A FUNÇÃO PÚBLICA URBANÍSTICA: O DEBATE ATUAL SOBRE A
INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO; A TAREFA PÚBLICA
URBANÍSTICA
Aula de 5.3.2024 A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Iniciativa pública e iniciativa privada no urbanismo
Conceções político-económicas adotadas influenciam o grau e o
conteúdo da intervenção pública
Duas visões antagónicas:
1.ª) exige maior ação pública em nome da defesa dos interesses da comunidade; a atividade urbanística deve ser objeto de uma efetiva conformação pública
2.ª) Encara a ação pública como uma limitação à liberdade
individual; os poderes públicos devem limitar-se a uma atividade de regulação e de polícia da atividade urbanística privada A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Existência de visões intermédias que combinam ou matizam
elementos das duas visões
Conceção liberal limita a intervenção pública à correção das falhas
de mercado, devido à natureza imperfeita do mercado de solos, sobretudo daquele destinado à habitação
Reflexos das duas visões ao nível do instituto jurídico plano:
- Planeamento positivo com objetivos e finalidades a atingir; ou - Planeamento negativo que se limita a determinar o que os sujeitos privados não podem fazer
arta de Atenas de 1928 inspirada pele pensamento do
funcionalismo racionalista de que Le Corbusier foi o maior expoente defendeu uma separação clara entre campo e cidade, A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Responsabilidade pelo desenvolvimento urbano:
- Conceção dirigista: apenas a Administração - Conceção liberal: concessão a sujeitos privados (proprietários, vizinhos ou às suas associações) de relevantes poderes normalmente atribuídos aos municípios
Antes do Estado Social, a Administração limitava-se a utilizar a
técnica do alinhamento e ao controlo da atividade de edificação por motivos de polícia urbana
Estado Social implicou alargamento da esfera pública do
urbanismo, com uso de técnicas da renovação e da expansão urbanas e sobretudo do plano urbanísitco A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Novo entendimento sobre o direito de propriedade privada:
- Faculdades de aproveitamento urbanístico desprendem-se do direito de propriedade, sendo o resultado da conformação dos poderes públicos; - O direito de construir (jus aedficandi) é conferido por um ato jurídico-público: plano ou ato de licenciamento; - Proprietário não pode converter livremente o solo rústico em solo urbano.
Apogeu do plano na segunda metade do século XX
Crise do Estado- Providência e novo fôlego de conceções liberais,
que, na sua conceção mais radical, sustentam a supressão do planeamento urbanístico por ser um obstáculo à eficiência do funcionamento do mercado A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Referência à experiência norte-americana:
- Assunção maior de responsabilidades pelas entidades privadas; - Até ao início do século XX em muitas cidades não havia serviços públicos locais; - Momento fundador da regulação pública: decisão do Supremo Tribunal Federal de 1926 no caso Village of Euclid v. Ambler Realty Co. reconheceu a constitucionalidade das regulações municipais de zonamento (zonamento euclidiano); - Prevalência da conceção de que a separação de usos do solo visa minimizar as externalidades negativas resultantes da classificação do solo para a situação dos vizinhos; - Poderes de polícia administrativa para evitar que a proximidade das habitações com usos não conformes gere a redução do valor da propriedade A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Fundamentos da intervenção pública:
- para uma corrente, apenas para correção das falhas de mercado,
i.e., por causa da ineficiência económica resultante do funcionamento espontâneo do mercado;
- para outra corrente, justifica-se o alargamento da presença
administrativa, nomeadamente devido a preocupações de justiça social. A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Fundamentos da necessidade de uma intervenção pública:
1.º) O plano urbanístico é um instrumento fundamental para
assegurar o ordenamento racional da cidade;
2.º) A falta de regulação gera um crescimento e um
desenvolvimento urbanos assistemáticos;
3.º) O aproveitamento urbanístico dos solos tem de ser objeto de
conformação pública;
4.º) A defesa da desnecessidade de mobilizar instrumentos de
política de solos para regular o mercado impede a reversão para a comunidade das mais-valias geradas pelo desenvolvimento urbano; A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
5.º) O Estado deve adotar políticas urbanas positivas (e.g. política
da habitação) para melhoria das condições de vida dos cidadãos;
6.º) A regulação pública é fundamental para a estabilidade social,
em especial para o funcionamento do mercado por reduzir a incerteza das relações sociais e conferir segurança jurídica aos cidadãos;
7.º) A regulação pública é essencial para a sustentabilidade do
financiamento das infraestruturas urbanísticas
Conclusão: é consensual a necessidade de uma intervenção
pública no urbanismo, apenas variando a sua amplitude em função da conceção adotada A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
A crise das conceções dirigistas:
- Crise do planeamento urbanístico imputado ao falhanço do planeamento central económico, o que é pouco rigoroso; - Fracasso do planemento omnisciente devido às limitações da aplicação do conhecimento técnico-científico; - Evolução social acelerou e encerra muitas incertezas (v. caso da epidemia da Covid 19); - Crise da conceção da monofuncionalidade para evitar a junção de usos incompatíveis; - Prevalência atual da plutifuncionalidade: regulação do solo em função da utilização do solo que nele pode ser instalada (art. 73.º, n.º 1, do RJIGT). A INTERVENÇÃO PÚBLICA NO URBANISMO
Excessos de intervenção pública geraram falhas de intervenção
No caso do mercado de solos para habitação:
- prossecução de objetivos demasiado amplos e por vezes contraditórios entre si; - Desadequação das medidas adotadas para corrigir a existência de monopólios privados; - Incapacidade administrativa para desenvolver a globalidade dos objetivos visados. A TAREFA PÚBLICA URBANÍSTICA
Tarefa pública urbanística e fins do Estado
Preocupações com justiça, segurança e bem-estar
Justiça: perequação compensatória de benefícios e encargos
decorrentes da aplicação do plano; justa indemnização em caso de expropriação; garantia do acesso à habitação
Segurança jurídica individual dos cidadãos: proteção de situações
validamente constituídas
Bem-estar: garantia a todos de níveis mínimos de qualidade de
vida e a existência de infraestruturas e de equipamento adequados A TAREFA PÚBLICA URBANÍSTICA
Sustentabilidade do desenvolvimento como novo fim: remissão
para o conceito de sustentabilidade urbana A TAREFA PÚBLICA URBANÍSTICA
Principais diretrizes constitucionais:
1.ª) Incumbência do Estado de “assegurar um correto
ordenamento do território” [art, 9.º, alínea e)]
2.ª) Conceito constitucional de urbanismo distinto do de
ordenamento do território;
3.ª) Reserva de Administração Pública na aprovação das regras de
ocupação, uso e transformação do solo )competência indelegável em particulares) [art. 65.º, n.º 4];
4.ª) Reserva de planeamento territorial quanto ao uso do solo (art.
65.º, n.º 4); A TAREFA PÚBLICA URBANÍSTICA
5.ª) A participação dos particulares nos procedimentos de
formação dos planos e a sua colaboração na respetiva execução (art. 65.º, n.º 5);
6.ª) Inexistência de um numerus clausus ou princípio da tipicidade
de medidas para satisfação de fins de utilidade pública urbanística (art. 65.º, n.º 4)