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HISTÓRIA DA COZINHA
3 - FABRICO DE UTENSÍLIOS
Fundindo o ferro entre duas pedras e imaginando que uma delas fosse cavada e cheia
e cheia de agua, pode-se imaginar que agua aquecida permitiu aos homens descobrir uma
outra forma de cozedura. Foi suficiente para um bocado de raiz - ainda crua - se encontra-se
numa agua quente e talvez fervente para que uma acção a torna cozida: a cozedura em agua
entrava na alimentação. Depois de ter utilizado as pedras cavadas e as conchas, o homem
fabricou recipientes maiores e mais cómodos, que permitiam preparações culinárias cada vez
mais sábias.
4 - A CULTURA
Os homens tiveram a ideia de trazerem para perto do acampamento as plantas que
tinham o habito de comer durante as caçadas. Transplanta-las - foi uma ideia genial para as
conservar e as manter à mão - em terra nova, por vezes num clima novo, estas plantas
prosperavam ou definhavam. Aí operava a selecção. Mas os homens intensificaram os
trabalhos de cultura e os resultados foram prodigiosos. Sem duvida que estes trabalhos
influenciaram, grandemente, a maneira de cozinhar e de cozer.
5 - A CRIAÇÃO
O mesmo se passou com as aves e outros animais. Quando abatiam uma besta,
durante uma caçada era preciso come-la rapidamente, os meios de conservação não eram
conhecidos, excepção feita à secagem.
Mas um dia tiveram a ideia de capturar as suas presas e de as transportarem para o
acampamento, de coloca-las dentro de um espaço cercado e de as alimentar. Ao dar-lhes a
comer produtos novos, e deixando-as repousar, e cuidando-as, aperceberam-se que as suas
presas melhoravam, engordavam, tornando-se melhores. Isto é, a criação permitia-lhes
procurar novas fontes alimentares.
É verdade que algumas espécies não se habituavam às protecções, enquanto que
outras espécies se desenvolveram de tal forma que ainda hoje a criação é um factor
importante na evolução alimentar humana, tal como a cultura dos produtos da terra.
6 - OS TRANSPORTES
As grandes deslocações em massa, provocadas pelas guerras, invasões, cruzadas e
grandes expedições, obrigou os homens a transportar para muito longe do seu local de
habitação todo o que condicionava e assegurava a sua sobrevivência. Ao voltar dos locais
longínquos, traziam produtos, animais e plantas que queriam conservar, cultivar e criar. A
selecção prosseguia.
A IDADE MÉDIA
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 4
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
O REINO DE TAILLEVANT
História da cozinha começa no fim da Idade Média, com um personagem que aparece
como o primeiro “grande chefe”: Guillaume Tirel. Justamente, na cozinha se transforma o
mestre obreiro que aprendeu segundo uma tradição oral.
Taillevant será um dos primeiros a codificar a sua cozinha nos livros numa época em
que a imprensa ainda não tinha feito o seu aparecimento.
Assim, graças a ele próprio, dispomos, actualmente, de receitas que se consumiam na
mesa do rei Carlos VI, por volta do fim do seculo XIV.
A MESA
A RENASCIMENTO
COMER À ITALIANA
APARECIMENTO DO GARFO
SÉCULO XVII
O SERVIÇO DE MESA
Paralelamente à evolução culinária, o serviço de mesa evoluiu e sofisticou-se.
Estudemos as regras de serviço, tomando como exemplo as refeições feitas por Massialot e
que nos servem como modelo, não hesitando em escrever: regalar-nos-emos bastante com
esta primeira refeição pela sua organização, pela disposição dos outros de quererem ser mais
importantes, aumentando o numero ou a grandeza das suas travessas, em proporção ao
numero de pessoas e talheres .1
Só a quantidade e o tamanho das travessas varia em função do numero de convivas, a
estrutura permanece a mesma, é o que nos interessa aqui.
“Suponhamos que queremos servir uma mesa com 12 pessoas, podemos servir em
cada serviço, uma bandeja no meio, quatro travessas médias, e quatro acepipes, por
exemplo:2
1
O Cozinheiro Real e Burguês, Paris 1691
2
SEGUNDO SERVIÇO
Dois pastelões grandes de presunto
Dois pastelões grandes de frango e borrego
Doze travessas de “moiens”
Duas travessas de “manjar branco”
Duas travessas de salgados
Duas travessas de orelha de vitela recheada
Duas travessas de galantina
Duas travessas de espargos
Acepipes
Vinte e dois acepipes que com as 10 saladas
enchem o mesmo numero que o primeiro serviço
Duas travessas de “mine-droit”
Duas travessas de ”Halettes grelhadas e panadas
Duas travessas de alcachofras com molho de presunto
Duas travessas de pão com presunto
Duas travessas de cogumelos recheados e guisados
Duas travessas de “crêtes” recheados e de foie gras
Duas travessas de empadão de capão
1. “Mine Droit”:
Pequenos guisados com paladar de vaca ou cervo
2. Halettes:
Em francês moderno (pequena espetada de rim de vitela e fígado, panadas e grelhadas,
servem como guarnição ou como acepipes
3. Crêtes farcis
Trata-se de cristas de galo recheada
O que neste exemplo, é chamado de “serviço” remete-nos para três momentos 3bem
precisos da refeição. As refeições servidas pela ordem do método à francesa, compõem-se na
realidade de 3 serviços distintos, dos quais dois pertencem à cozinha e o ultimo ao oficio 4.
3
Na idade média, contavam-se 4 serviços. Cf. Taillevant(reimpresso em 1655), N. Bonnefons dá igualmente conta, no seu livro “ As Delicias do
Campo”, de um exemplo de menu de 6 serviços, mas trata-se de facto de uma duplicação da estrutura do menu clássico. Cf. in Amero “Os
Clássicos da Mesa”, 1855). Desde o seculo XVII o menu fixa 3 serviços e raramente 4.
4
Oficio, significa neste caso à responsabilidade da sala.
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Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Eram a estrutura que os jantares do seculo XVII, já usavam. Platina, diz-nos no seu livro “A
Honesta Volúpia”, à nossa mesa é preciso manter ordem e ter regra conveniente. É de notar
que todas as mesas se dividem em três....” 5
Estas longas enumerações de travessas (partos) não corresponde à apresentação
sucessiva das iguarias a cada conviva, como nos poderia levar a crer as nossas praticas dos
serviços actuais. Elas representam o conjunto de iguarias que decoram a mesa desde o
primeiro ao ultimo serviço. As iguarias eram todas apresentadas simultaneamente e
distribuídas pela mesa, por ordem muito precisas. cada serviço possuía o mesmo numero de
pratos e cada tipo de iguaria do primeiro serviço correspondia à do segundo serviço.
A refeição à francesa caracteriza-se por uma dupla
simetria: simetria dos serviços e simetria da disposição
das travessas na mesa, em cada serviço. De um lado e
de outro da peça central, a mais importante, em volume
repartem-se as outras cujo volume varia inversamente
proporcional ao primeiro.
O SÉCULO XVIII
AS CEIAS DA CORTE
Sob a dupla influencia da vida da corte, que em Versalhes se torna cada vez mais
faustosa, e da procura alquímica da perfeição para os cozinheiros, a cozinha francesa
encontrou um desenvolvimento e uma requinte consideráveis. assim se aperfeiçoam as
principais bases que permitiram o desenvolvimento da “grande rate culinária clássica” francesa
no seculo XIX.
OS FESTINS DA CORTE
5
B. Platina: “De Honesta Volúpia Roma”, 1473, traduzido (para francês) por D. Christol, com o título “Platina em François”....Lyon 1505 citado por
J. Flandrim “Medicina e Hábitos Alimentares” In “Praticas e Discursos Alimentares da Renascença”, 1982 Maisonneuve Larose
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Foi na corte de Versailles que a arte do serviço à francesa, conheceu o seu maior
requinte: primeiro no reinado de Luis XIV, muito sensível aos luxos da mesa; depois sob a
regência de 1715 a 1723, durante a qual Filipe II de Orleães gosta de tal maneira de fazer boa
figura, o que ele nunca hesitava. O regente que ele foi, “fez cozinhar”, segundo a expressão da
época, quer dizer meteu as mãos na massa, durante todo o reinado de Luis XV, até 1774.
O serviço à francesa que se utilizava em toda a Europa aristocrática, é uma verdadeira
instituição que reflecte tantos as regras de serviço como a precedência e a organização social
do antigo regime (monarquia).
Lugares privilegiados
Na planta de uma mesa, apercebemo-nos de quais são os lugares privilegiados.
1. Se estivermos sentados ao centro, temos acesso directo, isto é sem pedir ajuda a um outro
conviva ou a empregado que nos passe a travessa, e à maior parte das travessas que se
encontram no principio da mesa; é aqui, ao centro da mesa, que o mestre da casa
(anfitrião) se coloca.
O anfitrião, manter-se-á de pé no seu lugar, que deve ser ao centro da mesa. 6
A colocação dos outros convidados, deve ser determinada com antecedência e ao qual
chegará sem dificuldade, adoptando o método de colocar um cartão com o nome de cada
um sobre o talher que deve ocupar...
”Não nos devemos esquecer que a colocação dos cartões de (marcação de lugar) não se
deve fazer ao acaso, mas ao contrario, seguido de longas meditações e combinações
profundas do anfitrião.
Pois, é da maneira como são colocados os convidados que depende toda a satisfazer de
prazer e moral de uma refeição, que deve ter em conta qualquer coisa, de que os gulosos
desconfiam bastante.7
6
Grimod de la Reynière: “Ecrits gastronomiques”, 10/18.
7
Grimod de la Reynière: “Ecrits gastronomiques”, 10/18
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Encontramos a mesma ideia que a “Fisiologia do Gosto” de Brillat-Savarin: “o prazer da
mesa supõe cuidados...para a escolha do local e reunião dos convivas. 8
2. O sucesso da refeição depende também da escolha dos convidados e da sua associação e
colocação à mesa.
Não é preciso por lado a lado convivas com temperamentos excessivos, rivais em literatura
ou negócios, pensadores e frívolos, não se devem ensaiar aproximações temerárias....
A geografia da mesa, normalmente, é percorrida de armadilhas e precipícios entre os
convivas...
A combinação de cabeceiras da mesa é mais subtil que os lugares do meio...tal como nos
diz J. P. Aron.9
3. Uma vez sentados, cada conviva:
Pode facilmente comunicar com os seus vizinhos mais próximos ou com os que estão à
sua frente. (excepto se a distancia que os separa for grande como é o caso das cabeceiras
da mesa).
Ao contrario é mais difícil comunicar com os convivas que estão 3 ou 4 lugares mais à
frente.
Planta do serviço de carnes (isto é das iguarias) de uma de duas mesas reais,
em Marly a 24 de Setembro de 1699.
No total de 18 iguarias: 4 sopas, 4 assados e 10 acepipes.
A DECORAÇÃO E ORNAMENTAÇÃO
Tudo é organizado, ornamentado, repartido com medida e simetria de acordo com as
regras do gosto e da estética. Tal como, os jardins à francesa, que embelezavam a natureza,
para a tornar mais estética, também a mesa eram, um espaço a cultivar e a sublimar. O
convidado devia ver a mesa montada ao entrar na sala de jantar, que hoje verdadeiramente,
não existe. 10
A surpresa, como o levantar de um cortinado, participava no deslumbrar da refeição. O conviva
devia chegar à hora indicada à sala de espera, onde seria recebido pelo próprio anfitrião ou
10
L.R.S. “Explicamos como escolher uma sala para comer: se for no Inverno, deve-se escolher um aposento pequeno e fechado, mais quentes e
menos expostos ao ar, bem atapetados, e fechado com caixilhos duplos...se for no Verão, deve-se escolher um local amplo, mais fresco e bem
orientado para estar ao abrigo dos grandes calores, os salões e as galerias eram as mais indicadas”.
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por algum dos seus parentes ou amigos...” 11, pois o primeiro serviço era sempre colocado na
mesa, antes que os convivas se tivessem sentado.
O vocabulário é antes de mais visual. fala-se da elegância da decoração, das
excelentes sobremesas, da beleza dos festins, do brilho de uma sopa, da decoração de uma
travessa, e da beleza de uma salada. Todos contribuíam para o embelezamento e para a
magnificência de uma refeição. Era preciso uma certa igualdade nas travessas, para fazer a
distribuição ordenada que satisfizesse agradavelmente os olhos e que desse prazer aos
sentidos mais delicados.12 São os sentidos mais nobres e espirituais que põem a vista em
acção, é libertar-se da grande corporalidade da boca e do gosto.
O espectáculo da refeição do seculo XVIII, lê-se melhor ainda nas “collations” e
“ambigus”.
1. As primeiras são refeições compostas, essencialmente, de iguarias doces, servidas no final
da tarde (ou ainda na ceia) depois dos jogos, em todos os tipos de locais: nos salões da
casa, nos jardins, nas grutas, etc.13
2. Quanto ao segundo, trata-se com efeito de uma ceia e de uma “collation” juntas e que se
dão, vulgarmente, ao final do dia e num local de partilhar uma refeição com vários serviços.
Primeiro distribuem-se na mesa o conjunto de guaris de forma ordenada e um
comportamento ajustado que alegra, agradavelmente, os sentidos, e abre o apetite aos
mais desgostosos....
Esta forma de servir supunha grandeza e magnificência. 14
Quanto mais serviço, mais fogo de artifício alimentar regulado com extrema precisão, a
organização não deixava nada ao acaso, quanto mais nos aproximávamos do jardim, maior
era a nossa predisposição para a mesa. 15
1. Quando a “collation” tem lugar no parque ou na natureza (ao ar livre):
A mesa deve-se integrar na paisagem: não só as flores, a verdura e os ramos que
participam na decoração do buffet, mas também o moldar embelezar a natureza, tem a sua
importância. quando não soubermos onde começa a mesa e acaba a natureza, então é
porque, está tudo sabiamente organizado e recriado, se encontrou a harmonia perfeita com
a natureza..
Para embelezarmos este local, teremos vasos, porcelanas grandes, jarrões figurativos de
vários tamanhos cheios de verdura e flores diversas, caixas de laranjas ou outras espécies
de fruta de acordo com a situação e o terreno de que dispomos, apropriado para fechar os
11
Grimod de la Reynière: “Manuel des Anphitryons”, 1808. Reed. 10/18
12
L.R.S, Idem
13
L.R.S, Idem
14
L.R.S, Idem
15
Ver por exemplo a “Collation dans um jardin” de N. Cochin 1688-1754 B.N. Paris
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ângulos, as áreas envolventes e outros locais próprios para receber e manter nestes
espaços, as belezas que queremos enfeitar aumentando desta maneira as ornamentações
e o brilho natural.16
2. Se estivermos num salão:
Os alimentos distribuem-se à volta de uma peça central: os legumes e os espelhos
conferem-lhes o brilho e reflexo até ao infinito. É uma verdadeira festa para os olhos. O
serviço no seculo XVIII é fazer dos alimentos uma alimentação para os olhos.
“Se havia alguns presuntos, estufados, pastelões de caça. ou outra peça considerável,
colocavam-se nas, banquetas, mesa pé de galo dentro dos escritórios...as luzes estavam
espalhadas por todo o lado, as placas com espelho e outras galantarias bem imaginadas,
que se fazem num ilustre aparelho, faziam o espectáculo agradável aos olhos dos
convidados...17
As sobremesas, os vinhos e as luzes estavam espalhadas por todo o lado..., nos
escritórios, nos bordos das chaminés e noutros locais mais movimentados e rigorosamente
dispostas tal como se fossem um quadro de pintura, espectáculo ou decoração, com o qual
pela sua riqueza e organização, não se podia fazer a mínima comparação.
Estes hábitos encontravam nos olhos...,o prazer de os ver era maior do que o prazer de os
tocar”18
3. A refeição recriava um género de paraíso terrestre, onde todos os bens estão à disposição
dos homens em abundância.
Quando o rei comia só, à sua volta fazia-se como que uma colmeia. A brigada que os
servia era organizada de acordo com as regras militares. “O chefe supremo dos oficiais
encarregados da alimentação do rei, é o Grande Mestre da Casa Real, tendo abaixo dele os
“Maitres d’Hotel”, os Mestres da Mesa, o Grande Padeiro, o Grande Escanção, o Grande
Escudeiro Trinchante, e os fidalgos serviçais.
Todo este pessoal era, bem entendido, composto por nobres fidalgos, para que o
serviço de mesa real, não baixasse, curva-se ou diminui-se, antes pelo contrario, a honra de
um convidado, não só era compensador: pois podiam aproximar-se do rei, o que era um
poder.19
16
L.S.R.: “L’Art de bien traiter”
17
L.S.R. Idem
18
L.S.R. Idem
19
G. e G. Blond: “Festins de tous les temps” Fayard 1976
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Os serventes de mesa (entenda-se criados de mesa: actualmente empregados de
mesa, em Portugal) do rei (tal como os cozinheiros) eram por isso pessoas nobres. Velha
tradição, já o dizia, Guillaume Tirel, diz:”Taillevant, chamado Escudeiro de Cozinha de Carlos
VI, em 1381, está representado, em armas no seu túmulo”.
Ao serviço da nobreza houve durante muito tempo, brigadas numerosas, nas quais se
contava: O Maitre d’Hotel, o Escudeiro Trinchante, os Oficiais de Cozinha, os Escudeiros de
Cozinha, os lacaios (criados)...mas a sua importância na cena da mesa não era considerável
no seculo XVIII, e era ao anfitrião que regressavam as principais tarefas da mesa.
A sua importância consistia principalmente, em guarnecer, desembaraçar e reguarnecer
a mesa ao ritmo dos serviços. Durante os serviços desembaraçavam os pratos sujos. Quando
a sopa estava comida, deixava-se a colher no prato, e deveríamos evitar coloca-la na toalha, o
servente de mesa deveria trazer-nos outra. 20
Esta tarefa prosseguiria ao longo de toda a refeição, pois era preciso trocar de prato
para cada nova iguaria que se comesse, e de talher em cada novo serviço. Não era
virtuoso apresentar um prato sujo ao seu vizinho para lhe pedir uma iguaria que se encontrava
na travessa do seu lado.21 Não era o servente de mesa que servia, mas sim o conviva que se
servia ou então o anfitrião que os servia.
É ao anfitrião que compete o dever de cuidar dos pratos dos convivas, e de lhe propor
qualquer coisa, cada vez que o prato estiver vazio. É ele que trincha a carne (na ausência do
escudeiro trinchante, o anfitrião deve ter o cuidados de trinchar as peças grandes à medida
que a refeição vai avançando: algumas vezes, dispensamos-lhe um assado, sobretudo se
houverem vários, mas no primeiro serviço, esta atenção é um dever indispensável. 22
É ainda o anfitrião que serve os vinhos entre as iguarias.
Os serventes de mesa, foram durante muito tempo responsáveis pelo serviço de vinhos
vulgares, mas esta prerrogativa ainda era excessiva. Já tínhamos visto que o vinho mais
vulgar não era o mais desterrado para o buffet, e já não se encontrava mais à disposição dos
serventes de mesa, que não somente abusavam, mas que por isso, colocavam os mestres
numa dependência continua.23 Além disso; tinham a tendência, sobretudo depois de 1776
altura em Grimod de la Reynière, que diz a M. Turgot e aos economistas, o sistema de uma
pretendida liberdade que já tinha relaxado todos os laços de subordinação; a operar ele
mesmo a mistura de vinho e agua, a trazer simplesmente um copo cheio nas proporções
reguladas ao capricho dos serventes de mesa.
20
Grimod de la Reynière: “Manuel des Amphitryons”.
21
Grimod de la Reynière, Idem
22
Grimod de la Reynière, Idem
23
Grimod de la Reynière. “Manuel des Amphitryons”.
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O grande jogo social ligou-se à mesa, e os serventes de mesa foram excluídos, “ o seu
serviço limita-se à circulação de pratos”.
À medida que nos aproximávamos da revolução, a sua presença torna-se mesmo cada
vez mais vagarosa. O trabalho de contabilidade dos economistas começa a fazer-se sentir, e
trazem para a mesa as suas ideias de contenção. Os lacaios tornam-se na má consciência de
uma classe votada à ociosidade e ao prazer, espiões da nobreza pré-revolucionaria. Antes de
mais seria bom libertá-los logo que as sobremesas estivessem servidas; pois existia menos
necessidade de renovar os pratos, e era o momento em que a dilatação dos corações e dos
espíritos, pois era nesta altura que os lacaios se tornavam mais incómodos. Não existia nem
alegria, nem exteriorização na presença dos serventes de mesa, e o que é uma refeição sem
24
alegria e na qual não nos podemos livrar dos serventes de mesa ?
O pessoal doméstico, perturbava pois os microcosmos da mesa. talvez despindo estes
nobres, que por outro lado não hesitavam em servir o rei, uma imagem deles próprios, pois
são pouco fieis. Os lacaios aparecem, verdadeiramente, como o problema desta festa.
E Grimod de la Reynière, encarrega-se de rever os meios de “passar a presença de
pessoal domestico durante as refeições”... “Seria fácil de suplantar esta situação, utilizando
mesas rolantes colocadas a, certas distâncias, nas proximidades dos comilões: se ao mesmo
tempo pudéssemos multiplicar os moveis noutros mais pequenos à medida necessária para
duas pessoas, todos os cuidados dos convivas se resumiria a passarem pratos carregados”.
Este concretizou mesmo esta ideia, durante uma refeição que se tornou celebre, o primeiro dia
de Fevereiro de 1783, por convite do duque, pode-se ler “ você está instado a tratar de não me
trazer nem cães nem lacaios, o serviço deve fazer-se por serventes de mesa ad hoc”. 25
24
Grimod de la Reinyère
25
Ver a reimpressão do bilhete de convite de A. Gottschalk: “Histoire de la alimentation e de la gastronomie”, Paris 1948. T.2
26
Parece que a cabeça que ornamentada o tubo foi um projecto, mas que não foi realizado, a existência do tubo parece ser admissível. Cf. J.C.
Bonte: Présentation à “Ecrits de la gastronomie” Grimod de la Reynière.
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Só uma velha servente de mesa da sua família seria admitida, alguns momentos antes,
na sala para trocar os pratos.27
O PRIMEIRO RESTAURANTE
Existem em França, desde a Idade Média, inúmeros albergues e tabernas, onde se
podia comer e beber numa mesa redonda que estava reservada a uma clientela muito popular.
Madame Genlis, por exemplo, lembra nas suas memórias que uma vez foi disfarçada de
camponesa, ao “Tambor Real”, o celebre Cabaré fundado por Ramponneau.
Nas estradas, as estalagens onde se tomavam refeições e se encontravam montadas
frescas não eram restaurantes no sentido moderno da lavra, quer dizer, que estes
estabelecimentos serviam uma gama importante de pratos, preparados que utilizavam todas
as técnicas de confecção possíveis
No Antigo Regime (monarquia), as profissões relacionadas com a comida,
organizavam-se em associações. estas associações de artesãos ou de comerciantes, por
vezes muito fortes, defendiam judiciosamente os interesses da sua profissão, editando
regulamentos internos para demarcarem bem a concorrência de profissões semelhantes.
Na época destacavam-se as seguintes associações de
Talhantes: tinham direito a comercializarem carne de vaca, vitela e carneiro
Tripeiros: que vendiam as miudezas
Charcuteiros: que vendiam a carne de porco e de outros animais sob a forma de pâtés,
charcutaria ou presunto, mas não estavam autorizados a matar porcos
Traiteurs: propunham todos os tipos de carnes confeccionadas sob a forma de guisados, quer
dizer acompanhadas com molhos.
Assadores: estavam habilitados a venderem todas as carnes assadas, mas não guisadas.
Entre as diferentes associações, os conflitos eram frequentes, mas tinham sempre
origem na vontade de protegerem os interesses profissionais.
A palavra restaurante, remete-nos nesta época, para um tipo de caldo cozido, mais ou
menos guarnecido, chamado “caldo restaurador” que tinha o objectivo de restaurar as forças
daquele que o bebia. Denominação que encontramos ainda, nos livros escritos no seculo XIX,
por autores culinários.
Parece que a utilização da palavra restaurante para designar um estabelecimento de
venda de comidas, remonta algures a 1765. Nesta data, com efeito, um tal de Boulanger
27
N. Rival: “Grimod de la Reynière: “Le gourmand Gentilhomme” Le Pré aux Clercs 1983.
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chamado Champ Oiseaux, abriu, na rua des Poulies (actual rua do Louvre), um estaminé onde
servia “restaurants” (iguarias restauradoras das forças).
Pierre de la Mesagere conta-nos a sua história: “A ideia data de 1765, pertenceu a
Boulanger, que morava na rua des Poulies. Por cima da porta lia-se esta aplicação pouco
respeitosa de uma passagem do Evangelho: “Venite ad me omnes qui stomacho laboratis e
ego restaurobo vos” (vinde a mim vocês, que tem o estômago vazio e, eu vos restaurarei). Por
outro lado Boulanger vendia caldos, que podíamos comer na sua casa, mas como ele não era
traiteur, não podia servir guisados.
Em vez de guisados, vendia aves (com sal grosso), ovos frescos e tudo isto era servido
sem toalha em pequenas mesas de mármore. Outros restauradores se estabeleceram,
incitando, nomeadamente, em Wauxhall perto do Coliseu e em topos os locais movimentados
e de divertimento publico. A novidade, a moda e sobretudo e a carestia dos traiteurs acreditou
os restauradores, pois quem ousa-se sentar-se à mesa de um traiteur pagaria três vezes mais
do que pagaria se, se restaurasse num Restaurante.
em 1767, Diderot exprime numa carta a Melle Voland, a mesma opinião: “Deixei de ir aí
(a um traiteur), para jantar num Restaurante da rua des Poulies, aí (no traiteur) estamos bem
mas caramente tratados.
O CAFÉ PROCOPE
Foi no fim do seculo XVII (em 1674, para ser mais preciso) que um siciliano de Palermo,
com o nome de Francesco Capelli, mais conhecido pelo nome de Procope, teve a ideia de
abrir na rua Tournon, o primeiro café de Paris, com o reclame de “Café Procope”. Alguns anos
mais tarde, em 1864, mudou-se para a rua des Fossés-Saint-Germain (actual rua d’Ancienne
Comédie), face uma famosa sala de jogo a “Bofetada da Estrela”, e vem instalar perto da
Trupe dos Comediantes Franceses.
Novidade considerável para a época: as mulheres até aqui, mais ou menos
enclausuradas em casa, são admitidas no estabelecimento.
Aí se serve, não somente o café, o chá e o chocolate consideradas bebidas da moda,
mas também produtos de pastelaria, confitures de todas as espécies e sobretudo bebidas
geladas e sorvetes, que ortograficamente se escreviam (sharbet) da palavra árabe.
Como é que se faziam os gelados e os sorvetes na época ?
Ouçamos La Quintine, que nos desvenda o método:
Para dispor de gelo todo o ano, armazenavam-no-lo durante o Inverno, em grandes caves
fechadas, empedradas e cavadas a que chamávamos geladeira. Assim isoladas, o gelo
conservava-se sem grande perda até ao meio do Verão.
Um outra ideia de Procope, à qual sem duvida, ele deve grande parte do seu sucesso, foi
afixar no restaurante as noticias do dia.
Assim os cafés, rapidamente, se tornaram locais de informação, discussão, de
nascimento e propagação de rumores.
A formula vai-se multiplicar, até que em 1721, já se contavam mais de 300 cafés em
Paris. E mais de 2000, durante o Directório, no final do século.
No Procope reuniam-se, no final do espectáculo de teatro, mesmo ao lado, os
comediantes, os autores, mas também os “bons espíritos”, nobres ou ricos burgueses que
componham o publico. As discussões deambulam sobre os artistas, mas também sobre os
acontecimentos políticos.
O Procope, torna-se no primeiro café literário. Aí, encontramos Voltaire, Diderot, Buffin,
d’Alambert, Montesquieu; Rousseau; Marmoutel...Foi nos cafés que se “repensou o mundo” e
que nasceram as ideias revolucionarias, a tal ponto que Montesquieu pode escrever em 1721.
“Se eu fosse soberano deste país, fecharia os cafés pois os que frequentam, estes
locais exercitam inoportunamente os seus cérebros. Gostaria mais de os ver embriagar nos
cabarés. Pelo menos não fariam mal a não ser a eles próprios, ao passo que o inverso, a
embriaguez que ganham nos cafés, torna-os mais perigosos para o futuro do país.
A revolução, deve à revolta de Danton, Marat, Legeudre e de outro que frequentavam
os cafés.
A REVOLUÇÃO
O NASCIMENTO DA RESTAURAÇÃO
A Revolução francesa iria ter, indirectamente, profunda influencia na gastronomia
francesa, mas também em toda a Europa.
OS RESTAURANTES MULTIPLICAM-SE
Foi assim que Robert, antigo chefe de cozinha do Príncipe de Condé, abriu no numero
104, da rua de Richelieu, um estabelecimento com o seu nome.
Em 1786 na rua de Helvetius (actual rua de Sainte Anne), o restaurante dos “Frére
Provençaux” (os Irmãos Provençais), foi aberto por Maneille, Barthelemy e Simon, que na
realidade eram cunhados. O primeiro dirigia o estabelecimento, enquanto que os outros dois
asseguravam o serviço do Príncipe Conti. A emigração do príncipe em 1789, reuniu os três
cozinheiros meridionais que mudaram para a galeria de Beaujolais, a dois paços do jardim do
Palácio Real. A clientela acorreu para descobrir estas especialidades trazidas do Midi:
Bouillabaisse (caldeirada) e brandade28 (bacalhau com natas) que sabia a alho e azeite.
Em 1791, Méot, um antigo colega de Robert, das cozinhas do príncipe Condé, instala-
se na rua de Valois: decoração luxuosa, baixela principesca, cozinha da mais requintada e
verdadeira, contribuindo para as verdadeiras delicias dos gulosos”. Assim, escreveram os
28
J.P Aron: “Le Mangeur du 19 éme siècle”Robert Lafont
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 24
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
irmãos Goncourt na sua História da Sociedade Francesa Durante a Revolução.: Lucullus
reconhece-se em sua casa”.
No ano seguinte, abre-se o restaurante “le Boeuf à Mode” depois o “Rocher Cancale”
onde se activa Baleine, “O Café Hardi”, “O Café de Paris”, “O Café Inglês”, “O Café Riche”....
“Foi assim que se estabelecera, sucessivamente, os: Méot, Robert, Roze, Very, Leda,
Legacque, Brignant, Beauvilliers, Nandet, Taulllier, Nicole, etc., actualmente, quase milionários.
Em 1789 não se encontravam mais de 100 restaurantes...Agora existem 5 ou 6 vezes mais”,
diz Grimod Reynière de la em 1803, na sua primeira edição do “Almanaque dos Gulosos”.
Cinquenta anos mais tarde, Theodore de Banville, recenseia mais de 1400
restaurantes29, Chantillon Plussis30 não conta mais de 927, que considera como “superiores”,
sem contar os restaurantes do “Quartier Latin”, antepassados dos restaurantes universitários,
onde não se trocava de toalhas a não ser uma vez por semana como no Viot ou no Elioteaux 31.
Os restaurantes são frequentados pelos novos ricos da revolução que não conhecem as
regras gastronómicas da aristocracia, nem os hábitos de comer (iguarias) e beber (vinhos).
Foi a esta nova necessidade que responderam a literatura e os discursos
gastronómicos de que Grimod e Brillat-Savarin foram fundadores. Foi com a finalidade de
oferecer a estes neófitos alguma documentação útil, que nos foram lançados na carreira
alimentar e atribuídos sem reserva à literatura da gulodice, que até esta época tinha sido
pouco cultivada. O sucesso que foram obtidos nos cinco anos que se seguiram ao “Almanaque
dos Gulosos”, publicados sucessivamente, esperados com impaciência, feitos com rapidez e
impressos varias vezes, provou-nos que o numero de candidatos e adeptos aumentava todos
os dias e que podiam, impacientemente, que lhes ensinássemos o que sabíamos. 32
OS JÚRIS PROVADORES
29
Th. de Banville: Les Restaurants” in “Le Gourmet” de 18 de Julho 1858.
30
Chantillon Plessis: “La vie à table à la fin du 19 ème siècle”, Théorie et pratique e historique de gastronomia moderna, 1894.
31
th. Zeldin: “Histoire des passions français” t.3.
32
Grimod dela Reynière: Preface do “Manuel”
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 25
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
por um júri de professores da gulodice, presidido quer pelo doutor Gastaldy (celebre
gastronomo originário de Montpellier, que morreu honradamente, entenda-se, à mesa do
Arcebispo de Paris, ao tentar comer um salmão com molho verde) quer pelo próprio Grimod.
As cenas da degustação, decorriam em sua casa e por vezes num restaurante onde tinham
mesa reservada: O restaurante “Rocher de Cancale”. Os artistas de craveira da capital, os
restauradores, os traiteurs, os pasteleiros, os charcuteiros... aí levavam para a degustação, as
suas ultimas criações, para que fossem julgadas, analisadas, mas sobretudo “legitimadas”.
As condições para participarem neste concurso eram simples. bastava escreveram para:
Monsieur Grimod de la Reynière,
(para seu domicilio)
Rue des Champs-Elysées, nº 8 Paris
Nota : todas as encomendas que não fossem selas e portes pagos seriam devolvidas.
Se a “legitimação” fosse boa, isto é, se o prato fosse julgado capaz de entrar no
universo gastronómico, recebia então um verdadeiro baptismo, reputado para reflectir as suas
qualidades particulares. Os resultados do espectáculo e o nome em questão seriam então
publicados na tiragem seguinte de “Almanaque dos Gulosos”.
Tratava-se assim de uma verdadeira inscrição no registo da proeza gastronómica. E o
que eram capazes de fazer par obterem artigos sobre a sua criação ou baptismo das
confecções que depois afixavam nos seus estabelecimentos. Nascia a pratica das
recomendações e dos rótulos.
O SÉCULO XIX
O SERVIÇO À RUSSA
No serviço à russa, explica Urbain Dubois e E. Bernand:
As iguarias quentes não vão para a mesa, são trinchadas na cozinha, colocadas na
travessa e depois levadas para a sala para serem apresentadas aos convivas.
As peças grandes ou “relevés” demasiado volumosas podem ser passadas à volta dos
convivas, podendo também ser trinchadas na sala de jantar, e depois empratadas em
pratos quentes e colocadas aos convivas.
O conviva serve-se a ele próprio da travessa que lhe apresentamos e onde são colocadas
as iguarias previamente trinchadas na cozinha.
“Um outro cuidado a que os chefes de mesa, ou empregados, devem estar atentos, é
facultarem tanto quanto possível os convivas a servirem-se...”
Se a peça a servir for muito importante, é trinchada sobre uma banqueta à parte.
Foi uma solução adoptada pelo serviço à francesa, na época dos Escudeiros Trinchadores,
mas contrariamente ao modelo antigo, a travessa não permaneceu previamente na mesa.
Foi sobre este segundo aspecto que o serviço à russa se fixaria a sua técnica.
E mais tarde, seriam servidas, então a partir do guéridon todas as travessas (incluindo as
que tinham sido previamente trinchadas na cozinha, por razões técnicas de confecção:
carne grelhada, cozida, salteada e frita...)
Estes métodos permitiram resolver o principal problema do serviço à francesa: espera
do produto. “ A única objecção que podemos formular contra este serviço (à francesa), aliás
faustoso aos olhos, foi que este luxo da mesa se operou em detrimento da cozinha. Por esta
razão, era um serviço complicado, as iguarias expostas à vista dos convivas, sobretudo as que
só poderiam ser consumidas no final, as entradas quentes, por exemplo, dificilmente,
conservavam um calor suficiente para serem comidas nas melhores condições de beleza e
paladar, pois eram apresentadas aos convivas muito tempo depois de terem sido colocadas na
travessa.
A procura do momento onde todas as condições estivesses reunidas para que o sabor
tivesse o seu apogeu, respectivo efémero da obra culinária, substituiu a espectacularidade
visual da refeição à francesa, para uma estética do gosto, uma resubstâncialização da iguaria
A boca ganha o lugar dos olhos (aparência), passa-se de uma organização onde o
espaço tinha a preferência, para uma organização cronológica que reintegra a duração do
Inicio Fim
33
34
Antigamente era o conjunto de iguarias servidas depois do assado, isto é legumes e iguarias doces. Actualmente, é uma iguaria doce servida
depois do queijo (por vezes o seu sentido reduz-se mesmo a um só tipo de sobremesa: pudim flan), em restauração a palavra, designa sempre
todas as preparações de legumes à responsabilidade do “entrementier”, bem como as “entremets” (iguarias do meio) de cozinha (souflés, crepes,
beignetes, croutes, croquetes, molestes) e enfim os doces, subdivididos em três categorias: “entremets” quentes, frias e doces. In “Dictionaire de
cuisine et de gastronomie”, References Larousse, Paris 1986.
35
Tipo de tarte salgada ou doce, recheada com um aparelho de flan (ou creme de ovos) ao qual se junta, eventualmente frutos, uvas secas,
fígados de aves, marisco, etc. De acordo com os casos são servidos como entrada quente ou como sobremesas. Também se chama flan ao
pudim caramelizado.
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 29
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Assado
Os vinhos e as iguarias
As regras de sucessão de vinhos, permanece idêntica à do serviço à francesa, quer
dizer vão dos mais ligeiros para os mais encorpados (dos mais claros para os mais
aromáticos,), até à sobremesa, onde aparece uma categoria particular, os vinhos doces. A
ordem das iguarias e a ordem dos vinhos progride no mesmo sentido, e aparecem então,
regras de associação ainda mais precisas: a harmonia de iguaria e vinhos.
A Igualdade à mesa
Se o anfitrião e os seus convidados de honra continuam privilegiados, os outros
convidados deixaram de conhecer a descriminação, mesmo os que se sentam numa ponta da
mesa, podem agora esperar comer como os outros, não esperar muito tempo e, melhor ainda,
não sofrer humilhação. Com efeito, a etiqueta exige que as travessas sejam apresentadas,
primeiro aos convidados mais importantes, mas apesar desta obrigação particular, as
conveniências exigem, que no fim de uma serie de iguarias, se comece uma nova serie pelo
convidado que tinha sido o ultimo a ser servido na serie anterior.
A função de Maitre d’Hotel não pára com o trabalho da educação / relacionamento, ele
também deve por todos os meios, realçar e rodear de atractivos as iguarias que serve (são os
aspectos técnicos). De facto uma iguaria sabiamente preparada por um excelente cozinheiro,
pode passar despercebida e não ser apreciada se o Maitre d’Hotel, que a deve apresentar,
não souber valorizar o produto de forma a fazer sobressair as suas qualidades e torna-la
apetecível.
O espectáculo à mesa
36
J. Favre “Dictionaire Universal de la Cuisine” 1883/1890
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 31
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
Aqui vai nascer o complemento de um serviço, próprio para a pratica de um restaurante:
as técnicas de flamejados e de trinchagem, a arte bisaria que se desenvolveram à medida que
se perdeu o medo de mostrar riqueza.
No guéridon, que era, inicialmente, uma simples etapa técnica, entre a mesa e a
cozinha, torna-se no grande espectáculo de um grande numero de operações.
O espectáculo desloca-se, já não é na mesa que se joga o acontecimento, mas sim no
guéridons que está sensivelmente próximo da mesa.
Os convivas, sentados no seu cadeirão de orquestra, maravilham-se como o talento do
Maitre d’Hotel que se rodeia dos seus cúmplices: chefes de turno, ajudantes e aprendizes;
valorizando primeiro a função do anfitrião (protagonizada pelo Maitre d’Hotel) e colocar o
cozinheiro na sua dependência.
O espectáculo seria constituído, com efeitos sabiamente usados: espinhagem de peixe,
37
com a colher e o garfo, a carne é muito delicada para meter a faca , trinchar um assado, com
uma faca longa cuja lamina tem mais de 30 cm de cumprimento com protecção, enfeitada à
volta do osso com laçarotes de papel, diante dos olhos dos convivas especados.... Até ao fogo
de artifício final, que o açúcar polvilhado fazia ao cair nas chamas dos crepes flamejados, ao
incendiarem uma infinidade de pequenas estrelas incandescentes feitas por cada partícula de
açúcar que passa pela chama.
O Maître d’Hôtel transformava-se num tipo de mágico que reinava no restaurante; foi
assim que apareceram mais tarde as grandes figuras da sala: O Alexandre do restaurante “Le
Tour d’Argent”, o Albert do restaurante “Maxim’s”. Se os cozinheiros fizeram nascer a
restauração, foi contudo o talento dos Maîtres d’Hôtel a quem devemos o seu
desenvolvimento.
O produto deve ser respeitado e comido no seu melhor ponto de sucolência, o que se
torna impossível quando o fazemos esperar para fazer decorações demasiado longas. Este
contra tempo longe de fazer desaparecer a arte de decorar, vai ao contrario exacerba-la, pois
está fora de questão servir uma refeição numa mesa vazia e desprovida de luxo.
Dois tipos de decoração se vão desenvolver: as decorações dos pratos quentes que
não devem esperar, e as decorações dos pratos frios e das pastelarias que suportam mais
facilmente os tempos de espera.
Decorações de pratos quentes
Para os pratos quentes, o trabalho de decoração vai no duplo sentido de suportar e
construir a iguaria ao mesmo tempo que o ornamenta. Os suportes decorativos são: os fundos
de apoio, as empadas, os pedestais e as bordaduras. Apresentam-se em pão frito, sêmola,
arroz, massas de nouilles e têm por função realçar a peça com a finalidade de lhe dar mais
elegância. Elas não são obrigatórias, mas tornaram-se de alguma forma indispensáveis, nas
mesas dos grandes senhores e dos anfitriões que querem seguir as boas tradições, indo a par
com o conforto, luxo e elegância.
Os espetos para carnes assadas que se podem prepara com antecedência vem
ornamentar as travessas. Inicialmente, serviam para fixar as peças a assar no espeto.
“Indiquei que utilizava um espeto grande para manter o rosbife no assador, tal como se faz
normalmente nas nossas cozinhas. Massialot, sabia fazer espetadas de um rim de vaca e de
porco, que servia como acepipes, ou por vezes panadas e grelhadas ou fritas, como guarnição
de um assado.
Depois Carême, meteu-se a fazer peças de decoração, nas quais fixava as trufas,
legumes cizelados, camarões, cristas de galo... E lardeadas não só para os assados, mas
também para os caldos, entradas e relevés....
Assim ornamentadas pelas riquezas que as envolvem, a sobriedade das peças tornem
aceitável.
38
cf. U. Dubois et E. Bernard: “La Cuisine Artistique” Dentu 1814
Centro de Documentação para a Restauração / Tradução de Vítor Gomes / CDR / 1994 / 33
Histoire des Cuisine et des Cuisiniers /Editions Jacques Lanore 1992
A PROCURA DA OSMOZONA
Carême foi obcecado pela investigação daquilo em que acreditava ser o principio sápido
das carnes: a osmozona.
Depois dele, eis o que se passa durante a cozedura de um caldo: “A panela aquece
lentamente, o calor da agua eleva-se gradualmente e dilata as fibras musculares de carne de
vaca dissolvendo a matéria gelatinosa que aí existe. Neste calor temperado as carnes de um
cozido espumam, lentamente, a osmozona que é a parte mais saborosa da carne, dissolve-se
pouco a pouco, dando untuosidade ao caldo do cozido, e albumina, que é a parte dos
músculos que produz a espuma, dilata-se suavemente e sobe à superfície da panela, sob a
OS PALÁCIOS
OU NOSTALGIA DA VIDA NOS CASTELOS
NASCIMENTO DO TURISMO
No final do século XIX nascia o turismo, vai-se a banhos, descobre-se a Côte d’Azur. A
alta sociedade move-se de palácio para palácio.
Com o desenvolvimento dos estabelecimentos de luxo, em toda a Europa, o saber-fazer
francês em matéria de organização impõe-se. Os chefes dispõem agora, é verdade, de uma
boa experiência para a restauração comercial.
Pouco a pouco desenvolve-se uma verdadeira industria hoteleira. Desta forma os
hábitos de estar à mesa e os gostos franceses tornaram-se uma moda internacional. Auguste
Escoffier, um chefe carismático, codifica a cozinha e traz as ultimas novidades ao edifício
construído pelos seus antecessores, Carême, Gouffé, Dubois e Bernard.
O espírito gastronómico do século XIX, já o conheceram, está habituado pela
necessidade de restaurar uma arte de viver desaparecida e enaltecer ou reforçar a
legitimidade dos seus autores. Independentemente das ideias políticas que se sucederam:
Republica, Restauração, Impérios...
Partindo de Paris, onde nasceu esta nova arte de viver que brilhava em França, na
Europa e nas Américas, e mesmo nos impérios coloniais, de acordo com o triplo itinerário
aquático: cidades de agua, cidades balneares, paquetes e linhas de cruzeiros.
Desde 1850 que reinava na aristocracia europeia a moda das curas termais, que
poderiam ser consideradas:
- respostas medicinais dos excessos da mesa e às doenças coloniais,
- novos hábitos mundanos
- exotismo romântico
Sem dúvida, um pouco disto tudo, mas também da nostalgia secreta da vida dos
castelos do antigo regime. De Plombières a Carlsbad, de Vivhy a Spa, de Bath a Aix-les-Bains,
a Europa mundana, da política (Napoleão III, Guillaume II, a corte dos Czares...), mas também
AUGUSTE ESCOFFIER
“A Arte Culinária”, no inicio do seculo XX, foi marcada pelo pensamento de Auguste
Escoffier, que através de um vasto movimento, simplificou, aligeirou, e desenvolveu receitas,
comprometendo-se numa reestruturação da cozinha clássica para melhor a adaptar aos
imperativos da vida activa da clientela dessa época.
Contudo o seu contributo primordial seria a formalização da ciência culinária. tendo à
sua responsabilidade as ambições científicas que animaram Carême, Dubois, Bernard e
ÉPOCA MODERNA
DA RESTAURAÇÃO DO TURISMO À
“NOUVELLE CUISINE”
A RESTAURAÇÃO DO TURISMO
A GASTRONOMIA MOMIFICADA
Entre as duas, a mitologia do Paraíso Culinário perdeu a inibição da criação culinária. O
auge da rate foi atingido antes, os chefes de cozinha nada puderam fazer, a não ser interpretar
melhor (com talento) as obras completas nos tempos da Idade de Ouro, século XIX, pelos
grandes mestres fundadores.
Alguns para relacionarem a gastronomia com a vida ultra rápida dos nossos dias,
escreveu Escoffier no inicio do século: “Eu foi atraído pela força das coisas, a suprimir os
suportes, a criar novos métodos de empratamento simplificados, mas nem o serviço nem a
cozinha se modificaram profundamente. Toda a inovação apareceu como uma perversão de
uma primeira perfeição.
Desta forma, convém reencontrar a gastronomia nas suas regiões de origem, reconciliar
os franceses com a tradição culinária popular. Pois se jantarmos ou cearmos em Paris, não
comemos, verdadeiramente, o mesmo que se come nas regiões de origem. A variada
excelência das nossas iguarias e vinhos, traduz nos nossos temperamentos étnicos a verdade
de um alimento são e local, as receitas saborosas, transmitidas religiosamente. Eis para cada
uma das regiões francesas, um tesouro do qual não se supõe a ruína incrível que têm e que
deixamos perder, tal como tantos outros tesouros.
No entanto, ao ler os menus ou as receitas das iguarias apresentadas no Salão de
Outono, ou as que foram publicadas por A. Croze, ou mais tarde por Curnonsky, constata-se
que a cozinha regional é ainda mais amplamente seleccionada pelo saber culinário clássico.
Ponto da cozinha camponesa ou popular, mas uma recriação sábia das iguarias regionais.
“O molho deve preservar, revelar o gosto do produto que acompanha, tal é a concepção
dos cozinheiros mais satirizados dos anos 80: Joel Robuchon.