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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

FELICIANO DE CASTRO COMÉ

MÚSICA MOÇAMBICANA NO CONTEXTO DA TRADIÇÃO ORAL: processo de criação


e performance na cidade de Maputo.

RIO DE JANEIRO
2023
Feliciano de Castro Comé

MÚSICA CORAL MOÇAMBICANA NO CONTEXTO DA TRADIÇÃO ORAL: processo


de criação e performance na cidade de Maputo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Música (PPGM), Escola de
Música, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Música.

Orientadora: Profa. Doutora Maria José Chevitarese

Rio de Janeiro
2023
Dedico esta dissertação as minhas filhas Luvane de Castro Comé, Lindsey de Castro Comé, a
minha esposa Vilma José Manhice, aos meus pais Alberto Cuamba e Natália Azaiel Mujovo,
a meus irmãos Celinha Alberto Comé e Adelino Costa Alberto
“La comprensión del lenguaje musical requiere un minucioso y secuenciado
trabajo donde estén presentes los tres aspectos fundamentales que hacen a la formación
integral de un músico: desarrollo auditivo, analítico y de transferencia a actividades de
interpretación, improvisación y composición”
Graciela Tarchini
AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar, a Deus pela vida e por me ter permitido sair de Moçambique, meu
pais e vir ao Brasil para dar continuidade aos meus estudos a nível de pós-graduação.
Agradeço aos meus pais por serem o meu modelo homem, a minha inspiração, desde o
princípio, eles incutiram-me valores que hoje são a base daquilo que sou e me tornei como
pessoa, assim como o incondicional apoio que nunca deixaram me faltar. Aos meus familiares,
amigos e muito especialmente ao professor e maestro Óscar Castro, que no final de numa das
suas aulas em Maputo, me disse “um dia serás um grande maestro”, e muito me incentivou a
aderir e me empenhar diariamente no mestrado em regência na UFRJ.
A UEM pela formação de base a nível de graduação e me ter autorizado a me deslocar ao Brasil
para dar continuidade aos estudos numa pós-graduação ainda inexistente em Moçambique.
Agradeço a UFRJ por me receber e me acolher como estudante, dando-me a oportunidade de
realizar o meu sonho de estudar regência. Aos meus colegas de mestrado André Borges, Caio
Sobral, Jonas Hocherman, Matheus Viana e Rómulo Nicolai pelas ricas discussões e
contribuições a volta da minha pesquisa. Aos professores Fábio Adour, Carlos Almada Gabriel
Dellatore, André Cardoso, Sérgio Álvares, Adriano Del Mastro Contó, Rodrigo Cicchele,
Marcus Nogueira, Midori Maeshiro e Juliana Melleiro Rheinboldt, vai o meu muito obrigado.
Ao meu amigo Tongogara Simão Eugênio, moçambicano que conheci no Rio de Janeiro e que
me deu muito apoio em várias frentes desde meus primeiros dias no Brasil
A CAPES pela bolsa sem a qual, não teria sido possível estudar no Brasil, vai o meu muito
obrigado.
Ao professor João Vidal pela atenção que nunca me faltou desde o processo seletivo até ao final
do meu mestrado. Guardo este momento final para um enorme agradecimento a uma pessoa
que pela sua atenção, carinho, ensinamentos e orientação é sem dúvida, a minha mãe académica,
a minha orientadora Profa. Doutora Maria José Chevitarese.
RESUMO

COMÉ, Feliciano de Castro. Música Coral Moçambicana no contexto da tradição oral:


processo de criação e performance na cidade de Maputo. Dissertação (Mestrado em Música) -
Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.

A presente pesquisa tem como objetivo refletir sobre o processo de criação musical,
coreográfica e os modos de comunicação gestual implementados na música coral de tradição
oral na cidade de Maputo, Moçambique. A dissertação está estruturada em 4 partes das quais,
o hino nacional de Moçambique “Pátria Amada” ocupando a primeira, demosntra de que forma
a primeira gravação do hino dispertou meu interesse para a realização desta pesquisa. Na
segunda parte apresento uma contextualização da música moçambicana em geral e do canto
coletivo em particular, tendo como principal referencial Muhera (2022). Apresento um
mapeamento as características gerais da música nas 3 regiões (norte, centro e sul) do país.
Sustentado por Ngunga (2011), abordo a questão etnolingística, evidenciando a etnia Nguni,
falante da língua changana, como a que mais se destaca no panorama da música coral, no sul
do país. Na terceira parte trago entrevistas, realizadas via WhatsApp, feitas com 4 maestros e 6
coristas da cidade de Maputo, que pertencem às Igrejas Presbiteriana e do Nazareno, sendo
estas as que mais promovem o canto coral através da realização de concursos e festivais. As
entrevistas tiveram como propósito, coletar informações sobre o processo de criação musical,
da construção da coreografia e da regência realizadas no contexto de tradição oral. Na quarta
parte, apresento a contextualização do hino “Pátria Amada” desde o processo de sua seleção até
a realização da sua segunda e última gravação. Como resultados desta pesquisa concluiu-se que
a prática coral baseada na transmissão oral, promove o desenvolvimento da criatividade dos
coristas tanto a nível da composição musical como da criação de coreografias, desenvolvendo
o sentido de pertencimento e elevando a autoestima dos cantores. A música e a dança como
produto final, são frutos desta colaboração coletiva entre o maestro e os coristas. Nesta interação
colaborativa, o maestro experimenta impiricamente os movimentos que julgar mais adequados
para a regência do repertório, às vezes cantando e dançando.

Palavras-chave: Moçambique. Canto coral. Tradição oral. Criação musical. Coreografia.


ABSTRACT

COMÉ, Feliciano de Castro. Mozambican Choral Music in the context of oral tradition: creation
and performance process in the city of Maputo. Dissertation (master’s in music) – School of
Music, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.

The aim of this research is to reflect on the process of musical and choreographic
creation and the ways of gestural communication used in choral music from the oral tradition
in the city of Maputo, Mozambique. This dissertation is organized into four parts, of which the
Mozambican national anthem "Pátria Amada" is the first, demonstrating how the first recording
of the anthem awakened my interest in the realization of this research. In the second part, I
present a contextualization of Mozambican music in general and collective singing in particular,
using Muhera (2022) as my main reference. The research has mapped the general characteristics
of music in the three regions (north, center and south) of the country. Based on Ngunga (2011),
I explore the ethnolinguistic issue, highlighting the Nguni ethnic group, speakers of the
Changana language, as the most notable in the scenario of choral music in the south of the
country. In the third part, I present interviews, by WhatsApp, with 4 conductors and 6 singers
from the city of Maputo, who belong to the Presbyterian and Nazarene churches, which are the
ones that most promote choral singing through competitions and festivals. The interviews aimed
to gather information on the process of musical creation, the construction of the choreography
and the conducting carried out in the context of the oral tradition. The fourth part presents the
contextualization of the anthem "Pátria Amada" from the process of its selection to the second
and last recording. The conclusion of this research is that choral practice based on oral
transmission promotes the creativity of the singers, in terms of music composition and
choreography, developing a sense of ownership and elevating the singers' self-esteem. Music
and dance as a product are the result of this collective collaboration between the conductor and
the singers. In this collaborative interaction, the conductor empirically tries out the movements
he considers most appropriate for conducting the set, sometimes singing, sometimes dancing.

Keywords: Mozambique. Choral singing. Oral tradition. Music creation. Choreography


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: mapa do continente africano com indicação dos respetivos países………………..16


Figura 2: mapa Etnolinguísticos de Moçambique………………………………………….…17
Figura 3: Coro da Escola Dominical da paróquia do Chamanculo na cidade de Maputo…....21
Figura 4: júri do concurso da Escola Dominical em Ricatla, 2022………………………........21
Figura 5: Coro da Juventude da paróquia de Chamanculo na cidade de Maputo………........22
Figura 6: ao centro a supertaça ...................................………………………………….........24
Figura 7: participantes do curso de regentes na Igreja do Nazareno……………………........25
Figura 8: professor Faustino Chirute em entrevista coma emprensa local, na província de Sofala
a quando da celebração do décimo aniversário do grupo Majescoral………..............……….26
Figura 9: formatura da primeira turma do curso de Licenciatura em Música na ECA-UEM em
2010……………………………………………………………………………...……………27
Figura 10: uma das melodias usadas nas aulas de linguagem musical……………….………29
Figura 11: trecho da música n° 177, Mbilwin yanga, Hosi Yesu, de Wolfgang Amadeus Mozart,
transcrita para o sistema tonic Sol-Fá…………………………………….............………..…31
Figura 12: refrão - compassos 9 a 10 da partitura original…………………………………..43
Figura 13: compassos 1 e 2 partitura aprovada…………………………...…………………44
Figura 14: transcrição da primeira gravação……………………………………………...…44
Figura 15: compassos 12 a 14 da partitura aprovada………………………………………….45
Figura 16: compassos 14 a 17, final do hino…………………………………………………45
LISTA DE EXEMPLOS

Exemplo 1: legenda de Exemplo musical. ...................................................................................


LISTA DE QUADROS

Quadro 1: programa de linguagem musical. ........................................................................... 28


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12
2 MOÇAMBIQUE…………………………………………………………………16
2.1 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E DISTRIBUIÇÃO ETNOLINGUÍSTICA....16
2.2 CARACTERÍSTICAS DA MÚSICA MOÇAMBICANA………………….........18
2.2.1 Canto coral em Moçambique..............................................................................19
2.2.2 Os concursos de musica coral em Moçambique..................................................20
2.3 O MAJESCORAL……………………...………………………………………..25
2.4 O CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA NA ESCOLA DE
COMUNICAÇÃO.E ARTES DA UNIVERSIDADE EDUARDO
MONDLANE…………...........................................................…………….….....26
3 PROCESSO DE CRIAÇÃO E PERFORMANCE DAS OBRAS CORAIS
PELA TRADIÇÃO ORAL ................................................................................. 30
3.1 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR VASCO GABRIEL
MACHIANA………………………………….……………………………….....31
3.1.1 Criação musical de tradição oral seguida por Vasco Gabriel
Machiana………....................................................................................………...32
3.1.2 Coreografia na performance da música coral de tradição oral ...................... 34
3.1.3 A regência coral na música de tradição oral ..................................................... 34
3.2 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR NAFTAL
NYAMUXWE…...................................................................................................36
3.3 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR MÁRIO ANDRÉ
MOIANA...............................................................................................................37
3.4 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR ÍLIO CHONGO ........... 37
3.5 CONDIDERAÇÕES PARCIAIS ......................................................................... 38
4 HINO NACIONAL DE MOÇAMBIQUE..........................................................39
4.1 PROCESSO DE ESCOLHA DO HINO NACIONAL "PATRIA AMADA".......40
4.1.1 Regravação do segundo hino nacional de Moçambique .................................. 42
4.1.1.1 Incompatibilidade em relação ao texto .................................................................. 43
4.1.1.2 Incompatibilidade sob ponto de vista musical ....................................................... 43
4.1.1.3 Estratégias e procedimentos .................................................................................. 46
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 49
6 REFERÊNCIAS................................................................................................... 50
7 APÊNDICE A – [INSIRA O TÍTULO DO APÊNDICE] ................................ 55
8 APÊNDICE B – [INSIRA O TÍTULO DO APÊNDICE B] ............................. 56
9 ANEXO 1 – [INSIRA O TÍTULO DO ANEXO 1] ........................................... 57
10 ANEXO 2 – [INSIRA O TÍTULO DO ANEXO 2] ........................................... 58
12

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi motivada pela experiência vivenciada por nós no processo de
regravação do segundo hino nacional de Moçambique, feita em outubro de 2014 com o grupo
Majescoral 1 . Entre os anos 2006 e 2010, nas disciplinas de Música Vocal e Instrumental,
Direção Coral e Instrumental e Canto, no curso de licenciatura em Música, na Escola de
Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA/UEM) 2 , tivemos a
oportunidade de aprender e interpretar o hino nacional de Moçambique em diferentes ocasiões.
Esta aprendizagem do hino, conduzida pelo maestro Óscar Castro3, despertou a problemática
da existência de uma versão gravada em 2002 pelo grupo Majescoral, que não correspondia a
versão escrita na partitura pelo autor, o Dr. Salomão Júlio Manhiça.
Atuando como maestro do grupo Majescoral desde 2010, nos deparamos com a
necessidade de apresentar este hino em diferentes cerimónias oficiais do governo. Os ensaios
para o aprendizado do hino tiveram como base a partitura oficialmente aprovada do hino. No
entanto, após as performances do hino, por diversas vezes, o grupo recebeu críticas pois a versão
cantada, baseada na partitura oficial, se diferenciava em vários pontos da versão que havia sido
gravada e que grande parte das pessoas conheciam. Como forma de solucionar esta
problemática, em 2014 o governo moçambicano, através do Ministério da Cultura, tomou a
decisão se regravar o hino de modo a produzir uma versão coerente com a partitura oficialmente
aprovada. Mais uma vez, foi escolhido o grupo Majescoral, para assumir este processo de
regravação, desta vez sob minha orientação, uma vez que o maestro Faustino Chirute que dirigiu
a primeira gravação, havia falecido em 2005. O processo de regravação incluiu uma etapa da

1
MAJESCORAL (Maputo Jazz and Spiritual Choir) criado em 1994, é um grupo coral virado essencialmente à
pesquisa e divulgação da música e ritmos moçambicanos, sem fins lucrativos e que interpreta diversos géneros
musicais tais como: tradicional, popular, jazz, clássico-erudito, gospel entre outros. Foi reconhecido, pelo
Ministério da Justiça, em 2007, como pessoa jurídica, passando a ostentar o nome de “Associação
MAJESCORAL” – Associação para pesquisa e divulgação da música e ritmos moçambicanos. A Associação
MAJESCORAL é composta por mais de 40 membros de diferentes origens étnicas, idades, crenças religiosas e
nacionalidades, sendo trabalhadores e/ou estudantes, solteiros ou casados. (BR, 3º Suplemento, III Série nº 19 de
14 de Maio de 2007).
2
Com base na deliberação do Conselho Universitário N.º 14/CUN/2002, de 29 de Novembro de 2002, foi criada
a Escola de Comunicação e Artes (ECA), como o mais nova unidade da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
Esta escola foi criada para atuar como um Centro de reflexão, produção e difusão de conhecimentos teóricos e
práticos no campo da Comunicação Social e das Artes, tendo tido como primeiro curso, a Licenciatura em
Jornalismo em 2004. Esta escola surge com os objetivos gerais de (1) - Formar profissionais conscientes do seu
papel social como formadores da opinião pública e promotores da Cultura; (2) - Formar profissionais responsáveis
e comprometidos com as transformações da sociedade para a consolidação da Democracia, Paz e Desenvolvimento
do país.
3
Até a data de sua morte, 03 de março de 2023, era professor na Universidade de Buenos Aires e professor
convidado na Universidade Eduardo Mondlane – Moçambique.
13

compreensão das situações que estiveram a volta da primeira gravação. Nesta etapa percebemos
que a primeira gravação do hino foi feita com base na aprendizagem oral, ou seja, estudo da
canção a partir do texto, uma vez que a escassez de tempo aliada a falta de uma aprendizagem
teórica da música, pela parte dos coristas do Majescoral na altura, não permitiu que muitos
detalhes como passagens cromáticas, ritmo e intensidades que constam da partitura, fossem
contemplados na gravação. Daí que no processo de regravação, fez-se necessária a
aprendizagem de linguagem musical para permitir a aplicação de uma metodologia mais voltada
ao estudo da partitura, com o objetivo de gerar uma versão que fizesse o hino soar tal como foi
pensado pelo autor, o Dr. Salomão Júlio Manhiça.
A aprendizagem musical por transmissão oral representa o meio pelo qual a maioria
dos grupo corais moçambicanos trabalha, com maior destaque no contexto religioso. A
interação entre música e dança é outro aspeto a se levar em conta, uma vez que também está
presente na realização da música coral no contexto da tradição oral. Em diferentes partes da
África, a música e a dança constituem uma parte integrante das atividades de interação social,
onde os membros se encontram para fins rituais ou cerimoniais (NKETIA, 1965)4.
Esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre o processo de composição e de
interpretação da música coral no contexto da tradição oral na cidade de Maputo, em Moçambique.
O canto coletivo abordado por Muhera (2022) como existente em Moçambique
mesmo antes da chegada dos portugueses em 1498, é caracterizado pela polirritmia, fonemas
aspirados5 e improvisações. Este se funde hoje com a comum estruturação vocal que organiza
as vozes em soprano, contralto, tenor e baixo, estabelecendo-se a ideia de canto coral
atualmente predominante sobretudo a nível das igrejas. Este fato pode explicar em grande
medida esta estruturação vocal muito frequente nas composições dos maestros atuais.
Embora seja mais comum o conceito de música coral em Moçambique, a forma de
criar e performá-la ainda reserva características do canto coletivo, uma vez que se mantém
elementos como a improvisação e a relação com a dança, entre outros aspetos. Considerando a
existência de uma prática coral bastante ativa sobretudo no sul de Moçambique, com maior

4
In many parts of Africa, music and dancing are generally activities of 'social' occasions, that is, occasions on
which the members of a community or a social group meet for recreation or for the performance of a ceremony or
a rite. The dance arena may, therefore, be the village (KETIA, 1965)
5
No caso da língua changana geralmente são marcados com a letra h. Exempo: Kukhala (reclamar). Ngunga e
Faquir (2012)
14

expressão na cidade de Maputo, para o desenvolvimento desta pesquisa foi mister o


levantamento das seguintes questões: 1 – Como os compositores criam e preparam as suas
músicas dentro da tradição oral? 2 – Como é concebida e integrada a coreografia na música
coral, uma vez que a maioria dos maestros moçambicanos não contam com uma formação
musical académica? 3 – Como é feita a regência deste repertório?
NGUNGA (2011) aborda os grupos etnolinguísticos de Moçambique, permitindo
evidenciar a etnia Nguni, e falante da língua changana, que mais se destaca no panorama de
música coral, bem como a localização ao longo do pais.
A escassez de publicações que abordem os processos de criação musical em
Moçambique, levou a realização de entrevistas feitas a determinados maestros, escolhidos pelo
seu singular destaque na produção musical para esta formação vocal a nível da cidade de
Maputo. Também foram incluídos alguns coristas para aferir o seu sentimento no processo de
produção e performance musical nos seus grupos.
Com o objetivo de colher informações sobre o processo de criação musical e
performance adotado no âmbito da tradição oral, optamos pela técnica da entrevista
semiestruturada, uma vez que não seria possível encontrar estas informações em registros ou
fontes documentais (BRITO JR., FERES JR, 2011).
De acordo com Quaresma (2005) a entrevista semiestruturada combina perguntas
abertas e fechadas, permitindo que o entrevistado possa discorrer sobre os questionamentos
feitos pelo entrevistador. As perguntas foram encaminhadas por WhatsApp para todos e
respondidas por escrito. Isto permitiu que houvesse um diálogo entre as partes, sempre que se
mostrou necessário detalhar ou complementar algum ponto específico.

As técnicas de entrevista aberta e semiestruturada também tem como vantagens a


elasticidade quanto a duração, permitindo uma cobertura mais profunda sobre
determinados assuntos. Além disso, a interação entre o entrevistador e o entrevistado
favorece as respostas espontâneas. (QUARESMA, 2005, p.75)

No segundo capítulo trazemos a localização geográfica e distribuição


entolinguística que ocorre em Moçambique. Abordamos as características gerais da música
moçambicana e particularidades relativas à atividade coral como os concursos de música coral
organizados pelas igrejas Presbiteriana de Moçambique (IPM), do Nazareno e a SoicoTelevisão
(STV). Finalizamos o capítulo com um relato sobre o curso de Licenciatura em Música da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA/UEM). Esta
licenciatura trouxe uma forte contribuição, particularmente para a música coral moçambicana,
15

através da formação de maestros, compositores, coristas e instrumentistas, ainda que em fase


inicial, uma vez que teve seu início em fevereiro de 2006.
No terceiro capítulo apresentamos o processo de criação e performance das obras
corais pela tradição oral. Para conhecermos melhor como este processo se dá realizamos
entrevistas com os maestros Vasco Gabriel Machiana, Naftal Nyamuxwe, Mário André Moiana
e Ilio Chongo e a 6 coralistas da cidade de Maputo, capital de Moçambique.
No quarto capítulo trazemos um relato detalhado do processo de regravação do
hino nacional de Moçambique, englobando desde o estudo da partitura oficial, o planejamento
dos ensaios, os ensaios e o processo de gravação em si.
16

2 MOÇAMBIQUE

2.1 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E DISTRIBUIÇÃO ETNOLINGUÍSTICA

Moçambique é um país da África subsaariana banhado pelo Oceano Índico, que faz
fronteira ao norte com a Tanzânia, a noroeste com o Malawi e a Zâmbia, a oeste com o
Zimbabwe, e a sudoeste com a África do Sul e a Swazilândia. Tem como capital a cidade de
Maputo, uma das principais cidades do país. Com uma extensão territorial de cerca de 799.380
km² e, de acordo com o censo de 2019, Moçambique tem um universo populacional estimado
em cerca de 30 milhões de habitantes.

Figura 1: mapa do continente africano com indicação dos respetivos países


Fonte:
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CHARLES_ARLINDO_E_SA_LUCILENE_ANTUNES.pdf

De acordo com o recenseamento geral da população feito em 2007, a língua oficial


portuguesa coexiste com línguas africanas do grupo bantu que “continuam a constituir o
principal substrato linguístico de Moçambique, por serem línguas maternas de mais de 80% de
cidadãos de cinco anos de idade ou mais”. (NGUNGA, 2011, p. 1).
A chegada dos portugueses a Moçambique em 1498, marcou o início da
colonização deste país que durou quase de 500 anos, até a Proclamação da Independência, em
25 de junho de 1975, quando se instalou a República Popular de Moçambique 6. Esta foi a
designação dada à atual República de Moçambique, entre 25 de junho de 1975 a 1 de dezembro

6
https://pt.m.wikipedia.org, acesso em 09/06/2023
17

de 1990. A mesma constituia o reflexo da modalidade de governo de um estado socialista.


(www.ine.gov.mz, acesso em 21 de junho de 2023).
As cores verde, amarela, vermelha, preta e branca presentes no mapa seguinte, são
cores da bandeira de Moçambique. Neste mapa estas cores represetam a divisão etnolinguística
ao longo de todo país. Moçambique tem 11 províncias divididas em regiões norte, centro, sul e
com 22 línguas locais7 distribuidas ao longo as três zonas regionais, coabitando com a língua
portuguesa como língua oficial. Das 22 línguas locais de Moçambique, será tratada com maior
enfase a língua changana por ser esta a de maior interesse para este trabalho. Esta língua é
falada nas províncias de Gaza, Maputo, Maputo Cidade8, Inhambane e Niassa. (NGUNGA,
2021, p.14).
Changana, também conhecida por Xichangana, junto com Xirhonha e Citshwa
constituem o bloco linguístico local nas províncias de Maputo, Gaza e Inhambane. Este bloco
linguistico designa-se por Tsonga e também representa o grupo étnico que habita nesta região
sul de Moçambique. (NGUNGA E FAQUIR, 2012)

Figura 2: mapa etnolinguístico de Moçambique


Fonte: CENACARTA9

7
https://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Mocambique/Geografia-de-Mocambique, acesso em 05/06/2023
8
Maputo Cidade é simultaneamente uma província e a província capital de Moçambique.
9
CENACARTA – Centro Nacional de Catrografia e Teledatação
18

2.2 CARACTERÍSTICAS DA MÚSICA MOÇAMBICANA

Informações trazidas pelo professor de etnomusicologia Salomão Júlio Manhiça,


em 12 de junho de 2006, no curso de Licenciatura em Música, na Escola de Comunicação e
Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA/UEM), revelam que a música na região norte,
nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula entre as etnias Maconde, Yao, Macua,
Lomwe, é caracterizada pela grande influência islâmica especialmente nas áreas costeiras.
Nesta região a música tem predomínio das escalas pentatónicas, do canto homofónico, embora
exista alguma ocorrência de terças paralelas entre etnias Macua e Maconde. Existe também
ornamentação vocal melismática, sons nasais e notas finais alongadas. Há uso de tamborinas
como instrumentos de acompanhamento ao canto.
É também notável a presença de escalas hexatônica e heptatônica, do canto em
quartas e quintas paralelas (TRACEY, 2001, p. 3, apud MUHERA, 2022, p. 2).
Na região centro, nas províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia nas etnias,
Macua, lomwe, Nhanja e Swahili há partilha de muitas das características da música do
Zimbabwe e predominam escalas pentatônicas. Do ponto de vista musical, a região centro serve
como ponte entre as regiões norte e sul. Quanto ao uso de instrumentos, o centro é um território
de idiófonos10 por excelência.
A região sul regista forte presença performativa sobretudo, das tradições dos
Nguni11 , especialmente nas províncias de Maputo e Gaza. Aqui existe a predominância da
música vocal e cantar polifónico, uso de escalas pentatónicas, quartas e quintas paralelas, menor
variedade em comparação com as outras regiões e em relação ao uso de instrumentos musicais.
Outro aspeto bastante comum nesta região é o uso da percussão corporal, em que predominam
as palmas junto com o canto. Quando a música está associada à dança, há uso de batidas de pé
como é no caso da dança de timbila na etnia Chope.
Como resultado do contato com o colonialismo português, também é bastante
comum a ocorência de escalas do sitema temperado, vinculadas a música nas igrejas, sobretudo
no sul do país.

10
Predomínio de xilofones e lamelafones
11
Os Nguni eram um grupo étnico da África do Sul, que incluía os Xhosas, Tembos, Fingos, Pondos, Zulus,
Tongas e Suazis e cujo território ia desde a Suazilândia, na fronteira de Moçambique até ao Ciskei, na Província
do Cabo (Patte, 1971).
19

2.2.1 Canto coral em Moçambique

Em Moçambique, embora existam vários grupos corais com uma prática bastante
ativa nenhum deles é constituído por cantores que sejam assalariados por este trabalho. Todos
os coros são vocacionais. Segundo Nardi (1979), o coro vocacional é aquele formado por um
conjunto de pessoas que se reúnem para cantar, por sua livre vontade, sem que haja pagamento
a nível pessoal para os cantores. Normalmente a maioria destes cantores não têm um estudo
formal de música, não obstante, poder haver alguns elementos com alguma ou completa
formação musical.
Alguns coros são detentores de personalidade jurídica, como é o caso do grupo
Majescoral juridicamente designado Associação Majescoral, publicado no Boletim da
República III série – Número 19, 2007, p. 4312, e o grupo Anjos do Apocalipse juridicamente
designado Associação Cultural Anjos do Apocalipse, publicado no Boletim da República III
série – Número 4, 2018, p. 101, que atuam como grupos independentes. Há também coros
vinculados a instituições como os coros de igrejas de diferentes denominações, o Coro do
Município de Maputo, subsidiado pelo próprio município, e os coros ligados a instituições de
formação, como o Coro da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), emtre outros.
Geralmente, a maioria destes grupos trabalham segundo a tradição oral embora
coros como o Majescoral e o coro da UEM, desenvolvam também outros tipos de repertório
como o clássico erudito, fazendo uso de partitura e dos códigos de regência encontrados nos
tratados.
Um caso particular no panorama da prática da música coral na cidade de Maputo,
se destaca na Igreja Presbiteriana de Moçambique (IPM), onde um dos critérios usado na
organização dos diferentes grupos é o fator idade. De acordo com a idade, os membros de cada
grupo são colocados numa estrutura designada por sociedade 13 que para além do canto,
desenvolve uma série de atividades a nível da igreja.

12
Publicação oficial da República de Moçambique/ Imprensa Nacional de Moçambique
13
Escola Dominical – de Zero a 15 anos,
Sociedade Presbiteriana de Jovens (SPJ) ou simplesmente Juventude, a partir de 16 anos até casar-se ou contrair
matrimónio, engravidar ou viver maritalmente;
Sociedade Presbiteriana de Activistas (SPA) que é composto por homes e mulheres casados, com filhos ou que
vivem maritalmente independentemente da Idade. Este é o Grupo imediatamente a seguir a Juventude; Para além
dos estudos bíblicos, aprendem como viver na vida conjugal e como cuidar um do outro e dos filhos;
20

2.2.2 Os concursos de música coral em Moçambique

Um dos fatores que tem incentivado bastante o crescimento e fortalecimento da


música coral em Moçambique, é sem dúvida, a realização de concursos e festivais de música
desta formação vocal. No âmbito da Igreja Presbiteriana de Moçambique (IPM), há a destacar
a realização dos concursos de canto coral da Escola Dominical, da Juventude e o festival
Xilombe14.
A Escola dominical, desenvolve trabalhos gerais com crianças, onde se faz a
aprendizagem da bíblia, canto e participção nos concursos de música e de poesia. Estas crianças
têm idades que vão de 0 aos 15 anos, sendo que participam dos concursos aquelas que
conseguem acompanhar as atividades do grupo, não havendo uma idade mínima estabelecida
para tal. (NYAMUXWE, 2023).
O concurso da Escola Dominical da IPM acontece geralmente entre abril e maio de
cada ano. Foi interrrompido na vigência da pandemia de Covid-19, tal como aconteceu com
todas outras atividades que exigiam alguma interação presencial.
A primeira parte do evento é geralmente dedicada a um culto preparado para a
ocasião, razão pela qual estes concursos acontecem nos domingos a partir das 09:00h, no caso
de eultos festivos e 10:00h nos cultos normais. Depois do culto, todos grupos e a audiência que
os acompanha, dirigem-se para a onde se realizará o concurso. (MUNGOI, 2013)
A peça de confronto no caso do concurso em 2022, realizado em 11 de Setembro
em Ricatla15, província de Maputo, foi Ndri thakuxa moya wanga 16 extraida do Tinsimu ta
Vakriste17, hinário desta igreja. Neste concurso a missão do juri foi avaliar a afinação, dicção,
dinâmica e comunicação coro-regente, tal como ilustra o plano de avaliação anexo nesta
dissertação.

Sociedade Presbiteriana de Mulheres de Caridade – Mamanas – Este é um grupo composto apenas por
mulheres com as seguintes condições, deve ser mãe, ter filho, viver maritalmente ou ser casada; Neste grupo para
além dos estudos bíblicos aprendem como cuidar do lar, como ser uma boa esposa;
Sociedade Presbiteriana de Homens – Madodana – neste grupo fazem parte todos os homes casados, com filhos
ou que vivam maritalmente. Para além dos estudos bíblicos, aprendem como cuidar do lar, como ser um bom
marido.
14
Palavra da lingua changana sem tradução literal para a língua portuguesa mas, pode ser entendida como ou algo
doce.
15
Situado no distrito de maracuene a 34 km da Cidade de Maputo, Distância entre Maputo e Marracuene - km,
tempo e custos (distanciascidades.com)
16
Da língua changana, traduzido para portugues em elevo minha fé
17
Da língua changana, traduzido para portugues em Canções dos Cristãos.
21

Figura 3: coro da Escola Dominical da próquia do Chamanculo18 na cidade de Maputo


Fonte: Arquivo pessoal

O juri foi constituído pelos seguintes membros, identificados na fotografia seguinte,


da esquerda para direita. Edilto Cuna19, Sara Mausse20 e Feliciano de Castro Comé21

Figura 4: júri do concurso da Escola Dominical em Ricatla, 2022


Fonte: Arquivo pessoal

18
Um dos bairos na Cidade de Maputo. Conta um ancião da Igreja Presbiteriana de Moçambique na poróquia de
Chamanculo, que esta parcela da cidade se chamou Hlambankulu antes de se tornar cidade. Hlambankulu refere-
se o lugar onde os mais velhos tomam banho. Esta designação reflete um passado no qual por esta parcela da
cidade passava um rio e as populações se serviam dele para o consumo da água. Com a influência da língua
portuguesa comçou a pronunciar-se Chamanculo, prevalecendo até os dias de hoje, com a excessão da pronúncia
de alguns dos mais velhos.
19
Maestro e professor de música na Escola de Comunicação e Artes da universidade Eduardo Mondlane
(ECA/UEM)
20
Maestrina da Igreja Nazareno no distrito de Xai – Xai, privíncia de Gaza
21
Maestro e professor de música na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo mondlane (ECA/
UEM)
22

Quanto ao concurso da juventude da IPM, não se sabe ao certo a data em que tive
início, mas estima-se que tenha se iniciado há cerca de 50 ou 60 anos, uma vez que a Sociedade
Presbiteriana de Jovens existe há 75 anos (por completar no ano corrente ano de 2023).
Geralmente participam deste concurso, cerca 12 a 15 grupos oriundos da cidade e província de
Maputo também conhecida como zona metropolitana de Maputo, e 7 grupos provenientes da
província de Gaza. (NYAMUXWE, 2023).
O concurso da juventude acontece nos mesmo moldes que o da Escola Dominical,
sendo num domingo e sempre antecedido por um culto de louvor dedicado especialmente a
ocasião. O diferencial neste caso é o fato deste ser direcionado para um público-alvo com idades
a partir dos 16 anos, e por lógica situação, conter uma canção mais desafiadora em termos de
dificuldade técnico-musical. (NYAMUXWE, 2023). No concurso realizado em 2017, na
paróquia de Chamanculo, a peça de confronto apresentada por todos os grupos foi a canção
intitulada Fa Ndri Lalhekile22. Neste concurso o coro dos jovens desta paróquia foi dirigido
pela maestrina Ivánia Felisberto Nhantumbo. O vídeo desta atuação pode se acessado no canal
do YouTube pelo Link https://youtu.be/dLyLQern4jg?feature=shared.

Figura 5: Coro da Juventude da paróquia de Chamanculo na cidade de Maputo


Fonte: Arquivo pessoal

Antigamente a comissão da Juventude, que é a direção máxima deste grupo é quem


escolhia as peças de confronto. Com tudo, com passar do tempo e sobretudo, com o surgimento
de outras comissões e concursos na Igreja, foi criada uma comissão técnica, composta por

22
Da línga changana, traduzido para portugues em - eu estava perdido
23

maestros desta Igreja, cabendo a ela a responsabilidade da escolha das peças de confronto. As
peças de confronto são escolhidas dentre as canções existentes no hinário ou em alguns casos,
é solicitado a um dos maestros da Igreja, para compôr uma canção a partir de um tema
previamente definido. (NYAMUXWE, 2023). Inicialmente o Juri era constituído por maestros
mais velhos e com reconhecido mérito ao nível da Igreja, mas os resultados sempre foram
contestados por vários grupos descordado dos mesmos, o que criava certo desconforto entre os
grupos participantes e entre algumas paróquias desta igreja. A justificativa para ditas discórias
prendia-se ao argumento de que, o processo classificatório não era coberto de esclarecidas
razões técnicas. Assim, optou-se por alterar a constituição habitual do Juri, trazendo maestros
da província de Gaza para a província de Maputo e vice-versa. Durante algum tempo este
modelo funcionou mas, poucos anos depois, também veio a mostrar-se ineficiente pelas mesmas
razões. Foi assim que no entendimento da comissão técnica, um novo modelo na composição
do juri deveria ser implementado. Este consistiria em trazer maestros conceituados de dentro
ou fora da Igreja, formados em música e de reconhecido mérito no panorama da música coral.
(NYAMUXWE, 2023).
Ainda sobre os concursos da IPM, há que salientar a realização do Festival Xilombe
com origem na África do Sul. Como dito anteriormemnte, este nome não tem uma tradução
literal para portugês, podendo ser interpretado como algo doce. Este nome serve para designar
a este concurso como um evento dominado pelo canto “doce”, um canto agradável. A
participação das paróquias moçambicanas neste festival, foi motivada pela visita de um grupo
coral femenino da Igreja presbiteriana da África do sul, que veio de visita a Maputo em 1998.
Nesta visita o coro sul-africano exclareceu aos membros da IPM, o modo de realização deste
festival que envolve todos os grupos da igreja com a excessão da Escola Dominical e é dedicado
um dia inteiro para o evento. A partir do ano de 2001, este festival começou a ser realizado
também em Moçambique, integrando também grupos corais da África do Sul.
No ano de 2016 participaram no festival Xilombe, 50 grupos corais tendo começado
pontualmente as 09:00h e terminado na madrugada seguinte, por volta de 05:00h. O Juri deste
festival foi constituido por 3 maestros da Igreja Presbiteriana vindos da África do sul, país
vizinho. Nesta edição pode se ver a atuação do grupo coral da IPM Magoanine23 interpretando

23
Segundo a Associação dos Transportes Rodoviários de Maputo (ATROMAP), é um bairo localizado na zona
“B”, como todos os bairos situados a mais de 9 km da Cidade de Maputo (trabalho de fim de curso de Dulce Maria
Matsinhe - 2007 ) – Implicações da alteração da tarifa dos transportes “Chapas 100” nos agregados familiares
Estudo de caso; Bairo de magoanine// faculdade de economia da UEM 2007 - Matsinhe, Dulce Maria.pdf
(uem.mz)
24

Matimba Ya Vuyimeleli24, peça de confronto, sob regênciado maestro Naftal Mário Nyamuxwe.
Neste festival participaram os coros da SPJ, SPA, SPM, SPH25 e ainda o denominado Grupo
Coral que é o grupo geral, constituido por todas as sociedades. É comum partipiciparem deste
evento, grupos de fora da província de Maputo. Em todos os grupos participantes são premeados
os que se estiverem do 3º ao 1º lugar.
Uma vez que participam todas as paróquias, faz-se então a pontuação por
sociedades das quais, a melhor colocada é consagrada a vencedora dessa edição e recebe a
supertaça que será exibida na sua paróquia por 12 meses. Esta supertaça deve ser devolvida na
edição seguinte para fica na posse do novo grupo consagrado, sendo este ou não, o vencedor da
edição anterior. (NYAMUXWE, 2023).

Figura 6: ao centro da mesa, a supertaça


Fonte: Arquivo pessoal

A canção de confronto apresentada neste festival pelo grupo coral da IPM de


magoanine, é da autoria do maestro e compositor sul africano Shalati Joseph Khosa e pode ser
acessada pelo link https://youtu.be/h4SROxLBpUc?feature=shared.
Outra igreja que tem desenvolvido bastante a prática da música coral atravéz de
realizção de concurso, é a Igreja do Nazareno. A prática de concursos de música coral nesta
igreja começou no ano 2000, tendo sido interrompido na vigência da pandemia da Covid-19.
Nesta igreja os maestros são insentivados a aprenderem a ler partituras, para efeitos de
interpretação de música escrita neste sistema de notação. Alguns maestros com mais

24
Da línga changana, traduzido para portugues em o poder do canto
25
Sociedades Presbiterianas de Jovens, Activistas, Mulheres e Homens
25

experiência promovem cursos de formação de maestros, com obrejtivo de dinamizar a


interpretação de repertório escrito nas partituras tal como podemos ver na fotografia abaixo.

Figura 7: participantes do curso de regentes na Igreja do Nazareno


Fonte: Arquivo pessoal

Nos concursos realizados nesta igreja, costumam participar cerca de 30 grupos


corais divididos em dois grupos designados por Júniores e Juventude. Os grupos recebem para
o concurso, uma peça de confronto de acordo com as suas habilidades, sendo este repertório
dividido em categorias A, B ou C, ordenadas pelo grau de dificuldade. (CHONGO, 2023)

2.3 O MAJESCORAL

Fundado em maio de 1994, pelo professor Faustino António Chirute (1962 - 2005),
com ajuda de Natália Chamusso e Cândida Mata, coristas do grupo, que de imediato
convidaram jovens que se destacavam no canto coral em suas igrejas para formar o Majescoral.
Faustino António Chirute, licenciou-se em regência coral e orquestral pelo Conservatório
Estadual de Cazaquistão em 1993. No seu regresso a Moçambique, Chirute desenvolveu
pesquisas sobre ritmos e melodias das diferentes comunidades moçambicanas e manifestou
interesse em formar um coro que pudesse servir de elo entre o canto popular e tradicional
moçambicano e o mundo clássico erudito.
26

Figura 8: professor Faustino Chirute em entrevista coma emprensa local, na Província de Sofala a quando da
celebração do décimo aniversário do grupo Majescoral.
Fonte: Arquivo pessoal

No mesmo período da fundação do Majescoral, se juntou ao grupo de fundadores,


o compositor e maestro Ricardo Rafael Cândido (1968 - 2010) carinhosamente chamado
Cadinho que se tornou vice maestro do grupo. O Majescoral vem se destacando na pesquisa de
ritmos regionais de Moçambique e na execução da música coral moçambicana e internacional.
Atualmente trabalha o repertório jazzístico e “erudito” sob nossa direção e os repertórios
tradicional e gospel sob a regência de Augusto Gamaliel.

2.4 O Curso de Licenciatura em Música na Escola de Comunicação e Artes da


Universidade Eduardo Mondlane (ECA/UEM)

A Licenciatura em Música na ECA/UEM, iniciou em Fevereiro de 2006, como o


primeiro curso de artes no panorama do ensino superior em Moçambique. Esta Licenciatura
tem uma duração de 4 anos. Destes 4 anos, os dois primeiros são dedicados a disciplinas comuns
e a partir do terceiro, começa a divisão em vertentes Científica e Pedagógica 26 e Artístico
Performativa27.
Este curso contou desde o seu início com a participação de professores estrangeiros
e convidados, como foi o caso do maestro Óscar Castro. O maestro Óscar Castro atuou nas

26
Orientada para a formação de musicólogos/investigadores, docentes das diversas áreas musicológicas,
formadores de professores de educação musical para os diversos níveis de ensino, directores de programação,
críticos musicais e técnicos culturais.
27
orientada para a formação de músicos instrumentistas, professores de instrumento, compositores, maestros,
produtores musicais e promotores de concertos.
27

disciplinas de Música Vocal e Instrumental, Direção Coral e Instrumental, Canto, Análise e


Técnicas de Composição e Seminário sobre Composição. Dentre vários profissionais que o
curso tem estado a formar desde o primeiro grupo em 2010, há a destacar uma parte dos
professores atuando no curso atualmente, e os primeiros maestros que passaram a valorizar a
realização das obras a partir da leitura de partituras em diferentes grupos.

Figura 9: formatura da primeira turma do curso de Licenciatura em Música na ECA-UEM


Fonte: Arquivo pessoal

A Licenciatura em Música na ECA/UEM, iniciou em Fevereiro de 2006, como o


primeiro curso de artes no panorama do ensino superior em Moçambique.
Foi nesta primeira turma que tivemos a oportunidade de aprender o hino nacional
“Pátria Amada”, e perceber no próprio autor Dr. Salomão Júlio Manhiça, as suas inquietações
em relação a versão gravada em 2002. Foi também relevante o fato de contar com o Dr. Salomão
Júlio Manhiça na supervisão do TCC de Licenciatura em música no ano de 2010. Outro aspeto
a resaltar aqui é a apresndizagem do método de linguagem musical abordado pelo maestro
Óscar Castro, que visa dotar os coristas de conhecimentos de leitura musical num período
relativamente curto (mais ou menos 20 encontros). Os conteúdos e o número aproximado de
encontro pode ser visto no quadro seguinte.
28

Quadro 1: programa de linguagem musical

O conteúdo deste plano, de acordo com o alinhamento no quadro acima, permite


ser abordado em 20 encontros de até 02:00h cada, podendo se alastrar este período devido a
incovenientes que se coloquem no processo. Este plano de linguagem musical estruturado pelo
maestro Óscar Castro, visa aprimorar o grupo coral na habilidade de leitura musical. Enquanto
de aplica este plano, o maestro vai abordando um repertório simples com o propósito de iniciar
um trabalho de técnica vocal. No caso do grupo majescoral que começou a aprendizagem de
linguagem musical em 2011, foi possível aborar com mais otimismo, obras como Requiem de
Wolfgang Amadeus Mozart, Missa em Sol Maior de Franz Schubert, Corais Luteranos de
Johann Sebastian Bach, Little jazz mass de Bob Chilcot, entre outros.
São utilizadas melodias breves, entre 8 e 16 compassos. Estas melodias foram
selecionadas pelo maestro Óscar Castro que as intitulou de melodia de alta motivação. Com
base nelas o professor de linguagem musical canta e ensina em pequenas seções. Depois de
aprendidas, sempre usando nomes das notas, faz exercícios de reconhecimento das notas. Este
exercício de reconhecimento, anteriormente feito através do que se aprendeu, é usado pelo
29

professor para esclarecer os nomes das notas baseando-se em fatos mais objetivos, como apoio
da clave de Sol (mais tarde o mesmo exercício é feito com uma melodia em clave de Fá).
Depois são abordadas outras melodias que vão incluir notas nos demais registros,
envolvendo todas as alturas. Para além de exercícios gerais de vocalização, recorre-se outra
vez a algumas destas melodias para atividades de técnica vocal e realização de cânones com o
objetivo de preparar o coro para o canto polifônico.

Figura 10: uma das melodias usadas nas aulas de linguagem musical
Fonte: Arquivo pessoal

Para abordar durações, recorre-se às mesmas melodias inicialmente aprendidas com


objetivo de reconhecimento de notas no pentagrama, mas agora com foco nas durações. A
diversidade das melodias por aprender, deve ir abarcando o conteúdo do plano de linguagem
musical de forma progressiva.

EM CONSTRUÇÃO
30

3 PROCESSO DE CRIAÇÃO E PERFORMANCE DAS OBRAS CORAIS PELA


TRADIÇÃO ORAL

A prática da música coral de tradição oral, na qual a composição é transmitida sem


o uso de partitura tanto por parte do regente quanto dos coristas, se constitui num hábito bastante
antigo, em Moçambique. Neste tipo de transmissão as composições se configuram como
criações coletivas, que não seguem necessariamente a estruturação de vozes soprano, contralto,
tenor e baixo, comum na música coral ocidental (MUHERA, 2022).
As obras corais são construídas em colaboração cantores e maestro, à medida que
são ensaiadas e cada cantor tem uma certa liberdade para criar linhas melódicas ou variações
destas. Essas composições, por não serem grafadas, não se mantém constante, podendo sofrer
variações de um ensaio para outro, ou até mesmo a cada concerto.
Com a chegada do colonialismo português à Moçambique, em 1498, a prática da
música coral de tradição oral passa a conviver com uma nova música trazida pelos
colonizadores. Novas estruturas harmônicas se estabelecem sobretudo ao sul do país, com forte
influência da música cristã, difundida na igreja católica e protestante (MUHERA, 2021). Esta
conexão forçada pela pressão colonial no seio da comunidade moçambicana fez com que se
assimilassem novos conceitos no que diz respeito a estruturação e regência da música coral.
Assim, a partir deste contato, a distribuição tímbrica a 4 vozes mistas (soprano, contralto, tenor
e baixo), a cappela, homofônica, ao estilo coral, passou a ser comum no repertório dos hinários
destas igrejas, embora este repertório seja ensinado, majoritariamente, por transmissão oral. O
uso de gestual de regência, aos moldes do que é feito no mundo ocidental, também influenciou
a forma de reger moçambicana, ainda que não tenha havido um estudo sistemático de técnica
de regência por grande parte dos maestros, que regem de acordo com sua intuição.
Um exemplo dessa interação entre a composição e regência de obras corais pela
transmissão oral e a música coral trazido pelos portugueses, aparece no trabalho desenvolvido
por alguns maestros que trabalham com grupos corais na Cidade de Maputto. É o caso dos
maestros Vasco Gabriel Machiana, Naftal Nyamuxwe, Mário André Moiana, Ílio Chongo,
alguns dos mais destacaos no panorama da música coral moçambicana. Em entrevista a mim
concedida, estes compositores e maestros relataram as suas experiencias no processo de criação
e performance da música coral em Moçambique.
31

3.1 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR VASCO GABRIEL MACHIANA

Em entrevista ao maestro e compositor Vasco Gabriel Machiana, realizada em 16


de maio de 2023, via Whatsapp, buscamos conhecer um pouco sobre sua formação, seus grupos
corais, sua forma de compor e construir a performance. Vasco Gabriel Machiana,
carinhosamente chamado por VGM (abreviatura do seu nome), é um jovem moçambicano
nascido na província de Maputo a 14 de fevereiro de 1981, oriundo de uma família humilde e
religiosa. Aprendeu música no meio religioso e se desenvolveu como autodidata. Iniciou
intuitivamente a arte de compor e de improvisar a partir de textos bíblicos. O contato com a
música coral começou na sua infância, por intermédio de sua irmã mais velha, Helena
Machiana, que ocupava o cargo de maestrina do grupo coral da igreja. A capacidade sua irmã
ensinar e dirigir em público as canções do hinário, desde sempre chamou sua atenção. O
interesse pela música coral o fez desenvolver a leitura e interpretação do sistema tônica Sol-
Fá28, o que influenciou bastante na sua forma de combinar as 4 vozes (soprano, contralto, tenor
e baixo), atualmente presentes na maioria de suas composições. Mais tarde aprendeu a leitura
musical e passou a interpretar também obras corais escritas em partituras.

Figura 11: trecho da música n° 177, Mbilwin yanga, Hosi Yesu29, de Wolfgang Amadeus Mozart, transcrita para
o sistema tonic Sol-Fá.
Fonte: Hinário religioso da Igreja Presbiteriana de Moçambique intitulado “Tisimu ta Vakeriste30”

Em 1990 começa sua experiência como regente que se estende até os dias de hoje,
tendo, ao longo deste período, trabalhado com cerca de 30 grupos corais, entre coros infantis e
adultos. VGM possui um conjunto expressivo de obras corais tendo composto cerca de 217

28
De acordo com Esteves e Sbaffi (2016) este é o sistema de notação musical conhecido por tônia Sol-Fa
(Inglaterra) e Tonika-Do (Alemanha) em que a nota Dó é tônica para todas as tonalidades.
29
Da língua changana, que em português significa “No meu coração, Jesus”
30
Da língua changana, que em português significa “Canções dos Cristãos”.
32

canções para adoração, batizados, casamentos, concursos, entre outros, sobretudo ao nível da
igreja Presbiteriana em Moçambique.

3.1.1 Criação musical de tradição oral seguida por Vasco Gabriel Machiana

Ao compor uma obra coral, que será ensaiada pelo processo de transmissão oral, o
compositor delineia suas primeiras ideias musicais e as leva para o grupo. Atualmente é comum
já dispor a composição nas vozes soprano, contralto, tenor e baixo. Esta primeira ideia é
trabalhada e burilada no contato direto com os cantores do grupo. A figura do maestro e do
compositor se misturam, não havendo uma separação entre um e o outro. Embora a composição
final tenha a participação coletiva dos cantores a autoria continua a ser dada ao maestro e
compositor que trouxe as ideias iniciais e que conduziu todo o processo de construção da obra.
Perguntado se na composição de uma canção é só o maestro quem cria a música ou
se os coristas também têm participação no processo Vasco Gabriel Machiana responde:
No meu caso posso afirmar que o coro me ajuda a compor, uma vez que apesar da
ideia ser minha, eu aproveito o momento de ensaio para fazer alguns arranjos... São
pouquíssimas as vezes que saí de casa com uma nova composição, sem a alterar depois... Há
vezes em que altero a composição justamente no meio do ensaio; mas há vezes em que depois
do ensaio fico sozinho a meditar naquilo que foi o ensaio e acabo alterando algumas coisas.
Quando estou a trabalhar numa canção, procuro ver se os coristas estão a gostar da canção ou
não. Este é um dos critérios que uso para mexer na composição ou não; mas há vezes em que
altero algo na composição porque acho que os coristas não estão a gostar e depois eles mesmos
reclamam dizendo: “estava bom como estava”. (MACHIANA, 2023).
A fala de Vasco Gabriel Machiana nos mostra que há uma abertura da parte do
compositor permitindo e até mesmo incentivando a colaboração dos seus cantores na criação
das obras. Algumas vezes até mesmo um “erro” ou a substituição de alguma palavra é
incorporado à obra.
Outra coisa que acontece comigo é eu ensinar uma coisa e um corista cantar uma
coisa errada, entretanto eu achar que é um “erro bonito”, o que pode me fazer “legalizar o erro”,
alterando assim a partitura. Por vezes é um corista que pode sugerir a alteração de uma palavra
na letra da música (por a achar agressiva ou pouco expressiva) o que pode implicar a alteração
da própria melodia, para combinar com a acentuação da nova palavra e ajustá-la à métrica
musical, mas também posso mexer na composição simplesmente porque o momento de ensaio
33

é inspirador...aquela parte que era para se cantar uma vez, pode-se passar a cantar duas ou mais
vezes... (MACHIANA, 2023).
O processo de composição de obras corais pela transmissão oral se configura
portanto como um mecanismo aberto podendo a obra, a todo momento, sofrer variações ou ser
enriquecida com novos elementos. Desta forma a prática coral baseada na transmissão oral nas
comunidades africanas e moçambicana em particular, tem se mostrado como um caminho para
o desenvolvimento da criatividade e da autoestima dos coristas que, de certa forma, são também
parceiros no processo de construção da composição musical.
O canto em conjunto tem se mostrado excelente instrumento no processo de
musicalização ao longo dos tempos, tanto para as crianças como para adultos,
independentemente do seu grau de conhecimento do desenvolvimento musical.
(CHEVITARESE, 2021, p.16).
Consciente ou inconscientemente, o canto feito por transmissão oral é uma prática
coral corrente, que promove forte interação entre os coristas e entre estes e o maestro seja
durante o processo de criação musical, seja durante as apresentações públicas, gerando uma
grande satisfação coletiva, uma vez que cada corista se sente parte importante do processo da
composição. Este fato corobora com o dito atribuído a Confúcio, citado por educador musical
belga Jos Wuytack, em entrevista concedida ao prof. Dr Sérgio Álvares: “Diga-me, eu
esquecerei; mostra-me eu lembrarei; envolva-me, eu aprenderei” Esta é realmente a essência
do ensino”31 . (ÁLVARES. 2016, p. 222).
Cabe ressaltar que durante os concertos, este tipo de música tem uma forte
comunicação com o público, que muitas vezes canta junto com o coro em total comunhão, como
pode ser visto na performance de 12 grupos que participaram da IX Edição do Fest Coros,
realizado na cidade de Maputo em 2018, disponível no link abaixo. O vídeo, não editado, com
a transmissão ao vivo pela Soico Televisão, tem duração total de 2:59:47.
http://rd.videos.sapo.pt/playhtml?file=http://rd.videos.sapo.pt/z80nyuavqy8R9QA0GLd0/mov
/1 .
Este concurso de música coral foi criado pela Soico Televisão (STV) em 2006
(MUHERA 2021). Ao final deste vídeo, no instante 2:36:20, culminando esta edição de forma
festiva, podemos ver também, um coro composto por cantores de vários grupos que

31
This saying attributed to Confucius is: “Tell me, I will forget; show me, I will remember; involve me, I will
understand”. That is really the essence of teaching.
34

participaram do concurso, sob a regência do maestro Vasco Gabriel Machiana cantando a


canção Ndzo Kwaya32

3.1.2 Coreografia na performance da música coral de tradição oral

Música e dança na cultura moçambicana são dois fortes traços. Por esta razão é
comum vermos coros moçambicanos cantarem e dançarem ao mesmo tempo. A coreografia
adotada também é um processo de criação coletiva, como relata Machiana (2023).
Quando estou a dar uma canção com características africanas, gosto de explorar a
parte da coreografia. O processo que uso para o desenho coreográfico é o mesmo que o da
composição...ou seja, saio de casa com uma ideia dos passos e dos movimentos tem que ser
executados, entretanto vou ao ensaio como se não tivesse nenhuma ideia. Faço isso como forma
de explorar ao máximo as ideias dos coristas. Quando chego ao ensaio, pergunto se alguém tem
ideia de como podíamos dançar a canção em causa; dou o tom e peço a canta um para que dance
aquilo que achar que combina com a canção. Enquanto isso eu observo atentamente o que cada
um faz e por conseguinte, (já em casa, sozinho) faço um desenho combinando as ideias dos
coristas com as minhas. Já no ensaio seguinte apresento todo o desenho coreográfico; e
enquanto formos praticando aperfeiçoamos a coreografia todos em conjunto. (MACHINA,
2023).
De modo geral os maestros de música coral de transmissão oral em Moçambique,
aproveitam o momento da criação musical para trabalhar aspetos da coreografia, pois durante a
performance os cantores não se limitam apenas a cantar, mas “também movem as mãos, dedos
e mesmo a cabeça, ombros, ou pernas, seguindo determinados motivos coordenados. A música
é assim a totalidade desta organização cinética” (KUBIK, 1981, p. 3). Para promover um maior
dinamismo do coro ao longo da performance, o maestro também participa executando a
coreografia como forma de incentivar os cantores.

3.1.3 A regência coral na música de tradição oral

De acordo com Álvares e Amarante (2016) uma das funções da música é a reação
psicomotora que ela provoca ao ser ouvida. Ao ouvir uma música, institivamente o corpo reage
movimentando-se na pulsação determinada por ela. Este fato está muito presente no fazer

32
Da língua Changana, traduzido livremente para português como – estou correndo
35

musical dos coros moçambicanos, não apenas nos cantores, mas também nos maestros que
desenvolvem uma regência peculiar na qual abandonam a postura estabelecida nos livros e
tratados de regência e assumem um posicionamento mais informal. O regente não permanece
em uma posição ereta, ao centro e à frente do grupo para conduzi-lo. Ao contrário, eles
estimulam o coro a cantar e dançar e dançam junto com este, caminhando de um lado para o
outro. Algumas vezes viram-se para a audiência, para cantar como solista principal do grupo.
Podemos ver este fato na atuação do grupo Madjaha ya Kutsaka33 no âmbito da nona edição do
concurso Fest Coros em Maputo, no instante 1:42:58, acessável no Link:
http://rd.videos.sapo.pt/playhtml?file=http://rd.videos.sapo.pt/z80nyuavqy8R9QA0GLd0/mov
/1.
De acordo com o maestro argentino Guillermo Graetzer (1979), a interpretação de
uma obra não deve ser feita de forma caprichosa, mas atendendo às exigências de sua estrutura
e sonoridade buscada. Embora o maestro Vasco Machiana não faça uso do gestual encontrado
nos tratados, servindo-se da sua criatividade, entusiasmo, da coparticipação do coral e da
riqueza coreográfica das danças moçambicanas, constrói seu código próprio gestual utilizando
movimentos específicos, experimentados durante o ensaio, com vistas a obter uma resposta
musical adequada a conceção da obra.
Em termos de regência faço algo muito informal, isso porque tenho de gerir
questões de musicalidade e a própria coreografia...Há aquele gesto que faço para sinalizar a
dinâmica, por exemplo, mas também há aquele gesto que faço para lembrar ao coro sobre um
movimento que deve ser feito, mas também por vezes tenho que dançar também, para
acompanhar e incentivar o grupo a dançar mais. (MACHIANA, 2023)
A interação de maestro, compositor e cantores nas atividades na criação musical e
interpretação, motivadas principalmente pelo processo oral de transmissão nos coros
moçambicanos, abre espaço para o desenvolvimento da criatividade coletiva seja nas atividades
de composição (harmonização e arranjos), adaptação de coreografias e textos além de estimular
o surgimento de novas lideranças que serão os futuros maestros. Assim o coro funciona como
uma escola que desenvolve a criação musical, a regência e a coreografia. Os cantores de hoje,
futuros novos maestros, que trabalharão com diferentes grupos corais servem-se destas

33
Da língua changana, traduzido livremente para português como - rapazes felizes.
36

experiências vividas ao longo dos ensaios, refletindo-se aqui a perspectiva imanente que
segundo Borgdorff, é uma das quatro34 perspectivas da teoria e prática na pesquisa artística.
A perspectiva imanente - Todas as práticas incorporam conceitos, teorias e
entendimentos portanto, não há leis naturais na música, sua natureza é delineada pela história,
cultura e teoria. Não há práticas e materiais existentes nas artes que não sejam saturados de
experiências, histórias ou conceções, daí que a arte é sempre reflexiva. (BORGDORF, 2017,
p.318).

3.2 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR NAFTAL NYAMUXWE

O compositor e maestro Naftal Nyamuxwe35 reconhece a existência de coristas que


participam no processo da criação musical sobretudo nos coros onde o maestro não tenha muita
experiência na composição. No caso de maestros com muita experiencia, geralmente estes
criam a música e os podem participar na criação coreografia. (NYAMUXWE, 2023)

EM CONSTRUÇÃO

34
As perspectivas da pesquisa artística segundo Borgdorff são: perspectiva instrumental, perspectiva interpretativa,
perspectiva performática e perspectiva imanente
35
Um dos compositores e maestros da Igreja presbiteriana de Moçambique.
37

3.3 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR MARIO ANDRÉ MOIANA

Mário André Moiana36 também afirma que o maestro é que cria a música, mas é
comum que os coristas participem nesse processo.
Geralmente são os coristas que criam coreografias e o maestro por sua vez faz
alguns arranjos para adequalos melhor à música. Em relação a regência, o masestro costuma
valer-se do rítmo da música e da coreografia ensaiada para idealizar os movementos mais
ajustados para a performance. (MOIANA, 2023)

EM CONSTRUÇÃO

3.4 ENTREVISTA COM O MAESTRO E COMPOSITOR ILIO CHONGO

EM CONSTRUÇÃO

36
Começou sua aprendizagem musical com flauta aos 8 anos de idade. É maestro a 20 anos tendo trabalhado
com vários grupos corais a nível das igrejas. Atualmente é maestro do grupo coral da Polícia Municipal da
província de Maputo Cidade, função que exerce a 10 anos.
38

3.5 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Com base nas afirmações dos 3 compositores e maestros acima, podemos perceber
que o processo de transmissão oral pode promover mútua aprendizagem tanto da parte dos
maestros como dos coristas nas diferentes áreas de criação musical. O processo de concepção
coreográfica também é desenvolvido nos mesmos mecanismos que a música. Desta interação,
a criação musical e a coreográfica são concluídas no mesmo momento, uma vez que vai se
ensaiando os movimntos de dança a medida em que se amadurece a componente musical.
Embora existam alguns maestros que não optam por esta colaboração conjunta do coro, estes
representam uma menoria em relação a realidade geral. É neste tipo de interção que se partilham
experiências entre os membro do grupo, e se cria um espaço de aprendizagem que gera novos
compositores e maestros neste contexto de música coral. Estes novos maestros levam para os
seus novos ofícios, estas experiências promovendo a continuidade desta forma de trabalhar, o
que ajuda a manter constante esta colaboração ao longo das diferentes gerações.

EM CONSTRUÇÃO
39

4 O HINO NACIONAL DE MOÇAMBIQUE

Entre os grandes símbolos de uma nação incluem-se a bandeira nacional, o


emblema nacional e o hino nacional. Em 1974, depois de reprovadas as propostas havidas no
concurso público para candidatura de hino nacional, o então Primeiro-Ministro do governo de
transição, Joaquim Alberto Chissano, convidou o compositor e maestro moçambicano Justino
Chemane para compor o hino que deveria ser entoado no dia da proclamação da independência
de Moçambique. O hino intitulou-se Viva, Viva a FRELIMO37 e pode ser considerado como um
grande testemunho da libertação do país, que resultou de uma luta política e armada dirigida
pela Frente de Libertação de Moçambique.
A luta vem de longe. Quinhentos anos de opressão e exploração foram-no também
de resistência permanente que confluíram em 10 anos de luta armada. Hoje, o poder é do povo
e o povo usa esse poder para conduzir o país à construção de uma sociedade onde o homem,
armado de uma nova mentalidade, veja finalmente, satisfeitas todas as suas aspirações. Tudo
isso o hino deverá cantar. E para exprimir com realismo o verdadeiro sentir do povo, deverá ser
feito pelo povo, numa forma simples, embora dinâmica e expressiva. A FRELIMO lança, pois,
um apelo à capacidade criadora do povo para que, do Rovuma ao Maputo, usando e adaptando
a enorme riqueza da sua cultura musical, todos apresentem composições. De entre todas, a mais
bela será escolhida como hino nacional (COMÉ, 2010).
No ano de 1990, o Parlamento Moçambicano – a Assembleia Popular – aprovou a
nova constituição da República de Moçambique, pondo fim ao regime monopartidário e
instituindo um sistema de democracia multipartidária. Entre os principais frutos da abertura
política, podem-se apontar (1) as negociações entre o Governo de Moçambique, liderado desde
a independência nacional pela FRELIMO, mais tarde denominado Partido FRELIMO, e a
Resistência Nacional Moçambicana - RENAMO, duas forças que divergiam em relação às
políticas que vinham sendo adotadas. Estas divergências resultaram em uma guerra que durou
cerca de 16 anos e que teve fim com a assinatura, em Roma, do Acordo Geral de Paz em 1992;
(2) o surgimento de muitos partidos políticos em Moçambique, os quais, à semelhança da
RENAMO, se opunham à FRELIMO e pretendiam conquistar o poder político e governar o
país; e (3) a realização das primeiras eleições gerais multipartidárias em 1994.

37
FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique
40

Num ambiente de pluralismo político, não era senão natural que cedo se erguessem
vozes a exigir o abandono de um hino nacional que, ao começar por Viva, Viva a FRELIMO,
era uma ode a um dos partidos políticos, e a substituição do mesmo por um outro que pudesse
ser o manto que cobre todos os moçambicanos, independentemente de sua filiação político-
partidária. É neste contexto que a RENAMO, o então maior partido da oposição, propõe
mudanças na constituição que levaram o governo a publicar a resolução N◦. 26/95, de 13 de
outubro, que constituía uma Comissão ad hoc para a revisão do hino nacional, de modo a
adequá-lo ao novo cenário político nacional, instalado a partir da Constituição da República de
1990. A comissão deveria apresentar a proposta do novo hino, num prazo de 1 ano, a contar a
partir de 1 de fevereiro de 1996, como relata Chitsondzo, membro da comissão.
Os passos seguidos foram a criação da comissão ad hoc com missão de rever o hino
que teve algumas fases. O que se pretendia inicialmente era uma nova letra metida no hino
anterior. Ora isso também não foi bom, pois a mudança da letra não teve bons resultados ou
sucesso na melodia anterior. Na segunda fase se abriu espaço para que se fizesse nova música
e letra através de um concurso. (…) Entretanto havia-se criado condições técnicas para corpo
técnico composto por um funcionário da Assembleia e um documentalista contratado para o
efeito. Abriu-se espaço para guardar no Banco de Moçambique aquilo que fossem as propostas
de hino recolhidas em todo o país. Foi também contratado um assessor da parte técnica,
portanto, a parte artístico cultural que era uma pessoa “ (expert) ” nessas matérias e em função
disso também foi criado um júri. (…) Foi criada uma comissão que tivesse membros
provenientes da Sociedade civil que tinha que analisar as propostas e classificá-las.
(CHITSONDZO, 2012)
Dava-se desta forma um passo para o fim do primeiro hino nacional Viva, Viva a
FRELIMO e a criação do novo hino nacional de Moçambique.

4.1 PROCESSO DE ESCOLHA DO HINO NACIONAL “PÁTRIA AMADA”

Foi lançado o Concurso Nacional para a revisão do hino nacional, cujo âmbito,
inicialmente, era manter a melodia e alterar a letra do hino, eliminando o que estivesse
desajustado à nova realidade política. Findo o prazo estabelecido para o trabalho desta
comissão, nenhum resultado foi alcançado. Com a realização das segundas eleições
presidenciais em 1999 houve a formação de um governo também pertencente ao partido da
FRELIMO. A mudança de governo resultou na dissolução da primeira comissão ad hoc, e a
criação de uma nova comissão, desta vez, constituída por 15 membros, tendo como relator
41

Chitsondzo. Ele nos fala sobre o impasse vivenciado pela nova comissão por não considerar
nenhuma das composições inscritas no concurso com qualidade adequada para substituir o hino
que estava em vigor.
O júri, ao fazer a sua classificação, chegou à conclusão de que aquelas propostas
recolhidas, não tinham o nível de qualidade suficiente para substituir o hino VIVA, VIVA A
FRELIMO que estava em vigor. Então ficou-se outra vez num impasse pois, não se pretendia
substituir o hino apenas por substituir, era necessário que a nova proposta do hino tivesse
qualidade para ser aprovada. Durante a constante divisão de opiniões, eis que apareceu um
trabalho escrito pelo Jornalista Albino Magaia (em memória), que lamentava o fato de se ter
perdido bastante tempo dando voltas desnecessárias à procura de novas propostas de hinos e,
aconselhava que se procurassem hinos feitos em 1984 ordenados pelo presidente Samora antes
do regime Multipartidário. (CHITSONDZO, 2012)
Foi seguindo as orientações de Albino Magaia que a comissão voltou a analisar as
composições propostas no processo anterior. Foram localizadas no acervo da Banda Militar de
Moçambique três obras de 1984 que foram gravadas nos estúdios da Rádio Moçambique, em
versão coral a 4 vozes e avaliadas pelos deputados do Parlamento moçambicano, que
concluíram que a obra intitulada Pátria Amada, de autoria do etnomusicólogo Salomão Júlio
Manhiça38, era a melhor proposta para hino nacional Moçambicano.
Foi assim que, pela sua resolução N◦ 13/2002, a Assembleia da República aprovou
o hino Pátria Amada como o novo hino nacional de Moçambique. (COMÉ, 2010). Entretanto
o reconhecimento de sua autoria pelo governo não foi imediato, só ocorrendo em 2013. como
nos narra o jornal “A Verdade”, em edição de maio do mesmo ano:
A Assembleia da República vai reconhecer os direitos autorais de Salomão Manhiça
como criador do atual hino Nacional, intitulado Pátria Amada. Para o efeito, foi aprovado, esta
sexta-feira (17), a Proposta de Revisão da Lei do hino nacional apresentada pela Comissão dos

38
Salomão Júlio Manhiça nasceu a 24 de janeiro de 1950 em Maputo e faleceu em 2013. Cursou Direito na
Universidade de Lisboa e Música no Conservatório Nacional de Música de Lisboa (Portugal) entre 1972 e 1974.
Se titulou como Mestre (MA) em Etnomusicologia e Doutor Candidato (PhD, ABD) em 1993 pela Universidade
de Washington, Seattle, Estados Unidos da América. Ocupou diversos cargos a nível do governo de Moçambique,
dentre os quais destacam-se, o de Secretário Executivo da Comissão para a política de Informática, Vice-Ministro
da Cultura, Juventude e Desportos, Assessor do Ministro da Cultura em 1993 nas áreas de planificação, avaliação
de desempenho, preparação de relatórios e negociação com parceiras. Foi também Diretor Nacional da Ação de
Cultura no Ministério da Cultura e chefe de Gabinete do Ministério da Justiça. Foi docente de Etnomusicologia no
curso de licenciatura em Música na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane desde a
sua fundação em 2006 até o ano 2010.
42

Assuntos Constitucionais, Direito Humanos e de Legalidade (CACDHL), de modo a adequá-la


à situação. (A Verdade, 2013)

4.1.1 Regravação do segundo hino nacional de Moçambique

Embora já tivesse sido feita uma primeira gravação para efeitos de apreciação pelo
parlamento moçambicano, numa fase em que os estúdios da Rádio Moçambique clamavam por
uma modernização, achou-se melhor refazer a gravação para que se tivesse uma melhor
qualidade. Para tal, cerca de duas semanas após a primeira gravação, recorreu-se a um dos
estúdios na cidade de Nelspuit na África do Sul e foi feita uma nova gravação. A versão da
primeira gravação do hino pode ser acessada pelo link https://youtu.be/M0Lsf-Xvbg4
Na altura em que os parlamentares decidiram pelo hino Pátria Amada, o cenário da
música coral em Moçambique era predominantemente constituído por grupos que se dedicavam
ao estilo gospel, atuando sobretudo a nível das igrejas e que estudavam as obras utilizando
predominantemente a transmissão oral. Entretanto, em 1994, foi criado um grupo coral com o
objetivo de executar um repertório mais amplo, que abarcasse obras de outros estilos. Este
grupo, intitulado Majescoral, foi o escolhido para gravar o hino Pátria Amada. A primeira
gravação foi feita sob a direção do maestro Faustino António Chirute (1962-2005), no ano de
2002 e a regravação sob a direção de Feliciano de Castro Comé em Outubro de 2014.
Em Moçambique há uma forte tradição do aprendizado musical através da
transmissão oral. Neste tipo de aprendizado a música ao ser transmitida, muitas vezes, sofre
modificações. Da mesma forma, o processo de construção das vozes dentro do coro também é
dinâmico podendo uma mesma música ser cantada de forma diferente a cada performance.
Como nos diz Mauro Albino Muhera “Esta prática baseada na oralidade, revela que os modelos
são suscetíveis a mudanças constantes em cada ensaio ou com a vinda de um outro maestro”
(MUHERA, 2022, p. 4).
A primeira gravação do hino precisou ser feita em curto espaço de tempo para
atender a demanda do Parlamento a fim de que o hino pudesse ser ouvido pelas pessoas
responsáveis por sua aprovação. Por esta razão optou-se por enviá-lo utilizando a transmissão
oral, a qual os cantores já tinham muita familiaridade. A técnica utilizada nos ensaios, aliada à
pressão em relação ao tempo para a efetivação da gravação de modo a responder às questões de
soberania nacional, fez com que não se pudesse trabalhar, ao detalhe, tudo aquilo que estava
escrito na partitura. Este cenário fez conviverem até 2014, uma versão escrita na partitura e
43

outra resultante da gravação oficial do hino, havendo diferenças a nível de texto e a nível
melódico.

4.1.1.1 Incompatibilidade em relação ao texto

A primeira gravação do hino, foi feita a uma e a quatro vozes. Na versão a quatro
vozes o refrão inicia com uma passagem onde apenas a voz do contralto canta a palavra
“generosa”, em sobreposição às três outras vozes que utilizam a palavra “gloriosa”. Entretanto
esta sobreposição não se verifica na gravação original pois todas as vozes estão a cantar a
palavra “gloriosa”
9 10

Figura 12: refrão - compassos 9 a 10 da partitura original

4.1.1.2 Incompatibilidade sob ponto de vista musical

Do ponto de vista musical, há que se evidenciar diferenças tanto na parte rítmica


como na harmônica. Na partitura original, do início até ao fim da obra, a ritmo é escrito
predominantemente com colcheias pontuadas seguidas de semicolcheias (Figura 2), enquanto
na primeira gravação oficial os cantores executam os mesmos trechos utilizando colcheias
(Figura 3), eliminando por completo a sensação de marcha gerada na partitura original.
44

1 2 1 2

Figura 13: compassos 1 a 2 da partitura aprovada Figura 14:compassos 1a 2 da transcrição da primeira


gravação

O processo da regravação consistiu na retomada dos modelos rítmicos originais,


isto é, no modelo rítmico na versão pensada pelo compositor.
Em relação ao parâmetro altura, o foco foi dado ao desenho melódico das linhas de
contralto, tenor e baixo. No contralto, a nota repetida (Ré3), anacruse inicial, dura apenas um
pulso na versão gravada, no lugar de dois pulsos e um terço, na versão original. Os pulsos um
e dois no compasso 1 da gravação apresentam a nota mi repetida no lugar de uma escala
ascendente no âmbito de terça (Ré, Mi, Fá nos pulsos 1 e início de pulso 2 do compasso 1),
versão original.

Para além da reposição da palavra “generosa” na linha de contralto (Figura 12), no


refrão, justificada pelo autor do hino como sendo uma das características do povo
moçambicano, é notório o jogo polifônico realizado por pares de vozes, formados por soprano
- tenor e contralto – baixo. No compasso 9, iniciam as vozes de contralto e baixo sendo que, as
vozes de soprano e tenor neste compassso já estão em desenvolvimento.
Estas entradas sucessivas não se verificam na gravação, tendo sido necessário
incluir este aspecto composicional no processo de estudo e regravação do hino. Este canto
polifônico dura até o segundo pulso do compasso 12, momento em que se retoma a homofonia
inicial que segue até o final do hino. Na partitura aprovada, depois das referidas entradas
sucessivas, retoma-se a entradas simultaneas de todas as vozes a partir da segunda metade do
compasso 12. Neste momento a voz do baixo começa com uma passagem cromatática
descendente no âmbito de terça maior, de Sol 2 à Mi 2, seguida de salto descendente de terça
menor (Mi2 a Dó#2) - compassos 12 e 13. Da segunda metade do compasso 13 a primeira
45

metade do compasso 14 o baixo faz um movimento cromático ascendente no âmbito de terça


menor de Dó#2 à Mi2. No compasso 13 a voz de contralto faz um breve recurso a uma segunda
diminuta descendente numa parte débil do compasso e com duração de colcheias. Estes aspetos
pensados pelo autor e presentes na partitura, não foram conteplados na primeira gravação, tendo
merecido especial atenção no processo da regravação.

12 13 14

Figura15: compassos 12 a 14 da partitura aprovada

No penúltimo compasso do hino, a melodia do soprano canta Dó 4 (segunda metade


do copasso 15), substituido por Si 3 na primeira gravação, tendo havido a necessidade de repor
a nota original nesse lugar da partitura.

14 15 16 17

Figura 16: compassos 14 a 17, final do hino


46

Em relação às intensidades, desde o princípio até o final do hino, a gravação utiliza


o forte como dinâmica. Esta característica é bastante comum nos cânticos religiosos e seculares
nos grupos corais moçambicanos. Em contrapartida as marcações de dinâmica presentes na
partitura, apresentam intensidades que variam de meio forte a fortíssimo (mf – ff) e um pequeno
recurso a sf, embora o compositor não tenha indicado nenhum regulador para o tratamento dos
campos entre um caso e outro.
A modificações tanto na duração como na altura das notas e intensidade que
aparecem em todo hino, na primeira gravação, alteram a sonoridade e caráter da composição,
elementos sempre reivindicados pelo autor desde que tomou contato com a gravação. Por esta
razão optou-se por fazer uma regravação oficial do hino nacional Pátria Amada que fosse fiel
à partitura.

4.1.1.3 Estratégias e procedimentos adotados

Iniciou-se o trabalho fazendo-se um estudo comparativo entre a partitura e a


primeira gravação de modo a conhecer o que havia sido gravado que não estava de acordo com
a partitura. A partir daí foi elaborado um plano de trabalho que teve início após entrevista dada
ao Jornal A Verdade, no qual relato os problemas inerentes à primeira gravação, seguido de
aulas de leitura musical para os coralistas, ensaios e finalmente a regravação do hino em um
novo estúdio de gravação.
Em 16 de maio de 2014 tive a oportunidade de conceder uma entrevista para o jornal
“A Verdade”, relatando as diferenças entre a gravação e a composição escrita. Esta entrevista
teve como objetivo esclarecer o fato de o grupo Majescoral, sob minha direção, ter cantado o
hino nacional em diferentes fóruns do governo de acordo com o que estava escrito na partitura,
o que suscitava interrogações dos dirigentes, uma vez que os mesmos tinham em sua memória
a versão gravada originalmente, que não retratava a partitura. As inquietações dos dirigentes
nos chegavam em jeito de preocupação com as possíveis recriações feitas ao hino pelo grupo,
o que sempre justificamos ser uma interpretação baseada na partitura aprovada.
O eco destas diferentes inquietações sobre as versões do hino nacional, fez com que
o governo de Moçambique, através do seu Ministério da Cultura, em abril de 2014, tomasse a
decisão de regravar o hino a fim de modo que se ajustasse à versão escrita na partitura. Para
isto foi traçado um plano de trabalho que abarcava o estudo da leitura e escrita musical, a técnica
vocal e o planejamento da gravação. Foi feito um levantamento das dificuldades que o hino
47

apresentava e esboçado um plano de trabalho que incluía aulas de linguagem musical (leitura e
escrita) e técnica vocal, segundo a metodologia ensinada pelo maestro Óscar Castro.
Em maio de 2014, após os 20 encontros para estudo da linguagem musical e técnica
vocal, começaram os ensaios do hino com todos os coristas fazendo uso da partitura. Para
dinamizar o processo de aprendizagem e dedicar suficiente tempo para tratamento de detalhes
sobre afinação nas passagens cromáticas, desafios a nível rítmico e cumprimento da dinâmica
pedida pela partitura, foi estabelecido um plano de ensaios. O coro foi dividido em dois grupos:
vozes masculinas e femininas. As vozes masculinas ensaiavam às segundas-feiras e as vozes
femininas às terças. Às quintas-feiras era dedicada a ensaios do coro completo. Este plano durou
cerca de 2 meses, quando os ensaios coletivos seguiram às segundas e quintas-feiras.
Optou-se por regravar o hino no Siyabonga Media – Studio and Live recording,
mixing and mastering, na cidade sul africana de Durban, KwaZulu-Natal, que fica a 545 km de
Maputo, no dia 11 de outubro de 2014, por ter entendido, o Ministério da Cultura, que este
estúdio teria melhores condições técnicas para a gravação.
No último ensaio antes da partida para Durban, foi convidado o Ministério da
Cultura, que se fez representar por David Abílio, assessor do Ministro para assuntos da cultura,
a família do autor do hino, representada pela esposa, a Dr. Arminda Manhiça e a filha, a Tanselle
Manhiça (a mais nova, dos três irmãos), por Juvêncio Chipanga (funcionário do INDE 39 – em
memória) Hortênsio Langa (em memória), e Pedro Sitoe, estes dois últimos, professores de
música na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), para
ouvir o hino que seria regravado. Nesta ocasião a audiência parabenizou o grupo e desejou boa
viagem para Durban.
Chegando a Durban tiramos o dia de chegada para instalação de todo o grupo, sendo
cada membro devidamente encaminhado para seu respectivo quarto de hotel. No dia seguinte
houve mais um ensaio geral no período da tarde, depois do qual seguimos para o estúdio.
O processo de gravação teve início com o hino sendo gravado com o coro completo
(homens e mulheres) cantando em uníssono, oitavado. A seguir passamos a gravação da versão
a 4 vozes. Para esta versão cada voz foi gravada separadamente (soprano, contraltos, tenor e
baixos) de modo a facilitar possíveis necessidades de correção. O soprano iniciou a gravação
por volta das 17 horas, sendo seguido pelo contralto, tenor e finalmente o baixo, num processo
longo entre gravações e regravações que só terminou às 5 horas da manhã.

39
INDE – Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação (em Moçambique)
48

Uma vez terminado o processo de gravação regressamos a Maputo, Moçambique.


As correções que ainda se mostravam necessárias foram feitas por intermédio de interação por
e-mail entre mim e o técnico de gravação em Durban, durante cerca de 3 semanas, confirmando
mais uma vez, a versão que o coro sempre cantou nos eventos do Estado. A versão regravada
do hino pode ser acessada pelo link https://youtu.be/NGzUFIYJzAI
A trajetória percorrida pelo hino Pátria Amada, desde a sua aprovação pelos
parlamentares da Assembleia da República de Moçambique até chegar à sua segunda e última
gravação, revela uma forte tradição do estudo de obras corais pela transmissão oral, que esteve
presente no processo de estudo para a primeira gravação. Este fato é comum no panorama
musical em Moçambique sendo observado principalmente no âmbito religioso, contexto este
em que se registra maior número de praticantes de música coral. A escassez de tempo para o
preparo da primeira gravação fez com que o Majescoral, sob a direção do maestro Faustino
Chirute, optasse por esta técnica de ensaio. A primeira gravação permitiu que a partir dela, os
parlamentares pudessem ter contato com o novo hino Pátria Amada, de autoria de Salomão
Júlio Manhiça, como o novo hino Nacional de Moçambique.
Para o processo de regravação do hino, com uma interpretação mais próxima a
pensada pelo autor e registrada na partitura, fez-se necessário implementar uma nova
metodologia na qual aulas de leitura musical e técnica vocal foram incorporadas aos ensaios,
com o objetivo de dorar os coralistas de habilidades para interpretarem a partitura. Este trabalho
resultou numa gravação oficial bastante fiel à partitura de Pátria Amada de Salomão Júlio
Manhiça.

EM CONSTRUÇÃO
49

5 CONCLUSÃO

A prática coral baseada na experiência da transmissão oral nas comunidades


africanas e moçambicana em particular, tem se mostrado como um caminho para o
desenvolvimento da criatividade dos coristas tanto a nível da composição musical como da
criação de coreografias, além de aumentar a autoestima dos cantores. Nesta interação com os
coristas, os maestros promovem momentos de improvisação, exercícios expontâneo de arranjos
ou mesmo de concepção de novas ideias tanto musicais como coreográficas. O fruto desta
colaboração coletiva é a satisfação de todos os integrantes, na medida em que, uma ideia inicial
é trazida pelo maestro e burilada em conjunto com os cantores na música e dança.
Esta prática faz com que cada composição seja um produto de criaao coletiva onde
cada membro tem direito de expor sua ideia. Este fato incide basicamente sobre um repertório
habitual do coro, geralmente no estilo gospel.
Outro aspecto peculiar está ligado à regência das obras aprendidas pela transmissão
oral, no qual o regente participa executando a coreografia juntamente com o coro e, às vezes
cantando como solista, em diálogo com o grupo.
Nos concertos, todas as músicas do repertório são quase sempre cantadas de
memória, sem uso de partituras. Este fato evidencia outra habilidade desenvolvida neste tipo de
trabalho, que é a memorização. Se por um lado, o desconhecimento da leitura musical pode
trazer alguma limitação tanto no acesso ao repertótio escrito, por outro, ao executar as obras de
cor, o grupo se sente mais confiante e seguro, beneficiando sua performance e sua comunicação
com o público. Em geral, nas apresentações públicas, é comum ver uma instantânea interação
entre o coro e a audiência, que muitas vezes acaba participando cantando e/ou daçando.

EM CONSTRUÇÃO
50

6 REFERÊNCIAS

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academias profissionais de artes. Cerqueira Daniel Lemos. 2017. pp. 314-323

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Projeto um Novo Olhar – Funarte. Rio de Janeiro: Ed. Escola de Música, UFRJ, 2021.

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52

7 APÊNDICE A – [INSIRA O TÍTULO DO APÊNDICE]


53

8 APÊNDICE B – [INSIRA O TÍTULO DO APÊNDICE b]


54

9 ANEXO 1 – [INSIRA O TÍTULO DO ANEXO 1]


55

10 ANEXO 2 – [INSIRA O TÍTULO DO ANEXO 2]

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