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Quando se trata de variáveis dicotômicas (do tipo “ser ou não ser”), a organização
das variáveis do estudo, bem como a análise, poderá ser feita facilmente por meio da
tabela de dupla entrada, 2x2 ou, ainda, de contingência.
Esses estudos também são conhecidos como de intervenção, clinical trials (quando
aplicados de modo individual) ou community trials (quando aplicados em
comunidades inteiras). Caracterizam-se, principalmente, pelo fato de o investigador
determinar os grupos de indivíduos expostos e não expostos (Introdução aos
estudos epidemiológicos analíticos, 2005).
Fundamentos da pesquisa epidemiológica (2009) explica que os indivíduos são
alocados de modo aleatório em diferentes grupos de exposição aos fatores que se
julga serem de risco ou de prognóstico. Esse processo de alocação aleatória garante
a todos os indivíduos a mesma probabilidade de fazer parte de qualquer um dos
grupos comparados. Outra característica dos estudos experimentais reside no fato
de o investigador controlar a exposição ao fator de interesse, por isso questões
éticas fazem que tais estudos se restrinjam a fatores nos quais se acredite haver
influência positiva sobre a saúde. O modelo de análise utilizado é o mesmo de um
estudo observacional.
Se uma investigação tem o objetivo de saber com que frequência as pessoas ficam
doentes ou se expõem a certos fatores, ela deverá acompanhar esses indivíduos.
Nesse caso, tanto exposição quanto desfecho estão no futuro no que se refere ao
início da pesquisa, ou seja, trata-se de um estudo longitudinal prospectivo.
Nesse tipo de trabalho, não existe comparação analítica, não sendo possível a
realização de inferência acerca da ocorrência daquele ou daqueles casos. Contudo,
uma apresentação de caso benfeita pode auxiliar na descrição de um quadro clínico
específico, que pode ser importante para a Epidemiologia conhecer um padrão de
doença ou de doentes.
Como não existe informação em nível individual, não é possível trabalhar com a
tabela de contingência para estudar as estimativas de exposição e desfecho. Nesse
caso, é muito comum a avaliação de associação estatística utilizando métodos de
regressão linear, simples ou múltipla, em que se consegue chegar à chamada
correlação (método que estuda variação concomitante entre 2 ou mais variáveis
quantitativas contínuas).
Uma busca no PubMed, usando o termo “ecological study”, retorna com quase 39
mil referências de artigos relacionados a estudos ecológicos, o que aponta que esse
tipo de estudo é relativamente bem utilizado como ferramenta de pesquisa em
Epidemiologia. A seguir, um exemplo de estudo ecológico nomeado Queda de
homicídios no município de São Paulo (Queda dos homicídios no município de São
Paulo: uma análise exploratória de possíveis condicionantes, 2011).
Os estudos ecológicos não podem tirar conclusões sobre a causa da doença porque
não há informação sobre o status de cada pessoa quanto à exposição e ao desfecho;
trata-se do viés ecológico (ou falácia ecológica). Outras vantagens e desvantagens
estão relacionadas no Quadro 10.1.
Para se ter uma ideia do quanto é comum a utilização desse estudo, uma busca no
PubMed no ano de 2019 com o termo “cross-sectional study”, geralmente utilizado
para designar o estudo transversal, resultou em 413.346 registros de artigos, com
acréscimo de mais de 36 mil naquele ano. A seguir, um exemplo de estudo
transversal, Análise do Perfil de Pacientes com HIV/AIDS hospitalizados após
introdução da terapia antirretroviral (HAART) (2015):
Estudos transversais feitos em intervalos periódicos de tempo são úteis, pois podem
refletir mudanças na situação de saúde. Todavia, uma de suas desvantagens
importantes refere-se à impossibilidade de seguimento, uma vez que indivíduos
diferentes são avaliados em cada amostra. As principais vantagens e desvantagens
do estudo são apresentadas no Quadro 10.2.
Tabela 10.1 - Organização dos dados de um estudo transversal sobre a associação entre água
contaminada e soroprevalência de hepatite A
Pode-se concluir que a prevalência de hepatite foi 2,31 vezes maior entre os
indivíduos que se expuseram à água contaminada quando comparados com os não
expostos a esse fator, sugerindo que esse tipo de exposição seja considerado um
fator de risco para a doença.
# perguntaaí
Tenho tido dificuldades em diferenciar estudos
transversais de estudos ecológicos. Qual é a
diferença?
Estudos transversais são individualizados e avaliam a
prevalência do desfecho em todos os indivíduos
expostos e não expostos. Essas pessoas são
selecionadas e catalogadas pelo estudo. Já nos estudos
ecológicos, são avaliados os comportamentos
populacionais, ou seja, você não cataloga cada
indivíduo que participa do estudo, e sim a população
como um todo.
Nos estudos tipo coorte, o pesquisador cataloga os indivíduos como expostos e não
expostos ao fator de estudo, segue-os por determinado período e, ao final, verifica a
incidência da doença entre eles, comparando-a nos 2 grupos (Research in physical
therapy: the evidence grounded practice and study models, 2005).
Um dos estudos de coorte mais conhecidos refere-se à pesquisa que vem sendo
desenvolvida na cidade norte-americana de Framingham, Massachusetts. Em 1948,
o Framingham Heart Study embarcou em um projeto ambicioso de pesquisa em
saúde para identificar os fatores comuns que contribuem para doenças
cardiovasculares, seguindo o seu desenvolvimento por um longo período em um
grande grupo de participantes. Atualmente, o estudo está avaliando a terceira
geração de indivíduos (site do Framingham Heart Study, 2013).
A seleção dos participantes pode ser feita no presente, e estes são observados até o
desfecho. O delineamento prospectivo permite a coleta mais detalhada dos dados
de exposição, o acompanhamento sistemático dos indivíduos com maior grau de
refino e precisão e a definição das variáveis que serão analisadas ao longo do tempo.
Porém, é um estudo longo, que demanda grande quantidade de recursos (Figura
10.5).
A amostra inicial apresenta apenas indivíduos não doentes ou sem o desfecho. Cabe
lembrar que os eventos de interesse podem ser: ocorrência de novos casos,
mortalidade por determinada causa ou mudanças de um marcador biológico.
Epidemiologia: abordagem prática (2005) afirma que os estudos de coorte podem
investigar, também, respostas a tratamentos, embora não sejam indicados para a
inclusão de novos tratamentos na prática clínica, visto que os participantes não
estão randomizados e, consequentemente, com fatores de confusão
desbalanceados.
• Resultado: a idade média foi de 64,6 ± 12,6 anos. As principais etiologias de DRC
foram doença renal diabética (47,7%) e nefrosclerose hipertensiva (34,2%). A maioria
dos pacientes encontrava-se no estágio 3 da DRC (44,6%), e a minoria alcançou os
alvos terapêuticos no controle de suas comorbidades, 40% para pressão arterial e
38,7% para o controle glicêmico. A perda média anual da taxa de filtração glomerular
foi 3,1 ± 7,3 mL/min/1,73m2 (mediana = 1,4 mL/min/1,73m2), e 21,5% dos pacientes
evoluíram com DRC progressiva. Pressão arterial diastólica acima de 90 mmHg
aumentou 2,7 vezes o risco de evolução com DRC progressiva (IC95% = 1,14 a 6,57; p
= 0,0341), assim como Pressão Arterial Sistólica (PAS) acima de 160 mmHg (RR =
3,64; IC95% = 1,53 a 8,65; p = 0,0053) e proteinúria (RR = 4,05; IC95% = 1,55 a 10,56;
p = 0,0031). Foram observadas, também, média de PAS maior (p = 0,0359) e mediana
de colesterol HDL menor (p = 0,0047) nos pacientes com DRC progressiva;
Tabela 10.2 - Organização dos dados de um estudo de coorte sobre a relação entre o uso de
anticoncepcionais orais e bacteriúria
• Risco Atribuível (RA): diferença do risco (incidência) entre grupo exposto (IGE) e
não exposto (IGNE) quanto ao fator que se avalia. Essa medida é muito útil para
avaliar a importância da exposição quanto à incidência total. Repare que existe
bacteriúria nos dois grupos (IGE e IGNE); porém, no grupo exposto ao fator, existe
incidência adicional de 0,016 (o uso de anticoncepcional oral aumenta o risco de
bacteriúria em 0,016). O RA também pode ser chamado de fração etiológica, uma vez
que é calculada a incidência do desfecho atribuído à exposição;
Por meio dos parâmetros obtidos em um estudo de coorte, pode-se trabalhar com
estimativas na população. O RA e a fração atribuível na população são duas
possibilidades facilmente desenvolvidas:
#importante
O estudo caso-controle é um estudo observacional,
longitudinal e necessariamente retrospectivo.
Uma preocupação comum nesse tipo de estudo é que os casos e controles sejam
comparáveis. Se existem fatores predisponentes conhecidos, a amostra deve ser
restrita quanto à presença destes (se possível), ou casos e controles devem ser
pareados. O pareamento refere-se ao procedimento pelo qual, para cada caso
selecionado, são recrutados um ou mais controles idênticos quanto a certas
características (no máximo quatro), como sexo, idade e nível socioeconômico. A
escolha das variáveis para o pareamento deve envolver possíveis variáveis de
confusão.
Deve-se ter cuidado para não confundir estudos caso-controle com os de coorte
retrospectivos, pois estes últimos medem a frequência do desfecho, já que nenhum
dos indivíduos que iniciou o estudo apresentava o atributo de interesse, e, nos
estudos caso-controle, o grupo com desfecho é definido anteriormente e estuda-se
o impacto das exposições.
O RR não pode ser utilizado em estudos do tipo caso-controle, pois não há como
saber sobre taxas da doença, uma vez que os grupos não são determinados pelo que
acontece na natureza, e sim pelos critérios de seleção estabelecidos pelo
pesquisador. Utiliza-se, então, uma estimativa desse parâmetro (proxy), denominada
razão de chances, ou Odds Ratio (OR), que é uma boa estimativa quando se refere a
doenças raras (Epidemiologia Básica, 2010). O OR é a razão entre a chance de um
indivíduo ser exposto no grupo de casos e a de ser exposto no grupo-controle.
Tabela 10.3 - Organização dos dados de um estudo caso-controle sobre a associação entre
consumo recente de carne e enterite necrosante
Desse modo, pode-se afirmar que os indivíduos que apresentaram a doença (casos)
tiveram 11 vezes mais chances de ter ingerido carne recentemente quando
comparados com os controles. Assim, essa ingestão pode ser considerada um fator
de risco para enterite necrosante. Lembre-se de que, embora OR seja uma
aproximação de RR, não deve ser utilizado o termo “probabilidade” para a descrição
de seus resultados, e sim “chance”.
A grande vantagem dos ensaios clínicos é serem passíveis de ter a ferramenta mais
poderosa para controle dos fatores confundidores entre os grupos: a randomização.
Ao selecionar uma amostra e a randomizar em dois grupos ou mais, presume-se que
todos os fatores confundidores, pelas leis das probabilidades, estão balanceados
entre os grupos. Isso significa que, para qualquer intervenção realizada, o desfecho
se deverá à intervenção e não a outros fatores. Por isso, o ensaio clínico
randomizado é o desenho que mais se aproxima do ideal para inferência causal.
Uma segunda divisão desse método valoriza a forma de composição dos grupos. De
forma simplificada, o ensaio clínico controlado pode ser randomizado, quando a
alocação dos participantes nos grupos de intervenção e controle é feita de forma
aleatória; ou não randomizado, quando os grupos experimental e controle são
formados com base em critérios de disponibilidade e conveniência, havendo,
portanto, maior possibilidade de viés (Epidemiologia Clínica: elementos essenciais,
2006). Para o estudo ser considerado randomizado, a alocação deve ser aleatória.
Em outras palavras, deve haver, necessariamente, um sorteio. Caso contrário,
fatores confundidores podem estar presentes. Além disso, quem deve ser
randomizado são os indivíduos, e não as comunidades. Caso elas sejam
randomizadas e suas taxas avaliadas após a intervenção, tratar-se-á de um ensaio
comunitário, podendo correr o mesmo risco de falácia ecológica, presente nos
estudos ecológicos. Além disso, quando não há randomização, mas existe
experimento (por exemplo, avaliar a taxa de mortalidade de um hospital antes e após
a inauguração de um centro de hemodinâmica), trata-se de um quase-experimento.
Nota: quando há cruzamento de tratamentos, os grupos são avaliados de acordo com os quais
foram randomizados, e não para o que efetivamente receberam.
Fonte: elaborado pelo autor.
• NNT: essa medida expressa o número de pacientes que deve ser tratado a fim de
que um evento adverso adicional seja evitado. Por exemplo, se uma droga tem o NNT
= 5 no que se refere ao evento morte, significa que 5 pacientes devem ser tratados
com ela, com o objetivo de se evitar uma morte adicional. Note que, quanto maior a
RAR, menor o NNT. Assim, se determinada intervenção reduz muito o desfecho, serão
necessários poucos pacientes para tratar até que 1 apresente o resultado esperado.
Utilizando o exemplo citado, pode-se concluir que seria necessário tratar 33
pacientes com a droga experimental, a fim de evitar a morte de 1. Em outras palavras,
para cada 33 indivíduos tratados, 1 morte é prevenida. NNT: 33.
Antes de ser aprovada para comercialização no Brasil, uma droga nova deve ser
submetida a estudos rigorosos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), qualquer investigação em seres humanos, objetivando descobrir ou
verificar os efeitos farmacodinâmicos, farmacológicos, clínicos e/ou outros efeitos
de produto(s) e/ou identificar reações adversas ao(s) produto(s) em investigação, a
fim de averiguar sua segurança e/ou eficácia, deve seguir os passos referidos a
seguir.
De acordo com o Quadro 10.7, os dados mostram que os métodos têm identidades
próprias, do momento em que seus autores levantam as perguntas (hipóteses de
trabalho) até quando redigem seus relatórios finais de pesquisa. Diante da tamanha
complexidade dos dois olhares, Métodos qualitativos e quantitativos na área da
saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa (2005) desaconselha o uso
da terminologia “quanti-quali”. Segundo o mesmo autor, o olhar quantitativo focaliza:
incidência, prevalência, fatores de risco e de sobrevida, achados clínicos,
diagnósticos, avanços terapêuticos e até análise custo-benefício. Já os métodos
qualitativos valorizam os construtos: vivências e experiências de vida, adesão e não
adesão a tratamento, estigmas e fatores facilitadores e dificultadores perante
abordagens.
Quadro 10.8 - Características gerais dos estudos epidemiológicos