presidente da República111. Podemos acrescentar que no período em
que Geisel foi eleito, a economia brasileira apresentava altos índices de crescimento 112 .
Assim, podemos situar que no inicio dos anos 70, os dirigentes políticos perceberam este que
era um contexto favorável para a mudança em função dos êxitos econômicos e militares113.
Entende-se que essa conjuntura positiva se refere ao milagre econômico 114 e a derrota da
esquerda armada115e, portanto esse sucesso alcançado proporcionou uma visão otimista nas
condições para efetuar a estratégia distensionista 116. Essa periodização citada é importante
para este trabalho, pois nos permite perceber que através da capacidade de antecipação de
saída do poder, os setores dominantes puderam preservar seus mecanismos de coerção e
repressão para eventuais resistências ao projeto de abertura.

Entre os fatores citados pela historiografia e por analistas, destacam-se outros fatores
como a questão da legitimidade, o desregulamento das Forças Armadas e a influência externa
através da Comissão Trilateral117.

108
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise – SP:Ed.Brasil debates 1982.
109
Ibidem. p.14
110
Idem.
111
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. O governo Médici e o projeto de distensão politica (1969-
1973).Dissertação de mestrado apresentado na IUPERJ.1989.p28
112
Ibidem. p.28-29
113
CAMARGO, Aspásia; GOÉS, Walder de. O Drama da Sucessão e a crise do regime. Rio de Janeiro. Nova
Fronteira, 1984.p.128
114
Foi o período (1968-1974) em que a economia brasileira teve um crescimento médio de 10 % do PIB. Apesar
do crescimento econômico, houve o aumento da desigualdade social e da concentração de renda;
115
Sobre o assunto ver GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas: a esquerda brasileira, das ilusões perdidas à
luta armada. São Paulo: Ática, 1999.
116
DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. Dados. 1985.p.333
117
A Comissão Trilateral nasceu em 1973. Seu primeiro impulsionador foi David Rockfekller, presidente do
Chase Manhattan Bank e representante de uma das mais fabulosas fortunas do mundo. A Comissão inclui os
principais empresários, banqueiros e políticos dos três blocos econômicos mais importantes do mundo
capitalista: Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão.
31
Sobre a questão da legitimidade, alguns autores defendem que a erosão dessa
legitimidade foi uma das causas para a saída dos militares do poder. Suzeley Mathias articula
três motivos para elucidar a sua tese. O primeiro está relacionado a impossibilidade de um
regime ditatorial durar por muito tempo; os protestos de exilados brasileiros no exterior
prejudicando a imagem do país no exterior; e o último seria uma não compatibilidade da
repressão política por causa da abertura do regime durante o governo Ernesto Geisel118(1974-
1979).Na mesma linha de análise Aspásia Camargo e Walder de Goés 119argumentam que o
regime político, mesmo com os êxitos na questão econômica e política, era ilegítimo 120.Esses
autores afirmam que a simples existência dos exilados era um problema e a solução para essa
adversidade, era justamente um aperfeiçoamento político que permitisse o retorno daqueles
que estavam fora do país121.Dessa forma, a anistia é entendida por esses autores como um
reflexo da recomposição da imagem do Brasil no cenário internacional,uma vez que essa
situação já estaria afetando as relações exteriores com os outros países 122 .Já Aloysio de
Carvalho defende a tese de que o projeto de distensão teve como origem a crise política que
ocorreu no ano de 1968, a partir da decretação do Ato Institucional nº 5123(AI-5) .O autor
argumenta que esse modelo institucional provocou divisões dentro do campo governista na
década de 70 124 .Aloysio de Carvalho aponta o discurso do senador Milton Campos, que
sugeria a correção dos erros da “Revolução de 64”, para que esta não perdesse o seu sentido
liberal original 125 . Outro exemplo mencionado pelo autor é a conferência do marechal
Cordeiro de Farias 126 , na Escola Superior de Guerra (ESG) em 1970, o qual criticava o
desfecho de 1968, ao afirmar que o “AI nº5 afastava a Revolução de uma grande e numerosa
classe que pelo menos moralmente ficou sem situação para defendê-la 127 . Aloysio de
Carvalho também se refere a outros indivíduos importantes do campo governista que

118
MATHIAS, Suzeley Kalil. Distensão no Brasil: O projeto militar: 1973-1979-Campinas,
SP:Papirus,1995.p.47
119
CAMARGO, Aspásia; GOÉS, Walder de. O Drama da Sucessão e a crise do regime. Rio de Janeiro. Nova
Fronteira, 1984.
120
Ibidem. p.131
121
Ibidem. p.132
122
Idem.
123
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. O governo Médici e o projeto de distensão politica (1969-1973).
Dissertação de mestrado apresentado na IUPERJ. 1989.p.42
124
Ibidem. p.43
125
Idem.
126
O Marechal Cordeiro de Farias envolveu-se ativamente na conspiração contra o presidente, João Goulart.
Após a instalação do regime militar em 1964 ocupou o cargo de Ministro do Interior.
127
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. O governo Médici e o projeto de distensão politica (1969-1973).
Dissertação de mestrado apresentado na IUPERJ. 1989.p.64.
32
concordavam com o marechal, como por exemplo, Roberto Campos128, que também passou a
defender a diminuição dos instrumentos de repressão, assim como Luís Vianna Filho 129 que
também pregava a retomada democrática 130 . Dessa forma fica evidente que havia setores
importantes do próprio campo dominante que almejavam a diminuição do grau de
autoritarismo131 e assim “o AI nº5, representou um significativo afastamento daquelas idéias
que buscavam compatibilizar os compromissos liberais pronunciados no inicio de 1964 com o
objeto de se edificar instituições modernas e estáveis” (CARVALHO, 1989,92).

Apesar de concordar com a periodização desses autores, a tese de que a erosão da


legitimidade do regime foi um fator primordial para a saída dos militares do poder não nos
parece adequada e, portanto não é incorporada a este trabalho. A minha crítica consiste
inicialmente em afirmar que a simples existência de exilados políticos não pode ser
considerada um fator para a mudança de regime político. Nessa mesma ideia, a anistia não
teve como sentido diminuir o grau de ilegitimidade do Brasil no exterior, pois, como
trataremos mais adiante, teve como um dos seus objetivos fracionar o partido de oposição ao
regime ditatorial. Além disso, a divergência das atividades repressivas do Estado não condiz
com os governos de transição, pois este foi um instrumento central para o projeto de mudança
de regime político ter sido vitorioso. E por fim a discussão em torno do Ato Institucional nº 5
também me parece insuficiente, pelo fator de ter sido utilizado institucionalmente pelo
presidente Geisel tanto para cassar mandatos políticos quanto para decretar recesso no
Congresso Nacional para impor o Pacote de Abril 132 . Os dois fatores com os quais eu
concordo e considero decisivos para a saída adiantada dos militares foram: a crise militar
ocorrida durante os governos Castelo Branco (1964-1967) e Costa e Silva (1967-1969) e a
influencia do capital internacional, através da Comissão Trilateral (CT).

Antes de abordar precisamente a Comissão Trilateral (CT) é importante ressaltar a


mudança na política internacional norte americana durante o período conhecido como Guerra
Fria (1947-1989). A primeira política adotada ficou conhecida como “áreas de influência”
devido ao conflito entre as duas superpotências -Estados Unidos e União Soviética- quando

128
No regime pós 1964 foi Ministro do Planejamento no governo Castelo Branco (1964-1967) e foi responsável
por reformas econômicas como a criação do Banco Central do Brasil e do FGTS.
129
Foi governador do Estado da Bahia (1967-1971).
130 130
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. O governo Médici e o projeto de distensão politica (1969-
1973). Dissertação de mestrado apresentado na IUPERJ. 1989.p.64-65.
131
Idem.
132
Esse assunto será abordado no 2º capítulo.
33
estas não deveriam intervir nas áreas de dominação do outro país133. Essa estratégia política
dos Estados Unidos foi hegemônica durante o final da década de 50 até o governo Jimmy
Carter (1977-1981). Essa política teve como característica situar a América Latina, do ponto
de vista econômico, em um posto secundário, tendo em vista que os mercados mais favoráveis
se encontravam na Europa e na Ásia134. Contudo, uma crise econômica surgiu nos Estados
Unidos e teve como sintomas a fuga em massa de ouro, a instabilidade e desvalorização do
dólar e os movimentos especulativos no mercado dos eurodólares 135 e esses fatores
proporcionaram uma mudança na administração norte americana. Por outro lado, em termos
políticos, a inflexão consistiu na ascensão de Jimmy Carter a presidência dos Estados Unidos
e de sua equipe de assessores, entre os quais se destaca o cientista político, de origem
polonesa, Zbigniew Brzezinski que orientou a política externa do governo Carter, com base
no trilateralismo136.

O trilateralismo pode ser traduzido como a nova concepção da política externa do


governo americano no final da década de 70, porém a sua origem nos remete a criação da
Comissão Trilateral em 1973, por David Rockfekller, presidente do Chase Manhattan Bank e
representante de uma das maiores fortunas do mundo 137 . A comissão era composta por
empresários, banqueiros, intelectuais e políticos dos três blocos econômicos mais importantes
do mundo capitalista: Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. O objetivo era formular uma
estratégia política e econômica satisfatória para os integrantes. Cabe também destacar a
presença dos sete presidentes dos principais bancos dos Estados Unidos, os presidentes da
General Motors e Steal 138 .Esses dados são fundamentais, porque os principais cargos
ocupados durante a administração de Jimmy Carter o foram justamente por membros
vinculados a Comissão Trilateral 139.Sobre a política externa, a Comissão Trilateral avaliou
que o desafio de ordem econômica era a relação entre Norte e Sul,ou seja, entre países ricos e
pobres140.Nesse sentido o conceito de interdependência é central,visto que define o progresso
dos países ricos na conservação da posição dos países subdesenvolvidos de fornecedor de

133
IRIARTE, Gregorio; SIST, Arturo. Da segurança nacional ao Trilateralismo. In: ASSMAN, Hugo;
SANTOS, Theotônio dos; CHOMSKY, Noam (orgs.). A Trilateral – nova fase do capitalismo mundial.
Petrópolis: Vozes, 1979.p.168
134
Ibidem. p.169
135
Idem.
136
Idem.
137
Ibidem. p.171
138
Idem.
139
Idem.
140
Ibidem. p.172
34
matéria- prima e consumidor de produtos industrializados 141 .Em relação aos regimes
ditatoriais na América Latina, a postura da CT foi diagnosticar que estes regimes não eram
mais adequados aos seus interesses 142 .A CT entendeu que durante a vigência dessas
ditaduras,poderiam surgir movimentos de massa que poderiam prejudicar os seus negócios e
seus lucros e até mesmo resultar em revoluções socialistas143. Portanto a CT teve como uma
de suas tarefas “auxiliar” os países em vias de transição para a democracia 144. Ainda em torno
da CT, a campanha a favor dos direitos humanos, que ficou conhecida durante os anos de
administração de Jimmy Carter, estava de pleno acordo com as suas diretrizes 145 . Dessa
forma, podemos supor que por trás dessa campanha a respeito dos direitos humanos, o
objetivo era justamente a troca dos regimes militares na América Latina por regimes
democráticos que atendessem aos seus interesses 146 . Portanto, essa defesa dos direitos
humanos era restrita, pois não era proposta uma autêntica participação popular nos novos
governos pós ditaduras e, além disso, vale ressaltar que essa política não foi aplicada quando a
própria violação dos direitos humanos atendia aos interesses dos Estados Unidos, como no
caso das Filipinas e do Irã147.

Nessa conjuntura começaram a surgir propostas e formulações para superar não


apenas a saída dos regimes ditatoriais, mas sim como manter a dominação dos setores
dominantes. Na perspectiva da institucionalização, Adriano Codato destaca três problemas
centrais, ao longo do regime militar brasileiro. Entre eles, a dificuldade em construir uma
estrutura “racional” para tomada de decisões, a falta de coerência e coesão ideológica entre os
diversos grupos, civis e militares, que comandavam a política nacional e a inexistência de
regras claras e fixas para a evolução institucional, cujo sintoma mais aparente era a incerteza
sobre quem comandaria o governo, como o poder seria exercido e em que direção o regime
deveria caminhar148. Nesse sentido, o objetivo estratégico da reconversão liberal do regime
militar era:

141
Ibidem. p.174
142
HOEVELER, Rejane Ditadura e democracia restrita: a elaboração do projeto de descompressão controlada
no Brasil (1972-1973. Monografia apresentada a UFRJ. 2012.p.24
143
Ibidem. p.25
144
Ibidem. p.15
145
IRIARTE, Gregorio; SIST, Arturo. Da segurança nacional ao Trilateralismo. In: ASSMAN, Hugo;
SANTOS, Theotônio dos; CHOMSKY, Noam (orgs.). A Trilateral – nova fase do capitalismo mundial.
Petrópolis: Vozes, 1979.p.179
146
Ibidem. p.180
147
Ibidem. p.179
148
CODATO, Adriano. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia. Revista
de Sociologia e Política (UFPR. Impresso), Curitiba - PR, v. 25,2005.p.97
35
“a institucionalização de uma série de dispositivos autoritários que, depois de
encerrado o ciclo dos generais, garantissem legitimidade, estabilidade e
funcionalidade a um novo modelo político nem “populista”, nem plenamente
“democrático”, em função dos riscos do segundo converter- se no primeiro”149.

Continuando, com as ideias desse autor, ele propõe que o sentido da mudança de
regime político está estreitamente ligado a institucionalização do autoritarismo e afirma que
uma das formas seria através da própria institucionalização de certos mecanismos para o
controle da sociedade 150 . Codato acrescenta que o objetivo, era implantar uma forma de
governo mais estável e controlado, em que o sistema de partidos e a rotina eleitoral não
colocassem em risco o governo e que simultaneamente não fornecesse oportunidade aos
“excessos” do período populista151. Essa análise de Adriano Codato que enfatiza a função dos
partidos e das eleições está de acordo com a produção acadêmica, das décadas de 60,70, e 80
devido a preocupação em resolver o problema da dominação, cuja resposta segundo esses
intelectuais, seria através da institucionalização das instituições políticas. Nesse sentido,
Rejane Hoelever152 destaca a proposta da democracia procedimental, defendida por Joseph
Shumpeter. Esse intelectual faz uma analogia da democracia com o “mercado político” onde
os partidos correspondem às empresas, os eleitores são consumidores, as promessas de
campanha são os produtos, e o voto equivale à moeda de compra153. Além disso, destaca-se o
caráter limitado desse modelo de democracia, pois em momentos de crise, o Estado poderia
utilizar o poder discricionário para manter a ordem, como por exemplo, restringindo o voto154.
Vale ressaltar que essa perspectiva de democracia shumpeteriana estava de acordo com as
prerrogativas da CT em função simultânea da manutenção dos direitos individuais mínimos e
da exclusão dos direitos sociais e participação popular na política155, assim demonstra-se o
caráter restrito das futuras democracias.
Outro analista fundamental nessa perspectiva é o cientista político norte americano
Samuel Huntington que era o principal acadêmico vinculado a Comissão Trilateral. 156
Huntington esteve no Brasil, a convite do chefe do Gabinete Civil, Leitão de Abreu em 1972
durante o governo Médici. Pode se supor que essa presença de Huntington seria para discutir

149
Idem. p.98
150
Idem.
151
Ibidem. p.99
152
HOEVELER, Rejane. Ditadura e democracia restrita: a elaboração do projeto de descompressão controlada
no Brasil (1972-1973. Monografia apresentada a UFRJ. 2012.
153
Ibidem; p.20
154
Ibidem. p.21
155
Idem.
156
HOEVELER, Rejane. Ditadura e democracia restrita: a elaboração do projeto de descompressão controlada
no Brasil (1972-1973). Monografia apresentada a UFRJ. 2012.p.15
36
com membros do governo e outros cientistas políticos ,entre eles Candido Mendes, sobre o
processo de descompreensão em terras brasileiras157.Isso demonstra que membros do governo
Médici estavam interessados na mudança de regime político158.Em virtude dessa visita ao
Brasil, no ano seguinte, Huntington escreveu um documento chamado “Métodos de
Descompreensão Política”, que na verdade corresponde a uma resposta aos governantes
brasileiros sobre como elaborar um modelo distensionista, sem perder o controle do
processo159.
Partindo do pressuposto de que a produção intelectual desse acadêmico seja
fundamental, é válido destacar a proposta de Huntington 160 sobre o desenvolvimento das
instituições políticas. Em seu livro “ A Ordem Política nas Sociedades em Mudança, no
quarto capítulo intitulado “Pretorianismo e Decadência Política,o autor inicialmente refuta as
questões de ordem militar para explicar as intervenções castrenses.Para o autor os golpes
militares devem ser entendidos através de um fenômeno mais amplo, ou seja, pela politização
geral das forças e das instituições sociais nas sociedades subdesenvolvidas161. Dessa forma
Huntington explica que a intervenção militar na política ocorre em função da politização da
sociedade,quando setores dessa própria sociedade como, por exemplo, o clero, universidades
políticas, burocracias, sindicatos além das Forças Armadas desempenham funções políticas162.
Para denominar essa politização das forças sociais, esse autor classifica essas sociedades
como “pretorianas” 163 e para explicar o “pretorianismo” nessas sociedades, aponta a natureza
do próprio corpo social ao indicar como fator central, a ausência e a fragilidade das
instituições políticas164. Essa afirmação é importante, pois a institucionalização foi uma das
características do processo da transição democrática no Brasil. Dessa forma Huntington
defende a tese da importância dessas instituições políticas institucionalizadas, por terem como
função interceder e moderar os conflitos entre os grupos, ou seja, a “institucionalização” seria
uma forma de mediar e criar um consenso entre os procedimentos adotados na disputa
política 165 . Nessa perspectiva, o autor afirma que a sociedade pretoriana carece de

157
SKIDMORE, Thomas E.Brasil: De Castelo a Tancredo,1964-1985.Rio de Janeiro.Paz e Terra:1988.p.322
158
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010 .p.146
159
Idem.
160
HUNTINGTON, Samuel P.A Ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Ed da Universidade de
São Paulo, 1975.
161
Ibidem. p.206
162
Idem.
163
Ibidem. p.207
164
Ibidem. p.208
165
Idem.
37
“comunidade” e isso é uma causa que impede o desenvolvimento das instituições políticas166.
Assim, Huntington esclarece que em função desse problema há fortes indícios que essas
atitudes e padrões de comportamento permaneçam e, portanto essa característica “pretoriana”
fica enraizada na cultura da sociedade167. Em seguida, o autor demonstra meios possíveis para
superar o “pretorianismo” e para fortalecer as instituições políticas. O primeiro passo seria
uma liderança capaz de criar esses mecanismos e com poder suficiente para moldar essas
instituições168. E quem teria a maior capacidade de criar as instituições políticas? Huntington
afirma que os militares possuem essa habilidade e o melhor momento para efetivar tal tarefa é
na fase inicial da sociedade “pretoriana radical” 169
. Portanto Huntington defende que a
institucionalização das instituições políticas é a solução para que uma sociedade escape do
“pretorianismo” 170
. Por conseguinte podemos entender que essas instituições têm como
objetivo absorver e limitar os conflitos políticos. Nessa hipótese Huntington cita como
exemplo, os partidos políticos que proporcionam o apoio da massa ao governo171. O autor
indica como modelo de partido único, o Partido Revolucionário Institucional 172 (PRI) no
173
México .Um indicativo interessante que demonstra o quanto essa perspectiva da
institucionalização das instituições é importante, é que Samuel Huntington chegou a sugerir
esse tipo de partido único para o Brasil,mas essa proposta não foi aceita174 .
No campo das formulações, também cabe destacar a comunicação de Wanderley
Guilherme dos Santos175 apresentada em um seminário realizado em setembro de 1973176. Na
terceira parte do seu trabalho, “estratégias de descompreensão política”, inicialmente ele
afirma que em virtude da ausência da possibilidade de mudança por via revolucionária, no
Brasil, restariam duas formas de descompreensão do sistema político 177. O autor cita que a
primeira forma seria através de um modelo “naturalista” e subdivide esse modelo em duas
formas. O primeiro modelo citado, o “economicista” consiste em supor que a distensão

166
Ibidem. p.249
167
Idem.
168
Ibidem. p.250
169
Ibidem. p.252
170
Ibidem. p.256
171
Ibidem. p.265
172
É um dos partidos mais importantes no México. Deteve o poder hegemônico nesse país durante 70 anos.
173
HUNTINGTON, Samuel P.A Ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Ed da Universidade de
São Paulo, 1975.p.269
174
SKIDMORE, Thomas E.Brasil:De Castelo a Tancredo,1964-1985.Rio de Janeiro.Paz e Terra:1988.p.324
175
SANTOS, Vanderlei Guilherme dos. Poder e Política crônica do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro.
Forense Universitária, 1978.
176
SKIDMORE, Thomas E.Brasil:De Castelo a Tancredo,1964-1985.Rio de Janeiro.Paz e Terra:1988.p.324
177
SANTOS, Vanderlei Guilherme dos. Poder e Política crônica do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro.
Forense Universitária, 1978.p.152
38
politica será natural e automaticamente produzida como resultado de um amadurecimento do
sistema econômico acompanhado da criação de razoável montante de riqueza nacional178. E o
segundo modelo se caracteriza pela divisão entre os próprios setores dominantes, que levaria
essas camadas a buscar apoio necessário à disputa política e consequentemente, a participação
se alargaria e a reorganização politica se faria naturalmente como resultado dessa ampla
participação179.
A segunda maneira, apontada por Wanderley Guilherme dos Santos, é uma possível
estratégia não naturalista180. O cientista político então sugere uma estratégia incrementalista,
ou seja, uma política de avanços lentos e moderados colocando em pauta um prosseguimento
gradual, mas sempre mantendo o controle do processo. A justificativa para tal estratégia seria
a diminuição dos riscos de recompreensão181. Vale salientar que o autor não define claramente
o que seria essa recompreensão, assim interpreto que esse termo significa um recuo da fase
distensionista protagonizada por alguns setores militares contrários ao processo de mudança
de regime político. É importante ressaltar esse ponto, pois é notável a preocupação do autor
com uma possível recompreensão, que poderia ocorrer em um possível avanço das medidas
liberais em curto prazo. A partir desse argumento, ele sugere que a velocidade da
descompreensão seja regulada 182 . Nessa mesma linha de pensamento, o autor também
aconselhava que os dirigentes políticos evitassem uma simultaneidade das pressões. Sua
justificativa é racional, tendo em vista que é muito mais simples absorver demandas e
pressões uma de cada vez do que enfrentá-las em conjunto183. Essa recomendação está de
acordo com o temor de Wanderley Guilherme dos Santos com uma possível recompreensão,
uma vez que a decisão sobre um elevado número de medidas multiplicaria o número das
demandas que o sistema deveria absorver, elevando assim os riscos de recompressão 184 .
Portanto medidas como: liberdade de imprensa, habeas corpus, mais liberdade ao regime
eleitoral, regime partidário, mecanismos sucessórios devem ser cuidados de maneira separada
e só tratar do outro tema quando o primeiro estiver resolvido185. Associado a essa ideia de
evitar a simultaneidade das pressões, é também recomendado por esse autor, evitar o acúmulo
de desafios, através da manutenção de mecanismos de coerção para coibir a ação de “desvios”

178
Idem.
179
Idem.
180
Ibidem. p.153
181
Idem.
182
Idem.
183
Ibidem. p.154
184
Idem.
185
Idem.
39
das normas “legais” 186. Portanto se o Estado não tiver instrumentos de repressão, relativos ao
“abuso da liberdade”,poderia ocasionar na simultaneidade das demandas e desta forma
configurar o retorno a uma politica de recompressão 187.O último conselho é a garantia de
processos compensatórios. Dessa forma buscava-se garantir a disseminação da lealdade pela
persuasão e a imobilidade pela coação. Nesse sentido, o autor sugere que:
“Primeiro trata-se de mobilizar lealdade ao sistema pelo que o sistema faz:segundo
,trata-se de mobilizar lealdade ao sistema por aquilo que o sistema impede que
outros façam.Fundamentalmente a mobilização de lealdade se processa pela
associação dos atores políticos e sociais relevantes ou pela associação de alguns
deles a alguma ou algumas das etapas do processo de decisão sobre o que o sistema
faz e sobre o que o sistema impede que outros façam.Ora, a participação nos
processos decisórios pode assumir pelo menos três modalidades:participação nos
processos que estruturam ou geram as alternativas de decisão; participação nos
processos de escolha ou decisão propriamente dita.” 188

Dessa forma, como alerta Wanderley Guilherme dos Santos, a política de


descompreensão visava garantir a lealdade de setores importantes e que para conseguir tal
apoio era necessário quebrar o monopólio sobre as decisões exercidas pelos setores dirigentes.
No caso brasileiro, podemos entender que a cooptação de setores moderados do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), traduz explicitamente essa consideração. No final do texto, o
autor elabora uma lista de elementos a serem colocados na agenda do projeto distensionista.
Vale ressaltar que essa recomendação apresenta uma hierarquia, o que demonstra a sua tese de
uma estratégia incrementalista. Os itens na respectiva ordem são: 1-Inamovibilidade do poder
judiciário; 2-circulação de informação e manifestação de opinião; 3-restauração do habeas
corpus, 4-organização das opiniões políticas e manifestação das vontades políticas, 5-
ordenação da legitima competição pelo poder; 6- estabelecimento da processualística positiva
e objetiva para o uso dos instrumentos de coação especifica189.
Roberto Campos190 também realiza um esforço intelectual para pensar a questão da
institucionalização. É importante destacar que seu texto191 dialoga com outros dois autores
aqui já citados, Samuel Huntington e Wanderley Guilherme dos Santos, sendo que seu objeto
é pensar os obstáculos, perspectivas e “ritmo” das formas possíveis de institucionalização
política e evitar um “risco de recompreensão” 192. Não pretendo me alongar com todo o texto

186
Ibidem.p.156
187
Idem.
188
Ibidem. p.157
189
Ibidem. p.159
190
Citar quem é.
191
CAMPOS. Roberto. A opção política brasileira. In: SIMONSEN, Mário Henrique & CAMPOS, Roberto. A
nova economia brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.
192
Ibidem. p.223
40
de Roberto Campos, mas sim indicar dois pontos semelhantes às ideias apresentadas por
Samuel Huntington. A primeira consideração do autor é sobre importância da presença militar
na política “com a cooperação de uma elite tecnocrática, pela reordenação econômica e
política do país” (CAMPOS, 1974, 229). E, portanto, sobre a liderança militar, as Forças
Armadas teriam a função de:
“... dirigir e motivar; à tecnocracia, formular e equacionar;aos partidos políticos,
sancionar e legitimar.A ordem de prioridades seria do desenvolvimento econômico
para o desenvolvimento social, e finalmente para o desenvolvimento
político.Somente o desenvolvimento econômico acelerado, potenciado a ponto de se
tornar autropropulsor,geraria recursos para a distribuição social,sem comprometer a
acumulação, e daria folga psicológica para absorvermos atritos políticos, sem perigo
de subversão”193

O segundo ponto em comum com as ideias de Samuel Huntington é sobre a função


dos partidos. O autor afirma que a “Revolução de 64” deve buscar a legitimidade através da
representatividade, função desempenhada pelos partidos políticos194. Um dado importante é
que Roberto Campos cita em seu texto as ideias de Huntington sobre a institucionalização
através das instituições partidárias. É notório o seguinte trecho:
“Sem os partidos,agregadores de interesses gerais, enquanto os grupos de pressão
articulam interesses setoriais, corremos o risco de cair num “Estado pretoriano”,
característico das sociedades em que os diversos grupos procuram exercer um papel
político direto, lutando pela defesa de seus interesses e pela distribuição de poder e
status”.195

A última formulação que quero destacar é de autoria do General Golbery do Couto e


Silva196. Esse texto197 é uma comunicação feita pelo militar na Escola Superior de Guerra
(ESG) em 1981 e útil por externar o argumento do “excesso de pressão” autoritária. O general
inicia o texto utilizando uma metáfora “sístoles e diástoles” 198que significa respectivamente
contração e dilatação, para explicar que a política dos Estados varia em momentos de
descentralização e centralização. Para o autor a partir do golpe de 1964 o Brasil ingressou,
“sem perceber”, em uma fase de centralização 199. Nesse quadro o general identifica que a
década de 70, representou o auge da “centralização político administrativa” 200e essa sístole
excessiva poderia ocasionar tensões dentro do próprio regime. Nessa conjuntura iria surgir

193
Ibidem.p.230
194
Ibidem.p.243
195
Ibidem.p.244
196
É considerado um dos articuladores da transição brasileira.Ocupou o cargo de Chefe do Gabinete Civil
durante o governo Geisel.Renunciou a esse cargo em 1981,devido a má apuração do atentado no Riocentro.
197
SILVA, Golbery do Couto. Conjuntura Política Nacional o poder executivo e geopolítico do Brasil. Rio de
Janeiro, 1981.
198
Ibidem.p.05
199
Ibidem.p.12
200
Ibidem.p.24
41
protestos e reações a favor da descentralização 201 , colocando em risco a manutenção do
regime ditatorial. Para o general, a estratégia distensionista deveria ser limitada e controlada e
sempre dotada com mecanismos para conter os excessos. Nessa linha, o general afirma que:
“Não é de admirar-se ,pois , que o esforço descentralizador de uma abertura política
democratizante ,desencadeada justamente através da liberação progressiva dos
controles da censura,nem, tampouco que esse estágio inaugural do processo
exigisse, para que não escapasse a qualquer controle,prazo bastante longo e
condução vigilante e ativa.É que se impunha conter ,desde logo, inevitáveis
excessos, balizando-se limites mais ou menos definidos à permissibilidade”202

1.2.1 A questão militar


Inúmeros autores destacam que o envolvimento dos militares com as atividades
políticas acabou afetando a corporação militar, desta forma ameaçando a sua coesão interna
através da quebra da hierarquia e da disciplina 203 . Portanto nessa parte final do capítulo
procuro demonstrar que uma das causas da distensão foi a contradição interna ao próprio
aparelho estatal204. Nesse tópico parto do pressuposto de que uma das facetas da gênese da
transição está associada ao fato da necessidade dos militares resolverem os seus problemas
internos e, por conseguinte a transição não pode ser entendida como um “anseio democrático”
dentro das Forças Armadas 205. Essa adversidade dentro das instituições militares pode ser
explicada pela presença e o controle dos militares sobre o aparelho de Estado. Dessa forma a
influência castrense na cena política transportou os conflitos políticos e ideológicos para
dentro do aparato militar assim, subvertendo a hierarquia e as cadeias de comando206.
Em suma entende-se que as Forças Armadas estavam divididas politicamente, e por
esse motivo os militares, saíram do poder para preservar a unidade castrense 207 , assim
pretendo demonstrar os momentos de crise interna que ocorreram desde o governo do general
Castelo Branco (1964-1967) até o período governado pela Junta Militar (1969).
Nessa linha de análise, João Roberto Martins Filho208 destaca que logo após o golpe de
64 estava evidente que as relações do governo militar com os quartéis seria marcada pelos
conflitos. O primeiro indício de conflito entre os próprios militares foi a eleição do general
Castelo Branco para o cargo de presidente da República em detrimento do general Costa e

201
Idem.
202
Ibidem.p.25
203
DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. Dados. 1985.p.332
204
STEPAN, Alfred. Os militares: Da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.p.19
205
CODATO, Adriano. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia. Revista
de Sociologia e Política (UFPR. Impresso), Curitiba - PR, v. 25, p. 83-106, 2005.p.83
206
Ibidem. p.84
207
SOARES, G. A. D. (Org.) ; D'ARAUJO, Maria Celina Soares (Org.) ; CASTRO, Celso (Org.) . A volta aos
quartéis: a memória militar sobre a abertura. 1. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. p.?
208
MARTINS FILHO, J. R.. O palácio e a caserna - A dinâmica militar das crises políticas na ditadura. 1. ed.
São Carlos, SP: Edufscar, 1995
42
Silva que se auto indicou para o Ministério do Exército. Assim, constata-se um campo de
conflito estabelecido entre a Presidência da República e o Ministério da Guerra 209 . É
importante ressaltar que esta defrontação se enquadra no campo militar a favor do golpe de
1964 e não contra os militares nacionalistas e de esquerda cassados durante o regime
ditatorial210. Nesse sentido, o autor faz referência a grupos castrenses provenientes da jovem
oficialidade que tiveram como aliados, os herdeiros civis do regime e também de militares de
alta patente. Apesar desse grupo apresentar um caráter difuso, a historiografia atribuiu a ele a
nomenclatura de ‘linha dura’.211Esse grupo tinha como premissas básicas, reivindicações de
maior rigor na depuração do sistema político, e em segundo plano influenciar diretamente no
processo de tomada de decisões do governo militar.Tanto em um como em outro aspecto,suas
ações provocariam problemas para o governo Castelo Branco212.Portanto,as pressões oriundas
da caserna, vieram em torno dessas demandas.Nos primeiros meses do regime ditatorial, esses
setores queriam a prorrogação das cassações e suspensões dos direitos políticos ,sob o
argumento de que o presidente Castelo Branco ,estava sendo muito “tolerante” com a
oposição.Vale destacar que essas demandas iriam encontrar respaldo no Ministro da
Guerra213.É importante ressaltar que Costa e Silva não pertencia a linha dura, mas as posições
desse militar coincidia com as reivindicações desse segmento214.Outro evento que demonstra
a cizânia militar, durante o governo Castelo Branco, foi as eleições diretas para governador
em 1965.Para João Roberto Martins Filho os antecedentes e o resultado do pleito estadual
agravaram a crise entre os quartéis e o governo 215 ,pois a “ caserna” pressionou pela
continuação dos poderes extraordinários outorgados pelo AI nº 1 e pelo adiamento e
cancelamento das eleições de outubro de 1965216.Como já dito, esses setores militares iriam
encontrar respaldo em setores civis, nesse sentido a retórica desse segmento,que tinha como
representantes Carlos Lacerda e Magalhães Pinto tinha como objetivo atrair o apoio da
caserna. Dessa forma uma vitória dos candidatos de Lacerda e de Magalhães Pinto não seria o

209
OLIVEIRA, E. R.. De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia. 1. ed. Campinas: Editora
Papirus, 1994.p.33
210
Sobre a repressão aos militares pós 64 ver: VASCONCELOS, Claudio Bezerra. A política repressiva a
militares após o golpe de 64.Tese de Doutorado apresentado a UFRJ.2010.
211
MARTINS FILHO, J. R. O palácio e a caserna - A dinâmica militar das crises políticas na ditadura. 1. ed.
São Carlos, SP: Edufscar, 1995.p.54
212
Idem.
213
Idem.
214
Ibidem. p.56
215
Ibidem. p.57
216
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.84
43
cenário ideal para o governo castelista 217 . Nessa conjuntura, em função da derrota dos
candidatos indicados por esses líderes políticos, os militares da “linha dura” não aceitaram o
resultado das eleições e reagiram ao resultado do pleito eleitoral. Thomas Skidmore indica
que oficiais do I Exército, em função do resultado negativo das eleições, tinham como plano ir
até ao Maracanã, onde se realizava a contagem dos votos, para queimar as cédulas e em
seguida marchar até o Palácio das Laranjeiras para depor o presidente Castelo Branco 218.
Contudo, o fato que demonstra a gravidade da crise militar, neste período, é a disputa
castrense em torno do cargo de Presidente da República. Antes, é preciso explicar a questão
teórica acerca das sucessões presidenciais durante o regime ditatorial. Em relação a questão
teórica,citamos Eliezer Rizzo de Oliveira o qual defende o conceito de “partido militar”.O
próprio autor ressalta que o aparelho militar não pode ser entendido como um partido
político,pois o aparelho militar é o instrumento de excelência do Estado pelo qual pratica a
violência legitimamente organizada,enquanto os partidos por sua vez desenvolvem o papel de
representação da sociedade no outro pilar do Estado, o lado do poder político219 .Dessa forma,
o uso da expressão “partido militar” pode ser entendida como a instancia de articulação de
interesses sociais e da definição de alternativas políticas do Estado 220.Nesse sentido a “crise
do partido militar” se refere ao conflito entre diversos níveis do aparelho militar.No nosso
caso de análise notam-se as tensões e contradições nas relações entre a instituição castrense e
a Presidência da República221.Assim,cada sucessão presidencial,apesar da institucionalização
do rodízio no poder, foi um momento de aguda tensão no meio militar.Portanto,a disputa final
pelo controle do governo, reforçava dentro das Forças Armadas, a constituição de blocos
políticos222 para a disputa de poder.
A partir dessa definição teórica, é fundamental entender a articulação do Ministro da
Guerra para suceder Castelo Branco, pois é um indicio de cisão castrense provocada pela
sucessão presidencial223. Há indicativos de que a rivalidade entre os castelistas e costistas era
antiga, pois o general Costa e Silva se considerava um candidato natural desde 31 de março de
1964 e que no cargo de Ministro da Guerra teve condições suficientes para articular a sua

217
MARTINS FILHO, J. R. O palácio e a caserna - A dinâmica militar das crises políticas na ditadura. 1. ed.
São Carlos, SP: Edufscar, 1995.p,.62
218
SKIDMORE, Thomas E.Brasil:De Castelo a Tancredo,1964-1985.Rio de Janeiro.Paz e Terra:1988.p.96
219
OLIVEIRA, E. R.. De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia. 1. ed. Campinas: Editora
Papirus, 1994.p.42
220
Ibidem. p.43
221
Idem.
222
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. O governo Médici e o projeto de distensão politica (1969-1973).
Dissertação de mestrado apresentado na IUPERJ. 1989.
223
MARTINS FILHO, J. R.. O palácio e a caserna - A dinâmica militar das crises políticas na ditadura. 1. ed.
São Carlos, SP: Edufscar, 1995.p.63
44
candidatura224. Apesar de o governo Castelo Branco ter tido um amplo apoio no Congresso
Nacional e no Senado, havia uma forte e difusa oposição dentro das Forças Armadas que
incluía os duros, costistas e militares insatisfeitos225. O argumento para a candidatura de Costa
e Silva era a manutenção da unidade das Forças Armadas 226 , pois havia o risco de
aprofundamento das divisões dentro do Exército e isso poderia até mesmo comprometer os
rumos do regime ditatorial227. Um dado importante que evidencia esse conflito dentro das
Forças Armadas é a mudança nos comandos das unidades castrenses. Isso fica evidente
quando os militares castelistas foram colocados em funções não muito expressivas durante o
governo Costa e Silva (1967-1969), como por exemplo: o comandante do II Exército, General
Jurandyr Mamede, castelista, foi substituído pelo General Syzeno Sarmento 228.
Vários autores apontam que o auge da crise militar, foi o afastamento do presidente
Costa e Silva do seu cargo, em função de um derrame cerebral. Inicialmente os ministros
militares229 não respeitaram o Art. 78 da carta constitucional de 1967, o qual estipulava em
caso de incapacidade ou invalidez do presidente da república, que o vice exerceria o cargo.
Nesse sentido, os ministros das três armas, não só excluíram apenas o vice presidente, mas
também os outros sucessores previstos pela constituição, o presidente do Senado e o
presidente do Supremo Tribunal Federal230. O chefe do Gabinete Militar Jaime Portela sugeriu
que os ministros militares governassem em nome do chefe do executivo federal 231 .E
concordando com essa diretriz o Alto Comando das Forças Armadas aprovou o governo
interino desses três militares ao promover o Ato Institucional nº 12 o qual legitimava
legalmente essa ação232.
O problema militar persistia, pois haveria uma eleição para eleger o sucessor de Costa
e Silva, e nesse sentido destaca-se que o “vácuo de poder gerado pela doença do marechal
Costa e Silva funcionou como um poderoso estímulo ao acirramento da luta de facções nas
Forças Armadas” (CAMARGO; GOÉS, 1984, 128). Na ocasião, houve a ascensão de uma
corrente nacionalista do Exército, tendo como principal figura, o ministro do Interior, o
general Albuquerque Lima. Há indicações de que, desde 1967, este general projetava ser o

224
Ibidem. p.64
225
Ibidem. p.74-75.
226
Ibidem. p.76
227
SKIDMORE, Thomas E.Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro. Paz e Terra: 1988.p.111
228
ABREU, Hugo. O Outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.p.17
229
Os ministros eram: General Aurélio de Lira Tavares; Brigadeiro Márcio Souza e Mello e o almirante Augusto
Rademaker
230
SKIDMORE, Thomas E.Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro. Paz e Terra: 1988.p.194
231
Idem.
232
Ibidem. 196
45
sucessor de Costa e Silva233. João Roberto Martins Filho demonstra a perspectiva política
dessa corrente militar:
‘O terceiro grupo militar atuante no período em questão é a corrente que
denominarei de “albuquerquista”, do nome no ministro do interior, Albuquerque
Lima. Portador de um nacionalismo militar mais articulado do que o dos duros,
voltado para a critica dos aspectos centrais da politica de desenvolvimento castelista,
essa corrente foi a primeira a ser identificada com o ressurgimento dos processos
que venho denominando de unidade na desunião, referentes a luta sucessória no
plano da hierarquia.’234

‘No campo militar, o ministro do Interior encontrou apoio que recortavam as Forças
Armadas não apenas no sentido horizontal (no Exército, suas bases estavam na
jovem oficialidade), como verticalmente (com a evolução de sua candidatura, o
general passou a ter quase unanimidade na Marinha de Guerra). Em minha hipótese,
a corrente liderada por Albuquerque Lima não se confundiria com os coronéis da
linha dura, embora as duas correntes tendessem a se aliar nos momentos críticos.235’

Contudo, a candidatura do general Albuquerque Lima apresentava problemas para as


Forças Armadas, pelo fato de representar os anseios dos oficiais mais novos, ou seja,
significava uma quebra de hierarquia em detrimento dos oficiais mais antigos 236 . Nessa
perspectiva, para impedir a vitória do candidato da corrente “albuquerquista”, formou-se uma
frente que defendia o principio da hierarquia como uma solução da crise sucessória. O nome
do general Médici aparecia como o polo de aglutinação dos partidários dessa perspectiva237. A
alta cúpula das Forças Armadas se mobilizou, controlando o processo de eleição presidencial,
reduzindo o Colégio Eleitoral238. Só foram considerados os votos dos oficiais generais. Esse
processo foi referendado pelo Alto Comando do Exercito e pelo Alto Comando das Forças
Armadas, assim resultando na escolha de um general de quatro estrelas, Emilio Médici,
oriundo do SNI, e comandante do III Exército para o cargo de presidente da República239.
Em resumo, neste capítulo procurei demonstrar os principais fatores por trás da gênese
da mudança de regime político no Brasil, o qual foi planejado em um contexto favorável para
os setores dominantes. Nesse sentido, a partir dessa análise, fica mais fácil de entender que a
repressão contra a esquerda, os partidos comunistas e aos movimentos sociais era
institucional. E além disso, demonstrei a importância das instituições políticas, e em função
desse fator as eleições foram tão importantes no processo distensionista.Por fim, também

233
MARTINS FILHO, J. R.. O palácio e a caserna - A dinâmica militar das crises políticas na ditadura. 1. ed.
São Carlos, SP: Edufscar, 1995.p.106
234
Ibidem.p.119
235
Ibidem.p.120
236
Ibidem.p.185
237
Idem.
238
Idem.
239
OLIVEIRA, E. R.. De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia. 1. ed. Campinas: Editora
Papirus, 1994.p.44
46
saliento que apesar dos conflitos castrenses serem um dos motivos para a saída dos militares
do poder, isso não significa que essa cizânia dentro do meio militar tenha se encerrado com o
início da transição pelo contrário, como demonstrarei no próximo capitulo, ela se acentuou.

47
Capítulo 2

A violência política contra a esquerda e aos movimentos sociais

Esse capítulo tem como objetivo externar o sentido da violência política contra a
esquerda e aos movimentos sociais no período distensionista (1974-1979). Na primeira parte
apresento a minha perspectiva teórica sobre a repressão estatal. Em seguida aponto as
principais perspectivas da historiografia sobre o tema e exponho as minhas reflexões sobre
essas obras. E por fim analiso as características do Estado e a sua coerção e exemplifico os
setores atingidos por essa violência.

2.1 Questão teórica sobre o funcionamento do aparato repressivo

Na introdução desse trabalho foi apresentada uma proposta de periodização240. Nessa


concepção indica-se que a atuação dos órgãos de repressão e de informação do Estado foi um
dos instrumentos que sustentou a dominação dos setores dominantes nas diferentes fases do
período ditatorial e nesse sentido a contenção política proporcionou que o regime ditatorial
atingisse os seus objetivos estratégicos. E, portanto esse aspecto da opressão é fundamental,
pois através do uso do seu aparato policial, o Estado derrotou as “oposições extra-sistêmicas”
ao regime e assim alcançou uma das metas de cunho político no período da contrarrevolução
terrorista241.

Nessa linha de raciocínio destaco as ideias da cientista política Maria Helena Alves na
sua obra Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). A autora demonstra que a coerção no
período posterior ao golpe teve como característica os “expurgos” nas instituições políticas,
burocráticas e militares242. Maria Helena Alves argumenta que o teor da repressão política
naquele momento, no caso dos expurgos na burocracia civil “serviram igualmente para
eliminar a oposição e abrir lugar para pessoal mais estreitamente identificado com as políticas
do novo Estado” (ALVES, 1984,64). Através dessa afirmação podemos certificar que a
violência do regime ditatorial estava de acordo com os interesses dos setores dominantes, pois
como já mencionado na introdução deste trabalho, os integrantes do bloco multinacional
associado visavam assumir os principais postos estratégicos do Estado.

240
LEMOS Renato. Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.
241
Ibidem. p.16
242
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.58
48
Para concretizar os seus objetivos, os governos militares paralelamente criaram e
aperfeiçoaram o aparato repressivo, ao longo do regime militar, para justamente atender aos
interesses desses setores que assumiram o Estado pós 1964. Nesse caso houve a criação do
Serviço Nacional de Informações (SNI), logo após o golpe, pelo general Golbery do Couto e
Silva que tinha por finalidade superintender e coordenar, em todo o território nacional, as
atividades de informação e contra- informação 243 . Vinculados ao Serviço Nacional de
Informações, também foi elaborado a Divisão de Segurança e Informações (DSI) que era o
órgão de vigilância de cada ministério civil, além disto, em cada instituição da administração
pública existia uma “Assessoria de Segurança e Informações” (ASI) 244, que tinha a mesma
finalidade. E assim, havia um controle da vida pública através desse aparato policial. Poderia
haver, por exemplo, a troca de informações entre a DSI do Ministério da Educação com o SNI
sobre a vida política de candidatos á ocuparem cargos administrativos e letivos nas
universidades federais245. Por outro lado também foram estruturados órgãos de espionagem no
âmbito castrense. Nesse sentido, cada Ministério Militar246 tinha um serviço de informação a
sua disposição para reprimir os civis e também para vigiar os próprios militares considerados
“subversivos”. Somando-se a essas instituições, a principal estrutura de repressão, segundo
Ana Lagoa 247 estava pautada no Destacamento de Operações de Informações - Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI CODI) que se organizou na divisão dos quatro comandos
do Exército248.

Dessa forma, não é por acaso que o auge da repressão tenha sido justamente no
período do “milagre” econômico249, ou seja, houve uma relação estreita entre a coerção estatal
e o sucesso econômico do regime ditatorial brasileiro. Essa analogia se demonstra no
documentário de Chaim Litewski, Cidadão Boilesen (Brasil, 2009). Neste filme, além do
personagem central – o empresário dinamarquês Henning Boilesen, membro do IPES desde o

243
BRASIL, Lei nº 4.341, de13 de junho de 1964.
244
FICO Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura militar: espionagem e policia politica. Rio de
Janeiro: Record,2001.p.84
245
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.173
246
Os seguintes órgãos eram o Centro de Informações do Exército (CIE); o Centro de Informações da Marinha
(CENIMAR); Núcleo do Serviço de Informações da Aeronáutica (N-CISA) e além dos serviços secretos das
três armas (E-2, M-2 e A-2).
247
LAGOA, Ana. SNI como nasceu como funciona. São Paulo. Brasiliense, 1983.p.68
248
A organização era a seguinte: I Exército: RJ, ES e MG; II Exército: SP, MT; III Exército: PR, SC e RS; IV
Exército: BA, SE, RN, PB, PE, Al e Fernando de Noronha.
249
MELO, D. B.. Ditadura 'civil-militar'?: Controvérsias historiográficas sobre o processo político brasileiro
no pós-1964 e os desafios do tempo presente. Espaço Plural (Marechal Cândido Rondon. Online), v. 27, p. 39-
53, 2012.p. 49

49
pré-golpe e articulador do apoio do capital privado à montagem da Operação Bandeirante –, o
então ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto (1967-1974), é um dos que aparecem entre
os articuladores da criação dos DOI-CODI 250 . Nessa perspectiva é importante salientar a
atuação da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) no financiamento do aparato
repressivo no combate a subversão. Além disso, destaca-se o auxílio das empresas vinculadas
ao capital internacional ao aparato policial como, por exemplo, através do fornecimento de
automóveis pela Ford e a Volkswagen251. Nessa linha de raciocínio é central o depoimento de
Cláudio Guerra 252 ao afirmar que a “comunidade de informações” tinha um amplo apoio
financeiro dos grandes empresários brasileiros253. Por último, gostaria de ressaltar que a face
repressiva estatal não se restringia a “repressão pura e simples” através de prisões, tortura
institucional, desaparecimentos e cassações políticas, mas também incluía medidas como: a
proibição da realização de greves e política de arrocho salarial que da mesma forma
evidenciava um instrumento de violência e que beneficiava o grande capital.

Há também outra perspectiva, de entender o sentido da repressão, diferente desta


apresentada, que associa a contenção política com o conflito entre as correntes militares.
Nessa linha teórica, Carlos Fico afirma que:

‘Como se vê, essas promessas de liberalização ,não passavam de simples


institucionalização dos desmandos, mas ainda assim eram vistas pelos militares mais
exaltados, como iniciativas açodadas que implicavam risco de perda de controle ante
a subversão,o comunismo internacional ou o terrorismo.Por isso, eles fizeram tudo
para retardá-las e, desse modo, á historia da implantação e decadência do sistema de
segurança e informações corresponde uma outra, qual seja, a historia da perda e
reconquista do controle do poder pelos militares moderados.’ 254

Esse autor argumenta que as pressões dos oficiais encarregados pelos inquéritos
policiais militares (IPMS) durante o governo Castelo Branco (1964-1967), que almejavam um
maior rigor nas punições255,foram fundamentais na estruturação do aparato repressivo.Fico
cita, o pedido do general Estevão Taurino de Resende Neto – que fora nomeado pela Portaria
n° 1 do “Comando Supremo da Revolução “ como encarregado pelos IPM’s- para prorrogar o

250 Idem.
251
COMPARATO, Fábio Konder. Compreensão histórica do regime empresarial-militar brasileiro. Disponível
em: http://www.brasildefato.com.br/node/27692.Acessado em 27/06/2014
252
Cláudio Guerra é um ex- delegado do DOPS e ex- agente do aparato policial.
253
GUERRA, Claudio. Memórias de uma guerra suja. Topbooks.Rio de Janeiro,2012.p.94
254
FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da Ditadura militar: espionagem e policia politica. Rio de
Janeiro: Record,2001.p.19.Ver também:JOFFILY,Mariana.No centro de engrenagem:os interrogatórios na
Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo(1969-1975).Tese (Doutorado em história)- Programa de Pós
Graduação em História Social da Universidade de São Paulo,2008.
255
Ibidem. p.37
50
prazo das cassações dos mandatos e das suspensões de direitos políticos256.Dessa forma, esse
historiador afirma que os militares partidários da linha dura, que pressionaram o governo
Castelo Branco, foram os futuros agentes dos órgãos de segurança e informação 257 .Em
seguida, esse autor critica a concepção historiográfica que atribui o Ato Institucional nº 5
como uma reação dos militares a opção da esquerda pela luta armada e também discorda da
ideia de que a escolha pela luta armada foi em função da institucionalização do AI- nº 5 258.
Um dos argumentos desse autor para refutar esse paradoxo, é que com base na sua perspectiva
teórica sobre a coerção política, o AI-5 foi fruto do processo de maturação da linha dura e os
episódios que ocorreram em 1968 foram usados como argumento para a necessidade de um
sistema de segurança mais rigoroso259.

Essa hipótese de Carlos Fico é importante, mas se demonstra limitada devido a


diversidade das correntes militares 260 . Nessa perspectiva, João Roberto Martins Filho 261
critica a tese dualista, ou seja, aquela ideia em que se baseia na disputa de poder entre os
castelistas e a linha dura 262 . Esse autor argumenta que devido a pluralidade das posições
militares e também através de uma complexa relação de fatores da desunião, limita essa
analise em termos duais263. Além do mais, João Roberto Martins Filho salienta a existência de
pelo menos quatro grupos264 diferentes no interior das Forças Armadas 265 e aponta que os
castelistas não saíram da cena política, após a eleição do presidente Costa e Silva (1967-
1969), devido a manutenção de seus membros em alguns setores estratégicos como, por
exemplo, no Ministério do Exército, ocupado pelo general Aurélio de Lyra Tavares e também
o general Orlando Geisel ,que era Chefe do Estado Maior do Exercito e depois ocupou a
chefia do Estado Maior das Forças Armadas266.O segundo argumento consiste em negar a tese
de que a linha dura era representada pela figura do presidente Costa e Silva.João Roberto
Martins Filho afirma que os duros eram representados por um núcleo de oficiais que se

256
Ibidem. p.43
257
Ibidem. p.55
258
Ibidem. p.57
259
Ibidem. p.64
260
É importante ressaltar que o próprio autor reconhece a amplitude das correntes militares, mas insiste em
analisar a questão da violência política com base na visão dualista que indica o conflito entre os castelistas contra
a linha dura.
261
MARTINS FILHO, J. R.. O palácio e a caserna - A dinâmica militar das crises políticas na ditadura. 1. ed.
São Carlos, SP: Edufscar, 1995.p.112
262
Idem.
263
Ibidem. p.114
264
Essas correntes militares citados pelo autor são: os castelistas; os duros; albuquerquistas e o grupo palaciano.
265
Ibidem. p.115
266
Ibidem. p.116
51
agrupavam em torno dos coronéis Boaventura e Ruy Castro e que este segmento teve
problemas em se relacionar com a alta hierarquia militar e até mesmo com o governo Costa e
Silva , ou seja, fica evidente que estes setores estavam afastados do poder e de qualquer
influencia sobre o mesmo267.Essa afirmação é fundamental, pois demonstra que a linha dura
estava marginalizada e portanto sem qualquer força política para influenciar a estruturação do
aparato repressivo estatal no final da década de 60.

Em relação a violência política é importante salientar a relação entre a atuação dos


militares brasileiros na repressão com a influencia vinda do exterior .Nesse tema João Roberto
Martins Filho268 alerta que os primeiros trabalhos acadêmicos, nos anos 80, atribuíram essa
relação a presença dos norte americanos nos círculos escolares castrenses brasileiros, ou seja,
os militares brasileiros aprenderam a combater os subversivos com os militares dos Estados
Unidos 269 . Apenas mais tarde, pesquisadores mencionaram a conexão entre Brasil e a
França270. Em relação a influência francesa, com o que estamos inclinados a concordar, é
importante destacar a “experiência “dos militares franceses, devido a sua participação na
guerra de independência do Vietnã (1954) e posteriormente no conflito contra a Frente de
Libertação Nacional na Argélia.Com base nesses confrontos, os militares franceses
elaboraram um corpo de ideias com o objetivo de estudar e combater o inimigo.Essa doutrina
foi chamada de “guerre révolutionnaire” 271 .Esse corpo de teorias teve logo impacto no
Brasil, pois há indícios de que o “Mensário de Cultura Militar”,publicado pelo Estado Maior
do Exército em 1960, disponibilizava traduções para o português de textos escritos por um
grupo de coronéis franceses em serviço na Argélia 272 .Outro exemplo significativo foi o
impacto “positivo”das obras francesas nos meios militares brasileiros como as de Gabriel
Bonnet, com o livro Les guerres insurrectionneles et révolutionnaires de l’Antiquité à nous
jours273.Essa doutrina,segundo esses teóricos,274 indicava uma nova forma de conflito que :

“.....produziu uma fórmula simples: “guerra partisan + guerra psicológica = guerra


revolucionária”. Esse tipo de guerra seria a forma encontrada pelo comunismo de

267
Ibidem. p.116-117-118
268
MARTINS FILHO, J. R.. A conexão francesa: da Argélia ao Araguaia. Varia História (UFMG. Impresso), v.
28, p. 519-536, 2012.
269
Ibidem. p.521
270
Idem.
271
Ibidem. p.520
272
Idem.
273
Ibidem. p.525
274
BONNET, Gabriel. Guerras insurrecionais e revolucionárias. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora,
1963.PARET, Peter. French revolutionary warfare from Indochina to Argelia: the analysis of a political and
military doctrine. London: Pall Mall Press, 1964: Citado in: MARTINS FILHO, J. R.. A conexão francesa: da
Argélia ao Araguaia. Varia História (UFMG. Impresso), v. 28, p. 519-536, 2012.
52
inspiração marxista para vencer a civilização ocidental cristã, por meio da
doutrinação das populações dos países onde atua e com o emprego da guerra de
guerrilhas’275

Portanto em função da repercussão positiva acerca da adoção da doutrina de guerra


revolucionária francesa pelos militares brasileiros, no final da década de 50 essas ideias já
circulavam no âmbito da Escola Superior de Guerra (ESG) e posteriormente, durante a
ditadura, com o desencadeamento da luta armada fez com que o Estado se reestruturasse para
combater esses setores276. João Roberto Martins Filho indica que durante essa mudança do
aparato repressivo, ocorreu a institucionalização do DOI CODI devido a influencia da
doutrina de guerra revolucionária277 e, além disso, esse autor sustenta que a repressão contra a
guerrilha rural esteve também relacionada com a doutrina contrarevolucionária importada da
França278. Outro indício importante dessa íntima relação entre Brasil e França é a presença do
general francês Paul Aussaresses no Brasil, atuante no conflito contra a Frente de Libertação
Nacional na Argélia, primeiramente como instrutor dos cursos de interrogatório e informação
a oficiais de vários países da América do Sul no Centro de Instrução de Guerra na Selva, em
Manaus nos anos 60 e depois como adido militar no país entre 1973 e 1975279.

2.2 Historiografia

Acerca da historiografia que trata precisamente sobre o tema da coerção no período de


mudança de regime político não há nenhum estudo formal, apenas alguns autores que
analisam casos específicos280. Antes de realizar uma análise sobre os órgãos de informação e
de repressão no período de transição política, é importante explicar os motivos que levaram os
conflitos militares no período, pois a maioria dos trabalhos acadêmicos relacionam a violência
política com as questões castrenses.

Alfred Stepan explica que os militares eram portadores de inúmeros componentes que
poderiam se articular em diversas configurações. Entre esses componentes, havia “os militares
enquanto governo” em referencia aos setores castrenses que dirigiam o Estado, composto pelo

275
MARTINS FILHO, J. R.. A conexão francesa: da Argélia ao Araguaia. Varia História (UFMG. Impresso), v.
28p. 525-526.
276
Ibidem. p.531-532
277
Ibidem. p.533
278
Ibidem. p.534
279
Entrevista do general Paul Aussaresse. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/
fc0405200809.htm. Acessado em 20 de julho de 2014
280
Ver: SÓTENOS, Abner Francisco. O Movimento Amigos de Bairro (MAB) no Rio de Janeiro: seu
surgimento, desenvolvimento e a visão da comunidade de informações no período de distensão política (1974-
1982).Dissertação (Mestrado em história). Universidade Federal do Rio de Janeiro,2013.
53
general presidente e seus principais assessores civis 281 . Outro componente ressaltado por
Stepan é “a comunidade de segurança” em referencia aos elementos do regime, diretamente
envolvidos no planejamento e na execução da repressão, na coleta de informações, na
interrogação e na tortura 282 . O terceiro e último componente são “os militares como
instituição” que inclui o grosso da corporação militar, que administra os ciclos de treinamento
de rotina, que gerencia a complexa rede do sistema militar de ensino, que dá conta do seu dia
a dia da burocracia militar283. Portanto, no período aqui abordado é fundamental frisar que o
conflito militar era entre os “militares enquanto governo” e a “comunidade de informações”.
O motivo dessa divergência foi a própria transição política, pois de certa forma, essa nova
conjuntura, passou a prejudicar os agentes dos órgãos de repressão. Assim Aloysio de
Carvalho pontua que:

“A proposta de liberalização acionou reações até porque significava a perspectiva de


deslocamento de grupos encastelados no aparelho de Estado que, inevitavelmente,
perderiam posições de poder conquistadas após a radicalização das ações repressivas
empreendidas após1968. Considerando também que houve um envolvimento direto
dos militares nas tarefas repressivas, foi equivalente o medo de que após a retirada
das Forças Armadas do poder tais responsabilidades pudessem ser apuradas
judicialmente. Assim, o receio de um revanchismo constituiu-se em um forte
argumento para os grupos de sustentação do regime que desejavam a reversão da
transição”284

O segundo aspecto também ressaltado pela historiografia e associado ao primeiro, se


refere à autonomia institucional dos órgãos de repressão os quais se articularam para
desestabilizar o governo. Nesse sentido Alfred Stepan afirma que:

“O próprio aparelho repressivo tinha adquirido um significativo grau de autonomia e


estava lutando tanto contra a abertura como contra os combatentes armados de
esquerda. Uma das razões complexas para o crescimento paradoxal da força do SNI
durante a abertura foi que muitos dos esforços de sabotagem da abertura tinham
vinculações com os linha dura que tinham lutado no DOI e que estavam, portanto
operacionalmente articulados não com o SNI ou com os soldados profissionais no
Estado Maior mas com o DOI e o CIE”.285

Também podemos apontar alguns depoimentos de oficiais generais que indicam esse
conflito durante o período de transição. O general Gustavo Moraes Rego 286 aponta que os
motivos contrários ao processo de abertura transcendiam as questões políticas, mas também

281
STEPAN, Alfred. Os militares: Da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.p.41
282
Idem.
283
Ibidem. p.42
284
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. Geisel, Figueiredo e a liberalização do regime autoritário
(1974-1980). Dados (Rio de Janeiro) Rio de Janeiro, v. 48, n.1, p. 115-146, 2005.p.132
285
STEPAN, Alfred. Os militares: Da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.p.39
286
Foi Chefe do Gabinete Militar durante 1978-1979.
54
poderia considerar a perda de interesses e vantagens, com o fim do regime ditatorial287. Um
depoimento importante é do general Octávio Costa288 o qual diminuiu a atuação do Serviço
Nacional de Informações (SNI) no boicote ao processo de transição e atribuiu a autoria dos
atentados aos órgãos de informações das Forças Armadas (CIEX; CENIMAR; CISA) 289. Não
somente a atuação dos agentes de informações, explica a conjuntura que envolvia os conflitos
militares, pois este fenômeno se tornou tão evidente que as duas principais crises castrenses
ocorridas durante o governo Geisel, estavam associadas a este problema. Essas
disfuncionalidades se expressaram na demissão do comandante do II Exército, o general
Ednardo D’Avilla, após a morte de prisioneiros políticos no DOI CODI do II Exército e a
exoneração do Ministro do Exército, Sylvio Frota, sob o argumento de que este militar se
organizara politicamente para a sucessão presidencial antes do prazo estabelecido pelo
presidente Ernesto Geisel. Podemos dizer que o primeiro método para boicotar o processo de
abertura foi o assassinato de presos políticos na sede do DOI CODI em SP 290 . Após a
demissão do general Ednardo, como já citado, os integrantes dos órgãos de segurança e
informação passaram a realizar atentados à bomba para desestabilizar o regime militar291.

Na questão dos atentados, apesar de ser organizado por membros do próprio aparato
repressivo estatal, não significou necessariamente uma política institucional do Estado, pois
não faria sentido os governos militares tentarem impedir o processo de mudança de regime
político, iniciado e controlado pelos mesmos. Portanto os atentados que aconteceram no
período compreendido entre 1976 -1981 292 se iniciaram logo após a demissão do general
Ednardo e se enceraram na tentativa frustrada do “quase” atentado no Riocentro 293 .
Recentemente, através do depoimento do ex-policial Cláudio Guerra tivemos novas
informações importantes sobre esses atentados. Esse depoente é importante pelo fato de ter
feito parte de um dos grupos que realizavam esses atentados. O ex- agente afirmou que o
objetivo era justamente atribuir a culpa à esquerda por esses atos e dessa forma impedir o

287
SOARES, G. A. D. (Org.) ; D'ARAUJO, Maria Celina Soares (Org.) ; CASTRO, Celso (Org.) . A volta aos
quartéis: a memória militar sobre a abertura. 1. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.p.60
288
Foi chefe da AERP durante o governo Médici.
289
SOARES, G. A. D. (Org.) ; D'ARAUJO, Maria Celina Soares (Org.) ; CASTRO, Celso (Org.) . A volta aos
quartéis: a memória militar sobre a abertura. 1. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.p.107
290
Esse assunto será mais explicado posteriormente.
291
Ver ARGOLO, José Amaral. A Direita Explosiva no Brasil. Rio de Janeiro.Mauad,1996.
292
GUIMARÃES, Carlos Eduardo. A Crise da Ditadura: a reação militar à abertura e o terrorismo de direita.
Dissertação apresentada a UFSCAR. 2000.p.84
293
Nessa tentativa frustrada de realizar um atentado, a bomba explodiu e matou o sargento Guilherme Pereira
Rosário que planejava plantar o explosivo no evento que comemorava o dia do trabalhador.
55
processo de transição294. Além disso, apontou a presença de civis e empresas295 que apoiavam
os atentados praticados pela extrema direita.296.

Por outro lado há trabalhos que indicam que a repressão política está relacionada aos
conflitos militares. Priscila Brandão afirma que ao anunciar o projeto de distensão, o
presidente Ernesto Geisel, fez com que retornassem os conflitos políticos entre os militares297.
A autora nesse sentido aponta que a comunidade de informações detinha um alto grau de
autonomia política e a mudança de regime político iria justamente diminuir o seu poder de
atuação298. Dessa forma, esses setores passaram a criar resistências ao projeto de distensão e
para alcançar o seu objetivo inventaram inimigos, ou seja, a esquerda para combater,
incluindo assim indivíduos e instituições299. Portanto para Priscila Brandão a coerção contra a
esquerda no período de transição não era uma política institucional do Estado e sim apenas
uma forma da “comunidade de informações” para boicotar a transição política.

Nessa mesma linha, Ronaldo Costa Couto aponta a oposição dos setores dos órgãos de
repressão e de informação ao governo e coloca entre esses motivos a questão do
revanchismo 300 . Esse autor sustenta a tese de que apesar da esquerda estar derrotada, os
agentes vinculados a comunidade de informação criaram inimigos para sustentar as suas
ações301. Ronaldo Costa Couto ainda complementa que os militares que estavam no poder
evitaram enfrentar as ações desses setores302. Nessa linha de raciocínio o autor entende que as
ações repressivas do Estado contra a esquerda, que incluíam prisões e o uso da tortura, foram
episódios isolados303. Portanto a sua análise se resume em entender que a esquerda não tinha
mais força política para atuar e era apenas “usada” pelos “militares enquanto governo “para
amenizar a oposição da “comunidade de informações e de segurança”.

Continuando nessa mesma linha teórica, Samantha Quadrat, afirma que no inicio dos
anos 70, havia militares que defendiam a permanência das Forças Armadas no poder por
quanto tempo fosse necessário, até que a “ameaça” do comunismo estivesse completamente
294
GUERRA, Claudio. Memórias de uma guerra suja. Topbooks.Rio de Janeiro,2012.p.119
295
Cláudio Guerra cita como um dos exemplos a Viação Itapemirim.
296
GUERRA, Claudio. Memórias de uma guerra suja. Topbooks.Rio de Janeiro,2012. p.121-149
297
BRANDÃO, Priscila. SNI e ABIN: Uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do
século XX. Rio de Janeiro. FGV, 2001.p.86
298
Idem.
299
Idem.
300
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010 .p.141
301
Ibidem. p.142
302
Idem.
303
Ibidem. p.166
56
afastada304. Para a autora os militares que atuavam na repressão promoveram uma série de
atentados terroristas visando desestabilizar a transição. Dessa forma, esses setores utilizaram
vários métodos para boicotar o processo de transição, e isso incluía desde a prisão de políticos
de oposição, o uso da violência física através da tortura e morte de diversos presos políticos e
de atentados contra a sociedade civil305. Uma variante nessa análise é de Elio Gaspari o qual
afirma que o inimigo em torno do Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi uma “invenção”,
assim concorda com a tese de Ronaldo Costa Couto, quando afirma que essa coerção tinha
como objetivo atenuar o conflito castrense306. Por fim Thomas Skidmore embasa a ideia de
que a repressão contra a esquerda foi uma maneira de satisfazer a “paranóia” do aparato
repressivo307.

Em síntese essa linha teórica tem três pontos fundamentais. O primeiro ponto é a
ausência de uma ação política da esquerda após a derrota da luta armada; a segunda
característica é de que os órgãos de coerção do Estado atuavam sem as diretrizes do Executivo
e todas as suas ações de repressão contra a esquerda e aos movimentos sociais visavam
boicotar o projeto distensionista e por último os “militares enquanto governo” permitiram essa
violência para amenizar o conflito militar, ou seja, os governos militares não tinham
capacidade de controlar e impedir essa autonomia e a atuação dessa oposição dentro do seio
das Forças Armadas. Discordo completamente desta perspectiva, pois esta se demonstra
limitada e insuficiente, devido a própria ação política da esquerda no período de abertura
política, além do mais argumento que os “militares enquanto governo” tinham instrumentos
suficientes para coibir essa oposição do seu próprio aparato repressivo e por fim essa
“autonomia militar”deve ser analisada com mais cautela.Nesse sentido nas próximas linhas
me preocupo em expor os meus argumentos contrários a proposta teórica apresentada.

2.3 A atuação da esquerda no período de distensão

No que diz respeito à atuação da esquerda no período de transição, nesse tópico me


concentro apenas nos partidos comunistas. Ao contrário do que afirma a literatura citada,
podemos afirmar a atuação política da esquerda através do Partido Comunista Brasileiro

304
QUADRAT, S. V. Os militares, a comunidade de informações e a abertura. In: LINHARES, Maria Yedda.
(Org.). História Geral do Brasil. 9ªed.Rio de Janeiro: Campus, 2000. p.380
305
Ibidem. p.381
306
GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.p. 405
307
SKIDMORE, Thomas E.Brasil:De Castelo a Tancredo,1964-1985.Rio de Janeiro.Paz e Terra:1988.p.341

57
(PCB), Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP), Partido Comunista do Brasil
(PC do B), além da atuação de setores autênticos dentro do Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) e o surgimento de novas organizações socialistas como a Convergência
Socialista (CS). Contudo, antes de demonstrar como essa esquerda atuava é preciso situar a
sua perspectiva após a derrota da luta armada no início dos anos 70.

Jacob Gorender afirma que a desagregação da luta armada provocou mudanças em


certas organizações de esquerda que começaram a passar por um processo, não muito claro de
“autocrítica”. Gorender afirma que a organização pioneira foi o Partido Comunista do Brasil –
Ala Vermelha, que em 1969, produziu um documento chamado “Autocrítica 1967-1974”
ressaltando o seu erro de ter feito a opção pela luta armada 308 . Além dessa organização,
Gorender cita a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR- Palmares) que passou
por esse processo não apenas em função da derrota, mas em virtude do seu isolamento frente
às massas. Nessa perspectiva Gorender indica uma inflexão, pois as organizações de esquerda
passaram a se concentrar na construção de tarefas políticas, através de campanhas denunciado
a tortura e a farsa eleitoral em 1970309. Maria Paula Araújo resume bem essa mudança na
esquerda brasileira no decorrer dos anos 70:

“os primeiros anos daquela década atestaram o isolamento, o desgaste e a derrota


das experiências de luta armada- no Brasil e no mundo. Em contrapartida,
praticamente em nenhum lugar houve, por parte da esquerda, um processo formal de
avaliação e autocrítica dessa experiência. Justamente porque os grupos e
organizações que participaram do processo e que melhor poderiam avaliá-lo foram
em sua maioria, aniquilados ou inteiramente isolados’(...) depois do
desmantelamento das organizações armadas, os sobreviventes fizeram uma revisão
crítica da proposta de luta armada e optaram por uma reinserção na luta política
legal “310

Dessa forma, podemos entender que após a derrota da luta armada, a esquerda em sua
grande maioria, passou a rejeitar a violência como método político. Então a linha de atuação
de grupos, partidos e organizações passou por uma reformulação e buscou atuar dentro das
normas políticas “legais”. A partir desse momento a luta democrática passou a ser o principal
objetivo 311 . Podemos afirmar que houve uma transição de métodos políticos dentro da
esquerda, pois a “esquerda armada” dos anos 1960 deu lugar, a partir de meados da década de

308
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas: a esquerda brasileira, das ilusões perdidas à luta armada. São
Paulo: Ática, 1999.p.230
309
Ibidem..p.208
310
ARAUJO, M. P. N. A Utopia Fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2000.p.98
311
Idem.
58
70, para a “esquerda alternativa” 312. Essa “esquerda alternativa” tinha como principal tarefa
política aumentar os espaços de legalidade, romper a clandestinidade e garantir um espaço
público e aberto para a luta política313. Maria Paula Araújo situa nesse bloco de organizações
o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o
Movimento Revolucionário 8 de outubro(MR-8) e a Convergência Socialista(CS)314e afirma
que esses partidos tinham como propostas políticas:

“a denúncia do arbítrio e na campanha por direitos democráticos, tais como


liberdade de organização, expressão e manifestação,liberdade de imprensa, denúncia
das prisões ilegais, e principalmente, da tortura, campanha pela anistia ampla, geral
e irrestrita etc.Valorizava a participação eleitoral através de “candidaturas populares
“pelo MDB e ,mais tarde,levantou a bandeira da convocação de uma assembléia
nacional constituinte”315

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi uma instituição fundamental nessa


perspectiva através da sua posição na luta contra a ditadura. Transcrevo parte da sua
justificativa em relação às eleições de novembro de 1974. O partido alegou que o pleito
eleitoral era uma das poucas possibilidades legais das massas lutarem contra o regime
ditatorial e através do voto poderiam manifestar o seu protesto. Portanto para o “partidão” o
processo eleitoral era uma oportunidade para a classe operária e o povo ampliarem a sua luta
pela suas demandas como, o aumento do salário, a realização da reforma agrária radical e o
restabelecimento dos direitos democráticos ao eleger candidatos compromissados com a causa
democrática316. Outra organização importante a ser lembrada é o Partido Comunista do Brasil
(PC do B) que passou por um processo de mudança interna, após o aniquilamento da
Guerrilha do Araguaia. Esse partido passou a priorizar a luta pelo retorno das atividades
democráticas no país, com três pontos centrais: a assembléia constituinte livremente eleita,
abolição de todos os atos e leis da ditadura e anistia geral317. A estratégia do partido para
viabilizar a luta pelas suas demandas era eleger seus membros através do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) sob o argumento de que, esse instrumento poderia ser usado
para constituir uma crítica ao regime ditatorial e, portanto a ideia era concentrar o voto no
partido oposicionista318. Vale ressaltar que o MDB era um partido com amplas tendências,

312
Ibidem. p.99
313
Ibidem. p.116
314
Ibidem. p.125
315
Idem.
316
Voz Operária nº 11, 1, maio de 1974. In: CARONE, Edgar. O PCB, V.3 (1964/1982) - VOL 3. Editora
Bertrand Brasil: São Paulo, 1ª Edição. p.150
317
SALES, J. R. Entre a revolução e a institucionalização: a participação eleitoral do PC do B na história
recente do Brasil. Estudos Historicos (Rio de Janeiro), v. 21, p. 241-260, 2008.p.345
318
Idem.
59
pois no seu interior havia desde grupos conservadores, liberais até socialistas, estes oriundos
do PCB e do PC do B319. Então, esses setores à esquerda do MDB participaram das eleições, e
alguns foram eleitos em 1974 e este segmento foi chamado de “autênticos”, mas tinham uma
baixa representação com cerca de 25 a 40 membros que disputavam a hegemonia do MDB
com setores mais conservadores320.

Destaco também a atuação da Convergência Socialista (CS) fundada no final do


governo Geisel em 1978321. Alguns meses antes da sua fundação oficial, o jornal “Versus”
divulgou os objetivos políticos da organização. A Convergência Socialista defendia uma
proposta de socialismo democrático e a formação de uma corrente socialista dentro do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB). De acordo com essa proposição, a CS apoiou os
candidatos socialistas e operários lançados na legenda do MDB para as eleições parlamentares
daquele ano 322 . Nessa linha de atuação da CS, podemos afirmar que um dos objetivos,
apontado por Rodrigo Magalhães:
“era intervir no processo de abertura em curso, atuando como pólo aglutinador dos
setores de esquerdas. Para conseguir agrupar estes setores, a Convergência Socialista
deveria se constituir num movimento político legal, amplo, aberto, mas que, porém,
assumisse seu horizonte socialista. O objetivo final deste movimento era, a partir do
agrupamento destes setores, romper com o bipartidarismo, formando um partido
operário socialista na legalidade”323
Por fim, em relação a CS, além da questão eleitoral, pode-se destacar entre as suas
propostas e reivindicações o restabelecimento das liberdades democráticas, a convocação de
uma Assembléia Nacional Constituinte, a adoção de uma política externa independente e
antiimperialista, a defesa do nível de vida da classe trabalhadora, a criação de uma central
sindical de âmbito nacional, o combate a todos os tipos de discriminação e o apoio à luta de
todos os setores oprimidos324.

A última organização a ser citada é o Movimento pela Emancipação do Proletariado


(MEP) que tem nas suas origens um pequeno grupo de militantes da Fração da Política

319
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010. p.204.
320
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise – SP: Ed.Brasil debates 1982.p.59.
321
COUTO, André. Convergência Socialista. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-
Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. rev. e atualiz.. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2001.
322
Idem.
323
MAGALHAES, R. C. S. A Convergência Socialista na Transição Política Brasileira da Ditadura para a
Democracia: A Luta por um Partido Operário, Socialista e de Massas no Brasil (1977-1980). Monografia
apresentada a UFRJ. 2002.p.67.
324
COUTO, André. Convergência Socialista. In: ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-
Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. rev. e atualiz.. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2001.

60
Operária (PO) e do Partido Operário Comunista (POC), criado ainda em 1972.325Maria Paula
Araújo ressalta que essa organização tinha uma perspectiva crítica em relação a luta pelas
liberdades democráticas, mas defendiam a luta econômica como instrumento para organização
e conscientização dos trabalhadores brasileiros326.Além do mais reconhecia a importância de
alguns direitos democráticos,que seriam vitais para a organização e conscientização dos
trabalhadores brasileiros como as liberdades de organização,expressão e manifestação 327.Em
síntese a sua atuação contribuiu para fortalecer a resistência à ditadura dentro do movimento
das classes trabalhadoras, e também para o surgimento de um sindicalismo combativo e na
formação política de setores mais atuantes do movimento de massas. Mais tarde, com as
iniciativas para a formação de um partido legal e de massas, desempenhou um papel
importante, no plano ideológico e prático, em relação à construção do Partido dos
Trabalhadores (PT) 328.
Portanto, procurei demonstrar que ao contrário do que a literatura afirma sobre a
repressão no período de transição, os partidos de esquerda e socialista tinham um projeto de
luta política e a coerção estatal não era apenas uma invenção da “comunidade de
informações”. Portanto o Estado tinha como objetivo reprimir esses setores através de uma
política institucional, e assim podemos atestar que a violência contra a esquerda se
demonstrou como um mecanismo coercitivo no âmbito da contrarrevolução democrática
durante os governos de transição.

2.4 Medidas castrenses para conter a oposição militar

‘[E ainda que, não pretendia abrir mão dos] instrumentos excepcionais de que o
governo se acha armado para a manutenção da atmosfera de segurança e ordem.[Em
segundo lugar, reforçou a estratégia adotada frente à “linha dura” militar quando
afirmou que para evitar crimes contra os direitos humanos] os órgãos de segurança
continuarão atuantes, no combate perseverante, rigoroso, mas sem excessos
condenáveis, duro porém sem violências inúteis, pois lhes compete agir para a
salvaguarda das instituições e da ordem pública’329

325
BENONI, Nílson; COELHO, Franklin Dias. Movimento pela Emancipação do Proletariado. In: ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. rev. e atualiz.. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2001.
326
ARAUJO, M. P. N.A Utopia Fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2000.p.125
327
Idem.
328
BENONI, Nílson; COELHO, Franklin Dias. Movimento pela Emancipação do Proletariado. In: ABREU,
Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. rev. e atualiz.. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2001
329
Opinião 2/9/1974, p.03. In: MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da
Ditadura Militar à Nova República. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.114
61
Os trabalhos apresentados defendem que um dos motivos para a repressão política
contra a esquerda, foi a ausência do controle dos “militares enquanto governo” para coibir a
atuação dos setores ligados aos aparelhos de segurança do Estado. Dessa forma, a violência
contra a esquerda foi uma maneira de atenuar o conflito com a “comunidade de informações”.
Essa literatura também destaca que um dos aspectos da violência foi a autonomia dos órgãos
de segurança (DOI - CODI, SNI CENIMAR, CISA) que reprimiram a esquerda. Neste tópico,
me concentro em criticar tais concepções.

Argumento que era fundamental a importância do controle castrense sobre os setores


militares contrários ao processo de transição. É central destacar a capacidade do governo
Geisel em dirigir a arena da disputa política e mantê-la sob o seu controle por meio de
medidas repressivas. Nessa conjuntura, na questão militar, o auge dessa centralização foi a
demissão do Ministro do Exército, Sylvio Frota330. Portanto durante a fase de distensão a
característica central foi o controle e a autoridade do presidente Geisel sobre o conjunto das
Forças Armadas.331 Um dos instrumentos dos “militares enquanto governo” foi substituir os
comandantes militares que tentavam boicotar o processo de transição332 e, por conseguinte
colocar militares que concordavam com o projeto distensionista na direção das unidades
castrenses que tiveram seus antigos comandantes exonerados.333Nesse sentido exemplifico os
dois casos mais marcantes no período, a exoneração do comandante do II Exército, Ednardo
D’Avilla Melo e do Ministro do Exército Sylvio Frota.
No primeiro caso, podemos afirmar que um grupo militar que se situava no DOI CODI
do II Exército tentou boicotar o processo de distensão através do assassinato 334 de presos
políticos. Segundo o governador do estado de São Paulo, na época, Paulo Egydio Martins, o
general Ednardo tinha rancor tanto do general Ernesto Geisel quanto do General Golbery do
Couto e Silva335. Dessa forma, o objetivo com essas mortes era justamente desestabilizar o
governo ditatorial e impedir a mudança de regime político. Posso citar como exemplo o
fatídico caso do “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog que causou uma grande comoção

330
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado em história) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.108
331
Idem. p.110
332
OLIVEIRA, E. R.Conflitos militares e decisões políticas sob a presidência do general Ernesto Geisel (1974-
1979). In: Alain Rouquié. (Org.). Os partidos militares no Brasil. 1ed.Rio de Janeiro, RJ: Record., 1991.p.130
333
Ibidem. p.129
334
É importante reiterar que oficialmente esses presos políticos tinham se suicidado.
335
MARTINS, Paulo Egydio. Paulo Egydio: depoimento ao CPDOC/ FGV / Organização Verena Alberti, Ignez
Cordeiro de Farias, Dora Rocha. São Paulo: Imp. Oficial do Estado de São Paulo, 2007.p.458
62
pública com a sua morte336. Assim, devemos perceber que esse tipo de morte “forjada” não
era benéfico para os ”militares enquanto governo”, sendo que o próprio general Geisel tinha
proibido os DOI CODI de prenderem suspeitos sem a aprovação de uma autoridade
superior 337 . Acrescento a entrevista de um prisioneiro político 338 que estava dentro das
dependências do DOI CODI do II Exército, o qual afirmou que essas ações eram planejadas,
pois logo após a morte dos prisioneiros políticos, o restante dos presos era transferido para o
DOPS-SP, pois já se esperava uma reação do governo federal 339. Contudo, o fato decisivo
ocorreu em janeiro de 1976, quando o operário Manoel Fiel Filho,foi encontrado morto no
DOI CODI paulista também sob a justificativa de suicídio340. Esse fato significou que havia
um problema de hierarquia militar naquela organização, e como consequencia o presidente
Ernesto Geisel demonstrou a sua centralização perante as Forças Armadas ao retirar do
comando do II Exército, o general Ednardo, sem consultar o Alto Comando do Exército 341 e
colocou no seu lugar um militar mais afinado com as suas diretrizes políticas, o general
Dilermando Monteiro342. Além do general Ednardo, o coronel José de Barro Paes, da 2ª Seção
do Estado-Maior do II Exército, também foi transferido, pois há indícios de que ele era
vinculado ao general Ednardo 343 . Portanto devemos considerar que a exoneração desse
general foi um ponto chave, pois era uma forma de desarticular os segmentos militares
contrários a transição, nesse sentido Ronaldo Costa Couto entende que:
“é talvez o episodio mais marcante da abertura politica no governo Geisel.O
presidente impôs sua autoridade,controle e diretrizes ao aparelho repressivo,
fortaleceu sua liderança e enfraqueceu politica e militarmente a linha dura.(..) o
governo efetivamente a enquadrar a repressão extremada, radical.Ficou claramente
demarcado e decretado o fim do descaso do aparelho repressivo em relação a
autoridade do governo E , não menos importante, tornou inquestionável a
desaprovação e intolerância presidencial a tortura de prisioneiros políticos e outras

336
Herzog se apresentou a sede do DOI CODI paulista e apareceu ‘morto’ na sua cela em 26 de outubro de 1975,
tendo sido a sua morte caracterizada como suicídio pelas autoridades militares. No culto ecumênico
compareceram em torno de 8 mil pessoas.No ano de 2012 a Justiça do Estado de São Paulo mudou a sua causa
da morte para “lesões e maus tratos”.
337
GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.p.204
338
O prisioneiro é Gildasio Cozenza vinculado ao PC do B.
339
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.185
340
Ibidem. p.220
341
Ao retirar o General Ednardo D’Avilla Melo, o presidente Geisel teria que ter consultado formalmente ao
Alto Comando do Exército em função da mudança de um comando de alta patente.
342
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise – SP:Ed.Brasil debates 1982.p.49
343
Quero destacar que esse mesmo coronel já foi citado pelo General Gustavo Moraes Rego Reis e pelo ex-
presidente Ernesto Geisel como um dos articuladores do atentado do Riocentro em 1981 e que coincidentemente
ocupava a Chefia da 2ª Seção do Estado Maior do I Exército. Portanto através desse exemplo, podemos entender
que havia grupos desarticulados entre si, mas que estavam envolvidos no boicote ao projeto distensionista, seja
pelo assassinato de presos políticos ou por atentados a bomba. Ver COUTO, Ronaldo Costa.História Indiscreta
da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de Janeiro: Record,2010 .p-285-286.
63
praticas abusivas dos órgãos de repressão.Deu prova concreta de não compactuar
com elas e de que não ia ser complacente com os transgressores”344

Contudo queria destacar345 de antemão que a preocupação do governo Geisel, através


da mudança desse comando militar, era com a disciplina militar e não com a violência
política346. Argumento que em nenhum momento contestaram-se as prisões dos elementos
“subversivos”, mas sim os “excessos”, devido às circunstâncias das mortes desses presos
políticos, que vieram a se tornar público. Nessa ideia, afirmo mais uma vez, que a violência
política nesse período era uma política de Estado. Sendo assim, o Alto Comando das Forças
Armadas ratificou e apoiou o presidente Geisel com as seguintes definições: ”dar apoio
integral ao presidente; manter o Exército unido e coeso; manter as medidas para a segurança
interna, sem, contudo, aceitar a prática de abusos ou violências” 347.
O segundo episódio que demonstrou a centralidade e controle do presidente Geisel em
relação às Forças Armadas foi à demissão do general Frota em outubro de 1977. O Ministro
do Exército almejava ser o próximo Presidente da República e contava com o apoio de setores
das Forças Armadas que eram contrários ao projeto de distensão. Nesse sentido, o argumento
usado por Geisel para exonerar o Ministro do Exército foi o fato de Frota ter tratado sobre a
sucessão presidencial antes do prazo estipulado por ele. Contudo, podemos refletir que a
destituição de Frota ia além de uma desobediência militar, mas sim porque este representava
uma facção castrense que não estava de acordo com o retorno dos militares a caserna. Nesse
caso, o relato do general Hugo de Abreu348 é muito importante, pois através dele podemos
perceber justamente esse conflito entre “os militares enquanto governo” e o Ministro do
Exército apoiado pela “comunidade de informações”. Para esse general o grupo ligado ao
general Geisel promoveu uma campanha para desestabilizar o general Sylvio Frota dentro do
próprio governo, em função do próximo pleito presidencial. Vale lembrar que a eleição
presidencial foi um elemento que causou danos na hierarquia e na disciplina dentro das Forças
Armadas. Segundo Hugo Abreu:
“Cada episódio era alardeado pelo grupo palaciano como uma demonstração das
intenções de Frota de se impor como candidato à sucessão de Geisel e , mesmo , de
procurar minar a autoridade deste, de modo, a poder impor suas próprias normas ao
governo.(...) todos os excessos por acaso praticados por elementos dos órgãos de

344
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.193
345
Esse ponto será mais aprofundado mais adiante.
346
Destaco a frase do General Newton Cruz que afirma que o presidente Geisel demitiu o general Ednardo para
obter apoio da opinião público, pois a causa da morte como suicídio foi aceita. In: COUTO, Ronaldo Costa.
História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de Janeiro: Record,2010.p.193
347
ABREU, Hugo. O Outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.p.113
348
Ibidem. p.77-119
64
segurança e informações eram também debitados ao General Frota, o que criava
mais motivos de atrito entre o Presidente e o seu ministro”349

Essa afirmação do General Hugo Abreu é bastante útil para entendermos que os
conflitos militares continuaram e persistiram durante o período de transição. Contudo a
posição do general parece estar equivocada, pois ele tenta diminuir a candidatura do Ministro
do Exército, pois o próprio general Sylvio Frota tinha apoio de pelo menos 90 parlamentares
no Congresso350,e isto era fundamental pois após os partidos indicarem os seus candidatos, o
presidente era eleito pelo Colégio Eleitoral. Além disso, vale acrescentar que alguns
deputados351 fizeram discursos no Congresso apoiando uma futura candidatura do Ministro
Frota352. Em torno dessa conjuntura, para afastar uma futura projeção do General Frota pela
própria ARENA, o presidente demitiu o Ministro do Exército e nomeou o General Fernando
Bethlem no seu lugar353 . Portanto podemos afirmar que esse episódio foi importante para
demonstrar o controle dos “militares enquanto governo” em relação aos setores dissidentes
dentro das Forças Armadas e também para apontar que o Estado tinha instrumentos
suficientes para conter o ímpeto desses setores militares e assim fica claro que a repressão
contra esquerda não era uma maneira de atenuar os conflitos castrenses.

A autoridade do governo Geisel em relação as Forças Armadas não se restringia


apenas no conflito com os setores vinculados ao aparato repressivo.Reitero a centralidade do
presidente Geisel em relação ao Alto Comando das Forças Armadas .Para reforçar o seu
controle, o presidente Geisel modificou parcialmente as regras de seleção dos oficiais para o
Alto Comando, isto é , as regras de promoção e da permanência na ativa dos generais de
Exército( e de seus correspondentes nas outras armas).Estes oficiais passaram a ficar poucos
anos no posto mais elevado da hierarquia militar e depois eram automaticamente transferidos
para a reserva,após doze anos de generalato e /ou quatro anos no posto de oficial
general.Nesse sentido,o governo estabeleceu a renovação anual obrigatória de um quarto dos
generais de exercito e prevaleceu,ao mesmo tempo, o direito de modificar a ordem das listas
de promoção.Dessa forma o presidente garantiu uma ampla possibilidade de seleção, já que
poderia escolher os promovidos tendo por referencia a lista, mas sem respeitar a ordem dos

349
Ibidem. p.114
350
SKIDMORE, Thomas E.Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro. Paz e Terra: 1988.p.389
351
Refiro-me aos discursos dos deputados Siqueira Campos, Marcelo Linhares, Daso Coimbra e Sinval
Boaventura.
352
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.212-213
353
Para uma leitura mais completa e detalhista sobre esse evento ver COUTO, Ronaldo Costa. História
Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de Janeiro: Record,2010
65
nomes.Isso é um dado importante pois esse instrumento foi utilizado pelo presidente Geisel
para compor um Alto Comando que lhe fosse favorável. Este procedimento foi usado, por
exemplo, para promover ao último posto o sucessor escolhido por Geisel354, o general João
Batista Figueiredo355.

O terceiro ponto ressaltado pela literatura é o fato dos órgãos de repressão e de


informação atuarem de forma autônoma e que todas essas instituições, sem exceção,
constituíram um bloco contrário aos “militares enquanto governo” e, por conseguinte a
transição do regime ditatorial.

Inicialmente, podemos afirmar que a ideia de autonomia do aparato militar é limitada,


pois o presidente Geisel tinha amplo controle do alto escalão das Forças Armadas, através,
por exemplo, das nomeações de seus aliados nos ministérios da Marinha, Exército e da
Aeronáutica356, só que esse controle não garantia uma estabilidade e como já demonstrado
quando algum oficial general não correspondia a diretriz política era retirado do cargo. Dessa
forma, podemos compreender que as ações praticadas pela “comunidade de informações”,
como por exemplo, os atentados a bomba, não eram uma ação oficial dos órgãos de
informação e segurança, mas sim de indivíduos que eram contrários a mudança de regime
político. Podemos refletir e apontar que seria inconcebível o Serviço Nacional de Informações
(SNI), chefiado pelo general João Figueiredo, que era membro do grupo que estava no poder e
futuro Presidente da República, agindo de forma oficial promovendo atentados políticos. O
general Octávio Costa afirma que:

“Essas áreas tinham sua própria dinâmica, agiam por suas próprias inspirações.
Embora o Pires e o Medeiros apoiassem o Figueiredo havia dentro do CIE e do SNI
quem não aceitasse processo de abertura e botasse as bombas nas mãos dos
radicais.”357

Há vários indícios de que a oposição da “comunidade de informações” não era


homogênea. Um informe do Centro de Informações do Exército (CIE) critica o atentado ao
bispo de Nova Iguaçu, D.Adriano, pois considerava “altamente danosos à conjuntura de
Segurança Interna”. Além disso, qualifica esse atentado contra o bispo como ilegítimo e
violento e o enquadra como uma ação terrorista e que esse tipo de ação poderia gerar a reação

354
OLIVEIRA, E. R.Conflitos militares e decisões políticas sob a presidência do general Ernesto Geisel (1974-
1979). In: Alain Rouquié. (Org.). Os partidos militares no Brasil. 1ed.Rio de Janeiro, RJ: Record., 1991.p.136
355
Para ser eleito presidente, o general João Figueiredo precisava ser promovido a general de Exército.
356
Ibidem. p.281
357
CASTRO, Celso (Org.); SOARES, G. A. D. (Org.) ; D'ARAUJO, Maria Celina (Org.) . A volta aos quartéis:
a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.p.119-120.
66
de “extremistas358. Portanto, o próprio aparato repressivo reconhecia que esses atentados eram
praticados pela extrema direta, ou seja, pelos próprios agentes do aparato de segurança do
Estado359.
Em relação as ideias apontadas acima , podemos entender que o núcleo militar
contrário ao processo de transição foi sendo desarticulado através de próprias medidas
militares.Citei os exemplos mais notórios que demonstram essa divisão no meio
militar.Gostaria de ressaltar que a mudança de comandos militares não significou que o
Estado não iria mais reprimir os partidos comunistas, o movimento estudantil e o movimento
grevista no período,como será mostrado mais adiante.De acordo com esse ponto de vista,
David Maciel sobre a demissão do general Ednardo aponta que:
“O episódio serviu como uma espécie de “recado” de Geisel aos comandantes
militares e aos duros, numa conjuntura em que o governo parecia corroborar suas
iniciativas, dando respaldo político à ofensiva contra o PCB e as outras organizações
de esquerda em 1975. Esta aparente contradição se desfaz se levarmos em conta que,
para o projeto distensionista do governo, os chamados “elementos subversivos”
devem ser punidos duramente, sem, no entanto, ferir os procedimentos previstos por
lei. Ou seja, o combate à subversão deve dispor dos métodos legais já garantidos
pela institucionalidade autoritária, que o governo insistia em defender, mas não
extrapolar para métodos que feriam a própria legalidade, como as prisões arbitrárias,
as mortes e os “desaparecimentos”.(..) Além disso, a intervenção presidencial na
questão da repressão ocorre no sentido de reforçar seu comando hierárquico e
político, procurando anular a autonomia de setores militares neste campo. Portanto,
faz parte da estratégia de reforço do cesarismo militar, através do reforço da
autoridade presidencial sobre as Forças Armadas.”360

Por fim, podemos discordar de alguns trabalhos que afirmam que após essas mudanças
castrenses não haveria mais repressão política contra a esquerda361. Destaco uma entrevista do
general Dilermando Monteiro, logo após a sua designação para o cargo, afirmando que a
repressão continuaria, pois “a subversão é caracterizada pela expansão do comunismo
internacional que não se infiltra apenas nos meios operários e estudantis, mas também nas
Forças Armadas” 362
. Portanto ao contrário do que afirma parte da literatura existente;
primeiro a “invenção” de um inimigo representado pela esquerda se demonstra falha pelo fato
da própria esquerda atuar politicamente; o regime ditatorial tinha instrumentos e controle
suficiente para monitorar o seu aparato repressivo e sendo assim a violência contra a oposição
não pode ser considerada como uma maneira de atenuar o conflito entre os militares; e por
último as ideias de que, todas as ações da “comunidade de informações” visavam impedir a
358
BAFFA, Ayrton. Nos porões do SNI. O retrato do monstro de cabeça oca. Editora Objetiva. Rio de Janeiro,
1989.p.145-147.
359
GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004 p.80
360
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.168-169.
361
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.207
362
O Estado de São Paulo 24/01/1976.
67
transição se demonstra limitada e muito menos podemos colocar no mesmo lado as prisões de
setores do PCB, do movimento estudantil e do movimento operário com os atentados
praticados pela extrema direita.
Por outro lado há uma perspectiva diferente, dessa apresentada, que indica um
propósito do Estado para reprimir a esquerda e os movimentos sociais. Contudo essa literatura
apresentada a seguir não condiz com a análise e perspectiva teórica apresentada neste
trabalho. Destaco nessa linha teórica dois trabalhos recentes que estudam a vigilância sobre a
campanha pela anistia.
O primeiro trabalho é de autoria de Pedro Fagundes 363 , cujo objeto é analisar um
informe do CISA sobre a campanha pela anistia em 1979. A sua hipótese é de que o
movimento a favor da anistia geral e irrestrita estava sendo vigiado, pois estava rompendo
com a lógica institucional 364 . Já o segundo trabalho de autoria de Pâmela de Almeida
Rezende 365 analisa a vigilância perante os movimentos pró anistia sob a “lógica da
suspeição”, ou seja, esses movimentos eram vistos pela comunidade de informações, como
sinônimo de articulação e disseminação de ideias “subversivas” 366. A autora argumenta que a
vigilância policial ocorreu em função dessas demandas serem antagônicas à perspectiva do
regime ditatorial367.
Apesar, das análises demonstradas acima, apontarem que havia coerção institucional
contra os movimentos contrários as propostas do projeto distensionista, pretendo indicar as
suas restrições. Nesse sentido argumento que esses trabalhos são limitados, pois atribuem essa
repressão política apenas ao objetivo de restringir a liberdade dos indivíduos que
apresentavam propostas políticas opostas daquelas almejadas pelos setores dominantes. Dessa
forma, para esses autores, a repressão estatal era apenas um elemento da concepção dos
“regimes autoritários” que sobrevaloriza a natureza antidemocrática do regime 368. Portanto
esse tipo de análise não leva em consideração as características do Estado a partir de 1974 e

363
FAGUNDES, Pedro Ernesto. As mobilizações pela anistia ampla, geral e irrestrita na visão da repressão
política. Acervo, v. 27, p. 268-279, 2014.
364
Ibidem. p.269-271
365
RESENDE, Pâmela De Almeida. En todas las dictaduras siempre hay espacios de resistencia frente a la
opresión-. A atuação dos movimentos pela anistia e o controle e vigilância do regime civil-militar (1975-1983).
Tempo e Argumento, v. 5, p. 207-233, 2013.
366
Ibidem. p.212
367
Ibidem. p.213
368
LEMOS, Renato.“ Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.p.12

68
nem o seu caráter classista, que tem como ponto central a manutenção das classes dominantes
no futuro regime democrático.
Nas linhas abaixo demonstrarei a historiografia que está de acordo com a nossa
perspectiva de análise, pelo fato de atribuir um sentido político à violência estatal contra a
oposição extra-sistêmica. Nesse ponto de vista destaco inicialmente a perspectiva de Aloysio
de Carvalho que separa as ações do Estado contra a esquerda e os atentados praticados pela
extrema direita e afirma que “a estratégia de Geisel da contenção dos bolsões radicais como
eram chamados pelos dirigentes militares, não se propunha a anular o desempenho das
funções repressivas do Estado” (CARVALHO, 2005, 132). Nessa linha de raciocínio o autor
chama a atenção sobre essa delimitação, pois:
“Poderíamos supor que as prisões, torturas e mortes de dirigentes do PCB ocorridas
entre 1973 e 1976, partido ao qual os dirigentes militares atribuíam influência na
vitória do MDB nas eleições em novembro de 1974, fizeram parte de uma longa e
planejada ação, contando com anuência da cúpula do poder. Nessa linha de
interpretação se coloca também a ação repressiva que culminou no Massacre da
Lapa, com mortes de dirigentes do PC do B em dezembro de 1976, quando o II
Exército estava sob o comando do general Dilermando Gomes Monteiro,
considerado moderado e íntimo colaborador de Geisel’O mesmo raciocínio não
poderia ser aplicado às mortes do jornalista Vladimir Herzog em outubro de 1975 e
do metalúrgico sindicalista Manoel Fiel Filho em janeiro de 1976, compreendidas
mais como provocações do aparato repressivo, ficando a responsabilidade restrita
aos oficiais do II Exército, sob o comando do general Ednardo d'Ávila”369

Na mesma linha teórica, Marcos Aurélio Vannuchi nega que com o advento da
abertura política, o governo Geisel iria abrir mão da repressão. Esse autor argumenta que a
violência era fundamental contra as oposições para assim concretizar o projeto de mudança de
regime político 370 . Vannuchi aponta que a coerção política tinha como característica a
seletividade, sob a alegação de que certos setores da oposição moderada deveriam se integrar
ao campo governista, por conseguinte alargando a base de apoio ao governo371 e por outro
lado os setores de oposição mais a esquerda, continuariam sendo atingidos pelo aparato
repressivo do Estado, como por exemplo: os setores autênticos do MDB, trabalhadores
urbanos e rurais e remanescentes dos partidos comunistas372.
Por fim esse trabalho segue de forma semelhante a esta perspectiva teórica sobre o
sentido da violência política, pois adoto a hipótese de que a coerção estava associada com as
características do Estado pautadas a partir de 1974 as quais pretendo demonstrar a seguir.

369
CARVALHO, Aloysio Henrique Castelo de. Geisel, Figueiredo e a liberalização do regime autoritário
(1974-1980). Dados (Rio de Janeiro) Rio de Janeiro, v. 48, n.1, p. 115-146, 2005.p.133
370
MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de. Contra os inimigos da ordem: a repressão politica da ditadura
militar (1964-1985). Rio de Janeiro, 2003.p.64
371
Idem.
372
Ibidem. p.66
69
2.5 Características do Estado pós 1974
“Quando assumi a presidência, estabeleci que meu propósito era alcançar a
normalização da situação no país,mas que essa operação tinha que ser feita com
segurança.Não se podia liberar o país e daí a pouco ter que voltar atrás.Era uma
operação gradativa,lenta.Esse era mais ou menos o conceito, que se tinha dentro das
Forças Armadas.Não se poderia, de repente, estabelecer a liberalização de todos os
problemas,porque as forças subversivas continuavam.Em menor ritmo, em menor
escala, mas continuavam.Conspiração daqui, conspiração dali, movimento aqui, um
roubo de banco ou acolá, um assassinato etc”373

Nesse tópico pretendo demonstrar as principais características do Estado pós 1974 e


em seguida associá-las com a coerção política contra a esquerda no período de distensão. É
importante lembrar que esses elementos que serão citados estão relacionados com a natureza
da contrarrevolução democrática374 que tinha como meta a dominação de classes na forma de
um regime democrático restrito 375 , através da manutenção das classes dominantes que
estavam no poder. Nesse sentido por um lado era necessário ampliar a base governista do
regime militar com a cooptação da oposição moderada e simultaneamente reprimir tanto a
oposição representada pela extrema-direita militar quanto os setores socialistas e de esquerda
críticos ao projeto de distensão376. A seguir destaco as seguintes características: o controle do
processo pelos governos de transição, a negociação com a oposição moderada e a valorização
do sistema eleitoral.
2.5.1 Controle
Um dos elementos centrais no período de transição foi o controle do processo pelos
setores dirigentes. Para explicar essa característica podemos utilizar a metáfora da “flor e do
chicote” 377, ou seja, o presidente Ernesto Geisel governou de forma centralizadora, por meio
de instrumentos como o AI-5, mas gradualmente concedia algumas liberdades democráticas,
como por exemplo, o fim parcial da censura. Mesmo concedendo algumas liberdades
democráticas, estas se demonstraram restritas. No caso da censura, foi uma medida limitada,

373
CASTRO, Celso (Org.) ; D'ARAUJO, Maria Celina (Org.) . Ernesto Geisel. 5a.. ed. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 1997.p.259-260
374
LEMOS, Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010
375
Ibidem. p.17
376
LEMOS, Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.p. ?
377
COUTO, Ronaldo Costa.História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010 .p.135.
70
pois permaneceu o controle sob a imprensa alternativa 378. E em relação a essa limitação há
uma frase de Golbery do Couto e Silva, datada no início do Governo Geisel (1974-1979),
sobre o fim da censura, que traduz muito bem o sentido dessa liberalização restrita, segundo o
general: “O Estado de S. Paulo não libertaria as forças incontroláveis do liberalismo (..) Sairá
o jornal conservador que ele é. Mais conservador que eu”.379Concordo com a ideia de que a
distensão política se caracterizava pelo abrandamento dos mecanismos de controle
político,mas não pela ampliação das condições de disputa do poder de Estado 380, ou seja,
permanecia a demarcação do espaço político.Nessa ideia, Adriano Codato chama a atenção
para a institucionalização um modelo político mais liberal através da restauração de algumas
liberdades mínimas381.
Podemos nos questionar sobre o que justifica esse controle por parte do Estado.
Afirmamos que inicialmente a manutenção do projeto de distensão era fundamental, pois
como já dito nesse trabalho, havia a dupla oposição, representada pela extrema direita militar
e por setores vinculados a esquerda e aos movimentos sociais382. O próprio presidente Geisel
confirmou essa perspectiva, pois declarou que: “eu tinha que lutar em duas frentes: contra os
comunistas e contra os que combatiam os comunistas. Essa é que é a verdade “ 383 .
Considerando o caráter limitado da transição do regime ditatorial, segundo o texto do general
Golbery do Couto e Silva, indica como os setores de oposição devem se comportar para a
“convivência” em um regime democrático:
“Na verdade,todos nós, precisamos reeducar-nos para a convivência
democrática.Assim,por exemplo ,poder-se-ia ;na frente militar ,pôr desde logo um
paradeiro a pronunciamentos inconvenientes que possam ser interpretados como
sinal de fraqueza do governo ou divisionismo nas Forças Armadas;depois na frente
sindical, liquidar-se um vigoroso movimento grevista que, preferindo a opção
revolucionária da confrontação à opção democrática da negociação, extravase para a
contestação de caráter político, desmoralizando-lhes as principais lideranças e
também os chefes de entidades auxiliares que saindo de seu campo de ação legítimo
e legal,indevidamente se intrometam no episódio;mais tarde na frente
estudantil,desconhecer entidades não legalmente representativas ,alianças estranhas
de mestres e alunos e quaisquer pressões contestatórias em relação a medidas
anunciadas pelas autoridades competentes,levando tranquilamente a seu termo;a
seguir na frente parlamentar,coibir manifestações agressivas e impróprias ,apelando

378
Ibidem. p.167
379
GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.p.21-22
380
OLIVEIRA, E. R.. De Geisel a Collor: Forças Armadas, transição e democracia. 1. ed. Campinas: Editora
Papirus, 1994.p.82
381
CODATO, Adriano. Uma história política da transição brasileira: da ditadura militar à democracia. Revista
de Sociologia e Política (UFPR. Impresso), Curitiba - PR, v. 25, p. 83-106, 2005.p.84
382
Ibidem. p.94
383
CASTRO, Celso (Org.); D'ARAUJO, Maria Celina (Org.). Ernesto Geisel. 5a.. ed. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 1997.p.369
71
para as adequadas providencias legais;finalmente na frente dos meios de
comunicação,reprimir atuação ilegal pelos meios que na justiça se ofereçam..”384

Portanto, esse caráter controlado da transição nos permite entender o sentido da


repressão política contra a esquerda e aos movimentos sociais, como um instrumento da
contrarrevolução preventiva. Dessa forma se explica que a violência política ocorreu para
restringir à atuação de setores contrários a transição, para evitar uma conjuntura que pudesse
ocasionar a perda do controle dos militares sobre o processo de abertura política. Desse modo,
para o Estado era essencial ter o controle para conservar a sua capacidade através da
“estratégia de antecipação” 385 e assim impedir a concretização das demandas da oposição.

2.5.2 Negociação

A segunda característica foi a capacidade de negociação do Estado com setores da


oposição moderada e da sociedade civil para aglutiná-los para o lado do campo governista. Há
indícios de que mesmo antes do início do governo Geisel (1974-1979), já havia mobilizações
para cooptar o apoio desses setores, através de medidas liberalizantes. Podemos citar como
exemplo, os diálogos do General Golbery com a Igreja Católica e com a grande imprensa,
neste último caso através da promessa de dar fim a censura prévia386.
Para o nosso trabalho, é importante entender que essa estratégia dos militares ao trazer
para o seu lado esses setores da oposição moderada, seria uma forma de conter esses
segmentos e simultaneamente uma forma de obter estabilidade e apoio. Dessa forma, o Estado
tinha a capacidade de delimitar a oposição aceitável e a oposição intolerável, ou seja, setores
vinculados aos partidos de esquerda e movimentos sociais dos trabalhadores urbanos estariam
do lado da oposição que não seria tolerada 387e, portanto, também relacionada ao aspecto de
controle, essa contestação seria amplamente reprimida.
2.5.3 A valorização do sistema eleitoral
Nesse ponto é importante ressaltar a questão da institucionalização das instituições
politica, articulada por Samuel Huntington 388 , o qual pode se supor que a legitimação do

384
SILVA, Golbery do Couto. Conjuntura Política Nacional o poder executivo e geopolítico do Brasil. Rio de
Janeiro, 1981.p.33-34.
385
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado em história) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.102
386
Ibidem. p.111
387
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.225
388
HUNTINGTON, Samuel P.A Ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Ed da Universidade de
São Paulo, 1975
72
regime democrático seria alcançada através das eleições e do fortalecimento dos partidos
políticos.
David Maciel 389 chama a atenção para essa característica, pois a revitalização da
disputa política da arena política seria uma forma de conter o conflito político dentro dos
limites estabelecidos pelo Estado para evitar que setores da oposição atuassem contra o
sistema. Nesse sentido, David Maciel define a importância tanto dos partidos políticos quanto
do Congresso Nacional:
“Na verdade, este processo implicava que a representação política reativada também
fosse capaz de conter o conflito político nos limites aceitáveis pela ordem burguesa,
funcionando como um campo de disputa flexível para a acomodação dos conflitos
interburgueses, porém relativamente impermeável às demandas das classes
subalternas. Por isto, o caráter institucional dos partidos políticos é reforçado,
paralelamente à sua dinamização como canais de interlocução política entre o
Estado e o conjunto da sociedade. As eleições são valorizadas como instrumentos de
legitimação da ordem política, e o próprio legislativo, principalmente o Congresso
Nacional, resgata algumas de suas atribuições políticas.”390

Portanto, a partir da valorização do sistema eleitoral era fundamental que o regime


ditatorial permanecesse com o controle para nomear os governadores dos estados, assim como
a maioria suficiente no Congresso, para conseguir aprovar a legislação necessária ás reformas
e manter o controle do processo de distensão391. E no início da transição as eleições de 1974
392
foram o marco inicial da revitalização da representação política. . Devido a essa
importância, no meu entender, justificam-se as cassações políticas e as mudanças eleitorais
visando garantir a hegemonia da ARENA.
2.6 Exemplos da repressão política
2.6.1 Jogo eleitoral restrito
Como destacamos acima a transição política teve como característica a valorização das
eleições. Desta forma a eleição de 1974 se constituiu como um referencial, pois foi o primeiro
pleito que ocorreu durante essa nova conjuntura. Essas eleições aconteceram em um contexto
de liberdade para a oposição moderada, pois o MDB apresentou as suas propostas políticas
inclusive com acesso a TV e ao rádio, e assim ocorreram intensos debates durante todo o
período de campanha393.

389
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado em história) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.98
390
Idem.
391
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.187
392
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado em história) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p 113
393
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.187
73
Contudo, o resultado esperado pelo partido governista não se concretizou devido a
ampla vitória do MDB no pleito eleitoral394. Cito alguns dados para demonstrar a vitória da
oposição. Dos 22 cargos correspondentes á renovação de um terço do Senado, o MDB ganhou
16 cadeiras enquanto a Arena fez apenas seis395, além disso, na Câmara dos Deputados a
bancada do MDB teve um aumento em 16%, dessa forma 165 deputados eram da oposição,
sendo 199 do partido governista396. Nas assembléias estaduais, a oposição conseguiu fazer a
maioria nos seguintes estados: SP, RS, RJ, PR, AC e AM397. Dessa forma as eleições eram
consideradas um plebiscito, pois a vitória da oposição representou uma grande insatisfação da
população com o governo398. Apesar da vitória do MDB nas eleições é importante ressaltar
que esse partido tinha uma perspectiva política limitada. David Maciel explica que a sua
postura oposicionista limitava-se a defesa do Estado de direito e das condições para
restabelecê-lo como a anistia política, fim dos atos institucionais e restauração das eleições
diretas e do habeas corpus399. Mesmo essa postura limitada da oposição partidária do MDB,
por parte das lideranças moderadas, a vitória desse partido nas eleições de 1974 foi negativa
para o governo Geisel, pois em curto prazo lhe retirava a prerrogativa de aprovar emendas
constitucionais que exigiam mais de dois terços do Congresso Nacional, o que Elio Gaspari
chamou de “autonomia sepultada”, pois as demandas do governo para serem aprovadas teriam
que ser negociadas com os setores oposicionistas400. E em longo prazo a ARENA poderia
perder a sua posição majoritária nas próximas eleições em 1978, principalmente no Senado.
Por essa consideração entendemos que para manter a sua hegemonia na questão eleitoral, o
regime ditatorial promoveu medidas preventivas para impedir que o MDB tivesse o controle
do projeto distensionista. A partir desse ponto de vista, gostaria de destacar algumas
considerações do presidente Geisel em um discurso frente ao Alto Comando das Forças
Armada em 1975, sobre a questão eleitoral.
“De qualquer maneira a principal conclusão dessas eleições é que o partido do
governo,a ARENA,é um partido extremamente fraco.Muito dividido e que precisa
urgentemente ,de consolidação.Isso também vai fazer, com que o governo comece a
exercer uma ação política de maior intensidade e realismo.”401

394
Ibidem. p.188
395
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.160
396
Idem.
397
Ibidem. p.161
398
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.189
399
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado em história) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.119-120
400
GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.p.477
401
Discurso do Presidente Ernesto Geisel ao Alto Comando das Forças Armadas. Disponível em:
http://www.documentosrevelados.com.br/#1.Acessado em 01 de agosto de 2014.
74
“ Agora, a longo prazo ,a maior prazo,nós temos dois problemas:um,as eleições
municipais em 1976;outro,as eleições gerais em 1978.Quer dizer, em 1978 vai haver
a renovação de Câmara,Senado ,Assembléias Estaduais e governadores
possivelmente.Então este é um problema a longo prazo”402

“....o governo tem que se preparar.Vai ter que se preparar,vai ter que atuar,vai ver as
falhas que foram exploradas nestas eleições de agora,para que não se reproduzam e
para que a gente assegure uma adequada vitória nessas eleições.Há algum tempo,e é
possível trabalhar muito nesse sentido” 403

Os relatórios do SNI demonstraram que o acesso dos candidatos do MDB aos meios
de comunicação foi fundamental para a vitória desse partido e ainda alertava o governo, de
que se não fossem feitas mudanças significativas, o MDB ampliaria a sua vitória nas
próximas eleições de 1976 e 1978 comprometendo, por exemplo, a eleição indireta para os
cargos executivos404. Nesse sentido, com a proximidade das eleições municipais de 1976, o
governo Geisel baixou por decreto a Lei Falcão, que determinava que durante as campanhas
para eleições municipais os partidos se limitariam a apresentar, no rádio e na TV, seu nome, o
número, e o currículo dos candidatos, com uma fotografia e assim impediram-se as criticas da
oposição às políticas governamentais que pudessem exercer certa influencia sobre o
eleitorado405. A estratégia deu certo, pois nas eleições municipais de 1976 a ARENA venceu
embora com uma pequena margem de votos406, contudo a situação ainda não era confortável ,
Maria Helena Alves acentua que :
“... se o MDB continuasse a crescer certamente conquistaria maioria no Senado,
vencendo em todas as grandes áreas urbanas nas eleições de 78 para o
Congresso.Mais ainda, sua força no Congresso deveria reduzir a proporções
insignificantes a maioria da ARENA,ainda que não obtivesse efetivamente maioria
na Câmara.Tal situação ameaçaria todo o plano de distensão que devia ser imposto
através de um Congresso controlado pelo governo“ .407

O projeto de transição não permitia que o partido de oposição tivesse o controle do


Congresso e assim determinar as diretrizes da distensão do regime ditatorial408. Portanto, o
Estado fechou, através do AI-5, o Congresso Nacional e promoveu uma série de reformas
para manter a hegemonia da ARENA. E sob os poderes concedidos pelo AI-5, o presidente
Geisel por decreto assinou a Emenda Constitucional nº8 que passou a ser chamada de “Pacote

402
Idem
403
Idem
404
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.190
405
Idem.
406
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.196
407
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.192
408
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.201
75
de Abril” 409. Entre as medidas, podemos enumerar: a manutenção da eleição indireta para
governador em 1978; determinou que um senador fosse eleito pelo voto indireto (senador
biônico); o cálculo da representação das bancadas estaduais passou a ser baseado na
população dos próprios estados assim aumentando as bancadas das regiões Norte e Nordeste
onde a ARENA tradicionalmente era vencedora; o quorum para a aprovação de emendas seria
por maioria absoluta; a Lei Falcão foi conservada e por fim foi criado o Estado do Mato
Grosso do Sul que proporcionou mais três senadores e quatro deputados para a ARENA410.
Podemos dizer que essa estratégica dos setores dominantes foi positiva, pois se analisarmos os
resultados das eleições de 1978, em função do “Pacote de Abril”, a ARENA conquistou 16
das 24 vagas diretas para o Senado e 20 das 21 vagas indiretas e somadas com as 6
conquistadas em 1974, manteve 42 senadores contra 25 do MDB e se fosse mantida as regras
das eleições anteriores, o MDB poderia ter alcançado maioria no Senado411.
Outro mecanismo utilizado, além das mudanças das regras eleitorais para a
manutenção da maioria da ARENA, foi a cassação de mandatos políticos. Nesse sentido doze
deputados foram cassados através do AI-5 412 e um deputado teve seus direitos políticos
suspensos através da Lei de Segurança Nacional. A maioria das cassações foi por motivações
políticas. Podemos fornecer como exemplos, a cassação de alguns políticos através da
acusação de serem filiados ao PCB413 visto que esse partido colocou seus membros para atuar
dentro das fileiras do MDB; todos esses citados foram cassados através do AI-5. Só houve um
caso de cassação, que ocorreu através da Lei de Segurança Nacional, o deputado Francisco
Pinto (MDB/BA), que fez criticas contundentes à presença do general Pinochet, presidente do
Chile, para as solenidades de posse do presidente Geisel 414 . O presidente optou por
encaminhar o assunto ao STF que em 10 de outubro, com base na Lei de Segurança Nacional
(LSN), condenou o deputado a seis meses de detenção e o pagamento de multa. Em
decorrência disso, conforme a legislação vigente, a mesa da Câmara cassou-lhe o mandato 10
dias depois.415

409
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.193
410
FLEISCHER, D. V.Manipulações Casuisticas do Sistema Eleitoral Durante O Periodo Militar, Ou Como
Usualmente o Feitiço voltava Contra O Feiticeiro. In: Glaucio Soares; Maria Celina DAraujo. (Org.). 21 anos de
regime militar: Balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994.p.176-177
411
Ibidem. p.179
412
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.134
413
Nesse caso podemos citar as cassações: deputado federal Marcelo Gato (MDB-SP), deputado estadual
Fabiano Sobrinho (MDB-SP); deputados federais Nadyr Rossetti e Amaury Muller (ambos eram do MDB do
RS); do deputado federal Lysâneas Maciel (MDB-RJ).
414
COUTO, Ronaldo Costa.História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010 p-157
415
Idem.
76
O último ponto que interliga a repressão estatal com a importância das eleições é a
morte de Juscelino Kubitschek 416 e João Goulart 417 . Especula-se que esses políticos
almejavam retornar ao Brasil para disputar as eleições de 1978 que em tese seriam diretas.
O presidente bossa nova morreu em um acidente de carro em agosto de 1976 418, a
versão oficial é de que um ônibus teria causado o acidente, mas a perícia encontrou uma
perfuração na cabeça do motorista de Juscelino Kubitschek. Dessa forma há a tese de que o
condutor do veículo em que se encontrava o ex presidente, teria sido assassinado a mando dos
militares419 e isso teria causado o acidente. Recentemente no ano de 2013 a Comissão da
Verdade da Câmara de SP abriu uma investigação para apurar o caso. Em depoimento a
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas o motorista do ônibus
negou a colisão entre os veículos e alega ter sido coagido a assumir a culpa pelo acidente 420.
Atualmente há um embate sobre o que de fato teria ocorrido, pois a Comissão Municipal de
São Paulo afirma que Juscelino Kubitschek foi vítima de conspiração, complô e atentado
político, mas por outro lado a Comissão Nacional da Verdade contestou essa hipótese e
ratificou a versão oficial421.
Em relação ao presidente Jango há evidencias mais contundentes. João Goulart morreu
vítima de infarto em dezembro de 1976422. Há suspeitas de que Jango teria sido envenenado,
por agentes da Operação Condor423, pois segundo a declaração do ex-agente do serviço de
inteligência do governo uruguaio Mario Neira Barreiro, o Estado brasileiro teria interesse na
morte do ex- presidente 424 . Para elucidar essa hipótese, há documentos dos órgãos de
informação que demonstram que Jango era amplamente vigiado e que desejava retornar ao
Brasil. Segundo o livro de Ayrton Baffa, o SNI espionava o presidente deposto, apontando as
pessoas que freqüentavam a sua fazenda no Uruguai425. Além disso, um informe do CISA

416
Foi presidente do Brasil entre 1956-1961.Teve seus direitos cassados em junho de 1964.
417
Foi deposto pelos militares em 1964 .Teve seus direitos políticos cassados através do AI nº 1.
418
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.197.
419
Esse projétil foi encontrado na primeira exumação do motorista e a autópsia foi fraudada.Além disso esse
projétil era de uso exclusivo das Forças Armadas.
420
Ver.http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/11/05/interna_cidadesdf,397120/comissao
-da-verdade-reescreve-historia-do-acidente-que-matou-jk.shtml.Acessado em julho de 2014
421
Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/12/1383455-comissao-da-verdade-da-camara-municipal-de-sp-
diz-que-jk-foi-assassinado.shtml/ http://g1.globo.com/politica/blog/blog-do-camarotti/post/para-comissao-da-
verdade-jk-nao-sofreu-atentado-morreu-de-acidente.html
422
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da ditadura e da abertura. Brasil 1964-1985.5ªEd – Rio de
Janeiro: Record,2010.p.198.
423
Foi uma aliança entre as ditaduras do Cone Sul para perseguir os seus opositores.
424
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2701200802.htm
425
BAFFA, Ayrton. Nos porões do SNI. O retrato do monstro de cabeça oca. Editora Objetiva. Rio de Janeiro,
1989.p.-45-131-132
77
reporta que João Goulart pretendia retornar ao Brasil após as eleições de 1976 e ademais
fornece informações de que Jango tinha feito uma viagem a Londres para fazer um exame
médico que atestou não estar bem de saúde426. É curioso o fato dos órgãos de informação
saberem da sua debilidade física e coincidentemente o presidente ter morrido, supostamente,
vítima de infarto.
2.6.2 Repressão aos partidos comunistas
“..eu acho que o pessoal da esquerda continua a trabalhar , e o que é grave para
nós,é uma área que se realimenta.Quer dizer ela faz proselitismo,ela cresce.Acredito
que a ação dela seja muito mais,agora, no campo de formar proselitismo e de ação
psico-social, no sentido de atrair elementos para a esquerda.Acredito,também,que
eles participaram muito nessas eleições(1974),sobretudo com candidatos ,com
recursos orientados para o MDB”427
“Nós devemos,com inteligência, encontrar os métodos,os processos para combatê-
los,de acordo com a orientação que eles seguem(...).Acho que nós vamos ter que
trabalhar nesse sentido, e principalmente de obter a melhor coordenação do serviço
de informações” 428
Neste tópico irei apresentar como ocorreu a repressão ao PCB; PC do B; MEP e CS,
tendo em vista que estes tinham um projeto político durante o período de transição. Essa
violência ocorreu de diversas formas, através do desaparecimento de remanescentes dos
grupos de esquerda que foram derrotados durante o governo Médici, prisões e operações dos
órgãos de repressão para desarticular os partidos de esquerda. Podemos identificar que o
primeiro ciclo de repressão no período Geisel aconteceu no primeiro ano de seu mandato e
estava direcionado aos grupos remanescentes da luta armada que foram massacrados pelo
governo anterior. Nesse sentido gostaria de destacar que em 1974 ocorreu o desaparecimento
de pelo menos 20 militantes políticos429. Essa política estatal se demonstrou tão evidente, que
no ano seguinte a Igreja Católica entregou uma lista dos desaparecidos ao General Golbery430.
O MDB, nesse sentido, propôs a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
investigar a violação aos direitos humanos431. Na questão dos desaparecidos políticos, destaco
o sumiço de dois membros do PCB432 que foram presos quando estavam retornando ao Brasil;

426
Núcleo do Serviço de Informações da Aeronáutica. Disponível em: /www.documentosrevelados.com.br/#1
acessado em 01 de agosto de 2014.
427
Discurso do Presidente Ernesto Geisel ao Alto Comando das Forças Armadas. Disponível em:
http://www.documentosrevelados.com.br/#1.Acessado em 01 de agosto de 2014.
428
Idem.
429
Para elucidar esses dados usei as seguintes fontes: ARQUIDICIOSE DE SÃO PAULO. Brasil Nunca Mais.
Petrópolis. Vozes, 1985; KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise – SP:Ed.Brasil debates 1982;
http://www.torturanuncamais-rj.org.br/dossie-mortos-desaparecidos/militantes-politicos-mortos Acessado em
24/06/2014; COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS. Direito à verdade
e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.
430
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise – SP:Ed.Brasil debates 1982.p.44
431
GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.p. 35-36
432
Refiro-me ao desaparecimento de David Capistrano da Costa e Jose Roman provavelmente no percurso entre
Uruguaiana (RS) e SP em 16 de março de 1974.
78
433
há também o caso do desaparecimento de 3 militantes da Aliança Libertadora
Nacional(ALN) em São Paulo no mês de abril e também 6 membros434 da Vanguarda Popular
Revolucionária(VPR) que sumiram no mesmo dia em Medianeira, no Paraná.
Sobre as operações oficiais dos órgãos de repressão chamo a atenção para as
articulações contra os partidos de esquerda. Podemos supor que o PCB foi o partido político
mais atingido no período, principalmente a partir do ano de 1975. Segundo os relatórios do
próprio aparato policial foram presos 347 militantes do PCB, foram incriminados mais 719,
perfazendo total de 1.211 militantes levantados 435 . Desta forma segundo os registros dos
órgãos de repressão e informação, esse partido participou ativamente das eleições de 1974 436.
Ressalto que a repressão ao PCB ocorreu através do desencadeamento de operações militares
como a “Operação Jacarta”, em São Paulo (SP), que tinha como meta prender subversivos437,
principalmente membros do partidão. Mesmo antes da institucionalização dessa operação
contra a oposição, há indícios de que membros desse partido já tinham sido presos438. Não
posso deixar de citar que no caso da repressão contra o PCB em SP, os deputados paulistas
José Maria Marin439 e Wadih Helu440 em discurso na Assembléia Legislativa de SP (ALESP)
pediram um maior “apuramento” sobre as atividades subversivas na TV Cultura. Alguns dias
depois, o jornalista Vladmir Herzog foi intimado e depois apareceu morto no DOI CODI-SP.
Como já ressaltamos a morte de Herzog foi uma afronta as diretrizes do governo Geisel, mas
a sua prisão era uma política institucional do regime militar. Há também dados que
demonstram a atuação da repressão contra o partido no RJ, através da operação “Grande
Rio”441 através da prisão de estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF) 442. E por

433
Refiro-me a Ana Rosa Kucinski,Wilson Silva ,Isis Dias de Oliveira e Ieda Delgado.
434
Cito o nome Daniel José De Carvalho; Enrique Ernesto Ruggia; Joel José De Carvalho; José Lavecchia;
Onofre Pinto e Vitor Carlos Ramos.
435
BAFFA, Ayrton. Nos porões do SNI. O retrato do monstro de cabeça oca. Editora Objetiva. Rio de Janeiro,
1989.p.135
436
Ibidem. p.43-44
437
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.204
438
Refiro-me ao caso do Tenente da Polícia Militar de SP declarado morto como suicídio dentro das
dependências do DOI CODI SP.Houve de fato uma investigação dos órgãos de informação sobre uma possível
‘infiltração comunista ‘na PM paulista onde foram presos 63 policiais.Ver MARTINS, Paulo Egydio. Paulo
Egydio: depoimento ao CPDOC/ FGV / Organização Verena Alberti, Ignez Cordeiro de Farias, Dora Rocha. São
Paulo: Imp. Oficial do Estado de São Paulo, 2007.
439
Ocupou o cargo de Deputado Estadual pelo estado de SP (1971-1979).
440
Ocupou o cargo de Deputado Estadual pelo estado de SP (1966-1978).
441
GASPARI, Elio. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.p.256
442
BAFFA, Ayrton. Nos porões do SNI. O retrato do monstro de cabeça oca. Editora Objetiva. Rio de Janeiro,
1989.p.123
79
fim gostaria de ressaltar a “Operação Barriga Verde”, que prendeu 42 pessoas acusadas de
serem membros do PCB em Florianópolis443.
Outra organização atingida pela coerção do Estado foi o PC do B no período
compreendido entre 1975-1976 444 . A coerção contra esse partido não se demonstrou tão
intensa quanto ao PCB. Contudo, gostaria de salientar o assassinato de três militantes445, no
episódio conhecido como a “Chacina da Lapa”, no final de 1976. Em depoimento o general
Leônidas Pires responsável pelo DOI CODI do I Exército, afirmou que em troca de benefícios
financeiros um militante do próprio partido forneceu ao Exército o local da reunião dos
integrantes do PC do B446. Segundo Cláudio Guerra foi montada uma mega operação em que
participaram o 1º Batalhão do Exército, o SNI, o 2º Batalhão do Exército (SP) e a equipe do
DOPS e acrescenta que o objetivo era aniquilar os militantes447.
Sobre a violência contra a CS, antes mesmo da sua fundação, durante a vigência da
Liga Operária, alguns de seus militantes448 foram presos por distribuírem um boletim sobre a
“luta do trabalhador” 449. A repressão do Estado não se demonstrou apenas na prisão de seus
integrantes, mas também na coerção de manifestações a favor da liberação desses presos
políticos. Cito como exemplo a repressão para impedir a passeata do movimento estudantil a
favor da libertação dos presos políticos450. Após a formação oficial da CS, houve a prisão dos
seus principais dirigentes políticos em agosto de 1978 quando estes iriam participar de uma
convenção da própria organização451. Essa repressão estatal se demonstrou fundamental para
a desarticulação do movimento, pois como demonstra Rodrigo Magalhães:
“os militantes da CS que organizaram a convenção nacional de lançamento do
programa do Partido Socialista atraíram sobre ela a atenção das forças de repressão,
notadamente do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), que
efetuou as prisões e abriu inquérito contra todos os envolvidos. Alguns militantes
chegaram a pegar um ano de cadeia, o que obviamente trouxe reflexos para a

443
Documento dos órgãos de repressão sobre a prisão do militante Teodoro Ghercov(“Raul). Disponível em
http://www.documentosrevelados.com.br/#1Ver.Acessado em julho de 2014.
444
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984).Petrópolis:Vozes,1984.p.203
445
Foram mortos João Batista Drummond, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo.Segundo Cláudio Guerra João Batista
Drummond tinha sido preso e morto no dia anterior seu corpo fora ali plantado para sustentar a versão de
atropelamento enquanto fugia.Ver GUERRA,Claudio.Memórias de uma guerra suja.Topbooks.Rio de
Janeiro,2012.p.69
446
Entrevista do general Leônidas Pires a Globo News em 03/04/2010. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=JDEtTsrQhYw
447
GUERRA, Claudio. Memórias de uma guerra suja. Topbooks. Rio de Janeiro, 2012.p.69
448
Os presos foram José Maria de Almeida e Celso Brambilia.
449
FARIA, Marcos Moutta de.Partido Socialista ou Partido dos Trabalhadores ? Contribuição à História do
Trotskismo no Brasil. A Experiência do Movimento Convergência Socialista.Rio de Janeiro:Universidade
Federal do Rio de Janeiro.Programa de Pós Graduação em História Comparada,2005.p.49
450
Folha de São Paulo. 31/03/1977
451
MAGALHAES, R. C. S. A Convergência Socialista na Transição Política Brasileira da Ditadura para a
Democracia: A Luta por um Partido Operário, Socialista e de Massas no Brasil (1977-1980). Monografia
apresentada a UFRJ. 2002.p.76-77
80
organização. Podemos dizer, inclusive, que estas prisões ocorridas na convenção,
além de desarticularem o movimento Convergência Socialista, puseram em risco a
própria existência da CS enquanto uma organização política, já que seus principais
dirigentes, que estavam presos ou escondidos, deixaram de dirigir a organização,
abandonando-a nas mãos de militantes de base, que possuíam pouca experiência
organizativa e de direção”452
Por fim, em relação ao MEP também temos indícios de que o Estado reprimiu essa
organização, como por exemplo, através da prisão de seus militantes no RJ pelo DOI CODI,
em 1977453.
Portanto apontei inúmeros casos em que a repressão do Estado se demonstrou
institucional visando limitar a atuação dos partidos socialistas de esquerda, através de prisões,
desaparecimento e assassinato de militantes. Nesse sentido é improvável, com afirmado pela
outra corrente historiográfica, que todas as ações do aparato repressivo tinham como objetivo
impedir o processo de transição.
2.6.3 Repressão ao movimento estudantil
Outro setor da sociedade atingido pela repressão estatal no período abordado foi o
movimento estudantil. O relato do general Hugo de Abreu é muito significativo porque indica
a postura repressiva e preventiva do regime ditatorial em relação a esse segmento. O general
afirmou que desde 1977, os órgãos de informação e de segurança acompanhavam a agitação
no meio estudantil, em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília, já que os militares
tinham na memória o movimento estudantil que ocorrera em 1968. Abreu aponta que o lugar
mais importante era Brasília em função de uma possível repercussão positiva do movimento e
que poderia gerar outros similares nas outras localidades do país. A indicação do general é
central para esse trabalho, pelo fato de declarar a articulação entre os diferentes órgãos do
Estado (Ministérios militares, Ministério da Educação, SNI e Secretaria Geraldo Conselho de
Segurança) para conter a atuação política dos estudantes. O objetivo, portanto, era limitar o
movimento na capital do país para consequentemente impedir possíveis repercussões em
outras regiões 454 . Com base em documentos há indícios de que o governo Geisel, já se
preocupava com o movimento estudantil desde 1975, afirmo isso com base na circular nº
500455 , onde o Ministro da Educação, Ney Braga, fala sobre a “ação político partidária e
ideológica, no seio das universidades. Nessa nota, o ministro recomenda que a participação
política dos estudantes deve ser feita por intermédio dos partidos para assim privar a

452
Idem.
453
MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi L. de. Contra os inimigos da ordem: a repressão politica da ditadura
militar (1964-1985). Rio de Janeiro, 2003.p.78
454
ABREU, Hugo. O Outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.p.65-67
455
APERJ-MOVIMENTO ESTUDANTIL-CX 40, Fls.580. Informação de nº 2451/75-B,5 de setembro de 1975-
CIE.
81
universidade de ser um “instrumento da atividade política” .Essa circular foi difundida pelo
Centro de Informações do Exército para os demais órgãos de informação .
Diante dessa estratégia preventiva do Estado em relação à oposição antisistêmica,
qualquer manifestação do movimento estudantil era considerada intolerável. Destaco a
repressão estatal456 ao movimento estudantil em setembro de 1977 quando a UNE tentava se
rearticular, no III Encontro Nacional dos Estudantes, em uma assembléia realizada na
Pontifícia Universidade Católica de SP (PUC-SP) 457. Segundo depoimento do governador de
São Paulo responsável pela repressão, a UNE era “uma ameaça, um perigo para a ordem
pública, para a segurança nacional” 458. A repressão a assembléia realizada na PUC SP contou
com a prisão em torno de 1000 estudantes459. A frase proferida pelo coronel Erasmo Dias,
secretário de segurança pública, traduz muito bem a estratégia do regime ditatorial frente a
oposição, segundo Erasmo Dias “O ato público está proibido.Comícios e passeatas e qualquer
tipo de ato público estão proibidos.Todos serão presos e enquadrados na Lei de Segurança
Nacional.Não aceitaremos desafio.Onde nós estamos ?”460
Não apenas em SP, o movimento estudantil foi reprimido, cito um relatório da Polícia
Federal descrevendo as atividades dos estudantes no Paraná, no ano de 1977. Nesse relatório
há detalhes sobre todos os assuntos debatidos pelo movimento, ou seja, é um indicativo de
que os órgãos de informação tinham interesse sobre as propostas do movimento461.
Por fim gostaria de destacar a vigilância do aparato repressivo sobre a realização do
Congresso de Reconstrução da UNE, que ocorreu no ano de 1979, em Salvador. Há um
informe produzido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP/BA) e
difundido aos demais órgãos de informação. Esse documento relatava o local que seria
realizado à assembléia, a relação do nome das chapas inscritas e das delegações das
universidades e além da menção dos possíveis estudantes envolvidos462.

456
Nessa operação o secretário estadual de segurança pública, Coronel Erasmo Dias, comandou pessoalmente a
repressão ao movimento estudantil.
457
ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984.p.207
458
MARTINS, Paulo Egydio. Paulo Egydio: depoimento ao CPDOC/ FGV / Organização Verena Alberti, Ignez
Cordeiro de Farias, Dora Rocha. São Paulo: Imp. Oficial do Estado de São Paulo, 2007.p.478-480
459
Folha de São Paulo 23/09/1977
460
Idem.
461
Departamento da Polícia Federal. Disponível em: http://www.documentosrevelados.com.br/#1.Acessado em
julho de 2014.
462
APERJ-MOVIMENTO ESTUDANTIL-CX 70, Fls.180. Informação de nº 01/79-SPISI, 15 de maio de 1979-
SSP/BA.

82
2.6.4 Repressão ao movimento grevista
Sobre o movimento sindical, podemos defender a tese de que foi o setor da sociedade
mais atingido pela coerção ditatorial, não apenas pela violência física, mas também por
medidas políticas como o arrocho salarial463 e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) 464, que retirou a estabilidade do trabalhador.
No final da década de 70, o movimento sindical ressurgiu e se demonstrou um dos
grandes desafios a ordem ditatorial. Maria Hermínia Tavares de Almeida chama a atenção
para as transformações no meio sindical no sentido da sua massificação, através da entrada
dos trabalhadores da grande indústria de ponta (automobilística, metalomecânica, siderúrgica
e petroquímica) e também dos profissionais liberais e dos trabalhadores rurais465. A autora
ressalta que esse crescimento do movimento sindical ocorreu no período em que não houve
uma ação combativa do movimento sindical, pois estes eram controlados pelo regime
ditatorial466. Esse movimento sindical que eclodiu a partir de 1978, na região do ABC paulista
é chamado de “novo sindicalismo”, pois denunciava a estrutura corporativista dos sindicatos
pelegos e propunha a construção de um novo movimento sindical 467 . Portanto a principal
demanda desse novo movimento foi a luta contra a política salarial e sindical do Estado e o
principal instrumento de luta dos trabalhadores foi a greve468. A primeira greve ocorreu em
maio de 1978 no ABC paulista e após esse episódio, o movimento se espalhou para outras
fábricas, chegando a atingir pelo menos 150 mil trabalhadores parados469. Além da luta contra
o arrocho salarial, os operários também combateram o intervencionismo estatal nos
sindicatos, lutaram pelo direito de greve e também pela negociação direta com o patronato470.
O ano de 1979471 é apontado como o ápice do movimento operário, através da convergência e

463
Sobre a desvalorização do salário mínimo. Ver ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil(1964-
1984).Petrópolis:Vozes,1984.p.114-115
464
Sobre o FGTS ver ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes,
1984.p.97-99
465
ALMEIDA, Maria Hermínia T. de .O sindicalismo brasileiro entre a conservação e a mudança.In:SORJ,
Bernardo & ALMEIDA, Maria Hermínia T. de (Orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo:
Brasiliense, 1983.p.285
466
Ibidem. p.287
467
SKIDMORE, Thomas E.Brasil:De Castelo a Tancredo,1964-1985.Rio de Janeiro.Paz e Terra:1988.p.398
468
ALMEIDA, Maria Hermínia T. de .O sindicalismo brasileiro entre a conservação e a mudança.In:SORJ,
Bernardo & ALMEIDA, Maria Hermínia T. de (Orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo:
Brasiliense, 1983.p.295
469
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado em história) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.217-218.
470
Ibidem. p.218
471
Entre o final do governo Geisel e o início do governo Figueiredo (1978-1982), o ano de 1979 registrou o
maior número de greves, no total de 246 greves. Ver CODATO, Adriano. Uma história política da transição
brasileira: da ditadura militar à democracia. Revista de Sociologia e Política (UFPR. Impresso), Curitiba - PR,
v. 25, p. 83-106, 2005.p.96
83
unificação dos trabalhadores 472 . Dessa forma podemos afirmar que o movimento grevista,
como citado, representou de fato uma contestação ao regime ditatorial em função da sua
postura crítica em relação a perspectiva econômica e política do Estado. David Maciel
enumera os pontos que demonstram essa postura do movimento sindical:
“Em primeiro lugar, na adoção de uma postura de resistência diante do capital e do
Estado, pois, além da recusa ao valor de sua força de trabalho imposto pelo
patronato, o operariado não reconheceu a própria legitimidade da justiça do trabalho
para estabelecer este valor e para mediar o conflito, particularmente quando a greve
é declarada ilegal, mas não é interrompida. Em segundo lugar, porque uma greve
desta dimensão torna inoperante, na prática, um dos elementos centrais da estratégia
institucional do Estado para subordinar os trabalhadores: a lei de greve. Mais ainda,
a irrupção operária coloca na agenda política da transição democrática demandas
específicas e que eram solenemente ignoradas ou, no mínimo, desprezadas tanto
pelo projeto distensionista do governo, quanto pela oposição burguesa, como a
liberdade e autonomia sindical, o fim da lei de greve, a negociação direta e o
contrato coletivo. ”473

Dessa forma, em defesa da ordem estabelecida, o governo Geisel utilizou os


mecanismos disponíveis para coibir, intervir e controlar o movimento sindical. Essa repressão
se manifestou de duas formas; a primeira através do uso da legislação trabalhista e a outra
pela violência física474. Um dado muito interessante é a análise de Ângela de Castro Gomes
sobre o acervo do arquivo privado do ex presidente Ernesto Geisel. Essa autora demonstra que
no início do seu governo, o Estado tinha uma ampla vigilância sobre os sindicatos e inclusive
o governo menciona a “vigilância especial” sobre o Sindicato dos Estivadores de Santos.
Além disso, é interessante também o parecer favorável a intervenção direta no Sindicato dos
Condutores de Veículos Rodoviários e Anexos de São Paulo pela suspeita do envolvimento
de seus membros com o PCB. Outro dado importante nos despachos de Geisel é a relação das
Delegacias Regionais do Trabalho com os órgãos de repressão e de informação475. Por fim
outro exemplo importante, nessa conjuntura é de que a Marinha de Guerra realizava
treinamento com os fuzileiros navais visando ocupar os diversos portos do país 476 pela
possibilidade dos portuários entrarem em greve.

472
ALMEIDA, Maria Hermínia T. de. O sindicalismo brasileiro entre a conservação e a mudança.In:SORJ,
Bernardo & ALMEIDA, Maria Hermínia T. de (Orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo:
Brasiliense, 1983.p.300
473
MACIEL, David. Democratização e manutenção da ordem na transição da Ditadura Militar à Nova
República. Dissertação (Mestrado em história) — Universidade Federal de Goiás, 1999.p.219
474
ALMEIDA, Maria Hermínia T. de .O sindicalismo brasileiro entre a conservação e a mudança.In:SORJ,
Bernardo & ALMEIDA, Maria Hermínia T. de (Orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo:
Brasiliense, 1983.p.303
475
GOMES, Ângela de. Abertura política e controle sindical: trabalho e trabalhadores no arquivo de Ernesto
Geisel. In: Dossiê Geisel/Celso Castro e Maria Celina D’ Araujo, organizadores: Alzira Alves de Abreu. Rio de
Janeiro: Ed Fundação Getúlio Vargas, 2002.p.11
476
O Estado de SP 12/07/1977
84
A repressão do Estado em relação ao movimento grevista se manifestou no decreto lei
nº1. 632 que proibiu a realização de greves nos serviços públicos e atividades essências da
segurança nacional477 e dessa forma legitimou a atuação policial, para prender os grevistas478.
Por fim vale ressaltar que segundo dados recentes, a Agência Central de Inteligência (CIA)
monitorava o andamento do movimento grevista no Brasil479. Vale salientar também a recente
investigação da Comissão da Verdade dos Metalúrgicos a qual indica a participação de
empresas480no monitoramento do movimento grevista. Nesse sentido, documentos oriundos
do DOPS-SP indicam que estas companhias mantinham seu próprio aparato de informação e
formulavam “listas sujas” para que outras firmas não contratassem trabalhadores com
histórico de participação em greves481.
Por fim, tentei demonstrar em inúmeros exemplos que amplos setores da sociedade
foram vigiados e reprimidos pelo Estado de forma institucional em função do caráter
contrarrevolucionário preventivo da transição democrática. Finalizo este capítulo com o
marco final do trabalho que consiste na combinação da lei da anistia com a reforma partidária
entendido como mais um instrumento que visava enfraquecer a oposição.
2.7 A lei da anistia e a reforma partidária
Sobre o caráter da anistia, Renato Lemos afirma que a lei de 1979 foi resultado de uma
grande transação entre setores moderados do regime militar e da oposição, por iniciativa e sob
o controle dos primeiros482.
A conjuntura em torno da anistia era peculiar, pois a extrema direita militar era
contrária a anistia, ou seja, o retorno de políticos cassados, interrupção de processos em
andamento na Justiça Militar eram desdobramentos da anistia que despertavam resistências
nesses setores483. Por outro lado os segmentos de esquerda almejavam uma “anistia ampla,
geral e irrestrita” acompanhada da apuração dos crimes praticados por funcionários do Estado

477
GOMES, Ângela de. Abertura política e controle sindical: trabalho e trabalhadores no arquivo de Ernesto
Geisel. In: Dossiê Geisel/Celso Castro e Maria Celina D’ Araujo, organizadores: Alzira Alves de Abreu. Rio de
Janeiro: Ed Fundação Getúlio Vargas, 2002.p.13
478
Apesar de estar fora do recorte temporal desse trabalho cito a prisão de 64 líderes sindicais, sendo 13
denunciados pela Lei de Segurança Nacional em 1980. Cito o assassinato do operário Santo Dias da Silva,
baleado na porta da fábrica, em confronto entre grevistas e a Polícia Militar (PM), em 1979.
479
Ver http://oglobo.globo.com/economia/governo-dos-eua-monitorou-onda-de-greves-dos-metalurgicos-no-
abc-em-1979-11962761
480
Entre as empresas estão Caterpillar, Cebrace, Embrape, Ericsson, Fiel, Ford, General Motors, Johnson &
Johnson, Kodak, National, Philips, Rhodia, Volkswagen, Avibras, Confab, Engesa, FNV, Mecânica Pesada,
Tecelagem Parahyba, Vibasa, Villares, Cosipa, Embraer, Petrobras e Telesp.
481
Ver: http://www.sindmetalsjc.org.br.Acessado em agosto de 2014.
482
LEMOS Renato. Anistia e crise politica no Brasil pós 64. Topoi. (Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, n.n.5,
p.287-231, 2002.p.293
483
Idem.
85
contra opositores políticos e consequentemente a punição dos culpados484. Nesse contexto,
podemos afirmar que a lei da anistia, aprovada em 28 de agosto de 1979, foi restrita porque
excluía os condenados pela “prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado
pessoal”, mas simultaneamente, no artigo que incluía no benefício “crimes conexos”, abria
uma brecha para uma “absolvição preventiva de agentes da repressão que estivessem sendo ou
viessem a ser acusados de tortura, assassinato etc., o que evidenciava um caráter de
“reciprocidade485. Outro ponto fundamental que nos indica o teor da anistia de 1979 foi o
retorno dos exilados ao país e, por conseguinte a recuperação dos direitos políticos. Nesse
sentido, a lei das inelegibilidades foi alterada, para possibilitar a candidatura dos anistiados e
entende-se que essa medida tinha como objetivo fracionar o MDB, já que esse partido estava
em ascensão política486. Um argumento que nos dá base para sustentar essa tese, é o próprio
projeto do MDB em relação a anistia, que excluía os líderes oposicionistas,como Leonel
Brizola e Miguel Arraes 487 . Nesse sentido esse trecho citado na conferência do general
Golbery do Couto e Silva um dos formuladores da transição política,explica a estratégica
preventiva para enfraquecer a oposição:
“A estratégia recomendaria – como requeria, aliás, também, a própria
intenção democratizante- pronta desarticulação do sistema oposicionista,
propiciando-se o surgimento de múltiplas frentes distintas , em relação às quais
voltasse a ser possível levar a cabo novo tipo, mais ampliado, da mesma manobra
em posição central que fora penhor do êxito, alcançado na fase anterior. A
heterogeneidade inata da oposição facilitaria alcançar-se tal objetivo. Em termos
políticos ,estaria aí, à disposição, a tese vigorosa do pluripartidarismo,instituído
afinal pelas reformas dos fins de 1979”488

Portanto esse projeto da anistia somado a reforma partidária pode ser entendido como
mais um instrumento para enfraquecer a oposição e entendo que a partir da entrada de novos
partidos políticos se encerrou a primeira fase da transição política.

484
Ibidem. p.294
485
Ibidem. p.295.Renato Lemos exemplifica que esse modelo de anistia foi reivindicada como matriz de
soluções adotadas na África do Sul na fase de desmontagem do sistema de apartheid e também a anistia
aplicada na Tchetchênia já que não se aplicava aos comandantes tchetchenos, e recíproca, porque beneficiava os
soldados russos acusados de assassinar e torturar rebeldes.
486
Ibidem. p.294
487
Idem.
488
SILVA, Golbery do Couto. Conjuntura Política Nacional o poder executivo e geopolítico do Brasil. Rio de
Janeiro, 1981.p.28

86
Conclusão

“Um processo que foi construído passo a passo durante cada um dos governos
eleitos depois da ditadura. Nós reconquistamos a democracia a nossa maneira, por
meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos
e acordos nacionais. Muitos deles traduzidos na Constituição de 1988. Como eu
disse, na instalação da Comissão da Verdade, assim como eu respeito e reverencio
os que lutaram pela democracia, enfrentando a truculência ilegal do Estado e nunca
deixarei de enaltecer esses lutadores e essas lutadoras, também reconheço e valorizo
os pactos políticos que nos levaram a redemocratização.” 489

Por meio deste trabalho procurei demonstrar como o Estado brasileiro reprimiu os
setores que faziam oposição ao projeto de abertura política. A Constituição de 1988 foi o
marco final do regime ditatorial e como destacado pela atual presidente Dilma Rousseff, foi
fundamental, pois se constituiu como o pacto político que simbolizou a redemocratização do
país e, portanto através dela podemos entender o sentido do atual regime democrático.

Nesta conclusão pretendo apontar os trabalhos que propõem uma reinterpretação


acerca do marco final do regime ditatorial. Destaco a produção acadêmica dos historiadores
Daniel Aarão Reis Filho e Marco Antonio Villa.

Primeiramente, a tese de Daniel Aarão Reis Filho é de que o regime ditatorial se


encerrou em 1979, pois o mesmo afirma que:

Nossa escolha recai em 1979deixou de existir o Estado de exceção, com a revogação


dos Atos Institucionais, e foi aprovada a anistia, ensejando a volta do exílio dos
principais líderes das esquerdas brasileiras. Daí em diante, abriu-se um período de
transição até 1988, quando a aprovação de uma nova Constituição restabeleceu as
condições de um pleno estado de direito em nosso país.490

Dessa forma, o autor argumenta que a revogação dos atos institucionais e a decretação
da anistia foram elementos suficientes para assegurar que a ditadura acabou em 1979, e desde
então o Brasil ingressou em um Estado de direito precário. 491 Em um artigo publicado, o
professor aprofunda suas ideias e fornece mais exemplos para embasar a sua tese de que a
ditadura encerrou em 1979. Logo indica que esses fatores contribuíram para o encerramento
do regime militar, como o restabelecimento das eleições diretas, a alternância do poder e a

489
Discurso da presidente Dilma Rousseff durante a inauguração de uma ponte sobre o rio Guaíba, no Palácio do
Planalto. Disponível em https://br.noticias.yahoo.com/dilma-defende-v%C3%ADtimas-ditadura-pactos-
constru%C3%A7%C3%A3o-democracia-141104976.html.Acessado em julho de 2014
490
AARÃO, Daniel Reis Filho. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed.2000.p.11
491
Ibidem. p.69
87
livre organização sindical, partidária e da imprensa 492 . Nessa perspectiva Daniel Aarão
discorda da historiografia que aponta o fim do regime militar em 1985, pois questiona como
um estado de exceção pode coexistir em uma conjuntura de ausência de presos políticos, com
a recuperação do poder pelo Judiciário, a existência de um pluralismo político-partidário e
sindical, a liberdade de expressão e da imprensa e por fim cita a realização de grandes
movimentos que puderam ocorrer livremente, como a “Campanha das Diretas Já” que
aconteceu entre 1983-1984493.

A segunda proposta que diminui o tempo do período ditatorial é o trabalho de autoria


de Marco Antonio Villa. Esse autor vai além das ideias de Daniel Aarão, pelo fato de
sustentar a hipótese de que o período compreendido entre 1964-1968 não pode ser
considerado uma ditadura, em função da movimentação cultural que havia no país494. Além
disso, estabelece que em 1979 se encerrou a ditadura militar e utiliza argumentos semelhantes
aos de Daniel Aarão, pois estabelece que a aprovação da Lei da Anistia , a concretização das
eleições diretas para governadores em 1982 com a participação do Partido dos
Trabalhadores(PT) e Partido Democrático Trabalhista(PDT) e a realização da campanha das
“Diretas Já” sem que tivesse ocorrido repressão, são indícios de que não se pode caracterizar
o período pós 1979 como um regime ditatorial495.

Sobre essas propostas, Demian Melo afirma que a escolha dessa periodização apóia-se
em uma concepção muito particular de democracia, que a define a partir de critérios
meramente institucionais e liberais496. Renato Lemos ao analisar esse modelo mais “otimista”
afirma que essas ideias estabelecem como marco central o fim do AI-5, mas alerta que mesmo
com o fim desse ato institucional não se modificaram as características essenciais do regime e
ademais afirma que violência política se acentuou497. A partir dessas afirmações, pretendo

492
AARÃO REIS FILHO, D. . Ditadura, anistia e reconciliação. Estudos Históricos (Rio de Janeiro), v. 23, p.
171-186, 2010. P.177
493
AARÃO REIS FILHO, D. . A ditadura civil-militar. O Globo, Rio de Janeiro, p. 2 - 2, 31 mar. 2012.
494
VILLA, Marco Antonio. Ditadura à brasileira: 1964-1985-Democracia Golpeada à Esquerda e à Direita.
São Paulo: LeYa,2014.p11
495
Ibidem. p.373
496 MELO, D. B. . Ditadura 'civil-militar'?: controvérsias historiográficas sobre o processo político brasileiro

no pós-1964 e os desafios do tempo presente. Espaço Plural político Cândido Rondon. Online), v. 27, p. 39-53,
2012p.40
497
LEMOS Renato. “Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo
político brasileiro pós-1964”. Comunicação apresentada no VI Congrés du CEISAL (Conseil Européen de
Recherche em Sciences Sociales sur l’Amérique Latine), Indépendances, Dépendances, Interdépendances,
Toulouse, France, 30 de junho a 3 de julho de 2010.p14
88
demonstrar brevemente as limitações dessa análise que propõem o encurtamento do período
ditatorial.

Inicialmente partindo do pressuposto que mesmo com o fim do AI-5, o regime político
ainda era ditatorial, pretendo demonstrar como os militares preservaram os mecanismos de
controle e repressão. Desta forma aponto que a mesma emenda que determinou o fim dos atos
institucionais, simultaneamente institucionalizou as “medidas de emergência” 498
. Essas
salvaguardas tinham como objetivo preservar a integridade do Estado quando fosse
gravemente ameaçado ou atingido por “fatores de subversão” 499 . E justamente, durante a
vigência do estado de sítio, o Estado poderia executar as seguintes medidas, que indicam o
seu caráter repressivo: a suspensão da liberdade de reunião e de associação; busca e apreensão
em domicílio; intervenção em entidades representativas de classes ou categorias profissionais;
censura de correspondência, da imprensa, das telecomunicações; o fim das imunidades dos
deputados federais e senadores e diversões públicas e uso ou ocupação temporária de bens das
autarquias empresas públicas sociedades de economia mista ou concessionárias de serviços
públicos; bem como a suspensão do exercício do cargo, função ou emprego nas mesmas
entidades 500 . A partir das medidas citadas, pode-se afirmar que “os poderes do estado de
emergência incluídos no pacote de reformas reproduziam muitos dos que constavam dos
recém advogados atos institucionais” (ALVES, 1984, 219). Nessa mesma linha de raciocínio,
parafraseando Bernardo Kucinski esse pacote de reformas, instituídos através da Emenda nº
11, representou “quase” o fim do AI-5 501 . É importante lembrar que o “Estado de
Emergência” foi utilizado pelo presidente João Figueiredo nas vésperas da votação da
Emenda Dante de Oliveira, executado pelo General Newton Cruz502. Portanto a partir das
medidas citadas acima, podemos afirmar que a tese “otimista” de Aarão e Villa que
caracteriza o contexto político com mais liberdade, pode ser revitalizado, pois a atuação
política da oposição continuava muito restrita e dessa forma podemos questionar toda a
validade das liberdades democráticas destacadas por esses autores. Além disso, é inconcebível
apontar que a anistia, o pluripartidarismo e a realização das eleições diretas em 1982 foram
elementos suficientes para o funcionamento de um Estado de Direto. Argumento que esses

498
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 11,13 de outubro de 1978.
499
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 11,13 de outubro de 1978.
500
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 11,13 de outubro de 1978.
501
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise – SP:Ed.Brasil debates 1982.p.88
502
O general Newton Cruz era chefe da agência central do SNI em Brasília durante o governo Figueiredo.
Durante a votação da Emenda Dante de Oliveira, na capital federal, executou as seguintes medidas de
“emergência”: proibição de manifestações pró Diretas Já e a prisão de integrantes do movimento estudantil.
89
autores não levam em consideração, que a anistia e a reforma partidária tiveram como
objetivo enfraquecer o partido de oposição para manter a hegemonia do partido do governo
(ARENA-PDS); além do mais vale lembrar que os partidos de esquerda ainda se encontravam
na ilegalidade e estavam sendo coagidos pelo Estado quando tentavam se (re) organizar
dentro da “legalidade”, como o caso da Convergência Socialista (CS). Por fim a realização
das eleições diretas em 1982, só foi possível devido as medidas preventivas utilizadas pelo
Estado para frear a ascensão do MDB, através da Lei Falcão, além disso o presidente Geisel
fechou o Congresso Nacional para colocar por decreto o “Pacote de Abril”, que entre suas
medidas, criava o “senador biônico” que era eleito de forma indireta.
Outro argumento que utilizo para contrapor essas teses revisionistas é a permanência
da repressão estatal contra setores de oposição, pois esses autores não levam em conta a
natureza da violência estatal no período. Stepan ao analisar a mudança da Doutrina de
Segurança Nacional (DSN) no período de abertura, aponta a mudança na concepção teórica
dessa doutrina em relação a oposição.Esse autor afirma que em 1981, havia uma legitimidade
da atuação da oposição,ou seja, durante o período compreendido entre 1974 e 1981 a doutrina
de segurança nacional incorporou quatro conceitos chaves da abertura –
oposição,participação,partidos extra governamentais e eleições - no discurso sobre a
503
segurança nacional .Porém essa interpretação da DSN pode ser limitada,pois a
“contestação” é vista como um ataque sistemático ao regime, sendo portanto, ilegítima e
sujeita ás medidas repressivas do Estado.Nesse sentido os setores considerados
“contestadores” pelo regime ditatorial seriam reprimidos pelo Estado 504
. Além da
permanência da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), a Lei de Segurança Nacional (LSN)
também foi conservada, com a mentalidade de reprimir o “inimigo interno”. Dessa forma
destaco o artigo 16 da lei atual que indica esses traços. A lei penaliza o indivíduo que se
associa com, “partidos, comitês, entidade de classe que tivesse por objetivo a mudança do
regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave
ameaça” 505. Podemos dessa forma constatar que esse dispositivo está se referindo justamente
aos setores de esquerda e contrários a ordem vigente.Também podemos observar a
criminalização de qualquer atividade que pudesse perturbar a ordem,através do artigo 23 que
traça diretrizes penais ao cidadão que incitar à subversão da ordem política ou

503
STEPAN, Alfred. Os militares: Da abertura à Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p.61
504
Ibidem. p.62
505
LEI Nº 7.170, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1983.
90
social.Portanto, uma simples greve pode ser interpretada pelo Estado como subversão da
ordem e por conseguinte através do argumento jurídico legitimar a violência policial.

A partir da ideia abordada no parágrafo acima, não é coincidência a permanência da


repressão estatal nos governos Figueiredo e Sarney durante a década de 80. Cito alguns
exemplos que elucidam o que escrevi. Já citei no capítulo anterior a coerção contra o
movimento sindical, através da repressão pura e simples, como a prisão do líder sindical Luis
Inácio Lula da Silva, e de 64 operários na greve de abril do ano de 1980, sob o argumento de
que o sindicato dos metalúrgicos tinha ligação com o movimento comunista506. Além disso, a
repressão estatal ia além da coerção física, pois há documentos oriundos do aparato policial,
que demonstram que esses órgãos vigiavam amplamente o movimento grevista. Nesse
sentido, segundo informações do general Gustavo Moraes Rego a “grande motivação” dos
órgãos de informação era o “perigo Lula”, ou seja, o movimento grevista507. Também em
depoimento, o ex- Ministro Chefe do Serviço Nacional de Informações (1985-1990), general
Ivan de Souza Mendes, justifica a vigilância sobre o movimento sindical. Segundo o general:

“A gente sabia, mais ou menos, através dos participantes e do histórico das


motivações da greve, quando ela transcendia a defesa do legítimo interesse dos
trabalhadores e passava a atender a outros interesses. Ai estava caracterizada a
ameaça, e isso não é difícil de verificar. É preciso apenas haver acompanhamento. A
gente tomava conhecimento de todas as greves e verificava quais as que tinham
curso normal e quais as que mereciam maior preocupação”.(...) “Nós fazíamos
relatórios mensais sobre a situação de segurança interna, e havia uma espécie de
resumo sobre as greves. Isso porque, como já mencionei, as greves foram muitas e
muito freqüentes. Tínhamos que ter uma atenção especial voltada para esse
assunto508

A literatura sobre transição, também indica a violência do Estado contra os


trabalhadores no campo. Bernardo Kucinski aponta que a repressão atingiu os trabalhadores
rurais quando estes entravam em greve. O autor cita que a primeira grande greve nesse
sentido ocorreu em maio de 1980 na Bahia509 e em seguida afirma que após a realização dessa
greve, os principais líderes e defensores das causas grevistas foram assassinados510.

Portanto, procurei demonstrar através de alguns exemplos, que certos setores da


sociedade foram atingidos pela coerção política. Dessa forma a perspectiva liberal que esses

506
Folha de São Paulo 22/04/1980
507
SOARES, G. A. D. (Org.) ; D'ARAUJO, Maria Celina Soares (Org.) ; CASTRO, Celso (Org.) . A volta aos
quartéis: a memória militar sobre a abertura. 1. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. P.96
508
Ibidem. p.156-158
509
KUCINSKI, Bernardo. Abertura, a história de uma crise – SP:Ed.Brasil debates 1982.p.146
510
Idem. Na página 148 o autor faz uma relação de 15 líderes de trabalhadores rurais, posseiros, advogados de
sindicatos rurais que foram assassinados em 1980 e 1981.
91
autores adotam, se demonstra insuficiente, pois principalmente a “liberdade democrática” tão
destacada não era tão ampla, principalmente para os trabalhadores em um período em que
“não havia mais ditadura”. Por fim questiono a tese de Daniel Aarão Reis que indica o fim da
“ditadura aberta” em 1979 e que partir dessa data, o Brasil entrou em um período de transição
política que duraria até 1988511. Discordo dessa afirmação, pois me faz questionar se o regime
político brasileiro não era ditadura ou democracia o que era? Sendo assim, com base nos meus
argumentos, o período ditatorial de fato não se encerrou em 1979 e a transição para o regime
democrático (1974-1988) ocorreu em um regime ditatorial. Portanto a violência política
exercida nos governos de transição (1974-1988) foi institucional e direcionada aos diversos
setores oposicionistas ao projeto de democracia restrita elaborada no final do governo Emílio
Médici (1969-1974).

511
AARÃO, Daniel Reis Filho. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed.2000.p.11
92
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Folha de São Paulo

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1.5- Documentos oficiais:

APERJ-MOVIMENTO ESTUDANTIL-CX 40, Fls.580. Informação de nº 2451/75-B, 5 de


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APERJ-MOVIMENTO ESTUDANTIL-CX 70, Fls.180. Informação de nº 01/79SPISI, 15 de


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Emenda Constitucional nº 11,13 de outubro de 1978

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93
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