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Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992

HISTÓRIA DA COZINHA

DA PRÉ HISTÓRIA AOS NOSSOS DIAS


A cozinha não existiu sempre. Os homens primitivos alimentavam-se do que
encontravam no estado natural e comiam sem fazer preparações. O homem deslocava-se
pouco e contentava-se com produtos da região onde vivia: insectos, animais pequenos, frutos,
raízes, plantas, bagas, etc. Todos os dias o Homem da Pré-história comia as mesmas coisas,
sem se preocupar se eram duras ou macias, amargos ou ácidos, bons ou maus, crus ou
cozidos.
Mas diferentes produtos se apresentavam ao homem, dos quais ele se sustentava,
desta forma os alimentos podiam ser: apanhados, capturados, aprisionados ou colhidos, na
montanha ou na planície, no norte ou no sul, de acordo com o clima, solo, etc... Um só
imperativo animava estes homens da pré-história: comer para viver.
Assim, neste domínio, ele não era mais favorecido que os outros animais. Mas, apesar
disso, esta situação não iria durar muito tempo, pois a superioridade do homem sobre os
outros animais - a inteligência - não tardaria a manifestar-se. Foi então que o homem primitivo
foi obrigado a “inventar” meios - alguns rudimentares - para apanhar peixes quer no mar que
no rio e animais de médio porte ( como caça grossa) quer nas florestas quer nas montanhas. A
peca e a caça foram durante muito tempo uma boa fonte para o desejo alimentar do homem.
Durante a evolução alimentar do homem, vários elementos o devem ter influenciado,
tais como:
 A descoberta do fogo
 A descoberta de novos produtos e a sua selecção
 O fabrico de utensílios
 A cultura
 A criação
 Os transportes
O espírito criador do homem (o seu génio)

1 - A DESCOBERTA DO FOGO E DA COZEDURA DOS ALIMENTOS


 Como é que o fogo se manifestou na terra ?
 Terá sido friccionando duas pedras (sílex) para fazerem utensílios que uma faísca terá
incendiado uma erva seca ?

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Um dia o homem tornou-se domador do fogo. Primeiro utilizando-o para se aquecer.
Podemos então imaginar os homens reunidos à volta do fogo das cavernas a comer carne
crua, sanguinolenta, da caça capturada durante as caçadas matinais. Um destes homens
deixou cair a sua carne nas chamas, e como não queria perder a sua ração, ter-se-á
esforçado, para a recuperar ? Depois deixando-a arrefecer um pouco, a sua apreensão
vencida pelo cheiro e pela fome crescente, à frente dos outros...atentos e curiosos,
inquietos,...ele provou-a timidamente...e...desde as primeiras dentadas, espontaneamente, o
seu rosto iluminou-se, a sua satisfação foi plena, então devorou avidamente a sua carne,
gulosamente, foi a alegria no acampamento.
Foi um momento capital: o homem verificou que ao contacto com o fogo, a carne se
tornava mais tenra, mais saborosa e bem melhor que a carne crua.
Com este sabor novo o homem ficou radioso.
A cozinha acabava de nascer
O homem tomou consciência da cozedura e dos prazeres que ele podia gerar. Estes
prazeres tornaram-se ao longo dos séculos, no que mais tarde chamamos de prazeres
gastronómicos.

2 - A DESCOBERTA DE PRODUTOS NOVOS E A SUA SELECÇÃO


São cinco os sentidos, e entre eles o gosto e o olfacto permitem ao homem procurar no
acto de comer a perfeição dos seus prazeres gastronómicos, e seleccionar os produtos que
verificou, tal como ainda hoje faz, serem indispensáveis à alimentação humana: o sal, o
açúcar, o sumo de uvas, os frutos, os legumes, as aves e os animais de todas as espécies.
Frequentemente, em função da sua subtileza ou da sua raridade, o homem classifica alguns
produtos como superiores.

3 - FABRICO DE UTENSÍLIOS
Fundindo o ferro entre duas pedras e imaginando que uma delas fosse cavada e cheia
e cheia de agua, pode-se imaginar que agua aquecida permitiu aos homens descobrir uma
outra forma de cozedura. Foi suficiente para um bocado de raiz - ainda crua - se encontra-se
numa agua quente e talvez fervente para que uma acção a torna cozida: a cozedura em agua
entrava na alimentação. Depois de ter utilizado as pedras cavadas e as conchas, o homem
fabricou recipientes maiores e mais cómodos, que permitiam preparações culinárias cada vez
mais sábias.

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Desta forma da pedra cavada, à marmita de cobre, passando pelos utensílios de ferro,
bronze, greda e vidro, etc, o caminho percorrido foi longo; mas foi o caminho da evolução que
conduziu à verdadeira cozinha.

4 - A CULTURA
Os homens tiveram a ideia de trazerem para perto do acampamento as plantas que
tinham o habito de comer durante as caçadas. Transplanta-las - foi uma ideia genial para as
conservar e as manter à mão - em terra nova, por vezes num clima novo, estas plantas
prosperavam ou definhavam. Aí operava a selecção. Mas os homens intensificaram os
trabalhos de cultura e os resultados foram prodigiosos. Sem duvida que estes trabalhos
influenciaram, grandemente, a maneira de cozinhar e de cozer.

5 - A CRIAÇÃO
O mesmo se passou com as aves e outros animais. Quando abatiam uma besta,
durante uma caçada era preciso come-la rapidamente, os meios de conservação não eram
conhecidos, excepção feita à secagem.
Mas um dia tiveram a ideia de capturar as suas presas e de as transportarem para o
acampamento, de coloca-las dentro de um espaço cercado e de as alimentar. Ao dar-lhes a
comer produtos novos, e deixando-as repousar, e cuidando-as, aperceberam-se que as suas
presas melhoravam, engordavam, tornando-se melhores. Isto é, a criação permitia-lhes
procurar novas fontes alimentares.
É verdade que algumas espécies não se habituavam às protecções, enquanto que
outras espécies se desenvolveram de tal forma que ainda hoje a criação é um factor
importante na evolução alimentar humana, tal como a cultura dos produtos da terra.

6 - OS TRANSPORTES
As grandes deslocações em massa, provocadas pelas guerras, invasões, cruzadas e
grandes expedições, obrigou os homens a transportar para muito longe do seu local de
habitação todo o que condicionava e assegurava a sua sobrevivência. Ao voltar dos locais
longínquos, traziam produtos, animais e plantas que queriam conservar, cultivar e criar. A
selecção prosseguia.

7 - O ESPÍRITO CRIADOR DO HOMEM

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O espírito criador do homem permitiu-lhe dominar: o fogo e utiliza-lo, o fabrico utensílios
e recipientes de confecção, o cultivo de plantas e a criação de animais trazidos de viagens
longínquas; fez avançar rapidamente a evolução da alimentação. Foi graças ao seu génio que
o homem deve ter descoberto novos produtos, novas matérias comestíveis, quer as tenha
cultivado ou encontrado casualmente: o rústico bocado de queijo deixado sobre uma fatia de
pão nas grutas, e que ganhou bolor, deve-lhe ter feito descobrir o Roquefort.
Foi, também o seu génio, que o incitou a fazer misturas, a praticar cozeduras,
macerações e fermentações. Ele inventou e criou: a cerveja, o vinhos, o champanhe, a
maionese, o bechamel, os souflés, os gratinados, o foies gras, a massa folhada, os pralinés,
os frutos confits, e milhões de preparações umas mais saborosas que outras.
Algumas descobertas tiveram uma acção preponderante na evolução da alimentação, e os
portugueses e franceses tiveram uma grande responsabilidade: Vasco da Gama e as
especiarias, Álvares Cabral com os produtos das Américas (batata, milho, café, cacau, chá,
chocolate, etc); Charles Tellier para a conservação pelo frio, Nicolas Appert para a
conservação por esterilização, Pasteur para a conservação pelo calor...

8 - A COZINHA DE HOJE E DE AMANHÃ


A cozinha de hoje beneficiou de todos os acréscimos benéficos do progresso científico,
social, humano, técnico e artístico. Veja-se, por exemplo, o peixe que acaba de ser pescado, é
desembarcado de madrugada nas docas, pode ser transportado de avião e/ou camião
frigorífico para o mercado de um pais sem fronteiras marítimas. Comprado por um restaurante,
estará na cozinha antes do meio dia, e o chefe terá tempo para o arranjar, confeccionar e
servir quente ao almoço, ou frio ao jantar (apresentado num buffet de forma artística).
Sem duvida que foi bom ter estudado uma determinada alimentação para os
cosmonautas que foram à lua; mas na terá as sopas em sacos, os molhos prontos a utilizar,
não devem substituir a cozinha que utiliza, tradicionalmente os produtos naturais. Isto é,
qualquer que seja o tipo de cozinha: familiar, restaurante tradicional ou restaurante de
colectividade (com fins lucrativos ou não), o importante é conceber, realizar e apresentar uma
cozinha sã para os convivas.
Se este espírito vier a desaparecer, um dia talvez, retornemos às origens: fatigado de
se sustentar com comprimidos, o homem do século XX, remeter-se-á com prazer, à galinha na
panela, ou fará cozinhar como antes, um bom frango na púcara.
Mas sejamos optimistas e digamos que “apesar de tudo” haverá sempre homens para
apreciar a boa cozinha e cozinheiros para a realizar.

A IDADE MÉDIA
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O REINO DE TAILLEVANT

História da cozinha começa no fim da Idade Média, com um personagem que aparece
como o primeiro “grande chefe”: Guillaume Tirel. Justamente, na cozinha se transforma o
mestre obreiro que aprendeu segundo uma tradição oral.
Taillevant será um dos primeiros a codificar a sua cozinha nos livros numa época em
que a imprensa ainda não tinha feito o seu aparecimento.
Assim, graças a ele próprio, dispomos, actualmente, de receitas que se consumiam na
mesa do rei Carlos VI, por volta do fim do seculo XIV.

A MESA

UMA REFEIÇÃO COM TRÊS SERVIÇOS


Mas o que é então esta cozinha da Idade Média ?
Veja-se um menu, por exemplo, o que foi servido a Monseigneur d’Estampes por
Taillevent:
Primeiro Serviço
 Capão com caldo de canela
 Frango com ervas
 Couves novas com caça
Segundo serviço
 O melhor assado
 Pavão com aipo
 Lebracho com vinagre rosa
 Capão à Montinham
Terceiro Serviço
 Perdiz à “trimolette”
 Pombo estufado
 Pâté de caça
Geleias e “lesches
Quarto serviço
Do forno
 Creme de figos
 Pâté de Peras
 Amêndoas doces
 Noz e paras cruas

Antes de mais estamos surpreendidos pela diversidade de pratos. Que apetite,


pensamos! De facto, para compreender a composição e a organização de uma refeição da
Idade Média até ao seculo XIX, convém explicar o que era o serviço à francesa do Antigo
Regime (Monarquia).
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Conhecemos neste menu a expressão serviço (1º serviço, 2º serviço, 3º serviço, etc...)
corresponde a diferentes momentos da refeição.
No primeiro serviço, a mesa esta preparada com um conjunto de travessas e os
convidados comem o que querem servindo-se e cortando as iguarias. A trinchagem dos
alimentos é uma actividade na qual a nobreza da espada gosta de brilhar. Depois do primeiro
serviço, a mesa é desembaraçada e preparada para uma outra série de iguarias, a que se
chama 2º serviço e assim sucessivamente, para os diferentes serviços da refeição
Na altura do desembaraçamento, nas refeições importantes, os artistas, jograis
cantores: trovadores e trovantes e dançarinos vinham ocupar o tempo morto que separa os
dois serviços, a que os franceses chamam “entremets” e que em português podemos traduzir
por “entre serviços”.
Nota: É oportuno aqui fazer referencia que durante este intervalo permaneciam na
mesa algumas iguarias para os convivas irem petiscando, iguarias essas que aparecem nos
menus com um categoria de iguarias designada por “entremets”.
Se a partir da Renascença, uma refeição compreendia 3 serviços, dois para a cozinha e
outro para a sobremesa, no fim da Idade Média podia ter 3, 4, 5, ou 6 serviços. Não se deve
pôr isso considerar a lista de pratos servidos numa refeição à francesa, como um menu
contemporâneo, pois cada convidado não era obrigado a consumir uma parte de cada iguaria.
Mas sim ia petiscando um pouco de tudo.
As receitas da época não são, por isso, redigidas de forma a que possamos multiplicar
os ingredientes para adaptar as quantidades ao numero de convivas, mas correspondem, isso
sim, à utilização de um alimento base: a lebre, o carneiro, o frango, etc...Pelo que, para um
banquete que tenha um grande de convivas, se deve aumentar, simplesmente, o numero de
pratos para cada serviço.

NEM PRATOS, NEM GUARDANAPOS, NEM GARFOS


Até ao seculo XVI, não conhecíamos o prato em França; para as iguarias liquidas
usava-se, em geral, uma escudela, uma para duas pessoas, como se verifica numa nota do
livro “Menagier de Paris” que diz que uma mesa que receba 16 convivas indica:
A refeição precisou de 8 escudelas”, ou numa outra descrição de uma magnifica
refeição do romano Perceforet: “Aí estivemos cerca de 800 cavaleiros sentados à mesa, a
cada dama e donzela a sua escudela”. Para os alimentos sólidos, utilizava-se uma fatia de pão
espessa, cortada em redondo, a que se chamava “pão trincho” ou ábaco.
Se dispomos como utensílios da mesa, tais como facas e colheres, por outro lado o
garfo ainda não era usado, e quase sempre se utilizavam os próprios dedos para comer. E

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como ainda não se tinha inventado o guardanapo, a toalha era sempre mais comprida do lado
dos convidados e servia para estes limparem os dedos, a tolha já era estendida dobrada com
essa finalidade. Nas mesas dos príncipes e dos reis, distinguia-se a presença de um Nef,
recipiente oblongo, lembrando a linha de um navio, em metal precioso e decorado com pedras
preciosas, que estava fechado entre as refeições, e que continha os talheres do rei e
sobretudo coisas muito apreciadas na época, tais como as especiarias.

A RENASCIMENTO

UMA RENOVAÇÃO DA MESA

Glória e a influência de “Taillevant”, vão ultrapassar, largamente, o seculo XIV. O livro


“Viandier”, que não era mais que um manuscrito, teria, depois da descoberta da imprensa
numerosas edições, desde o fim do seculo XV até ao final do seculo XVII. Foi igualmente o
caso de outras obras medievais, como “O Grande cozinheiro de toda a cozinha”, cujo primeiro
manuscrito data de 1350, e que conheceu múltiplas edições na rotativa de Pierre Pidoulx,
entre 1540 a 1620, ou ainda o livro da “Honesta Volúpia” de Platinne de Crémone (notável
italiano), escrito em latim em 1474 do qual a primeira edição francesa apareceu em Lyon em
1505
O sucesso destes livro a que prolonga por cerca de mais de 200 anos, mostra que a
cozinha do renascimento ainda era muito medievalesca, quantidades importantes de
especiarias, molhos acídulos, gosto pronunciado para as caças... De facto o espírito da
verdadeira cozinha francesa ainda não tina nascido.
Até ao seculo XVII, as praticas alimentares da aristocracia europeia eram sensivelmente
idênticas; e pode-se, por isso falar de uma europeização da cozinha desta época. As mesmas
iguarias, os mesmos serviços, na corte dos reis de França, à mesa do príncipe de Land do
Santo Império Romano - Germânico ou ainda dos castelos dos nobres das províncias
Certos, desta estabilidade das praticas alimentares, algumas mudanças puderam-se
verificar, que anunciavam o nascimento próximo de uma cozinha mais subtil e requintada.

COMER À ITALIANA

APARECIMENTO DO GARFO

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A pastelaria, por exemplo, conhece os reais progressos sob a influencia dos artistas
italianos, que se tornaram mestres nas artes de compotas, geleias, massapão, pães
condimentados e nogats, que acompanharam Catarina di Médicis aquando do seu casamento
com Henrique II, futuro rei de França, em 1533, bem como Maria de Médicis que casou com
Henrique IV em 1600. Mas a influencia italiana fez-se não tanto sobre a cozinha, mas mais
sobre o serviço, as artes da mesa e a forma de comer.
Antes de mais chega-nos o garfo vindo de Veneza e de Florença, nas bagagens de
Catarina di Médicis. No entanto o seu uso só se tornou sistemático a partir da moda dos
morangos e por causa do uso dos largos colarinhos da roupa da época que se desenvolveram
no reinado de Henrique III, de 1574 a 1589. Agora, acha-se o garfo mais cómodo, a sua
utilização ajuda a evitar as nódoas e as manchas na roupa, diz A. Gottschalk, na sua “História
da Alimentação e da Gastronomia”.
Mais cómodo sem duvida, mas a adopção do garfo e a utilização do prato individual
impõem conjuntamente, com a multiplicação de copos importados de Murano, que substituem
os copos de vermeil, de prata ou de estanho, denotam o inicio de uma mudança profunda das
mentalidades. A partir de agora o requinte da mesa, consiste em evitar que os convivas
contactem directamente com (as mãos) os alimentos.
Doravante, o que choca, é o espectáculo grosseiro dos dedos mergulhando no molho
de uma travessa, à procura de um bocado melhor. agora tememos as misturas, pelo que cada
um deve ter o seu próprio talher, prato e copo. Algumas pessoas ainda continuam a comer
com os dedos, mas só depois de terem colocado o alimento no seu prato. A lavagem das
mãos é doravante sistemática.
Outros italianos impõem à mesa francesa: a faiança. Os italianos já eram mestres na
arte da ourivesaria e de joalharia (Benvenuto Cellini tinha trabalhado a baixela do rei François
I), foram os italianos que depois de múltiplos pedidos reais franceses, ordenaram “a colocação
da baixela preciosa na moeda de troca das notas de rendimento” propuseram uma baixela de
substituição em faiança. O nome vem de Faenza, cidade italiana próxima de Ravenne, onde
se aperfeiçoou a arte de recobrir uma peça de barro com uma fina camada de esmalte.
Esta influencia no requinte da arte da mesa é atestada por Montaigne que nos seus
“Ensaios” nos conta o seu encontro com o Maitre d’Hotel Italiano do Cardeal de Caraffa. “Ele
fez-me um discurso desta ciência das “goelas”, com a sua gravidade e capacidade magistral,
como se ele me fala-se de um tema importante da teologia. Ele decifrou-me uma referencia de
apetites, os que temos quando estamos em jejum, os que temos entre o segundo e o terceiro
serviço, os meios de despertar e excitar apólice dos seus molhos, primeiro em geral, depois

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particularizando as qualidades dos ingredientes e os seus efeitos...e todo isto, enfatizando com
ricas e magnificas parábolas, as mesmas que utilizamos ao tratar do governo de um império.

SÉCULO XVII

NASCIMENTO DA GRANDE COZINHA

Em 1651, Pierre de la Varenne, escudeiro de cozinha de Monsieur le Marquis Duxelles,


publica o livro “O Cozinheiro Francês”, que pode ser considerado como o primeiro e verdadeiro
livro de cozinha francês, inaugurando assim uma longa série de edições e reedições de obra
de cozinha moderna. Durante o seculo XVI, contam-se apenas algumas reedições de receitas
escritas, das quais a maior parte, eram da Idade Média, mas contam-se mais de 230 edições
ou reedições durante a segunda metade dos séculos XVII e XVIII.
Verifica-se nestas obras culinárias, algumas polémicas extremamente violentas. Nelas
se opõe o modernismo com o tradicionalismo e sem deixarem de fazer os conflitos ,que
suscitou, mais recentemente, a “nouvelle Cuisine”. Para dar um exemplo, citemos L.S.R. Que
no seu livro “A Arte de Bem Tratar” reprova em Varenne o seu passionismo culinário.
“Eu creio que não veremos, aqui, (no livro de L.S.R.) os absurdos e as desgostosas
lições que o senhor de Varenne usou dar e sustentar, pelo que durante muito tempo ele se
deixou morrer e adormecer à sorte da ignorante populaça, fazendo passar as suas produções,
como infantilidades verdadeiras...”
Com alguns séculos de recuo, a diferença entre L.S.R. e Varenne, não foi assim tão
gritante e o primeiro parece mais ter continuado a obra do segundo. Mas sem duvida a
polémica também fez parte do mundo da cozinha.
Massialot, um outro autor particularmente importante desta época, prolongou por sua
vez o trabalho de reforma começa pelos seus antecessores. Com o seu livro “O Cozinheiro
Real e Burguês” e mais tarde “O Novo Cozinheiro Real e Burguês”, primeiras obras de cozinha
a terem a forma de dicionário, podia-se seguir as evoluções da cozinha no inicio dos séculos
XVII e XVIII.
Pela primeira vez apareceu no título de um livro de cozinha referencia à burguesia, sinal
dos tempos. Os burgueses copiam os nobres na sua forma de viver e de comer; esta atitude
estigmatizada por Molière no livro “O Burguês Gentil Homem” seria um motor do

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desenvolvimento da gastronomia francesa. A nobreza, imitada na sua distinção, diferença
apressa-se a encontrar novos requintes que seria por sua vez também copiados, e assim se
vivia.
Com o livro “O Cozinheiro Francês, começaram a colocar-se em campo os grandes
principies que fizeram a grandeza e a resplendecer da cozinha francesa

UM SERVIÇO CADA VEZ MAIS REQUINTADO

O SERVIÇO DE MESA
Paralelamente à evolução culinária, o serviço de mesa evoluiu e sofisticou-se.
Estudemos as regras de serviço, tomando como exemplo as refeições feitas por Massialot e
que nos servem como modelo, não hesitando em escrever: regalar-nos-emos bastante com
esta primeira refeição pela sua organização, pela disposição dos outros de quererem ser mais
importantes, aumentando o numero ou a grandeza das suas travessas, em proporção ao
numero de pessoas e talheres .1
Só a quantidade e o tamanho das travessas varia em função do numero de convivas, a
estrutura permanece a mesma, é o que nos interessa aqui.
“Suponhamos que queremos servir uma mesa com 12 pessoas, podemos servir em
cada serviço, uma bandeja no meio, quatro travessas médias, e quatro acepipes, por
exemplo:2

1
O Cozinheiro Real e Burguês, Paris 1691
2

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PRIMEIRO SERVIÇO
 Duas sopas:
Uma meia travessa de bisque de pombos
Outra de capão com raízes
 Duas outras meias travessas para a entrada:
Uma de paté de perdiz quente,
Outra de galinhola com trufas guarnecidas de fricandó
Grande entrada
 Será de dois Rosbife
guarnecido de costeletas de vitela marinadas,
fritas em “nojo”
Para os acepipes
 Um “poupeton” de pombos.
 Uma travessa de codornizes na brasa
 Um frango recheado
 “Coulis de” cogumelos
 Uma perdiz com molho espanhol
 Dois fricandó recheados
 Dois rins de vitela recheados com fiambre
 Duas alfaces recheadas à D. Simonne
 Dois rins de vitela lardeados, no espeto
 Depois um bom assado e um guisado
 Dois fricandos sem serem recheados
 Dois pães com vitela

1. Paté de perdiz quente:


 Trata-se de um recheio de perdiz envolvido com uma massa e cozido no forno
2. Ros de bif:
 Trem de borrego
3. Degout:
4. Poupeton:
 Recheio de vaca, pão e ovo, que guarnecido o interior dos pombos: cozidos na brasa e
servidos quentes.
5. Fricandó
 Recheio colocado entre dois escalopes de vitela, que são lardeados. Aqui o fricandó não é
recheado, é apenas um escalope espesso lardeado.
É conveniente, compreender a, que tipo de iguaria refere.

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As sopas aparecem na cozinha francesa desde a Idade Média até ao seculo XX, mas o
seu lugar na refeição permanece praticamente imutável (abrem as refeições, são como os
“embaixadores”, dirá Carême), ao contrario, o seu volume, a sua técnica de composição e a
sua técnica de preparação modificaram-se profundamente. Verdadeiros pratos completos,
desde Taillevant (Idade Média) até Massialot (seculo XVI), as sopas contêm carnes, em
grande quantidade, legumes cozidos lentamente em caldos, são amolecidos antes de serem
servidos, quer dizer, recebem fatias de pão.
As duas sopas do menu de Massialot, são pois pratos muito consistentes, mais
próximos das sopas de panela que do aveludado de tomate.

SEGUNDO SERVIÇO
 Dois pastelões grandes de presunto
 Dois pastelões grandes de frango e borrego
 Doze travessas de “moiens”
 Duas travessas de “manjar branco”
 Duas travessas de salgados
 Duas travessas de orelha de vitela recheada
 Duas travessas de galantina
 Duas travessas de espargos

Acepipes
 Vinte e dois acepipes que com as 10 saladas
enchem o mesmo numero que o primeiro serviço
 Duas travessas de “mine-droit”
 Duas travessas de ”Halettes grelhadas e panadas
 Duas travessas de alcachofras com molho de presunto
 Duas travessas de pão com presunto
 Duas travessas de cogumelos recheados e guisados
 Duas travessas de “crêtes” recheados e de foie gras
 Duas travessas de empadão de capão

1. “Mine Droit”:
Pequenos guisados com paladar de vaca ou cervo
2. Halettes:
 Em francês moderno (pequena espetada de rim de vitela e fígado, panadas e grelhadas,
servem como guarnição ou como acepipes
3. Crêtes farcis
 Trata-se de cristas de galo recheada
O que neste exemplo, é chamado de “serviço” remete-nos para três momentos 3bem
precisos da refeição. As refeições servidas pela ordem do método à francesa, compõem-se na
realidade de 3 serviços distintos, dos quais dois pertencem à cozinha e o ultimo ao oficio 4.
3
Na idade média, contavam-se 4 serviços. Cf. Taillevant(reimpresso em 1655), N. Bonnefons dá igualmente conta, no seu livro “ As Delicias do
Campo”, de um exemplo de menu de 6 serviços, mas trata-se de facto de uma duplicação da estrutura do menu clássico. Cf. in Amero “Os
Clássicos da Mesa”, 1855). Desde o seculo XVII o menu fixa 3 serviços e raramente 4.
4
Oficio, significa neste caso à responsabilidade da sala.
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Eram a estrutura que os jantares do seculo XVII, já usavam. Platina, diz-nos no seu livro “A
Honesta Volúpia”, à nossa mesa é preciso manter ordem e ter regra conveniente. É de notar
que todas as mesas se dividem em três....” 5
Estas longas enumerações de travessas (partos) não corresponde à apresentação
sucessiva das iguarias a cada conviva, como nos poderia levar a crer as nossas praticas dos
serviços actuais. Elas representam o conjunto de iguarias que decoram a mesa desde o
primeiro ao ultimo serviço. As iguarias eram todas apresentadas simultaneamente e
distribuídas pela mesa, por ordem muito precisas. cada serviço possuía o mesmo numero de
pratos e cada tipo de iguaria do primeiro serviço correspondia à do segundo serviço.
A refeição à francesa caracteriza-se por uma dupla
simetria: simetria dos serviços e simetria da disposição
das travessas na mesa, em cada serviço. De um lado e
de outro da peça central, a mais importante, em volume
repartem-se as outras cujo volume varia inversamente
proporcional ao primeiro.

 Peça Grande Acepipes Sopas

A organização espacial da mesa deve, também embelezar o espírito, mas o sentido a


embelezar aqui, é antes de mais a visão. A decoração das mesas teve o seu apogeu no seculo
XVIII.

O SÉCULO XVIII

AS CEIAS DA CORTE
Sob a dupla influencia da vida da corte, que em Versalhes se torna cada vez mais
faustosa, e da procura alquímica da perfeição para os cozinheiros, a cozinha francesa
encontrou um desenvolvimento e uma requinte consideráveis. assim se aperfeiçoam as
principais bases que permitiram o desenvolvimento da “grande rate culinária clássica” francesa
no seculo XIX.

OS FESTINS DA CORTE

5
B. Platina: “De Honesta Volúpia Roma”, 1473, traduzido (para francês) por D. Christol, com o título “Platina em François”....Lyon 1505 citado por
J. Flandrim “Medicina e Hábitos Alimentares” In “Praticas e Discursos Alimentares da Renascença”, 1982 Maisonneuve Larose
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Foi na corte de Versailles que a arte do serviço à francesa, conheceu o seu maior
requinte: primeiro no reinado de Luis XIV, muito sensível aos luxos da mesa; depois sob a
regência de 1715 a 1723, durante a qual Filipe II de Orleães gosta de tal maneira de fazer boa
figura, o que ele nunca hesitava. O regente que ele foi, “fez cozinhar”, segundo a expressão da
época, quer dizer meteu as mãos na massa, durante todo o reinado de Luis XV, até 1774.
O serviço à francesa que se utilizava em toda a Europa aristocrática, é uma verdadeira
instituição que reflecte tantos as regras de serviço como a precedência e a organização social
do antigo regime (monarquia).

O GRANDE SERVIÇO À FRANCESA


O serviço `francesa apresenta-se, como já vimos, em três momentos durante os quais “
a multiplicidade de iguarias se dispõe na mesa, permitindo a cada um comer de acordo com o
seu gosto, deixa-lo livre para vaguear ao sabor do seu desejo. No entanto o acesso à travessa,
nem sempre é directo ou imediato, a organização da mesa corresponde a uma repartição dos
convidados à sua volta.

Lugares privilegiados
Na planta de uma mesa, apercebemo-nos de quais são os lugares privilegiados.
1. Se estivermos sentados ao centro, temos acesso directo, isto é sem pedir ajuda a um outro
conviva ou a empregado que nos passe a travessa, e à maior parte das travessas que se
encontram no principio da mesa; é aqui, ao centro da mesa, que o mestre da casa
(anfitrião) se coloca.
 O anfitrião, manter-se-á de pé no seu lugar, que deve ser ao centro da mesa. 6
 A colocação dos outros convidados, deve ser determinada com antecedência e ao qual
chegará sem dificuldade, adoptando o método de colocar um cartão com o nome de cada
um sobre o talher que deve ocupar...
 ”Não nos devemos esquecer que a colocação dos cartões de (marcação de lugar) não se
deve fazer ao acaso, mas ao contrario, seguido de longas meditações e combinações
profundas do anfitrião.
 Pois, é da maneira como são colocados os convidados que depende toda a satisfazer de
prazer e moral de uma refeição, que deve ter em conta qualquer coisa, de que os gulosos
desconfiam bastante.7

6
Grimod de la Reynière: “Ecrits gastronomiques”, 10/18.
7
Grimod de la Reynière: “Ecrits gastronomiques”, 10/18
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Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
 Encontramos a mesma ideia que a “Fisiologia do Gosto” de Brillat-Savarin: “o prazer da
mesa supõe cuidados...para a escolha do local e reunião dos convivas. 8
2. O sucesso da refeição depende também da escolha dos convidados e da sua associação e
colocação à mesa.
 Não é preciso por lado a lado convivas com temperamentos excessivos, rivais em literatura
ou negócios, pensadores e frívolos, não se devem ensaiar aproximações temerárias....
 A geografia da mesa, normalmente, é percorrida de armadilhas e precipícios entre os
convivas...
 A combinação de cabeceiras da mesa é mais subtil que os lugares do meio...tal como nos
diz J. P. Aron.9
3. Uma vez sentados, cada conviva:
 Pode facilmente comunicar com os seus vizinhos mais próximos ou com os que estão à
sua frente. (excepto se a distancia que os separa for grande como é o caso das cabeceiras
da mesa).
 Ao contrario é mais difícil comunicar com os convivas que estão 3 ou 4 lugares mais à
frente.
Planta do serviço de carnes (isto é das iguarias) de uma de duas mesas reais,
em Marly a 24 de Setembro de 1699.
No total de 18 iguarias: 4 sopas, 4 assados e 10 acepipes.

A ORGANIZAÇÃO DA MESA É UM REFLEXO DA SOCIEDADE

À mesa nem todos os lugares oferecem as mesmas possibilidades, isto é, o mesmo


conforto para chegarem ás travessas.
1. Os lugares centrais, dão aos seus detentores, um maior numero de possibilidades para
chegarem às iguarias que desejam consumir.
 Os lugares 4, 10, 3, 5, 9 e 11, por exemplo podem pedir directamente a 5 pessoas,
 Enquanto que os lugares 1 e 7, só o podem fazer a duas pessoas, e deverão,
normalmente, passar por intermediários. Quer dizer pedir aos seus vizinhos para pedirem
aos outros, etc,... para tal ou tal iguaria.
 Desta forma mede-se a dependência obrigatória de tais convivas face aos outros, pelo que
devem obrigatoriamente passar as travessas.
 Dependência reforçada pelo facto de os detentores dos dois lugares visíveis (de cada
extremidade, isto é os lugares 2 e 12 para o 1, e do 6 e 8 para o 7) não têm nenhuma
8
Brillat-Savarin: “La Phisiologie du Goût” Réed Hermman.
9
J.P. Aron: “le Mangeur du 19 eme siècle” Gonthier Denoel.
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 15
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necessidade da ajuda dos convivas sentados nos lugares 1 e 7 para acederem aos pratos
do principio da mesa.
 Terrível destino tem os clientes sentados nas cabeceiras da mesa, lugares 1 e 7.
Imaginemos que alguns conflitos ou incompatibilidades de humor perturbam as relações de
dois ou mais detentores dos lugares 1 e 7 com os seus vizinhos, e ei-los condenados a só
consumirem as iguarias das travessas que estejam à sua frente.
2. Por outro lado, que regalo e conforto estar no lugar central !
 Não só o acesso às peças principais é directo, como também se dispõe de múltiplos canais
possíveis para fazer o seu pedido e chegar à travessa que se deseja
 Esta multitude de canais oferece soluções de troca, e se um deles se vier a fechar, e como
se faz parte dos circuitos de ligação ou passagem das travessas, os outros convidados que
tenham necessidade de si, adoram-no, veneram-no e reconhecem o seu poder, ou melhor
a sua autoridade.
 O serviço de mesa à francesa reforça o poder do anfitrião, do domo da casa.
 O lugar central não só dá ao seu detentor, que não faz mais do que respeitar a tradição da
mesa, vantagens consideráveis quanto à apropriação das iguarias, mas ainda lhe oferece o
encanto, comodidade, desinteresse aparente, carisma que funda a sua autoridade...
3. Ao mesmo tempo que participa no segurar da travessa e com a justificação dos poderes e
da ordem estabelecida, o serviço à francesa é o reflexo da sociedade de poder meio -
carismático, muito tradicional da nobreza francesa dos séculos XVII e XVIII.
4. As etiquetas da mesa moderna guardam alguns traços deste serviço à francesa: o lugar
dos donos da casa ou dos convidados de honra ao centro do lado maior da mesa, a
trinchagem das carnes e o serviço de vinhos reservado por tradição ao dono da casa
(anfitrião).

A DECORAÇÃO E ORNAMENTAÇÃO
Tudo é organizado, ornamentado, repartido com medida e simetria de acordo com as
regras do gosto e da estética. Tal como, os jardins à francesa, que embelezavam a natureza,
para a tornar mais estética, também a mesa eram, um espaço a cultivar e a sublimar. O
convidado devia ver a mesa montada ao entrar na sala de jantar, que hoje verdadeiramente,
não existe. 10
A surpresa, como o levantar de um cortinado, participava no deslumbrar da refeição. O conviva
devia chegar à hora indicada à sala de espera, onde seria recebido pelo próprio anfitrião ou

10
L.R.S. “Explicamos como escolher uma sala para comer: se for no Inverno, deve-se escolher um aposento pequeno e fechado, mais quentes e
menos expostos ao ar, bem atapetados, e fechado com caixilhos duplos...se for no Verão, deve-se escolher um local amplo, mais fresco e bem
orientado para estar ao abrigo dos grandes calores, os salões e as galerias eram as mais indicadas”.
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 16
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
por algum dos seus parentes ou amigos...” 11, pois o primeiro serviço era sempre colocado na
mesa, antes que os convivas se tivessem sentado.
O vocabulário é antes de mais visual. fala-se da elegância da decoração, das
excelentes sobremesas, da beleza dos festins, do brilho de uma sopa, da decoração de uma
travessa, e da beleza de uma salada. Todos contribuíam para o embelezamento e para a
magnificência de uma refeição. Era preciso uma certa igualdade nas travessas, para fazer a
distribuição ordenada que satisfizesse agradavelmente os olhos e que desse prazer aos
sentidos mais delicados.12 São os sentidos mais nobres e espirituais que põem a vista em
acção, é libertar-se da grande corporalidade da boca e do gosto.
O espectáculo da refeição do seculo XVIII, lê-se melhor ainda nas “collations” e
“ambigus”.
1. As primeiras são refeições compostas, essencialmente, de iguarias doces, servidas no final
da tarde (ou ainda na ceia) depois dos jogos, em todos os tipos de locais: nos salões da
casa, nos jardins, nas grutas, etc.13
2. Quanto ao segundo, trata-se com efeito de uma ceia e de uma “collation” juntas e que se
dão, vulgarmente, ao final do dia e num local de partilhar uma refeição com vários serviços.
 Primeiro distribuem-se na mesa o conjunto de guaris de forma ordenada e um
comportamento ajustado que alegra, agradavelmente, os sentidos, e abre o apetite aos
mais desgostosos....
 Esta forma de servir supunha grandeza e magnificência. 14
Quanto mais serviço, mais fogo de artifício alimentar regulado com extrema precisão, a
organização não deixava nada ao acaso, quanto mais nos aproximávamos do jardim, maior
era a nossa predisposição para a mesa. 15
1. Quando a “collation” tem lugar no parque ou na natureza (ao ar livre):
 A mesa deve-se integrar na paisagem: não só as flores, a verdura e os ramos que
participam na decoração do buffet, mas também o moldar embelezar a natureza, tem a sua
importância. quando não soubermos onde começa a mesa e acaba a natureza, então é
porque, está tudo sabiamente organizado e recriado, se encontrou a harmonia perfeita com
a natureza..
 Para embelezarmos este local, teremos vasos, porcelanas grandes, jarrões figurativos de
vários tamanhos cheios de verdura e flores diversas, caixas de laranjas ou outras espécies
de fruta de acordo com a situação e o terreno de que dispomos, apropriado para fechar os

11
Grimod de la Reynière: “Manuel des Anphitryons”, 1808. Reed. 10/18
12
L.R.S, Idem
13
L.R.S, Idem
14
L.R.S, Idem
15
Ver por exemplo a “Collation dans um jardin” de N. Cochin 1688-1754 B.N. Paris
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 17
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
ângulos, as áreas envolventes e outros locais próprios para receber e manter nestes
espaços, as belezas que queremos enfeitar aumentando desta maneira as ornamentações
e o brilho natural.16
2. Se estivermos num salão:
 Os alimentos distribuem-se à volta de uma peça central: os legumes e os espelhos
conferem-lhes o brilho e reflexo até ao infinito. É uma verdadeira festa para os olhos. O
serviço no seculo XVIII é fazer dos alimentos uma alimentação para os olhos.
 “Se havia alguns presuntos, estufados, pastelões de caça. ou outra peça considerável,
colocavam-se nas, banquetas, mesa pé de galo dentro dos escritórios...as luzes estavam
espalhadas por todo o lado, as placas com espelho e outras galantarias bem imaginadas,
que se fazem num ilustre aparelho, faziam o espectáculo agradável aos olhos dos
convidados...17
 As sobremesas, os vinhos e as luzes estavam espalhadas por todo o lado..., nos
escritórios, nos bordos das chaminés e noutros locais mais movimentados e rigorosamente
dispostas tal como se fossem um quadro de pintura, espectáculo ou decoração, com o qual
pela sua riqueza e organização, não se podia fazer a mínima comparação.
 Estes hábitos encontravam nos olhos...,o prazer de os ver era maior do que o prazer de os
tocar”18
3. A refeição recriava um género de paraíso terrestre, onde todos os bens estão à disposição
dos homens em abundância.

A IMPORTÂNCIA DOS SERVIÇAIS

Quando o rei comia só, à sua volta fazia-se como que uma colmeia. A brigada que os
servia era organizada de acordo com as regras militares. “O chefe supremo dos oficiais
encarregados da alimentação do rei, é o Grande Mestre da Casa Real, tendo abaixo dele os
“Maitres d’Hotel”, os Mestres da Mesa, o Grande Padeiro, o Grande Escanção, o Grande
Escudeiro Trinchante, e os fidalgos serviçais.
Todo este pessoal era, bem entendido, composto por nobres fidalgos, para que o
serviço de mesa real, não baixasse, curva-se ou diminui-se, antes pelo contrario, a honra de
um convidado, não só era compensador: pois podiam aproximar-se do rei, o que era um
poder.19

16
L.S.R.: “L’Art de bien traiter”
17
L.S.R. Idem
18
L.S.R. Idem
19
G. e G. Blond: “Festins de tous les temps” Fayard 1976
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Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Os serventes de mesa (entenda-se criados de mesa: actualmente empregados de
mesa, em Portugal) do rei (tal como os cozinheiros) eram por isso pessoas nobres. Velha
tradição, já o dizia, Guillaume Tirel, diz:”Taillevant, chamado Escudeiro de Cozinha de Carlos
VI, em 1381, está representado, em armas no seu túmulo”.
Ao serviço da nobreza houve durante muito tempo, brigadas numerosas, nas quais se
contava: O Maitre d’Hotel, o Escudeiro Trinchante, os Oficiais de Cozinha, os Escudeiros de
Cozinha, os lacaios (criados)...mas a sua importância na cena da mesa não era considerável
no seculo XVIII, e era ao anfitrião que regressavam as principais tarefas da mesa.
A sua importância consistia principalmente, em guarnecer, desembaraçar e reguarnecer
a mesa ao ritmo dos serviços. Durante os serviços desembaraçavam os pratos sujos. Quando
a sopa estava comida, deixava-se a colher no prato, e deveríamos evitar coloca-la na toalha, o
servente de mesa deveria trazer-nos outra. 20
Esta tarefa prosseguiria ao longo de toda a refeição, pois era preciso trocar de prato
para cada nova iguaria que se comesse, e de talher em cada novo serviço. Não era
virtuoso apresentar um prato sujo ao seu vizinho para lhe pedir uma iguaria que se encontrava
na travessa do seu lado.21 Não era o servente de mesa que servia, mas sim o conviva que se
servia ou então o anfitrião que os servia.
É ao anfitrião que compete o dever de cuidar dos pratos dos convivas, e de lhe propor
qualquer coisa, cada vez que o prato estiver vazio. É ele que trincha a carne (na ausência do
escudeiro trinchante, o anfitrião deve ter o cuidados de trinchar as peças grandes à medida
que a refeição vai avançando: algumas vezes, dispensamos-lhe um assado, sobretudo se
houverem vários, mas no primeiro serviço, esta atenção é um dever indispensável. 22
É ainda o anfitrião que serve os vinhos entre as iguarias.
Os serventes de mesa, foram durante muito tempo responsáveis pelo serviço de vinhos
vulgares, mas esta prerrogativa ainda era excessiva. Já tínhamos visto que o vinho mais
vulgar não era o mais desterrado para o buffet, e já não se encontrava mais à disposição dos
serventes de mesa, que não somente abusavam, mas que por isso, colocavam os mestres
numa dependência continua.23 Além disso; tinham a tendência, sobretudo depois de 1776
altura em Grimod de la Reynière, que diz a M. Turgot e aos economistas, o sistema de uma
pretendida liberdade que já tinha relaxado todos os laços de subordinação; a operar ele
mesmo a mistura de vinho e agua, a trazer simplesmente um copo cheio nas proporções
reguladas ao capricho dos serventes de mesa.

20
Grimod de la Reynière: “Manuel des Amphitryons”.
21
Grimod de la Reynière, Idem
22
Grimod de la Reynière, Idem
23
Grimod de la Reynière. “Manuel des Amphitryons”.
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 19
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
O grande jogo social ligou-se à mesa, e os serventes de mesa foram excluídos, “ o seu
serviço limita-se à circulação de pratos”.
À medida que nos aproximávamos da revolução, a sua presença torna-se mesmo cada
vez mais vagarosa. O trabalho de contabilidade dos economistas começa a fazer-se sentir, e
trazem para a mesa as suas ideias de contenção. Os lacaios tornam-se na má consciência de
uma classe votada à ociosidade e ao prazer, espiões da nobreza pré-revolucionaria. Antes de
mais seria bom libertá-los logo que as sobremesas estivessem servidas; pois existia menos
necessidade de renovar os pratos, e era o momento em que a dilatação dos corações e dos
espíritos, pois era nesta altura que os lacaios se tornavam mais incómodos. Não existia nem
alegria, nem exteriorização na presença dos serventes de mesa, e o que é uma refeição sem
24
alegria e na qual não nos podemos livrar dos serventes de mesa ?
O pessoal doméstico, perturbava pois os microcosmos da mesa. talvez despindo estes
nobres, que por outro lado não hesitavam em servir o rei, uma imagem deles próprios, pois
são pouco fieis. Os lacaios aparecem, verdadeiramente, como o problema desta festa.
E Grimod de la Reynière, encarrega-se de rever os meios de “passar a presença de
pessoal domestico durante as refeições”... “Seria fácil de suplantar esta situação, utilizando
mesas rolantes colocadas a, certas distâncias, nas proximidades dos comilões: se ao mesmo
tempo pudéssemos multiplicar os moveis noutros mais pequenos à medida necessária para
duas pessoas, todos os cuidados dos convivas se resumiria a passarem pratos carregados”.
Este concretizou mesmo esta ideia, durante uma refeição que se tornou celebre, o primeiro dia
de Fevereiro de 1783, por convite do duque, pode-se ler “ você está instado a tratar de não me
trazer nem cães nem lacaios, o serviço deve fazer-se por serventes de mesa ad hoc”. 25

Termos utilizados no texto E mais tarde, em 1803 a 1812, quando


1. Vinho ordinário/corrente: instaurou o júri degustador, encarregado de lhe
 Não tem nada a ver com o que nós chamamos de vinho
corrente. Não é um vinho com 10 % de grau alcoólico, mas legitimar as iguarias que lhe enviavam os
um vinho ou vinhos que são servidos ao longo da refeição,
pasteleiros, restauradores, cozinheiros e
contrariamente ao vinho que se serve entre as iguarias, de
sobremesa ou aquele vinho que se bebe antes, no meio ou vendedores de comestíveis parisienses, mandou
depois da refeição.
instalar, para suprimir os domésticos, “um monta
2. Mistura de vinho e agua:
 Em França nos séculos XVII e XVIII, o vinho não se bebia cargas, entre a cozinha, cave e a sala de jantar e
puro, mas desdobrado com agua, de forma a adaptar a força
o primeiro andar”. Um tubo acústico foi instalado,
alcoólica da bebida à do bebedor:
 Sobre este tema, cf. C. J. Flandrin: “Boissons e manières de ornamentado com uma cabeça de cozinheiro 26
boire em Europe du XVI éme au XVII éme siécle”, in
que lhe servia para comunicar os pedidos.
“L’imaginaire du vin” Laffitte 1983.

24
Grimod de la Reinyère
25
Ver a reimpressão do bilhete de convite de A. Gottschalk: “Histoire de la alimentation e de la gastronomie”, Paris 1948. T.2
26
Parece que a cabeça que ornamentada o tubo foi um projecto, mas que não foi realizado, a existência do tubo parece ser admissível. Cf. J.C.
Bonte: Présentation à “Ecrits de la gastronomie” Grimod de la Reynière.
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Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Só uma velha servente de mesa da sua família seria admitida, alguns momentos antes,
na sala para trocar os pratos.27

AS IDEIAS NOVAS CIRCULAM....

O PRIMEIRO RESTAURANTE
Existem em França, desde a Idade Média, inúmeros albergues e tabernas, onde se
podia comer e beber numa mesa redonda que estava reservada a uma clientela muito popular.
Madame Genlis, por exemplo, lembra nas suas memórias que uma vez foi disfarçada de
camponesa, ao “Tambor Real”, o celebre Cabaré fundado por Ramponneau.
Nas estradas, as estalagens onde se tomavam refeições e se encontravam montadas
frescas não eram restaurantes no sentido moderno da lavra, quer dizer, que estes
estabelecimentos serviam uma gama importante de pratos, preparados que utilizavam todas
as técnicas de confecção possíveis
No Antigo Regime (monarquia), as profissões relacionadas com a comida,
organizavam-se em associações. estas associações de artesãos ou de comerciantes, por
vezes muito fortes, defendiam judiciosamente os interesses da sua profissão, editando
regulamentos internos para demarcarem bem a concorrência de profissões semelhantes.
Na época destacavam-se as seguintes associações de
 Talhantes: tinham direito a comercializarem carne de vaca, vitela e carneiro
 Tripeiros: que vendiam as miudezas
 Charcuteiros: que vendiam a carne de porco e de outros animais sob a forma de pâtés,
charcutaria ou presunto, mas não estavam autorizados a matar porcos
 Traiteurs: propunham todos os tipos de carnes confeccionadas sob a forma de guisados, quer
dizer acompanhadas com molhos.
 Assadores: estavam habilitados a venderem todas as carnes assadas, mas não guisadas.
Entre as diferentes associações, os conflitos eram frequentes, mas tinham sempre
origem na vontade de protegerem os interesses profissionais.
A palavra restaurante, remete-nos nesta época, para um tipo de caldo cozido, mais ou
menos guarnecido, chamado “caldo restaurador” que tinha o objectivo de restaurar as forças
daquele que o bebia. Denominação que encontramos ainda, nos livros escritos no seculo XIX,
por autores culinários.
Parece que a utilização da palavra restaurante para designar um estabelecimento de
venda de comidas, remonta algures a 1765. Nesta data, com efeito, um tal de Boulanger

27
N. Rival: “Grimod de la Reynière: “Le gourmand Gentilhomme” Le Pré aux Clercs 1983.
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 21
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
chamado Champ Oiseaux, abriu, na rua des Poulies (actual rua do Louvre), um estaminé onde
servia “restaurants” (iguarias restauradoras das forças).
Pierre de la Mesagere conta-nos a sua história: “A ideia data de 1765, pertenceu a
Boulanger, que morava na rua des Poulies. Por cima da porta lia-se esta aplicação pouco
respeitosa de uma passagem do Evangelho: “Venite ad me omnes qui stomacho laboratis e
ego restaurobo vos” (vinde a mim vocês, que tem o estômago vazio e, eu vos restaurarei). Por
outro lado Boulanger vendia caldos, que podíamos comer na sua casa, mas como ele não era
traiteur, não podia servir guisados.
Em vez de guisados, vendia aves (com sal grosso), ovos frescos e tudo isto era servido
sem toalha em pequenas mesas de mármore. Outros restauradores se estabeleceram,
incitando, nomeadamente, em Wauxhall perto do Coliseu e em topos os locais movimentados
e de divertimento publico. A novidade, a moda e sobretudo e a carestia dos traiteurs acreditou
os restauradores, pois quem ousa-se sentar-se à mesa de um traiteur pagaria três vezes mais
do que pagaria se, se restaurasse num Restaurante.
em 1767, Diderot exprime numa carta a Melle Voland, a mesma opinião: “Deixei de ir aí
(a um traiteur), para jantar num Restaurante da rua des Poulies, aí (no traiteur) estamos bem
mas caramente tratados.

A MODA DOS CAFÉS

O CAFÉ PROCOPE
Foi no fim do seculo XVII (em 1674, para ser mais preciso) que um siciliano de Palermo,
com o nome de Francesco Capelli, mais conhecido pelo nome de Procope, teve a ideia de
abrir na rua Tournon, o primeiro café de Paris, com o reclame de “Café Procope”. Alguns anos
mais tarde, em 1864, mudou-se para a rua des Fossés-Saint-Germain (actual rua d’Ancienne
Comédie), face uma famosa sala de jogo a “Bofetada da Estrela”, e vem instalar perto da
Trupe dos Comediantes Franceses.
Novidade considerável para a época: as mulheres até aqui, mais ou menos
enclausuradas em casa, são admitidas no estabelecimento.
Aí se serve, não somente o café, o chá e o chocolate consideradas bebidas da moda,
mas também produtos de pastelaria, confitures de todas as espécies e sobretudo bebidas
geladas e sorvetes, que ortograficamente se escreviam (sharbet) da palavra árabe.
Como é que se faziam os gelados e os sorvetes na época ?
Ouçamos La Quintine, que nos desvenda o método:

Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 22


Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
O sal corrente, colocado à volta de um recipiente cheio de um licor misturado com gelo, tem a propriedade
de congelar esse licor. Foi assim que a industria dos bons profissionais (da época) encontraram a forma de o
fazer. Durante os calores mais do Verão, todos os tipos de neves artificial e refrescantes deliciavam”.

 Para dispor de gelo todo o ano, armazenavam-no-lo durante o Inverno, em grandes caves
fechadas, empedradas e cavadas a que chamávamos geladeira. Assim isoladas, o gelo
conservava-se sem grande perda até ao meio do Verão.
 Um outra ideia de Procope, à qual sem duvida, ele deve grande parte do seu sucesso, foi
afixar no restaurante as noticias do dia.
Assim os cafés, rapidamente, se tornaram locais de informação, discussão, de
nascimento e propagação de rumores.
A formula vai-se multiplicar, até que em 1721, já se contavam mais de 300 cafés em
Paris. E mais de 2000, durante o Directório, no final do século.
No Procope reuniam-se, no final do espectáculo de teatro, mesmo ao lado, os
comediantes, os autores, mas também os “bons espíritos”, nobres ou ricos burgueses que
componham o publico. As discussões deambulam sobre os artistas, mas também sobre os
acontecimentos políticos.
O Procope, torna-se no primeiro café literário. Aí, encontramos Voltaire, Diderot, Buffin,
d’Alambert, Montesquieu; Rousseau; Marmoutel...Foi nos cafés que se “repensou o mundo” e
que nasceram as ideias revolucionarias, a tal ponto que Montesquieu pode escrever em 1721.
“Se eu fosse soberano deste país, fecharia os cafés pois os que frequentam, estes
locais exercitam inoportunamente os seus cérebros. Gostaria mais de os ver embriagar nos
cabarés. Pelo menos não fariam mal a não ser a eles próprios, ao passo que o inverso, a
embriaguez que ganham nos cafés, torna-os mais perigosos para o futuro do país.
A revolução, deve à revolta de Danton, Marat, Legeudre e de outro que frequentavam
os cafés.

A REVOLUÇÃO
O NASCIMENTO DA RESTAURAÇÃO
A Revolução francesa iria ter, indirectamente, profunda influencia na gastronomia
francesa, mas também em toda a Europa.

UMA NOVA FORMA DE RESTAURAÇÃO


OS GRANDES CHEFES ABREM OS SEUS RESTAURANTES

Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 23


Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Os grandes cozinheiros, outrora ao serviço da nobreza, encontram-se face a uma cruel
alternativa: seguir o mestre no exílio ou em França, ou fazer uma reconversão profissional.
Os que escolheram o exílio, exerceram a sua arte e a sua influencia nos meios
aristocráticos ingleses, suíços e alemão...Os outros tentaram oferecer os seus serviços às
melhores casas burguesas, onde os novos detentores do poder ditavam as normas, ou ainda
fazer como , Beauvilliers, abrindo o seu próprio restaurante. Se o nome do restaurante podia
designar o local onde se servia comer, deve-se verdadeiramente a Boulanger, conhecido por
“Champ d’Oiseau” que, desde 1765, servia no seu estaminé (café) os “bouillons restaurants”
(caldos restauradores), mas foi preciso esperar até 1782, para se ver abrir a galeria de Valois,
primeiro estabelecimento digno de esse nome, por Antoine Beauvilliers que gostava de se
apresentar como “antigo profissional oficial de comidas” do Senhor Conde de Provença, futuro
rei Luis XIV.
Mas o verdadeiro elemento determinante, para um restaurante ser autorizado a servir
todos os tipos de iguarias, tiveram que esperar pelo dia em que não tivessem restrições das
associações (dos estalajadeiros) que durante o antigo regime regulamentava de forma muito
estrita as actividades profissionais, interditando ou autorizando o fabrico e comercio de certos
produtos. Teve lugar em 1776, aquando da publicação de um edital de Luis XIV, redigido a 3
de Fevereiro, sob o impulso de Turgot que, influenciado pelos fisiocratas que consideravam
estas organizações profissionais como “injustas e funestas” procurando o interesse individual
em vez do interesse da sociedade em geral.

OS RESTAURANTES MULTIPLICAM-SE
Foi assim que Robert, antigo chefe de cozinha do Príncipe de Condé, abriu no numero
104, da rua de Richelieu, um estabelecimento com o seu nome.
Em 1786 na rua de Helvetius (actual rua de Sainte Anne), o restaurante dos “Frére
Provençaux” (os Irmãos Provençais), foi aberto por Maneille, Barthelemy e Simon, que na
realidade eram cunhados. O primeiro dirigia o estabelecimento, enquanto que os outros dois
asseguravam o serviço do Príncipe Conti. A emigração do príncipe em 1789, reuniu os três
cozinheiros meridionais que mudaram para a galeria de Beaujolais, a dois paços do jardim do
Palácio Real. A clientela acorreu para descobrir estas especialidades trazidas do Midi:
Bouillabaisse (caldeirada) e brandade28 (bacalhau com natas) que sabia a alho e azeite.
Em 1791, Méot, um antigo colega de Robert, das cozinhas do príncipe Condé, instala-
se na rua de Valois: decoração luxuosa, baixela principesca, cozinha da mais requintada e
verdadeira, contribuindo para as verdadeiras delicias dos gulosos”. Assim, escreveram os

28
J.P Aron: “Le Mangeur du 19 éme siècle”Robert Lafont
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 24
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
irmãos Goncourt na sua História da Sociedade Francesa Durante a Revolução.: Lucullus
reconhece-se em sua casa”.
No ano seguinte, abre-se o restaurante “le Boeuf à Mode” depois o “Rocher Cancale”
onde se activa Baleine, “O Café Hardi”, “O Café de Paris”, “O Café Inglês”, “O Café Riche”....
“Foi assim que se estabelecera, sucessivamente, os: Méot, Robert, Roze, Very, Leda,
Legacque, Brignant, Beauvilliers, Nandet, Taulllier, Nicole, etc., actualmente, quase milionários.
Em 1789 não se encontravam mais de 100 restaurantes...Agora existem 5 ou 6 vezes mais”,
diz Grimod Reynière de la em 1803, na sua primeira edição do “Almanaque dos Gulosos”.
Cinquenta anos mais tarde, Theodore de Banville, recenseia mais de 1400
restaurantes29, Chantillon Plussis30 não conta mais de 927, que considera como “superiores”,
sem contar os restaurantes do “Quartier Latin”, antepassados dos restaurantes universitários,
onde não se trocava de toalhas a não ser uma vez por semana como no Viot ou no Elioteaux 31.

O NASCIMENTO DA LITERATURA GASTRONÓMICA

Os restaurantes são frequentados pelos novos ricos da revolução que não conhecem as
regras gastronómicas da aristocracia, nem os hábitos de comer (iguarias) e beber (vinhos).
Foi a esta nova necessidade que responderam a literatura e os discursos
gastronómicos de que Grimod e Brillat-Savarin foram fundadores. Foi com a finalidade de
oferecer a estes neófitos alguma documentação útil, que nos foram lançados na carreira
alimentar e atribuídos sem reserva à literatura da gulodice, que até esta época tinha sido
pouco cultivada. O sucesso que foram obtidos nos cinco anos que se seguiram ao “Almanaque
dos Gulosos”, publicados sucessivamente, esperados com impaciência, feitos com rapidez e
impressos varias vezes, provou-nos que o numero de candidatos e adeptos aumentava todos
os dias e que podiam, impacientemente, que lhes ensinássemos o que sabíamos. 32

OS JÚRIS PROVADORES

Na época da publicação do “Almanaque dos Gulosos” (1803 a 1812), Grimod Instaurava


as praticas dos “Júris Provadores” e da “legitimação”. Consistia na degustação critica realizada

29
Th. de Banville: Les Restaurants” in “Le Gourmet” de 18 de Julho 1858.
30
Chantillon Plessis: “La vie à table à la fin du 19 ème siècle”, Théorie et pratique e historique de gastronomia moderna, 1894.
31
th. Zeldin: “Histoire des passions français” t.3.
32
Grimod dela Reynière: Preface do “Manuel”
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 25
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
por um júri de professores da gulodice, presidido quer pelo doutor Gastaldy (celebre
gastronomo originário de Montpellier, que morreu honradamente, entenda-se, à mesa do
Arcebispo de Paris, ao tentar comer um salmão com molho verde) quer pelo próprio Grimod.
As cenas da degustação, decorriam em sua casa e por vezes num restaurante onde tinham
mesa reservada: O restaurante “Rocher de Cancale”. Os artistas de craveira da capital, os
restauradores, os traiteurs, os pasteleiros, os charcuteiros... aí levavam para a degustação, as
suas ultimas criações, para que fossem julgadas, analisadas, mas sobretudo “legitimadas”.
As condições para participarem neste concurso eram simples. bastava escreveram para:
Monsieur Grimod de la Reynière,
(para seu domicilio)
Rue des Champs-Elysées, nº 8 Paris
Nota : todas as encomendas que não fossem selas e portes pagos seriam devolvidas.
Se a “legitimação” fosse boa, isto é, se o prato fosse julgado capaz de entrar no
universo gastronómico, recebia então um verdadeiro baptismo, reputado para reflectir as suas
qualidades particulares. Os resultados do espectáculo e o nome em questão seriam então
publicados na tiragem seguinte de “Almanaque dos Gulosos”.
Tratava-se assim de uma verdadeira inscrição no registo da proeza gastronómica. E o
que eram capazes de fazer par obterem artigos sobre a sua criação ou baptismo das
confecções que depois afixavam nos seus estabelecimentos. Nascia a pratica das
recomendações e dos rótulos.

O SÉCULO XIX

A IDADE DE OURO DA GASTRONOMIA FRANCESA


Foi no seculo XIX, verdadeira idade de ouro da cozinha francesa, que se afirmaram os
grandes princípios que foram o modelo da gastronomia internacional.
Constatou-se antes de mais as profundas mudanças na organização do serviço de
mesa. No contexto das exigências comerciais e económicas, acabando o fausto serviço à
francesa para se adoptar um método mais igualitário mas igualmente brilhante: o serviço à
russa.
Esta modificação nas formas de servir à mesa teria profundas repercussões no trabalho
da cozinha, especialmente na decoração dos trabalhos.
Enfim, os progressos das ciências experimentais mudariam o cuidado alquimista da
perfeição dos cozinheiros, far-lhes-ia adoptar uma atitude mais racional, face aos novos

Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 26


Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
fenómenos físico-químicos realizados na cozinha, permitindo desenvolver, complexificar e
teorizar a ciência culinária.

O RESTAURANTE IMPÕE NOVAS FORMAS DE SERVIÇO


Vender uma refeição e servi-la à francesa não pões problemas de maior, se for pedida
com antecedência, mesmo que seja para um grande numero de convivas. Mas como preparar
e facturar as refeições improvisadas para pequenos grupos, que constituíam o grosso da
clientela dos restaurante ? As exigências comerciais, rapidamente, impuseram a venda prato a
prato. E a lista fez o seu aparecimento.
Mas a maneira de vender um produto também depende do desejo de quem a compra.
Os restaurantes são, eram frequentados, pelos novos ricos da revolução que, se
surpreenderam a si próprios com o seu novo estatuto, sentindo nascer neles um desejo
ambivalente face aos sinais da sua recente ascensão.
“ Presentemente, é preciso observar: a excelência das estradas rasga avenidas onde
que mostram sinais de progresso” ao mesmo tempo que tende a ocultar-se, pois os novos
ricos “ apregoam a sua súbita opulência...não temendo ter uma casa e nela afixar o luxo da
mesa que poderia atraiçoa-los. O tempo do terror não está longe...Por isso, o serviço travessa
a travessa convém perfeitamente: quanto mais exposição ostensiva, mais as peças grandes
de iguarias dão espectáculo, mas as iguarias sucedem-se sem ficarem na mesa, que
doravante parece vazia ao olhar instantâneo, e da qual se desembaraça tudo, até a menor
migalha. Com efeito, ela enche-se durante a refeição. O vazio aparenta o mito igualitário para
uma boa consciência, duração e local para a exposição.
Estes mesmos gastrónomos que há pouco tempo coravam com a sua nova condição
social, habituaram-se pouco a pouco, ao mesmo tempo que se habituavam ao publico e
começaram a montar mesas sumptuosas, que começavam a comprometer os cozinheiros. Por
sua tinham começado a ler Grimod de la Reynière e Brillat-Savarin.
Singular regresso das coisas! Não era nestas residências armoriadas que no final do
seculo XVIII reinava a gastronomia ?
Os demolidores da nobreza desejavam faze-lo até à ruína, convocando a legitimidade
que não repousa nem nos ricos nem nos pobres, mas sim no prestigio. “
Este prestigio que sabia bem insinuar no serviço à francesa, conferindo ao anfitrião, a
graça natural susceptível de fundar o seu poder.
O método à francesa, por vezes um pouco modificado, retoma o serviço das casas
burguesas, para os meios políticos e militares do Império.

Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 27


Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Desde então, existem dois mundos gastronómicos: o dos restauradores onde se serve
da travessa e o das casas particulares, onde se faz um serviço degenerado, tipo de
compromisso entre as duas técnicas.

O SERVIÇO À RUSSA
No serviço à russa, explica Urbain Dubois e E. Bernand:
 As iguarias quentes não vão para a mesa, são trinchadas na cozinha, colocadas na
travessa e depois levadas para a sala para serem apresentadas aos convivas.
 As peças grandes ou “relevés” demasiado volumosas podem ser passadas à volta dos
convivas, podendo também ser trinchadas na sala de jantar, e depois empratadas em
pratos quentes e colocadas aos convivas.
 O conviva serve-se a ele próprio da travessa que lhe apresentamos e onde são colocadas
as iguarias previamente trinchadas na cozinha.
 “Um outro cuidado a que os chefes de mesa, ou empregados, devem estar atentos, é
facultarem tanto quanto possível os convivas a servirem-se...”
 Se a peça a servir for muito importante, é trinchada sobre uma banqueta à parte.
 Foi uma solução adoptada pelo serviço à francesa, na época dos Escudeiros Trinchadores,
mas contrariamente ao modelo antigo, a travessa não permaneceu previamente na mesa.
 Foi sobre este segundo aspecto que o serviço à russa se fixaria a sua técnica.
 E mais tarde, seriam servidas, então a partir do guéridon todas as travessas (incluindo as
que tinham sido previamente trinchadas na cozinha, por razões técnicas de confecção:
carne grelhada, cozida, salteada e frita...)
Estes métodos permitiram resolver o principal problema do serviço à francesa: espera
do produto. “ A única objecção que podemos formular contra este serviço (à francesa), aliás
faustoso aos olhos, foi que este luxo da mesa se operou em detrimento da cozinha. Por esta
razão, era um serviço complicado, as iguarias expostas à vista dos convivas, sobretudo as que
só poderiam ser consumidas no final, as entradas quentes, por exemplo, dificilmente,
conservavam um calor suficiente para serem comidas nas melhores condições de beleza e
paladar, pois eram apresentadas aos convivas muito tempo depois de terem sido colocadas na
travessa.
A procura do momento onde todas as condições estivesses reunidas para que o sabor
tivesse o seu apogeu, respectivo efémero da obra culinária, substituiu a espectacularidade
visual da refeição à francesa, para uma estética do gosto, uma resubstâncialização da iguaria
A boca ganha o lugar dos olhos (aparência), passa-se de uma organização onde o
espaço tinha a preferência, para uma organização cronológica que reintegra a duração do

Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 28


Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
ciclo digestivo. Mais serviço, logo mais uma sucessão de travessas aparece por uma ordem
precisa.
O menu outrora simples nomenclatura das iguarias apresentadas em cada serviço ( e
que não eram aliás, indispensáveis para comunicar aos convivas o que eles podiam ver nas
mesas, antes de fazerem a sua escolha) conplexificando-se, novas regras se fizeram quando
se começou a organizar a sucessão de iguarias e a sua ordem de aparecimento.
Eis a título de exemplo, este menu de 8 pessoas, servido por oito, que nos propõe U.
Dubois e E. Bernard no seu livro: “Cozinha Clássica”:
Menu de 80 (couverts) pessoas / talheres servido por 8
Serviço à Russa
Sopas 4 - Sopas de cevada perlada à Orleães
4 - Consommé com ravioles

Acepipes 4 - Pequenas espetadas à Príncipe


4 - Crustadas à Montglas

Peixes 4 - Pargo com molho de camarão


4 - Filetes de pescada à Orly
“Relevés” 33
4 - Lombo de vaca à napolitana
4 - Peru recheado à imperial
Entradas 4 - Turbante de lombinhos de lebre
4 - Timbales Agnés-Sorel
4 - Posta de salmão com geleia
4 - Costeletas de foie gras, Lucullus
Assados 4 - Galinholas assadas - Cresson
4 - Pintadas lardeadas
Legumes 4 - Trufas à italiana
4 - Pontas de espargos com ovos
“Entremts”34 4 - Bolo mazarin com ananás
Servem-se entre o 4 - Crepe recheado à Real
assado e a 4 - Frutos suecos com gelado
sobremesa 4 - Creme francês com marrasquino
Flancs35 4 - Timbale à Chateaubriand
4 - Sultanas em cascata

Contrariamente ao serviço à francesa, na qual a ordem dos comestíveis, é do mais


substancial para os mais ligeiros assiste-se assim a um movimento de crescente e
decrescente que tem o seu apogeu no assado.

Inicio Fim

33
34
Antigamente era o conjunto de iguarias servidas depois do assado, isto é legumes e iguarias doces. Actualmente, é uma iguaria doce servida
depois do queijo (por vezes o seu sentido reduz-se mesmo a um só tipo de sobremesa: pudim flan), em restauração a palavra, designa sempre
todas as preparações de legumes à responsabilidade do “entrementier”, bem como as “entremets” (iguarias do meio) de cozinha (souflés, crepes,
beignetes, croutes, croquetes, molestes) e enfim os doces, subdivididos em três categorias: “entremets” quentes, frias e doces. In “Dictionaire de
cuisine et de gastronomie”, References Larousse, Paris 1986.
35
Tipo de tarte salgada ou doce, recheada com um aparelho de flan (ou creme de ovos) ao qual se junta, eventualmente frutos, uvas secas,
fígados de aves, marisco, etc. De acordo com os casos são servidos como entrada quente ou como sobremesas. Também se chama flan ao
pudim caramelizado.
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 29
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992

Assado

Acepipe / Sopa Sobremesa / Fruta

Os vinhos e as iguarias
As regras de sucessão de vinhos, permanece idêntica à do serviço à francesa, quer
dizer vão dos mais ligeiros para os mais encorpados (dos mais claros para os mais
aromáticos,), até à sobremesa, onde aparece uma categoria particular, os vinhos doces. A
ordem das iguarias e a ordem dos vinhos progride no mesmo sentido, e aparecem então,
regras de associação ainda mais precisas: a harmonia de iguaria e vinhos.

A importância do assado: o auge da refeição


Para sublinhar de forma ainda mais forte a importância do auge de uma refeição, que se
atinge no assado, podemos criar um tipo de preparação (antes do assado) marcado por um
granizado, sorvete ou ponche, isto é um alimento liquido e adoçado e, frequentemente, um
gelado; exactamente, o oposto gustativo do assado (seco, salgado e quente) que o fará
sobressair ainda mais.
Aqui é utilizado um fenómeno de complementaridade sensorial, bem conhecido da
percepção visual.
A “spoon” (niége / neve) saturam a boca de frio doce e liquido, o que faz apelo às
sensações complementares e prepara a percepção para o assado.

As sequenciação das confecções de iguarias na refeição


As regras de encadeamento das regras de confecção, evidenciadas durante o estudo
do serviço à francesa, encontram-se aqui: as cozeduras em líquidos (cozer, estufar...)
antecedem os assados. A ordem de progressão permanece imutável, as refeições vão do
salgado para o doce. Ao contrario, o peixe faz aqui o seu aparecimento, tanto como prato
autónomo, como a sua coligação nas entradas.
Só que o serviço no à francesa, ele não era uma categoria (grupo de iguarias) de parte
inteira...O método de cozedura é um elemento distinto que permite a sua classificação quer

Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 30


Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
nas entradas quer nos assados. Desde que o peixe se tornou numa categoria de iguarias, que
muda de estatuto, a mistura peixe carne no interior do mesmo serviço era muito frequente na
cozinha dos séculos XVII e XVIII, tornando-se agora contra natura.
Aliás as regras de bem parecer também se modificam.

A Igualdade à mesa
Se o anfitrião e os seus convidados de honra continuam privilegiados, os outros
convidados deixaram de conhecer a descriminação, mesmo os que se sentam numa ponta da
mesa, podem agora esperar comer como os outros, não esperar muito tempo e, melhor ainda,
não sofrer humilhação. Com efeito, a etiqueta exige que as travessas sejam apresentadas,
primeiro aos convidados mais importantes, mas apesar desta obrigação particular, as
conveniências exigem, que no fim de uma serie de iguarias, se comece uma nova serie pelo
convidado que tinha sido o ultimo a ser servido na serie anterior.

O papel do Maitre d’Hotel / Chefe de Mesa


O Maitre d’Hotel tem aqui um papel determinante. Comerciante um tanto artista, muito
diplomata, ele deve, indubitavelmente, compreender o desejo do consumidor e suscitar-lo.
“Para fazer um Maitre d’Hôtel francês, fora de série, é preciso, não somente conhecer a
fundo a cozinha, falar pelo manos o inglês, mas ter aptidões especiais: descobrir com tacto o
que agrada a este, e o que não agrada àquele,; este problema resolve-se depois de um rápido
exame do temperamento, da nacionalidade, da idade, do sexo, e do estado de espírito
disponível daquele a quem vamos dar de comer. 36

A função de Maitre d’Hotel não pára com o trabalho da educação / relacionamento, ele
também deve por todos os meios, realçar e rodear de atractivos as iguarias que serve (são os
aspectos técnicos). De facto uma iguaria sabiamente preparada por um excelente cozinheiro,
pode passar despercebida e não ser apreciada se o Maitre d’Hotel, que a deve apresentar,
não souber valorizar o produto de forma a fazer sobressair as suas qualidades e torna-la
apetecível.

O espectáculo à mesa

36
J. Favre “Dictionaire Universal de la Cuisine” 1883/1890
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 31
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Aqui vai nascer o complemento de um serviço, próprio para a pratica de um restaurante:
as técnicas de flamejados e de trinchagem, a arte bisaria que se desenvolveram à medida que
se perdeu o medo de mostrar riqueza.
No guéridon, que era, inicialmente, uma simples etapa técnica, entre a mesa e a
cozinha, torna-se no grande espectáculo de um grande numero de operações.
O espectáculo desloca-se, já não é na mesa que se joga o acontecimento, mas sim no
guéridons que está sensivelmente próximo da mesa.
Os convivas, sentados no seu cadeirão de orquestra, maravilham-se como o talento do
Maitre d’Hotel que se rodeia dos seus cúmplices: chefes de turno, ajudantes e aprendizes;
valorizando primeiro a função do anfitrião (protagonizada pelo Maitre d’Hotel) e colocar o
cozinheiro na sua dependência.
O espectáculo seria constituído, com efeitos sabiamente usados: espinhagem de peixe,
37
com a colher e o garfo, a carne é muito delicada para meter a faca , trinchar um assado, com
uma faca longa cuja lamina tem mais de 30 cm de cumprimento com protecção, enfeitada à
volta do osso com laçarotes de papel, diante dos olhos dos convivas especados.... Até ao fogo
de artifício final, que o açúcar polvilhado fazia ao cair nas chamas dos crepes flamejados, ao
incendiarem uma infinidade de pequenas estrelas incandescentes feitas por cada partícula de
açúcar que passa pela chama.
O Maître d’Hôtel transformava-se num tipo de mágico que reinava no restaurante; foi
assim que apareceram mais tarde as grandes figuras da sala: O Alexandre do restaurante “Le
Tour d’Argent”, o Albert do restaurante “Maxim’s”. Se os cozinheiros fizeram nascer a
restauração, foi contudo o talento dos Maîtres d’Hôtel a quem devemos o seu
desenvolvimento.

O SERVIÇO À FRANCESA: SEMPRE ACTUAL NAS CASA BURGUESAS

Paralelamente, na intimidade das mansões particulares, o serviço à francesa ainda era


utilizado, mas o numero de iguarias por serviço tinha diminuído. Antoine Carême mudava um
pouco as regras e imaginava novos guisados, complexifica as guarnições das travessas para
compensar a falta de diversidade de serviços que lhe parecia em decadência. “Depois, da
renascença da cozinha francesa, passaram-se a servir poucas entradas para o numero de
convivas convidados para as casas mais opulentas de Paris. Serviam-se então 8 entradas
37
Existe a antonímia da natureza simbólica entre a faca que pode ser utensílio de violência e o peixe, símbolo do sacrifício na mitologia Grega. tal
como o pão os peixes foram multiplicados por Jesus Cristo na montanha. Cristo ressuscitou e comeu. Tornou-se em simbólicas refeições
eucarísticas, e compreende-se melhor o tabu da faca que corta conjuntamente o pão e o peixe.
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 32
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
quando se deveria servir 12...Pareceu-me mais conveniente para salvar a ciência do naufrágio,
servir 4 peças grandes com as 4 entradas (coisa que ainda não tínhamos feito até então) era
melhor do que servir 2 peças grandes e 6 entradas. Para esta nova combinação as minhas
peças suplantaram o fraco numero de entradas... Este novo tipo de trabalho, exigiu-me novos
guisados, para servir entre as entradas e as peças grandes com variedade e elegância 38. U.
Dubois duplicara as iguarias nas diferentes series de serviços à russa.

INFLUENCIA DO SERVIÇO NA DECORAÇÃO DE IGUARIAS

O produto deve ser respeitado e comido no seu melhor ponto de sucolência, o que se
torna impossível quando o fazemos esperar para fazer decorações demasiado longas. Este
contra tempo longe de fazer desaparecer a arte de decorar, vai ao contrario exacerba-la, pois
está fora de questão servir uma refeição numa mesa vazia e desprovida de luxo.
Dois tipos de decoração se vão desenvolver: as decorações dos pratos quentes que
não devem esperar, e as decorações dos pratos frios e das pastelarias que suportam mais
facilmente os tempos de espera.
Decorações de pratos quentes
Para os pratos quentes, o trabalho de decoração vai no duplo sentido de suportar e
construir a iguaria ao mesmo tempo que o ornamenta. Os suportes decorativos são: os fundos
de apoio, as empadas, os pedestais e as bordaduras. Apresentam-se em pão frito, sêmola,
arroz, massas de nouilles e têm por função realçar a peça com a finalidade de lhe dar mais
elegância. Elas não são obrigatórias, mas tornaram-se de alguma forma indispensáveis, nas
mesas dos grandes senhores e dos anfitriões que querem seguir as boas tradições, indo a par
com o conforto, luxo e elegância.
Os espetos para carnes assadas que se podem prepara com antecedência vem
ornamentar as travessas. Inicialmente, serviam para fixar as peças a assar no espeto.
“Indiquei que utilizava um espeto grande para manter o rosbife no assador, tal como se faz
normalmente nas nossas cozinhas. Massialot, sabia fazer espetadas de um rim de vaca e de
porco, que servia como acepipes, ou por vezes panadas e grelhadas ou fritas, como guarnição
de um assado.
Depois Carême, meteu-se a fazer peças de decoração, nas quais fixava as trufas,
legumes cizelados, camarões, cristas de galo... E lardeadas não só para os assados, mas
também para os caldos, entradas e relevés....
Assim ornamentadas pelas riquezas que as envolvem, a sobriedade das peças tornem
aceitável.

38
cf. U. Dubois et E. Bernard: “La Cuisine Artistique” Dentu 1814
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 33
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992

Decorações de pratos frios


Mas foi nas peças frias que a decoração ia literalmente ter o seu potencial. Primeiro,
parecia que um jantar servido nestas condições, à russa, devia deixar a mesa vazia, e
consequentemente, desaprovava o luxo que gostávamos de ver neste tipo de acontecimentos.
Mas esta suposição era desprovida de fundamento, pois as peças frias “entremets”, as peças
de pastelaria e as sobremesas, podiam ser simetricamente colocadas na mesa, desde o inicio
do jantar, e para a maior parte, aí permaneceriam expostas durante toda a refeição.
Os cozinheiros e os Maitre d’Hotel tinham pois que ter uma grande amplitude para
decorar a mesa e fazer brilhar as suas aptidões, precisamente nas iguarias onde a
ornamentação melhor se aplicava. E viam-se aparecer decorações de uma complexidade
louca, que exigiam semanas de trabalho e nas quais se exprimia uma verdadeira
megalomania. Estas peças representavam monumentos antigos, ruínas...sobre os expositores
de açúcar cristalizado...onde se misturavam as influencias do romantismo e o desejo
inconsciente da burguesia, de se apropriarem da cultura clássica, consumindo-a e fagocitando-
a.
É pois, pela dupla via do desenvolvimento: a das refeições nos restaurantes os quais
complexificam o serviço e a das cozinhas das mansões particulares, onde as guarnições se
multiplicam e onde a ciência da decoração atinge níveis nunca antes igualados, que se
constituía a “arte da cozinha clássica”

A PROCURA DA OSMOZONA

UMA SABIA MISTURA ENTRE QUÍMICA E ALQUIMIA

Carême foi obcecado pela investigação daquilo em que acreditava ser o principio sápido
das carnes: a osmozona.
Depois dele, eis o que se passa durante a cozedura de um caldo: “A panela aquece
lentamente, o calor da agua eleva-se gradualmente e dilata as fibras musculares de carne de
vaca dissolvendo a matéria gelatinosa que aí existe. Neste calor temperado as carnes de um
cozido espumam, lentamente, a osmozona que é a parte mais saborosa da carne, dissolve-se
pouco a pouco, dando untuosidade ao caldo do cozido, e albumina, que é a parte dos
músculos que produz a espuma, dilata-se suavemente e sobe à superfície da panela, sob a

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Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
forma de uma espuma ligeira...” Eis, os vantajosos resultados de toda esta operação química,
enquanto que se colocarmos, inconsideravelmente, a panela a lume forte, a fervura turvam e
precipita-se, pois a albumina coagula, escurece e água não tem tempo para penetrar nas
células carne carregadas da parte gelatinosa e da osmozona que se libertou.
Operação química que segundo Carême, com efeito trata, sob a aparência científica, da
investigação alquimia da essência.
A palavra, foi bem criada pelo químico J. Therard (1777-1857, doutorado da faculdade
de ciências, que nos leva, exactamente, a uma noção sensorial, que a um conceito científico
da profundidade dos corpos. As utilizações desta noção, se estiverem de acordo com a
experiência sensorial e com a percepção gustativa que a acompanha, tem uma definição muito
“louca”, e mesmo contraditória do depeno químico no qual se pretende apoiar.
Brillat-Savarin que apenas tinha a experiência da pratica culinária, mas que ao contrario
tinha uma sólida experiência de gastronomia, define-nos a osmozona como 2 a carne
eminentemente sápidas das carnes” e acrescenta apoiando-se nos seus conhecimentos
químicos da época: ela solubiliza-se na agua fria, e... distingue-se da parte extractiva, porque
esta ultima só é solúvel em agua fervente, mas ao mesmo tempo, curiosamente, é a que se
carameliza e aloura as carnes.
Carême acredita na sua solubilidade na agua quente, a fraca fervura. Ele sabe, graças
à sua experiência culinária que a “parte eminentemente sápida das carnes”, não é saudável na
agua fria.
O que é então a osmozona ?
M Guilbert, que em nota na “Fisiologia do Gosto” reeditada pela editora Hermman,
apresenta-a como uma mistura complexa de substancias orgânicas, tais como a criatina, a
inosita, o acido láctico...” é ainda prisioneiro da definição de Brillat-Savarin que a dá como
solúvel na agua fria, desta forma citamos os elementos químicos, em solução no plasma, mas
estes diferentes elementos só contêm o sabor, e em todo o caso, não contêm o sabor
característico das carnes. Com efeito, a osmozona corresponde ao que os químicos modernos
chamam de “petições, quer dizer, os hidrolisados de proteínas, os corpos solúveis, que se
obtêm na fervura em agua ao fim de 2 ou 3 horas de cozedura.

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Estes
Proteínas Peptões Ácidos aminados

Hidrolise Pela acção da cozedura --------------


peptões, família dos corpos químicos, intermediários entre as proteínas complexas e os ácidos
aminados que se podem obter pela fermentação. O molho de soja, “o nouc-mâm” do chinês,
são os hidrolisados das proteínas, a primeira a soja, a segunda o peixe. A carne sob a acção
da abolição, hidrolisa-se e uma parte das proteínas transforma-se em peptões, que passam na
ebulição, e o sabor é acrescido e obtêm-se um concentrado de gosto a carne.
O conceito de osmozona é a base do desenvolvimento dos métodos de confecção e da
teoria dos fundos de cozinha.

A CRITICA GASTRONÓMICA DESENVOLVE-SE

No fim do seculo XX e no principio do seculo XX, assiste-se à aliança entre a arte e a


ciência, da tecnologia e do saber-fazer. este período marca, especialmente o triunfo das
praticas de restaurante, não porque os chefes das casas burguesas tenham desaparecido
(podiam-se contar nesta época cerca de 500, em Paris), mas porque a literatura e o jornalismo
gastronómico, estimularam e tornaram publicas as reflexões e criações culinárias.

Em 1858, comprometendo-se com a via, aberta por Grimod de la Reynière, C Monselet


e A. Scholl fundaram uma revista gastronómica: “O Gastrónomo” que não sobreviveu muito
tempo, no entanto inaugura outro estilo de jornalístico do qual a prosperidade nunca mais se
desligou.
O estilo literário glutão e a critica gastronómica atingiram o seu apogeu e contaram com
inúmeros colaboradores: O barão de Brize, L. des Fos, Fulbert-Dumonteil, M. Rouf Cornonsky,
A. de Croze, H. Clos Jouve...
Os restaurantes foram os seus grandes divulgadores, e foram os seus chefes e seus
Maître d’Hôtel que regularmente, escreviam as praticas gastronómicas presentes e pensando
no futuro. De entre esses chefes destancam-se: L. Brignon, J. B. Reboul, A. Caillat, (escola de
Provença); A. Duglere; E. Nignon, M. Marguery, J. Favre, P. Gilbert, E. Fetu, A. Escoffier, P.
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Montagnier, todos eles dirigentes (e mesmo restauradores) que contrariaram a geração
precedente, na qual a excepção feita A. Beauvilliers, pensadores de cozinha que trabalhavam
na casa de burgueses.

OS PALÁCIOS
OU NOSTALGIA DA VIDA NOS CASTELOS

UMA NOVA ARTE DE VIVER

NASCIMENTO DO TURISMO
No final do século XIX nascia o turismo, vai-se a banhos, descobre-se a Côte d’Azur. A
alta sociedade move-se de palácio para palácio.
Com o desenvolvimento dos estabelecimentos de luxo, em toda a Europa, o saber-fazer
francês em matéria de organização impõe-se. Os chefes dispõem agora, é verdade, de uma
boa experiência para a restauração comercial.
Pouco a pouco desenvolve-se uma verdadeira industria hoteleira. Desta forma os
hábitos de estar à mesa e os gostos franceses tornaram-se uma moda internacional. Auguste
Escoffier, um chefe carismático, codifica a cozinha e traz as ultimas novidades ao edifício
construído pelos seus antecessores, Carême, Gouffé, Dubois e Bernard.
O espírito gastronómico do século XIX, já o conheceram, está habituado pela
necessidade de restaurar uma arte de viver desaparecida e enaltecer ou reforçar a
legitimidade dos seus autores. Independentemente das ideias políticas que se sucederam:
Republica, Restauração, Impérios...
Partindo de Paris, onde nasceu esta nova arte de viver que brilhava em França, na
Europa e nas Américas, e mesmo nos impérios coloniais, de acordo com o triplo itinerário
aquático: cidades de agua, cidades balneares, paquetes e linhas de cruzeiros.
Desde 1850 que reinava na aristocracia europeia a moda das curas termais, que
poderiam ser consideradas:
- respostas medicinais dos excessos da mesa e às doenças coloniais,
- novos hábitos mundanos
- exotismo romântico
Sem dúvida, um pouco disto tudo, mas também da nostalgia secreta da vida dos
castelos do antigo regime. De Plombières a Carlsbad, de Vivhy a Spa, de Bath a Aix-les-Bains,
a Europa mundana, da política (Napoleão III, Guillaume II, a corte dos Czares...), mas também

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os escritores e os artistas (Dostoievski, Dumas, Dickens, De La Croix, Chateaubriand, Rossini,
Brahams, Saint Saens; Gounod, Wagner...) passavam o Outono nas “cidades de agua”.
Paralelamente, a moda do termalismo, os banhos do mar começavam de mar
começavam a ter sucesso. O mar prescrito pelos médicos, torna-se diz-nos E. Ferrieux, no
grande beneficio milagroso contra as doenças do século: a raiva, os nervos, raquitismo, gota,
asma, ou doenças pulmonares. Não têm nada a ver com as nossas alegres praias ensoladas,
pois para ser eficaz, a agua deve ser fria. O Doutor Roussel, em 1853 chegava mesmo a
recomendar os banhos de Inverno, porque quanto mais fria fosse a agua, mais activava as
glândulas.
As estações mais frequentadas eram as do Norte de França (a agua era a mais fria), e
a estação da costa mediterrânica ocorria entre Outubro e Maio. Foi preciso esperar até 1931
para que os membros da União Regional dos Hoteleiros da Côte d’Azur decidiram abrir os
seus estabelecimentos durante o Verão.
Desde o final do seculo XIX, as principais estâncias balneares, o seu Palácio e o seu
Casino: Cabouyrg, Le Touquet, Deauville, Arcachon, Biarritz, Cannes, Nice, Monte-Carlo, e
atraiam uma importante clientela aristocrática estrangeira: inglesa (Nice proporciona-lhes o
passeio) russa, alemã muito antes seguida pela americana.
Os paquetes traziam a França esta clientela de nível mundial, mas também a loucura
colonial que vinha que vinha ser tratada nas “cidades aquáticas”.

NASCIMENTO DA INDUSTRIA HOTELEIRA


Palácios, Casinos e Teatros foram erguidos em todas as estações balneares. O
caminho de ferro acelerou o movimento. A arte francesa de comer e de viver impõe-se na
aristocracia europeia. É graças às suas qualidades, o seu encanto, mas também devido ao
profissionalismo dos restauradores que se deve o grande impulso desta actividade. Pois aquilo
a que chamamos hoje a industria hoteleira, começou a constituir-se em França, desde os anos
que se seguiram à Revolução. Possuía, na metade final do século XIX, um importante avanço
tecnológico e organizacional, pelo que exportaram, intensamente, o seu saber-fazer.
Cozinheiros, Maitre d’Hôtel (Chefes de Mesa) e Directores de Restaurante, eram
franceses, ou de formação francesa. A Estação balnear de Baden-Baden, por exemplo, era
gerida por Jacques Benazet, originário do Sud-Oeste de França, passa pela capital do Verão e

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do Universo. Nesta estação balnear alemã, os “croupiers” do casino experimentavam a língua
de Molière, e o jornal de Verão “O Mercure de Bade” que se pretendia como monitor ilustrado
da estação das aguas era editado em francês. Em 1862, Hector Berlioz inaugura o Teatro
dirigido por ele próprio, com a peça “Beatrice e Benedict”.
Mais tarde outros franceses, reinavam nos palácios ingleses: Escoffier e César Ritz no
Savay, Ed. Mignon no Clarigde, e nas cozinhas dos grandes paquetes.
A partir destes palácios difundiam-se, para toda a Europa aristocrática ocidental, os
hábitos franceses da mesa que viram o dia em que os seus restaurantes se revolucionaram.
Resultando de uma dupla codificação social e profissional as regras de serviço fixam:
Em Nice abre a primeira Escola Hoteleira, são publicadas obras que transmitem aos futuros
profissionais de hotelaria os grandes principio.
O tratado da industria hoteleira de Luis Leopso (profissional da Escola Hoteleira de
Nice) seria publicado em inglês, francês, italiano, grego, dinamarquês, norueguês e japonês.
As técnicas de serviço expostas eram exclusivamente as adaptações ao grande
restaurante , do serviço à russa, com três categorias:
 À francesa: serviço no qual o empregado apresenta a travessa ao conviva para este se
servir. Esta execução está afastada do serviço à francesa do Antigo Regime.
 À inglesa: serviço no qual o empregado passa a travessa e serve os convivas com a ajuda
de uma pinça (talher de serviço) feita com o gafo a carne e a colher a sopa.
 À russa ou de Guéridon
Estas três técnicas só diferem em pequenos pormenores de manipulação. A estrutura
da refeição, a ordem de sequência, a dimensão temporal respeita, perfeitamente, os princípios
do serviço à russa.
Os palácios do fim do seculo XIX e do principio do seculo XX, aparecem como um meio
de internacionalização dos hábitos franceses pós revolucionários

AUGUSTE ESCOFFIER

“A Arte Culinária”, no inicio do seculo XX, foi marcada pelo pensamento de Auguste
Escoffier, que através de um vasto movimento, simplificou, aligeirou, e desenvolveu receitas,
comprometendo-se numa reestruturação da cozinha clássica para melhor a adaptar aos
imperativos da vida activa da clientela dessa época.
Contudo o seu contributo primordial seria a formalização da ciência culinária. tendo à
sua responsabilidade as ambições científicas que animaram Carême, Dubois, Bernard e

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Gouffé, dotou a cozinha de uma classificação sofisticada, que permitia a multiplicação de
muitas formulas.

ÉPOCA MODERNA

DA RESTAURAÇÃO DO TURISMO À
“NOUVELLE CUISINE”

Se na Idade de Ouro da gastronomia Paris era o centro criador da cozinha, a primeira


metade do seculo XX ficou marcado pela ligação do turismo e à gastronomia.
Foi no coração francês, na França das regiões, que procuramos intensamente os
tesouros gastronómicos durante muito tempo negligenciados.
Ao “Itinerário Nutritivo de Paris” de Grimoud de lá Reynière, sucedeu o “Guia Michelin”
com o sucesso que todos conhecemos. A grande cozinha procura a sua inspiração, nas
cozinhas populares e burguesas das regiões francesas, e nalguns albergues de familia, que
rapidamente se tornaram nos templos de gastronomia, se prepara para renovar a cozinha
francesa.

A RESTAURAÇÃO DO TURISMO

A GASTRONOMIA MOMIFICADA
Entre as duas, a mitologia do Paraíso Culinário perdeu a inibição da criação culinária. O
auge da rate foi atingido antes, os chefes de cozinha nada puderam fazer, a não ser interpretar
melhor (com talento) as obras completas nos tempos da Idade de Ouro, século XIX, pelos
grandes mestres fundadores.
Alguns para relacionarem a gastronomia com a vida ultra rápida dos nossos dias,
escreveu Escoffier no inicio do século: “Eu foi atraído pela força das coisas, a suprimir os
suportes, a criar novos métodos de empratamento simplificados, mas nem o serviço nem a
cozinha se modificaram profundamente. Toda a inovação apareceu como uma perversão de
uma primeira perfeição.

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1917: A revolução soviética (e o nome exterioriza o contributo russo que arruína um
elevado numero de rendeiros franceses) priva os palácios de uma parte da sua clientela.
Nalguns anos o termalismo fica periclitante e, só foi salvo da aflição pela segurança social.
As folgas e férias pagas a partir de 1936, em França, leva para as praias uma multidão
de pequenos burgueses e trabalhadores. O mercado da hotelaria e da restauração
democratiza-se.
Uma boa política comercial quis que a oferta se adapta-se à procura. Os hoteleiros
franceses habituados a comandar o mundo dos bons hábitos à mesa, fizeram verdadeiras
realidades económicas. A gastronomia que se transformou em arte revela a estética, e não a
racionalidade económica. Nebulada pela tradição, a grande hotelaria viveu a democratização
na forma de alteração, o que era bom para as pequenas empresas familiares.
“Em Paris e nas cidades aquáticas, escreveu Austin Croze em 1928, muito antes da
Guerra, o cosmopolitismo, a industrialização e a indiferença ganharam à mesa. À parte de uma
elite mundial e de irredutíveis burgueses fiéis à boa e sã cozinha francesa, o convidado ou
cliente já não sabe comer...” A cozinha perdeu o seu ânimo, tornou-se numa cozinha séria,
numa cozinha química, cosmopolita. Foi o triunfo dos três grandes molhos dos quais se tiram
os 7 derivados, tal como as três cores base das quais se obtêm as 7 cores do arco-íris.
Sentindo este declínio Austin Croze, teve a genial intuição de promover uma
“regionalização da mesa”. Em 1923 e 1924, organizou no quadro do salão de Outono “OITO
DIAS DE GASTRONOMIA REGIONAL”. Chefes de todo o país vieram apresentar a cozinha da
sua região. A experiência foi retomada por Curnonsky em 1939 e durante mais de 10 anos de
1949 a 1959.

Desta forma, convém reencontrar a gastronomia nas suas regiões de origem, reconciliar
os franceses com a tradição culinária popular. Pois se jantarmos ou cearmos em Paris, não
comemos, verdadeiramente, o mesmo que se come nas regiões de origem. A variada
excelência das nossas iguarias e vinhos, traduz nos nossos temperamentos étnicos a verdade
de um alimento são e local, as receitas saborosas, transmitidas religiosamente. Eis para cada
uma das regiões francesas, um tesouro do qual não se supõe a ruína incrível que têm e que
deixamos perder, tal como tantos outros tesouros.
No entanto, ao ler os menus ou as receitas das iguarias apresentadas no Salão de
Outono, ou as que foram publicadas por A. Croze, ou mais tarde por Curnonsky, constata-se
que a cozinha regional é ainda mais amplamente seleccionada pelo saber culinário clássico.
Ponto da cozinha camponesa ou popular, mas uma recriação sábia das iguarias regionais.

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Se a Idade de Ouro da Gastronomia tornou Paris no centro do mundo onde realmente
se podia comer e beber bem, o inicio do século XX foi marcado por regresso às cozinhas
regionais graças à santa aliança do turismo e da gastronomia, diria Simon Arbellot, na
Academia dos Gastrónomos...

NASCIMENTO DO GUIA MICHELIN....


Foi no coração da França, na França profunda das regiões que descobrimos os
tesouros gastronómicos. “A gastronomade é de todo gulosa”: para Saulieu não é só o frango
Aurora; Nantes espetada de manteiga branca; Nîmes: brandade; Bordeaux: cabidela de
lampreia; Lyon: quenelles; Perigord: confit de ganso. Se coroa cada etapa de cada uma destas
suculentas especialidades e, se harmoniza ao mesmo tempo a doçura do campo com a visita
de um museu, de uma catedral ou de um bairro antigo, então estamos a apreciar toda uma
região.
No entanto para fazer este tipo de passeios pelas regiões francesas, convém andar
munido de um guia.
Ao “Itinerário Nutritivo de Grimoud de la Reynière, sucedeu, em 1900, um pequeno livro
vermelho que conheceu um sucesso sem igual, ao ponto de ainda hoje regulamentar o
firmamento culinário: O Guia Michelin. Pois a sua ambição não era só a de fornecer aos
viajantes os nomes e as moradas dos principais hotéis e restaurantes, mas também de os
classificar pelo seu mérito e citar as suas especialidades.
O Macarrão Michelin tornou-se símbolo de excelência para o viajante e, de sucesso
para os restaurador.
Foi assim que alguns estabelecimentos regionais se transformaram pouco a pouco, em
templos de gastronomia, visitados pelos parisienses e pelos turistas estrangeiros que
percorrem a França. Três grandes restaurantes emergiram antes da Guerra: o Mère Brazier
em Col de Luère, Alexandre Dumaine na Côte d’Or em Saulieu, e o de Fernand Point “La
Pyramide” em Vienne.
A partir dos pequenos albergues familiares fundaram-se verdadeiras dinastias culinárias
que ainda hoje reinam na França gastronómica contemporânea: os Bocuse (Paul Bocuse) em
Collonges no Mont d’Or; os Haeberlin em Illhaeusern; os Daguin em Auch; os Darroze em
Villeneuve de Marsan.

“LA NOUVELLE CUISINE” / A NOVA COZINHA

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Em 1960, o crescimento, económico e continuo. A ciência explode, já se vai à lua e as
viagens interestelares são uma realidade: o cientifismo liberal anuncia os progressos liberais
do futuro.
Antigamente, neste mercado a cozinha não era uma festa. Acabou o tempo perdido em
refeições fastidiosas. As privações da Guerra são esquecidas. O homem está muito ocupado
com os seus trabalhos de reconstrução do mundo. Os intelectuais teorizam o marxismo e a
revolução, permitindo a obscuridade e o avanço as sociedades sem classes.
O luxo demasiado irracional e politicamente marcado tornou-se tabu. E a gastronomia
tal como a Bela Adormecida, enterra-se nos seus êxitos. Para os aventureiros dos tempos
modernos, a hora é de ascetismo alimentar; os modelos da estética corporal mudaram. a
gordura dos gastrónomos dos séculos XVIII e XIX era um sinal de distinção social, marcava a
sua liberdade em relação à sua necessidade. A uma sociedade de abundância, a distinção
operou-se para a magreza. As mulheres de então, gordas, perderam o seu encanto para
silhuetas mais filiformes, arredondadas só onde é preciso. Uma dieta racional, medicada,
vulgarizou-se e anuncia o divorcio do bom e do são, da gastronomia e da dietética. Durante
este tempo os cozinheiros não se puderam libertar das suas referências clássicas.

CARACTERÍSTICAS DA NOUVELLE CUISINE

“O molho deve preservar, revelar o gosto do produto que acompanha, tal é a concepção
dos cozinheiros mais satirizados dos anos 80: Joel Robuchon.

Robuchon coloca-se na linha de Massialot, Menon, A. Carême, A. Escoffier e não faz


mais do que chamar, dos seus contemporâneos, algumas particularidades que caracterizam o
génio culinário francês, que por vezes temos a tendência para esquecer. Mas traz à luz do dia
esta filiação e perpétuo regresso das ideias, que correm o risco de passarem ao lado do
processo de evolução dos gostos e de não ver o que existe de profundamente original na
cozinha contemporânea.
Quando Massialot, em 1691, salienta o respeito pelo sabor dos alimentos, opõe-se aos
seus contemporâneos que usavam e abusavam das especiarias ao ponto de ocultarem o
produto base.
Quando Escoffier, fala do respeito pelo gosto, é para levar os cozinheiros do seu tempo
a simplificarem as associações entre o alimento principal, o molho e a multiplicidade de
guarnições que os acompanhavam.

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Os cozinheiros contemporâneos colocam de novo em evidencia o respeito pelo gosto
natural dos alimentos, desenvolvendo novas formas de cozedura e uma nova concepção de
molhos. O mesmo argumento ao serviço de um mesmo processo de evolução, mas com graus
diferentes. Depois de 1974, respondendo a um novo culto do corpo e a uma estética cultural
do magro, a cozinha aligeirou-se, Michel Guerard “enterra” os Prémios Goncourt com as suas
receitas da “Cozinha Magra”.
O sucesso da gama da “Cozinha Ligeira” de Findus atesta a amplitude do fenómeno.
O esquema que se apresenta a seguir procura traduzir as tendências e características das cozinhas clássica e nova
Polaridade Positiva Polaridade Positiva
Saboroso Suculento
Constante Ligeiro
Alimentício Subtil
Resistente 1 2 Delicado
Autentico Fino
Terra Ar
Sangue Sopro
Corpo Alma
Carne Fumada
Forte Insípido
3 4
Pesado Instável
Farto Sem identidade
Grosseiro Fugidia
Gorduroso Adulterada
Polaridade Negativa Polaridade Negativa
1 4 = eixo da Cozinha Clássica 2 3 = eixo da Nova Cozinha

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