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For civis and morality: Brazilian Society through the lens of the oficial publicity
of the military dictatorship through the Agencia Nacional (1970-1979)
Resumo
O presente artigo busca analisar as representações da sociedade brasileira através dos
documentários da Agência Nacional (1970-1979) um dos órgãos institucionais responsáveis
pela propaganda oficial da ditadura militar, através da Análise Fílmica. A análise empreendida
se dará a partir de quatro documentários: “Como se forja um chefe” (1970);
“Comportamento na estrada” (1970), “Ministério da Previdência Social – INPS” (1975) e “O
jovem estagiário” (1975)” levando em consideração como tais representações foram
construídas conforme a ideia de “Brasil Grande” e de Doutrina de Segurança Nacional tendo
correspondido, assim, a imposição do civismo como modelo de cidadania e moralidade.
Sobretudo, analisaremos os silenciamentos empregados pelos documentários sobre a
sociedade brasileira, resultando em um processo demarcado pelas violências simbólicas.
Palavras-chave: Propaganda política; Ditadura Militar; Agência Nacional.
Abstract
This article aims to analyze the representations of Brazilian society through the documentaries
of the National Agency (1970-1979), one of Organs institutional bodies responsible for the
official propaganda of the military dictatorship, through Film Analysis. The analysis undertaken
will be based on four documentaries: “Como se forja um chefe” (1970); "Comportamento na
estrada" (1970), "Ministério da Previdência Social - INPS" (1975) and "O jovem estagiário"
(1975)" taking into account how such representations were constructed according to the idea
of "Brasil Grande" and the Doctrine of National Security having thus corresponded to the
imposition of civics as a model of citizenship and morality. Above all, we will analyze the silences
employed by documentaries about Brazilian society, resulting in a process marked by symbolic
violence.
Keywords: Political adverstising; Military dictatorship; Agencia Nacional.
Introdução
pelo uso crescente do aparato repressivo, mas também pela difusão de imagens
produzidos pela AN3 e como tais representações passaram pela ideia da moral
2 A Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) fora criada no período de Médici e sua
sucessora, a Assessoria de Relações Públicas (ARP), ocorreu no período de Geisel. Assim, estes
órgãos não tiveram produção contínua.
3 Todos os documentários podem ser encontrados no formato online através da plataforma
Portal Zappiens.
(DSN)4.
em seu lugar, foi criada a Agência Nacional, que fez parte da estrutura do Estado
criar uma imagem coletiva dos militares, pautada em uma ideia de unidade das
à população através das salas de cinema, antes dos filmes principais6. Conforme
6 Ainda que a Televisão também fosse um veículo de comunicação que transmitia as produções
da AN, em menor escala, o cinema se constituía como principal espaço desde o decreto lei
país naquele momento. É importante destacar que tais ideias não foram criadas
pela ditadura, mas apropriadas por ela e possuem longa tradição no imaginário
social brasileiro. Para Carlos Fico (1997), o anseio pelo “Brasil Grande” se
9 É importante destacar que a noção de cidadania imposta pela ditadura militar estava ligada à
noção de obediência e civismo, em um sentido próximo ao da própria hierarquia militar.
amplo espaço no debate público. Tudo aquilo que não estava em conformidade
11 O debate entre os limites do documentário e do filme de ficção é extenso, como já dito aqui.
Basta pensarmos que as mesmas técnicas que são usadas para definir um documentário
também podem ser utilizadas pelo filme de ficção. Da mesma forma um documentário também
pode se utilizar de elementos de ficção em sua estrutura e narrativa. Exemplos de ambos os
casos não nos faltam. Sobre isto ver mais em: MELO, C.T.V. O documentário como gênero
audiovisual. Comun. Inf., v. 5, n. 1/2, p.25-40, jan/dez. 2002
coletivas associadas, sobretudo, ao poder, meio pelo qual o cinema (e, no nosso
regime ditatorial. Este aspecto ganhou uma dimensão maior pela especificidade
analisar que ela se deu através do binômio, como colocou Maria Helena Moreira
outro para ocorrer. Portanto, cabe ressaltar que as imagens dos documentários
pelo prisma de que o filme de propaganda não possui uma função de “(...)
ritual” (SIMIS, 1996, p. 53). Por este motivo nosso olhar leva em conta quais
documentários, quais os símbolos que foram utilizados para criar esta imagem
Anderson (1993, p. 34), no sentido de que nenhum dos membros da Nação irá
se conhecer ou, ainda, ouvirão falar uns dos outros, mas estão envolvidos sob
o que nos permite verificar não somente os elementos que foram escolhidos
bandeiras que foram utilizadas por amplos setores civis para defesa do golpe
civil-militar de 1964 – da própria ditadura. Cabe também assinalar que, para que
relação à função dos cidadãos neste projeto. Como nos lembra Tatyana Amaral
15 Cabe lembrar que a noção de subversivo era ampla justamente para abranger quaisquer
indivíduos que com ela fossem identificados. Assim, perseguiu-se setores rebeldes, comunistas,
trabalhadores, indígenas, jornalistas, professores, estudantes, artistas, intelectuais etc. Ou seja,
amplos setores da sociedade.
16 A construção de um ideário cívico como projeto político remonta, pelo menos, ao período da
1ª República (1889-1930) através de movimentos como a Liga de Defesa Nacional, que realizou
amplas campanhas de defesa do civismo (MAIA, 2013, p.187).
cidadãos e cidadãs tinham uma função social e política bem definida. Iremos
de temáticas referentes a mesma, mas não somente. Como podemos ver nos
ligam ao âmbito social e que este ganha uma maior visibilidade através dos
que:
Ele ainda se lembra bem daquele dia. O dia em que descobriu sua
vocação. Não sabia explicar, mas gostaria de resguardar para
sempre a felicidade que lhe vinha do passeio com a mãe, do
encontro dos companheiros, do próprio sol, do céu, do chão
liberdade. É bom ser criança e ter ímpeto e de crescer, ser alguém,
de conduzir o destino, de assumir também responsabilidades.
(Documentário Agência Nacional, 1970, nº177).
mesclando as cenas do mundo infantil e das Forças Armadas. Este jogo de cenas
bandeira do Brasil, que é símbolo de tudo que ele [o soldado] ama. A família,
nasceu. O futuro cada vez mais promissor do país com tudo de bom que se
1970, nº 177).
debruçar sobre o caso dos cinejornais da AN, o período de Médici criou uma
Quando o narrador expressa “não, não era bem essa revisão” a imagem
que surge à tela diz respeito a uma mulher, que irá se apresentar como a mãe,
alertando “cuidado, sua atenção na estrada deve ser maior. A cada momento
está em jogo a sua vida, a vida de sua família” enquanto apresenta imagens
relação à instituição familiar, como espaço onde pode tomar frente e realizar a
posição feminina relacionada à família, mesmo após ter utilizado de tom irônico
corroboram com uma ideia conservadora sobre as mulheres brasileiras, uma vez
17 Além deste, destacamos também os documentários “Rota Azul” (1970); “Criança” (1973)
e “Turismo no Rio Grande do Sul” (1974).
18 Como analisou Nina Schneider (2018), o cinema, neste período, era um espaço popular,
sobretudo para as classes médias, principais consumidoras e, por consequência, público-alvo
dos filmes de propaganda.
19 Às vésperas do golpe civil-militar de 1964 uma série de organizações de mulheres, como a
Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), Liga da Mulher Democrata (LIMDE) e União
Cívica Feminina (UCF) atuaram fortemente para o golpe (e também na própria manutenção da
ditadura). Estas organizações se uniram através do discurso anticomunista e estavam ligadas a
grupos da Igreja Católica. Desta forma, sua atuação política se deu principalmente na defesa da
família tradicional e dos valores cristãos frente a suposta ameaça comunista. Inclusive foram
principais organizadoras das conhecidas “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.
(PRESOT, 2010)
simbolizada através das imagens da multidão, como podemos ver nas Figuras
6 e 7:
trabalho são retratadas através de sorrisos, apontando para este espírito juvenil
narrador afirma que “O CIEE ajuda uns aos outros a se complementarem para
Considerações Finais
valores à sociedade brasileira por meio de uma narrativa que se colocava como
over traz falas de pessoas presentes nos filmes, estas não aparecem falando. A
interno”.
cidadão que, caso não fossem seguidos, poderia ser compreendido como
endosso aos discursos golpistas. Cabe aqui lembrar, também, que o dispositivo-
narrativo do documentário não fora uma escolha particular da AN, mas seguiu
Para além das múltiplas experiências de viver sob uma ditadura militar,
políticas. Nos últimos anos, inclusive, o Brasil tem sido marcado por
Referências
Económica
aproximações teóricas. Anos 90. Porto Alegre: PPG – História – UFRGS, no 10,
dezembro de 1998.
Contexto, 2014.
2009.