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Incluído Caderno de Exercícios

Roberto A. Medronho
Katia Vergetti Bloch I Ronir Raggio Luiz I Guilherme Loureiro Werneck

.\Atheneu
1

Seção 2

PESQUISA EPIDEMIOLÓGICA
Fundamentos da Pesquisa
Epidemiológica

Katia Vergetti Bloch


Evandro da Silva Freire Coutinho

INTRODUÇÃO os determinantes da sua distribuição, tendência e


modo de transmissão nas populações.
A epidemiologia tem recebido diversas definições,
mas, de acordo com o Dicionário de Epidemiologia 1, • Predizer a freqüência de doenças e os padrões de
trata-se do estudo da distribuição e dos determinantes saúde em populações específicas.
dos eventos ou padrões de saúde em populações defini- • Controlar a ocorrência de doenças e de outros even-
das, e a aplicação deste estudo para controlar problemas tos ou estados negativos para a saúde, através da
de saúde. prevenção de novos casos, cura de casos existentes,
O uso de populações diferencia a epidemiologia aumento da sobrevida e melhoria da saúde.
da medicina clínica e de outras ciências biomédicas, Dos objetivos anteriormente descritos, depreende-
as quais, em geral, observam um pequeno número de se que a epidemiologia tem o seu foco ligado tanto à
indivíduos, tecidos ou órgãos. compreensão ou explicação dos fenômenos relacionados
Existem duas razões para o uso de populações em à saúde em populações quanto à intervenção para mo-
epidemiologia2 : dificar o padrão de saúde dessas populações.

• embora o nível primário de interesse seja o indiví-


duo, o objetivo final da epidemiologia é melhorar P ESQUISA EPIDEMIOLÓGICA
o perfil de saúde das populações.
A pesquisa epidemiológica é empírica, baseada na
• do ponto de vista metodológico, populações são coleta sistemática de informações sobre eventos ligados à
necessárias para se fazer inferências sobre a relação saúde em urna população definida e na quantificação destes
entre determinados fatores e a ocorrência de doenças. eventos. O tratamento numérico dos fatores investigados
se dá através de três procedimentos relacionados: men-
ÜBJETIVOS DA PESQUISA EPIDEMIOLÓGICA suração de variáveis aleatórias, estimação de parâmetros
populacionais e testes estatísticos de hipóteses.
• Descrever freqüência, distribuição, padrão e ten-
dência temporal de eventos ligados à saúde em
populações específicas e/ou subpopulações. Mensuração
• Explicar a ocorrência de doenças e distribuição de É a atribuição de um valor ou qualidade a cada
indicadores de saúde, identificando as "causas" e unidade de observação. Por exemplo, 154 mm de Hg

CAPÍTULO 8 173
para a pressão arterial sistólica de um indivíduo, ou a probabilidade de um certo evento ocorrer. Para um fator
sua classificação como "hipertenso". Ou ainda, dois ser denominado de fator de risco é preciso que:
salários mínimos como renda para um domicílio ou a • a doença varie de acordo com o fator, ou seja, esteja
classificação deste domicílio no estrato de "baixa renda". estatisticamente associada a este, de modo que a
O ato de mensurar envolve, portanto, o posicionamento freqüência da doença seja diferente para distintos
de unidades de observação (indivíduos, domicílios) ao níveis do fator. Por exemplo, a incidência de hiper-
longo de um contínuo (154 mm de Hg, dois salários tensão arterial varie segundo diferentes níveis de
mínimos) ou sua classificação em categorias (hiperten- ingesta de sal;
so/não-hipertenso; renda baixa/média/alta).
• o fator de risco (ou uma mudança relevante deste)
preceda a ocorrência da doença. Para que o tabagis-
Estimação mo seja considerado fator de risco para enfisema,
o hábito de fumar deve ter-se iniciado antes da
É um processo matemático pelo qual se obtém um
doença;
valor numérico a partir de uma amostra (estimativa)
para representar o valor numérico desta variável numa • a associação observada não seja totalmente atribuí-
população (parâmetro). Isto é, utilizar uma prevalência da a qualquer tipo de erro, incluindo o erro amostral
de 30% de obesos encontrada numa amostra para inferir (erro aleatório), ao envolvimento de outros fatores
a proporção de obesidade na população da qual se ex- de risco (variável de confusão) ou a problemas no
traiu a amostra. O parâmetro costuma ser desconhecido desenho de estudo ou na análise (viés).
pois, em geral, não é possível medir toda a população, Erro aleatório será objeto do capítulo Inferência
mas só uma amostra desta. Estatística, enquanto variáveis de confusão e vieses
serão tratados no Capítulo 15 - Validade em Estudos
Epidemiológicos.
Testes Estatísticos de Hipóteses
Além dos fatores de risco, a pesquisa epidemiológica
A valiam o quanto o acaso pode ser responsável por interessa-se também pelos fatores de prognóstico, isto é,
um resultado encontrado numa amostra. aqueles capazes de influenciar o curso de uma doença.
Os processos para estimação de parâmetros e testes
de hipóteses, assim como as limitações desses procedi- MÉTODO CIENTÍFICO
mentos, são apresentados no Capítulo 24 - Associação
Estatística em Epidemiologia: Análise Bivariada. O método científico, no qual a epidemiologia se
insere, é um processo pelo qual se busca conectar obser-
vações e teorias. Neste processo, hipóteses conceituais,
CAUSALIDADE
mais amplas, são reescritas sob a forma de hipóteses
Vimos anteriormente que um dos objetivos da epi- operacionais, passíveis de serem mensuradas. A teoria
demiologia é explicar a ocorrência de doenças ou de que gerou a hipótese conceituai é então confrontada com
outros eventos ligados à saúde. Num modelo determi- os dados obtidos na investigação.
nístico puro, existe uma ligação única e perfeitamente Tomemos como exemplo a controversa teoria de
previsível entre dois eventos. Na pesquisa epidemioló- Barker3 :
gica, esse modelo é substituído por outro, de natureza Teoria -O ambiente nutricional, hormonal e metabóli-
probabilística. Através da teoria das probabilidades e de co propiciado pela mãe durante a gestação, "programa" de
técnicas estatísticas avalia-se, de forma empírica, uma modo permanente a estrutura e a fisiologia do bebê.
possível associação entre duas variáveis. O modelo pro-
babilístico permite predizer quantos irão adoecer numa Hipótese conceituai -A subnutrição intra-uterina é
população, mas não quem irá adoecer. Portanto, através um fator de risco para doença cardiovascular.
da pesquisa epidemiológica, são estimados parâmetros Hipótese operacional -Crianças com baixo peso ao
causais para populações, e não parâmetros determinísticos nascer (menos de 2.500 g) têm maior probabilidade de
para indivíduos. sofrer de doença coronariana na vida adulta, em compa-
A incerteza advinda do modelo probabilístico fez ração com crianças nascidas com peso normal.
com que os epidemiologistas passassem a utilizar o ter- Com base nos dados coletados e analisados, a hipó-
mo fator de risco par~ indicar variáveis que modificam a tese operacional é aceita ou rejeitada e, a partir desses

174 CAPÍTULO 8
resultados, são feitas inferências causais. A teoria pode rio do raciocínio indutivo, parte do geral para o
ser reformulada gerando novas hipóteses. específico. Se as premissas f6rem verdadeiras, a
Há uma vasta literatura sobre inferência causal, isto conclusão também o será. Se temos como premissas
é, sobre o modo pelo qual se procura ligar a observação verdadeiras que a raiva humana tem uma letaJidade
à teoria. Diferentes visões sobre esse mecanismo têm de 100% e que João contraiu raiva, a conclusão é
sido propostas, e algumas têm sido objeto de discussão de que João morrerá.
entre os epidemiologistas. Rothman e Greenland4 resu- No método de inferência proposto por Popper, tam-
mem os mecanismos pelos quais se busca estabelecer bém se comparam as predições baseadas nas hipóteses
a inferência causal: com as observações. Entretanto, em vez de buscar a
• inferência indutiva. Parte-se do específico, de confirmação das hipóteses, procura-se a sua refutação
com base nessas comparações. Enquanto uma hipótese
observações, para leis gerais da natureza. Essas
não for refutada, ela permanecerá como uma boa expli-
observações, chamadas de evidências, levam a
cação para o fenômen{) em estudo. Usando o exemplo
generalizações que vão além dessas observações.
anterior, o pesquisador buscaria identificar um caso de
Nesse processo, observam-se fenômenos, identifi-
raiva humana que não tivesse morrido para então refutar
ca-se uma relação constante entre eles e, finaJmente,
a sua hipótese, em vez de buscar a sua confirmação
generaliza-se essa relação para fenômenos que
através de repetições.
podem ainda não ter sido observados. Por exem-
plo, a observação de que pessoas que tinham um As idéias de Popper começaram a ser discutidas pela
consumo de leite e carne acima de um certo nível epidemiologia em meados da década de 1970 e têm pro-
não adoeciam de pelagra levou à conclusão de que fundas implicações para a metodologia da ciência, uma
esta doença era causada por uma deficiência de vez que estimulam os cientistas a buscarem múltiplas
substâncias presentes nesses alimentos. hipóteses e testes capazes de escolher, entre as hipóte-
ses alternativas, aquela que não pode ser refutada. Essa
No século XVIII, David Hume chamou a atenção
estratégia se contrapõe à idéia clássica do cientista que
para o fato de que inúmeras repetições de uma seqüência
busca evidências para fundamentar uma hipótese "de
particular de eventos observados não eram garantia de
estimação", considerada propriedade sua e que, uma vez
uma relação causal entre esses fenômenos, uma vez que
comprovada, é vista como uma lei universal.
a possibilidade de coincidência não pode ser descartada.
Essa argumentação de Hume ficou conhecida como • inferência por consenso. Para Thomas Khun, re-
"Problema de Hume". futar uma teoria é uma questão de esco!...,-i. Ao se
deparar com uma observação que leva à refutação,
A falácia da inferência com base na coincidência o investigador pode escolher entre rejeitar a teoria
faz parte de uma falácia mais geral conhecida como em teste ou toda a infra-estrutura científica das te-
"falácia de afirmar o conseqüente"4 . Por exemplo, se o orias em estudo. Quando a infra-estrutura científica
uso de computador protege contra doenças infecciosas, é rejeitada em lugar da teoria, ocorre o que Khun
as taxas dessas doenças devem ser menores nos países chama de revolução científica. A decisão de aceitar
com maior número de computadores per capita. Como ou refutar, segundo ele, depende do consenso da
a incidência de doenças infecciosas é de fato menor nos comunidade científica.
países com maior razão computador/habitante, conclui-
se que o uso desse equipamento protege contra doenças
• inferência bayesiana. De acordo com esse método
de inferência, a lógica dedutiva não permite saber
infecciosas. Assim, embora a observação seja correta,
com 100% de certeza se as premissas sobre as quais
a conclusão é falsa.
se apóia a conclusão são ou não verdadeiras, uma
• inferência por refutação. O filósofo Karl Popper vez que todas as observações são sujeitas a erros. A
buscou superar as críticas ao indutivismo propondo inferência bayesiana lida com essa questão atribuin-
que o conhecimento científico avança não através do um grau de certeza às premissas (probabilidade
da comprovação de hipóteses, mas de sua refutação, a priori). Então, através da teoria probabilística,
num processo de elin:iinação de hipóteses deno- calcula-se um grau de certeza para a conclusão
minado "conjectura e refutação". A estratégia de (probabilidade a posteriori). Portanto, as conclu-
Popper consiste em construir hipóteses a partir da sões obtidas dependem da probabilidade atribuída
intuição e de conjecturas; a partir dessas hipóteses às premissas. Ao contrário do que ocorre na lógica
são feitas predições usando a lógica dedutiva. A dedutiva, permite lidar com fenômenos científicos
inferência dedutiva é um método que, ao contrá- em que essa probabilidade não é de 100%.

CAPÍTULO 8 175
Roêhman e Greenland4 concluem que do debate usarmos os nascimentos em 2000 registrados no cartório
filosófico emerge o desafio deixado por Hume de que do município X como população-fonte para representar
''provar é impossível" para as ciências empíricas. Se- os nascimentos ocorridos em 2000 naquele município
gundo os autores, essa crítica atinge especialmente o (população-alvo) a população do estudo não será repre-
epidemiologista, uma vez que leva à suposição de que sentativa da população alvo se houver um importante
experimentos são a fonte definitiva do conhecimento sub-registro de nascimentos.
científico. Essa suposição é equivocada porque:
Base populacional - é o conjunto de indivíduos
12 -ciência não-experimental não implica necessa-
de onde surgem os casos da doença que farão parte da
riamente em descobertas imprecisas, como por exem-
investigação.
plo: a evolução das espécies, planetas orbitando outras
estrelas e os efeitos do cigarro à saúde humana; Ex.: Para investigar casos de sarampo em menores
de um ano no município X, a base populacional será
22 - mesmo quando possíveis, experimentos (in-
constituída por todos os menores de um ano residentes
cluindo ensaios randomizados) não produzem nada
naquele município. Para investigar os casos de sarampo
que se aproxime de uma prova e podem até mesmo ser
em menores de um ano atendidos no posto de saúde X, a
controversos, contraditórios ou irreprodutíveis.
base populacional será constituída por todos os menores
de um ano que irão ao posto de saúde caso adoeçam.
DESENHOS DE ESTUDOS
Os desenhos de estudos epidemiológicos diferem
O processo pelo qual as hipóteses conceituais são entre si no modo pelo qual selecionam as unidades de
transformadas em hipóteses operacionais é interme- observação, mensuram os fatores de risco ou de prog-
diado pelos desenhos de estudos. Esses desenhos têm nóstico, identificam as variáveis de desfecho e garantem
em comum a observação sistemática dos fenômenos a comparabilidade_entre os grupos que fazem parte do
de interesse, o uso da teoria e dos métodos estatísticos estudo.
para analisar os dados e interpretar os achados, e a Quanto à comparabilidade, os desenhos de estudos
comparação entre grupos com o objetivo de identificar podem ser agrupados em três amplas categorias, com
associações estatísticas entre variáveis. base no modo pelo qual os indivíduos são alocados
Como dissemos no início desse capítulo, a epide- nos grupos a serem comparados, e no controle que o
miologia utiliza populações e, portanto, é importante investigador tem sobre a exposição ao fator de risco ou
que se discrimine as populações relacionadas com a de prognóstico:
investigação. • experimentais-os indivíduos são alocados de modo
aleatório em diferentes grupos de exposição aos fa-
População do estudo ou amostra - é o grupo de
tores que se julga serem de risco ou de prognóstico.
indivíduos sobre os quais se fazem as observações e
Esse processo de alocação aleatória (com base no
coletam-se os dados.
acaso) garante a todos os indivíduos a mesma pro-
Ex.: 100 crianças nascidas em 2000, no município X. babilidade de fazer parte de qualquer um dos grupos
que estão sendo comparados. Outra característica
População-fonte (universo amostral)-é o conjunto dos estudos experimentais é que o investigador
de indivíduos elegíveis para constituírem a população do
• controla a exposição ao fator de interesse. Por esta
estudo, isto é, o conjunto de indivíduos que está sendo
razão, questões éticas fazem com que tais estudos
representado pela população do estudo.
se restrinjam a fatores que tenham uma influência
Ex.: Todas as crianças nascidas em 2000 no município X. positiva (protetores) sobre a saúde.
Os estudos experimentais mais comuns em epide-
População-alvo-é o grupo de indivíduos para o qual
miologia são o ensaio clínico (terapêutico ou profilático),
se deseja fazer as inferências estatísticas relacionadas
e o estudo de intervenção em comunidades. No caso do
com o objetivo do estudo.
ensaio clínico terapêutico, busca-se avaliar a efetividade
Ex.: Crianças nascidas em 2000, no município X. e a segurança de uma intervenção terapêutica sobre
Embora a população do estudo deva ser represen- pacientes (ex.: combinação de drogas para o tratamento
tativa da população-alvo, isto pode não ocorrer, carac- da tuberculose). Nos ensaios profiláticos, a intervenção
terizando um erro sistemá~co ou viés. Por exemplo, se se dá sobre indivíduos não-doentes, com um objetivo

176 CAPÍTULO 8
preventivo (ex.: aspirina para prevenir infarto do miocár- delas o fez primeiro. Entretanto, existem algumas
dio). As intervenções em comunidades são uma extensão exceções em que se pode est.ibelecer uma relação
dos ensaios profiláticos, onde a intervenção se dá sobre temporal numa observação seccional como, por
a comunidade como um todo (ex.: tratamento da água exemplo, em associações que envolvem variáveis
que abastece uma comunidade); constitucionais como sexo ou grupo sangüíneo.
• quasi-experimentais - há controle do fator em A estratégia de observação é dita longitudinal
estudo pelo investigador, mas a alocação dos quando pelo menos duas observações são realizadas, em
indivíduos nos grupos a serem comparados não é momentos diferentes. Portanto, pode-se captar algum
aleatória. Esses estudos costumam ser direciona- grau da dinâmica dessa população. É como observar
dos a uma ou mais populações em vez de a indiví- duas ou mais fotos obtidas numa seqüência temporal
duos. Um exemplo é a comparação da ocorrência conhecida. A população que está sendo acompanhada
de cárie dentária entre duas comunidades, sendo através de duas ou mais observações ao longo do tempo
que em uma foi aprovada a fluoração da água e será chamada de coorte fixa, caso não se permita a
em outra não; entrada de novos indivíduos no grupo após o início do
estudo. Se essa entrada for aceita, teremos então uma
• observacionais - o investigador não controla nem a
população dinâmica. Por fim, esta última será consid-
exposição nem a alocação dos indivíduos, lançando erada estável quando o seu tamanho e a distribuição das
mão de uma situação dada, e observando os resul- características de interesse (sexo, idade, por exemplo)
tados. Como os indivíduos estão expostos ou não a se mantiverem constantes durante o estudo.
uma causa potencial de doença independentemente
da interferência do observador, esses estudos não • esquema de seleção. Outra característica conside-
apresentam problemas de natureza ética para inves- rada na classificação dos estudos observacionais é
tigar fatores de risco. o esquema de seleção. Quando todos os indivíduos
da base populacional da qual surgem os casos são
selecionados, fala-se em esquema completo ou
Tipos de Estudos Observacionais censo. Quando apenas uma fração dos não-casos é
selecionada, fala-se em esquema incompleto. Essa
Pelo menos três dimensões devem ser consideradas característica é amplamente discutida no Capítulo
para a taxonomia dos estudos epidemiológicos obser- 11 - Estudos Caso-controle;
vacionais: a estratégia de observação da população, o
esquema de seleção e a unidade de observação. • unidade de observação/análise. Por fim, temos a
unidade de análise, que é o nível no qual as informa-
• estratégia de observação. Dissemos anteriormente
ções são coletadas e analisadas. No nível individual
que o uso de populações distingue a epidemiologia
as informações são obtidas para os indivíduos da
de outras ciências biomédicas e da clínica. O modo
população do estudo. Já no nível agregado (também
como se observa as populações na investigação
chamado ecológico) as informações são obtidas
epidemiológica distingue os diferentes desenhos de
para um conglomerado de indivíduos (domicílio,
estudos observacionais. Cada população apresenta
área geográfica), e não para o indivíduo isoladamen-
uma dinâmica própria, na qual seus elementos
te. Por exemplo, ao coletarmos informações sobre
adoecem, curam-se, morrem, expõem-se a fatores
o hábito de fumar e doença isquêmica coronariana
diversos. Diz-se que a estratégia de observação de
(DIC) no nível individual, saberemos, para cada
uma população é seccional quando existe uma só
observação dessa população, isto é, as informações indivíduo, se ele fuma ou não e se ele tem DIC ou
coletadas referem-se a um só momento. Portanto, na não. A mesma investigação, se conduzida no nível
observação seccional de uma população geralmente agregado, poderia levantar a proporção de fumantes
não é possível estabelecer a relação temporal entre e portadores de DIC em diferentes cidades, sem
as características presentes no grupo. É como uma saber se essas duas características estão presentes
fotografia, onde o momento é congelado. A figura ou não em um mesmo indivíduo.
de um homem com um cigarro próximo à boca não A maioria dos estudos observacionais, se não todos,
permite dizer se ele está se preparando para uma tem elementos descritivos e analíticos, sendo estas ca-
tragada ou se acabou de fazê-lo. Ou ainda, a imagem racterísticas consideradas como dois extremos de um
de duas crianças sentadas não permite concluir qual contínuo.

CAPÍTULO 8 177
Com base nas três dimensões descritas teremos, os Deve-se notar que em ambos os desenhos, a base
seguintes desenhos de estudos observacionais: populacional era formada pelos funcionários públicos
• estudo de coorte. É um estudo no qual um conjunto universitários, pois foi desse grupo que surgiram os
de indivíduos sem a doença de interesse é classi- casos de IAM detectados por ambos estudos. Entretanto,
ficado em grupos segundo o grau de exposição enquanto o estudo de coorte coletou a informação em
a um possível fator de risco ou de prognóstico, toda base, isto é, em toda a população de onde surgiram
sendo então acompanhados para se comparar a os casos de IAM (esquema completo), o estudo caso-
ocorrência da doença em cada um desses grupos. controle coletou informação apenas de uma parte da base
Trata-se, portanto, de um desenho de observação populacional quando selecionou os controles (esquema
longitudinal da base populacional (fixa ou dinâmi- incompleto).
ca), isto é, da população de onde surgirão os casos • Estudo seccional. Aqui a estratégia de observação
de doenças ao longo do seguimento. Toda a base da população é seccional, isto é, as informações
populacional predefinida é observada (esquema de obtidas referem-se ao mesmo momento, e os
seleção completo), sendo as informações obtidas indivíduos são selecionados da população fonte
para o nível individual. inteira (censo) ou de uma fração desta (amostra).
Suponhamos um estudo de coorte em que se pre- Esse desenho faz uso de dados individuais, e, como
tenda investigar a associação entre tabagismo e infarto será visto no Capítulo 10 - Estudos Seccionais,
agudo do miocárdio (IAM) em funcionários públicos apresenta algumas limitações enquanto ferramenta
universitários em atividade. A base populacional seria para investigações causais, sendo mais adequado
formada pelo conjunto desses funcionários, os quais para a obtenção de estimativas populacionais como
seriam divididos, por exemplo, em dois grupos, segundo prevalências e médias, ou para levantar hipóteses
a exposição ao tabaco: fumantes e não-fumantes. Es- etiológicas.
ses grupos seriam então acompanhados por um certo Caso se utilizasse o estudo seccional para investigar
período, sendo contabilizados os casos de IAM ocorridos a associação entre tabagismo e IAM, a população fonte
em cada grupo durante o seguimento. seriam os funcionários públicos universitários, dos quais
• estudo caso-controle. É um estudo onde casos da se estudaria todo o grupo ou uma amostra representativa
doença de interesse são identificados e classificados (população do estudo). As informações sobre doença
segundo o grau de exposição ao fator de risco ou de isquêmica do coração e sobre tabagismo seriam coleta-
prognóstico de interesse. É um estudo longitudinal, das em relação a um mesmo momento no tempo.
pois a informação sobre a exposição e a doença se • Estudo ecológico. É um estudo seccional com a
refere a momentos diferentes. Uma amostra da base informação obtida e analisada no nível agregado.
populacional é selecionada para formar o grupo- Nesse desenho não se conhece a distribuição con-
controle (esquema de seleção incompleto), o qual junta da exposição e da doença no nível individual.
também é elassi ficado segundo o grau de exposição. No nosso exemplo, não se conheceria a situação
A informação sobre a exposição nos casos e nos de cada indivíduo com relação ao tabagismo e à
controles é obtida no nível individual. presença de IAM. Ao trabalhar no nível agregado,
Consideremos agora que se queira investigar a o estudo ecológico buscaria observar se populações
relação entre o tabagismo e a ocôrrência de IAM em onde a proporção de tabagistas é mais elevada
funcionátios públicos universitários, através de um de- apresentam maiores taxas de doença isquêmica do
senho caso-controle. Nesse estudo a base populacional coração, do que populações onde essa proporção é
seria ainda o mesmo conjunto de funcionários públicos menor.
universitários. Todos os casos de IAM ocorridos num Os termos prospectivo e retrospectivo referem-se à
certo período de tempo seriam identificados, levantando- relação cronológica entre a mensuração da exposição e
se a informação sobre a presença ou não de tabagismo da doença e a ocorrência de ambos os fenômenos. Num
nesses indivíduos. Uma amostra dos funcionários pú- estudo prospectivo, também chamado de concorrente,
blicos, que não tiveram IAM, seria então selecionada exposição e doença são mensuradas no curso da inves-
para constituir o grupo controle, coletando-se também tigação. Assim, a mensuração se dá simultaneamente à
a história de tabagismo. A exposição ao tabaco seria ocorrência desses fenômenos. Já no estudo retrospecti-
comparada em ambQ~, os grupos. vo, também referido como histórico ou não-concorren-

178 CAPÍTULO 8
te, exposição e doença são mensuradas após já terem veis (resultados consistentes de estudos com diferentes
ocorrido, através de relato ou registros. populações), e não apenas da exi~tência de uma asso-
A importância desta característica (temporalidade, ciação estatística válida. Algumas estratégias e critérios
timing) está na avaliação da qualidade do dado colhido, utilizados nesse julgamento são discutidos no Capítulo
que tende a ser melhor quando feita de forma concor- 7 - Causalidade em Saúde.
rente.
Os desenhos aqui apresentados não esgotam ases- CONCLUSÃO
tratégias de estudo utilizadas pela epidemiologia. Nos
capítulos referentes a cada um desses delineamentos, Neste capítulo introduzimos alguns conceitos bá-
veremos que outros elementos devem ser considerados sicos da investigação epidemiológica, com ênfase nos
numa taxonomia mais fina do que a que apresentamos aspectos gerais que caracterizam os diferentes delinea-
até aqui. Assim; dentro de cada um destes desenhos mentos de estudo. No~ próximos capítulos os conceitos
existem subcategorias, e diferentes estratégias podem básicos aqui apresentados serão aprofundados a partir
ser combinadas nos chamados desenhos híbridos. da discussão das características de cada desenho, das
A escolha de um tipo de desenho para investigar uma implicações dessas características na validade do estudo
hipótese de exposição-doença depende da natureza da e das estratégias de análise mais utilizadas.
doença, do tipo de exposição, do conhecimento existente
sobre essa relação e dos recursos disponíveis.
BIBLIOGRAFIA
Estudos preliminares, de validade e precisão limi-
tadas e de menor custo, podem ser utilizados em um l. Last IM. A dictionary of epidemiology. 3 ed. New York:
estágio inicial do conhecimento para testar e selecionar Oxford University Press, 1995.
hipóteses. Sendo detectada uma associação, esta deve- 2. Kleinbaum D, Kupper LL, Morgenstern H. Epidemiologic
rá ser submetida a testes mais rigorosos, geralmente Research: principies and quantitative methods. New York:
de maior custo em estudos cujo desenho proporcione Van Nostrand Reinhold Company. 1982.
3. Barker DJP. Mothers, babies and health in )ater life. 2 ed.
maior validade.
Edinburgh. Churchill Livingstone. 1998.
O julgamento da existência de uma relação causal 4. Rothman KJ, Greenland S. Modem Epidemiology. 2 ed. Phi-
baseia-se na avaliação da totalidade dos dados disponí- ladelphia: Lippincou-Raven. 1998.

CAPÍTULO 8 179
..

Medidas de Associação
e Medidas de Impacto

Pauline Lorena Kale


Antonio José Leal Costa
Ronir Raggio Luiz

INTRODUÇÃO entre medidas de efeito e associação. Os autores argu-


mentam que não seria possível observarmos diretamente
Um dos objetivos da pesquisa epidemiológica é o
o efeito de uma exposição porque um mesmo indivíduo
reconhecimento de uma relação causal entre uma ex-
não pode simultaneamente ser exposto e não exposto
posição particular (fator de risco ou de proteção) e um
a um fator. O que observamos é a associação entre a
desfecho de interesse (a ocorrência de uma doença ou
exposição e a doença.
alguma medida clínica).
Imaginemos uma simples população exposta a um
Para mensurar quantitativamente uma relação causal e,
determinado agente químico (todos os membros da po-
portanto, expressar a magnitude da associação entre exposi-
pulação são expostos) que ao final de um certo período
ção e desfecho, utilizam-se medidas de associação (razões,
de tempo apresente uma alta incidência acumulada de
diferenças ou medidas com base em ajuste de modelos). A
câncer. Poderíamos atribuir esta incidência ao efeito
probabilidade da associação mensurada no estudo ser expli-
cada pelo acaso diz respeito a sua significância estatística. da exposição? Não, sem antes responder qual seria
Entretanto, para inferir causalidade, além da magnitude a incidência acumulada de câncer, caso esta mesma
da associação e significância estatística, outras questões população, no início do período de observação, não es-
relevantes, como a validade interna e confundimento, são tivesse submetida à exposição do agente químico (todos
igualmente consideradas. No delineamento do estudo são os membros não tivessem sido expostos). Isto é, só faz
previstos procedimentos epidemiológicos e estatísticos sentido falarmos do efeito da exposição se conhecermos
necessários para responder, com algum grau de certeza, a a condição contrária à exposição (não-exposição): am-
existência de uma associação causal. bas as condições, exposição e não-exposição, são ditas
contrafactuais.
Este capítulo trata das principais medidas de associa-
ção e efeito, procurando discutir sua aplicabilidade aos Na prática, os pesquisadores não dispõem de uma
diferentes desenhos epidemiológicos e explorando suas simples população com condições contrafactuais. Como
interpretações, seja para a avaliar o efeito ou o impacto alternativa, são selecionados dois grupos populacionais,
da exposição em nível individual ou populacional. um exposto e outro não, e contrastada a ocorrência de
doença. A quantificação da diferença encontrada é o que
EFEITO E ASSOCIAÇÃO chamamos de medida de associação.

Rothman & Greenland 11 baseiam-se na abordagem 'Poro maiores detalhes, leio o Capítulo 36 - Modelos poro Inferência
contrafactual (counterfactual)* para explicar a distinção Couso! em Epidemiologia.

CAPÍTULO 9 181
As medidas de associação mais freqüentemente Inicialmente, definiremos exposição e doença como
utilizadas são para desfechos categóricos (doente, não- eventos categóricos e dicotômicos: expostos (E) e não-
doente), entretanto, existem situações em que o desfecho expostos (E), respectivamente denominados como grupo
de interesse é mensurado numa escala contínua (pressão índice e referência, e doentes (D) ou não-doentes (D).
arterial diastólica, glicemia, peso ao nascer etc.) e po-
demos fazer uso de técnicas estatísticas para examinar
O grupo referência deverá corresponder ao
a relação entre causa e efeito, como análises de regres-
valor "natural" de comparação, que tipicamente
são e correlação, que serão mencionadas no final deste
é o que representa o menor risco. Exemplos:
capítulo (Outras Medidas de Associação).
não-fumantes, nascidos vivos a termo, vacina-
dos e usuários de preservativos como referência
MEDIDAS RELATIVAS OU ABSOLUTAS para fumantes, prematuros, não-vacinados e
não-usuários de preservativos, respectivamente.
As medidas de efeito e associação podem ser re- Quando são utilizadas mais de duas categorias
lativas, do tipo razão, ou absolutas, do tipo diferença. de exposição, uma possível relação dose-respos-
Quando mensuraramos a magnitude da associação ta entre exposição e doença pode ser expressa
entre um determinado fator de exposição e a ocorrên- estimando-se a medida de associação para cada
cia da doença (quantas vezes a ocorrência da doença grupo-índice em relação à mesma categoria de
é maior no grupo de expostos em relação ao grupo de referência. Por exemplo, a ocorrência de câncer
não-expostos) utilizamos as medidas de associação do de pulmão aumenta à medida que mais cigarros
tipo razão (relativa). Estas medidas podem variar entre são consumidos por dia.
00
O e + • Quando apresentam valor igual a l ( valor
nulo), dizemos que as freqüências de doenças entre
expostos e não-expostos são iguais e, portanto, não
As quatro situações, segundo os eventos exposição
existe associação. Valores maiores que 1 (freqüência
e doença, são apresentadas na tabela de contingência 2
de doença maior nos expostos em relação aos não-
x 2 (lê-se 2 por 2), onde tipicamente as linhas represen-
expostos) sugerem que a exposição seja um fator de
tam categorias de exposição e as colunas, categorias de
risco para doença (associação positiva) e entre O e 1 doença (Tabela 9.1).
(freqüência de doença menor nos expostos em relação
aos não-expostos) sugerem que a exposição seja um
fator de proteção (associação negativa). As medidas
de associação relativas baseiam-se na força da asso- TalMlo 9.1
Tabela ele Centh. . . . . 2 X 2
ciação e são muito utilizadas na pesquisa etiológica de
doenças em estudos epidemiológicos. D õ Total

Quando optamos pela diferença, queremos respon- E a b a+b


der o quanto a freqüência de uma doença no grupo dos Ê e d c+d
expostos excede em relação ao grupo de não-expostos, Total a+c b+d a+b+c+d
refletindo portanto o número absoluto de casos atri-
a: Doentes expostos a+b: Expostos
buíveis à exposição. Medidas absolutas de associação b: Não-doentes expostos c+d: Não-expostos
são de particular interesse para a Saúde Pública. Se a e: Doentes não-expostos o+ e: Doentes
freqüência de doença é igual nos grupos de expostos e d: Não-doentes não-expostos b+d: Não-doentes
não-expostos, então a diferença entre elas será igual a
zero (valor nulo), logo não existe associação (se dife-
rente de zero, sugere associação). Medidas absolutas MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO DO TIPO RAZÃO
podem variar de forte associação negativa (poucos
Risco Relativo ou Razão de Riscos (RR)
expostos adoecem e muitos não-expostos adoecem) a
forte associação positiva (muitos expostos adoecem e Para responder quantas vezes é maior o risco de
poucos não-expostos adoecem) . Os valores das medi- desenvolver a doença entre os indivíduos expostos em
das absolutas entre proporções variam de -1 a + 1 e relação aos não-expostos, a medida de associação a ser
entre taxas, de - 00 . a , + 00 . estimada é o risco relativo ou razão de riscos (RR).

182 CAPÍTULO 9
Com base na Tabela 9.1, o risco (incidência acu- expostos é menor do que entre os não-expostos. Então,
mulada ou proporção de incidência) no grupo índice pode-se dizer que o fator de risc6 para diarréia é não
a amentantar exclusivamente com leite materno. Se utili-
(expostos) IAE = - - será e no grupo de referência
e a+b zannos o inverso do RR (1/RR), podemos observar que
I AE =- - então, o risco de diarréia é cinco vezes maior ( 1/0,2 = 5) entre
c+d
os bebês não amamentados exclusivamente com leite
a matemo, em relação aos amamentados, o que tende a
facilitar a interpretação.
RR = IAE = a +b (9.1)
14 E- e
- -
c+d

Lembrem-se que:
Lembrem-se que a proporção de incidência
tem o sentido de probabilidade de adoecer e
que. para um grupo de pessoas, representa o
risco médio de adoecer. Portanto, IAE é o risco
médio de adoecer, dado que as pessoas são ex- Razão de Chances ou Odds Ratio (OR)
postas (probabilidade de adoecer condicionada
Se o objetivo é responder se a chance de desenvolver
a ser exposto: Pr( D/E)) e IAE é o risco médio de
a doença no grupo de expostos é maior (ou menor) do
adoecer dado que as pessoas não são expostas
que no grupo de não-expostos, a medida de associação
(probabilidade de adoecer condicionada a não
a ser estimada é a razão de chances (razão de produtos
ser exposto: Pr( D/E)).
cruzados , razão de odds ou odds ratio · ).
Note que agora não estamo~perguntando sobre risco
Por exemplo, numa coorte de nascidos vivos de- (probabilidade) de adoecer, e sim, sobre chance (odds).
seja-se saber se o aleitamento materno exclusivo e a
escolaridade da mãe (exposições) estão associados com Chance de adoecer é uma medida de freqüên-
o risco de ter diarréia (desfecho) nos primeiros três me- cia do tipo razão, onde o numerador (probabilida-
ses de vida. Duas perguntas deverão ser respondidas: de de adoecer) não está contido no denominador
1. quantas vezes o risco de diarréia é maior entre os ( 1-probabilidade de adoecer ou complemento da
bebês amamentados exclusivamente com leite matemo probabilidade de adoecer). Risco é uma medida de
(fator de proteção) em relação aos que não o fazem?; freqüência do tipo proporção, onde o numerador
e 2. quantas vezes o risco de diarréia é maior entre os está contido no denominador (probabilidade),
bebês de mães com baixa escolaridade (fator de risco) logo o risco e a chance de adoecer são conceitos
em relação aos de mães com maior escolaridade? diferentes, porém relacionados. Baseando-se na
Tabela 9.1:
Suponhamos que os riscos relativos estimados para a+ c
responder a primeira e a segunda pergunta sejam respec- a+b+ c +d = a+ c (9 _3) '#
Chance doença =
tivamente iguais a 0,2 (RR < 1) e 2,0 (RR > 1). Ambos
os valores são diferentes e "distantes" da unidade, o
1-(-_(1__~C---)
a+b+c+d
b+d
que sugere associação entre as exposições e a doença.
Então, pode-se dizer que o risco de diarréia para os bebês Risco de adoecer= ª+e (9.4)
amamentados exclusivamente com leite materno é, em a+b+c+d
média, 0,2 vez o risco de diarréia dos bebês que não o
Apesar de a chance ser pouco usada como
faziam, e que o risco de diarréia entre os bebês de mães
medida de freqüência, a razão de chances (odds
com baixa escolaridade é duas vezes maior do que entre
ratio) é comumente utilizada como medida de
os bebês de mães com maior escolaridade.
associação em epidemiologia.
Note que quando a exposição é um fator de risco
(RR > 1), a interpretação do RR é facilmente entendi-
da, porém, o mesmo não ocorre quando é um fator de • A razão dos produtos cruzodos (RPC) é o razão dos produtos dos
células (não-marginais) no diagonal do tabelo 2 x 2 (od/bc).
proteção (RR < 1). No caso do aleitamento matemo ..Algumas vezes denominado incidence odds ratio nos estudos de
exclusivo, o RR = 0,2 expressa que o risco entre os coorte e exposure odds rotio nos estudos coso-controle.

CAPITULO 9 183
Então, vejamos, a chance de adoecer no grupo de
• o mais importante: quando a doença não é co-
expostos é:
mum, a OR calculada em um estudo de coorte
a ou caso-controle é, de fato, interpretável como
uma razão de taxas de incidência.
Chance DE= a+b =!!_
b b
a+b Vejamos os exemplos hipotéticos 1 e 2 (Figura 9.1 ),
onde foram fixados o tamanho da coorte e a freqüência
e no grupo não-exposto, de exposição, variando a freqüência da doença.
O risco de desenvolver a doença foi seis vezes maior
c entre os expostos em relação as não-expostos nos dois
Chance D-= c+d =!:... exemplos. Observem que, no exemplo 2, os valores de
E d d OR (6, 1) e RR (6,0) aproximam-se, porém o mesmo não
c+d t ocorre no exemplo 1, onde a OR (8, 1) é maior que a RR
(6,0), devido à alta freqüência da doença.
Então, a razão de chances (OR) de adoecer em re-
lação à exposição será:

a Enmplo 1 - alta freqilfncio da doanpr


OR= Chance DE =..f2_=:!_ D õ totol
Chance~ c b
E 1.500 3.500 5.000
d
E 250 4.750 5.000
Matematicamente, a razão de chances de ado- 1.750 8.250 10.000
ecer é igual à razão de chances de ser exposto.
1.500
a b
Sendo a E O =- e a E-O =- RR = 5.000 = 0,3 =6 O
1
c d 250 0,05 '
5.000
a
então o OR = Chance D 0 =~ =:!_ oÀ, 1.500
Chance~ b b oR =
1
isoo
250
= o,42s6 = 8 1
0,0526 '
d
4.750
É importante destacar que a OR, em qualquer .....,.2_,,...,,.,.,.,..• ...,.
desenho de estudo, tem interpretação própria, inde-
D õ total
pendentemente da freqüência da doença. A razão de
chances é de particular interesse nos desenhos de estudo E 150 4.850 5.000
para identificação e controle de possíveis variáveis de E 25 4.975 5.000
confusão e para determinar se a exposição a um fator
Totol 175 9.825 10.000
modifica o efeito da exposição a oútro fator.
150
RR = 5~000 = 0,03 = 6 O
Vantagens da OR 2
25 0,005 '
• pode ser estimada diretamente de um estudo 5.000
caso-controle, onde a razão de riscos nunca é
150
possível;
OR = 4.850 = 0,0309 = 6 l
2
• tem propriedades estatísticas que permitem a 25 0,0503 '
aplicação de técnicas multivariadas, incluindo 4.975
regressão logística e outros tipos de modelos Fig. 9.1 - Exemplos de Estudos de Coorte e Estimativas dos Medidos
log-lineares. de Associação: 1) Alto Freqüência de Doença e 2) Baixo Freqüência
de Doença

184 CAPÍTULO 9
A razão de chances não deve ser entendida como doentes segundo a condição de exposição, isto é, a razão
uma medida aproximada do RR, exceto se a doença for de chances (OR) de exposição. ,. ·
rara. Caso contrário, o OR será uma medida "enviesa- Considerando-se que a razão de chances de doença
da" do RR, pois tenderá a superestimar a magnitude e a razão de chances de exposição são matematica-
da associação: o OR afasta-se da hipótese nula de não mente equivalentes, podemos explicar a interpretação
associação, isto é, OR=l, independentemente de ser um "prospectiva" do OR de adoecer nos estudos caso-
fator de risco ou de proteção. O viés responsável pela controle. Vejamos o exemplo hipotético de um estudo
discrepância entre as estimativas do RR e OR (built-in caso-controle onde foram selecionados 117 casos e 871
bias) pode ser definido como a razão entre o OR e o controles e buscou-se a informação sobre a freqüência
RR estimados 13 • de exposição (Tabela 9.2). A estimativa do OR foi de
1,76, isto é, nos indivíduos expostos a chance de adoecer
é aproximadamente 1,8 vezes maior do que naqueles
Lembrem-se que OR é a razão entre duas ra-
não expostos. •
zões: é o quociente entre a razão da probabilidade
de adoecer dado que é exposto ( PE) dividido pelo Sendo a doença de baixa freqüência na população,
seu complemento ( 1 - PE) e a razão da probabi- o OR pode ser uma boa estimativa do risco relativo
lidade de adoecer dado que não é exposto (PE) num estudo caso-controle tradicional (atenção para não
dividido pelo seu complemento ( 1 - pE). vincular o uso exclusivo da medida de associação OR à
doença rara). Num estudo caso-controle aninhado a uma
Então, coorte, onde estima-se a taxa de incidência, e as freqü-
ências de doença e exposição na população não variam
com o tempo, o OR é uma boa estimativa da razão de
taxas, independentemente da magnitude da doença.

Tabela9.2
lsllmatlwa do OR num Nludo caso conll'Ole badicional

1ogo, o termo - - ) e, o bu1·zt-m


1 --Pi' . bws.
. coso controle total
( 1- PE
E 15 67 82
Ê 102 804 906
Nos exemplos l e 2 da figura 9.1, a magnitude do
Total 117 871 988
viés será, respectivamente, 1,36 e 1,03 (se igual a l não
há viés). 15
Imagine um estudo caso-controle tradicional, de 67
OR= =l,76
base hospitalar, onde o pesquisador tem um grupo de ca- 102
sos (todos os casos ou uma amostra dos casos internados 804
pela doença de interesse) e seleciona um grupo de pa-
cientes internados por outra causa (amostra de pacientes
sem a doença de interesse) para mensurar a freqüência Em estudos caso-controle pareados, as células no
de exposição em cada grupo e contrastá-las. Na tabela 2 interior da tabela de contingência 2 x 2 (tabela 9.3) re-
x 2 as marginais das colunas, casos (doentes) e controles presentam pares de casos e controles, concordantes ou
sem a doença de interesse (não doentes), correspondem não, em relação à exposição. Neste caso, o OR é a razão
a duas amostras (uma amostra ou a totalidade de casos entre os pares discordantes: números de pares no qual o
e uma amostra de controles) cujo tamanho foi fixada caso é exposto e o controle não (célula B) dividido pelo
pelo pesquisador no início do estudo. Admitindo que o número de pares no qual o caso não é exposto e o con-
desenho seja livre de confundimento e não enviesado, trole é (célula C). Intuitivamente, deduz-se que somente
deseja-se saber se existe associação entre exposição e os pares discordantes podem explicar a associação entre
doença. Entretanto, este desenho de estudo não permite exposição e doença, pois na situação de concordância,
estimar a incidência nem a prevalência da doença (maio- casos e controles são perfeitamente pareados quanto à
res detalhes ver Capítulo 11 - Estudos Caso-Controle). exposição (células A e 0) 12 • Maiores detalhes são apre-
O que podemos estimar é a razão entre doentes e não sentados no Capitulo 11 - Estudos Caso-controle.

C APÍTULO 9 185
~-~,..,......... • ~ --;.•~r~r,,r• .r - - ~,.- r ~, ., - -,-,> -.,...._..~~
( ,, .~, ~ . -. . '~") A taxa de incidência entre expostos é TI =-ª-e
' : E PTE
~ •. • - I•

entre não expostos é TIE =-e-, portanto, a razão de


taxas será: PTE
E E totol

casos E A B A+B a
E e D C+D RT= TIE = PTE
totol A+C B+D N TI-E e
PT-E
E = exposto e E= não exposto

B
OR pareado = C:- Considerando-se que a coorte é uma população fe-
chada e a doença de interesse é de baixa freqüência, as
estimativas da RT, RR e OR serão bem próximas'º·
Razão de Taxas, Razão de Densidades de Quando o desfecho é a incidência de óbito (risco de
Incidência, Taxa Relativa ou Risco Relativo (RT)" morrer ou taxa de mortalidade ou letalidade) as medidas
de associação do tipo razão são as mesmas daquelas
Suponhamos que o tempo de status de suscetibili- calculadas para incidência de doença.
dade à doença de cada indivíduo da coorte é conhecido, Para testar a associação entre o nível socioeconô-
isto é, o tempo que cada indivíduo "contribuiu" no mico e a mortalidade infantil na coorte de nascimento
estudo sem doença, durante todo o período de obser- de 1990 a 1998 na Noruega, Amtzen e colaboradores'
vação. Isto permitirá estimar a taxa de incidência da selecionaram, entre outros indicadores, a escolaridade
doença (densidade de incidência). Então, poderíamos materna como uma proxy do nível socioeconômico e
perguntar: quantas vezes a taxa de incidência foi calcularam as razões de taxas de mortalidade infantil. O
maior no grupo de expostos em relação ao grupo de risco de morte pós-neonatal foi cerca de três vezes maior
não expostos? entre os recém-nascidos de mães com escolaridade in-
ferior a 10 anos de estudo quando comparados aqueles
Neste caso, é utilizada uma variação da tabela 2 x 2
cujas mães tinham mais do que 10 anos de estudo.
(Tabela 9.4), onde a unidade de medida das marginais
de exposição é pessoa-tempo (PT) e, portanto, não é
possível deduzir por subtração os valores da coluna de Razões de Incidências ou de Mortalidades
não doentes (esta coluna é suprimida da tabela). Padronizadas

As razões de incidências ou de mortalidades pa-


/r~,~•-..-,-.. •v-" --,ar : -,~_.,~ -,.?"•?;- ,-,r . .. , ,'"'~ dronizadas (standardized incidence ratio - SIR e
'
standardized mortality ratio - SMR) são calculadas
quando se deseja comparar o excesso de casos ou mor-
tes entre pessoas com diferentes padrões de exposição,
e, portanto, podem ser interpretadas como medidas de
E o PÍe associação_6. Nos estudos de coorte restrita (ver Capítulo
E c PTe
12 - Estudos de Coorte) onde somente pessoas expostas
são estudadas diretamente e comparações são feitas
total o+c PTe+ PTe
com base nas taxas de incidência ou mortalidade de
a: doentes expostos PTe: pessoa-tempo exposto uma coorte não exposta ou da população geral, as SIR e
c: doentes não expostos PTe: pessoa-tempo não exposto SMR são comumente estimadas pelo método indireto de
a+c: doentes PTe+ PTe-: pessoa-tempo
padronização de taxas servindo inclusive como método
para ajuste de efeitos de variáveis de confundimento.
Para o cálculo do número esperado de óbitos ou casos
•Alguns autores utilizam a denominação risco relativo também para
são necessárias as taxas específicas da doença ou agra-
razão de taxas, embora seja mais apropriado o seu usa exclusivo vo por sexo e idade da população geral (ver Capítulo 3
para razão de riscas6 - Indicadores de Saúde).

186 CAPÍTULO 9
No estudo de coorte ocupacional de Merlo e co-
laboradores9, o excesso de mortalidade (SMR) total,
por câncer hepático e por silicose, entre trabalhadores
de uma indústria de produção de eletrodos de grafite
ao Norte da Itália (coorte de expostos) e a população
geral do país, entre 1950 e 1989, corresponderam, res-
pectivamente, a 1,44 (Intervalo de Confiança de 95%
- IC95%: 1,32 - 1,56) e 66,39 (IC 95%: 52,56 - 82,74).
Esses valores representam o incremento proporcional Idade (anos)
na taxa de mortalidade total, por câncer hepático e por i:=Rozão de prevolêncios-Prevolêncios (%)
silicose associadas à exposição ocupacional.
Fig. 9.2 - Prevalência e rozõo de prevalências de diabetes no
populoçõo de 30 o 69 anos, segundo grupos etórios, em algumas
copitois brasileiros (1986- J~889).
Razão de Prevalências (RP) Fonte: Dodos adaptados do Comissão Coordenadora Centro/ Do Estudo
Sobre Prevalência Do Diabetes Mellitus No Brasil, 19924
Voltando à Tabela 9.1, sendo os doentes os casos

prevalentes, a prevalência da doença no grupo de expos- dizer que a prevalência pontual é dada pelo produto da
incidência pela duração média da doença (Õ).
tos e' PE = -a- e no grupo de re1erenc1a
e ~ . ,n- = -e-
a+ b E c+d'
portanto, a razão de prevalências será: prevalência pontual = incidência x duração x
(l - prevalência pontual)
a
RP= PE = a-+b
P-E e Apesar de não ser tão adequada quanto a razão de
c+d incidências para medir associações entre exposição e
doença, a razão de prevalências pode ser estimada em
função do risco relativo, como descrito a seguir:
Considerando-se a prevalência de diabetes mellitus
na população de 30 a 69 anos segundo grupos etários,
em algumas capitais brasileiras (l 986-1988)4, apresen- RP=PE
tadas no Capítulo 2- Medidas de Freqüência de Doença P-E
(Tabela 2.2), foram calculadas as razões de prevalência
para cada estrato etário, tomando como categoria de
referência 30 a 39 anos de idade: RP30_39= 1,0 (2,7/2,7); Portanto, os valores do risco relativo e da razão de
prevalências são próximos quando a duração média da
RP40-49 =2,0 (5,5/2,7); RPso-s9 =4,7 ( 12,7/2,7) e RP60_
doença não difere entre expostos e não expostos e as
69 =6,5 (17,4 /2,7). Tal como a prevalência, a força de
associação, representada pela razão de prevalências, prevalências da doença em expostos e não expostos
aumenta com a elevação da idade (Figura 9.2). são baixas.

A prevalência estimada nos estudos seccionais é Os dois fatores que diferenciam a razão de preva-
a prevalência pontual (ver Capítulo 2 - Medidas de lências do risco relativo são a razão da duração média
Freqüência de Doença). Considerando-se que esta re- da doença e a razão dos complementos da prevalência
lação de dependência, que pressupõe a população em da doença entre expostos e não expostos 13. Para maiores
um estado estacionário (número de casos incidentes e detalhes leia o Capítulo 2 - Medidas de Freqüência de
prevalentes em qualquer período de tempo são prati- Doença.
camente constantes), é possível descrever o odds de
prevalência pontual como o produto da incidência pela Razão de Chances de Prevalência (OR)
duração média da doença (período entre o início e tér-
mino por cura ou morte). Quando a prevalência pontual Não há qualquer diferença entre o cálculo do OR
é menor ou igual a 0,05, o complemento da prevalência de casos prevalentes e o OR apresentado anteriormente,
será aproximadamente igual a 1 e, portanto, podemos apenas em termos de interpretação, dado que os doentes

CAPÍTULO 9 187
não são casos incidentes e sim prevalentes. A interpre- cada 100 expostos em média 30 adoecem, sendo que
tação do OR de prevalência num estudo seccional é a em 25, o adoecimento é atribuível à exposição. Caso
mesma do OR de casos prevalentes nos estudos caso- eliminássemos o fator de exposição no grupo dos ex-
controle, isto é, quantas vezes é maior a chance de estar postos (e o excesso de incidência fosse completamente
doente entre os expostos em relação aos não expostos. reversível), o risco diminuiria de 0,3 yara 0,05 (evita-
ríamos 25 dos 30 casos que ocorreram em 100 pessoas
na presença de exposição). A maioria dos efeitos de
Pg a
exposição é cumulativa e, portanto, cessar a exposição
OR= 1-PE =..!J.....= ad dificilmente reduziria o risco de adoecer ao nível dos
Pi_ . e bc nunca expostos. Para alcançar a redução máxima do
1-P-E d risco somente com a prevenção da exposição, e não a
sua interrupção 13 •
Somente nos desen~os de estudo que permitem
MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO DO TIPO DIFERENÇA estimar a incidência (incidência acumulada ou taxa de
incidência) torna-se possível o cálculo do RA.
Risco Atribuível (RA) ou Diferença de Riscos e
Nos estudos de intervenção, a diferença entre a
Redução absoluta do risco (RAR)
incidência no grupo controle (não sofreu a intervenção
O risco atribuível é útil para responder o quanto ou grupo de não expostos) e a incidência no grupo de
da freqüência de adoecimento pode ser evitada, se intervenção (grupo de expostos) é denominada de redu-
existem meios efetivos de eliminação da exposição ção absoluta do risco (RAR) e expressa qual a redução.
em questão. Numa coorte cuja população é fixa, a em termos absolutos, do risco no grupo que sofreu a
diferença entre a proporção de incidência do grupo de intervenção de interesse em relação ao grupo controle.
expostos em relação ao grupo não exposto expressa, Num ensaio clínico randomizado para testar um
portanto, o excesso de risco atribuível à exposição. novo tratamento que reduz a reincidência de crises
O risco de adoecimento no grupo de não expostos é agudas de uma panicular doença, os grupos intervenção
devido a quaisquer outras causas que não a exposição (novo tratamento) e controle (tratamento convencional)
de interesse. Assim, uma vez prevenida a exposição, foram compostos por l 00 doentes cada. Os riscos de uma
esperar-se-ia que a incidência entre os expostos as- nova crise aguda da doença nos grupos de intervenção e
sumisse o valor observado entre os não expostos. A controle foram respectivamente 10% e 20%. A redução
interpretação do RA depende se a relação entre ex- absoluta do risco foi 10% (RAR=0,20-0,10=0,10), isto
posição e efeito é considerada causal. O RA pode ser é, o novo tratamento reduziu a reincidência de crises
escrito como sendo a diferença entre as incidências agudas à metade, o que representou a eliminação de um
acumuladas entre expostos (IAE) e não expostos (IAE) total de l 0% desses eventos.
apresentada a seguir:

Risco Atribuível Proporcional (RAP) ou Fração


Etiológica nos Expostos (FEE) e Redução Relativa
do Risco (RRR) ou Fração de Prevenção nos
Expostos (FPE) ou Eficácia
ORA também pode medir o excesso de taxa atribu-
ível à exposição e, portanto, o seu cálculo num estudo O excesso do risco (RA) expresso em relação à
de coorte (população dinâmica) será a diferença entre incidência no grupo de expostos e apresentado em
as taxas dos grupos de indivíduos expostos TIE e não percentual é denominado risco atribuível proporcional
expostos TIE: (RAP) ou fração etiológica nos expostos:

IA -JA -
RA =Tle-Th RAP= E E xlOO
IAE

No exemplo l da Figura 9.1, o risco de adoecer O RAP informa qual a proporção de doença entre os
no grupo de expostos é 0,30 e, entre os não expostos, expostos que poderia ter sido prevenida se a exposição
0,05. Então, o RA é 0,25 (RA=0,30-0,05), isto é, para fosse eliminada5 .

188 CAPÍTULO 9
No exemplo l da figura 9.1, o cálculo do RAP é: O RAP e o RRR podem ser expressos sob fo1ma de
incidência acumulada ou de taxa de incidência.
RAP= 0,30-0,0 5 x l00=83 3
0,30 '
Diferença Entre Prevalências (DP)
isto é, 83,3% do risco entre os expostos são atribuíveis O excesso de casos prevalentes entre os expostos e
à exposição. não expostos pode também ser calculado nos estudos
Uma outra forma de representar o RAP é em termos seccionais através da diferença entre as prevalências
de risco relativo. Reescrevendo o RAP em termos de (DP):
RR, teremos:

(/A
RAP= IA E. - l A-"x lOO= __f_ _ __f_ 1)
IA- ) x lOO = ( 1- - xlOO
/A f: IAE /Af." RR
De acordo com dados adaptados do estudo sobre a
prevalência de diabetes mellitus na população de 30 a
69 anos segundo grupos etários, em algumas capitais
O cálculo do RAP do exemplo 1 da Fig. 9.1 pode brasileiras (1986-1988)4, apresentadas no Capítulo 2
ser expresso como. - Medidas de Freqüência (Tabela 2.2), foram calculadas
as diferenças de prevalências para cada estrato etário,
tomando como categoria de referência 30 a 39 anos de
RAP=(l-¾ )xl00=83,3% idade. Os excessos de prevalência na faixa etária de 40 a
49 anos, 50 a 59 anos e 60 a 69 anos são cerca de 2,8%,
10,0% e 14,7%, respectivamente. Portanto, entre cada
Para estimar o RAP em estudos onde não foi pos- 1.000 indivíduos com idade entre 60 e 69 anos, havia,
sível estimar a incidência, e consequentemente o risco em média, 147 cüabéticos a mais em relação a um mesmo
relativo (RR), o OR é uma boa aproximação deste últi- contingente populacional na faixa dos 30 aos 39 anos.
mo (doença rara), podemos substituir o RR da equação
9.18 pelo OR. MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO SEGUNDO OS
O RAP ou fração etiológica nos expostos (FEE) é DESENHOS DE ESTUDO
calculada quando o risco relativo é maior do que 1,0,
isto é quando a exposição é um fator de risco para a A razão de chances (OR) pode ser calculada em
doença em questão. Quando o risco relativo é menor qualquer desenho de estudo, conforme já mencionado, e
do que a unidade, e, portanto, a exposição é um fator tem interpretação própria, independentemente da medi-
de proteção, podemos calcular a redução relativa do da de freqüência. Nos desenhos de estudo que permitem
risco proporcional (RRR) ou fração de prevenção nos estimar a incidência da doença, como nos estudos de
coorte, experimentais e caso-controle aninhados (caso
expostos (FPE) apresentada a seguir:
referente e caso coorte)* podem ser estimados o risco
relativo (razão de incidências acumuladas), a razão de
IA- -IA taxas, o risco atribuível e o risco atribuível proporcional.
RRR= E E x IOO
IA-E Nos estudos seccionais, onde estima-se a prevalência,
pode-se estimar a razão de prevalências e a diferença
entre as prevalências. Como no estudo caso-controle tra-
Nos estudos experimentais onde se deseja testar dicional não é possível estimar a incidência, a medida de
a eficácia de uma vacina ou de um novo tratamento, associação do tipo razão restringe-se à razão de chances,
por exemplo, a RRR , também chamada de eficácia, é e as do tipo diferença ao risco atribuível proporcional
uma medida de associação apropriada. Considerando (RAP), se a doença é de baixa freqüência.
os dados fictícios apresentados no exemplo do item
anterior sobre o RA, a eficácia do novo tratamento foi ºPoro maiores defolhes ver copífulos desfe livro referenfe aos
50% (eficáçia=[ (0,20-0, 10)/0,20)x l 00). respecfivos desenhos de esfudo.

CAPÍTULO 9 189
ÜUTRAS MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO sobre modelagem. A intenção foi apresentar aos leitores
medidas de associação baseadas em modelagem (outras
As medidas de associação apresentadas se aplicam medidas de associação) igualmente relevantes nos estu-
a variáveis categóricas. Mesmo quando originalmen- dos epidemiológicos sobre causalidade*.
te as variáveis são contínuas, podemos estabelecer
"pontos de corte" e transformá-las em categóricas. Por
exemplo, num estudo sobre a associação entre idade MEDIDAS DE IMPACTO
(exposição) e pressão arterial diastólica em mulheres Quando se deseja estimar o impacto de medidas
adultas (desfecho), podemos agrupá-las em categorias efetivas de prevenção na população geral e não restrito
de faixa etária (menor de 35 anos e 35 anos ou mais) e a um grupo de pessoas, como nas situações anteriores,
de pressão arterial diastólica (menor que 90 e maior ou utilizamos as medidas de impacto. As medidas de impac-
igual a 90 mmHg). to são simplesmente o risco atribuível à exposição (RA)
Entretanto, freqüentemente existe dificuldade em e o RA proporcional ou fração etiológica (RAP) entre
estabelecer os "pontos de corte". Quando há interesse de os expostos, medidos na população: o risco atribuível
medi-las numa escala contínua, utilizamos com freqü- populacional (RAP<,r) e o RA proporcional populacio-
ência as técnicas estatísticas de correlação e regressão. nal (RAPpop) ou fração etiológica populacional. Neste
Iniciaremos definindo as variáveis em dependente e caso, a incidência entre os expostos é substituída pela
independente (ou explicativa) para entender a diferença incidência na população geral (lpop)-
básica entre estas duas técnicas. A variável dependente
seria a resposta (o efeito, a doença ou o desfecho), cuja
A incidência na população geral é uma
magnitude supõe-se ser influenciada por outra variável,
média ponderada das incidências no grupo dt:
chamada de independente (a exposição). Esta relação
expostos e não expostos (o fator de ponderação
entre a variável dependente e a variável independente
é a prevalência de exposição e o complementar
pode ser analisada pela técnica estatística de regressão
da prevalência, 1-prevalência, de exposição na
linear. Por exemplo, o que ocorre em média com a
população, respectivamente).
pressão arterial diastólica das mulheres adultas (variável
dependente) à medida que a idade aumenta (variável I pop = (1 E x PE )+ (r Ex Pe )
independente)? A regressão tem como objetivo carac-
terizar esta relação determinando a extensão, direção e O risco atribuível populacional (Levin' s Popula-
força da associação. tion Attributable Risk) estima a proporção do risco na
Quando o objetivo é medir a força da relação linear população total associada com a exposição e pode ser
entre duas variáveis quantitativas, sem ter a preocupa- expressa como:
ção de diferenciá-las como dependente e independente
(relação explicativa), podemos estimar o coeficiente
de correlação. No exemplo anterior responderíamos a
seguinte pergunta: pressão arterial diastólica e idade em O RAror expressa o quanto do risco total na popu-
mulheres adultas estão relacionadas? lação pode ser atribuível ao fator de exposição ou, na
As técnicas de correlação e regressão linear são presença de um programa efetivo de prevenção (cessar
exemplos de modelos matemáticos, no caso modelos a exposição) na população, quanto da redução máxima
lineares, onde a relação entre as variáveis (no caso do risco poderia ser esperada na população total (exposta
contínuas) é expressa por uma função matemática. A e não exposta).
magnitude da associação entre as variáveis é obtida pela O risco atribuível proporcional populacional (RAPpop) ou
estimação de parâmetros do modelo específico3. fração etiológica na população pode ser expresso como:
Os modelos matemáticos estão sendo amplamen-
I -I-
te utilizados por epidemiologistas e podem tornar-se RA = pop E xlOO
pop I
complexos, dependendo do tipo e distribuição de pro- pop
babilidade das variáveis, da forma funcional entre elas,
linear ou não linear, e da influência de outras variáveis
"Poro maiores detalhes ver o Capítulo 24 -Associação Estatístico
(confundidoras, ou modificadoras de efeito). Não é em Epidemiologia: Anólise Bivariado e o Capítulo 25 - Associação
objetivo deste capítulo uma abordagem mais detalhada Estatístico em Epidemiologia: Anólise com Múltiplas Variáveis.

190 CAPÍTULO 9
O RAPpop representa a proporção da incidência na for uma causa necessária para o aparecimento da doença,
população total que pode ser atribuída a exposição em não podemos atribuir à exposição com baixa prevalência
questão e, se um programa efetivo eliminasse a exposi- uma grande proporção de doentes na população.
ção, o máximo de redução da incidência que poderíamos
alcançar na incidência da população total.
Um exemplo da aplicação do RAPpor é apresentado
100
no estudo caso-controle de base populacional sobre cân-
cer de células renais em Minnesota1 . Após ajuste para 80
diferentes fatores de confundimento, 49% dos casos, RR =8
foram atribuídos a no mínimo um dos três principais ~ 60
RR = 4
fatores de risco, a saber, tabagismo, hipertensão e ele-
vado índice de massa corporal. J 40
RR = 2
Considere que dois estudos, A e B, onde a magnitude 20
da associação entre exposição e doença foi aproxima- RR = 1,2
damente igual a 2 (RR=2), entretanto, a freqüência de
0,2 0,4 0,6 0,8
exposição na população é 0,10 no estudo A e 0,90 no
Prevalência de exposição
estudo B. No estudo A, o RA populacional será muito
pequeno (incidência acumulada na população é próxima Fig. 9.4- Risco atribuível populacional (RApop) segundo o risco relativo
da incidência acumulada no grupo dos não expostos) (RR) e a prevalência da exposição
enquanto que no estudo B, o RA populacional será
consideravelmente maior, pois a incidência acumulada
na população se aproxima da incidência nos expostos BIBLIOGRAFIA
(Figura 9.3).
1. Arntzen, A, Samuelsen, SO, Bakketeig, LS, Stoltenberg, C.
Quando a freqüência da exposição é rara, mesmo que Socioeconomic status and risk of infant death. A population-
a força de associação seja grande, a fração atribuível na based study of trends in Norway, 1967-1998. lnternational
população é pequena (Figura 9.4). Exceto se a exposição Joumal of Epidemiology 2004; 33: 279-288.
2. Benichou, J, Chow. WH, McLaughlin, JK, Mandei, JS, Frau-
meni Jr, JF. Population Attributables Risk of renal Cell Cancer
in Minnesota. Am J Epidemio! 1998; 148(5): 42'1-~9.
3. Colton T. Regression and Correlation. ln: Statistics in Medi-
Estudo A: Prevalência de exposição=0.10 cine. Boston: Little, Brown and Company, lª edição, 1974.
4. Comissão Coordenadora Central do estudo sobre prevalência
o 100 do diabetes mellitus no Brasil. Estudo multicêntrico sobre a
o
õa. 80 prevalência do diabetes mellitus no Brasil. Informe Epide-
miológico do SUS, Ano 1, n.3 (Ago. 1992), Brasília: FNS,
o 60
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e 40
,(1)
-o 20 5. Gordis, L. Epidemiology. Philadelphia:W.B. Saunders Com-

.!: pany. 3nd ed. 2004.
6. Kelsey JL, Thompson WD, Evans AS. Biologic and Statistical
Concepts. ln: Methods in Observational Epidemiology. New
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York: Oxford University Press, 1986.
o l 00-.--------------~ 7. Kleinbaum DG, Kupper LL, Morgenstern H. Measures of
o
80 Association. ln: Epidemiologic Research. Principies and Quan-
õa. titative Methods.Califórnia: Lifetime Learning Publications,
o 60
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e 40
<(l)
-o 20 8. Kleinbaum DG, Kupper LL, Muller KE, Nizam A. Applied

.!: Regression Analysis and other Multivariable Methods - Dux-
o 1
bury Press, 1998.
População Não expostos Expostos
9. Merlo, DF. Garattini, S, Gelatti, U, Simonati, C, Covolo, L,
Ceppi, M, Donato, F. Occup Environ Méd 2004; 61:el-e9.
Fig. 9.3 - Incidência (p/100) segundo categoria de exposição e
total, Risco atribuível no grupo de exposto e populacional em 2 estudos [disponível em http://oem.bmj.com/cgi/content/full/61/2/e9,
cujo Risco Relativo foi aproximadamente 2: estudo A, a prevalência acessado em 05/12/2006).
de exposição baixa (10%) e estudo 8 prevalência de exposição o/ta 1O. Rodrigues L, Kirkwood B. Case-contrai designs in the study
(90%) of common diseases: updates on the premise of rare disease
.'

CAPÍTULO 9 191
assumption and Lhe choice of sampling scheme for controls. 12. Schlesselman JJ. Case-Control Studies: Design, Conduct,
lnternational Journal of Epidemiology. 19( 1): 205-2 l 3pp, Analysis. New York: Oxford University Press, 1982.
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11 . Rothman KJ, Greenland S. Modem Epidemiology. Philadel- sures and Outcomes. ln: Epidemiology Beyond the Basics.
phia: Lippincott-Raven Publishers, 2ª edição, 1998. Maryland: An Ashen Publication, 2000.

192 CAPÍTULO 9
Estudos Seccionais

Carlos Henrique Klein


Katia Vergetti Bloch

INTRODUÇÃO mar uma amostra. Se o pesquisador possui recursos


para examinar todas as unidades de observação, que
O estudo seccional é aquela estratégia de estudo constituem a população, poderá optar pela realização
epidemiológico que se caracteriza pela observação direta de um censo. Entretanto, como na maioria dos estudos
de determinada quantidade planejada de indivíduos em seccionais a população-alvo é muito numerosa, opta-se
uma única oportunidade. Os indivíduos são geralmente
pela seleção de tão-somente uma amostra para exame,
pessoas, porém também podem ser agregados ou até
e os motivos que justificam tal atitude não são apenas
mesmo animais, no caso de estudos de epidemiologia
de ordem econômica, pela redução de custos. A dis-
veterinária. Doravante, para todos os efeitos, vamos
tribuição de recursos materiais para fazer observações
também denominar os indivíduos, objetos de estudo,
cm uma menor quantidade de indivíduos permitirá
de unidades de observação.
exames individuais de melhor qualidade. Ainda assim,
As unidades de observação de um estudo seccional mesmo que as observações sejam feitas em indivíduos
costumam ser selecionadas aleatoriamente, isto é, por de uma amostra, esta costuma ser formada pelo menos
algum método orientado apenas pelo acaso, entre todos por centenas ou milhares de indivíduos, na maioria dos
os indivíduos que compõem uma população. População
estudos seccionais.
é o conjunto completo de indivíduos que pode serdes-
crito de acordo com uma característica comum a todos. Portanto, outra característica fundamental da maio-
Mais freqüentemente, a característica que define uma ria dos estudos seccionais, que se utilizam de amostras,
população, alvo de um estudo seccional, está relacionada diz respeito à inferência. Neste contexto a inferência
com critérios geográficos, políticos e administrativos, será compreendida pela sua conotação estatística.
que a limitam em termos êspaciais. Exemplos desta Inferência é "o conjunto de métodos que permitem
conjugação de critérios são populações demarcadas por formular, em termos probabilísticos, um julgamento
bairros, municípios, regiões geoeconômicas, estados sobre uma população a partir dos resultados observados
ou países. Entretanto, uma população também pode ser em uma amostra extraída ao acaso dessa população"26 •
descrita em função de outras características tais como o Uma vez que a característica essencial de um estudo
sexo, a faixa etária, ou a ocupação. De qualquer modo, seccional é a observação de cada indivíduo em uma
estas outras características costumam ser complemen- única oportunidade, a inferência é feita pela referência
tadas por um critério de demarcação espacial. Assim, a dos resultados a uma população definida em um local e
população-alvo pode ser a dos farmacêuticos, formados em determinada época. Desta forma, deve ficar muito
antes de 2000, residentes no Estado do Rio de Janeiro. claro que os objetivos de um estudo seccional estarão
Não é obrigatória a escolha de apenas uma parte sempre relacionados com indivíduos em local e época
dos indivíduqs_,que compõem a população, para for- demarcados.

CAPÍTULO 1Ü 193
A estratégia de delineamento de estudo até aqui
1
chamada de seccional também recebe outras denomina- 1
-
2
ções alternativas. Já há alguns anos, em toda a América
3
Latina, vem sendo muito utilizada a expressão estudo
4
transversal4, quando até os anos 1970 do século XX 5
eram utilizados os termos inquérito, em português, e 6
ti tf
encuesta, em espanhol. A palavra inquérito lembra o 1 o 6: Indivíduos
recurso de medida mais comum utilizado nestes estudos: 'f' Momento do coleto do indivíduo
ti: Início do estudo
o questionário, com um conjunto variável de perguntas. tf: Fim do estudo
Entretanto, o estudo pode prescindir do questionário se
Fig. 1O. 1 - Esquema de coleto de dados individuais e o tempo em
a única medida de interesse puder ser feita por meio de estudo secciono/.
uma observação direta, com ou sem aparelhos. E, ainda,
com grande freqüência, medidas diretas são acompa-
nhadas de um questionário. Exemplificando: em um por Karl Marx, em 1880, que enviou, pelo correio, a
inquérito soro lógico, que visava determinar freqüências cerca de 25 mil trabalhadores franceses, um questionário
relativas de cobe1tura de imunização em subconjuntos da com perguntas sobre condições e relações existentes nos
população, os indivíduos participantes foram inquiridos locais de trabalho.
sobre idade, local de moradia, e deles foram coletadas Também é relativamente comum o uso da expressão
alíquotas de sangue para titulação de anticorpos. estudo de prevalência como sinônimo de estudo sec-
Os termos seccional e transversal estão relaciona- cional. Isto porque é muito freqüente que o resultado
dos com a temporalidade, isto é, com a época da coleta mais geral que se procura alcançar neste estudo é uma
de dados do estudo. Se, como quase sempre ocorre na prevalência. Neste caso está subentendido que se trata de
prática, as informações individuais são coletadas num uma prevalência instantânea devido ao método de coleta
determinado prazo, o mais curto possível, decorrido de dados. A prevalência instantânea mede a proporção
entre as observações do primeiro e último indivíduo, de indivíduos com uma determinada característica, que
a lógica da análise dos dados ignora este intervalo de pode ser uma doença estabelecida, um sintoma, um
tempo e considera que todas as observações foram fei- sinal, uma seqüela, ou outro agravo qualquer da saúde,
tas num mesmo instante. Portanto, se a coleta pode ser relacionando os afetados no numerador com todos os
considerada transversal, por ser oblíqua ou diagonal em examinados no denominador. Entretanto, é também
relação ao eixo do tempo, a análise dos dados coletados comum que nos estudos seccionais se obtenham vá-
é feita como se houvesse sido feita uma secção perpendi- rias informações de cada indivíduo examinado, com o
cular de observações na população-alvo, quanto ao eixo intuito de estabelecer relações de associação entre as
temporal. Por isto, o termo seccional é mais abrangente, características investigadas. Por exemplo, um estudo
pois tanto pode ser perpendicular ou instantâneo para a seccional com adultos da Ilha do Governador, uma
análise, como transversal ou oblíquo para a coleta dos região administrativa do município do Rio de Janeiro,
dados. De todo modo, é preciso sempre lembrar que tinha por objetivo principal estimar a prevalência de
todas as informações são coletadas na mesma oportuni- hipertensão arterial, para o que foi necessário medir a
dade, ou seja, em um único instante, de cada indivíduo. pressão arterial e obter informações suplementares sobre
A Figura 10.1 apresenta o esquema de coleta de dados o tratamento e controle da pressão. Além disto, neste
de um grupo selecionado de seis i:i1divíduos, em que as mesmo estudo ainda foram coletadas outras informações
linhas horizontais representam segmentos de tempo de sobre características que poderiam estar associadas com
suas vidas próximos à época do estudo seccional. a hipertensão arterial.
Grande parte da literatura existente sobre os estudos
seccionais está em língua inglesa, na qual são utilizadas Usos E LIMITAÇÕES
as expressões cross-sectiona/, especialmente na área
da saúde, e survey, esta de sentido ainda mais extenso Estudos seccionais têm sido utilizados para inves-
e a preferida na área das ciências sociais. Por sinal, os tigar uma ampla gama de problemas de saúde pública,
primórdios do uso desta estratégia de estudo podem ser com os mais variados propósitos, desde administrativos
creditados a investigadores da área de ciências sociais, até analíticos. De um modo geral, a aplicação mais co-
especialmente da área de economia política e sociolo- mum de um estudo seccional está ligada à necessidade
gia2. Para exemplific.a~ podemos citar um inquérito feito de conhecer de que maneira uma ou mais características,

194 CAPÍTULO lÜ
tanto individuais como coletivas, distribuem-se em de novos estudos, com metodologias apropriadas para
uma determinada população. Estas características são investigar as hipóteses derivadas do estudo seccional de
também chamadas de variáveis. Um estudo seccional caráter exploratório.
pode ser a melhor estratégia de investigação para se Os estudos seccionais algumas vezes não são consi-
conhecer estimativas de parâmetros como médias (de derados como estratégias de investigação analítica, isto
altura, peso, pressão sistólica), proporções (de categorias é, que possam testar hipóteses sobre vínculos causais
de obesidade, de grupos etários, de hipertensos) e outras entre eventos. Ainda assim, sempre é possível testar a
razões ou índices (moradores por domicílio), assim existência de associações de freqüência, ou estatísticas.
como também as dispersões (variância, desvio-padrão)
entre pelo menos dois eventos classificados como doen-
das características desejadas em uma população definida
ça (agravo) e exposição (suposta causa), na amostra de
no tempo e no espaço, e também em suas subdivisões,
indivíduos examinados. A Figura I 0.2 mostra como em
subconjuntos ou grupamentos. Portanto, em princí-
uma amostra única, obtida de uma população, podem ser
pio, um estudo seccional é um excelente método para
identificados pelo menos quatro grupos de indivíduos
descrever características de uma população, em uma
com a finalidade de analisar associações entre exposição
determinada época. A descrição da distribuição de um
e doença, em um estudo seccional.
agravo de saúde em uma população é uma das fontes
imprescindíveis para o planejamento e a administração
de ações voltadas para prevenção, tratamento e reabili-
tação, tanto em nível coletivo como individual.
Pàra exemplificar, o estudo seccional da Ilha do
Govemador,já citado, tinha por justificativa para seu ob-
jetivo principal obter subsídios para o planejamento de
ações de prevenção e controle da hipertensão arterial23 .
A escolha do local de estudo se deveu a sua proximidade
a um hospital universitário, de alta complexidade, que
daria suporte às ações de saúde, incluindo sua integração
com unidades de diferentes níveis de atenção. \
\
Os estudos seccionais são também muito úteis para \

determinar a presença de antígenos, anticorpos e outros


Doente Doente '
Não-doente Não-doente '
marcadores biológicos no sangue coletado de indivíduos expostos não-expostos expostos não-expostos
nos chamados estudos soroepidemiológicos. A presença \. .) \. .) ,) .)

isolada de antígenos no sangue, não acompanhada de


sintomatologia, indica infecção sem doença. A prevalên- Fig. 10.2 - Grupos constituídos paro estudo de associação em estudo
cia de anticorpos específicos pode ser muito importante seccional.
para avaliar a necessidade de promover campanhas ou
outras estratégias de imunização, em populações estu- As quantidades de indivíduos nos subconjuntos,
dadas com inquéritos soroepidemiológicos. Índices de identificados na amostra, também podem ser represen-
concentração de colesterol sérico obtidos em estudos tados como na Tabela 10.1.
seccionais podem ser correlacionados com outros indi-
cadores de risco cardiovascular. Em uma amostra de n indivíduos, selecionados
~
aleatoriamente da população, a prevalência da doença
Algumas propriedades dos instrumentos de coleta de
é dada por (a+c)/n. Uma das alternativas de análise da
dados utilizados em um estudo seccional podem também
estender seus propósitos. Se o questionário contiver per-
guntas classificadas como abertas, isto é, cujas possíveis
respostas não são conhecidas ou previstas antes de sua
aplicação. então o estudo seccional poderá ter propósi-
tos exploratórios, de busca de hipóteses que expliquem Freqüêncios Doentes Não-doentes Totol
inter-relações de fenômenos ainda não conhecidas ou,
pelo menos, elaboradas de forma consistente pelos Expostos o b o+b
pesquisadores. O levantamento destas informações Não-expostos c d c+d
poderá levar o pesquisador a novas percepções sobre as n
Total o+c b+d
conexões entre_,eventos, dando origem ao planejamento

CAPÍTULO 10 195
associação entre a exposição e a doença é comparar a nem sempre é possível estabelecer com segurança a
prevalência de doença nos expostos com a prevalência precedência temporal da exposição sobre a doença em
de doença nos não-expostos, ou seja, al (a +b) com estudos seccionais. Pode-se citar como exemplo desta
c/(c+d). Se a primeira, al(a+b), for significativamente dificuldade a aparente relação percebida entre o consu-
diferente da segunda, c/(c +d), de acordo com um teste mo de produtos dietéticos e a obesidade, uma vez que
estatístico apropriado, pode-se concluir pela alta pro- é mais provável que a obesidade é que preceda o uso
babilidade de existência de associação estatística entre dos dietéticos. Quando não é possível estabelecer com
exposição e doença. Se a prevalência de doença nos segurança a seqüência temporal dos eventos, pode ser
expostos for maior do que nos não-expostos, pode-se impossível decidir se determinada exposição é causa ou
concluir que a exposição está associada de forma posi- conseqüência do aparecimento da doença.
tiva com a doença ou, se ao contrário, a prevalência de Ainda assim, estes estudos podem ser úteis para
doença nos expostos for menor do que nos não-expostos, auxiliar a esclarecer hipóteses etiológicas relacionadas
conclui-se que a associação entre exposição e doença é com doenças crônicas, de início insidioso, quando seu
negativa. Entretanto, é preciso tomar cuidado para não início não é reconhecido com facilidade pelos indivíduos
confundir uma associação positiva, observada em um ou mesmo pqr seus médicos assistentes. Mais ainda, os
estudo seccional, com uma associação de fator de risco estudos seccionais são úteis para propósitos analíticos
para o desenvolvimento da doença. Do mesmo modo, a quando a exposição é alguma característica permanente
associação negativa, revelada em um estudo seccional, ou invariável dos indivíduos, tais como sexo, grupo
não é necessariamente representativa de uma associa- sangüíneo, etnia ou local de origem, ou que tenha sido
ção de fato; de proteção contra o desenvolvimento da adquirida em fase precoce da vida, anterior ao estabe-
doença. lecimento da doença nos adultos, como geralmente é o
A relação temporal entre causa e conseqüência é caso da classe social e do grau de educação formal.
unidirecional, da primeira à última. Nos estudos seccio- Outro problema que pode perturbar as propriedades
nais, todas as observações são feitas em cada indivíduo analíticas de um estudo seccional é a duração da expo-
em uma única oportunidade, sejam aquelas relacionadas sição nos doentes. A probabilidade de participação de
com as exposições (supostas causas) ou com as conse- doentes expostos em um estudo seccional é dependente
qüências (doenças). Por isto, ainda que a construção do tempo de duração da exposição, de modo que os do-
do questionário procure revelar dados sobre momentos entes com longos períodos de exposição poderão estar
diferentes, as informações relativas a tempos passados super-representados na amostra de estudo em relação
são obtidas de forma indireta, isto porque dependem àqueles em que a duração de exposição é mais curta. O
da memória e dos interesses peculiares dos indivíduos resultado disto é que uma determinada exposição que
em relação aos temas de investigação. Isto torna muito prolonga a sobrevida dos doentes, inclusive por tornar
dificil a padronização, ou seja, a uniformização de a doença mais branda, pode ser confundida com um
procedimentos de coleta, o que pode distorcer a análise fator de risco, uma vez que a prevalência de doentes
das relações entre eventos estudados em subconjuntos entre os expostos pode ser até maior do que entre os
da amostra. Como exemplo, pode-se citar a dificuldade não-expostos.
de se obter informações recordatórias sobre consumo
Também pode ocorrer que a exposição, mesmo não
alimentar na tentativa de relacionar hábitos passados
tendo relação causal com a doença, leve os doentes a
de ingestão de alimentos gordurosos com neoplasia de
morrer em prazos mais curtos do que os não-expostos,
mama ou de cólon. No momento® coleta de dados em
assim que a comparação das proporções de doença en-
um estudo seccional, aqueles hábitos podem ter se mo-
tre expostos e não-expostos, observados em um estudo
dificado justamente devido ao diagnóstico estabelecido.
seccional, leve à conclusão errônea de que a exposição
Por isto, quando se supõe que o estado de exposição
é um fator de proteção contra a doença. Portanto, casos
durante o estudo não representa a exposição à época
prevalentes, reconhecidos em um estudo seccional,
relevante para a determinação da doença, é necessário
podem refletir não apenas os determinantes de risco de
avaliar retrospectivamente as mudanças qualitativas e
adoecer como também os de sobrevivência. Com isto,
quantitativas do estado da exposição.
toma-se dificil a distinção entre fatores de risco para
Outro problema na investigação de uma relação o aparecimento da doença e fatores prognósticos para
hipotética entre um fenômeno definido como doença sua evolução35 . Um fator de risco serve para antecipar a
e outro especificado como exposição, que se espera probabilidade da doença vir a ocorrer, enquanto um fator
estar relacionado CQf:,1 a causalidade da doença, é que prognóstico serve para predizer sua provável evolução

196 CAPÍTULO l0
e seu desfecho. E, mais ainda, um determinado fator Esse é o momento final de um estudo híbrido chamado
pode funcionar como fator de risco e de prognóstico, de estudo de prevalência em coorte. Essa estratégia pode
em épocas diferentes durante a evolução da doença. ser utilizada quando na fase de planejamento de um
Um exemplo disto é a associação existente entre grupos estudo de coortes não se considera a doença investigada
étnicos e hipertensão arterial. Um determinado grupo como possível efeito da exposição.
étnico pode representar uma certa carga genética que é Se a partir de uma população-fonte original são
fator de risco para a hipertensão arterial, mas também seguidos seus indivíduos participantes para selecionar
pode estar ligado a exposições ambientais que são fa- apenas aqueles considerados elegíveis para um estudo
tores prognósticos. seccional no momento final da investigação, este híbrido
Apesar dos problemas apontados, os estudos seccio- pode ser chamado de estudo de prevalência seletivo. Por
nais oferecem pelo menos uma vantagem evidente sobre exemplo, nos indivíduos que constituem a demanda de
outras estratégias de estudo com finalidades analíticas, um hospital, podem ser selecionados somente aqueles
sejam as observacionais, como os estudos longitudinais que têm doenças do colágeno para determinação da
de coortes e de casos e controles, ou as experimentais, prevalência de coronariopatias.
como os ensaios clínicos aleatorizados. Esta grande Os indivíduos examinados durante um estudo sec-
vantagem é a capacidade de inferência dos resultados cional, e que permanecem sob o risco de adoecer, podem
observados para uma população definida no tempo e no ser acompanhados durante um período de tempo adicio-
espaço, o que pode não ser permitido em outros estudos nal, permitindo obter estimativas da prevalência inicial
cujas amostras não são representativas da população. e da incidência neste período que se segue ao estudo
E, como já foi assinalado antes, os estudos seccionais seccional inicial. Este tipo de estratégia se constitui em
podem ser bastante adequados para investigar relações um híbrido chamado de estudo de seguimento seccional.
de doenças crônicas, de início indeterminado e de longa Por exemplo, um estudo seccional25 detennina a preva-
duração, e ainda, de freqüências relativamente elevadas, lência de carcinoma de colo de útero nas mulheres de
com exposições de caráter permanente, fixo, ou que uma população, por meio de exames de massa, sendo
pelo menos sofram pequenas variações de intensidade posteriormente acompanhadas aquelas sem diagnóstico
e presença ao longo da vida, com inícios precoces. A positivo no primeiro exame, por um período de tempo
magnitude da freqüência relativa do agravo estudado é suficiente para estimar a incidência do câncer.
importante na medida em que determina a quantidade
E, mais ainda, uma metodologia muito utilizada
de observações a serem feitas, de acordo com o grau
para avaliar o impacto de mudanças induzidas sobre
mínimo de precisão desejado na inferência. Assim, se
uma população dinâmica, isto é, aquela que sofre
a doença é muito rara, será necessário fazer um número
modificações de composição ao longo do tempo, é um
muito grande de observações em um estudo seccional,
híbrido chamado de estudo de painéis repetidos. Os
de modo que um estudo de casos e controles pode ser
mais indicado nos casos de doenças incomuns, de baixa painéis repetidos consistem na realização de estudos
freqüência. seccionais em momentos variados, em uma mesma
população, entretanto, sem repetir necessariamente as
observações sobre os mesmos indivíduos selecionados
ESTUDOS HÍBRIDOS no estudo inicial. Se fossem examinados sempre os
mesmos indivíduos, o estudo seria classificado como
Como já foi visto, os estudos seccionais costumam longitudinal de coortes. Em cada painel, que correspon-
se distinguir de forma nítida dos demais estudos epi- de a um estudo seccional, é selecionada uma amostra de
demiológicos, pela exigência da coleta de informações indivíduos da população-alvo, independentemente das
em uma amostra representativa de indivíduos, de uma anteriores. Assim, quanto menor for a fração amostral,
população definida segundo local e época. Entretanto, que é a razão entre o número de participantes na amos-
também podem ser delineados estudos chamados de tra e o número de indivíduos na população, menor é a
híbridos, que envolvem outras estratégias inerentes a probabilidade de repetição de um indivíduo em mais
outros estudos epidemiológicos, além do seccional. de uma amostra. Nestes estudos, o interesse principal
Quando os estados de exposição são detectados nos costuma ser a avaliação de impactos ocasionados em
indivíduos de uma coorte original, a presença de doença uma população dinâmica, submetida a mudanças nos
pode vir a ser identificada com um estudo seccional intervalos entre os painéis, e não aqueles que recaem
somente depois de algum tempo já decorrido desde a sobre um grupo de indivíduos que viesse a representar
detecção inicial dos estados de exposição dos indivíduos. apenas a população singular existente na época do

CAPÍTULO 1Ü 197
primeiro painel. As mudanças podem ser intervenções serem utilizados e os subconjuntos ou grupamentos da
planejadas, como campanhas de vacinação, ou eventos população a terem seus indicadores particulares revela-
potencialmente prejudiciais à saúde das pessoas, como dos. A apresentação de resultados para subconjuntos da
a exposição a poluentes ambientais. população denota, em geral, a intenção de estabelecer
comparações ou testar hipóteses de associação entre as
características de fonnação dos grupamentos e o agravo
FASES DE UM ESTUDO SECCIONAL
de interesse.
A realização de um estudo seccional pode ser divi- O protocolo deverá conter uma descrição dos mé-
dida em três fases principais: planejamento, execução, todos propostos para alcançar os objetivos e testar as
e análise e divulgação de resultados, como é comum a hipóteses formuladas, se assim for desejado. Entre estes
todos os métodos de investigação científica. As ativi- métodos, que serão mais bem detalhados adiante, estão
dades e os procedimentos desenvolvidos em cada uma os instrumentos de coleta de dados que serão utilizados,
destas fases serão descritos a seguir. os critérios de classificação e diagnóstico, o registro e o
armazenamento de informações, a seleção de indivíduos
Planejamento para compor a amostra, sempre que necessário, a seleção
e o treinamento dos observadores, chamados de pesqui-
O planejamento é a fase inicial de um estudo seccio- sadores de campo, o controle de qualidade da coleta, e
nal que antecede a execução. As atividades principais os procedimentos de análise quantitativa das estimati-
desenvolvidas durante esta fase são a construção do vas desejadas e das hipóteses operacionais. De forma
protocolo, a preparação dos instrumentos para tomada adicional, porém imprescindível, deve ser justificado o
de informações, o processo de amostragem, e a seleção tamanho da amostra, ou seja, o número de indivíduos a
e o treinamento dos pesquisadores de campo. serem observados, em função da precisão desejada das
estimativas e do poder dos testes estatísticos. Da mesma
Protocolo maneira, deverão ser incluídos no protocolo modelos
de instrumentos, tais como questionários, instruções de
O planejamento de um estudo seccional se inicia preenchimento e de uso de equipamentos, e fichas de
pela construção de um protocolo, também chamado de laboratório e de supervisão.
projeto de pesquisa. O protocolo deve indicar claramente
O protocolo deverá também demonstrar a pos-
porque é necessário realizar o estudo, em que estágio
sibilidade de realização do estudo com os métodos
se encontra o conhecimento atual sobre o tema a ser
propostos, com os recursos solicitados, e no tempo
investigado, e a sua importância para a população-alvo
previsto. Detalhes programáticos deverão ser descritos
como problema de saúde pública. Portanto, o protocolo
deve apresentar os objetivos e as justificativas do estudo no protocolo a respeito do cronograma de atividades, a
seccional. guarda e o destino dos materiais utilizados, e os recursos
financeiros necessários para pagamento de pessoal, labo-
De uma definição precisa dos objetivos gerais e ratórios, deslocamentos no campo e viagens, aquisição
específicos depende o sucesso do estudo. Pelo que já
de material permanente e de consumo, e processamento
se viu, em um estudo seccional é fundamental delimitar
de dados.
a população-alvo e explicar os critérios de sua eleição.
Além disso, é necessário expli~itar objetivamente os Ainda mais, além de demonstrar que o pesquisador
indicadores quantitativos que expressarão os resultados é hábil e capaz de conduzir o estudo, o protocolo deverá
principais e a época de referência da coleta de dados. conter os modos de conduta previstos para resolução de
Desta maneira, o objetivo mais geral do estudo seccional problemas imediatos que ocorram durante o trabalho
geralmente orienta o seu título. Como exemplo, não de coleta de dados (trabalho de campo), inclusive aque-
basta afirmar que o objetivo geral é estudar a tuberculose les referentes à identificação de problemas de saúde
nos escolares. É preciso demarcar melhor o objeto de nos indivíduos selecionados para participar do estudo.
estudo com um objetivo tal como: estudo da prevalên- Por fim, o protocolo deverá se submeter às diretrizes e
cia de infecção por Mycobacterium tuberculosis nos normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres
escolares do primeiro grau da rede pública, do Municí- humanos. Para tanto, além de todos os aspectos já descri-
pio do Rio de Janeiro, em julho de 2006. Os objetivos tos, deverá conter o modelo do termo de consentimento
específicos poderão detalhar os métodos diagnósticos a a ser apresentado aos indivíduos participantes.
..'

198 C APÍTULO l0
Questionários ainda podem coletar material biológico dos indivíduos
para exames complementares, em laboratório. A discreta
Os questionários são os instrumentos de tomada coerção exercida pela presença do entrevistador é um
de informações mais frequentemente utilizados nos
fator para obtenção de taxas de respostas mais eleva-
estudos seccionais. Em geral as informações coletadas
das do que com o uso de questionários auto-aplicados,
por questionários são medidas indiretas, porque são
inclusive pela aparência de um maior grau de interesse
oriundas de testemunhos prestados pelos indivíduos,
na obtenção de respostas.
dependendo de certas condições, tais como memória,
capacidade de compreensão e sua própria elaboração O contato entre o entrevistador e o indivíduo pode
das perguntas, além de serem mediadas por interesses ser feito até à distância por meio de telefone, por exem-
particulares dos entrevistados. plo. Um estudo de monitoramento de fatores de risco
Um questionário é um instrumento de coleta de para doenças crônicas não-transmissíveis, realizado
informações que poderá ter seu conteúdo e formato no Município de São Paulo, em 2003, mostrou que a
determinados pelas características culturais específicas estratégia de entrevistas telefônicas teve bom desem-
da população-alvo. Um questionário também pode penho em relação à representatividade da amostra, ao
conter questões que serão preenchidas de acordo com custo e à agilidade do sistema de coleta de informações.
observações feitas pelos próprios pesquisadores de É importante salientar que a proporção de domicílios
campo, tais como atributos fisicos dos entrevistados com telefone naquele município foi estimada em 85%,
(cor dos olhos, tipo de cabelos, ausência de membros, e e, portanto, esta boa performance só pode ser esperada
outros), e, nestes casos, diz-se que foram feitas medidas em localidades de características semelhantes. Contudo,
diretas. Os pesquisadores de campo são os observadores deve-se considerar que o contato telefônico apresenta
especialmente treinados para atuarem como entrevista- sérias limitações, pois não permite observações diretas,
dores ou examinadores. Algumas informações podem e nem a conferência de óbvias incoerências entre as
oferecer alternativas de observações diretas ou indiretas. respostas dadas e a situação real do entrevistado. Mais
Um exemplo é a idade, em que perguntar a idade é uma ainda, só podem participar de um estudo por telefone
manobra mais simples, e indireta, do que solicitar um do- aqueles indivíduos que possuem uma linha telefônica
cumento que registre a data de nascimento. Se a primeira ou que se encontram em local servido por uma linha,
alternativa é mais rápida e abrangente, a segunda pode restringindo muitas vezes, de forma severa, a população
ser mais precisa, ainda que também sujeita a erro. de referência. Por isto são preferidos os contatos diretos
Há duas formas básicas de aplicação de questioná- entre pesquisadores de campo e indivíduos, se possível
rios. Os questionários auto-aplicados são preenchidos nos domicílios destes.
pelos próprios entrevistados, que podem recebê-los por
Os questionários podem apresentar questões fecha-
via postal ou por intermédio de um portador treinado
das, abertas ou mistas. Questões fechadas são aquelas
para complementar esclarecimentos. Os questionários
cujas alternativas de resposta já estão explicitadas no
auto-aplicados devem se limitar ao uso da linguagem
corrente na população-alvo, e podem conter desenhos ou questionário. Questões abertas são aquelas em que não
croquis da anatomia humana para que os entrevistados há alternativas preestabelecidas de respostas, em que,
apontem locais de dor ou outros sinais. São também portanto, as respostas deverão ser registradas de forma
úteis para obter respostas a perguntas embaraçosas, de literal, com as expressões usadas pelos entrevistados.
foro íntimo, desde que se tssegure o sigilo, ou seja, a As questões mistas contêm algumas alternativas pre-
não-identificação dos entrevistados. estabelecidas, mas admitem respostas não-previstas. É
comum que as questões mistas contenham uma última
Ainda que o uso de questionários auto-aplicados seja
a alternativa mais barata, sua taxa de retomo pode ser alternativa de resposta que tem o formato: Outra,
frustrante, e, além disto, suas limitações quanto às pos- qual?___. As questões fechadas, e em menor grau as
sibilidades de medições são evidentes. Por isto, é mais mistas, são as que oferecem as menores dificuldades para
freqüente que os estudos epidemiológicos seccionais fa- os tratamentos necessários para as análises quantitativas.
çam uso de questionários aplicados por entrevistadores. As questões abertas devem ser reservadas para aquelas
Os entrevistadores, ou pesquisadores de campo, podem situações em que as alternativas de resposta são muito
ser treinados também para realizar as medidas diretas, numerosas, como no caso da informação sobre os me-
seja por observação simples ou com o uso de instrumen- dicamentos em uso pelos entrevistados, ou para quando
tos específicqs_~ Além disso, os pesquisadores de campo se deseja fazer uma análise exploratória inicial de um

CAPÍTULO l0 199
problema ainda pouco conhecido. A construção de um tais como peso, altura, coloração dos olhos, tipo de
questionário adequado é uma das tarefas primordiais do cabelos, presença ou ausência de membros ou sinais
planejamento de um estudo seccional. patognomônicos de doença, por exemplo.
Para fins de comparação de resultados e de perfis Os métodos de observação destas variáveis, assim
epidemiológicos de instrumentos elaborados e validados como os tratamentos analíticos, dependem de sua cate-
em outra língua, é necessário avaliar e garantir a equi- gorização. De um modo geral, as variáveis são divididas
valência entre o original e suas traduções. A adaptação em discretas e contínuas, de acordo com a possibilidade
transcultural está baseada na apreciação de uma seqüên- da existência de outras categorias no intervalo entre duas
cia de diferentes tipos de equivalências: 1. equivalência categorias quaisquer. As variáveis discretas simples
conceituai, relacionada à existência dos conceitos e ou qualitativas são aquelas que possuem um número
dimensões apreendidos pelo instrumento original na limitado de categorias, como é o caso das medidas em
cultura-alvo da nova versão; 2. equivalência de itens, escalas nominais ou ordinais. O exemplo mais comum
que se destina a avaliar cada item do instrumento origi- de uma variável discreta qualitativa em estudos seccio-
nal e a correspondência de seus conceitos na população nais é o atributo doença. Este atributo, doença, é uma
onde será utilizado; 3. equivalência semântica, que variável nominal dicotômica, ou binária, quando só
avalia a transferência de significados das palavras entre possui duas categorias, a dos doentes e a dos não-do-
os idiomas, com intuito de obter efeitos similares nos entes. As variáveis discretas quantitativas são aquelas
respondentes da mesma escala; 4. equivalência opera- em que há um grande número de categorias, ordenadas,
cional, na qual se observa a adequação e pertinência de porém em número finito entre dois limites fixos, e sem
aspectos operacionais no novo contexto cultural, tais valores intermediários nos intervalos entre as catego-
como forma de administração e número de opções de rias. Contagens de células ou indivíduos são exemplos
resposta; e, por fim, 5. equivalência de mensuração para de variáveis discretas quantitativas. Já as variáveis
avaliar as propriedades psicométricas do instrumento contínuas possuem um número infinito de categorias,
original e a sua nova versão. mesmo que entre limites mínimo e máximo, de modo
Essas etapas utilizam diferentes estratégias para que em cada intervalo entre duas categorias há sempre
avaliação, entre as quais as principais são: revisão outras possíveis, ainda que não detectáveis, e podem
bibliográfica envolvendo publicações da cultura do ins- ser medidas em escalas de intervalos ou de razões. A
trumento original e da população-alvo, discussão com temperatura, medida em graus Celsius ou Fahrenheit,
especialistas, discussão com população-alvo, tradução, é uma variável contínua de escala de intervalos porque
retradução, avaliação da equivalência semântica desta possui infinitas categorias, ordenadas, e com diferen-
retradução com o original, pré-teste da nova versão, e ças mensuráveis entre quaisquer duas categorias, mas
avaliação pelo grupo de pesquisa da pertinência e ade- o valor zero é arbitrário, de modo que não é possível
quação da forma, e do modo de aplicação. interpretar de modo útil a razão entre dois valores. Já o
peso é uma variável contínua de razões, porque possui
todas as propriedades das variáveis contínuas e, ainda,
Medidas Objetivas e Escalas
é possível calcular razões entre dois valores quaisquer.
São também chamadas de medidas objetivas aque- Esta razão representa quantas vezes o peso do numerador
las feitas por observações diretas dos pesquisadores é maior que o do denominador. Na prática dos estudos
de campo (observadores) sobre o:, indivíduos (obser- seccionais, a identificação das categorias das variáveis
vados), muitas vezes com o uso de algum instrumento contínuas está limitada pela capacidade de discriminação
específico, algumas vezes com coleta de material, e que dos instrumentos e observadores. Mais detalhes sobre
não dependem da memória do entrevistado ou de uma este assunto podem ser vistos no Capítulo 18 - Análise
resposta dada a um questionário. Exploratória de Dados.
São inumeráveis as medidas objetivas possíveis, que
muitas vezes se referem a variáveis relacionadas com Adequação, Validade e Confiabilidade de Medidas
a fisiologia ou os processos biológicos dos indivíduos,
tais como concentrações de substâncias no sangue ou É muito freqüente que para cada variável que se pre-
dejetos, pressão arterial, freqüências cardíaca e respi- tenda medir existam diversos instrumentos e regras de
ratória, entre tantas. Também podem ser relacionadas utilização alternativas, cujas combinações são chamadas
com características ou sinais externos dos indivíduos, genericamente de técnicas de medida. Portanto, é neces-
' ,

200 CAPÍTULO l0
sário decidir quais técnicas de medida serão empregadas sua sensibilidade e sua especificidade não são perfeitas,
no estudo seccional. De início, é preciso considerar a quer dizer, não são iguais a 1 (ou 100%). Ainda assim,
portabilidade dos instrumentos e a aceitação do seu uso é possível estimar a prevalência de doença real ou cor-
por parte da população-alvo, critérios pragmáticos de rigida mesmo tendo sido usada uma técnica de medida
escolha. Isto porque a maioria dos estudos seccionais imperfeita no estudo seccional, com a fórmula:
exige razoáveis deslocamentos no espaço em que se
encontram as unidades de observação selecionadas,
Pa +Esp-l
sendo as medições feitas nos domicílios de residência p = - -- - - -
dos indivíduos. Além disto, é preciso levar em consi- , Sen + Esp-l
deração que a maioria dos indivíduos geralmente não é
afetada pelo agravo em investigação e, principalmente,
não é demanda passiva de serviços de saúde. O pesqui- em que p, é a prevalência real,p0 é a prevalência aparente
sador precisa obter a adesão voluntária dos indivíduos obtida no estudo usando a técnica de medida imperfei-
selecionados aleatoriamente para participar do estudo, ta, Esp é a probabilidade de especificidade e Sen é a
demonstrando que os procedimentos de medida utiliza- probabilidade de sensibilidade. Esta manobra algébrica
dos são inócuos, indolores, e, ainda assim, de utilidade permite corrigir o valor da estimativa da prevalência
para a pesquisa8 . que se refere ao conjunto de indivíduos participantes
do estudo, porém não permite corrigir os diagnósticos
Por outro lado, a decisão de escolha de uma técni- individuais22 .
ca de medida deve ser também norteada por critérios
técnicos. Assim, as melhores técnicas de medida são Exemplificando: podemos supor que um estudo
aquelas que fornecem medidas com as menores proba- específico tenha demonstrado que um certo instrumento
bilidades de erro, no caso de classificações dicotômicas, de diagnóstico de alcoolismo apresenta sensibilidade
ou os menores desvios (vieses de medida) em relação de 0,9, ou seja de 90%, e especificidade de 0,8, ou seja,
às verdadeiras. Uma técnica de medida que simples- de 80%. Estas informações irão servir para estimar
mente classifique os indivíduos nas duas categorias a prevalência real de alcoolismo em uma amostra na
de uma variável dicotômica, tal como doença, poderá qual a prevalência obtida com aquele instrumento foi
ser analisada em função da probabilidade de erro de de 0,235, ou seja, de 23,5%. A utilização da fórmula
classificação em relação a cada uma das categorias, de apresentada resulta em:
doentes e não-doentes, por exemplo. Estes erros estão
relacionados de forma complementar com os acertos. 0,235 + 0,8 - 1
Os indicadores clássicos de validade ou de acertos são Pr = -- -- -- ----·= 0,05
0,9 + 0,8 - 1
chamados de sensibilidade e especificidade.
A sensibilidade de uma técnica é a proporção de
o que significa que a prevalência real de alcoolismo
indivíduos corretamente classificados pela técnica como
naquela amostra era de apenas 5%.
positivos, isto é, com o atributo investigado, entre todos
aqueles que são realmente positivos. A especificidade de Técnicas de medida de variáveis contínuas podem
uma técnica é a proporção de indivíduos corretamente ter sua validade de uso avaliada por meio de indicadores
classificados pela técnica como negativos, isto é, sem o como o viés absoluto padronizado e o viés das médias.
atributo investigado, entre todos aqueles que são real- O viés absoluto padronizado é dado pela média das
mente negativos. Como se percebe, estes indicadores são diferenças absolutas (sem os sinais) dos valores obtidos
construídos pela confrontação de medições obtidas por pela técnica e os reais, dividida pelo desvio-padrão dos
uma técnica de medida com as reais (verdadeiras), em valores reais. O viés das médias é dado pela diferença
uma amostra de indivíduos selecionados para participar entre a média dos valores obtidos pela técnica e a média
de um estudo com a finalidade de estimar sensibilidade dos valores reais 19 , dividida pelo desvio-padrão dos
e especificidade, ou seja, a validade da técnica. As me- valores reais. O primeiro indicador é sensível aos vieses
dições verdadeiras podem ser por técnicas diagnósticas de medidas individuais, ao passo que o segundo só ser-
consideradas como "padrão-ouro". A técnica de medida ve para avaliar os vieses entre as médias, referindo-se,
que será usada no campo, na prática do estudo seccional, portanto, a conjuntos de indivíduos.
raras vezes tem as qualidades de um "padrão-ouro", de Os critérios técnicos descritos até aqui exigem a
modo que s~,o esperados erros de classificação, ou seja, confrontação dos valores obtidos por uma técnica de

CAPÍTULO l0 201
medida com os verdadeiros ou reais. Entretanto, na prá- la, n 11 e n22 , dividida pelo número total de indivíduos
tica isto não só nem sempre é possível, como algumas examinados com:
vezes nem mesmo há um "padrão-ouro", ou mesmo, é
discutível o conceito de "verdade" , como no caso de K
=
diagnósticos na área psiquiátrica. Por isto, um outro
critério técnico de escolha de uma técnica de medida
p,,=
n
L ___,_,
i ~ 1
n
n
está relacionado tão-somente com sua capacidade de
concordância interna, ou seja, de replicar os mesmos sendo K o número de categorias da variável, enquanto
resultados em indivíduos invariantes. Esta capacidade a proporção de concordâncias esperadas por puro acaso
é chamada de confiabilidade. A construção de indicado- é dada pela soma das freqüências esperadas nas células
res de confiabilidade exige que as réplicas de medidas da mesma diagonal de concordâncias, também dividida
sejam feitas num mesmo conjunto de indivíduos, pelo pelo mesmo número total de indivíduos (total geral). As
mesmo observador ou por observadores diferentes. As freqüências esperadas são calculadas pelo produto das
comparações de confiabilidade também podem ser feitas marginais (totais) divididas pelo total geral (n). Portanto,
entre os resultados obtidos por técnicas diferentes, mas a proporção total de concordâncias esperadas por acaso
que têm o mesmo propósito, sempre no mesmo conjunto
é dada por:
de indivíduos.
A avaliação quantitativa da confiabilidade também
depende da escala de medidas, discreta ou contínua. Para
medir a confiabilidade de técnicas de medidas discretas,
com pequeno número de categorias, um dos indicadores
mais utilizados é o kappa (K), calculado com:
A interpretação do índice de kappa deve ser feita
com cautela. Apesar de este índice relacionar propor-
Po- Pe ções, observadas e esperadas, kappa não é uma propor-
K- -----------
ção e não possui as propriedades das proporções. O valor
! - Pe
do índice kappa pode variar entre um valor negativo
até + 1, dependendo das distribuições dos valores das
em que p 0 é a proporção total de concordâncias obser- marginais (totais de linhas e de colunas) e do número de
vadas, e Pe é a proporção total de concordâncias que categorias (K) da variável. Por exemplo, em uma tabela 2
seriam esperadas por pura casualidade. Por exemplo, no x 2 cujas células internas tivessem os seguintes valores:
caso de uma técnica classificatória simples que detecta n11= 14, n1 2=7, n 21=25 e n22=171, o valor calculado de
apenas duas classes, chamadas de positivos e negativos, Kappa é 0,39, porém, seu valor mínimo, nesta tabela,
os resultados de uma prova de confiabilidade, com n seria -0, 14 e o máximo, 0,66.
indivíduos, podem ser dispostos como na Tabela l 0.2, A confiabilidade de medidas em escala ordinal pode
em que a mesma técnica replicou medidas, em duas ser avaliada pelo kappa ponderado. Os pesos atribuídos
oportunidades, da seguinte maneira: a cada categoria são arbitrários, porém relacionados com
as distâncias relativas entre as mesmas.
~--'~..I?'•~~-"---~~~~

~:;_· -: _,·_·,.,.,.~-~. - . . ! .. ,,_ ·_"•·~_-...... ~-- ~:1 Para medir a confiabilidade de técnicas de medidas
contínuas, pode ser utilizada uma estimativa do erro
experimental, que consiste na variância existente entre
Freqüências Oportunidade B
+ Total réplicas, combinada para n indivíduos, que participam
do experimento. No caso de um experimento com duas
réplicas, isto é, duas medidas feitas em cada indivíduo,
o algoritmo final de cálculo do erro experimental é
n bastante simples, consistindo na razão entre a soma
das diferenças quadráticas individuais das réplicas,
dividida pelo dobro de indivíduos participantes. Como
A proporção total de concordâncias observadas é a confiabilidade é inversamente relacionada com o erro
calculada pela soma das freqüências observadas nas experimental, a melhor técnica de medida é aquela que
células da diagop~l de concordâncias, internas à tabe- oferece o menor erro experimental. Existem ainda outros

202 C APÍTULO 10
indicadores de confiabilidade para variáveis contínuas, aqueles processos de amostragem mencionados exigem
tais como o coeficiente de correlação intraclasse. listas completas de indivíduos da população, os mesmos
são inviáveis. Entretanto, pode ser possível obter listas
de agregados das unidades básicas de observação, os
Amostragem indivíduos. Estes agregados ou aglomerados, de graus
Uma das questões fundamentais em um estudo variados de complexidade, costumam ser chamados de
seccional é a sua base de referência de resultados. Uma conglomerados.
das grandes vantagens dos estudos seccionais em relação Os conglomerados podem se apresentar em diver-
às demais estratégias de estudos epidemiológicos é a sos níveis de organização, sendo os mais elementares
generalização de seus resultados para uma população geralmente os domicílios ou locais de moradia das
definida, como já foi visto antes. Se todos os elementos pessoas, identificados por endereços. Outros níveis mais
da população tiverem sido examinados, a possibilidade complexos de organização de conglomerados podem
de generalização de resultados é evidente. Entretanto, é ser exemplificados com bairros, setores censitários,
muito mais freqüente que se examine apenas uma amos- Municípios, microrregiões homogêneas e Estados. Os
tra de indivíduos que compõem a população, e neste setores censitários são conglomerados definidos pelo
caso, para que a generalização seja válida em termos IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e
probabilísticos, é necessário que os processos de sele- costumam se constituir em aglomerados de cerca de 200
ção das unidades de observação sejam rigorosamente domicílios, em média, nas áreas urbanas, e em menor
conduzidos apen~s pelo acaso. Em outras palavras, a número nas áreas rurais.
inferência dos resultados da amostra para a população A existência de listas de conglomerados permite
requer o uso de processos de amostragem probabilística. a execução de esquemas de amostragem destes aglo-
Somente amostras formadas por indivíduos escolhidos merados, em seus diversos níveis hierárquicos. Estes
aleatoriamente, ou seja, por acaso, podem fornecer es- processos de amostragem são chamados genericamente
timativas de parâmetros representativas da população. de amostragem de conglomerados, e utilizam-se de
A representatividade de uma amostra significa que ela esquemas mais básicos como a amostragem aleatória
é um "espelho", uma "miniatura" da população, que simples ou sistemática de conglomerados, em um único
representa com distribuições similares às da população nível de agregação, até processos mais complexos rea-
todas as estatísticas desejadas pelo pesquisador. lizados em estratos da população, divididos em vários
estágios ou hierarquias de conglomerados. Em cada
Amostragem probabilística é aquela na qual todos os
nível de seleção dos processos de amostragem de con-
elementos da população têm probabilidade conhecida e
glomerados, só é necessário conhecer a lista completa
diferente de zero de participar da amostra. As questões
de elementos que compõem o estágio imediatamente
gerais sobre amostragem em estudos epidemiológicos inferior em hierarquia de complexidade estrutural, que
podem ser vistas no Capítulo 22 - Amostragem. Aqui pode ser composto por outro nível de conglomerados,
vamos fazer apenas algumas considerações referentes a naqueles conglomerados que tiverem sido selecionados.
processos particulares de amostragem, muito utilizados Deste modo, o último estágio de seleção costuma ser o
em estudos seccionais. dos indivíduos contidos nos conglomerados mais ele-
Como já mencionamos anteriormente, com fre- mentares, que podem ser os domicílios, ou as seções de
qüência os estudos seccionais procuram representar, trabalho, por exemplo. Se for desejada a subseleção des-
com amostras, populaçõd muito grandes, da ordem de tes elementos, seu conhecimento se dará durante a fase
centenas de milhares ou até de milhões de indivíduos, de coleta de dados. Por todas estas características é que
espalhados em áreas territoriais bastante amplas. Assim, estes esquemas de seleção mais intrincados são também
nestes casos, os processos de amostragem básicos, como chamados de processos de amostragem complexa.
a amostragem aleatória simples ou a sistemática, podem O estadiamento da seleção de conglomerados pode
tornar os estudos muito caros pelo grande número de ser exemplificado com o caso de uma amostra de pessoas
deslocamentos a serem feitos entre os indivíduos se- que pretendesse representar a população brasileira. O
lecionados, que muito provavelmente se encontrarão Brasil é organizado administrativamente de uma manei-
bastante dispersos por todo o espaço. E, ainda mais, ra que pode ser utilizada para orientar um processo de
raríssimas vezes existem listas completas de todos os amostragem de conglomerados em múltiplos estágios de
indivíduos que compõem a população-alvo, em qualquer seleção. Estes estágios, citados em ordem decrescente
recorte que. sç faça da população brasileira. E, como de hierarquia administrativa e espacial, poderiam ser o

CAPÍTULO 10 203
dos Estados, dos Municípios, dos setores censitários, financeiros e o tempo disponível para o estudo são es-
dos domicílios e, por fim, dos indivíduos. Em cada um cassos. No início, os estudos seccionais que adotaram o
destes cinco estágios pode-se fazer uma seleção alea- método proposto, e que vinham sendo realizados desde
tória de conglomerados, desde o nível mais elevado, 1978, tinham por finalidade estimar coberturas vacinais
dos Estados, até o dos domicílios, e por fim, escolher, em crianças nas mais variadas populações, especialmen-
nesses, os indivíduos. A subseleção no último nível de te nas mais pobres. O método original recomendava
aglomeração é opcional, pois se pode optar pelo exame a seleção de 30 conglomerados no primeiro estágio,
de todos os indivíduos que se encontram nos domicílios com probabilidades proporcionais aos tamanhos dos
selecionados. conglomerados, com um esquema de amostragem siste-
A utilização de processos de amostragem complexa mática, e a posterior seleção de sete indivíduos, em cada
implica no uso de estimadores adequados, durante a conglomerado, no segundo estágio. Nos primórdios da
análise dos dados, para a obtenção das estimativas dese- aplicação do método, também conhecido por método de
jadas, e principalmente de seus intervalos de confiança. inquéritos rápidos, apenas um dos indivíduos do segundo
Observações feitas em conglomerados de indivíduos estágio era selecionado ao acaso, sendo os restantes seis
costumam reduzir a heterogeneidade da amostra, em indivíduos escolhidos entre aqueles mais próximos do
relação às variáveis de interesse. Portanto, é preciso ter primeiro. Esta combinação 30 x 7 era recomendada para
cuidado com as medidas de variância de indicadores, avaliação de atributos comuns, quando a prevalência
tais como prevalências, médias, razões de prevalência esperada fosse maior do que 50%. Já para atributos
raros, com prevalência menor do que 5%, era sugerida
ou de chances, derivados de dados obtidos em estudos
a seleção de 40 conglomerados com 100 indivíduos em
cuja amostra é de conglomerados, de qualquer grau de
cada um. Várias modificações foram sendo propostas
complexidade. Os algoritmos de cálculo utilizados na
nos últimos anos, tais como a seleção aleatória nos dois
maioria dos aplicativos de computador que geram esta-
estágios, tanto de conglomerados como de indivíduos,
tísticas, a partir de bancos de dados, supõem, a priori,
aumento no uso de conglomerados e uso de computa-
que os dados foram coletados de uma amostra aleatória
dores de mão, entre outras.
com reposição das unidades finais de observação, os
indivíduos. Portanto, em uma análise rigorosa dos dados A perda de informações sobre parte da amostra,
derivados de um estudo seccional de amostragem com- independente do motivo, resulta em modificação da
plexa, é preciso utilizar rotinas especiais de estimação e população de referência original. A não ser que estas
de testes de hipóteses que levem em consideração o de- perdas estejam, por sua vez, representadas naquela parte
lineamento amostral efetivamente praticado para coletar da amostra que foi efetivamente observada, os indivídu-
os dados do estudo. Não são comuns os aplicativos que os perdidos em uma amostra representam uma fração da
possuem rotinas adequadas, já preestabelecidas, para população sobre a qual se perde a capacidade de infe-
resolver alguns destes problemas, tais como Epi-Irifo e rência. A substituição de indivíduos, originalmente se-
Stata9 -37 • As estatísticas avançadas do Epi-Jnfo (complex lecionados para participar da amostra, pode parecer uma
alternativa razoável para remediar perdas ou até mesmo
sample) têm por finalidade analisar dados oriundos de
para acelerar o processo de coleta de dados. Entretanto,
estudos seccionais complexos, com amostras simples de
mesmo que estas substituições sejam feitas de acordo
conglomerados ou em dois estágios 9, de conglomerados
com regras definidas a priori, tais como escolher como
no primeiro estágio e de indivíduos no segundo estágio.
substituto o mais próximo à direita, no sentido horário,
Discussões amplas sobre o efeito de delineamento, a
e assim por diante, é impossível assegurar que os substi-
razão entre a variância calculada de forma adequada
tutos representem os substituídos em relação às variáveis
no estudo de amostragem complexa e a que seria obtida
de interesse. Tais manobras de substituição, com regras
com uma amostra aleatória simples do mesmo tamanho,
preestabelecidas, talvez até possam obter unidades de
podem ser vistas na literatura especializada.
observação alternativas que se assemelhem às planeja-
Uma adaptação simplificada de um processo de das quanto a algumas escassas características, como o
amostragem de conglomerados em dois estágios vem local de residência, sexo ou grupo etário. Entretanto,
sendo preconizada pela Organização Mundial de Saúde, este tipo de técnica se assemelha com aquela utilizada
por meio do Programa Ampliado de Imunizações (PAI em um processo de amostragem não-probabilística, por
ou EPI, Expanded Programme on fmmunization), para quotas, no qual a conveniência dos pesquisadores de
uso em condições precárias de campo, quando as infor- campo, e não o acaso, é um dos critérios mais importan-
mações sobre a di,stribuição da população, os recursos tes na escolha das unidades finais de observação. Enfim,

204 C APÍTULO 10
a generalização da técnica de substituição de perdas que transcorre a coleta dos dados. Em outras palavras,
acaba por descaracterizar a aleatoriedade da seleção dos estarão padronizados os pesquisadores de campo quando
indivíduos, fazendo com que a amostra também deixe todos se comportarem como se fossem um único, e que
de ser probabilística, prejudicando ou inviabilizando a é invariante ao longo de toda a fase de coleta de dados
inferência dos resultados. da pesquisa.
No início do treinamento, os pesquisadores de
Seleção e Treinamento de Pesquisadores de Campo campo deverão receber instruções detalhadas sobre os
A quantidade de observações a serem feitas em um procedimentos, inclusive por escrito. Como é evidente,
estudo seccional é geralmente muito grande, como já cada informação desejada terá sua coleta treinada de
vimos anteriormente. Além disto, o ideal seria que todos acordo com o método preconizado pelo pesquisador
os indivíduos fossem observados em um único momento principal do estudo. A padronização pode ser alcançada
para evitar distorções provocadas por mudanças ocorridas por meio de técnicas de simulação ou de experimentos
que reproduzam as situações reais de medida no campo.
durante um intervalo longo de estudo. Entretanto, para isto
seriam necessários tantos observadores, ou pesquisadores Para medidas objetivas ou diretas, com ou sem utilização
de campo, quantos fossem os observados, os indivíduos. de instrumentos, em sessões de simulação de medições,
Portanto, é recomendável utilizar a maior quantidade os observadores deverão fazer medidas replicadas em
possível de pesquisadores de campo que forem permitidos indivíduos que tenham perfis semelhantes aos que com-
pelos recursos técnicos e financeiros disponíveis. põem a população-alvo do estudo. Na aplicação de ques-
tionários, os entrevistadores deverão ser acompanhados
Os pesquisadores de campo devem ser selecionados pelo pesquisador principal e seus supervisores, durante
em função de características pessoais tais como gênero, o treinamento, de início em "classe" e, posteriormente,
escolaridade, inteligência, experiência, personalidade, no ambiente real de trabalho, o "campo".
cordialidade, capacidade de persuasão, adaptabilidade a
ambientes diferentes, pertinácia e honestidade. Em geral, Os pesquisadores de campo deverão ser treinados
estas características são inerentes às pessoas. As mulhe- também em relação aos métodos de abordagem dos
res costumam ser aquelas que menos rejeição provocam indivíduos a serem entrevistados. Estes métodos serão
nos entrevistados de qualquer sexo, mas algumas vezes o fundamentais na conquista da adesão dos entrevistados
trabalho de coleta de dados é mais eficiente quando são ao estudo, e serão em grande parte dependentes de carac-
formadas duplas de pesquisadores de campo, de ambos terísticas peculiares da população-alvo. Na abordagem
os gêneros. Nem sempre aqueles com grau mais elevado inicial dos indivíduos, deverão ser fornecidas as infor-
de escolaridade, com maior capacidade intelectiva, ou mações básicas sobre o estudo, sem entretanto revelar
de maior experiência no uso de equipamentos, são os detalhes sobre eventuais hipóteses que serão avaliadas
melhores pesquisadores de campo. Estas aparentes qua- na análise, para evitar a contaminação dos resultados
lidades podem conflitar com a necessidade de pesquisa- por respostas "interessadas". Cuidado semelhante deve
dores de campo que sejam bem aceitos pela comunidade ser tomado no treinamento dos próprios pesquisadores
em estudo. Além disto, a experiência prévia pode se de campo para que a neutralidade inicial dos mesmos
contraditar com uma das características essenciais que não seja alterada.
se deseja em um pesquisador de campo, a neutralidade. É recomendável treinar um número maior do que o
O pesquisador de campo deve estar livre de precon- necessário de pesquisadores de campo, se possível o do-
ceitos sobre os objetos de estudo e os entrevistados. A bro. Inicialmente, como é óbvio, serão escalados como
presença do pesquisador de campo não deve afetar a pesquisadores de campo aqueles que demonstrarem o
medida do sujeito observado e suas percepções sobre o melhor desempenho durante as provas das sessões de
que é inquirido. Por isto, é bastante conveniente que o treinamento. Os demais observadores treinados poderão
pesquisador de campo se assemelhe aos entrevistados ser admitidos em casos de desistência ou de outro tipo
em relação a várias características pessoais, inclusive de demissão dos que iniciaram o estudo.
gênero, grupo étnico e aparência geral.
O treinamento dos observadores visa obter a pa- Execução
dronização de procedimentos na coleta de dados. A
padronização é a uniformidade da aplicação das práticas Estudo-piloto
corretas de medida ou entrevista por todos os pesqui- O estudo-piloto consiste em um ensaio que reproduz
sadores de_c_ampo, e por todo o período de tempo em todos as estratégias e os métodos utilizados na coleta

CAPÍTULO lÜ 205
de dados, em uma amostra da população-alvo especial- tados. Para isto é necessário anexar uma agenda, a ser
mente selecionada para este fim. Esta amostra-piloto preenchida pelos indivíduos, apontando os melhores
deve ser de tamanho bem menor do que a amostra de dias e horários para entrevistas e exames. Estas agen-
estudo propriamente dita, suficiente apenas para um das devem ser retornadas para o escritório central da
ou dois dias de trabalho. A intenção do estudo-piloto é pesquisa em envelopes pré-postados nos correios. O
testar de forma definitiva os instrumentos, inclusive os termo de consentimento, uma imposição ética, também
questionários, quanto a sua viabilidade e, ainda, os pes- pode acompanhar esta agenda ou ser apresentado no
quisadores de campo. Além disso, alguns dos resultados contato inicial, efetivo, entre pesquisador de campo e
obtidos no estudo-piloto poderão servir para embasar indivíduo. No termo de consentimento, além da garantia
os cálculos relativos aos tamanhos mínimos de amostra de uso de métodos inócuos para a integridade dos par-
necessários. Maiores detalhes sobre este assunto poderão ticipantes, deve ser assegurado o total sigilo dos dados
ser vistos no capítulo 23 - Tamanho da Amostra em individuais.
Investigações Epidemiológicas. Porém, os resultados É comum que a cada pesquisador de campo seja
obtidos no estudo-piloto não servirão para compor as entregue o trabalho de exame dos indivíduos que se
estimativas e os testes de hipóteses finais desejados. encontram em determinada área geográfica. Isto reduz a
Portanto, o estudo-piloto é um ensaio do que virá a ser quantidade de deslocamentos espaciais do observador,
a execução da coleta de dados, permitindo a correção e, conseqüentemente, o custo e o tempo de pesquisa.
de erros e a obtenção de informações complementares Porém, para evitar ou minimizar a influência do pes-
para o planejamento amostral. quisador do campo nos resultados do estudo, o pesqui-
Pode ser oportuno que os pesquisadores de campo sador principal poderá optar por distribuir as unidades
não tenham conhecimento dos limites do estudo- de observação, os indivíduos, aleatoriamente entre os
piloto. É preciso cuidar para que eventuais inovações e observadores, o que também significa que não só os
alterações nas rotinas de coleta de dados resultantes do indivíduos são escolhidos ao acaso para participar do
estudo-piloto sejam incorporadas de maneira uniforme estudo, como, ainda, são distribuídos para observação
por todos os pesquisadores de campo. pelos pesquisadores de campo de maneira aleatória.
Apesar de este procedimento distribuir ao acaso uma
fonte de erro de medida, o pesquisador de campo
Coleta de Dados aumenta a carga de trabalho desses observadores, e,
com isto, eleva os custos financeiros e o tempo de
A coleta de dados é a aplicação prática de todas
estudo. Esta observação reforça a grande importância
as estratégias de abordagem e métodos de tomada de
do trabalho de treinamento para padronização dos
informação que foram planejados em todos os seus
pesquisadores de campo.
detalhes pelo pesquisador principal e associados. Em
um estudo seccional, esta fase deve ser a mais curta e a Algumas compensações podem ser oferecidas aos
de concentração mais intensa de trabalho. indivíduos participantes do estudo, tais como trans-
porte de sua residência ou local de trabalho para o
Esta atividade costuma ser precedida e acompa-
centro de pesquisa, oferta de serviços para resolução
nhada pela divulgação dos objetivos gerais do estudo.
de problemas de saúde, inclusive aqueles identifica-
A divulgação pode ser de caráter coletivo, pelo uso de
dos durante a pesquisa, e ressarcimento por perdas ou
meios de comunicação de massa como rádio, televisão
indenização por danos. Os sujeitos de uma pesquisa
e imprensa escrita, e de âmbito individual, por meio de
não devem ser pagos por entrevista ou procedimento
cartas enviadas aos domicílios sorteados para a amostra. porque isto pode se constituir em uma coerção para
O ideal é a utilização de ambos, porque se reforçam sua participação, especialmente para os mais pobres.
e se complementam. A divulgação de massa confere Do mesmo modo, a oferta de brindes, na forma de
uma legitimidade aos objetivos e aos executores e seus bens de pequeno valor, que possam ser obtidos sem
patrocinadores. ônus adicional para o patrocinador oficial da pesquisa,
O contato prévio individual permite o emprego de também deve ser evitada porque se ressente do mesmo
manobras que podem resultar em maior eficiência do problema ético apontado em relação ao pagamento.
trabalho de campo. Por um lado, garante uma melhor Entretanto, o ressarcimento por perdas, tais como
uniformidade na explanação dos objetivos gerais do horas de trabalho, deve ser feito, assim como também
estudo, e por outro, ainda pode aumentar a eficiência são imperativas as indenizações por eventuais danos
do trabalho de localjzação e a abordagem dos entrevis- causados aos indivíduos.

206 C APÍTULO lÜ
Controle de Qualidade ou internados, e mesmo quando localizados podem não
Durante toda a fase da coleta de dados, o pesquisa- estar em condições de prestar as informações desejadas.
dor principal e seus associados devem estar atentos e Problema semelhante pode ocorrer com indivíduos
preocupados para que se cumpram todos os preceitos muito idosos ou com deficiências físicas, ou mentais,
previstos no protocolo. De maneira especial, deverão severas. Algumas das informações desejadas poderão ser
ser entrevistados e examinados todos os indivíduos tomadas de informantes que acompanhem habitualmente
planejados no delineamento amostral, e somente aque- estes indivíduos, em geral um familiar mais próximo. De
les, e todas as observações deverão ser feitas de acordo qualquer maneira, as informações sobre estes indivíduos
com as instruções dadas durante o treinamento. Estes poderão ser muito relevantes, devendo ser registradas,
cuidados é que são os principais alvos do controle de especialmente se o objeto de estudo estiver relacionado
qualidade, desenvolvido principalmente por meio da com a doença incapacitante desses indivíduos. O ideal é
atividade de supervisão. que tenham sido desenvolvidos instrumentos de coleta
adequados para estas situações e que estas informações
A supervisão deverá ser exercida pelo pesquisador sejam tratadas em separado ou em grupo especial.
principal e por seus associados, e também por pesquisa-
dores de campo especiais, denominados de supervisores. As fraudes mais comuns cometidas pelos pesqui-
Estes pesquisadores de campo supervisores devem ser sadores de campo consistem na omissão de entrevistas
pessoas de confiança do pesquisador principal, especial- com indivíduos disponíveis para estudo ou na "criação"
mente treinados para exercer atividades de vigilância e de pessoas inexistentes. Geralmente a origem destas
replicação de observações. Assim, uma das tarefas pri- fraudes está baseada no sistema de remuneração dos
mordiais da supervisão é evitar a perda de informações. pesquisadores de campo. Quando o pagamento é es-
Estas perdas podem ser inevitáveis, quando indivíduos tipulado somente de acordo com o tempo de trabalho,
planejados para participar do estudo não pertencem pode haver um estímulo para a fraude por "omissão".
mais à população no momento da coleta de dados. A Já quando o pagamento é feito tão-somente por entre-
probabi !idade de ocorrência deste tipo de perda aumenta vista realizada, ocorre estímulo à fraude por "criação".
quando o período decorrido entre a confecção da lista- Alternativamente, pode ser instituído um sistema misto
gem utilizada no delineamento amostral e a tomada de que premie os pesquisadores de campo que atinjam as
informações efetiva se amplia. De qualquer maneira, as metas prefixadas, consideradas convenientes para o
perdas inevitáveis refletem mudanças na composição da pesquisador principal, de um determinado número de
população de referência original. O pesquisador poderá entrevistas por períodos de trabalho.
ajustar a população final de referência em função destas Nenhum esquema de remuneração e premiação é
perdas, se forem conhecidas algumas características des- imune a fraudes. É o trabalho de replicação de obser-
tes indivíduos perdidos. Entretanto, se a seleção tiver sido vações dos supervisores que inibe as fraudes e detecta
de conglomerados tais como domicílios, e não havendo erros de procedimento no campo. Estas replicações
subtração ou adição de novos domicílios no intervalo en- consistem em visitas a uma subamostra dos domicílios
tre a listagem e a coleta, a representatividade da amostra ou indivíduos selecionados para a amostra completa do
pode ser referida à população total existente na época da estudo. Esta subamostra deve ser de pelo menos 10%
tomada de informações, desde que não ocorram perdas da amostra total, e distribuída de forma homogênea de
de indivíduos nos conglomerados selecionados. acordo com o trabalho de cada pesquisador de campo.
Não podem ser tolero.das as perdas evitáveis, espe- Isto quer dizer que, da produção apresentada por cada
cialmente aquelas por recusa ou não-localização dos pesquisador de campo, serão novamente visitados, num
entrevistados, ou ainda por perda do questionário ou intervalo de tempo o mais curto possível desde a pri-
fraude do pesquisador de campo. As recusas poderão meira entrevista, pelo menos l 0% dos indivíduos para
ser evitadas pela persuasão eficiente exercida desde a exame por um supervisor. A escolha dos indivíduos
comunicação de massa, o envio de cartas personaliza- para subamostra de supervisão deve ser feita, de modo
das, e pela correta abordagem feita pelo observador aleatório, somente depois que um certo número de visi-
de campo. A não-localização de um indivíduo pode se tas já tenham sido feitas pelos pesquisadores de campo.
dever à visitação feita em ocasião em que o mesmo não Com estas visitas de supervisão, poderão ser detectadas
se encontrava no domicílio ou local de trabalho. Neste fraudes por "omissão" e por "criação".
caso, uma nova visita poderá resolver o problema. En- Se ainda persistirem perdas, após a supervisão, o
tretanto, al~µns indivíduos poderão estar hospitalizados pesquisador principal poderá optar entre considerá-las

C APÍTULO 10 207
na estimação das estatísticas desejadas ou proceder a consistentes, do observado em relação ao esperado,
estudo especial das perdas. A correção das estimati- podem ser admitidos. A consistência pode se dever ao
vas desejadas, tendo ocorrido perdas, pode ser feita fato de que todos os pesquisadores de campo apontem
considerando que o estado dos perdidos é extremo em o mesmo desvio, em sentido e magnitude. Isto pode
relação às medidas das variáveis de interesse. Assim, ser fruto de mudanças reais ocorridas na população ou
se a intenção é estimar a prevalência de uma doença, devido aos instrumentos e regras utilizados no estudo.
pode-se supor que todos os perdidos são sadios ou to- Se as médias de peso no estudo atual diferem daquelas
dos são doentes, e a partir daí calcular uma prevalência obtidas em estudo semelhante, feito recentemente na
mínima e outra máxima. Foram desenvolvidos alguns mesma população, isto pode se dever a balanças dife-
algoritmos para o cálculo dos intervalos de confiança rentes ou métodos de pesagem diversos empregados
destas prevalências corrigidas, sendo que os interessa- nas duas pesquisas.
dos neste assunto podem consultar o livro clássico de As comparações podem ser feitas também entre os
Cochran 7• Um estudo de perdas consiste em fazer um valores observados pelos vários pesquisadores de campo
esforço adicional ao final da fase de coleta de dados para no mesmo estudo. Entretanto, deve-se lembrar que nes-
obter as observações desejadas nos indivíduos perdidos. tas comparações a hipótese nula, de homogeneidade de
A melhor opção é realizar este trabalho de recuperação resultados esperados entre os observadores, só faz sen-
em uma amostra aleatória das perdas, para concentrar
tido se a alocação de indivíduos entre os pesquisadores
os recursos disponíveis e evitar novas distorções nos
de campo tiver sido aleatória. Se a cada pesquisador de
resultados finais, causadas por vieses de seleção dos campo for designado um grupo, com atributos distintos
perdidos na primeira fase do estudo. Um estudo de
dos demais, não é possível afastar, por razão de lógica, a
perdas pode se desdobrar em fases, de tal modo que em
hipótese de que eventuais diferenças entre os resultados
cada uma se coletem informações de uma amostra das
obtidos pelos observadores se devam a diferenças reais
perdas da fase anterior.
existentes entre os grupos de indivíduos. Este aspecto
O trabalho de supervisão desenvolvido no campo, reforça a recomendação de que o ideal é a distribuição
isto é, no ambiente em que se encontram os indivíduos aleatória de indivíduos pelos observadores, ainda que
participantes do estudo, também irá permitir o monito- os custos sejam mais elevados.
ramento constante da qualidade das medidas realizadas.
Outra vigilância que se faz no controle estatístico
O confronto entre as medidas obtidas pelo pesquisador
de campo e o supervisor poderá ser analisado do ponto de qualidade é sobre os valores absurdos ou extremos.
de vista da confiabilidade, isto é, utilizando índices tais Valores absurdos são aqueles que estão aquém ou além
como o kappa, já visto antes. dos limites de registro possíveis com os instrumentos
uti lizados ou pela própria natureza dos fenômenos
Em adição, existe outro trabalho de supervisão que biológicos. Valores extremos são aqueles muito baixos
pode ser feito no escritório central da pesquisa. Este
ou muito altos, que apesar de possíveis são incomuns
trabalho também consiste em comparações, porém pode
e, portanto, devem ser avaliados com cuidado porque
prescindir da necessidade de replicação de medidas
podem representar corretamente as observações, não po-
durante a coleta de dados. As comparações podem ser
dendo ser descartados, a priori, sem verificações. Estas
feitas entre observado e esperado, de acordo com algum
verificações podem consistir no confronto com outras
conhecimento prévio ou expectativa lógica. Este tipo
medidas relacionadas àquela em que se verificou o valor
de controle é também chamado de controle estatístico
suspeito ou na replicação da medida. Por exemplo, seria
de qualidade.
altamente improvável, porém possível, que a altura de
Informações recentes sobre a população de estudo um menino de 15 anos pudesse ser de 1,90 m.
podem servir para comparar com o que é obtido du-
rante a coleta pelos pesquisadores de campo. Assim, Por fim, é possível ainda exercer outra modalidade
por hipótese, se o último censo realizado pelo IBGE 14 de controle estatístico de qualidade sobre medidas feitas
revelou que no bairro em que será coletada a amostra em escala contínua que não depende do conhecimento
do estudo 60% dos adultos eram mulheres, espera-se prévio da distribuição da característica investigada, e
proporções semelhantes de entrevistas com mulheres nem de seus limites, que é a chamada análise dos dígitos
por cada um dos pesquisadores de campo. Desvios po- terminais. O dígito terminal é o valor da unidade em cada
derão ser tolerados de acordo com testes de hipóteses medição. Por exemplo, em uma medida de pressão arte-
específicos, tais como os que se baseiam na distribuição rial sistólica cujo valor registrado em milímetros tenha
da estatística qui-qµ~drado 33 . Entretanto, alguns desvios sido 120, o dígito terminal é zero. Quando a amplitude

208 C APITULO l0
total dos valores pem1itidos pela escala de leitura do se pode verificar que as idades, em anos completos,
instrumento utilizado é razoavelmente ampla, como no mais freqüentemente declaradas pelos entrevistados em
caso das medidas de peso, altura ou pressão arterial, estudos seccionais são aquelas terminadas em O.
podemos supor que não há nenhuma razão lógica para Um dos maiores problemas causados pela prefe-
que determinado dígito terminal dos valores registra- rência por determinados dígitos terminais está relacio-
dos seja mais freqüente do que os demais. Portanto, a nado com a redução escalar, que consiste no registro
hipótese nula do teste estatístico empregado na análise de valores que, apesar de poderem ser feitos em uma
dos dígitos terminais é a de que as freqüências relativas determinada escala de medida, são aproximados para
observadas dos dígitos terminais são iguais, quer dizer, outros em uma escala com menor número de catego-
a distribuição destas freqüências é homogênea. Para rias. Um exemplo de redução escalar ocorre quando o
isso, um teste bastante simples é aquele que confronta observador, ao utilizar um esfigmomanõmetro de coluna
as freqüências absolutas observadas com as esperadas de mercúrio, que permite registro de valores em milíme-
na hipótese de homogeneidade, também chamado de tros de mercúrio (mmHg), ainda que em intervalos de
qui-quadrado (X2 ) por comparar seu resultado com o 2 milímetros, faz todos os registros em centímetros de
valor daquela distribuição. Maiores detalhes deste tipo mercúrio (cmHg), por ter aproximado todos os valores
de teste podem ser vistos em livros de estatística como lidos para aqueles terminados em O.
o de Noether. Assim, por exemplo, se num inquérito
O efeito de uma redução escalar pode se refletir
sobre hipertensão arterial os pesquisadores utilizaram
tanto sobre a precisão de uma medida, que é relacionada
um esfigmomanõmetro de coluna de mercúrio que pos- inversamente com seu desvio-padrão (a raiz quadrada
sui traços que indicam todos os valores pares, espera-se da variância), como sobre os indicadores de tendência
que em uma série de valores observados, cada dígito
central da distribuição da medida, tais como a média ou a
terminal (O, 2, 4, 6 ou 8) tenha ocorrido em 20% das proporção. Média e proporção são viesados pela redução
medidas. O teste estatístico de X 2 poderá revelar qual escalar, enquanto a precisão costuma ser diminuída por
é a probabilidade do desvio da distribuição observada
este tipo de redução. Os dados do estudo seccional sobre
em relação à distribuição esperada, homogênea, de 20%
hipertensão arterial em adultos da Ilha do Governador
para cada dígito terminal, não se dever ao acaso. podem ser utilizados para exemplificar a comparação de
Um dos achados mais comuns em distribuições de resultados segundo dois métodos de registro de leituras
dígitos terminais que se desviam significativamente da de pressão arterial. Naquela pesquisa foi utilizado um
distribuição homogênea é a concentração dos mesmos esfigmomanõmetro de coluna de mercúrio que permitia
em tomo dos valores terminados em O ou 5, quando leituras com discriminações de até 2 mmHg, o menor
este último também é permitido. Uma das explicações intervalo entre dois traços da escala do aparelho. Na
mais comuns para estas ocorrências é que nas escalas Tabela 9.3 podem ser observados as médias e os des-
de leitura dos instrumentos convencionais são gravados vios-padrão das pressões sistólica e diastólica, de acordo
apenas os valores correspondentes àqueles terminados com dois métodos de registro de valores individuais, o
em Oou 5, enquanto os demais valores são assinalados original em mmHg, e o reduzido em cmHg x 10, pela
apenas por traços, o que induz os observadores a "apro- aproximação para os valores terminados em O, obtidas
ximarem" a maioria das leituras para valores terminados naquele estudo, já levando em consideração seu deline-
em O ou 5. Instrumentos com escalas analógicas, de amento amostral complexo.
comparação, apresentam este problema. Por isto, deve-
Na Tabela 10.3 pode-se observar os efeitos mais
se dar preferência a insttumentos com painel de leitura
comuns da redução escalar: as médias estão viesadas e
digital que apresentam todos os valores possíveis, sem
ocorre perda de precisão, ainda que de pequena monta.
dar mais destaque aos terminados em O ou 5.
Entretanto, os efeitos mais drásticos da redução escalar
Além disto, não são apenas as formas de apresenta- podem ser percebidos quando se utilizam pontos de
ção das escalas de leitura dos instrumentos que levam corte em escalas originalmente contínuas, ou discretas
à concentração das medidas naquelas terminadas em com muitas categorias, para classificar os indivíduos em
O ou 5. A vai iações preconcebidas dos indivíduos, por apenas duas categorias. Isto pode ser exemplificado com
parte dos observadores, assim como hábitos culturais os dados do estudo citado quando se apresentam as pre-
de registros mais valorizados de efemérides relativas valências de hipertensão segundo o critério clínico que
à vida das pessoas, também reforçam as preferências classifica como hipertensos aqueles com sistólica maior
pelos dígitos terminais O ou 5. Assim, por parecerem ou igual a 140 mmHg, ou diastól ica maior ou igual a 90
mais impq~antes os aniversários múltiplos de I Oé que mmHg. Levando-se em conta o delineamento amostral

C APÍTULO 10 209
complexo, que levou ao exame de 1.270 indivíduos, a A seguir, vamos descrever sucintamente algumas
prevalência de hipertensão foi de 33,86% nos adultos estratégias de análise utilizadas com dados de estudos
da Ilha do Governador, utilizando-se toda a discrimina- seccionais, de acordo com o número de variáveis en-
ção permitida pelos esfigmomanômetros utilizados, de volvidas.
2 rnrnHg. Porém, se o critério de registro tivesse sido
mais frouxo, com aproximações para os valores tetmi-
nados em O, aquela prevalência teria sido estimada em Análises Univariadas
46,3 I %. A redução escalar teria implicado, portanto,
As análises univariadas são aquelas em que apenas
em urna "inflação" de cerca de 37% no número de hi-
o comportamento de uma variável é objeto de atenção.
pertensos adultos estimados para a llha do Governador.
De acordo com o que foi visto na introdução, este tipo
Estas observações podem servir para urna reflexão das
de análise procura descrever a distribuição de cada va-
práticas mais comuns utilizadas tanto na clínica corno
riável na amostra examinada, visando à referência para
em estudos de escasso rigor metodológico.
a população. De uma maneira geral, o comportamento
de uma distribuição pode ser analisado por meio de
gráficos e de estatísticas. A escolha das representações
gráficas e das estatísticas está relacionada com a escala
de medida da variável, se discreta ou contínua.
Método de Registro Sistólico Diostó/ico As distribuições de variáveis discretas com peque-
dos Leituras de Médio Desvio- Médio Desvio- no número de categorias, geralmente até dez, podem
Pressão padrão padrão ser apresentadas em gráficos de barras ou de setores,
Original (mmHg) 131,64 21,53 82,01 11,76 de freqüências absolutas ou relativas. As freqüências
Reduzido (cmHg x l O) 131,71
-
21,79
relativas, ou proporções, das categorias, podem ser
82,20 12,08
apresentadas em tabelas, como estatísticas, com seus
Fonte dos dodos: Klein et ai. 23 respectivos desvios-padrão. Nos estudos seccionais é
muito comum que a variável de interesse principal seja
discreta, com apenas duas categorias, tais como presença
Análise e Divulgação de Resultados e ausência de doença. Este tipo de variável é também
chamado de dicotômica ou binária, sendo os resultados
Nos estudos seccionais, a análise costuma exigir a apresentados em função de uma das categorias, por meio
construção de bancos de dados que possam ser proces- de proporções que, no caso de um estudo seccional, são
sados com computador. Durante a fase de coleta, pelo as prevalências. Cada prevalência pode ser apresentada
menos parte dos dados já foi analisada com a finalida- acompanhada de seu erro-padrão, que corresponde ao
de do exercício de controle estatístico de qualidade. desvio-padrão de sua distribuição amostral, necessário
O objetivo daquela análise era voltado para detectar para estimar os limites de um intervalo no qual se espera
problemas na produção dos pesquisadores de campo, que esteja contido o verdadeiro valor da prevalência
porém nada impede que algumas informações básicas na população, com um determinado grau de confiança,
sobre o conjunto dos indivíduos também sejam proces- freqüentemente de 95%. Exemplificando: no estudo
sadas, durante o controle de qualidade, para fornecer seccional da Ilha do Governador e~timou-se que 24,9%
informes parciais ou preliminares de resultados básicos. dos adultos eram hipertensos24 . Levando em considera-
Entretanto, as análises definitiv\is deverão ser feitas ção o delineamento complexo deste estudo, o cálculo
em bancos de dados editados, isto é, conferidos. Um do erro-padrão desta prevalência resultou em 1,6%,
método de conferência simples consiste na chamada portanto, esperava-se que a verdadeira prevalência de
digitação dupla, isto é, na montagem de dois bancos hipertensão arterial daquela população adulta estivesse,
de dados completos, com o mesmo conteúdo, por di- com uma probabi !idade de 95%, entre os valores 21, 7
gitadores diferentes. Programas especiais, tais como e 28, 1% (ver capítulo 24 - Associação Estatística em
um dos utilitários do Epi-lnfo (Data Compare), podem Epidemiologia: Análise Bivariada). O critério utilizado
ser usados para comparar os dois bancos e apontar as neste estudo para classificar um indivíduo como hiper-
incoerências, que deverão ser corrigidas pela consulta tenso foi misto: sua pressão sistólica deveria ser igual
aos documentos de coleta originais de "campo". Este ou maior do que 160 mrnHg ou sua diastólica deveria
processo se repete até que não existam mais diferenças ser igual ou superior a 95 mmHg, ou ainda se estivesse
entre os bancos. em tratamento específico para hipertensão arterial.
.'

210 CAPÍTULO 10
As variáveis discretas com muitas categorias e as discussão sobre as limitações dos estudos seccionais. A
contínuas podem ter suas distribuições apresentadas razão de prevalências (RP) para os dados simbólicos da
com gráficos como histogramas e polígonos de fre- Tabela JO. l é obtida com:
qüência. As estatísticas vão depender ainda de outras
características destas variáveis. Por exemplo, para uma
a
variável contínua poderá ser apresentada a média, e o
desvio-padrão ou o e1To-padrão. Para variáveis discretas
Rp = a·+b· = a·(e+ d)
e c· (a+b)
ordinais poderão ser mais adequadas estatísticas como
a mediana, e para discretas nominais, a moda. c+d
Estas análises são as mais simples e devem obri-
gatoriamente preceder aquelas mais complexas que Para exemplificar, vamos utilizar os dados de um
envolvam duas ou mais variáveis. Maiores detalhes estudo sobre o consumo de psicofármacos na Ilha do
podem ser vistos no Capítulo 18 -Análise Exploratória Governador, feito em 1994. A Tabela 10.4 relaciona o
de Dados. consumo de psicofánnacos com o gênero dos indivíduos
entrevistados.
Análises Bivariadas A prevalência de consumo de psicofárrnacos entre
as mulheres foi igual a 6, 7% (= 58/871 x 100), enquanto
Análises bivariadas são aquelas que se ocupam das que entre os homens foi de 3, 1% (= 18/588 x 100). Ara-
relações entre duas variáveis ou das distribuições con- zão de prevalências foi de 2, 18 (= (58/871 )/(18/588)). Os
juntas de duas variáveis. Um exemplo de relacionamento limites de um intervalo de confiança de 95% desta razão
ou associação entre duas variáveis dicotômicas, uma de prevalências são 1,30 e 3,65, portanto, é altamente
chamada de exposição e outra de doença, foi disposto improvável que o verdadeiro valor desta razão, na popu-
simbolicamente na Tabela 10.1. Ao discutir os usos lação, seja igual a 1, o que significaria a não- existência
e as limitações dos estudos seccionais, chamamos a de associação entre gênero e consumo de psicofárrnacos.
atenção de que a análise de associação poderia ser feita Um teste alternativo para a hipótese nula, de que esta
pela comparação entre as prevalências de doença em razão de prevalência é igual a 1 na população revelou
expostos e não-expostos. Tradicionalmente, para testar que o valor de x 2 calculado para a tabela é de 9,20 que
a associação estatística, isto é, de freqüências, entre duas está associado com uma probabilidade de ocorrência
variáveis dicotômicas ou mesmo categóricas, podem ser de 0,2% (também chamada de p-valor). Portanto, se
utilizados testes de hipóteses baseados na estatística de o critério de rejeição daquela hipótese nula havia sido
qui-quadrado (x2). fixado previamente num máximo de 5%, a probabilidade
Também podem ser criados indicadores resumidos de erro nesta rejeição é muito baixa.
daquela relação por meio da diferença ou da razão entre Contudo, não é possível inferir diretamente que o
as prevalências. Assim, podem ser testadas as hipóteses risco de uma mulher vir a fazer uso de psicofárrnacos é
de que a diferença entre as prevalências é igual a O ou 2, 18 vezes maior do que o de um homem. Isto porque,
de que a razão entre as prevalências é igual a 1. Qual- como os dados foram coletados em um estudo seccio-
quer uma destas hipóteses corresponde à de que não nal, não se obtiveram informações sobre diferenciais
há associação estatística entre as variáveis exposição e
doença. De qualquer mod0, é sempre importante lembrar
que a razão de prevalências não é necessariamente um
estimador adequado de uma razão de riscos, sejam estes
de incidências cumulativas ou de densidades de incidên-
cia, como se procura obter nos estudos longitudinais de
coortes. Uma razão de riscos quantifica quantas vezes é
maior o risco dos expostos em desenvolverem a doença
quando comparados com os não-expostos, ao passo que Mulheres 58 813 871
uma razão de prevalências tão-somente estima quantas 18
Homens 570 588
vezes mais os expostos estão doentes, quando compa-
rados aos não-expostos, na época do estudo seccional. Total 76 1.383 1.459

Os motivos r,ara estas distinções foram apresentados na Fonte dos dados: AI meido e Coutinho 11

CAPÍTULO l0 21 l
Chances de Exposição Chances de Doença

Doentes Não-doentes Doentes Não-doentes

Expostos a b Expostos a b

Não-expostos e d Não-expostos c d

de sobrevivência em coortes de mulheres e homens 10.4, vamos substituir "doença" pelo uso de psicofár-
que fazem uso de psicofármacos. Sempre é possível macos. A chance de ser mulher entre os consumidores
supor que os homens usuários de psicofármacos sejam de psicofármacos era de 3,22 (= 58 18) e entre os não-
retirados da população em idades mais precoces do que consumidores era de 1,43 (= 813/570). Portanto, a razão
as mulheres, fazendo com que seus períodos de tempo de chances prevalcntes foi de 2,26 (= (58/18)/(813/570)).
de uso de psicofármacos sejam mais curtos do que os Os limites de um intervalo de confiança de 95% desta
das mulheres, reduzindo suas probabilidades de serem razão de chances prevalentes são 1,32 e 3,85, portanto
detectados como usuários em um momento qualquer é altamente improvável que o verdadeiro valor desta
em que se realiza um estudo seccional. razão, na população, seja igual a 1, o que significaria a
Outro indicador resumido da relação entre variáveis não existência de associação entre gênero e consumo de
dicotômicas depende das chamadas chances (odds) de psicofármacos. O mesmo teste visto antes para testar a
exposição entre doentes e não-doentes, ou de doentes hipótese nula, de que a razão de prevalências é igual a l
entre expostos e não-expostos. Uma chance de exposição na população, serve para testar a hipótese nula de que a
é obtida pela razão entre os expostos e os não-expostos, razão de chances prevalentes é igual a 1, na população
ao passo que uma chance de doença é obtida pela razão de onde provém a amostra.
entre doentes e não-doentes. Utilizando os símbolos da A interpretação desta razão de chances prevalentes
Tabela 10.5, podemos calcular a chance de exposição é mais complexa do que a da razão de prevalências, que
entre os doentes com ale e a chance de exposição entre deve ser a preferida para expressão de resultados de es-
os não doentes com b/d. Da mesma maneira, a chance tudos seccionais, quando for desejada uma razão. O uso
de doença entre os expostos é calculada com alb e a tão frequente da razão de chances se deve ao fato de que
chance de doença entre os não-expostos, com e/d. As costuma se constituir na única expressão de resultado
razões entre os pares de chances fornece um outro indi- permitida em estudos de casos e controles sem base po-
cador singular resumido, da relação entre as variáveis da pulacional, isto é, que se utilizam de amostras de casos
tabela, chamado de razão de chances (odds ratio). e controles cujas frações amostrais são desconhecidas
Com os dados de um estudo seccional, como os e, além do mais, não-probabilísticas. Acresce ainda que
simbolizados na Tabela 10.5, este indicador é chama- vários algoritmos de cálculo relacionados com a razão
do de razão de chances prevalentes (RCP), e pode ser de chances foram desenvolvidos e incorporados aos
calculado alternativamente com: programas de computador que tratam bancos de dados
coligidos em estudos epidemiológicos, principalmente,
os de casos e controles.
a a
~ a·d
RCP=-=-=-
b Em estudos seccionais é possível estimar a razão de
chances prevalentes, porém é preciso tomar cuidado com
b e b·c
- - sua interpretação, pois ela não necessariamente estima
d d de forma não viesada a razão de chances que seria obtida
em um estudo que incluísse os casos incidentes, como
(a última alternativa de cálculo esclarece porque a razão geralmente ocorre em estudos de casos e controles.
de chances é também chamada de razão dos produtos É possível que a doença afete o estado de exposição,
cruzados). de modo que uma parte dos casos incidentes expostos
Utilizando ainda como exemplo os dados do estudo migre para a categoria dos não-expostos, distorcendo
sobre consumo de psicofármacos 1, dispostos na Tabela a chance prevalente de exposição entre os doentes
. '

212 C APÍTULO 10
e conseqüentemente a razão de chances prevalente. ocupar apenas de algumas, apropriadas para dados de
Exemplificando, os indivíduos que tiveram infarto do estudos seccionais, que são também utilizadas na análise
miocárdio são aconselhados a parar de fumar, de modo de estudos de casos e controles, e de coortes com tempos
que se a exposição considerada é o tabagismo, em um de acompanhamento semelhantes, procurando ressaltar
determinado momento, em que se realiza um estudo suas peculiaridades. Também vamos nos limitar àquelas
seccional, aqueles que já se tomaram casos de infarto análises que têm por estratégia elucidar a relação entre
podem ter uma chance menor de exposição ao fumo variáveis, em que uma delas é chamada de dependente
do que a que seria obtida pelo registro da exposição e as demais, de independentes. Supõe-se que as varia-
próxima ou anterior ao evento da doença. ções da dependente são causadas ou influenciadas pelas
Entretanto, a razão de chances prevalentes, obtida variações das demais, as independentes. Nos estudos
em um estudo seccional, pode ser um estimador razoável seccionais, a variável dependente costuma ser o agravo
da razão de densidades de incidência, obtida em estudos ou doença, e as independentes, os fatores de exposição.
de coortes, se a duração média da doença é semelhante Entretanto, existem técnicas de análise multi variada que
em expostos e não-expostos e o número de casos novos suportam mais de uma variável dependente e outras que
e terminados se equivale em períodos considerados de até mesmo prescindem da pressuposição da existência
tempo, em uma população estável25 . A razão de den- de uma variável dependente, sendo todas tratadas ini-
sidades de incidência é um bom indicador para testar cialmente como independentes.
associações etiológicas de doenças com fatores de É também muito freqüente que numa análise mul-
risco que permanecem atuando por períodos de tempo tivariada de dados de um estudo seccional, o interesse
muito prolongados. Maiores detalhes a respeito destes principal esteja na elucidação da associação de um
indicadores podem ser vistos no Capítulo 11 - Estudos agravo e de um fator de exposição específico, em que é
de Casos e Controles e no Capítulo 12 - Estudos de necessário levar em consideração a influência exercida
Coortes. pelas demais variáveis independentes ou fatores de ex-
A associação entre variáveis contínuas pode ser posição sobre o agravo e o fator de exposição escolhido.
analisada com indicadores tais como coeficientes de Estas influências podem se traduzir por confusão na
correlação e de regressão. Assim, por exemplo, em um relação de interesse principal ou em interação. Maiores
estudo seccional sobre hipertensão arterial, verificou- detalhes sobre confusão podem ser vistos no capítulo
se que a correlação linear entre a pressão sistólica e a 15 - Validade em Estudos Epidemiológicos, mas, por
circunferência de braço era igual 0,2486, o que significa enquanto, o que se pode dizer é que se trata da alteração
que cerca de 6, 18% (= (0,2486)2 x 100) da variação da causada por outra variável na percepção do efeito da
sistólica eram explicados pela variação da circunferên- variável de exposição sobre a dependente, o agravo ou
cia de braço. Além disso, o coeficiente de regressão da doença, e que é constante ao longo de toda a faixa de
sistólica sobre a circunferência de braço foi estimado variação desta terceira variável, chamada de variável
em 0,15. Como a circunferência de braço havia sido de confusão. Numa relação entre duas variáveis podem
medida em milímetros e a pressão sistólica em mmHg, existir outras de confusão. A interação se refere à mo-
aquele valor da regressão pode ser interpretado como a dificação de efeito produzida por uma terceira variável
expressão de que o aumento de I centímetro na circun- no efeito percebido da variável de exposição sobre a
ferência de braço era acompanhado do aumento de 1,5 dependente, na qual este efeito varia ao longo da faixa
mmHg na pressão sistóliC'.l. de variação da terceira variável, a modificadora 16 .
As técnicas multivariadas adequadas para elucidar
uma associação de interesse principal entre um fator de
Análises Multivariadas exposição e um agravo, que pode estar sendo confun-
As análises em que mais de duas variáveis estão dida ou modificada por outras variáveis, podem fazer
envolvidas são chamadas de multivariadas. Existem uso de duas estratégias básicas de análise de dados: a
várias técnicas de análises multivariadas, adequadas estratificação ou a modelagem matemática.
segundo as estratégias e a escala de medida das variá-
veis envolvidas. Detalhes sobre algumas destas técnicas ANÁLISE MULTIYARIADA POR ESTRATIFICAÇÃO
podem ser vistos em outros capítulos deste livro, como
o Capítulo 25 - Associação Estatística em Epidemiolo- A estratificação consiste na análise da relação de
gia: Anális~ c,om Múltiplas Variáveis. Aqui vamos nos interesse principal nas categorias de outras variáveis.

CAPÍTULO 1Ü 213
Os estratos serão formados pelas categorias de outras internas em destaque na Tabela 10.6, que aquela associa-
variáveis. ção só foi detectada nas mulheres. Nestas, os p-valores
Para exemplificar uma análise multivariada por dos testes são menores do que 10%, ainda que maiores
estratificação vamos utilizar os dados do estudo sobre do que 5%, o que significa que as hipóteses de igualdade
hipertensão arterial na Ilha do Governador. Naquele das prevalências de HA segundo RMD, nos dois grupos
estudo, a amostra foi planejada para ser obtida em três etários das mulheres, só poderiam ser rejeitadas caso
grupos de renda média dos domicílios, detectada algum o critério de rejeição fosse de 10%. Nos homens, as
tempo antes, durante a realização de um recenseamento diferenças entre as prevalências de HA nos grupos de
na área. Isto porque um dos objetivos principais daquele RMD não são estatisticamente significativas, portanto
estudo era saber se a prevalência de hipertensão arterial as hipóteses nulas também não podem ser rejeitadas,
(HA) estava associada com a renda média domiciliar nem com um critério mais liberal de 10%.
(RMD). A RMD foi classificada em baixa, média e alta, A comparação do sentido e da magnitude das dife-
mas, para simplificar, vamos apresentar análises que renças de prevalências nos homens e nas mulheres, de
comparam o grupo de RMD baixa ao conjunto formado acordo com os dois grupos de idade, permite também
pelos grupos de RMD média e alta. E, como é sabido levantar a suspeita de que a associação entre HA e RMD
que a HA está associada com o gênero e a idade dos pode estar sendo modificada pela idade, e de forma dife-
indivíduos, para analisar a relação entre RMD e HA é rente nos dois gêneros. É possível testar hipóteses sobre
preciso considerar as distribuições de gênero e idade nos modificação de efeito, ou seja, de interação, por meio
grupos de RMD. A Tabela 10.6 apresenta os resultados da estratificação e estatísticas adequadas. Entretanto,
de uma estratégia de estratificação, de maneira resumida. para poder estratificar relações segundo uma variável
Na célula inferior, à direita, que corresponde ao total contínua, como é o caso da idade, só é possível criar um
geral, pode-se observar que a prevalência de HA na número limitado de categorias que compreendem faixas
RMD baixa era mais elevada do que na RMD média + de valores desta variável. No exemplo, os adultos tinham
alta, porém a probabilidade de se rejeitar falsamente a idades que variavam de 20 a mais de 80 anos, porém
hipótese nula, de que a diferença entre as prevalências na análise por estratificação que apresentamos só foram
é igual a zero na população de onde provêm os dados, é criados dois estratos, com um ponto de corte situado aos
elevada, maior do que 10% (p-valor). Portanto, o resul- 55 anos. Esta redução escalar da idade redunda em perda
tado global indicaria que, aparentemente, a prevalência da sensibilidade da detecção da modificação de efeito
de HA não está associada com RMD. provocada por esta variável na relação entre HA e RMD,
em cada um dos gêneros, como se verá a seguir.
Ao estratificar a relação entre HA e RMD, segundo
dois estratos de idade (de menores de 55 anos, e de 55
ANÁLISE MULTIVARJADA POR MODELAGEM
anos ou mais) nos dois gêneros, percebe-se, nas células
A modelagem matemática consiste em submeter o
conjunto dos dados a algoritmos de cálculo que estimam
os chamados coeficientes de regressão, de acordo com
modelos lineares ou não-lineares. O modelo não-linear
mais popular é o logístico, de largo emprego em estudos
de casos e controles, mas que também pode ser usado
Rendo Méd io Grupo Etário
com os dados de estudos seccionais ou de coortes com
Gênero Do miciliar (RMD) <

55 /\nos ~ 55 Anos Total tempos de acompanhamento semelhantes, apesar de
Mulheres Baixo 20,78 72,97 31,30 ser pouco adequado nestes estudos para avaliar a in-
ns teração.
Médio+ oito 13,98 49,57 24,05
Um dos modelos matemáticos de análise multiva-
Homens Baixo 14,55 38,19 20, 16
riada é conhecido como regressão linear múltipla, que
ns ns ns
Médio + oito 20,72 32,61 24,07 pode ser descrita simbolicamente com a equação:
Total Baixo 18, 14 56,43 26,45 k
ns ns ns y=C+ LÚ3; -x;)
Médio+ oito 17,01 41,98 24,06 i=I

ns: p-volor > 10%; •: 10%>p-volor > 5% em quey representa a variável dependente, ex, ai-ésima
Fonte dos dados: Klein et oi., 1995 variável independente, de um conjunto de K variáveis.

214 CAPÍTULO l0
Os termos C, uma constante, e pi, os coeficientes de re- vel dependente é binomial. Somente alguns programas
gressão de um conjunto de kcoeficientes, são calculados dedicados a análises estatísticas são capazes de permitir
pelo algoritmo do modelo linear múltiplo. O valor de a escolha dos algoritmos adequados, o que não é o caso
C estima o valor de y quando todas as variáveis inde- de pacotes populares como o Epi-Info.
pendentes têm valor igual a zero, e cada p, representa Na Tabela 10.7 observamos que só podemos rejeitar
o incremento provocado em y pelo aumento de uma a hipótese nula (P 3 = O) no modelo das mulheres, para
unidade de X ,. Os incrementos podem ser positivos um critério de rejeição de p-valor menor do que 5%.
ou negativos. Tradicionalmente, este modelo linear Portanto, podemos assumir que a idade é modificadora
múltiplo é utilizado para estimar variáveis dependentes do efeito da RMD sobre a HA nas mulheres, mas não
contínuas, podendo as independentes ser contínuas, ca- nos homens. A Tabela 10.6 já nos fornece pistas sobre
tegóricas ou binárias. Entretanto, com certas restrições, os tipos de modificação de efeito provocada pela idade
é possível também construir modelos em que a variável que poderiam estar ocorrendo em mulheres e homens,
dependente, y, é binária, sendo que nestes casos se os porém isto fica mais claro nas Figuras 10.3 e 10.4.
valores das categorias de y são iguais a I e O, então cada
pi representa o incremento proporcional da categoria
representada por I de y, provocado por X,. O valor de y
estimado pela substituição dos valores dos coeficientes
e dos valores das variáveis, corresponde à proporção
esperada da categoria 1 de y. Estes modelos servem tam-
bém para controlar confusão e, especialmente para nosso
propósito aqui, que é testar a existência de interação, ou Coef. p-volor (%) Coef. p-volor (%)
modificação de efeito. As interações são testadas pela
RMD• -0,06486 34,3 -0,11457 19,7
inclusão no modelo de termos adicionais que consistem
em Pimultiplicados pelo produto das variáveis isoladas Idade 0,01276 0,0 0,00565 0,0
que formam a interação. RMD x Idade 0,00426 1,4 0,00211 36, 1

Retomando ao exemplo dos dados obtidos no estudo Constante - 0,33014 0,0 - 0,00511 92,8
sobre hipertensão arterial na Ilha do Governador, vamos
'Grupo de rendo médio baixo= 1; Grupo de rendo médio+ oito= O
construir dois modelos lineares múltiplos para estimar Fonte dos dados: Klein et oi. 23.
as prevalências de HA, para qualquer combinação de
RMD e idade, e para testar a existência de interação
entre RMD e idade em cada um dos gêneros. Os mo- As Figuras 10.3 e 10.4 mostram, graficamente, as
delos serão os seguintes, um para as mulheres e outro prevalências que seriam esperadas, de acordo com mo-
para os homens: delos lineares, nos dois grupos de RMD ao longo das
idades observadas no estudo, em homens e mulheres,
p_Hiperrensào=C+ P, ·RMD+ P2 · Idade+ p3 ·RMD• ldade respectivamente. Assim como se havia percebido na
Tabela 10.6, os homens do grupo de RMD baixa tinham
prevalências menores do que os de RMD média+ alta,
Neste modelo, o último termo, P3 tem por finalidade até por volta dos 55 anos, invertendo-se a relação nos
testar a existência de interação ou modificação de efeito. mais velhos. Este tipo de modificação de efeito é cha-
A hipótese nula é a de quê o valor deste termo é igual a mado de interação qualitativa, em que há inversão da
zero, que só será rejeitada se o p-valor associado com relação entre agravo e fator de exposição de interesse
a estimativa de P3 for menor do que um determinado segundo as categorias da variável modificadora. Porém,
critério de rejeição, que pode ser arbitrado em 5%. Na é preciso ressaltar que os resultados indicam que esta in-
Tabela 1O. 7 estão os resultados da aplicação de um algo- teração não é estatisticamente significativa nos homens
ritrno37 que obtém as estimativas dos coeficientes e seus e, portanto, podemos concluir que sua existência na
p-valores associados. Quando a variável dependente é população de origem dos dados é bastante improvável.
binária, como a de nosso exemplo, é importante escolher Por isto, para os homens, com a finalidade de testar a
algoritmos adequados para a estimação dos coeficientes associação entre HA e RMD, podemos construir, em
de uma equação de regressão linear, especialmente de seqüência, um modelo mais simples, que exclui o termo
seus erros amostrais. Estes algoritmos devem ser do da interação, que testa se há diferença entre as estima-
. , ou indicar que a distribuição da variá-
tipo "robusto", tivas médias de HA segundo grupos de RMD, uma vez

CAPÍTULO l0 215
que o p, correspondente representa esta diferença. Se ajustadas, de HA, segundo RMD nos homens, também
este modelo demonstrar que também esta diferença não é estatisticamente semelhante a O.
é significativa, podemos encerrar a análise com o mo-
Na Tabela I O. 7 também verificamos que podemos
delo mais simples, que só inclui a idade como variável
aceitar a existência de interação entre RMD e idade
independente. Efetivamente, no caso exemplificado, foi
nas mulheres (p-valor < 5%). Entre estas, a modifica-
este último modelo que demonstrou que somente a idade
ção de efeito provocada pela idade é do tipo interação
estava associada com a HA entre os homens.
quantitativa, pois a relação entre HA e RMD tem sua
magnitude modificada ao longo do espectro da idade,
ainda que não haja alteração de sentido. Portanto, o
Mulheres modelo final para as mulheres é aquele que contém o
0,8 - Baixa - Média + alta termo de interação, e que não deve ser reduzido para
modelos com menor número de variáveis. De qualquer
0,6
maneira, tanto para homens como para mulheres, o
a.
:e
o... 0,4 ,.•· melhor modelo para estimar as prevalências de HA é
o chamado modelo completo, aquele que contém todas
0,2 as variáveis independentes consideradas e os termos
de interação correspondentes. Para exemplificar o uso
preditivo da regressão linear para as mulheres, podemos
30 40 50 60 70 80 calcular a prevalência de hipertensão arterial esperada
Idade (Ano) de uma mulher, de RMD baixa, de 60 anos de idade,
Fig. 1 0.3 - Prevalências estimados de hipertensão arterial em
por meio de:
mulheres em dois grupos de rendo média domiciliar, segundo a idade,
de acordo com um modelo de regressão linear (Ilho do Governador). µHipertensão =- 0,33014 - 0,06486 · 1 +
0,01276 · 60 + 0,00426 · l · 60 = 0,6262 ou 62,62%

Entretanto, é neste aspecto que podemos verificar,


Homens nas mulheres, que o modelo linear múltiplo para uma
0,8 - Baixa ... Médio+ oito variável dependente binária pode apresentar problemas
0,6 sérios. Na Figura 10.3 é possível verificar que as esti-
a.
:e mativas de prevalência de HA nas mulheres de RMD
0... 0,4 média + alta são negativas abaixo de 27 anos de idade, de
forma aproximada, o que é evidentemente absurdo. Uma
0,2
prevalência, que tem as propriedades das proporções, só
o pode variar entre O e 1. Na verdade, é comum que um
modelo linear múltiplo com variável dependente binária
20 30 40 50 60 70 80
Idade (Ano) e variáveis independentes contínuas apresente este tipo
de predição impossível próximo aos limites da variá-
Fig. 10.4- Prevalências estimados de hipertensão arterial em homens
em dois grupos de renda média domiciliar, segundo a idade, de acordo vel contínua. Este problema só é evitado em modelos
com um modelo de regressão linear (Ilho do Governador). lineares em que as variáveis independentes também são
binárias, e que são completos, isto é, possuem todos os
termos possíveis de interação entre as independentes. De
A idade também não causa confusão na relação entre
qualquer maneira, para resolver problemas de estimati-
RMD e HA nos homens, porque não foi possível rejeitar vas de prevalências, que só podem recair entre os limites
a semelhança do coeficiente de regressão correspondente O e 1, é que se pode preferir um modelo multivariado
a RMD com O(zero) no modelo intermediário, que inclui não-linear, como o da regressão logística.
apenas os termos isolados, RMD e idade, sem aquele que
A expressão algébrica da regressão logística múl-
representa a interação. Isto significa que não há diferença
tipla é a seguinte:
estatisticamente significativa entre as prevalências ajus-
tadas de HA, segundo RMD nos homens, controlado o
efeito da idade por regressão, e, como se observou na
Tabela 10.6, a diferença entre as prevalências brutas, não
..'

216 CAPÍTULO l0
sendo que nesta equação y é obrigatoriamente uma
variável binária, enquanto que as independentes, X,, Mulheres
podem ser binárias, de poucas categorias, ou contínuas. 0,8 - Boixo M•Médio + oito
Portanto, em princípio, este modelo é adequado para
a. 0,6
estimativa de proporções ou prevalências. Estes modelos
:E
são muito utilizados em estudos de casos e controles o..
0,4
para estimar também razões de chances (odds ralios)
e testar hipóteses sobre estas. Aqui vamos tão-somente 0,2
comparar seus resultados com aqueles obtidos pela re-
gressão linear múltipla. Na Tabela 10.8 estão dispostos o
20 30 40 50 60 70 80
os coeficientes, cada um com seu p-valor associado para Idade (Ano)
testar a hipótese nula de igualdade do coeficiente com
O (zero), de duas equações de regressão logística, uma Fig. 10.5 - Prevalências estimadas de hipertensão arterial em
mulheres, em dois grupos de renda médio domiciliar, segundo a
para as mulheres e outra para os homens. idade, de acordo com um modelo de regressão logística (Ilha do
Governador).

Tabela 10.8
Co. . . . . de ■••wh l.aglllica de Hlpertans6o Arlwial,
Homens
Segundo . . . Mldla Domicillar (IMD), Idade• lnteraçio
(IMD X klade), de wllo com Dois Modelos lnclapatldentes, - Baixo -·Médio + oito
para . . . . . . . . Homens (Ilha do Gowmador)
0,6
Gênero Mulheres Homens a.
Vori6vel Coef. p-volor (%) Coef. p-volor (%) :E
o..
0,4
RMD' - 0,02489 97,3 - 0,94061 14,7
0,2
IDADE 0,07965 0,0 0,03077 0,0
RMD x Idade 0,01836 21,7 0,01662 2 1,1
30 40 50 60 70 80
Constante - 5,09185 0,0 - 2,54450 0,0 Idade (Ano)
*Grupo de renda média boixa = 1; Grupo de renda média + alta = O
Fig. 10.6 - Prevalências estimadas de hipertensão arterial em homens
Fonte dos dados: Klein et ai., 1995.
em dois grupos de rendo média domiciliar, segundo a idade, de acordo
com um modelo de regressão logística (Ilha do Governador).

As Figuras 10.5 e 10.6 apresentam as estimativas


das prevalências de HA nos grupos de RMD, ao longo Entretanto, na Tabela 10.8 pode-se verificar que
das idades, segundo dois modelos de regressão logística, a existência de interação entre RMD e idade deve ser
um para as mulheres e outro para os homens. Nestas rejeitada não só para os homens como também para as
figuras se percebe que os limites O e I são respeitados, mulheres, diferente do que aconteceu com a regressão
portanto, estes modelos de regressão são adequados linear, pelo menos com relação às mulheres. Nos mo-
para as predições de prevalência, em todo o espectro de delos mais simples, que se seguem na análise excluindo
amplitude da variável contínua. Para exemplificar o uso o termo da interação, a RMD é reconhecida como fator
preditivo da regressão logística nas mulheres, podemos associado com a HA entre as mulheres, mas não entre
calcular a prevalência de hipertensão arterial esperada
os homens. De qualquer maneira, o conflito entre as
de uma mulher, de RMD média + alta, de 30 anos de
conclusões a respeito da existência de interação ocorre
idade, por meio de:
freqüentemente ao se confrontarem os resultados de
regressões lineares e logísticas.
. -
P_Hipertensao 1 A regressão linear deve ser a preferida para testar
= + e-{s.0918s-o.02489-{o)t-o.o79M- bo )t-o.01RJn-(o }-(>o))
1
hipóteses relacionadas com a detecção de interações
=0,649a 6,49% relevantes para propósitos de prevenção da combina-
ção de fatores de exposição, mesmo quando a variável
dependente é binária, desde que se escolha o algoritmo
(em que e é. a, base especial dos logaritmos naturais). adequado para variável dependente de distribuição bi-

C APÍTULO l0 217
nomial. A regressão linear múltipla é capaz de detectar e com os recursos dispostos pelos patrocinadores do
a existência de interações segundo modelos aditivos, estudo. Entretanto, é fundamental que os resultados de
enquanto a regressão logística detecta interações se- um estudo seccional sejam divulgados da fonna mais
gundo modelos multiplicativos, que são mais restritivos ampla possível para a população de estudo. Afinal,
que os aditivos. A detecção de interação segundo um se uma das características essenciais de um estudo
modelo aditivo com modelos logísticos exige manobras seccional é a existência de uma população de referên-
adicionais, não-triviais, e nem sempre disponíveis nos cia, perfeitamente demarcada, é obrigatório que seus
programas mais utilizados. achados e conclusões sejam colocados à disposição
A existência de interações aditivas é utilizada para de seus sujeitos. Ainda mais que, como quase sempre
planejar a prevenção da concomitância de fatores de ocorre, as conclusões do estudo podem contribuir para
exposição. Por exemplo, se for detectada uma interação o conhecimento da distribuição dos eventos mórbidos
aditiva entre fatores tais como hipertensão arterial e uso e seus fatores associados.
de anticoncepcional oral em relação a uma conseqüência A divulgação dos resultados e conclusões relativos a
como acidentes vasculares cerebrais, ainda que a intera- agrupamentos de indivíduos pode ser feita pelos meios
ção multiplicativa tenha sido rejeitada, a suspensão do de comunicação de massa para o conjunto da população
uso de anti concepcional terá um impacto maior entre as de referência e para os grupos específicos, acompanhada
hipertensas do que entre as nonnotensas. Uma discussão de recomendações a respeito da prevenção e resolução
mais detalhada sobre modelos de interação está além do dos problemas detectados. Além disto, os resultados
escopo deste capítulo, mas pode ser vista na literatura. individuais de exames complementares, por exemplo,
A interpretação dos valores dos coeficientes das devem ser comunicados a cada um dos examinados
equações de regressão também varia segundo os mode- pelos mesmos motivos.
los linear ou logístico. Na linear os valores dos coeficien-
tes, sem tem1os de regressão, representam diretamente BIBLIOGRAFIA
as diferenças entre as prevalências da categoria de cada
1. Almeida LM, Coutinho ESF. Consumo de Psicofánnacos em
variável com aquela que foi escolhida como referência.
uma Região Administrativa do Rio de Janeiro: A Ilha do Go-
Já na logística, os coeficientes devem ser operados como vernador. Rio de Janeiro, Cadernos de Saúde Pública, 1994:
expoentes da constante e (base especial dos logaritmos 10( 1):5-16.
naturais) para se obter as razões de chance em modelos 2. Babbie ER. Métodos de Pesquisa de Survey. Belo Horizonte.
sem tennos de interação. Para se obter diretamente as Editora UFMG. 1999.
razões de prevalências podem ser utilizados outros 3. Barros AJO. Hirakata YN: Alternatives for logistic regression
modelos como regressões logarítmicas, de Poisson ou in cross-sectional stud1es: an empirical comparison ofmodels
that dircctly estimate the prevalcnce ratio. BMC Medical
do risco proporcional de Cox. Entretanto, também estas
Research Methodology 2003; 3:21. (disponível em: www.
regressões, em princípio, somente são adequadas para biomedcentral.com/1471-2288/3/21 ).
testar hipóteses sobre existência de interações segundo 4. Barros FC. Victora CG. Epidemiologia da Saúde Infantil. São
modelos multiplicativos. Paulo, Hucitec-Unicef, 1991.
5. Bolfarine H, Bussab WO. Elementos de Amostragem. São
Paulo, Editora Edgard Blücher, 2005.
Divulgação de Resultados 6. Brogan D, Flagg EW, Deming M, Waldman R. ln-
creasing the accuracy of the expanded programme on

.
Os resultados de um estudo seccional devem ser
divulgados nos meios especializados em que são relata-
immunization 's cluster survey design. Annals of Epide-
miology 1994; 4:302-11 .
7. Cochran WG. Sampling Techniques. New York, John Wiley
dos os achados dos demais estudos epidemiológicos. Os & Sons, 1977.
meios mais comuns são os periódicos não só da área de 8. Cochrane AL, Holland WW. Yalidation of screening proce-
epidemiologia, mas também aqueles relacionados com o dures. British Medical Bulletin 1971; 27:3-8.
objeto do estudo, em geral uma doença, e seus correlatos. 9. Dean AG. Arner TG, Sunki GG, Friedman R, Lantinga M.
Sangam Se/ ai. Epi lnforn, a database and statistics program
Assim, se o tema de investigação é a toxoplasmose em
for public health professionals. Centers for Disease Contrai
escolares, é natural que a publicação dos resultados se and Prevention, Atlanta, Georgia, USA. 2002.
faça em revistas especializadas em zoonoses ou infec- 1O. Fleiss J L. Statistical methods for rates and proportions. 2 ed.,
tologia, e também em pediatria. New York, Wiley, 1981.
11. Frerichs RR. Simple analytic procedures for rapid microcom-
Os resultados também podem ser publicados em puter-assisted cluster surveys in developing countries. Public
teses e livros, de acordo com o planejamento inicial Health Reports 1989; 104( 1):24-35.

218 C APÍTULO l0
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13. Herdman M. Fox-Rushby J, Badia X. A model ofequivalence in Editora Nova Cultural, 1998.
the cultural adaptation ofH RQoL instruments: the universality 27. Lemeshow S, Robinson D. Surveys to mcasure programme
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Pública 1995; 1 1(3 ): 389-94. ryland, Aspen Publishers, 2000.

CAPÍTULO l0 219
Estudos Caso-controle

Laura C. Rodrigues
Guilherme L. Werneck

PRINCÍPIOS BÁSICOS os controles podem ser vistos como uma amostra da


população que produziu os casos.
Um estudo caso-controle é um tipo de estudo ob-
Em um estudo de coorte conduzido em uma popula-
servacional que se inicia com a seleção de um grupo
ção fechada (Tabela 11.1 ), o número de casos expostos
de pessoas portadoras de uma doença ou condição
(a) e não-expostos (c), e o número de pessoas expostas
específica (casos), e um outro grupo de pessoas que
(P 1) e não-expostas (P0), são conhecidos, então o risco
não sofrem dessa doença ou condição (controles). O
em expostos (a/P 1) e o risco em não-expostos (c/ P0) tam-
propósito desse estudo é identificar características (ex-
bém são conhecidos, e a razão de riscos (RR) pode ser
posições, oufatores de risco) que ocorrem em maior ( ou
diretamente calculada da seguinte maneira: (a/P i>f(c/P0).
menor) freqüência entre casos do que entre controles. A
Uma outra medida que pode ser extraída de coortes é
proporção de expostos a um fator de risco é medida nos
a razão de chances, ou odds ratio (OR). Isto é, a razão
dois grupos e comparada. Se a proporção de expostos ao de chances (casos/não-casos) na população exposta
fator é maior entre casos do que entre controles, então (a/b), dividida pela razão de chances (casos/não-casos)
é possível que esta exposição esteja relacionada a um na população não-exposta (c/d), ou ad/bc. Observe que
aumento do risco para a doença em questão. Por outro =
P/ P 0 (b)/(d), se tanto (a) e (c) (casos expostos e não-
lado, se esta proporção é menor entre casos, então a expostos, respectivamente) ocorrem raramente na base
exposição sob estudo pode ser considerada um fator populacional, afetando pouco a magnitude de P I e P 0• Em
protetor. A Figura 11.1 mostra a estrutura básica do geral, se a incidência da doença na base populacional é
desenho de um estudo caso-controle: menor do que 10%, esta aproximação tende a funcionar,
Com freqüência é útil, ao planejar um estudo caso- e a razão de chances (ad/bc) é semelhante à razão de
controle, tentar identificar a população que produziu os riscos (a/P 1)/(c/P0).
casos e tratá-la como uma coorte (real ou imaginária) a Agora, vamos imaginar o caso-controle correspon-
qual o estudo caso-controle corresponde. Em um estudo dente a esta coorte. Na opção mais simples, nós selecio-
de coorte, existem pessoas na população de estudo que namos, para constituir o grupo de casos, todos os casos
são expostas, e pessoas que não são expostas aos fatores que surgiram de dentro da coorte, e como controles uma
que se suspeita estarem relacionados à ocorrência de amostra da população que não desenvolveu a doença de
doença. Nos estudos caso-controle, controles são sele- interesse durante o período de duração da coorte. Neste
cionados para estimar a freqüência da exposição nesta estudo caso-controle, as únicas medidas que nós temos
população. Nes~e ,sentido, nos estudos caso-controle, disponíveis são as proporções de pessoas expostas entre

C APÍTULO ll 221
Tabela 11.2
Apresentaç6o dos Dados de um Estudo Caso-controle no
qual a Exposiç6o é Dicot6mica
Casos - - - - -► Expostos
li:::: -
(doentes)
-- - -- Não-expostos Expostos
Casos Controles
a
o f.P , = b
?
Não-expostos c f.P0 = d RR
c
____ -► Expostos Total a+c b + d ?

.----
Controles
(não-doentes) --
--- . ► Não-expostos
= P/ P0 = b/d, ou seja, a razão entre controles expostos e
não-expostos (b/d) fornece uma boa estimativa da razão
entre população exposta e não-exposta (P/P 0).
Clossificação do Tradicionalmente, em estudos caso-controle, os
exposição casos são comparados aos controles com respeito à
freqüência de exposição através de uma medida de as-
Fig. 11 . 1 - Estruturo básica de um estudo coso-controle.
sociação denominada razão de chances de exposição,
que é a medida de quanto a exposição é mais freqüente
em casos do que em controles. A razão de chances de
Tabela 11.1 exposição é a chance de exposição entre casos (a/c) divi-
A p ~ dos Dados de um Estudo de Coorte no qual a
Exposiç6o é Dicot6mica dida pela chance de exposição entre controles (b/d). Isto
é numericamente igual à ra=ào de chances de doença
Casos Não-casos Total
em expostos e não-expostos, que, como vimos, pode ser
Expostos a b = P, a
a+ b calculada em estudos de coorte (e também em estudos
P,
RR caso-controle!), e que numericamente se aproxima da
c
Não-expostos e d e+ d= P0 razão de riscos em doenças raras. Vejamos:
po

os casos e entre os controles. Não temos informação Casocontrole =


sobre o número de pessoas expostas (P) e não-expostas
(P0) na população que produziu os casos. O número de
casos e controles, num estudo caso-controle, é definido
arbitrariamente pelo investigador e por definição não
reflete a relação real entre número de casos e total de Coorte
C C,
pessoas na população. Por causa deste aspecto do de- id , Po
senho de estudos caso-controle, não podemos calcular (se a doença é rara)
os riscos de doença em expostos e não-expostos, nem
podemos calcular a razão de riscçs diretamente. Por cau-
Pode-se perceber que a razão de chance de doença
sa disto, a apresentação de dados tabulares nos estudos
e a razão de chance de exposição são numericamente
caso-controle não inclui uma coluna de total, somando
similares à razão de riscos quando a doença é rara. A
casos e controles: a soma de casos e controles não tem
razão de chances (odds ratio) tende sempre a exagerar
interpretação, e uma decisão de selecionar por exemplo
o efeito que seria estimado através do risco relativo,
dois ou três controles para cada caso, em vez de apenas porém esta distorção é insignificante quando a premissa
um controle por caso, muda os valores nesta coluna. Os de raridade de doença é cumprida.
controles são amostras da população que produziu os
casos. A fração amostral (f) é a proporção da população
ESTUDOS CASO- CONTROLE E RARIDADE DA DOENÇA
que é selecionada como controle no estudo. Quando não
há viés de seleção, a fração amostral é a mesma para Ainda que tenha perdurado durante anos como uma
controles expostos e não-expostos, de modo que f.P/f.P 0 regra geral, o princípio clássico de que estudos caso-

222 CAPÍTULO 11
controle provêem estimativas válidas do risco relativo nos últimos cinco anos em mulheres entre 20-65 anos
apenas quando a doença sob estudo é rara, refere-se a de idade. Neste caso, uma definição clara e padronizada
uma situação bem específica. A aplicação deste princí- de "depressão clínica" deve ser utilizada.
pio se dá em um tipo especial de caso-controle no qual
casos e controles são selecionados após o término do
Gravidade da Doença
período de risco. Como exemplo toma-se um estudo
caso-controle sobre a associação entre tabagismo mater- O estudo caso-controle vai medir a associação entre
no e ocorrência de asma entre crianças de seis a 12 anos o fator de risco e a doença conforme ela for enunciada
de idade realizado no ano de 1990 em uma deterrninada na definição de caso. Fatores de risco podem variar para
cidade. Se o grupo de casos é formado pela totalidade os diferentes graus de gravidade de uma doença. Neste
de casos de asma ocorridos durante o ano de 1990 e sentido, toma-se importante considerar se o evento de
o grupo-controle por crianças sem asma selecionados interesse é definido em termos de, por exemplo, mor-
após o término do período de estudo (p. ex., em janeiro bidade, mortalidade, infecção, seqüela etc. Por exem-
de 1991 ), então a premissa de raridade de doença é plo, se o interesse é na investigação do papel protetor
necessária para que a razão de chances seja um bom da vacina anti-sarampo contra casos graves, é melhor
estimador da razão de riscos. fazer um estudo de casos de sarampo hospitalizados do
Entretanto, uma concepção mais geral de estudos que um estudo com casos de sarampo que ocorrem na
caso-controle, mostra que a exigência da raridade de comunidade.
doença não é necessária para que a razão de chances
seja um bom estimador do risco relativo. Este "novo
'{ .
Casos Incidentes Versus Casos Preva/entes
olhar" (inicialmente explicitado na década de 1970
por Olli Miettinen e discutido por Laura Rodrigues em Uma questão importante a ser considerada é se serão
1992) considera que para todo estudo caso-controle incluídos no estudo casos prevalentes ou casos inciden-
existe uma coorte subjacente (imaginária ou concreta) tes. Casos incidentes são casos novos que surgem dentro
composta pela população de indivíduos de onde os casos de um período fixo de tempo, enquanto casos prevalen-
se originaram ('"base populacional"). Isto será discutido tes são os indivíduos com a doença em questão em um
em maior detalhe na seção final deste capitulo. determinado momento no tempo (ou período curto de
tempo). Casos prevalentes incluem pacientes que podem
DEFINIÇÃO E SELEÇÃO DOS CASOS
estar doentes em longo tempo, e usualmente excluem
casos que já morreram, ou se recuperaram, e podem
No processo de definição e seleção de casos para ser diferentes em terrnos do seu perfil de exposição,
um estudo caso-controle é importante ter critérios claros quando comparados com casos incidentes. Três pontos
para definir a doença, a sua gravidade, e se serão incluí- importantes devem ser considerados: casos prevalentes
dos casos incidentes (casos novos) ou casos prevalentes. ainda estão vivos, ainda estão doentes (e, portanto, o
O estudo é mais fácil de conduzir e analisar quando a grupo inclui uma proporção maior de casos com doença
fonte inclui todos os casos em uma população claramen- de longa duração), e podem ter modificado seus hábitos
te definida, de modo que a coorte correspondente seja (ou "exposições") por causa da doença. Quando casos
de fácil identificação. Por exemplo, todos os casos de prevalentes são utilizados, os primeiros dois pontos
uma doença que se apresentam a uma rede de centros levam à identificação de fatores de risco para a doença
de saúde, entre membros ~e um sindicato, funcionários e também de fatores, que, embora não relacionados à
públicos, ou mesmo todos os casos em hospitais de uma etiologia, têm associação com o tempo de duração da
cidade. Entretanto, isto não é sempre possível. doença. O último ponto pode levar a erro na avaliação
da infonnação sobre o verdadeiro nível de exposição
ao qual o caso estava submetido antes de desenvolver
DEFINIÇÃO DE CASO (DEFINIÇÃO DO DESFECHO DE
a doença.
INTERESSE)

Critérios acurados para a definição de caso são Fontes de Seleção de Casos


essenciais em estudos caso-controle. Em geral, os cri-
térios podem ser baseados em achados laboratoriais, p. Quais casos serão recrutados para um determinado
ex., tipo histológico de câncer, ou podem ser definidos estudo é um aspecto que precisa ser cuidadosamente
clinicamente..,p. ex., um ou mais episódios de depressão considerado. As fontes dos casos podem ser unidades

C APÍTULO 11 223
de atenção à saúde (hospitais, centros de saúde, ambu- socioeconômico, e com mesmo acesso a este nível de
latórios), sistemas de informação em saúde (notificações atenção médica dos casos.
de doenças infecciosas, registro de câncer), ou mesmo a
busca dos casos que ocorrem na comunidade, podendo
DEFINIÇÃO E SELEÇÃO DE CONTROLES
eles ter ou não procurado um serviço de saúde. O grupo
de casos pode ser composto por pacientes que procuram DEfiNIÇÃO DE CONlROLES
um determinado hospital e cumprem os critérios para
definição de caso, p. ex., todos os recém-nascidos de Controles devem preencher os mesmos critérios
baixo peso da maternidade Carmela Outra ocorridos utilizados para a definição de caso, exceção feita aos
entre 1985-1992, ou todos os casos de sarampo diagnos- critérios relacionados à definição da doença a ser estu-
ticados em centros de saúde na rede de centros de saúde dada. Por exemplo, se os casos são mulheres de 14 a 44
na cidade de Santo André. Alternativamente, a fonte de anos de idade com artrite reumatóide, então os controles
casos pode ser a própria comunidade, sendo retirados devem ser selecionados dentre mulheres com a mesma
de uma população definida durante um período fixo de idade sem a doença em questão. O número de casos e
tempo, p. ex., todos os casos de diarréia identificados controles não precisa ser igual, mas aumentar o número
pelo estudo em uma comunidade durante um ano. Co- de controles a mais do que quatro controles para um
munidade neste caso não precisa ser uma área geográ- caso não eleva substancialmente o poder do estudo. Se
fica: pode ser a rede escolar, uma fábrica etc. É comum o número de casos não for limitado, é melhor aumentar
pensar que se os casos forem selecionados em unidades o número de casos mantendo a relação de um caso para
de saúde, os controles também devem ser selecionados um controle.
em unidades de saúde. lsto é uma falácia. Independen-
temente da fonte de casos, a melhor fonte de controles Seleção de Controles e Viés de Seleção
é aquela que permitir selecionar um grupo-controle que
corresponda a uma amostra representativa da população O grupo de controles deve ser composto por uma
que produziu os casos. Em geral, em estudos de base amostra representativa da população que deu origem
hospitalar a identificação da coorte correspondente é um aos casos. Quando os controles não são representativos
ponto crítico, qual seja, é dificil delimitar a base popula- da base populacional que produziu os casos, o viés de
seleção é introduzido no estudo.
cional que deu origem a estes casos e, por conseguinte,
proceder a uma seleção apropriada de controles. Para Uma forma de avaliar a possibilidade de viés de
identificar esta base populacional deve-se considerar seleção é definir a coorte (real ou imaginária) que sub-
como os casos escolhidos se relacionam a todos os casos jaz ao estudo caso-controle e considerar se os controles
que preenchem os critérios utilizados para a definição selecionados são uma amostra representativa destaco-
de caso, mas por vários motivos não foram incluídos orte. Outra maneira é checar se estes controles seriam
no estudo devido a recusas ou a diferenças no acesso a selecionados como casos neste estudo se eles viessem
serviços de saúde, na sobrevivência de pacientes e nos a desenvolver a doença sob estudo.
sistemas de referências para hospitais especializados. É fundamental garantir que o processo de seleção
Toda a vez que a definição de caso depende de um seja independente do status de exposição dos controles.
procedimento diagnóstico que não é realizado freqüen- Isto é, controles não devem ser selecionados com maior
temente, a população que produziu os casos é a popu- ou menor freqüência em função do nível de exposição
lação de pessoas que teria utllizado este procedimento que apresentem, mas devem simplesmente prover in-
se tivesse apresentado os sintomas. Por exemplo, em formação acerca da distribuição da exposição na base
estudos para investigar a relação entre dieta e colelitíase, populacional que deu origem aos casos.
se a definição de caso depende da realização de exames Se os casos são selecionados como uma amostra
invasivos como a colangiografia venosa, é possível que de todos os casos (ou mesmo a totalidade dos casos)
somente um subgrupo dos casos com sintomatologia incidentes numa população definida durante um deter-
mais leve seja diagnosticado, apenas porque estes minado período de tempo, então os controles devem
indivíduos têm maior acesso à atenção médica. Se o ser selecionados para representar esta população. Esta
acesso a este tipo de serviços de saúde depende do nível população pode, mas não precisa, ser geograficamente
socioeconômico da população (o que, por sua vez, afeta definida. Fontes de populações definidas incluem mui-
os hábitos alimentares das pessoas), os controles apro- tos tipos de listagens: crianças registradas em centros
priados devem representar as pessoas do mesmo nível de saúde ou escolas, adultos registrados em clubes,

224 C APÍTULO 11
associações, sindicatos; listas de endereços, listas de mas controles obtidos desta fom1a tendem a ser mais
habitações do censo, até mesmo listas telefônicas. Se similares aos casos em termos demográficos e sociais,
os casos fazem parte desta população definida (e você o que poderia levar a discrepâncias entre a distribuição
pode resolver excluir do seu estudo os casos que não da exposição que se pretende estimar (a da população
fazem parte desta população), os controles devem que originou os casos) e aquela que efetivamente este
ser uma amostra representativa desta população. Por tipo de controle oferece.
exemplo, se a população de estudo for definida como a
Existem situações em que não se consegue definir
população com telefone em casa, os casos sem telefone
claramente qual a base populacional que deu origem aos
são excluídos, e os controles poderão ser selecionados
casos, em especial quando estes são selecionados em um
através de procedimentos aleatórios de amostragem via
determinado hospital, tomando a escolha dos controles
ramal telefônico. Como, em geral, o prefixo telefônico
um procedimento pouco óbvio. As diretrizes são, como
corresponde a regiões específicas, então é possível
sempre, tentar imaginar a população-base - qual é a
identificar os prefixos correspondentes à área geográfica
população de onde estes casos estão se originando? Em
da população que se quer amostrar, e aleatoriamente
geral, isto depende da natureza da doença ou condição
selecionar os quatro números n:stantes. Assim, sem ter
sob estudo. Se existe algum mecanismo de seleção
a necessidade de ir ao local, pode-se travar um primeiro
para os indivíduos que são atendidos neste hospital ou
contato com os potenciais controles, explicar os obje-
clínica - p. ex.: em áreas rurais, casos hospitalizados
tivos da investigação, garantir a participação e agendar
são indivíduos que desenvolveram doenças dentre uma
local e hora para a entrevista. Este procedimento é útil
em regiões onde a cobertura telefônica é alta. população que consiste em pessoas que têm acesso à
assistência médica - , então os controles devem ser
Se os casos são recrutados a partir de uma lista de selecionados dentre pessoas que dariam entrada neste
admissões hospitalares, mas este hospital cobre todos os hospital caso viessem a desenvolver qualquer doença de
casos da doença em questão (no nível de gravidade es- gravidade semelhante àquela definida para casos.
pecificado na definição de casos do estudo) que ocorrem
em uma população definida, então, de novo, os controles Esta definição pode incluir também pacientes hospi-
devem ser amostrados a partir desta população. Em talizados no passado ou no presente. A escolha de con-
ambas as situações fica razoavelmente claro qual a base troles "hospitalares" adequados é um desafio e deve-se
populacional de onde os casos surgiram, e, portanto, de tomar cuidado redobrado para evitar o viés de seleção.
onde os controles devem ser selecionados. Idealmente, Pessoas hospitalizadas são pessoas doentes e têm maior
uma amostra probabilística (p. ex., amostra aleatória tendência a terem sido expostas com maior freqüência
simples) desta população poderia ser utilizada para a uma série de fatores adversos, quando comparadas à
selecionar controles, porém nem sempre isto é factível população geral.
devido à ausência de listas completas dos moradores da É surpreendentemente simples escolher de forma
região, e também por questões de custo. Alternativas inadvertida um grupo-controle que tenha uma preva-
incluem amostras em múltiplos estágios, baseadas em lência de exposição mais alta, ou mais baixa, quando
setores censitários. comparado com a população geral. Por exemplo, em um
Uma opção alternativa é selecionar controles que estudo para investigar o papel do álcool no desenvolvi-
moram na mesma vizinhança dos casos, definindo mento do câncer de mama, o uso de controles oriundos
a população base como os moradores da vizinhança do serviço de emergência do mesmo hospital em que os
dos casos. Nesta situação, para cada caso seleciona-se casos foram selecionados pode induzir viés de seleção,
um (ou mais) controle(s) que mora(m) em residências porque este grupo de pacientes sabidamente consome
localizadas a uma certa distância e direção da moradia mais álcool do que a população em geral. Então, a
do doente. Este procedimento diminui os custos do seleção de controles "hospitalares" deve ser precedida
processo de seleção, mas pode ser ineficiente, pois de uma cuidadosa avaliação de qual(is) doença(s) são
invariavelmente existirão habitações vazias (pessoas ou não sabidamente relacionadas com a exposição que
trabalhando ou na escola) e/ou vizinhos não dispostos o estudo deseja investigar. Por exemplo, ao estudar o
a colaborar, sobretudo em decorrência do aumento da papel do tabagismo no câncer de pulmão, não seria
violência nas áreas urbanas. Uma outra opção alternativa indicado selecionar como controles pacientes portado-
é solicitar ao caso o nome de uma pessoa (melhor amigo, res de doença pulmonar obstrutiva crônica, pois estes
parente, vizinho etc.) para ser entrevistada como con- sabidamente têm um excesso de exposição ao tabaco
trole. PrQvavelmente o nível de colaboração será maior, quando comparados com a população que deu origem

C APÍTULO l l 225
aos casos. Se insistíssemos em selecionar controles deste • este sintoma (sangramento uterino) conduziria a
tipo, é possível que o estudo fosse incapaz de detectar a mulher a um exame ginecológico;
associação entre fumo e câncer de pulmão, um exemplo
• uma investigação ginecológica revelaria a presença
clássico de viés de seleção. Em geral, é preferível incluir
de câncer de endométrio que de outra fonna poderia
no grupo-controle pacientes com uma grande variedade
passar despercebido;
de doenças, as quais se imagina não serem relacionadas
com a exposição em questão. • conseqüentemente, a taxa de detecção de câncer de
endométrio seria maior entre mulheres que tivessem
Uma alternativa comum é a utilização de dois ou
tomado estrogênio do que entre mulheres que não
mais tipos de grupo-controle, mas esta estratégia tam- tivessem tomado. Ou seja, o processo de inclusão de
bém pode provocar problemas: os dois grupos-controle
casos no estudo seria função da exposição, gerando,
podem gerar resultados diferentes, levando a situações portanto, um viés de seleção que resultaria numa
nem sempre de fácil interpretação. Por exemplo, em um superestimação do risco relativo.
estudo sobre o efeito potencial da radiação no desen-
volvimento de leucemia em crianças, os casos foram Este argumento foi questionado por diversos auto-
selecionados dentre aqueles indivíduos com leucemia res. O principal contra-argumento era de que, ainda que
linfóide aguda que deram entrada no hospital X e dois a administração de estrogênio tornasse mais precoce
grupos-controle foram selecionados dentre pacientes o diagnóstico, seria esperado que os cânceres de en-
que também deram entrada neste hospital: 1. controles dométrio (não in situ) fossem, quase invariavelmente,
progredir a ponto de causar sintomas que levariam ao
com câncer de cérebro e; 2. controles com traumatismos
diagnóstico.
diversos. Os resultados do estudo foram discrepantes,
tendo sido identificada associação entre radiação e Como estamos vendo, a escolha de um grupo-con-
leucemia apenas quando os casos foram comparados trole adequado é a parte mais dificil na elaboração de um
ao segundo grupo-controle. Qual a explicação para estudo caso-controle. O principal lema a considerar é:
os resultados? Será que a radiação também é um fator controles existem para representar a distribuição da ex-
de risco para câncer de cérebro? Será que as mães das posição na população de onde os casos se originaram.
crianças com câncer cerebral se lembram mais das
exposições pré-natais à radiação do que as crianças
AFERIÇÃO DA EXPOSIÇÃO E VIÉS DE b°FORMAÇÃO
com traumatismos? Será que o grupo-controle com
traumatismo estaria por alguma razão menos exposto Dados sobre exposição podem ser coletados de
à radiação do que a população-base que originou os várias maneiras: por meio de entrevistas pessoais, por te-
casos de leucemia? lefone ou através de questionários enviados pelo correio;
Mais rara, porém possível, é a introdução de viés na pelo exame de registros médicos ou ocupacionais; ou a
seleção de casos. Isto acontece quando casos expostos partir de amostras de material biológico (p. ex.: sangue
têm maior chance de serem selecionados para o estudo ou outros tecidos). A questão fundamental é garantir que
do que casos não-expostos (ou o oposto). Uma área a informação coletada seja acurada e não influenciada
onde isto foi descrito é no estudo de reações adversas a pelo fato de o indivíduo ser um caso ou um controle.
vacinas. Um outro exemplo onde esta possibilidade foi Pelo simples fato de que em estudos caso-controle os
discutida é a controvérsia relativa à interpretação dos indivíduos são selecionados com base no status de doen-
resultados de vários estudos caso-controle conduzidos ça, estes estudos são particularmente vulneráveis ao viés
no início dos anos 1970 para investigar a associação de informação, isto é, o fato de o indivíduo ter ou não a
entre estrogênio artificial e o risco de câncer de endo- doença sob estudo pode influenciar a captação correta
da informação sobre se a pessoa foi ou não exposta ao
métrio. Alguns desses estudos encontraram uma forte
fator de interesse. Isto é particularmente verdadeiro
associação (OR = 9) para câncer de endométrio entre
quando a informação sobre exposição depende da me-
mulheres que haviam tomado estrogênio. Entretanto,
mória dos participantes do estudo. É preciso considerar
Horowitz e Feinstein argumentaram que um sério viés
também que casos e controles podem ser mais ou menos
de seleção poderia explicar estes achados. Estes autores
motivados para participar do estudo e podem diferir na
ponderaram o seguinte:
qualidade da informação que provêem, em especial no
• estrogênio artificial causa sangramento uterino, a que diz respeito a questões "delicadas" (p. ex.: acerca
despeito da presença ou não de câncer de endo- de práticas sexuais, violência familiar, renda, aborto
métrio; prévio etc.). Em estudos caso-controle é sempre melhor,

226 C APÍTULO 11
quando possível, obter info1mação a partir da revisão de dados não-enviesada. A informação deve ser coletada
registros criados antes da doença ter sido diagnosticada de uma maneira objetiva e o mesmo tipo de formulário
por pesquisadores "cegos" ao status de caso ou controle e questionário, tipo e local de entrevista, utilizados para
da pessoa cujo registro está sendo revisto. casos e para controles.

Viés do Respondente PAREAME'.'iTO EM ESTUDOS CASO-C'O!\TROLE

Viés do respondente refere-se à situação em que a ?areamento se refere ao procedimento pelo qual,
informação sobre exposição.fornecida pelos participlm- para cada caso selecionado, são recrutados um ou mais
tes do estudo difere em função de ser ele um caso ou um controles idênticos com relação a certas característi-
controle. Um exemplo é o viés de memória: ser doente cas outras que não o fator sob investigação. Embora
pode influenciar as respostas dadas a certas questões. controles existam para representar a população que
Um exemplo clássico é o de mães de crianças nascidas produziu os casos, pareamento é uma maneira de ga-
com malformação congênita. Estas mães tendem a se rantir que o grupo de casos e controles venha de uma
lembrar mai<; acerca do uso de medicações durante a população semelhante também em termos de certas
gravidez do que as mães cujos filhos nasceram sem mal- variáveis. Variáveis demográficas, como idade e sexo,
formação. O viés do respondente pode ser minimizado são comumente utilizadas no pareamento, mas pode-se
na medida em que os participantes do estudo desconhe- parear por outras variáveis como local de residência,
cem as hipóteses sob investigação. Viés de memória é nível socioeconômico, ou paridade da mãe. A decisão
raro em exposições que não dependem de julgamento sobre parear ou não, e a escolha das variáveis a serem
subjetivo ("quantos filhos vivos você tem") e é evitado utilizadas no pareamento, devem ser feitas considerando
por obtenção cega da informação de registros anteriores as características de cada estudo. As variáveis a serem
ao diagnóstico. Sempre que possível, deve-se garantir utilizadas no pareamento são aquelas suspeitas de serem
que casos e controles tenham o mesmo incentivo para variáveis de confusão (também denominadas variáveis
recordar eventos passados, e sejam entrevistados em de confundimento): o pareamento tem como objetivo
locais semelhantes, usando o mesmo questionário. torná-las eqüitativamente distribuídas entre casos e
controles, desfazendo a associação entre a variável de
confusão e a doença (nem todas as \ariáveis de confusão
Viés do Observador devem ser pareadas isto será discutido mais adiante).
Viés do observador refere-se à situação na qual o Em um estudo sobre a relação entre consumo de álcool
processo de obtenção da inforrnação pelo investigador na gravidez e baixo peso ao nascer, por exemplo, o
difere se o informante é um caso ou um controle. É tabagismo da mãe foi considerado um importante fator
plausível que, na medida em que o entrevistador conheça de confusão. Neste contexto, pareamento levaria a que
o status de caso ou controle e a hipótese sob estudo, para cada caso (filho de baixo peso) cuja mãe tivesse
ele tenda, em situações limítrofes (p. ex.: participante fumado na gravidez, um controle seria selecionado cuja
relata que fuma ocasionalmente, apenas em situações mãe também tivesse fumado (ou, mais precisamente,
sociais), a classificar os casos como expostos (i. e., são fumado uma quantidade semelhante) durante a gravi-
tabagistas) e os controles como não-expostos (i. e. , não dez; e para cada caso cuja mãe era não-fumante, seria
são tabagistas) apenas porque ele "crê" na hipótese do recrutado um controle cuja mãe também não tivesse
estudo de que tabagismo é fátor de risco para câncer de fumado durante a gravidez.
bexiga. Uma outra maneira pela qual o investigador pode Entretanto, ao contrário do que se observa em estu-
introduzir viés é entrevistando diferentemente os casos dos de coorte, o pareamento em estudos caso-controle
e controles. Por exemplo, o investigador pode aceitar não leva diretamente ao controle do confundimento.
uma resposta relatando não-exposição do controle, mas Isto se dá porque, em estudos de coorte, o pareamento
insistir com os casos ("tem certeza que você nunca fu- opera apenas na relação exposição-confundimento, já
mou? Nunca mesmo, nem muito tempo atrás ... "). Ide- que a doença ainda está por ocorrer. Em outras palavras,
almente, o entrevistador deve desconhecer as hipóteses num estudo de coorte o pareamento faz com que a coorte
sob estudo e também desconhecer quem é caso e quem exposta e a coorte não-exposta sejam comparáveis em
é controle. Em situações reais é muito dificil alcançar relação à freqüência do fator de confusão; e a diferença
uma situação como esta, e os entrevistadores devem ser na ocorrência da doença é atribuível à presença da ex-
.,
treinados extensivamente para realizar uma coleta de posição. Em estudos caso-controle, o pareamento toma

CAPiTULO 11 227
casos e controles semelhantes em relação à freqüência bem definidas é justamente criar a situação em que não
da variável de confusão. Mas como casos e controles sabemos exatamente o que está sendo controlado.
podem ter uma freqüência diferente de exposição, o
pareamento leva a uma distribuição alterada da freqü-
PAREA~tE:--.TO POR FREQÜÊ;\'CIA
ência de exposição entre controles. Em suma, em um
estudo caso-controle, o pareamento opera na relação Uma alternativa ao pareamento individual é o pa-
doença-confundimento-exposição, e, portanto, requer reamento por freqüência. Nesta abordagem, uma vez
que a comparação de freqüência de exposição se dê escolhida a variável a ser pareada, o processo de recru-
dentro de cada par de caso e controle. Se isto não for tamento dos participantes é conduzido monitorando-se o
feito, e na medida em que a variável de pareamento é de número de casos e controles em cada estrato da variável
fato uma variável de confusão, a associação sob estudo de pareamento, garantindo que haja a mesma proporção
é alterada em direção ao valor nulo (não-associação), de controles e casos nos estratos. Por exemplo, em um
já que toma semelhante a freqüência da exposição em estudo em que se decida parear por sexo, ao fim de cada
casos e controles. Este viés em direção ao valor nulo é semana os pesquisadores determinam qual é a proporção
imposto pelo pareamento e só pode ser corrigido através de homens entre os casos e entre os controles. Se esta
de uma análise pareada. Portanto, é fundamental notar proporção não é a mesma, na semana seguinte recruta-se
que, toda vez que o estudo caso-controle for pareado, mais controles do sexo sub-representado. O pareamcnto
a análise também tem que ser pareada, comparando a por freqüência requer análise estratificada, e não-pareada
freqüência de exposição dentro de cada par. (Quadro 11. 1).
Existem outras maneiras de se controlar para fa-
tores de confusão em estudos caso-controle (p. ex.:
Quadro 11.1
restrição, estratificação e modelos de regressão), mas o
pareamento para variáveis que são confundidoras pode Vantagens e Desvantagens do Pareamento
aumentar muito o poder do estudo, em especial quando em Estudos Caso-controle
a variável de confusão está fortemente associada à do-
ença. Portanto, o objetivo principal do pareamento em Vantagens do Pareamento
estudos caso-controle é evitar a situação de confusão
• Quando a variável a ser utilizada no pa-
e aumentar a eficiência do estudo. Por exemplo, num
reamento é um forte fator de confusão, o
estudo de câncer, devido à força de uma associação entre
pareamento aumenta a eficiência do estudo
câncer e idade, se não houver pareamento por idade, a
e, portanto, diminui o tamanho da amostra
maioria dos casos tenderia a ser de idosos e a maioria
necessária. Particularmente útil em estudos
dos controles de jovens (refletindo a estrutura etária da
pequenos sobre doenças raras em que exis-
população brasileira!).
tem muitas variáveis de confusão.
Pareamento para variáveis que não são confundi-
• Permite o controle de variáveis que são difí-
doras diminui o poder do estudo, em especial quando
ceis de medir (como o "estilo de vida", perfil
esta variável é somente associada à exposição ou é
genético etc.). Isto é possível quando se usa
uma variável intermediária (ou interveniente) quando
para o pareamento variáveis como vizinhan-
se considera a relação entre a exposição e doença, qual
ça, ser amigo ou membro da família.
seja, uma variável que é deterrn~nada pela exposição e,
por sua vez, causa a doença. • O conceito de pareamento, uma vez enten-
dido, é simples e faz sentido, é convincente
Finalmente, pareamento pode ser útil para controlar e mais fácil de ser explicado a um leigo do
o efeito de variáveis de confusão que são difíceis de que, por exemplo, estratégias baseadas em
especificar e quantificar. Ao utilizar no pareamento modelos de regressão logística.
variáveis como vizinhança, ser amigo/nomeado pelo
caso, ser sócio do mesmo clube, membro da família etc., • Uma vez pareado (e feita a análise pareada)
casos e controles tenderiam a ser mais semelhantes no pode-se "esquecer'' esta variável de confusão
que diz respeito a fatores tais como nível socioeconô- (mas não completamente, pois há sempre a
mico, exposições ambientais, facilidades de acesso a possibilidade de confundimento residual).
serviços de saúde, hábitos de vida, fatores genéticos etc.
A desvantagem de pareamento por confundidoras não

228 CAPÍTULO 11
Desvantagens do Pareamento razão de chances (OR) de três, por exemplo, significa
que a exposição ao fator sob estudo aumenta em três
• Pode ser difícil, caro e demorado encontrar vezes a chance de adoecer. Por outro lado, uma razão
controles com as características necessárias de chances de 0,5 significa que a chance de doença cai
para serem pareados a cada caso. Isto piora à pela metade quando pessoas estão expostas ao fator
medida que aumenta o número de variáveis a sob estudo, neste caso denominado fator de proteção.
serem usadas no pareamento. Por exemplo, Uma razão de chances igual a um significa que não
parear por idade, classe social, número de fi- existe associação entre a exposição e a doença. Ainda
lhos e hábito de fumar simultaneamente pode que inadequada, é comum a utilização do termo risco
ser extremamente difícil. É recomendado não relativo para denominar genericamente as medidas de
usar mais de três variáveis no pareamento. associação do tipo razão mais utilizadas em epidemio-
• Uma vez que uma variável é usada no parea- logia (i.e, a razão de riscos, a razão de taxas e a razão
mento, não é possível investigar a associação de chances). Neste sentido é que se diz que a razão de
dela com a doença estudada. chances (OR) estima o risco relativo, quando na verdade
ela pode ser um bom estimador para a razão de taxas e
• Para possibilitar a seleção de um controle
razão de riscos, para apenas uma delas, ou ainda, para
pareado, normalmente é necessário entrevis-
nenhuma das duas medidas.
tar o caso antes do controle para classificá-lo
quanto à variável de confusão, aumentando o É importante salientar que, quando uma associação
risco de viés. E, dependendo da variável de é encontrada, o investigador deve sempre considerar
pareamento, pode ser preciso entrevistar os a possibilidade de este resultado ter ocorrido apenas
controles potenciais (às vezes muitos), para devido ao acaso, viés de seleção, viés de informação ou
obter informação sobre as variáveis usadas controle incompleto das variáveis de confusão (confun-
no pareamento e, finalmente, selecionar os dimento residual).
controles a serem incluídos no estudo. Também existe a possibilidade de que a exposição
• A apresentação dos dados é mais difícil e a seja resultado da doença (causalidade reversa). Por
interpretação, menos evidente. exemplo, mesmo se uma associação entre dieta e câncer
de estômago é encontrada em um estudo caso-controle,
• Para controlar por outras variáveis de confu-
existe a possibilidade de que dieta não seja uma cau-
são é necessário o uso de regressão logística
sa mas uma conseqüência do câncer, ou seja, após o
condicional, já que o controle para estas
diagnóstico do câncer a pessoa modificou seus hábitos
variáveis adicionais não pode ser feito via
alimentares devido à doença.
estratificação na análise pareada.
A razão de chances é calculada de maneiras diferen-
tes em estudos pareados e não-pareados, estratificados
Superpareamento (overmatching) ou pareamento e usando regressão logística.
excessivo pode ocorrer quando a variável utilizada para
pareamento fizer parte do processo causal, localizando- Análise de Estudos de Caso-controle
se entre a exposição e a doença (variável intermediária Não-pareados
ou interveniente) ou, simplesmente, quando a variável
confundidora estiver ass,ocíada muito fortemente à ex- Em estudos não-pareados, o número de casos e con-
posição (deforma que o pareamento se aproxima de um troles expostos ou não ao fator sob investigação pode ser
pareamento pela exposição). O superpareamento tem o apresentado em uma tabela 2 x 2, como na Tabela 11.3.
efeito de diminuir muito o poder do estudo ou mesmo,
em casos extremos, enviesar o resultado em direção ao Tabela 11.3
valor nulo, mesmo quando a análise é pareada. Apresentap dos Dados de um Estudo Caso-controle
N6o-pareaclo no qual a bposip e Dlcol6mica
Casas Controles Total

Expostos o b a + b o
A principal medida de associação estimada em ?
estudos caso-controle é a razão de chances (odds ratio Não-expostos e d c+d RR
e
- OR). A razão de chances é uma medida da força da --
Total o +c b +d n ?
associação.entre
, a exposição e a doença sob estudo. Uma

CAPÍTULO 11 229
Como visto previamente, a ra=ào de chances (odds ESTUDOS COM MAIS DE UM NíYLL DE EXPOSIÇÃO E
ratio) é calculada através da chance de exposição (odds SFM ESTRATIFICAÇÃO
ofexposure) entre casos (a/c), dividida pela chance de
exposição (odds of exposure) entre controles (b d): QuA'\D0 HÁ \li '\JS DE L,'1.1 :--iVELDE EXPOSl<.,Ao (P. l:X.,
'\\O-F1.,M ANlES, FUM ANlES r FX-FUM AJ\,lfS; NAO-VACl"'1\DOS,
\i-\CINADOS COM L,M A DOS[, VACl!\ADOS C0\1 l)L,AS DOSES
ai 1'1C.), C\DA '\IVE:LDI: LXPOSIÇÃO É C0\11 PAAADO C0\1 O '\IV[L
1c axd
= "'1AO EXPOSlO.

,~d bxc U'l.1 A TABELA C0\11 DOIS '\ÍVEIS DF EXPOSIÇÃO SERIA


AP RESF'JT,\DA CONIOR.\-1 F DFSCRllO :-JA T f\BELA ) ) .4.

Quando o estudo é apropriadamente desenhado, esta


medida estima o risco relativo. Tabela 11.4
Apresentap dos Dados•
um Estudo Calo-controle
N6o--pmHClo no qual a hpaeip tem mais • Duas
Testes de Significância Estatística e Intervalos de _ •aorias
, _ _ - ~ - - - - ~ -Cat
Confiança para a Razão de Chances Casos Controles Total
Expostos (nível mais alto de
EsTuDOS COM Ex POSIÇÃO ÜICOTÔMIC A f- SL M exposição - nível 1 l a b a+ b
ESTRATIi IC AÇÃO
Expostos (nível mois baixo
de exposição - nível 2) e d c+ d
PAR\ n-sTAR A 111Pó1EsL "-LLA Ho: OR = 1 (1s10 1, ,,
IIIPOll:.S[ D[ QL,[ 'Ji\0 f:.XISlT ASSOCIAÇÃO íNlRI A D01 '-(,A Não-expostos e e+ f
1 O l·AlOR [S[L,DADO) PODE-SI UllU/AR O lESll DL X (qui-
2 Totol o+c+e b+d + f n
quadrado) com um grau de liberdade para tabelas 2 2
(ver detalhes sobre o qui-quadrado no capitulo Proba-
bilidade e Distribuição de Probabilidades), da seguinte Para o nível de exposição 1, assumir n 1 = a + b+
maneira: e -t f:

2 (ad-bc'j xn
X = - , - --,--,-'---,--'---,-___,,.--,-
(a + b )x (c + d )x (a + e)x (b +d)

(a+ b) x (e+/) x (a+ e) x (h + /)


Este teste funciona bem nas situações em que
a amostra é grande (em especial quando o número Para o nível de exposição 2, assumir nl = c -t d +
esperado de ocorrências em cada uma das caselas da e+ f:
tabela é maior que cinco). Quando esta premissa não
é verdadeira, então testes exatos ou corrigidos (p. ex.,
o teste com correção de continuidade de Yates) devem
ser utilizados.
OR= %=cxf
Um intervalo de 95°1 0 de confiança aproximado para
a razão de chances (OR) pode ser calculado utilizando-se
1J dxe

o método de Wolf, como a seguir:


(cf- be)2 X n~
xz=---------------
(c + d) x (e + /) x (e + e) x (d+/)
/n(OR)±l,96✓½ + ¼+ ½+ ¼
. . . .
{11 +li+
[ -1,96,la li + 1i ]
I h /e ! d Estudos comEstratificação pira Variáveis de
Lm11temfenor :(OR)xe
Confusão
1/+l1/b +;1/e +l1/d ]
[ +1.96 ,a Estudos caso-controle pareados individualmente
limite superior: (OR) x e não podem ser estratificados. Estudos pareados por
' ,

230 CAPITULO 11
freqüência devem ser analisados usando estratificação Na medida em que as duas razões de chance (OR 1 e
pelas variáveis usadas no pareamento de freqüência. OR2) são similares, faz sentido estimar uma medida de
Estudos não-pareados e pareados por freqüência podem associação que resuma os achados das duas tabelas. Esta
usar estratificação para o controle do confundimento. medida é denominada odds ratio de Mante! Haenszel
Na estratificação, casos e controles são separados em (ORMH). Vale ressaltar que existem testes estatísticos
estratos de acordo com níveis de variáveis de confusão e que podem ser aplicados para a avaliação da hipótese
a análise (cálculo de razão de chances, x2 e intervalos de de que estas medidas estratificadas sejam ou não simi-
confiança) é realizada separadamente para cada estrato. lares, como por exemplo o teste de Woolf para avaliar
Se a razão de chances for semelhante nos estratos, uma a homogeneidade das OR através de diferentes estratos.
"medida resumo" única pode ser produzida, que é uma Se OR 1 e OR2 são diferentes, então estamos frente a um
média ponderada da razão de chances nos estratos, e fenômeno denominado modificação de efeito (muitas
então um intervalo de confiança é calculado para esta vezes também denominado de interação) e não faz
medida sumária. Esta medida resumo é dita a razão
sentido calcular a ORMH"
de chances "controlada" para a variável de confusão
(Mantel Haenszel odds ratio). A OR,1H nada mais é do que uma média ponderada
da razão de chances nos estratos. No exemplo anterior a
Na situação mais simples, em que a variável de
OR,1H pode ser calculada conforme descrito a seguir:
exposição é dicotômica e existe apenas uma variável
de confusão também dicotômica, a análise estratifi- Pois bem, neste exemplo, a ORMH é uma medida
cada se resume a duas tabelas. A Tabela 11.5 a seguir resumo da associação entre uso de contraceptivo oral
apresenta um exemplo de estratificação em um estudo e infarto do miocárdio, controlando para o potencial
caso-controle para investigar o papel do uso de contra- efeito de confundimento da idade. Mas idade é mes-
ceptivos na ocorrência de infarto do miocárdio. O status mo uma variável de confundimento nesta situação?
de exposição, neste caso, é definido segundo o uso ou A maneira operacional mais simples de avaliar esta
não de contraconceptivo oral, casos são pessoas com questão é comparando a ORMH com a OR não ajustada
diagnóstico de primeiro infarto de miocárdio, controles (OR".), ou seja, aquele que obteríamos em uma tabela
são pessoas sem história de infarto e oriundas da mesma 2 x 2 simples, apenas com a exposição e o desfecho,
base populacional que deu origem aos casos, e a idade sem levar em consideração a possível variável de
foi considerada um importante fator de confusão. confusão.
No exemplo anterior, OR"ª = [(13 + 12) X (720 +
,.....11.5 663)] / [(59 + 14) x (45 + 158)] = 2,33, valor bem menor
ApN,.....p1o . . ..._ CcllO ClOllllole no qual do que a ORMH" Pela definição operacional de confundi-
•••••l1l1 ••••l11doa .......
.........
-•=•1la por
'Rlnllll6ni Dicallrica mento, toda a vez que OR"ª 'l:'-ORMH há confundimento e
a medida de associação que deve ser utilizada é aquela
Estrato 1 (i = 1) Estrato 2 (i = 2) ajustada para o efeito do confundimento, ou seja, a
Idade = 30-39 anos Idade = 40-49 anos
OR\1w Como mencionado anteriormente, é importante
Cosas Controles Total Casos Controles Total notar que nem toda diferença entre OR"ª e ORM 11 indica
Expostos 13 59 72 12 14 26 situação de confusão, já que pequenas diferenças po-
dem ocorrer apenas em função de variação aleatória.
Não-expostos 45 720 765 158 663 821
É também comum utilizar critérios que incorporam a
Total 58 837 170 677 847 magnitude da diferença, por exemplo, somente uma ra-
zão entre ORMH e OR110 superior a 10% seria considerada
Com base nesta tabela pode-se calcular duas ra- indicativa de confundimento.
zões de chances (OR 1 e O~), uma para cada estrato
Dito isto, torna-se necessário testar a hipótese
de idade:
nula de que ORMH = 1 através de testes de signifi-
cância e intervalos de confiança. O cálculo manual
OR = 13x720 =3 53
1
59x45 ' de intervalos de confiança para a ORMH é bastante
complicado e não será apresentado neste capítulo.
OR = 12x663 = 3 60 O teste de X2 MH (qui-quadrado de Mantel-Haenszel)
2
14xl58 ' pode ser calculado para o exemplo anterior, conforme
descrito a seguir:

C APÍTULO 11 231
OR _ I,[(a 1 xd1 )! n, ] _ [(13x720)/83 7]+ [(12x 663 )/847 ] _
3 56
MH - I,[(b1 xci)lni] - [(59x 45)/837]+ [(14 x l5 8)/847] - '

2 {![(a1 xd1 )/n1 ]J _ {D3- (72 x58/837)]+ ~2- (26x l70/847)]}2


X MH 2637
L, v; - Knx765x 58x779)!(837f (836):t K26x82 Ix l 70 x677)/(847[ (846)f '
Onde:
O=a
1 1

E; = [(ai+ b) x (a, + c)Jlni


Vi= [(ai+ b) x (a,+ e) x (b, + d) x (e,+ d)}/[(n/ x (ni- l )]
i = índice para cada estrato, neste exemplo i = 1,2

Análise de Estudos Caso-controle Pareados Para testar a hipótese nula Ho : ORp = l (isto é, a
Individualmente hipótese de que não existe associação entre a doença
e o fator estudado) pode-se utilizar o teste de x2 \1c.'ljcmar
"
Se o estudo é pareado, toma-se necessário realizar
(teste de McNemar), da seguinte maneira:
uma análise pareada de cunho um pouco mais complexo,
tendo em vista o número de pares concordantes e discor-
dantes no que diz respeito à exposição. Por exemplo, um 2 _ (lb-ci-IJ
par em que o caso é exposto mas o controle é não-expos- X McSemar - (b + C)
to (ou vice-versa) é denominado "par discordante". Um
"par concordante" é aquele em que tanto o caso como
o controle têm o mesmo nível de exposição. A Tabela Um intervalo de 95% de confiança aproximado pode
11.6 apresenta como são construídas tabelas 2 x 2 para ser calculado utilizando-se o método a seguir:
apresentação destes dados:

Tabelo 11.6
Ap,1111llall• . . DadOI • um Estudo Caso-co11lrole
Pc.audohldiviclualmant•
Controle Exposto Controle Não-exposto
[-196✓(V+} J]
Limite infe rior: ORP xe 1, '

Coso exposto o b
[+196~]
Coso não-exposto e
1 d Limite infe rior: ORP xe b e

A soma a + b + c + d é o número total de pares


formados por casos e controles. Em estudos pareados, Ajuste para Múltiplas Variáveis de Confusão com
os únicos pares cuja informação é relevante para a esti- Regressão Logística
mativa da OR são os chamados pares discordantes em
A regressão logística é um poderoso instrumento
relação à presença da exposição (na Tabela 11.6, b e c).
Quanto maior for o número de pares discordantes em que estatístico para estimar a magnitude da associação (OR)
o caso é exposto e o controle não, comparado ao número entre um fator de risco e uma doença (ou evento) de
de pares discordantes em que o controle é exposto mas o interesse, após ajustar simultaneamente para o efeito
caso não, maior será o OR para a exposição investigada. de variáveis de confusão. Em geral, o uso da regressão
Esta relação é sintetizada pela fórmula: logística está indicado quando o desfecho de interesse
é dicotômico (p. ex.: doente vs. não-doente), multicate-
górico (p. ex.: doente, infectado sem sintomas ou sinais
clínicos, não-infectado), ou ordinal (p. ex.: não-doente,
doente oligossintomáticos, doentes graves e óbitos).

232 C APÍTULO 11
Este modelo é uma variante de uma equação de A fração atribuível nos expostos (FA E) é calculada
regressão linear múltipla em que o logaritmo neperiano da seguinte maneira:
(ln) da odds (chance) de adoecer (variável dependente)
é expresso como uma função de uma série de variáveis FAE = OR-1
independentes (fatores de risco). Os coeficientes obtidos R
através de regressão logística indicam o efeito de um
fator específico sobre o logaritmo da odds de adoecer A fração atribuível na população (FAP) pode ser
quando todas as outras variáveis são mantidas constan- calculada de duas formas:
tes. A razão de odds (razão de chances ou odds ratio)
para o fator em questão corresponde ao antilogaritmo
desse coeficiente e reflete a magnitude da associação FAP= 1t x(OR-1)
investigada após controlar simultaneamente por um OR
número variado de fatores de confusão.
FAP= Px(OR-1)
Regressão logística pode ser usada em estudos pa- Px(OR-1)+1
reados (regressão logística condicional) e não-pareados
(regressão logística não-condicional). As desvantagens onde 7t é a proporção de expostos entre os casos e P
da regressão logística são a necessidade de um compu- é a proporção de expostos na base populacional, ou
tador com programas estatísticos, e o fato de que, como seja, entre os controles (desde que os controles sejam
em todo modelo, assume-se que os dados têm certas representativos da população em termos de idade, sexo
características, por exemplo, que o risco associado com etc.).
cada variável é multiplicativo e constante em todos os
estratos das variáveis que estão sendo controladas e,
ainda, que o logarítmo da chance de adoecer aumenta O Novo OLHAR, A PREMISSA DA RARIDADE DA
DOENÇA E A SELEÇÃO DE CONTROLES
linearmente com a intensidade da exposição à variável. É
possível, no entanto, modificar-se o modelo para acomo- Retomamos aqui a discussão iniciada anteriormente
dar mudanças nestas premissas, embora com freqüência sobre o fato de que a seleção apropriada de controles
os modelos sejam usados sem essas adaptações. permite a estimativa do risco relativo (tanto da razão
Uma outra desvantagem do uso de regressão lo- de taxas quanto da razão de incidência) mesmo em
gística é a não-visualização dos dados, o que limita a doenças comuns.
habilidade de julgar a validade das conclusões apresen- Este "novo olhar" considera que para todo estudo
tadas no estudo. O uso de regressão logística deve ser caso-controle existe uma coorte subjacente (imaginária
precedido, ou usado em paralelo, de métodos pertinentes ou concreta) composta pela população de indivíduos de
mais simples que permitam explorar e familiarizar o onde os casos se originaram ("base populacional").
investigador e o leitor com os dados existentes.
Estudos caso-controle podem ser conduzidos nas
situações em que a coorte subjacente é do tipo fecha-
FRAÇÕES ATRIBUÍVEIS EM ESTUDOS da. Em estudos de coorte com populações fechadas, a
CASO-CONTROLE
medida de associação de maior interesse é a razão de
Em estudos caso-controle não é possível a estimativa riscos (risco relativo), ainda que a razão de taxas possa
direta das taxas de incid\!ncia para as diferentes catego- ser calculada. Nesta situação também se pode aplicar
rias de exposição ou para a população como um todo, a idéia de que o estudo caso-controle nada mais é do
a não ser que se tenham informações sobre a fração de que uma estratégia eficiente de amostragem da base
amostragem para casos e controles (em outras palavras, populacional.
sobre o número de pessoas na população que produziu Vamos imaginar primeiro uma coorte fechada, em
os casos, e a proporção de todos os casos da população que a população base é definida em um momento e se-
que foi incluída no estudo). Do mesmo modo, também guida ao longo do tempo para detecção da ocorrência
não é possível calcular os riscos (taxas) atribuíveis de novos casos, e o cálculo das incidências acumuladas
entre expostos ou para a população total (ver Capítulo (riscos) de acordo com níveis de exposição leva direta-
9 - Medidas de Associação e Medidas de Impacto). mente à estimativa de riscos relativos. Imaginemos que,
Entretanto, é possível calcular as frações atribuíveis nos após o término do seguimento, alguns investigadores
expostos e na população. desejam avaliar a associação entre o nível de prostaglan-
' <

CAPÍTULO 11 233
dina sérica medida no início do estudo e a ocorrência de de mulheres em decorrência de morte ou emigração.
infarto do miocárdio ao final de dez anos de seguimento. No cômputo geral o tamanho total da população não
Imaginemos, também, que este exame laboratorial não muda. Ao longo destes cinco anos pode ser identificado
foi realizado na época do recrutamento da coorte, porém o total de casos de fraturas de colo de fêmur ocorridas
existem amostras de sangue estocadas. Uma solução em mulheres acima de 50 anos que usavam ou não
seria pegar as amostras sangüíneas de todos os membros terapia de reposição hormonal (fator de exposição).
da coorte e realizar o exame requerido para o estudo. No Também se pode calcular o total de pessoas-tempo para
entanto, este pode ser um exame muito caro e inviável de as mulheres expostas (P 1) e não-expostas (P0 ) à terapia
ser realizado em todos os indivíduos. Uma alternativa é hormonal. A medida de efeito de interesse neste caso é
realizar um estudo caso-controle que se origina dentro da a razão de taxas. Vejamos como uma simples reexpres-
coorte. Todos os casos que ocorreram ao longo dos dez são algébrica da razão de taxas de incidência (RTI), em
anos são selecionados e, após a realização dos exames geral a medida de associação de interesse em estudos
para mensuração dos níveis de prostaglandina sérica nas de coorte com população dinâmica, pode nos auxiliar a
amostras de sangue estocadas, irão prover informação compreender esta visão:
sobre a chance de exposição entre casos (a/c). A seguir,
amostra-se também uma fração dos indivíduos que esta-
vam presentes no início da coorte (controles). Estes irão
prover informação sobre a chance de exposição (b/d) na a a
= Pie
base populacional que deu origem aos casos. A razão e
de chances de exposição nesta situação é um estimador RTI
da razão de riscos, sem que se necessite da premissa de
Pi
raridade de doença. Vale notar que entre controles assim Po Po
,#'
selecionados é possível que sejam detectados indivíduos
que viriam a se tomar casos, mas isto não é problema,
pois também em estudos da coorte o denominador A razão (a/c) é denominada de chance de exposição
do risco inclui pessoas que eram livres de doença no (exposure odds) entre os casos e é observada diretamente
início do estudo e vieram a se tomar doentes posterior- tanto em estudos de coorte quanto em estudos caso-
mente. Este subtipo de estudo caso-controle é também controle. Em estudos caso-controle a razão de taxas
denominado "caso-base". Nesta situação controles são não pode ser calculada diretamente porque a chance de
selecionados para representar a população sob risco no exposição na base populacional (P / P0) não é observada.
início do período de interesse. No entanto, P/ P0 pode ser estimada através da razão
entre indivíduos expostos e não-expostos sob risco de
Controles também poderiam ser selecionados dentre
adoecer que existem na base populacional de onde os
os membros da coorte (correspondente ao estudo caso- casos se originaram. Amostrando-se indivíduos durante
controle) que estão livres de doença no momento em o período em que os casos foram identificados, está se
que cada caso ocorre. Nesta situação os controles são
levando em consideração não apenas seus números
selecionados para representar o conjunto das pessoas-
relativos, mas também a duração do tempo que eles
tempo na coorte subjacente ao estudo caso-controle. Os passaram no estado de exposto ou não-exposto (isto
controles são pareados aos casos no que diz respeito ao
é, pessoa-tempo na base populacional). Então, em um
tempo de seguimento: cada controle representa a popu-
estudo caso-controle, os controles passam a ser vistos
lação em risco no momento,em que o caso ao qual ele
como um grupo de pessoas em que o status de exposição
está pareado foi diagnosticado. Neste subtipo de estudo provê informação acerca da distribuição da exposição na
caso-controle, também chamado "caso-coorte", a odds
base populacional que deu origem aos casos. Neste caso,
ratio é um estimador da razão de taxas de incidência sem
a OR é um estimador da razão de taxas de incidência sem
qualquer premissa acerca da raridade de doença.
levar em conta a premissa de raridade de doença. Objeti-
Vamos agora considerar uma população dinâmica, vamente, em todas estas situações e sem levar em conta
em estado de equilíbrio (steady state), composta por a raridade da doença, a razão entre controles expostos e
mulheres acima de 50 anos e residentes de uma cidade controles não-expostos (b/d), também denominada de
em particular. Durante um período de cinco anos a chance de exposição entre controles, é uma estimativa
composição da população se modifica com a entrada de (P/ P0), sejam P 1 e P0 indivíduos originários de uma
de novas mulheres em decorrência de imigração ou por coorte fechada, ou pessoa-tempo despendido na base
completarem 50 anos. Também se modifica pela saída populacional (coorte aberta).

234 C APÍTULO 11
BIBLIOGRAFIA

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para se obter informação sobre a distribuição 4. Brinton et ai. Oral contraceptives use and risk of invasive
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porque apenas uma amostra da coorte subja- lung. Brit. Med. J., 13(2):1271-86, 1952.
cente, os controles, é necessária para se obter 7. Filho VW et ai. Effectiveness of BCG vaccination against
informação sobre a distribuição da exposição tuberculous meningitis. WHO Buli. OMS, 68: 69-74, 1990.
na base populacional). 8. Gardner MJ. Considerations in the choice ofexpected numbers
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menor do que em estudos de coorte, pode-se Med. Lav., 77: 23-47, 1986.
empregar exames e/ou testes caros e/ou labo- 9. Gordis L. Epidemiology. W. B. Saunders, Philadelphia,
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• Relativamente rápido (não há a necessidade de
Brown & Co., 1987, p: 132-52.
se esperar pelo desenvolvimento da doença, na
medida em que os indivíduos são selecionados 11. Horowitz RI, Feinstein AR. alternative analytic methods for

com base no stàtus de doença). case control studies of oestrogens and endometrial cancer. N.
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controlar a consistência das técnicas de men-
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Limitações 14. Lilienfeld AM, Lilienfeld DE. Foundations of Epidemiology
(2nd Edition). Oxford Univ Press, 1980.
• Mais suscetível a vieses de seleção (porque
15. MacMahon B, Trichopoulos D. Epidemiology: principies and
necessita selecionar controles que sejam re-
methods. 2nd ed. Little, Brown & Co., Boston, 1996.
presentativos da população que deu origem
16. Miettinen O. Estimability and estimation in case-referent
aos casos).
studies. Am J Epidemio!. 103 :226-235, 1976.
• Mais suscetível a vieses de informação (na 17. Rodrigues L, Kirkwood BR. Case-control designs in the study
medida em que o ~tatus de exposição é deter- of common diseases: updates on the demise ofthe rare disease
minado após o diagnóstico da doença). assumption and the choice of sampling scheme for controls.
• Dificuldades para assegurar a correta seqüên- lnt J Epidemio!. 19:205-13, 1990.
cia de eventos. 18. Rodrigues LC, Smith PG. Case control approach to vaccine
• Inadequado para a investigação de exposições evaluation: efficacy and adverse reactions. Epidemiological
raras, a não ser que o risco atribuído à exposi- Rev. 21:56-72, 1999.
ção na população de estudo seja muito alto. 19. Rosner 8. Fundamental of Biostatistics. 4th ed. Duxbury,
Belmont, 1995.
• Não é possível obter estimativas de incidência
20. Rothman KJ, Greenland S. Modem Epidemiology. 2nd ed.
da doença (a não ser que o tamanho da popu-
Lippincott-Raven, Philadelphia, 1998.
lação que produz os casos seja conhecido).
21. Sackett DL. Bias in analytical research. J. Chron. Ois., 32:
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CAPITULO 11 235
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236 C APÍTULO 11
Estudos de Coorte

Cláudia Medina Coeli


Eduardo Faerstein

INTRODUÇÃO fatores que podem confundir ou modificar a associação


entre a exposição principal e o desfecho.
Estudos de coorte são estudos observacionais em que
a situação dos participantes quanto à exposição de inte- Da mesma forma, vários tipos de desfechos podem
resse determina sua seleção para o estudo, ou sua classi- ser investigados, tais como a mortalidade (geral ou por
ficação após a inclusão no estudo. Esses indivíduos são uma determinada causa), a incidência de doenças (ex.:
monitorados ao longo do tempo para avaliar a incidência câncer de pulmão) e as mudanças ao longo do tempo
de doença ou de outro desfecho de interesse 1• nos níveis de um marcador biológico de progressão de
doença (ex.: decréscimo na contagem de células CD4+
Assim como outros tipos de pesquisas epidemioló- em pacientes HIV-positivos) ou de aspectos comporta-
gicas, estudos de coorte podem ser conduzidos com di- mentais (ex.: níveis de atividade física)3.
versas finalidades, incluindo a avaliação da etiologia de
doenças (ex.: associação entre fumo e câncer de pul- Um determinado fator pode ser tratado ora como
mão) ou de sua história natural (ex.: evolução de paci- exposição, ora como desfecho. Por exemplo: em um
entes HIV-positivos) e o estudo do impacto de fatores estudo hipotético que procure avaliar a associação en-
prognósticos (ex.: marcadores tumorais e evolução de tre hábitos de dieta e de atividade física com a ocorrên-
câncer), intervenções diagnósticas (ex.: impacto da re- cia de obesidade, esta última seria tratada como
alização de colpocitologia sobre a mortalidade por cân- desfecho. Em outro estudo, que fosse desenvolvido para
cer de colo uterino) e terapêuticas (ex.: impacto do tipo avaliar a associação entre os diferentes níveis de obesi-
de tratamento cirúrgiôo de fraturas de colo do fêmur dade e os padrões de mortalidade, a obesidade seria
em idosos sobre a mortalidade). tratada como a exposição de interesse.
Diferentes tipos de "exposição" podem ser estuda- Em estudos de coorte, o pesquisador define datas
das, incluindo exposições ambientais propriamente di- de início e de final do seguimento dos participantes; du-
tas , de natureza química ou física (ex.: radiação, rante este intervalo são colhidas informações sobre a
exposições ocupacionais), comportamentos relaciona- exposição de interesse, sobre covariáveis (variáveis
dos à saúde (ex.: tabagismo, dieta, atividade física), ca- confundidoras e modificadoras) e sobre o(s) desfecho(s).
racterísticas biológicas (ex.: pressão arterial, colesterol É importante ressaltar que o momento da coleta, pelo
sérico), e fatores socioeconômicos (ex.: escolaridade, investigador, das informações sobre esses eventos e
renda), entre outros2. Em análises específicas de dados características, nem sempre coincide com o momento
prospectivos, cada um desses fatores pode ser explora- da sua ocorrência de fato. Os estudos de coorte são
do como a exposição principal de interesse, ou como classificados em concorrentes (também conhecidos

C APÍTULO 12 237
como prospectivos) e não-concorrentes (também de-
Estudo Concorrente
nominados retrospectivos ou históricos) em função da Avaliação do associação entre peso ao nascer e
relação temporal entre o início do estudo (coleta das mortalidade neonotol•
informações) e a ocorrência do desfecho. Nos estudos
não-concorrellfes, tanto a exposição como o desfecho Exposlpo Desfecho
Peso ao nascer Mor1olidode
já ocorreram antes do início do estudo. Nos estudos
co11corre11tes, a exposição pode (ou não) já ter ocorri-
do antes do início do estudo. mas o desfecho ainda não ► S,m
< 2.500
ocorreu; desta maneira, o pesquisador deverá acompa-
► Não
nhar a população do estudo por um tempo suficiente-
mente longo para permitir que os casos do desfecho de
interesse ocorram4 • ► S,m
~2.500
Na parte superior da Figura 12. l apresentamos o
► Não
diagrama relativo à investigação da associação entre
baixo peso ao nascer (peso inferior a 2.500 g) e a mor-

talidade neonatal precoce (mortalidade entre nascidos Primeiro semana de vida
vivos durante a primeira semana de vida) avaliada em
um estudo de coorte concorrente conduzido no Brasil Investigador
por Victora, Barros & Vaughan5 • Neste estudo todos os
nascimentos hospitalares ocorridos na cidade de Pelo- Estudo Não-concorrente
tas, Rio Grande do Sul, no ano de 1982, foram investi- Avaliação do associação entre uso de cocaína pelo
gestante e prematuridade'
gados por uma equipe de pesquisadores que visitavam
diariamente as quatro maternidades da cidade. As mães
eram entrevistadas e pesadas no hospital, e os recém- lbpoaipo Desfecho
Uso de cocofna Prematuridade
nascidos eram pesados logo após o parto. Os cartórios
de registro da cidade eram visitados regularmente para
► Sim
a identificação dos óbitos. Trata-se de um estudo con-
Sim
corrente, pois o desfecho (mortalidade neonatal preco-
► Não
ce) ainda não havia ocorrido antes do início do estudo.
A informação sobre o baixo peso ao nascer também foi
► Sim
obtida concorrentemente, no entanto, a história de abor-
Não
to prévio, outra exposição avaliada no estudo, foi colhi-
► Não
da de forma retrospectiva a partir da informação
fornecida pela mãe durante a entrevista. ►
Gravidez Â
Em contraste, o trabalho realizado por Handler, Kistin
e Davis6 é um exemplo de estudo de coorte não-concor- Investigador
rente. Estes autores procuraram investigar a associação
entre o consumo de cocaína matemo e a ocorrência de o. delineamento empregado por Victoro, Barros & Voughon 5•
diferentes desfechos perinatais. Na parte inferior da Figu- b. delineamento empregado por Hondler et oi•.

ra 12.1 é apresentado o diagrama deste estudo relativo ao Fig. 12.1 - Estudos de coorte concorrente e não-concorrente.
desfecho prematuridade (nascimento com menos de 37
semanas de gestação). Os autores utilizaram como fonte
de dados o banco de dados de registros perinatais da Uni- to. A informação registrada no banco de dados sobre o uso
versidade de Illinois ( University of Illinois Hospital Pe- de cocaína foi em alguns casos baseada na informação
rinatal Registry). Todos os registros de nascimentos fornecida pela gestante, enquanto em outros foi baseada
ocorridos durante o ano de 1988 foram revisados para a na realização de screenings toxicológicos na mãe ou na
obtenção das informações sobre o uso de cocaína pela criança. Trata-se de um estudo de coorte não-concor-
mãe, de outras covariáveis de interesse (ex.: tabagismo) e rente, pois todas as informações (exposição, covariáveis e
dos desfechos perinatais. A mulher era considerada ex- desfecho) foram colhidas após o desfecho já ter ocorrido.
posta se o uso de cocaína tivesse sido indicado em algum As vantagens e limitações da utilização de cada um destes
momento nos registros do pré-natal ou do trabalho de par- delineamentos serão discutidas ao longo deste capítulo.

238 CAPÍTULO 12
ASPECTOS DOS DESENHOS DE ESTUDOS DE
Tempo de Seguimento (Anos)
COORTE
r ►
Tipos de População de Estudo
1 Varióveis 2 3 4 ls 6 1 • ,

7
Os estudos de coorte podem investigar a experiên-
cia de populações fixas ou dinâmicas. Denomina-se , Consumo de Cigorros por D10

população fixa o conjunto de pessoas que apresentam


um e\'e11to comum (restrito no tempo e no espaço) que 25oumais ~
caracteriza a sua admissão na coorte (o nascimento, 15a 24
por exemplo)7 . Portanto, os grupos de expostos e não 1 o 14
t-

expostos a esse evento são definidos no momento do 1


início do estudo, não havendo ao longo do seguimento Faixo Etório (Anos)

entrada de novos participantes, ou mudanças na sua si- , 46 a 50


tuação de exposição. Espera-se que todos os partici-
41 a 45
pantes sejam seguidos por um tempo fixo definido pelo
pesquisador (a primeira semana de vida para avaliar a 36040
mortalidade neonatal precoce, por exemplo), embora
Sexo
alguns participantes possam ter um tempo menor de ---,-
seguimento em função de desenvolverem o desfecho Masculino
de interesse antes do final do período de seguimento
Feminino
previamente definido, abandonarem o estudo ou morre-
rem (devido à doença em estudo ou a outra doença).
... • - óbito por infarto agudo do m,acórdio.
Entretanto, nem sempre a exposição de interesse a tonalidade da cor da linho representa a mudança de categoria
para cada 11ari611el e o sombreamento representa a mudança de
em um estudo de coorte é uma característica perma-
categoria para a combinoçõo das três 11arió11e1s.
nente, como o peso ao nascer. Com freqüência trata-se
de um fator modificável, como por exemplo o hábito de Fig. 12.2 - Evolução da situação da exposição e de co11arió11eis de
fumar. Durante o seguimento, alguns indivíduos podem um participante que tinha 37 anos no início de um estudo de coorte
iniciar ou abandonar o hábito de fumar, ou modificar o realizado para avaliar o ossocioçõo entre fumo e doença coronoriono.
consumo diário de cigarros. Na Figura 12.2 é apresen-
tado o diagrama de evolução da exposição e de covari-
áveis em um participante de uma coorte hipotética Ao se tratar os grupos de exposição como populações
acompanhada para avaliar a associação entre consumo dinâmicas, permite-se tanto a adição de novos indivíduos
de cigarros e incidência de doença coronariana. Perce- após o início do estudo, como mudanças na situação de
be-se que tanto a exposição de interesse (consumo de exposição ao longo do seguimento (ex. de fumante para
cigarros) como a idade (possível fator confundidor) so- não-fumante). Assim, ao contrário do que ocorre na po-
frem modificações ao longo do tempo, enquanto o sexo pulação fixa, na população dinâmica a exposição não se
(possível fator modificador) permanece constante. refere a um evento, mas sim a um estado que pode mu-
Essa natureza variável de alguns fatores de exposi- dar ao longo do tempo.
ção faz com que o estudq de uma população dinâmica
seja a maneira mais apropriada de investigar o papel Seleção da População de Estudo
desses fatores em relação a desfechos de interesse.
Denomina-se população dinâmica ao conjunto de pes- Estudos de coorte podem ser realizados através do
soas que apresenta um estado que define a sua partici- seguimento da amostra de uma população geral, i.e .. de
pação na população durante o tempo em que apresente uma área bem definida geográfica ou administrativa-
esta característica7. Uma população dinâmica pode cons- mente (ex.: a população de uma cidade), ou a partir do
tantemente incorporar ou perder membros durante seu estudo de grupos especiais. Estes últimos são selecio-
seguimento. Por exemplo, a população de uma cidade é nados por apresentarem características que facilitem o
sempre dinâmica, pois está constantemente incorporan- recrutamento de participantes. a coleta das informações
do novos membros (por nascimento e imigração) e per- e o seguimento (grupos populacionais restritos, como os
dendo outros (por emigração e morte) - um indivíduo trabalhadores de uma indústria, por exemplo), ou em
fará parte da população da cidade enquanto nela residir. função de estarem especialmente expostos a um fator

CAPÍTULO 12 239
que é raro na população geral (grupos de exposição es- econômicas atuais e na infância, gênero, cor/etnia),
peciais - pacientes expostos à radiação terapêutica, por eventos de vida e padrões de apoio social. sobre com-
exemplo). portamentos de saúde e morbidade física e mental. em
O estudo de Framingham 8 , iniciado ao final da dé- uma coorte de cerca de quatro mil funcionários de uma
cada de 40, é um exemplo de estudo de coorte baseado universidade pública no Rio de Janeiro. No caso. consi-
no acompanhamento de uma amostra da população ge- derou-se que essa população restrita deverá possibilitar
ral. Neste estudo, uma amostra da população adulta da a realização de um estudo com boas taxas de participa-
cidade de Framingharn (Massachussets, EUA) foi se- ção e seguimento, devido à sua relativa estabilidade e
guida para avaliar a relação entre diversos fatores de natureza '·cativa". Os patamares de escolaridade (mai-
risco e o desenvolvimento de doença cardiovascular. oria com segundo grau ou mais) deverão permitir a co-
Estudos de coorte de população geral apresentam di- leta de informação de qualidade adequada. com a
versas vantagens. como a possibilidade. em princípio, utilização de uma variedade de métodos de coleta de
de observar maiores variações nos níveis de exposição dados, com eficiência de gastos financeiros (ex.: questi-
aos fatores de interesse, e a possibilidade de conhecer onário autopreenchível, com apoio de aplicadores).
as distribuições de fatores de risco na população geral, Tanto os estudos de coorte que acompanham amos-
bem como suas tendências temporais. Entretanto, tais tras da população geral, como os baseados no segui-
estudos em geral são caros e de difícil operacionaliza- mento de grupos populacionais restritos, são úteis para
ção. Pesquisadores buscam situações propícias ao re- a avaliação de fatores de exposição freqüentes, tais
crutamento de participantes com boas oportunidades de como fumo, atividade física e características da dieta.
seguimento. Em Bambuí, Minas Gerais, pesquisadores O processo de formação dos grupos de comparação
vêm desenvolvendo. com poucas perdas de seguimen- envolve em primeiro lugar a definição da população que
to. um estudo longitudinal entre cerca de 1.700 idosos. será acompanhada (ex.: amostra de adultos residentes
Os autores mencionam a importância, nesse caso. da em Framigham com idade variando entre 30 e 59 anos)
escolha de uma comunidade pequena, demograficarnen- e posterior classificação segundo os diferentes níveis
te estável e com tradição de participação em outras da variável de exposição de interesse (colesterol plas-
pesquisias (Doença de Chagas)9 . mático em mg/dL < 200; 200 a 219; 220 a 239; 240 a
Uma alternativa que facilita o desenvolvimento de 259; 260 ou + ). Esta estratégia permite que a formação
estudos de coorte é o seguimento de grupos populacio- dos grupos de comparação (expostos e não-expostos)
nais restritos, tais como usuários de seguros de saúde, se faça no interior da coorte, garantindo, portanto, que
empregados de empresas e profissionais de saúde. Nes- esses grupos pertençam à mesma base populacional (Fig.
tes grupos, a existência de cadastros com informações 12.3). Estes estudos permitem que várias hipóteses pos-
atualizadas sobre endereços pode facilitar tanto o recru- sam ser avaliadas simultaneamente, isto é, tanto pode
tamento quanto o seguimento dos participantes. Estes ser avaliada a associação de um determinado fator de
grupos apresentam características que facilitam a coleta risco com múltiplos desfechos, como também podem
das informações. Por exemplo. usuários de seguros de ser exploradas as associações de diferentes fatores de
saúde costumam buscar atendimento em serviços de saúde risco com diversos desfechos.
específicos contratados pelos planos. o que facilita a revi- Uma tendência mais recente é o desenvolvimento
são de registros de atendimento. Com relação à coleta de estudos multicêntricos. A seleção de participantes
das informações, os profissionais de saúde constituem um em centros localizados em áreas geográficas distintas
grupo à parte em função da l".laior capacidade para for- contribui para uma maior generalização dos resultados
necerem informações acuradas sobre as exposições e os alcançados 12. Em 2005 foi formado o consórcio multi-
desfechos de interesse. Por exemplo, em 1976 foi inicia- disciplinar ELSA, reunindo cerca de 40 pesquisadores
do um estudo de coorte em que enfermeiras americanas brasileiros de seis estados (RJ, BA, ES, MG, RS, SP),
com idade entre 30 e 55 anos foram acompanhadas para com a meta de implementar o Estudo Longitudinal de
avaliar fatores de risco para câncer e doença cardiovas- Saúde do Adulto (ELSA): um estudo de coorte multi-
cular (The Nurse 's Health Study)'º, sendo as informa- cêntrico com cerca de 15 mil funcionários de institui-
ções relativas às exposições e desfechos colhidas a partir ções públicas de ensino superior e pesquisa, para
do envio de questionários por correio a cada dois anos. investigar o desenvolvimento de doenças crônicas. prin-
O Estudo Pró-Saúde' 1, iniciado em 1999, pretende cipalmente as doenças cardiovasculares e o diabetes. A
investigar o papel de ampla gama de determinantes so- natureza do projeto é multidisciplinar, envolvendo os cam-
ciais e fontes de desigualdade (p. ex., condições socio- pos da epidemiologia. clínica médica (cardiologia, endo-

240 C APÍTULO 12
crinologia), oftalmologia, psiquiatria, fisiologia, biologia
Grupo de Comparação Formado Internamente
molecular, imunologia, nutrição, bioestatística e antro-
pologia entre outros. (http://www.famed.ufrgs.br/ppg/
PPG_Epi/elsa - acessado em: 06/04/2006). Coorte de
expostos
Quando há interesse em investigar o papel de expo-
sições raras na população geral (radiação ionizante, por Coorte Seguimento
exemplo), é mais eficiente o seguimento de grupos po-
pulacionais altamente expostos ao suposto fator de ris- Coorte de
não- ►
co, sejam vítimas da bomba atômica expostas à radiação
expostos
ionizante, residentes próximos a áreas de despejos tóxi-
cos, ou trabalhadores sujeitos a exposições ocupacio-
nais (trabalhadores de fábricas de asbesto, por exemplo). Seleção Classificação
Nesses casos, o acompanhamento de coortes de popu-
lação geral (ou mesmo de grupos populacionais restri- Grupo de Comparação Selecionado Externamente

tos) é ineficiente, pois tende a haver grande desequilíbrio


nas proporções de indivíduos expostos e não-expostos Coorte de
nessas populações. Em conseqüência, seria necessário expostos ►
estudar amostras muito grandes para garantir um nú-
Seguimento
mero razoável de indivíduos expostos.
Coorte de
não-

expostos
Tipos de População de Estudo
População fechada
População dinâmica Seleção

Comparação da Incidência do Desfecho com as Taxas


Seleção da População de Estudo da População Geral
População geral
Coorte de
Grupos populacionais restritos
não- ►
Grupos especiais de exposição expostos Seguimento

Quando se utilizam grupos especiais de exposição,


o processo de formação dos grupos de comparação (ex- Seleção
postos e não-expostos) se faz de forma diferente da-
Fig. 12.3 - Seleção do grupo de comporoção (não-expostos) em
quela empregada quando se acompanham coortes de estudos de coorte.
população geral ou de grupos populacionais restritos.
Em vez de se identificar a coorte e internamente classi-
ficar seu membros em e:.C.postos e não-expostos, a sele-
pio) na coorte de exposição especial com a incidência
ção dos participantes é feita segundo a situação de
observada na população geral no período em que a co-
exposição. Em outra palavras, em primeiro lugar é iden-
orte está sendo acompanhada. Dessa forma, avalia-se
tificada a coorte altamente exposta ao fator de interes-
se a ocorrência do desfecho observada na coorte ex-
se e após se escolhe uma coorte não-exposta (porém
posta difere daquela que seria esperada caso a exposi-
similar à coorte exposta em relação a outras caracterís-
ção estudada não fosse um fator de risco* (Figura 12.3).
ticas) para servir de grupo-controle (por exemplo, em
Johansen & Oslen 1n avaliaram a associação entre ex-
estudos ocupacionais escolhe-se como controle profis-
posição a campos magnéticos e asbe<;to e a ocorrência
sionais da mesma indústria que trabalham em ativida-
des não-ligadas à exposição) (Fig. 12.3).
• Esto estrotégio implico no cólculo de taxas de incidência padronizados
Outra estratégia que pode ser utilizada é comparar pelo método indireto, temo que é abordado no Capítulo 3 - Indicadores
a incidênci;i do desfecho de interesse (óbito, por exem- de Saúde.

CAPÍTULO 12 241
de câncer. comparando a ocorrência deste desfecho em ção possível. No estudo realizado por Johansen & Os-
uma coorte de trabalhadores de empresas de eletricida- len 14, as informações demográficas dos trabalhadores e
de da Dinamarca com aquela observada na população aquelas necessárias para a classificação dos nívei-, de
total da Dinamarca. Este estudo foi possível de ser rea- exposição ao asbcsto e ao campo magnético (data de
lizado em função de a Dinamarca contar com um siste- admissão e demissão do emprego. função. área física
ma de registro de câncer de base populacional (The de atuação dentro da empresa) foram obtidas a partir
Da11i.1h Cancer Registry). Esta é uma das limitações dos registros das empresas de eletricidade da Dinamar-
deste tipo de estratégia de avaliação. isto é. ela é restri- ca. do banco de dados do fundo de pensão obrigatório e
ta ao estudo da mortalidade e da incidência de doenças da folha de pagamento dos funcionários públicos. Da-
que contem com registros de base populacional. As li- do-, sobre a incidência de câncer foram obtidos do re-
mitações do uso de grupos de exposição especial serão gistro de câncer de base populacional daquele pab.
discutidas na seção sobre validade. deste capítulo. Os dados de registros representam a fonte de menor
custo, especialmente quando os sistemas de registro se
Fontes de Informação encontram informatizados. Quando a disponibilidade de
dados em bancos informatizados se refere à exposição
Diferentes fontes de infonnação podem ser utilizadas e ao desfecho. é possível eliminar simultaneamente os
em estudos de coorte; sua escolha depende de fatores va- problemas da recusa em participar do estudo e de aban-
riados. tais como a disponibilidade de dados de registros dono do seguimento, ficando a perda de participantes
(regi-,tros médicos ou industriais. por exemplo). a natureza restrita aos casos em que por algum problema não seja
da exposição e do desfecho a serem investigados, e os possível localizar algum registro.
recursos disponíveis para a realização do estudo. Dados de registros médicos podem ser melhores que
As fontes em geral empregadas englobam dados de entrevistas ou questionários de autopreenchimento quan-
registros. questionários de autoprecnchimento, entrevis- do se necessita colher informações detalhadas sobre
tas por telefone. entrevistas pessoais, exame físico. tes- procedimentos médicos. Outra vantagem é o fato de
tes médicos (eletrocardiograma. dosagem de glicemia, que muitas informações são registradas na mesma épo-
contagem de células CD4+. por exemplo) e medidas am- ca da sua ocorrência. o que reduz a possibilidade de
bientais (ex.: amostras de ar e água). Em sua maioria, viés de memória associado a entrevistas conduzidas
essas fontes também podem ser empregadas para a co- posteriormente. Por exemplo. em um estudo de coorte
leta de informações sobre covariáveis e desfechos. não-concorrente desenvolvido com o objetivo de avaliar
O pesquisador deve sempre procurar escolher fon- fatores de risco para a mortalidade um ano após cirur-
tes onde as informações registradas apresentem a me- gia para correção de fratura de colo do fêmur poderiam
lhor qualidade possível, e que possam. em princípio, ser ser obtidas informações detalhadas sobre o tipo de pro-
obtidas para todos os participantes do estudo ao longo cedimento cirúrgico realizado e o risco cirúrgico dopa-
de todo o período de seguimento. Muitas vezes são utili- ciente a partir da revisão dos registros da hospitalização.
zadas mais de uma fonte de dados em um único estudo. Estudos de coorte baseados na utilização de regis-
em função de estarem sendo estudadas exposições e tros preexistentes (médicos ou de outra natureza) po-
desfechos de naturezas diversas. No estudo de Framin- dem estar limitados em relação a vários aspectos. A
gham9 as informações sobre os fatores de risco foram qualidade dos dados pode ser inadequada, uma vez que
colhidas através de entrevista (ex.: hábito de fumar). exame a informação não é colhida de forma padronizada. para
físico (ex.: pressão arterial) e exames bioquímicos (ex.: fins científicos. Além disso, dados sobre covariáveis de
dosagem de colesterol). Outro motivo para a utilização interesse (potencialmente confundidoras ou modifica-
de mais de uma fonte de dados é melhorar a qualidade da doras de efeito) em geral não estão disponíveis. limitan-
informação. No Nurses 10 'Health Study, sempre que uma do a interpretação dos resultados.
participante relata um episódio de acidente vascular ce- Investigações que incluem contatos com os partici-
rebral nos questionários de seguimento (autopreenchimen- pantes. através da utilização de diversas fontes possí-
to ). os pesquisadores solicitam sua autorização para veis. trazem como vantagens a possibilidade de colher
revisão dos registros médicos correspondentes. informações de melhor qualidade sobre uma maior va-
Os dados de registros podem ser empregados em riedade de fatores de interesse. Essas fontes, entretan-
estudos de coorte concorrentes e 1u"io-concorre11tes - to. não são imunes a problemas na qualidade.
nestes últimos. representam a única fonte de informa- Questionários enviados por correio, por exemplo. costu-

242 CAPÍTULO 12
mam apresentar uma elevada proporção de não-resposta doença (ou de outro desfecho de interesse). Estas ca-
e de não-preenchimento de dados. Em entrevistas pesso- racterísticas permitem o cálculo direto das medidas de
ais. o comportamento dos entrevistadores pode influenciar incidência. A maioria dos estudos de coorte tem como
as respostas dos participantes; as informações sobre ex- objetivo primário a comparação da incidência do desfe-
posições ocorridas anteriormente à entrevista podem não cho entre indivíduos expostos (l[) e não-expostos Oi:)- o
ser relatadas de forma correta e as exposições que se que é feito a partir do cálculo de medida., de associação
referem a comportamentos estigmatizáveis (ex.: consumo baseadas em diferença de incidências ([ 1 - 11:J ou em
de álcool) podem ser informadas de forma incorreta. razão de incidências 01/IE),
Em geral. estudos baseados em contatos com os Dependendo do tipo de população de e<,tudo (fixa ou
participantes geram custos mais elevados do que aque- dinâmica), e da duração do período de seguimento, define-
les baseados em dados já registrados. O custo é menor se o tipo de medida de incidência (incidência acumulada ou
quando o contato é realizado através de questionários taxa) e de associação (diferença ou razão de incidências
de autopreenchimento enviados pelo correio, e cresce acumuladas; diferença ou razão de taxas) mais indicadas
de forma progressiva com a utilização de entrevistas para serem avaliadas em um determinado estudo.
por telefone, entrevistas pessoais, exame físico e exa-
Nesta seção apresentamos de forma <,umária o uso
mes médicos. Alguns estudos podem se tomar especi-
destas medidas em situações com freqüência observa-
almente complexos e caros, quando seus participantes
das nos estudos de coorte. Uma discussão mais apro-
são submetidos a exames mais dispendiosos. Por exem-
fundada sobre as medidas de freqüência e de associação
plo, na coorte do Multi-Ethnic Study o/ Atherosclero-
podem ser encontradas, respectivamente, no Capítulo 2
sis (MESA), que investiga a progressão da doença
cardiovascular subclínica, todos os 6.500 participantes - Medidas de Freqüência de Doença e Capítulo 9 -
Medidas de Associação e Medidas de Impacto. Adicio-
realizaram, durante a coleta de dados de base do estu-
do, tomografia computadorizada para medida do cálcio nalmente, aspectos da análise de estudos de coorte. in-
nas artérias coronarianas, ressonância magnética car- cluindo o cálculo de intervalos de confiança das medidas
díaca para medida da massa e função ventricular, e ultra- de freqüência de doenças e de associação. testes esta-
sonografia das artérias carótidas, entre outros exames. tísticos e controle de confudimento, são apresentados
O custo também tende a aumentar quando múltiplos no Capítulo 24-Associação Estatística em Epidemiolo-
contatos são necessários ao longo do seguimento para a gia: Análise Bivariada.
atualização das informações sobre exposição, covariá- A incidência acumulada é calculada em cada grupo
veis e desfecho. Finalmente, os indivíduos selecionados de comparação (em expostos e não-expostos. ou nas di-
podem se negar a participar do estudo ou podem aban- versas categorias de exposição) dividindo-se o número
doná-lo ao longo do seguimento. Algumas medidas que de indivíduos que desenvolvem o desfecho durante o pe-
podem ser implementadas visando reduzir estes proble- ríodo de observação pelo total de participantes no início
mas serão discutidas na seção sobre validade. do período de observação. Esta medida de incidência.
assim como as medidas de associação correspondentes
(diferença e razão entre incidências acumuladas), podem
Fontes de Informação em Estudos de Coorte ser empregadas em estudos em que a exposição ocorra
• Dados de registro de modo bastante delimitado no tempo e o período de
• Questionários de autopreenchimento seguimento seja curto, portanto com reduzidas perdas de
• EntrevisÍas por telefone participantes. Por exemplo, a incidência acumulada po-
deria ser empregada em um estudo de coorte para iden-
• Entrevistas pessoais
tificar a fonte de um surto de botulismo. O botulismo é
• Exame físico uma doença neuroparalizante causada por toxinas produ-
• Testes médicos zidas pelo Clostridium botulinum, podendo ser transmi-
• Medidas ambientais tida pela ingestão de alimentos contaminados; como os
sintomas aparecem geralmente cerca de 12 a 36 horas
após a exposição, um curto período de observação torna-
Análise de Dados se suficiente para observar a ocorrência dos casos.
Em estudos de coorte a população a ser analisada é A incidência acumulada não deve ser utilizada em situ-
definida segundo a situação de exposição, sendo segui- ações que envolvam exposições pontuais, ma~ que deman-
da para a observação da ocorrência de casos novos de dem longos períodos de seguimento (ex.: avaliação de

CAPITULO 12 243
incidência de câncer após um acidente nuclear). O prolon- Por fim, a razão de incidência (ou de mortalidade)
gado período de seguimento aumenta a chance de ocorre- padronizada é utilizada quando se deseja comparar a
rem perdas de participantes, que mesmo sendo aleatórias incidência do desfecho de interesse (óbito, por exem-
(ver discussão sobre validade), levariam a estimativas en- plo) na coorte com a incidência observada na popula-
viesadas da incidência acumulada, pois os casos perdidos ção geral no período em que a coorte está sendo
de observação não seriam contabilizados no numerador, acompanhada. Trata-se de uma razão entre os casos
mas continuariam sendo contabilizados no denominador. (ou óbitos) observados na coorte e aqueles que seriam
esperados caso a coorte apresentasse as mesmas taxas
Nestas situações, é mais adequado empregar as mes-
de incidência (ou de mortalidade) estrato-específicas (por
mas técnica<; de análise utilizadas para a avaliação de po-
exemplo, por sexo e faixa etária) da população geral
pulações dinâmicas, sendo indicado o cálculo das taxas de
(para detalhes do cálculo, ver Capítulo 3 - Indicadores
incidência nas coortes de expostos e não-expostos e das
de Saúde).
medidas de associação correspondentes (diferença e ra-
zão de taxas). A taxa é calculada dividindo-se o número de Na Tabela 12.1 são apresentados os resultados de
indivíduos que desenvolvem o desfecho durante o período um estudo que avaliou a mortalidade 30 dias após cirur-
de observação pelo total de pessoas-tempo em observa- gia para correção de fratura de colo de fêmur em uma
ção em cada grupo de exposição. Este último, por sua vez, coorte de 606 idosos 17 • Esse estudo segue uma popula-
é calculado a partir da soma do tempo em que cada indiví- ção fixa por um curto período de tempo, não sendo ob-
duo da coorte permanece em observação no respectivo servadas perdas de seguimento. No exemplo, buscou-se
grupo de exposição sem apresentar o desfecho. comparar a mortalidade segundo o sexo (comparação
interna à coorte) e a mortalidade na coorte como um
A utilização de pessoas-tempo em observação no de- todo (homens+ mulheres) em relação à mortalidade da
nominador do cálculo das taxas permite que as perdas de população geral. Para a primeira comparação pode ser
participantes, desde que aleatórias (ver seção sobre vali- empregada tanto a razão de taxas como a razão de inci-
dade), não enviesem o cálculo das taxas e das medidas dências acumuladas, já que o tempo de seguimento é
de associação correspondentes, pois os indivíduos só são curto e não ocorreram perdas de seguimento. Nesse
contabilizados no denominador durante o período que per- exemplo, embora as duas medidas tenham o mesmo valor
manecerem sob observação. De modo similar, acomo- numérico ( 1,5), a interpretação delas é diferente. Uma
dam-se mudanças na situação de exposição a partir da razão de incidências acumuladas de 1,5 indica que os
contabilização do total de pessoas-tempo e do cálculo homens apresentaram em relação às mulheres uma pro-
da taxa da incidência dentro de cada estrato. babilidade 50% maior de morrer durante os primeiros 30
Por exemplo, o indivíduo representado na Figura 12.2, dias após a cirurgia, enquanto a razão de taxas indica
que no início do período de observação tinha 37 anos, uma força de mortalidade 50% maior nos homens, quan-
contribuiu com quatro anos para o total de pessoas-tem- do comparados às mulheres. Já a razão de mortalidade
po do estrato de "sexo masculino, consumo de 25 ou mais padronizada indica que para cada 11 óbitos observados
cigarros por dia e faixa etária de 36 a 40 anos" e com um na coorte seria esperado apenas um óbito, caso a coorte
ano para o estrato "sexo masculino, consumo de 15 a 24 apresentasse as mesmas taxas de mortalidade específi-
cigarros por dia e faixa etária de 46 a 50 anos". Neste cas por sexo e faixa etária que a população geral.
último estrato ele desenvolveu um episódio de infarto agudo
do miocárdio, sendo contabilizado também no numerador Validade
para o cálculo da taxa de incidência no estrato.
No planejamento e análise de estudos de coorte,
Técnicas de análise de sú'brevida 16 (ver Capítulo 26 devemos levar em consideração que a observação (ou
- Análise de Sobrevida) também podem ser empregadas não) de uma associação entre a exposição e o desfecho
para a análise de estudos de coorte, onde perdas de par- de interesse pode ser parcial ou exclusivamente resul-
ticipantes e mudanças na situação de exposição e de co- tante da ocorrência de confundimento e/ou de vieses
variáveis ocorram ao longo do seguimento. Mais (seleção e informação).
recentemente, métodos de análise longitudinal vêm sen-
do utilizados em estudos de coorte que envolvam medi- Confundimento
das repetidas (mais de duas) de exposição e desfecho.
Estas técnicas são úteis, por exemplo, para a avaliação O confundimento surge em função de diferenças
de marcadores de progressão de doença observados re- inerentes nas probabilidades de adoecer entre a popula-
petidan1ente em membros da coorte (ex.: decréscimo na ção de expostos e não-expostos, isto é, as probabilida-
contagem de células CD4+ em pacientes HIY-positivos)3. des de adoecer dos grupos de expostos e não-expostos

244 CAPÍTULO 12
seriam diferentes mesmo na ausência da exposição (falta A prevenção do confundimento através do emprego
de comparabilidade entre os grupos). Ele é gerado por da restrição e do pareamento, ou seu controle durante a
fatores (variáveis confundidoras) que são simultaneamen- fase da análise, só são possíveis através do conhecimento
te preditores da ocorrência da doença entre os não ex- prévio dos possíveis fatores confundidores e da utilização
postos, apresentam-se associados com a exposição na de fontes de dados que permitam a coleta das informações
base populacional de onde se derivam os casos e não sobre estas variáveis. Estudos de coorte não-concorren-
representam passos intermediários na cadeia de eventos tes muitas vezes impedem o controle adequado do con-
que liga a exposição ao desfecho. Por exemplo, em um fundimento em função da ausência das informações
estudo buscando avaliar a associação entre o nível de necessárias nas fontes de dados de registro. Da mesma for-
atividade física e a mortalidade, a idade pode confundir a ma, em estudos concorrentes que se baseiam em fontes de
relação entre estas duas variáveis, pois indivíduos mais dados de registro pode ser necessário utilizar fontes adici-
velhos costumam ser mais inativos e o envelhecimento onais objetivando a coleta de informações sobre variáveis
aumenta a probabilidade da ocorrência de óbito. confundidoras, embora neste caso algumas estratégias
possam ser empregadas visando à redução dos custos do
O tema do confundirnento está presente em uma das estudo (ver seção sobre custos). Por fim, o seguimento
mais importantes controvérsias médicas da virada do sé- apenas da coorte exposta comparando a incidência de ocor-
culo: o efeito da terapia de reposição hormonal (TRH) so- rência de doenças neste grupo com as taxas de incidência
bre o risco cardiovascular entre mulheres após a da população geral pode ser limitado pelo fato de as infor-
menopausa. No inicio da década de 1990, uma meta-aná- mações sobre possíveis variáveis confundidoras não se en-
lise de estudos de coorte estimou que usuárias de TRH contrarem disponíveis em nível populacional.
tinham risco de doença corionariana reduzido à metade,
quando comparadas a não-usuárias (RR =0,50; IC 95% =
0,43-0,56). Entretanto, estudos experimentais não corro- Viés de Seleção
boraram essas evidências observacionais 18• Alguns auto- Quando ocorre um viés de seleção a associação entre
res salientam que, possivelmente, essa discrepância deveu-se a exposição e o desfecho observada na população de estu-
à existência de confundimento residual por posição socioe- do é diferente daquela que seria verificada caso fossem
conômica (PSE) nas estimativas obtidas nos estudos ob- estudados todos os indivíduos da base populacional, i. e.,
servacionais 15. Esse argumento considera o fato de que a todos os indivíduos que seriam elegíveis como participan-
PSE está fortemente associada tanto ao uso de TRH como tes do estudo. Ao contrário do confundirnento, onde a as-
ao risco de doença coronariana, e que o ajuste habitual das sociação espúria (não-válida) é observada na base
estimativas, nos estudos epidemiológicos, por um (ou pou- populacional, a associação espúria gerada por um viés de
co mais do que isso) marcador de PSE (ex.: renda, ocupa- seleção é verificada na população do estudo, mas não na
ção) na vida adulta não captaria a complexidade do papel base populacional 20. O viés de seleção surge como conse-
da PSE ao longo da vida, ex.: efeitos da PSE na infância e qüência das estratégias adotadas para a seleção de partici-
mesmo efeitos intergeracionais associados tanto à exposi- pantes e de fatores que influenciam a participação no estudo.
ção como ao desfecho de interesse.
Assim como em outros estudos observacionais, nos
Fatores que Influenciam na Validade de
estudos de coorte o confundimento só pode ser preveni-
Resultados em Estudos de Coorte
do na fase de desenho do estudo através da realização da
restrição ou do pareamento. Na restrição adotam-se cri-

térios de inclusão e exclu~ão de participantes, fazendo
• Confundimento

com que as coortes de expostos e não-expostos se tor- • Viés de Seleção


nem homogêneas em relação a um possível fator confun-
- Efeito do trabalhador saudável
didor (ex.: exclusão de idosos do estudo). No pareamento,
selecionam-se indivíduos não-expostos que sejam idênti- - Auto-seleção
cos aos expostos em relação a um ou mais fatores con- - Perda seletiva de seguimento
fundidores (ex.: idade). O fato de estudos de coorte - Não-resposta
envolverem a seleção de um número grande de partici-
pantes faz com que o pareamento se tome uma estraté- • Viés de Informação
gia difícil de operacionalizar, sendo, portanto, pouco - Não-diferencial
utilizada. Em estudos de coorte em geral se opta pelo
- Diferencial
controle do confundimento durante a análise dos dados.

CAPÍTULO 12 245
Estudos de coorte baseados em amostras de popula- a ocorrência de viés de seleção em estudos de coorte,
ção geral ou de grupos populacionais restritos são menos mesmo quando os grupos de comparação (expostos e
sujeitos à ocorrência de vieses de seleção, pois nestes não-expostos) são formados internamente.
casos a base populacional é identificada primariamente.
A auto-seleção ocorre quando os indivíduos escolhem
sendo selecionada uma amostra desta base cujos mem-
voluntariamente participar do estudo e os fatores que
bros são. então. classificados internamente em expostos
determinaram a participação voluntária estão associados
e não-expostos. Quando se utilizam grupos de exposição
ao desenvolvimento do desfecho que está sendo investi-
especiais. em primeiro lugar é identificada a coorte alta-
gado. Por exemplo, pessoas que se voluntariam a partici-
mente exposta ao fator de interesse e posteriormente se
par de programas de rastreamento de doenças podem
escolhe uma coorte não-exposta para servir de grupo
fazer essa escolha justamente por serem mais cuidado-
controle ou se compara a ocorrência do desfecho neste
sas com sua saúde e, portanto, podem apresentar um
grupo com as taxas de incidência da população geral.
Sendo assim, sempre existe a possibilidade de os grupos menor risco de mortalidade do que aqueles que optam
de expostos e não-expostos não serem oriundos da mes- por não participar, independentemente de um possível
ma base populacional, não sendo, portanto, comparáveis. benefício do programa de rastreamento (em alguns ca-
Ou seja, se estes grupos diferirem em relação à distribui- sos a situação inversa pode ser verdade, i.e., pessoas com
ção de fatores que são preditores para o desfecho estu- maior risco optam pela participação do programa de ras-
dado. uma associação espúria entre exposição e desfecho treamento). Em função desse possível viés de seleção,
será observada na população de estudo. estudos randomizados seriam mais indicados para a ava-
liação de programas de rastrearnento21 .
Por exemplo, supondo que se deseje avaliar a exis-
tência de uma possível associação entre trabalhar como Durante o desenvolvimento de estudos de coorte é
pedreiro e mortalidade a partir da comparação das ta- esperado que alguns participantes deixem o estudo. Os
xas de mortalidade de pedreiros de uma empresa com motivos para a perda de participantes ao longo do segui-
as taxas da população onde a empresa se localiza. Mes- mento incluem a mudança de endereço, o abandono e a
mo admitindo que existissem fortes evidências que apon- morte por outras causas que não a doença sob investiga-
tassem para uma possível associação entre esta atividade ção. Estas perdas raramente são aleatórias, i. e., são ge-
profissional e a mortalidade, é bem provável que o estu- ralmente associadas à exposição, ao desfecho, ou a ambos.
do anteriormente descrito mostrasse uma menor morta- Por exemplo. fumantes costumam abandonar mais o es-
lidade entre os pedreiros. Os pedreiros provavelmente tudo do que não-fumantes. Alguns pacientes podem aban-
terão sido submetidos a um rigoroso exame médico an- donar o estudo justamente por terem desenvolvido a
tes de serem admitidos na empresa, só sendo contrata- doença que está sendo avaliada e optarem por migrar
dos aqueles saudáveis e aptos para a realização da para outra localidade em busca de tratamento.
função. Por outro lado, aqueles trabalhadores que de-
Quando a perda é seletiva somente em relação à
senvolveram algum tipo de doença que comprometesse
exposição, nenhum enviesamento é observado nas ta-
a realização das atividades foram provavelmente apo-
xas de incidência* do desfecho nas coortes de expostos
sentados ou remanejados para a realização de ativida-
des mais leves. Como conseqüência destes fatores de e não-expostos. Quando a perda é seletiva somente em
seleção, os pedreiros em atividade seriam em média mais relação ao desfecho, i. e., a probabilidade de desenvol-
saudáveis do que a população geral, que é formada por ver o desfecho no grupo de indivíduos perdidos de ob-
uma mistura de indivíduos saudáveis e doentes. servação é diferente da observada para o grupo de
indivíduos que permanecem no estudo, observa-se um
Este fenômeno, denomin~do de efeito do trabalha-
enviesamento das taxas de incidência no grupo de ex-
dor saudável (healthy-worker ejfect), é em geral ob-
postos e de não-expostos. Entretanto, como a perda é
servado em estudos onde é comparada a mortalidade
equivalente nos dois grupos, as medidas de associação
de trabalhadores ativos em relação à mortalidade na
baseadas na razão de incidências em geral se apresen-
população geral. Uma alternativa seria classificar a co-
tam apenas um pouco enviesadas. Quando a perda é
orte de pedreiros internamente em diferentes níveis de
exposição (p. ex., segundo horas gastas por dia na rea- simultaneamente seletiva em relação à exposição e ao
lização de determinadas tarefas) e comparar a mortali- desfecho, ocorrerá o enviesamento tanto das taxas de
dade entre os pedreiros classificados em categorias de
"alta" ou "baixa" exposição.
• As estimativas de incidência acumulado serão enviesados mesmo no
A auto-seleção, a perda seletiva de seguimento e a coso do perda não ser associado ao desfecho. Nestes casos devem ser
não-resposta são outras situações que podem provocar colcu/odos taxas, ou utilizados técnicos de onólise de sobrevivência.

246 CAPÍTULO 12
incidência nos grupos de expostos e não-expostos, como Viés de Informação
da razão entre elas.
Este viés surge em função de erros sistemáticos que
Nem todos os indivíduos que são selecionados para
ocorrem no momento da coleta das informações sobre as
um estudo aceitam participar do mesmo. Os efeitos da
variáveis de interesse (exposição, covariáveis e desfecho).
não-resposta sobre a validade dos resultados são muito
semelhantes aos observados com a perda seletiva de par- Nos estudos de coorte concorrentes, a informação
ticipantes ao longo do seguimento. Ou seja, se a não- sobre a exposição é colhida antes da ocorrência do des-
resposta for associada somente à exposição, perde-se a fecho. Em conseqüência. erros na coleta da informação
capacidade de estimar a distribuição do fator de exposi- sobre a exposição são semelhantes entre os indivíduos
ção de interesse na base populacional de onde a amostra que posteriormente irão ou não desenvolver o desfe-
foi selecionada, mas as estimativas das taxas incidência cho. Por outro lado, o conhecimento da situação de ex-
do desfecho e da razão entre taxas não serão enviesa- posição pode influenciar a coleta das informações sobre
das. Se a não-resposta for associada somente ao desfe- o desfecho. Por exemplo, o conhecimento de que um
cho, as estimativas das taxas serão enviesadas, mas a participante faz parte do grupo altamente exposto ao
razão entre elas será apenas ligeiramente enviesada. Por fumo pode influenciar o clínico a diagnosticar a presen-
fim, se a não-reposta for seletiva simultaneamente em ça de doença coronariana.
relação à exposição e ao desfecho, tanto as estimativas Nos estudos não-concorrentes, a informação sobre
das taxas como a razão entre elas serão enviesadas. o desfecho é registrada antes do início do estudo, em ge-
Dificilmente é possível identificar de modo conclu- ral, portanto, sem o conhecimento da situação de exposi-
sivo se as perdas observadas em um determinado estu- ção do participante. Os erros na coleta da informação
do ocorreram de forma aleatória ou seletiva. Indivíduos sobre o desfecho tendem a ocorrer de forma equivalente
que se recusam a participar podem ser comparados aos no grupo de expostos e de não-expostos. Com relação à
que aceitam em termos de algumas informações exis- exposição, em algumas situações (ex.: avaliações ocupa-
tentes em dados de registro (ex.: idade, sexo). Da mes- cionais) o dado que se encontra registrado é empregado
ma forma, indivíduos que abandonam o estudo podem para classificar os indivíduos em diferentes categorias
ser comparados aos que permanecem em relação aos de exposição. Embora sempre se busque empregar re-
dados colhidos até o momento da perda. Adicionalmen- gras claras para a classificação, este processo geral-
te, quando dados de registros sobre desfechos se en- mente está sujeito a um certo grau de subjetividade (por
contram disponíveis (ex.: sistema de informações de exemplo, na hora de classificar indivíduos com valores
óbitos) é possível avaliar se a probabilidade de desen- limites entre duas classes). Quando os responsáveis pela
volvimento do desfecho difere entre os membros que classificação conhecem a situação de desfecho de cada
aceitam e permanecem no estudo, e aqueles que não participante, este fato pode levar à classificação dos par-
aceitam ou abandonam o estudo . Estas análises são, ticipantes que desenvolveram o desfecho nas categorias
entretanto, limitadas, pois as informações disponíveis de exposição mais intensa.
para estas comparações são geralmente restritas. As conseqüências dos erros na medida do desfecho
É importante, portanto, que uma série de medidas sobre as estimativas das medidas de associação serão
sejam adotadas visando reduzir a não resposta e maxi- diferentes na dependência de eles ocorrerem de forma
mizar a adesão ao estudo6 •22 . Deve ser mencionada a igual no grupo de expostos e não-expostos (erro de clas-
necessidade de, entre outrê.s iniciativas, obter-se apoio sificação 11ão-difere11cial), ou de serem maiores em
ativo de representantes das populações que se deseja um grupo do que no outro (erro de classificação dife-
estudar (ex.: representantes de comunidades ou de gru- rencial). Da mesma forma, o impacto dos erros na
pos profissionais); explicitar a relevância e os objeti- medida de exposição sobre as estimativas das medidas
vos do estudo, e as atividades previstas; dispor de de associação também dependerá de eles ocorrerem de
telefone de amigos e parentes visando auxiliar a loca- forma equivalente nos participantes que desenvolveram
lização de participantes que tenham sido perdidos de ou não o desfecho (erro de classificação não-diferen-
observação; criar um nome e logotipo para o estudo e cial), ou de serem maiores em um grupo do que no ou-
enviar periodicamente informes e boletins; desenvol- tro (erro de classificação diferencial).
ver um bom relacionamento entre membros da equipe Os erros de classificação não-diferenciais nas si-
e participantes; enviar pequenas lembranças (ex.: ca- tuações de exposições com apenas duas categorias (ex.:
netas, cartões de aniversário).
.' atividade física regular, sim ou não) e nos desfechos,

CAPÍTULO 12 247
em geral levam a uma atenuação da magnitude da as- cadas, dois novos tipos de estratégias vêm sendo em-
sociação, ou seja, na direção da ausência de associação pregadas visando à redução dos custos em estudos de
(ou "hipótese nula"), enquanto os erros diferenciais po- coorte: a utilização de bancos de dados informatizados
dem tanto acentuar como atenuar a magnitude da associ- em conjunto com técnicas de relacionamento (linkage)
ação. No caso dos desfechos é interessante observar que de registros e a aplicação de estratégias analíticas do
as razões de incidência (embora não as medidas de dife- tipo caso-controle no contexto de estudos de coorte.
rença) podem não sofrer nenhum enviesamento se o pro- Grandes bases informatizadas com dados sobre
cesso de classificação do desfecho apresentar mortalidade, atendimentos em serviços de saúde e re-
especificidade de 100%, mesmo na presença de sensibi- gistro de base populacional de doenças (ex.: câncer)
lidade inferior a 100%. Por fim, erros na medida de vari- passaram a ser empregadas para o monitoramento da
áveis confundidoras podem limitar o controle do ocorrência de desfechos em estudos de coorte, reduzin-
confundimento durante a análise dos dados 1). do ou mesmo eliminando a necessidade de contatos re-
Vários tipos de problemas que podem levar a erros petidos com os membros da coorte para o monitoramento
na classificação da situação de exposição, das covariá- da evolução dos mesmos. O relacionamento dos regis-
veis e do desfecho foram comentados anteriormente na tros dos participantes da coorte com º"
registros nestes
seção de fontes de informação. Algumas estratégias bancos de dados é realizado atravé<., de um identificador
podem ser implementadass visando à prevenção destes comum (número da securidade social, por exemplo).
erros e, conseqüentemente, da ocorrência de viés de Mesmo quando este identificador não existe, o relacio-
informação, a saber: avaliar a confiabilidade e a valida- namento pode ser realizado empregando-se o método
de dos questionários e dos testes médicos a serem empre- de relacionamento probabilístico de registros (probabi-
gados; treinar os entrevistadores e técnicos responsáveis listic record linkage), que se baseia na utilização de
pela realização dos testes; garantir que os responsá- uma combinação de atributos menos específicos (nome,
veis pela coleta das informações do desfecho desco- data de nascimento e endereço, por exemplo), junta-
nheçam a situação de exposição dos participantes; mente com o emprego de algoritmos destinados à com-
efetuar a revisão e o controle da entrada de dados, e paração aproximada de nomes, que levam em
realizar a análise periódica dos dados, buscando identi- consideração possíveis erros fonéticos e de digitação
ficar a ocorrência de inconsistências nos dados22·23. (ex.: Manoel e Manuel seriam reconhecidos como
iguais), e de técnicas estatísticas '\

Custos Outra estratégia que permite a redução de custos é


a identificação e o seguimento de uma coorte para a
Estudos de coorte em geral implicam custos eleva- avaliação da ocorrência do desfecho de interesse. En-
dos, sobretudo quando se trata de estudos de natureza tretanto, em vez de se colher as informações sobre a
etiológica, ou seja, destinados a avaliar associações entre exposição, variáveis confundidoras e modificadoras de
possíveis fatores de exposição e a incidência de doenças. efeito para todos os membros da coorte, isto é feito ape-
Nesses estudos, com freqüência é necessário acompa- nas em uma parte dos mesmos, empregando-se para tal
nhar indivíduos em maior número e/ou durante mais tem- um delineamento do tipo caso-controle. Duas estratégi-
po, pois a ocorrência de doenças em uma população as amostrais são mais freqüentemente utilizadas, rece-
previamente saudável é um fenômeno bem mais raro do bendo o estudo caso-controle uma denominação especial
que a ocorrência de uma complicação secundária em pa- na dependência da estratégia empregada*. Denomina-
cientes previamente doer:tes, como no caso do estudo se estudo caso-controle aninhado (nested case-contrai
(de natureza prognóstica) da mortalidade após um episó- study) àquele em que a coorte é seguida no tempo e a
dio de infarto agudo do miocárdio. cada momento em que um caso ocorre, um ou mais
Várias estratégias podem ser empregadas para re- controles são selecionados entre os membros originais
dução de custos em estudos de coorte. Entre elas estão da coorte que se encontram sob risco (i. e., não foram
a utilização do delineamento não-concorrente, o segui- perdidos de observação e se encontram sem a doença)
mento de grupos populacionais especiais, o seguimento no momento em que o caso ocorre. No segundo caso.
apenas da coorte exposta comparando a incidência de
ocorrência de doenças neste grupo com as taxas de in-
•Na literatura são empregados diferentes ter minologias poro
cidência da população geral e a seleção de fontes de
identificar os estudos coso-controle que fazem uso dos estrotégios
informação de menor custo (p. ex., dados de registro e amostrais acima comentados. Neste texto optamos por empregar o
questionário~ de autopreenchimento). Nas últimas dé- terminologia adotado por Longhloz & Thomos7•.

248 C APÍTULO 12
denominado de estudo caso-coorte, uma amostra alea- ser investigada deverá levar em consideração as vanta-
tória de indivíduos da coorte é selecionada no início do gens e limitações deste delineamento.
período de observação, e esta é estudada juntamente
Em resumo, estudos de coorte são menos sujeitos à
com os casos que venham a ocorrer durante o período ambigüidade na determinação da seqüência temporal
de observação (i. e., indivíduos da coorte não original- entre variáveis exploradas como fatores de exposição e
mente selecionados na amostra, mas que evoluem como desfechos. Como os indivíduos são selecionados ou clas-
casos, também são estudados). sificados segundo a situação de exposição para posteri-
Ross e cols. 25 conduziram estudo de coorte entre or avaliação da ocorrência do desfecho, em geral não
18.244 homens em Xangai, China, com o objetivo de existem dúvidas quanto ao fato de a exposição realmente
analisar, entre outras hipóteses, o papel de determina- preceder a ocorrência do desfecho. Permitem o cálculo
das aflatoxinas na etiologia do câncer hepático. Estas direto das medidas de incidência nas coortes de expos-
análises constituíram um exemplo de estudo caso-con- tos e não-expostos, e a avaliação de exposições raras.
trole aninhado na coorte. Durante o seguimento dos Vários desfechos podem ser investigados simultanea-
participantes, sempre que algum caso novo de câncer mente, sendo também possível testar diversas hipóteses
era diagnosticado (no total, 22), cinco a dez controles envolvendo diferentes exposições e desfechos. São
eram selecionados ao acaso entre os membros da coor- menos sujeitos a viés de seleção que os estudos de caso-
te livres de câncer naquele momento, e apenas nestes controle, sobretudo quando os grupos de expostos e não-
casos e controles eram realizadas as dosagens detalha- expostos são classificados internamente à coorte. A
das (e caras) dos marcadores biológicos de interesse. situação de doença não influencia a medida da exposi-
ção, especialmente em estudos prospectivos.
Um exemplo de estudo caso-coorte foi o desenvol-
vido por Duncan e cols. 6 , com o objetivo de avaliar a
associação entre marcadores de inflamação sistêmica Estratégias para Redução de Custos em
e incidência de diabetes tipo 2. O estudo captou a expe- Estudos de Coorte
riência de 9 anos de seguimento de 10.275 participantes
da coorte do estudo ARIC (Atherosclerosis Risk in • Delineamento não-concorrente
Communities Study). As amostras de plasma armaze- • Seguimento de grupos populacionais especiais
nadas de 571 participantes que desenvolveram diabetes
ao longo do período de acompahamento e de 572 parti- • Seguimento apenas da coorte exposta
cipantes que não desenvolveram esse desfecho, foram • Seleção de fontes de informação de menor custo
analisadas com relação à presença de diferentes mar-
• Linkage de banco de dados
cadores de inflamação. O estudo evidenciou que a pre-
sença de inflamação sistêmica era um bom preditor para • Estudos caso-controle aninhado e caso-coorte
o desenvolvimento de diabetes tipo 2.
Nesta seção foram apresentadas algumas estratégi- Estudos de coorte são ineficientes para a avaliação
as que permitem a redução dos custos em estudos de de desfechos raros ou que apresentem um período de
coorte. A adoção das mesmas dependerá da particular indução longo. São geralmente caros e difíceis de ope-
hipótese que se deseja estudar e mais uma vez é neces- racionalizar, embora algumas estratégias possam ser
sário avaliar o impacto destas opções sobre a validade do adotadas visando à redução de custos. A perda de par--
estudo. Por exemplo, se uma-:deterrninada fonte de dados ticipantes ao longo do seguimento pode comprometer a
de registro sabidamente apresenta uma baixa qualidade validade dos resultados. Por fim, como não é realizada
nas informações registradas, não se justifica empregá-la, a alocação aleatória de intervenções (terapêuticas ou
ainda que a utilização da mesma implique em uma redu- preventivas), são menos indicados que os estudos expe-
ção considerável nos custos com a coleta de dados. rimentais para a avaliação dessas intervenções, pois
fatores de seleção e confundidores não controlados po-
dem comprometer a validade do estudo.
CONCLUSÃO

Neste capítulo buscamos apresentar alguns aspec- BIBLIOGRAFIA


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.'

250 CAPÍTULO 12
Estudos de Intervenção

Claudia Caminha Escosteguy

INTRODUÇÃO Alguns autores usam "estudo de intervenção" como


sinônimo de "estudo experimental"; outros consideram
O termo "estudo de intervenção" envolve, de uma for- o termo "experimental" como mais bem aplicado àque-
ma geral, aqueles estudos em que o pesquisador manipula les estudos controlados e com alocação aleatória do fa-
o fator de exposição (a intervenção), ou seja, provoca tor de intervenção, ou seja, os ensaios clínicos controlados
uma modificação intencional em algum aspecto do esta- randomizados.
do de saúde, através da introdução de um esquema profi-
lático ou terapêutico. Tais estudos podem ter ou não Segundo Pocock25 , o termo "ensaio clínico", de uma
forma genérica, pode ser aplicado a qualquer experi-
grupo-controle e referir-se a indivíduos ou a comunidades.
mento planejado que envolva pacientes e que seja dese-
Um exemplo de estudo de intervenção não-controla- nhado para elucidar o tratamento mais apropriado para
do é o chamado estudo "antes e após" (before and af- futuros pacientes com uma dada condição médica. Al-
ter), nos quais todos os pacientes recebem o mesmo guns autores usam, ainda, o termo "ensaio clínico não-
tratamento e sua condição é verificada antes do início e controlado" para descrever um estudo em que todos os
em vários momentos após o tratamento 12 • Em alguns ca- participantes recebem o fator de intervenção. Na ver-
sos em que o curso clínico da doença pode ser predito dade, este seria apenas um estudo descritivo dos efeitos
com bastante confiança, tais estudos podem ser válidos, de uma intervenção num grupo, sendo que a maioria
como os exemplos históricos da melhora observada na dos autores não considera tal estudo como um ensaio
evolução da endocardite bacteriana subaguda após a in- clínico. Outros autores guardam o termo ensaio clínico
trodução da penicilina e melhora do hipotireoidismo a partir apenas para os ensaios controlados randomizados, não
do uso do hormônio tireoisJiano. Entretanto, a maioria das aceitando o uso do termo para ensaios controlados, po-
decisões terapêuticas não' envolve este tipo de situação. rém sem randomização25 .
Outro exemplo de estudo "antes e após" seria um estudo Na taxonomia dos desenhos epidemiológicos, expe-
do efeito de um tratamento sobre o nível de pressão arte- rimento refere-se a um estudo no qual o pesquisador
rial em um mesmo gmpo de pacientes hiperti:nsos, nos intencionalmente altera um ou mais fatores, sob condi-
quais seria aferida a pressão arterial antes do início e em ções controladas, com o objetivo de investigar os efei-
vários momentos após a introdução do tratamento. Con- tos dessa alteração. Nesses estudos, o investigador faz
tudo, as aferições posteriores da pressão arterial poderi- uso de estratégias que visam o controle de outras variá-
am melhorar por razões puramente estatísticas, de veis que não o fator de interesse sobre os resultados.
regressão dos valores à média, sem necessariamente re- Adiante veremos que a melhor dessas estratégias é a
presentar um efeito verdadeiro da intervenção naquele randomização ou alocação aleatória, na qual os partici-
indivíduo. Ou seja, em um estudo não-controlado pode pantes do estudo têm a mesma chance de pertencerem
ser dificil implicar ao tratamento os efeitos observados. ao grupo de intervenção ou ao grupo-controle.

CAPÍTULO 13 251
Quando o fator de interesse (intervenção) é mani- ção a ser analisado de forma aleatória através da técnica
pulado pelo investigador, mas a alocação dos indivíduos da randomização; dessa forma, os grupos experimental
nos grupos a serem comparados não se dá de modo e controle são formados por um processo aleatório de
aleatório (ao acaso), esses estudos são referidos como decisão. A intervenção pode referir-se a fármacos, técni-
quase-experimentos29. Um exemplo histórico de um es- cas ou procedimentos 12 • Portanto, trata-se de um estudo
tudo quase-experimental foi o estudo de James Lind experimental, de desenho prospectivo, controlado e ran-
sobre intervenções no escorbuto, em 1753, no qual o domizado, considerado a melhor fonte de determinação
pesquisador distribuiu algumas intervenções entre 12 da eficácia de uma intervenção.
pacientes marinheiros com escorbuto, concluindo pelo
O termo eficácia refere-se ao resultado de uma in-
efeito benéfico do uso de laranjas e limões25 . Menos
tervenção realizada sob condições ideais, bem controla-
citado, mas bem anterior a esse exemplo, é a descrição
das, como nos ensaios clínicos randomizados ou em
bíblica encontrada no primeiro capítulo do Livro de Da-
"centros de excelência" . Efetividade refere-se ao resul-
niel, sobre a comparação dos efeitos benéficos de uma
tado de uma intervenção aplicada sob as condições habi-
dieta vegetariana com os de uma dieta real babilônica
tuais da prática médica, que incluem as imperfeições de
durante 1Odias, que constitui o provável primeiro regis-
implementação que caracterizam o mundo cotidiano 14 •
tro conhecido de um estudo de intervenção controlado,
realizado em tomo do ano 600 a.C 19• Os ensaios clínicos controlados randomizados cons-
tituem um dos principais avanços científicos entre os
Os estudos experimentais em epidemiologia podem
métodos de pesquisa durante o século XX, tomando-se
ser divididos em profiláticos ou terapêuticos, se o objeti-
uma ferramenta fundamental para a avaliação de inter-
vo é investigar uma intervenção preventiva (ex.: vaci-
venções para a saúde, sejam elas terapêuticas ou profi-
na) ou terapêutica (ex.: hipoglicemiante). Outra
láticas. O seu crescimento tem sido exponencial; Olkin
classificação é quanto à unidade de análise, indivíduos,
estimou a publicação de aproximadamente 9.000 ensai-
em ensaios clínicos (clinicai triais), ou comunidades,
os randomizado anualmente nas revistas médicas e em
ensaios de comunidade (community triais). No ensaio
1998 a Cochrane Library já registrava mais de 150.000 19.
de comunidade a unidade de alocação para receber a
Tais estudos constituem a base metodológica para o que
intervenção é uma comunidade inteira (por exemplo, uma
atualmente é denominado de "medicina baseada em
cidade). Dois exemplos seriam os ensaios de comuni-
dade para avaliar os efeitos da fluoração da água sobre
º·
evidências" 1 3 1•
a incidência de cáries nos Estados Unidos e Canadá3, e Como já se assinalou, o principal objetivo dos estudos
o de prevenção de doença coronariana realizado na randomizados é fazer com que variáveis que podem influ-
Karelia do Norte, Finlândia26 . No estudo finlandês, o enciar no desfecho em estudo sejam distribuídas de forma
setor saúde, a indústria alimentícia e os meios de comu- homogênea, tomando os grupos comparáveis. Por exem-
nicação de massa desencadearam iniciativas de promo- plo, ao se investigar a eficácia de uma nova droga anti-
ção de hábitos saudáveis na comunidade (alimentação h ipertensiva, não é interessante que em um dos grupos
saudável, atividade física e redução de tabagismo). predominem casos leves de hipertensão, e no outro, ca-
sos mais graves. Nesse cenário, ao se identificar um pa-
drão de resposta diferente nos dois grupos, seria difícil
ENSAIOS CLÍNICOS CONTROLADOS concluir se este se deve ao uso de um novo tratamento ou
RANDOMIZADOS: HISTÓRICO E CONCEITO às características clínicas dos grupos em comparação.
O crédito ao primeiro ensaio clínico randomizado Existe consenso de que a melhor maneira de redu-
moderno é geralmente dado a Sir Austin Bradford Hill, zir a influência dos fatores estranhos é através da ran-
publicado no final da década de 1940, no qual o estatís- domização, ou alocação ao acaso, dos participantes nos
tico alocou aleatoriamente pacientes com tuberculose grupos de intervenção e de controle. Esta estratégia
pulmonar em dois grupos: um para ser tratado com es- garante que os participantes tenham a mesma chance
treptomicina e outro sem estreptomicina, podendo en- de serem incluídos em qualquer um dos grupos.
tão avaliar a eficácia da droga.
Segundo Feinstein 10, a idéia da distribuição de um
O ensaio clínico randomizado é um estudo prospec- tratamento através da randomização foi proposta por
tivo em seres humanos, que compara o efeito e o valor Fisher, em 1923, aplicada à pesquisa agrícola. Em 1926,
de uma intervenção (profilática ou terapêutica) com essa idéia foi pela primeira vez usada clinicamente por
controles. O investigador distribui o fator de interven- Arnberson e cols., para testar o valor de um composto

252 C APÍTULO 13
de ouro no tratamento da tuberculose; este estudo foi um processo de seleção de quais são aquelas drogas
também o primeiro relatado sob a condição mascarada que têm realmente um efeito clínico potencial, entre
ou "cega" (blinded), isto é, os pacientes desconheciam as inúmeras drogas investigadas que são inativas ou
qual o tratamento recebido, sendo que os controles re- excessivamente tóxicas, de tal modo que as drogas
ceberam uma injeção de água destilada. Entretanto, o selecionadas possam passar à fase III. Raramente
termo placebo foi usado pela primeira vez no estudo de a fase II vai além de 100 a 200 pacientes por droga.
Diehl, em 1938, sobre vacinação contra resfriado'º· O Com freqüência são estudos não-randomizados.
mascaramento tem por intuito reduzir o grau de subjeti- • Fase III: avaliação em larga escala do tratamento.
vidade por parte do paciente e do investigador, por oca- Após a droga ter sido demonstrada como razoavel-
sião da avaliação do desfecho. mente eficaz, é essencial compará-la em larga esca-
Os métodos de randomização e de mascaramento la com o(s) tratamento(s) padrão(ões) disponível(eis)
serão discutidos adiante. para a mesma condição médica, em um ensaio clíni-
co controlado envolvendo um número suficientemen-
te grande de pacientes. Para alguns autores, o termo
FASES DA EXPERIMENTAÇÃO OU DOS ENSAIOS
ensaio clínico seria sinônimo desses ensaios de fase
CLÍNICOS III, que vêm a constituir a forma mais rigorosa de
Os ensaios clínicos com drogas são freqüentemen- investigação clínica de um novo tratamento. A maio-
te classificados em quatro fases principais da experi- ria dos ensaios de fase III é randomizada.
mentação19•25, que em geral são conduzidas durante a • Fase IV fase de vigilância pós-comercialização
avaliação de uma nova droga. (postmarketing surveillance). Esta fase é condu-
• Fase I: são ensaios de farmacologia clínica e toxi- zida após a droga ter sido aprovada para a distri-
cidade no homem, primariamente relacionados à buição ou comercialização, no caso do Brasil, por
segurança e não à eficácia, e em geral realizados exemplo, pelo Ministério da Saúde, e no caso dos
em voluntários. O principal objetivo é determinar Estados Unidos da América (EUA) pela Food and
uma dose aceitável da droga que está sendo testa- Drug Administration (FDA). Nesta etapa, ainda
da, isto é, que possa ser dada sem causar efeitos existem questões a serem consideradas com rela-
colaterais sérios. Tal informação com freqüência é ção a monitoramento de efeitos adversos e estudos
adicionais, em larga escala, em longo prazo, de mor-
obtida a partir de experimentos de doses escalona-
bidade e mortalidade. Estudos de fase IV não são
das, nos quais voluntários são submetidos a doses
ensaios clínicos randomizados. No Brasil, o Minis-
crescentes da droga de acordo com um cronogra-
tério da Saúde, através da Agência Nacional de
ma predeterminado. A fase I também envolve es-
Vigilância Sanitária2, tem investido na formação
tudos do metabolismo e da biodisponibilidade da
de uma rede de farmacovigilância, sobretudo atra-
droga. Após estudos em voluntários normais, os
vés dos hospitais sentinela, sensibilizando os profis-
ensaios iniciais em pacientes também constituirão
sionais para a notificação de suspeita de reação
parte da fase I. Pacientes com doenças sem cura
adversa, que deverá ser investigada.
conhecida, como Aids e alguns tipos de câncer,
com freqüência participam de estudos de fase I. Algumas vezes o termo ensaio de fase IV tem sido
Tipicamente, estudos de fase I podem requerer usado para descrever estratégias de promoção de uma
entre 20 a 80 indivíduos e pacientes. Em geral não nova droga, dirigidas ao público médico em geral, o que
são randomizados e nem mesmo controlados; cos- não faz parte e não deve ser confundido com a pesquisa
tumam ser apenas séries de casos, nas quais os dos ensaios clínicos propriamente dita.
participantes são cuidadosamente monitorados pe- É importante lembrar que, precedendo os ensaios clí-
los investigadores. nicos, deve existir um programa anterior igualmente im-
• Fase II: são ensaios iniciais de investigação clínica portante de pesquisa pré-clínica, incluindo a síntese de
do efeito do tratamento, constituindo investigações novas drogas e os estudos em animais referentes ao me-
ainda em pequena escala da eficácia e segurança tabolismo, eficácia e, sobretudo, toxicidade potencial. Esta
da droga, com monitoramento cuidadoso de cada fase pré-clínica é responsável, na verdade, pela maior
paciente; são estudos-piloto de eficácia. No caso das parte do gasto estimado com a pesquisa sobre drogas.
vacinas, o foco é sobre a imunogenicidade. Algumas Atualmente, a maioria dos ensaios clínicos relacio-
vezes, os ensaios de fase II são conduzidos como na-se à avaliação de novas drogas, e é principalmente

CAPÍTULO 13 253
sustentada pela indústria farmacêutica. Estima-se que pode ocorrer não necessariamente por má fé. Um exem-
do universo de novas drogas sintetizadas em laboratóri- plo seria a hipótese de que o pesquisador acredite que o
os, apenas uma em cada 10.000 atinge a fase de estu- novo tratamento seja superior ao convencional. Se ele
dos clínicos, e no máximo 20% das que vão a ensaios souber que um paciente mais grave será alocado no grupo
clínicos são eventualmente comercializadas. A duração de tratamento convencional, ele pode não incluir esse
média de um programa inteiro de pesquisa relacionado indivíduo no estudo, aguardando a chegada de outro pa-
a uma droga é de sete a dez anos, dos quais aproxima- ciente e interferindo na comparabilidade dos grupos. O
damente a metade é gasta em ensaios clínicos, e envol- uso de uma seqüência aleatória de números, obtida atra-
ve milhões de dólares26·3 1. Portanto, o papel da indústria vés de tabelas de números aleatórios ou de algoritmos
farmacêutica e dos conflitos de interesse não pode ser computacionais, dificulta a identificação da seqüência
colocado em segundo plano. de alocações. Infelizmente, com freqüência as descri-
A classificação de ensaios de fases Ia III pode ser- ções dos métodos de alocação nos estudos descritos
vir como um guia para ensaios clínicos não-relacionados como randomizados apresentadas na literatura científi-
à indústria farmacêutica, com adaptações. Por exemplo, ca têm sido insuficientes e limitadas. Em 5-10% dos
em programas de pesquisa em quimioterapia e radiotera- ensaios em que a metodologia descreve detalhes dos
pia para câncer, os ensaios de fase l são necessariamen- métodos de alocação, não são usadas técnicas que ge-
te em pacientes e não em voluntários normais, devido à rem seqüências aleatórias.
natureza altamente tóxica dos tratamentos. Já no desen- Há várias técnicas de randomização25 :
volvimento de novos procedimentos cirúrgicos, a fase I
• randomização simples: a mais empregada, na qual
pode ser considerada como o desenvolvimento básico
os participantes são alocados diretamente nos gru-
das técnicas cirúrgicas; entretanto, são raros os ensaios
pos de estudo e controle, sem etapas intermediári-
clínicos de fase III bem delineados em cirurgia.
as. Pode ser obtida, de forma muito simples,
jogando-se "cara ou coroa" com uma moeda, em
CARACTERÍSTICAS DOS ENSAIOS CLÍNICOS que cara representasse o tratamento, e coroa, o
RANDOMIZADOS controle, ou vice-versa. Entretanto, esta técnica não
é prática, sendo mais conveniente, em geral, usar
Randomização uma tabela de números aleatórios, em que, por exem-
plo, os números ímpares vão para o grupo da inter-
A randomização é um processo de decisão que per-
venção e os pares para o grupo-controle. Pode-se
mite que os grupos de tratamento e controle sejam aloca-
ainda usar programas de computador para gerar
dos de forma aleatória (ao acaso), garantindo que todos
seqüências aleatórias de números;
os participantes tenham a mesma chance de serem inclu-
ídos em qualquer um dos grupos estudados. O seu propó- • randomização em blocos: caracteriza-se pela for-
sito é constituir grupos com características muito mação de blocos de número fixo de indivíduos, dentro
semelhantes (comparáveis) no início do estudo, exceto dos quais se tem a mesma quantidade de indivíduos
pela intervenção a ser avaliada. Dessa forma, é possível alocados em cada grupo de comparação. Por exem-
atribuir as diferenças observadas entre os grupos às in- plo, pode-se definir blocos de tamanho seis e usar os
tervenções que estão sendo comparadas. É a melhor téc- números 1,2,3,4,5,6 seqüenciados aleatoriamente em
nica para evitar viés de seleção, além de reduzir a cada bloco, de modo que a cada seis indivíduos rando-
possibilidade de viés de conE.rndimento. Conforme aumen- mizados, teremos exatamente três no grupo de inter-
ta o tamanho da amostra, aumenta a chance de que a ran- venção e três no grupo-controle. Esse método tem a
domização faça com que tanto fatores conhecidos quanto vantagem de garantir um número igual de participan-
desconhecidos que influenciam o desfecho (outcome) de tes nos grupos de estudo e controle, mesmo que o
interesse sejam distribuídos de forma semelhante entre os ensaio seja interrompido antes do final previsto. É útil,
grupos tratado e controle, evitando resultados e conclu- também, em estudos com número reduzido de paci-
º·
sões espúrias acerca da intervenção 1 12,8• entes, pois a randomização simples feita a partir de
Estratégias de alocação baseadas em ordem de che- uma tabela de números aleatórios só garante a ho-
gada dos participantes, dias da semana e numeração mogeneidade entre os grupos quando há um grande
corrida não devem ser usadas, pois facilitam a identifi- número de participantes a serem randomizados;
cação do grupo em que o indivíduo será incluído. A iden- • randomização pareada: inicialmente são formados
tificação pode facilitar a manipulação da alocação, que pares de participantes e a alocação aleatória é feita

254 CAPITULO 13
no interior do par, de tal forma que um indivíduo re- l 0% dos pacientes no grupo-controle morram no
ceba o tratamento em estudo, e o outro, o controle; primeiro mês após o tratamento;
• randomi:::ação estratificada: são formados inicial- • qual a menor diferença de tratamento conside-
mente estratos segundo características que possam rada importante para ser detectada e com que
interverir no desfecho em estudo (ex.: idade, sexo, grau de precisão: é importante lembrar que a de-
estadiamento de tumor) e a alocação aleatória é fei- monstração de reduções moderadas (por exemplo,
ta dentro de cada estrato para aumentar a chance 20-25%) da ocorrência do evento de interesse pode
de grupos balanceados quanto a esses fatores; exigir o recrutamento de milhares de pacientes35,36 .
• randomização por minimização: usa-se, de iní- No cálculo do tamanho da amostra devem ser leva-
cio, a randomização simples; após alguns indivídu- dos em consideração ainda o nível de significância dese-
os terem sido alocados, as características dos grupos jado para se detectar uma diferença de tratamento e o
são analisadas e os cálculos são refeitos à medida poder do estudo. Erro a ou erro do tipo I é a probabilida-
que novos participantes são recrutados, os quais de de detectar uma diferença que na verdade não existe,
passam a ter maior probabilidade de serem aloca- ou seja, a probabilidade de um resultado falso-positivo;
dos em um dos grupos de modo a diminuir as dife- geralmente se estipula o valor dessa probabilidade em
renças que forem detectadas, ou para manter o a = 0,05; Erro Pou erro do tipo II é a probabilidade de
equilíbrio já alcançado. É uma técnica nova, em que não detectar uma diferença quando ela realmente existe.
a informática permite o uso de muitas variáveis a O poder do estudo, ou seja, a probabilidade de que a dife-
serem acompanhadas, de forma a obter o mínimo rença de uma certa magnitude entre os tratamentos será
de diferenças entre os grupos. detectada, caso ela exista realmente, 1 - p, é geralmente
estipulado como 0,80 ou 0,90 7•25 (maiores detalhes no
Capítulo 24 -Associação Estatística em Epidemiologia:
Tamanho da Amostra
Análise Bivariada).
O ensaio deve recrutar um número suficiente de Quando o tamanho necessário da amostra é muito
pacientes para obter uma estimativa de razoável preci- grande, o ensaio pode ser realizado em vários centros,
são da resposta a cada tratamento envolvido. Embora constituindo o chamado ensaio multicêntrico, que eviden-
existam considerações de ordem prática e ética quanto temente impõe questões particulares de organização e
ao tamanho da amostra, uma abordagem estatística pa- monitoramento. O termo mega-trial tem sido usado para
drão refere-se às estimativas do poder do estudo. Há descrever ensaios que incluem milhares de part1c1pantes,
cinco questões relevantes com relação ao tamanho da em geral com um desenho simples, altamente pragmáti-
amostra25 : co e com coleta de dados limitada. O principal objetivo
• qual é o principal objetivo do ensaio: por exem- desses ensaios é atingir um maior poder estatístico e uma
plo, verificar se a aspirina tem valor em prevenir a maior possibilidade de generalização de resultados. Fre-
morte pós-infarto, o que é diferente de verificar se qüentemente esses mega-ensaios são multicêntricos,
previne reinfarto ou se previne morte e reinfarto; muitas vezes envolvendo países diferentes.
• qual é a principal medida de desfecho: por exem- No outro extremo, o chamado ensaio "n-of-1", ou
plo, morte por qualquer causa durante o primeiro ensaio de um indivíduo, é basicamente um desenho
mês após o tratamentp, o que é diferente de morte crossover no qual um participante recebe a interven-
por causa cardiovascúlar; ção em estudo e o controle, em pares, em várias oca-
siões e numa ordem randômica. Estes estudos provêm
• como os dados serão analisados para que seja
resultados individuais e não-generalizáveis, mas podem
detectada uma diferença de tratamento: a for-
ser úteis em determinadas situações em que não está
ma mais simples é a comparação entre percenta-
claro se um tratamento será útil para um paciente em
gens, por exemplo, de mortes no grupo tratado e no
particular. Por exemplo, no caso de um paciente com
grupo-controle; um teste qui-quadrado será usado
uma doença rara para a qual não existam ensaios que
e o nível de significância de 5%, por exemplo, será
dêem conta daquela situação particular; ou quando o
aceito como mostrando evidência de uma diferen-
tratamento foi avaliado por ensaios que incluíram pa-
ça de tratamento;
cientes muito diferentes do caso em questão. Tipica-
• que tipos de resultados são antecipados com o mente, o número de pares de intervenções usados não
tratame,n!o padrão: por exemplo, espera-se que é pré-especificado, de tal forma que o clínico e o pa-

CAPÍTULO 13 255
ciente podem decidir parar quando estão convencidos Tipos de Análise
de que há (ou não) diferenças importantes entre as
A análise pode ser feita de duas formas principais~6 :
intervenções. O sucesso desse desenho depende lar-
gamente da cooperação do paciente e do seguimento • entre aqueles que de fato completaram o tratamento
das regras do desenho crossover. em cada um dos grupos;
• segundo a "intenção de tratar" (intention-lo-lre-
at), na qual são incluídos todos os que foram randomi-
Organização, Planejamento e Monitoramento do
zados para formar os grupos, independentemente de
Ensaio
terem ou não completado o tratamento. Esta forma
Em relação à organização e ao planejamento, é fun- tem sido a preferida, pois garante a manutenção dos
damental definir com precisão: grupos aleatórios, e avalia o tratamento em condições
reais, com suas imperfeições. Porém, é necessário
• quais são os pacientes elegíveis, através de critéri-
saber o que ocorreu com os que não completaram o
os de inclusão e exclusão bem definidos;
tratamento, assim como se houve cruzamento entre
• que tratamento está sendo avaliado; os grupos, e a dimensão desses fatos, pois se for mui-
• quais são os desfechos de interesse a serem ana- to grande poderá introduzir viés.
lisados; Outro ponto importante refere-se à chamada análi-
• como a resposta de cada paciente será verificada. se de subgrupo. O resultado fundamental de um ensaio
clínico é a descrição do principal resultado de interesse
Quanto ao monitoramento do processo do ensaio, é
em cada um dos principais grupos de tratamento. Em-
necessário acompanhar a adesão ao protocolo, os efei-
bora seja tentador analisar os resultados em subgrupos
tos adversos, o processamento dos dados e as análises
específicos de pacientes, há grandes riscos inerentes a
interinas da comparação entre os tratamentos. Possíveis
esta análise. O primeiro deles é um número inadequado
violações e desvios do protocolo devem ser cuidadosa-
de pacientes, se a referida análise não fazia parte do
mente analisados, tais como não-adesão ao tratamento,
plano amostral inicial. O segundo é o risco de viés, já
perda de participantes, avaliação incompleta, cruzamen-
que os subgrupos selecionados por características que
to entre os grupos tratado e controle após a randomiza-
são levantadas após a alocação do tratamento podem
ção. Este último problema ocorreu, por exemplo, no braço
não ser comparáveis, ainda que tenham sido retirados
nitrato versus controle do ensaio clínico multicêntrico
de grupos inicialmente randomizados. Em terceiro, quan-
GISSI-3, de intervenções no infarto agudo do miocár-
do um grande número de subgrupos é examinado, há
dio, em que 57% dos pacientes randomizados para con-
um aumento da chance de que alguns deles venham a
trole receberam nitrato, diminuindo o poder do estudo em
mostrar uma diferença estatisticamente significativa
detectar uma possível diferença entre os dois grupos 13 .
espúria. Um exemplo clássico dessa possibilidade de
A análise das co-intervenções, ou seja, de outras in- associação espúria surgiu na análise do efeito do signo
tervenções além da estudada, aplicadas aos pacientes astrológico no estudo lSIS-2, sugerindo que o uso da
randomizados, é importante, pois se distribuídas de forma aspirina no infarto miocárdio era benéfico para pacien-
desigual entre os grupos de estudo, podem introduzir viés. tes de todos os signos exceto Libra e Gêmeos, para os
As análises interinas são importantes para evitar pro- quais havia aparentemente dano 18 .36 .
longamento desnecessári~ de um ensaio clínico em que
as diferenças entre os grupos já estejam evidentes, ga-
Mascaramento e Uso de Placebo
rantindo, portanto, que nenhum paciente no ensaio venha
a receber um tratamento sobre o qual já existam evidên- A técnica do mascaramento, avaliação cega (blin-
cias de que seja inferior. Constituem análises intermediá- ding) ou ocultamento objetiva evitar que os partici-
rias dos resultados de um ensaio que ainda está em pantes do ensaio saibam o tratamento que é
andamento, no sentido de detectar se já existem evidên- administrado; a sua justificativa reside no potencial para
cias definitivas de diferenças entre os grupos sob estu- viés que ocorre quando todas as pessoas envolvidas
do25. O número de análises intermediárias a serem no ensaio conhecem qual é o tratamento que o pacien-
realizadas em um estudo deve ser pré-definido e os tes- te está recebendo. O mascaramento pode referir-se
tes de significância estatística devem levar em conside- ao paciente, ao grupo de profissionais que aplica o tra-
ração o efeito de múltiplas comparações 19. tamento e ao avaliador25 •

256 CAPÍTULO 13
O chamado efeito Hawthome diz respeito à ten- paciente, o investigador que administra a intervenção e
dência dos indivíduos mudarem seu comportamento por- aquele que avalia o efeito; ou o paciente, o investigador
que são alvos de interesse e atenção especial, não importa que administra e ao mesmo tempo avalia o efeito, e o
a natureza específica da intervenção que estão rece- investigador que analisa os dados. No quádruplo-cego
bendo. Uma forma de controlá-lo é através do masca- haveria quatro categorias de participantes cegos quanto
ramento e uso de placebo 12 • à condição do tratamento. Na verdade, embora seja te-
oricamente fácil transformar um duplo-cego em um tri-
O fato de o paciente saber que está recebendo um
plo ou quádruplo-cego, raramente isto acontece. Na
novo tratamento pode ter efeito benéfico psicológico, e
prática, é mais comum referir-se a duplo-cego 19-15 .
ao contrário, o fato de o paciente saber que está rece-
bendo um tratamento convencional ou nenhum trata- Um ensaio em que não há tentativa de mascaramento
mento pode exercer um efeito desfavorável. É claro que é chamado de aberto (open ou open labe/). Para muitas
o impacto depende do tipo de doença e da natureza do questões clínicas importantes não é possível o mascara-
tratamento, mas tal possibilidade não deve ser subesti- mento, como na avaliação dos efeitos de cirurgias, radiote-
mada mesmo em doenças não-psiquiátricas. rapia ou dieta 12, cabendo o uso de ensaios abertos.
Em relação ao grupo que aplica o tratamento, deci- Quando o mascaramento é possível, em geral é al-
sões quanto à modificação de dose, detalhamento do exa- cançado com o uso de um placebo. O placebo constitui
me do paciente, a continuação do tratamento do ensaio e uma substância de aparência, forma e administração
a necessidade de outros tratamentos adicionais são ge- semelhante ao tratamento que está sendo avaliado, po-
ralmente da responsabilidade do médico assistente, que rém sem ter o princípio ativo do mesmo. A principal ra-
pode influenciar o curso do tratamento de várias manei- zão para introduzir controles com placebo é fazer com
ras. Essas decisões podem ser influenciadas pelo conhe- que as atitudes dos pacientes do ensaio sejam tão pare-
cimento do grupo do ensaio ao qual o paciente pertence. cidas quanto possível nos grupos tratado e controle. O
Também o entusiasmo por algum novo tratamento pode efeito placebo é uma resposta a uma intervenção médi-
ser transferido ao paciente e ocasionar mudança de ati- ca, que apesar de ser definitivamente um resultado da
mesma, não tem relação com seu mecanismo de ação
tude do mesmo, aumentando a adesão, por exemplo.
específico 12• Um princípio básico a ser considerado é
Quanto ao investigador que avalia os resultados, se que, eticamente, pacientes não podem ser alocados para
é informado quanto ao tratamento de cada paciente, há receber placebo se existe um tratamento padrão alter-
um risco potencial, por exemplo, de registrar respostas nativo de eficácia estabelecida.
mais favoráveis para o tratamento que acredita ser su-
perior. O não conhecimento dos grupos do ensaio ajuda TIPOS DE ENSAIOS CLÍNICOS
a evitar vieses de aferição, que também são minimizados
quando se define o evento final de interesse da forma Os ensaios clínicos podem ser usados para avaliar
mais objetiva possível. Viés de aferição é particularmen- diferentes tipos de intervenções em diversas populações
te passível de ocorrer quando a avaliação da resposta ao de participantes, em distintas circunstâncias e para di-
tratamento requer julgamento clínico. Mesmo em even- ferentes propósitos. Uma vez que o investigador tenha
tos aparentemente bem definidos, como infarto agudo garantido a alocação randômica, o estudo pode ser de-
do miocárdio, muitas vezes surge a necessidade do jul- senhado através de várias estratégias, que levam em
gamento clínico em casos limítrofes, nos quais o conhe- conta recursos disponíveis, motivações acadêmicas, po-
cimento sobre o grupo ao qual o paciente pertence líticas, de marketing ou clínicas. Ao longo dos anos,
poderia fazer com queAo avaliador direcionasse o diag- múltiplos termos têm sido empregados para descrever
nóstico final a favor ou contra infarto, por exemplo. diversos tipos de ensaios clínicos, freqüentemente se re-
ferindo a aspectos do seu delineamento. A seguir serão
O termo duplo-cego refere-se àqueles ensaios nos descritos alguns dos mais citados, a partir de uma adap-
quais nem o paciente nem aqueles responsáveis pela tação da proposta de classificação sugerida por Jadad 19,
sua assistência e avaliação conhecem qual o tratamen- com o objetivo de facilitar o entendimento desse espec-
to que ele está recebendo. Na verdade, neste caso, os tro de termos.
três tipos de participantes estão cegos quanto à condi-
ção do tratamento; porém, como freqüentemente os Ensaio em Paralelo, Desenho Fatorial e Ensaios
mesmos clínicos que trabalham com a terapêutica são do Tipo Crossover
os que avaliam o paciente, o termo duplo-cego é ade-
quado. No ensaio triplo-cego, três grupos de participan- De acordo com o modo como os participantes são
tes estãp ,cegos quanto à condição do tratamento: o expostos à intervenção, os ensaios clínicos podem apre-

C APÍTULO 13 257
sentar um desenho em paralelo, fatorial ou do tipo cros- determinar se uma intervenção funciona, mas também
sover. A maioria tem um desenho em paralelo, no qual de descrever todas as conseqüências de seu uso, sejam
cada grupo de participantes é exposto a apenas uma boas ou más, sob circunstâncias que se aproximam da
das intervenções estudadas 19 . prática clínica "real". Os ensaios pragmáticos tendem a
No desenho fatorial os efeitos de vários fatores são ter critérios menos rígidos, incluindo participantes de ca-
verificados em um único ensaio. Por exemplo, no estudo racterísticas heterogêneas, semelhantes aos vistos pelos
das drogas A e B, um desenho fatorial avaliará quatro gru- clínicos na sua prática diária. Tendem a usar controles que
pos de tratamento: A, B, A + B e controle sem nenhuma recebem drogas ativas e não placebo, e têm regimes de
delas. Um exemplo é o ensaio clínico multicêntrico ISIS-2, prescrição mais flexíveis. O desenho é mais simples e menos
onde foram avaliados os efeitos da aspirina, da estrepto- rígido; pode utilizar desfechos cuja padronização é mais
quinase, de ambas e de nenhuma das duas drogas, em pa- difícil, como medida da qualidade de vida ou da função
cientes com suspeita de infarto agudo do miocárdio 18 •
sexual25-28 . Ensaios clínicos com o objetivo de avaliar a
Algumas vezes pode ser adequado constituir com- efetividade de uma intervenção tendem a ser pragmáti-
parações seqüenciais no mesmo paciente, como ocorre cos, pois tentam avaliar os efeitos em circunstâncias
nos ensaios do tipo crossover ou seqüencial, nos quais mais próximas da prática clínica diária. Para assegurar
cada paciente receberá mais de um tratamento, de for-
a capacidade de generalização dos resultados de um en-
ma alternada. No caso de dois tratamentos A e B, me-
saio pragmático, ele deve incluir, tanto quanto possível, aque-
tade dos indivíduos é randomizada para receber os
les pacientes para os quais o tratamento será aplicado.
tratamentos na ordem A, B, e metade para recebê-los na
ordem B, A. Ensaios do tipo seqüencial permitem com- O termo ensaio explanatório tem sido usado por al-
parações para cada participante, de tal forma que cada guns autores para referir-se àquele desenho com objeti-
um age como seu próprio controle. Assim, esses ensaios vo de avaliar se a intervenção funciona ou não, dentro
podem produzir resultados estatisticamente adequados de uma abordagem que se preocupa com princípios da
com um menor número de participantes do que seria farmacologia ou fisiologia, pretendendo estabelecer
necessário com um desenho de grupos paralelos con- como a intervenção funciona, e obedecendo a critérios
vencionais. Por outro lado, o ensaio seqüencial tem ades-
mais rígidos. O ensaio explanatório tem critérios de in-
vantagem de que o efeito do primeiro tratamento pode
clusão estritos que produzem grupos de estudos alta-
ocorrer no período no qual o segundo está sendo adrninis-
trado 19·2 1·25. Para este desenho, é necessário que a doen- mente homogêneos, tendendo a usar placebo, regimes
ça ou condição seja estável e o efeito da intervenção de prescrição fixos e desfechos precisos e bem padro-
tenha início rápido e duração curta. nizados (por exemplo, pressão arterial mensurada em
momentos pré-estabelecidos e segundo técnica padro-
A Figura 13. l exemplifica esquematicamente um en-
nizada). Os ensaios explanatórios são desenhados para
saio de agentes hipertensivos com um desenho do tipo
crossover. avaliar se um tratamento é eficaz sob determinadas con-
dições experimentais ideais.
Na literatura da analgesia, há vários exemplos de
Ensaios Pragmáticos (de Efetividade) e Ensaios
abordagem explanatória e pragmática; investigadores na
Explanatórios (de Eficácia)
década de 1960 como Beecher e Houde desenvolve-
O termo ensaio pragmittico tem sido usado para re- ram comparações de dose única em pacientes no pós-
ferir-se àquele desenho com objetivo não apenas de operatório ou com câncer, supondo que tais pacientes
forneceriam um "modelo" para avaliar a eficácia da
analgesia em qualquer condição álgica e usando gru-
pos-controle variados. Estes estudos explanatórios cons-
'f Drogo nova Droga ~onvencional 1
tituíram a base para as tabelas de potência relativa dos
1/2
analgésicos modernos. Mais recentemente, grupos de
Randomização 4 semanas 4 semanas
anestesiologistas têm desenvolvido estudos pragmáticos
1/2 avaliando a utilidade de técnicas como anestesia con-
4 Droga convencional Droga novo
trolada pelo paciente, uso epidural de opiáceos e anes-
Fig. 13. 1 - Desenho do tipo crossover em um ensaio clínico de tésicos, e bloqueio de nervos periféricos durante cirurgia,
agente hipertensivos.
. .' em condições que refletem a prática diária 19 .

258 C APÍTULO 13
Ressalta-se que muitas vezes, ao incorporar-se uma Outro viés relaciona-se com a publicação dos en-
tecnologia eficaz segundo um ensaio clínico randomiza- saios, e não com a realização propriamente dita dos mes-
do, pode ocorrer perda de efetividade e os resultados na mos; trata-se do viés de publicação, que é a tendência a
prática cotidiana não serem tão satisfatórios em relação serem mais publicados os estudos com resultados posi-
a outras escolhas. Um exemplo que tem sido muito dis- tivos.
cutido em cardiologia diz respeito à escolha da melhor
técnica de reperfusão coronária no infarto agudo do
miocárdio (1AM). Segundo meta-análise de 24 ensaios ESTIMATIVA DO TAMA'\HO DO EFEITO DO
clínicos randomizados, a angioplastia primária é mais TRATAMENTO
eficaz do que a trombólise farmacológica na reperfusão A estimativa do tamanho do efeito do tratamento
coronária no IAM 20 . Entretanto, quando são avaliados pode ser feita de diversas maneiras4 . A Tabela 13.1 mos-
resultados fora do contexto dos ensaios clínicos, muitas tra a distribuição teórica de possíveis efeitos nos grupos
vezes a efetividade de ambas se equipara ou até favo-
tratado e controle:
rece o trombolítico, por diversas razões relacionadas à
implementação das intervenções no "mundo real", ou iT -"''•é' ' .• · -, ',' .-~.- - .,
- '
, . - .- "', - -•=--- .,,.,..-~ ~,
-
:"'

seja, fora do ambiente controlado dos ensaios. Neste ~

caso, cabem reflexões inclusive de ordem ética na es- '. .


colha das intervenções, que devem ser eficazes mas
Evento de Interesse
também efetivas32 . Ao tomar-se a decisão de incorpo-
rar uma intervenção ou tecnologia, deve-se levar em Grupo Presente Ausente Risco do Evento
consideração não apenas a eficácia, mas também a efe- Tratado a b RT = o/(a + b)
tividade e ainda a eficiência. O conceito de eficiência
leva em consideração a relação entre custos e conse-
Controle e d RC = c/(c + d)
qüências, ou custo versus beneficio. RT = risco no grupo trotado.
RC = risco no grupo-controle.

VIESES E:VI POTENCIAL


A seguir, são resumidas algumas formas de se me-
Embora o ensaio clínico randomizado seja o padrão dir o tamanho do efeito do tratamento:
de referência dos métodos de pesquisa clínica e epide-
A redução absoluta de risco (RAR) é a diferença
miológica, também é sujeito a vieses, que devem ser
de risco entre o grupo-controle (RC) e o grupo tratado
considerados. É importante considerar que são fontes
(RT), em termos absolutos:
em potencial de viés o processo de seleção dos grupos,
a alocação do tratamento, a realização da intervenção
da forma proposta, e a aferição dos resultados. A ran- RAR = RC - RT
domização bem realizada controla os dois primeiros.
Como já foi visto, problemas que ocorrerem após a ran-
domização podem introduzir diferenças sistemáticas
O risco relativo (RR) é a razão entre o risco no
grupo tratado (RT) e o risco no grupo-controle (RC):
entre os grupos sob observação; alguns exemplos são
cruzamentos entre os grupos.
Perdas de seguimeÍlto e não-cooperação de par- RR = RT/RC
ticipantes podem introduzir viés, sobretudo se diferente-
mente distribuídas entre os grupos tratado e controle, e
A redução relativa de risco (RRR) ou relative risk
devem ser sempre mencionadas.
reduction expressa a redução percentual de eventos
Viés de aferição (também dito de informação, ob- no grupo tratado (RT) em relação aos controles (RC).
servação ou medida) resulta de diferenças sistemáticas É também conhecida como eficácia, que representa a
no modo com que os dados sobre o evento de interesse redução relativa do risco obtida com a intervenção:
são obtidos dos vários grupos em estudo. São minimiza-
dos quando se usa a técnica duplo-cego com placebo;
porém nem sempre é possível, mesmo com essa técni- RRR = (l - RT/RC) x 100 = (l - RR) x 100
ca, ocultar de observadores e observados os grupos a RRR = [(RC - RT)/RC] x 100
que estes .últimos pertencem.

CAPÍTULO 13 259
O número necessário para tratar (NNT) ou num- camente demonstrável de aproximar-se do valor do RR
ber needed to treat é o inverso da redução absoluta de quanto mais raro for o evento de interesse (ver Capítulo
risco. Esta medida expressa o número de pacientes que 9 Medidas de Associação e Medidas de Impacto).
devem ser tratados a fim de que um evento adverso
adicional seja evitado. Por exemplo, se uma droga tem OR = (a/b) + (c/d) = a .d / b. c
um NNT igual a cinco, em relação ao evento morte,
significa que cinco pacientes devem ser com ela trata- Em seguida, um exemplo do cálculo das medidas do
dos para que uma morte adicional seja evitada3•22-29 . O tamanho do efeito da trombólise intravenosa (IV) sobre
NNT tem recebido ênfase crescente na literatura médica a mortalidade de cinco semanas no infarto agudo do
como um meio de medir o impacto de uma intervenção. miocárdio (IAM) é construído com dados estimados a
Como a RAR é influenciada pela freqüência do evento partir de uma meta-análise de ensaios clínicos randomi-
que se está avaliando e o NNT é o inverso da RAR, ele zados multicêntricos, resumidos na Tabela 13.2:
também será influenciado pela freqüência do evento.

NNT = 1/RAR Tabela 13.2


Efeito ela TrombóliN IV em PacienlN com
NNT = I/(RC - RT) Supnad11n.,._'9ialnenlo de ST ou lloquelo de lmno • Delta
Tempo 1116 Seis Horas ela Inicio elas Silllomas de IAM

Um NNT muito pequeno, próximo a 1, significa que Resultado


um desfecho favorável ocorre em quase todo paciente Grupo Morte Não To tal Letalidade
que recebe aquele tratamento e em poucos do grupo-
Trotodo 1.352 13.086 14.438 9,4%
controle; portanto, que a intervenção é bastante eficaz.
NNTs próximos a I quase nunca são encontrados na Controle 1.773 12.613 14.386 12,3%
prática, mas NNTs pequenos ocorreram em alguns en-
saios clínicos, como os que compararam antibióticos com
placebo na erradicação de infecção por Helicobacter A estimativa do efeito da trombólise IV no 1AM a
pylori em pacientes com úlcera péptica. Em contraste, partir dos resultados apresentados na Tabela 13.2 pode
determinadas intervenções podem ter NNTs tão altos ser expressa através de:
como 20 a 40 e ainda assim serem clinicamente rele- • redução absoluta de risco RAR = 12,3% 9,4%
vantes. Um exemplo é a associação de aspirina e es- 2,9%. Ou seja, a diferença na letalidade entre o
treptoquinase para reduzir a mortalidade pós-infarto grupo-controle e o grupo tratado com trombo! ítico
agudo do miocárdio (NNT = 20). foi de 2,9 unidades percentuais;
Não é apropriado comparar NNTs aplicados a dife- • risco relativo RR = 9,4112,3 = 0,76. Assim, o gru-
rentes condições, principalmente se os desfechos de in- po tratado com trombolítico apresentou um risco re-
teresse variam. Por exemplo, um NNT de 30 para prevenir lativo de morte de 0,76 em relação ao controle,
trombose venosa profunda pode ser valorizado de forma tratando-se, portanto, de uma intervenção benéfica;
diferente de um NNT de 30 para evitar um acidente vas- • redução relativa de risco RRR = ( 1RR) x
cular encefálico ou morte. O conceito expresso pelo NNT 100 = 24%. Isto significa que a trombólise intrave-
é de freqüência e não de utilidade; o valor numérico é nosa possibilitou uma redução na letalidade pós-
uma função da doença, da intervénção e do desfecho. Só IAM de 24% em relação ao grupo-controle;
é possível comparar diretamente os NNTs de diferentes
• number needed to treat - NNT = !IRAR = 1
intervenções quando se referem à mesma doença (e gra-
0,029 = 34. A interpretação, neste caso, é de que
vidade) e ao mesmo desfecho4•23.3 1. seria necessário tratar 34 pacientes com trombolíti-
Conceito análogo pode ser aplicado à produção de co para se evitar a morte de um deles, ou seja, a
efeitos indesejados: número necessário para produzir cada 34 pacientes tratados, uma morte é prevenida.
dano ou number needed to harm (NNH). • OR=(l.352 x 12.613) / (13.086x 1.773) -0,73. A
Odds ratio (OR) ou razão de chances: é outra me- chance de morrer no grupo tratado é 0,73 em rela-
dida de associação; trata-se de uma razão entre as chan- ção ao grupo-controle.
ces de ter o desfecho esperado no grupo de intervenção . Maiores detalhes podem ser encontrados no Capí-
e no grupo-controle,
. , que tem a propriedade matemati- tulo 9 Medidas de Associação e Medidas de Impacto.

260 CAPÍTULO 13
VALIDADE INTERNA VERSUS VALIDADE EXTERNA De início, o problema deve ser claramente definido e
uma estratégia adequada de pesquisa bibliográfica dev~
Todas as questões até então discutidas dizem res- ser utilizada para obter a melhor evidência disponível. E
peito à validade interna do ensaio clínico. A difusão dos crescente a realização e a publicação de ensaios clíni-
ensaios randomizados e seu uso como padrão para de- cos na área médica, representando uma gigantesca
monstração de eficácia terapêutica têm possibilitado que quantidade de informação a ser administrada. Para exem-
evidência científica de boa qualidade esteja disponível plificar, Cheng, autor que estuda acrônimos de ensaios clí-
antes que novos agentes terapêuticos sejam introduzi- nicos em cardiologia, discutiu o crescimento exponencial
dos à clínica. Entretanto, outro aspecto fundamental a de aproximadamente 200 ensaios em 1992 para mais de
ser discutido refere-se à possibilidade ou não de gene- 2.300 em 1998, crescimento este que continua ocorrendo.
ralização dos resultados do ensaio. A validade externa Neste sentido, metodologias de revisão sistemática e meta-
de um estudo implica na possibilidade de generalizarem- análise podem trazer uma contribuição importante para se
se os resultados da amostra estudada para outras popu- fazer frente ao volume crescente de dados a serem consi-
lações que não a população-alvo do estudo. Envolve derados na decisão clínica sobre que intervenção utilizar
variações de pacientes, de fatores de gravidade e vari- (maiores detalhes no Capítulo 16 - Revisão Sistemática e
ações etnoculturais, além de considerações de eficácia Metanálise).
x efetividade, custo x beneficio, risco, infra-estrutura, e
assim por diante. Só se justifica tal consideração após a Uma vez que um artigo relevante tenha sido encon-
constatação da validade interna do estudo. trado, a qualidade da evidência nele contida deve ser ava-
liada. Se a evidência é pobre, qualquer inferência
O Quadro 13.1 apresenta um resumo adaptado do Evi- subseqüente será enfraquecida, assim como a decisão
dence Based Medicine Working Group 15•16• 17, que é útil clínica gerada a partir dela. Se a qualidade do artigo é
para a avaliação das principais questões relacionadas à vali- adequada, é necessário determinar as margens dentro das
dade interna e externa de wn ensaio clínico. Tais questões quais o efeito do tratamento provavelmente ocorre, e en-
devem ser consideradas durante o processo de decisão tão considerar até que ponto os resultados são generali-
médica de aplicar ou não determinado resultado de um estu- záveis para o paciente em questão e se os desfechos que
do de intervenção a wn paciente em questão. foram medidos são relevantes. Se há duvidas sobre a
Deve haver bom senso no uso da literatura científi- generalização ou sobre a importância dos desfechos,
ca para resolver uma questão terapêutica ou profilática. a base para uma recomendação terapêutica ficará enfra-
quecida. Os riscos de efeitos adversos devem ser consi-
derados. Deve ser feito um balanço entre a probabilidade
Quadro 13. 1 de beneficio, os custos associados (incluindo financeiros
Como A'Wlliar um Estudo ele Intel Nnçáo e relativos à conveniência do tratamento) e os riscos, além
1. Os resultados são vólidos? Avaliar se: das preferências do paciente. Este julgamento guiará a
• houve randomização decisão terapêutica. Tomar este processo mais explícito
• a seguimento (fo/low up) foi completo e aumentar a capacidade de identificar e analisar a qua-
• os pacientes foram analisados nos grupos para as quais lidade da evidência disponível levará a uma melhor toma-
foram randomizadas da de decisão. Isso tem sido feito através de iniciativas
• o estudo foi cego
como a declaração Consort, que é uma importante ferra-
• os grupos eram semelhantes no início do ensaio;
menta elaborada para melhorar a qualidade dos relatos
• os grupos foram trata,slos de forma semelhante, à
exceção do tratamento sob investigação de ensaios randomizados. A declaração está disponível
em várias línguas e recebeu o endosso de periódicos pro-
2. Quais são os resultados? Avaliar: eminentes. Consiste basicamente de um checklist de itens
• qual é o tamanho do efeito do tratamento que precisam ser descritos e de um fluxograma para for-
• qual a precisão da estimativa do efeito do tratamento
necer uma imagem clara do progresso de todos os parti-
3. Os resultados podem ajudar na assistência ao paciente cipantes do ensaio, desde a randomização até o final da
em questão? Aval iar se: participação deles no estudo33 .
• os resultados podem ser aplicados ao tipo de paciente
em questão
• os eventos clinicamente importantes foram LIMITAÇÕES
considerados
• os benefícios do tratamento irão suplantar os possíveis Embora os ensaios clínicos randomizados sejam
danos e custos
considerados a melhor fonte de evidência científica na

CAPÍTULO 13 261
pesquisa clínica, não respondem a todas as questões da Regulamentação Brasileira da Ética em Pesquisa
clínicas, havendo várias situações em que não podem Envolvendo Seres Humanos).
ser realizados, ou não são necessários, apropriados ou Mesmo quando a investigação é plenamente justifi-
mesmo suficientes para ajudar a resolver problemas cada, algumas questões merecem reflexão:
importantes. Este desenho é ideal para responder ques-
tões relacionadas a efeitos de intervenções de tama- • um dos pontos centrais é a privação do grupo-con-
nho pequeno a moderado. Além disso, há muitas trole de um novo tratamento para o qual haja evi-
situações que poderiam ser estudadas por ensaios clí- dências de ser nitidamente superior ao tratamento
nicos, para as quais eles não estão disponíveis. A rea- habitual. A não-administração aos pacientes de um
1ização dos ensaios é ainda limitada por questões tratamento eficaz só é eticamente aceitável se há
financeiras, por taxas de aderência baixas ou por per- dúvidas quanto à eficácia do tratamento;
da de seguimento elevadas. Finalmente, mesmo quan- • deve ser usado o menor tamanho de amostra infor-
do um ensaio clínico randomizado de boa qualidade está mado pelos cálculos que seja adequado para res-
disponível, dificilmente ele fornecerá todas as respos- ponder à pergunta em investigação. O estudo deve
tas necessárias para a decisão clínica. Esta complexa ser interrompido se há evidência definitiva, durante
decisão necessita da evidência científica, da interface sua condução, do beneficio ou da ausência de be-
com o paciente e da reflexão sobre o contexto do pro- neficio do tratamento em questão;
blema, sendo modulada pela experiência clínica. Como
• o consentimento informado do paciente deve estar
bem alerta Bernard Lown 22 , cardiologista e cientista
sempre presente;
pioneiro na pesquisa da morte súbita, no uso do desfi-
brilador cardíaco, da lidocaína nas arritmias ventricu- • comitês de monitoramento do ensaio devem ser cons-
lares e das unidades coronarianas: "O paradoxo de tituídos para acompanhar o progresso do estudo, ava-
minha vida está na ironia de ter minha pesquisa contri- liando quebras do protocolo, análises intermediárias
buído para aquilo que eu mais deploro ... De acordo e indicações de interrupção precoce do mesmo.
com alguns médicos, a tecnologia substitui satisfatori- Além das questões até aqui discutidas, é de extre-
amente a conversa com o paciente". ma relevância a percepção da existência do chamado
conflito de interesses e sua possível influência sobre a
QUESTÕES ÉTICAS realização de pesquisas e na própria decisão médica. A
influência de questões econômicas sobre quais pesqui-
O primeiro código de conduta em pesquisas inter- sas devem ser realizadas necessita ser reconhecida.
nacionalmente aceito foi o Código de Nuremberg ( 1947), Como já foi dito o gasto em pesquisa de novas drogas é
que estabeleceu que nenhum ser humano poderia ser enorme. Estratégias para recuperar esses gastos vêm
submetido a qualquer pesquisa sem que tivesse dado embutidas, por exemplo, em estratégias de marketing e
seu consentimento explícito para isso. Posteriormente, propaganda. No primeiro semestre de 1998, só nos EUA,
a necessidade de regulamentar as pesquisas em seres a indústria farmacêutica gastou 3, 1 bilhões de dólares
humanos e a pouca influência daquele código levaram à em propaganda de drogas para médicos e consumido-
aprovação do que viria a constituir o documento inter- res; desse montante, 1,8 bilhão foi gasto com propagan-
nacional básico para a discussão ética dos ensaios clíni- da direta ao médico, "face a face", por exemplo, através
cos: a Declaração de I lelsinque, 1964, revista em Tóquio dos propagandistas 27• No ano 2000, naquele mesmo país,
em 1975. No Brasil, em 1O 10/1996, o Conselho Nacio- a indústria farmacêutica gastou 2,5 bilhões de dólares
nal de Saúde aprovou as Diretrizes e Normas Regula- em propaganda direta ao consumidor, sendo que 2,26
mentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos bilhões com menção explícita do nome comercial da
(Resolução 196/96)6 , que definiu os princípios básicos droga. Alguns estudos mostram que essas estratégias
para apreciação ética dos protocolos de pesquisa, criou têm impacto sobre a prática médica 34 • Além disso, a
os Comitês de Ética cm Pesquisa (CEPs) e a Comissão existência do chamado viés de publicação, que repre-
Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Até então a senta a maior tendência em publicar resultados positi-
regulamentação nacional sobre ética em pesquisa esta- vos ("que deram certo") do que os negativos. também
va restrita ao Código de Ética Médica6 e de outros con- deve ser reconhecida. O papel da mídia divulgando re-
selhos de profissionais de saúde (maiores detalhes no sultados de estudos muitas vezes sem isenção ou co-
Capítulo 34 Eticidade da Pesquisa Científica: o caso nhecimento técnico também tem sido discutido.

262 C APÍTULO 13
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.'

CAPiTULO 13 263
Estudos Ecológicos

Roberto de Andrade Medronho

DEFINIÇÃO • gerar hipóteses etiológicas a respeito da ocorrên-


cia de uma determinada doença. Este é o objetivo
São estudos em que a unidade de análise é uma po- mais comum dos estudos ecológicos;
pulação ou um grupo de pessoas, que geralmente perten-
• testar hipóteses etiológicas. Este objetivo, muitas
ce a uma área geográfica definida, como por exemplo
vezes, é prejudicado por dificuldades de se contro-
um país, um estado, uma cidade, um município ou um
lar confundimento, como será visto mais adiante;
setor censitário.
• avaliar a efetividade de intervenções na população,
Segundo Greenland1, esta denominação não seria a mais isto é, testar a aplicação de um determinado proce-
adequada, pois a palavra "ecológico" pode sugerir que estes dimento para prevenir doença ou promover saúde
estudos se referem especificamente à análise do impacto de em grupos populacionais.
fatores ambientais, incluindo as caracteristicas sociais, quando
na verdade são estudos de agregados de indivíduos.
NÍVEIS DE ÁNÁLISE
Os estudos ecológicos são freqüentemente realiza-
dos combinando-se bases de dados referentes a gran- Em uma análise de nível individual ( estudo de
des populações. Em função disto são, em geral, mais coorte, caso-controle etc.), o valor de cada variável é
baratos e mais rápidos do que estudos envolvendo o in- assinalado para cada sujeito no estudo. Assim, é possí-
divíduo como unidade de análise. vel conhecer, por exemplo, entre os expostos, aqueles
que adoeceram (a) e entre os não-expostos, aqueles que
Os estudos ecológicos ~ocuram avaliar como os
não adoeceram (d), conforme observado na Tabela 14.1.
contextos social e ambiental podem afetar a saúde de
grupos populacionais. Neste caso, as medidas coleta- Em uma análise ecológica, todas as variáveis são
das no nível individual são incapazes de refletir adequa- medidas agrupadas. Estas medidas não discriminam, por
damente os processos que ocorrem no nível coletivo. exemplo, os indivíduos expostos que adoeceram._ A~si~,
Por exemplo, o nível de desorganização social de uma dentro de cada grupo não é possível conhecer a d1stnbut-
ção conjunta de cada combinação de variáveis, ou seja,
comunidade pode contribuir para que uma determinada
as freqüências de casos-expostos (a) e não-expostos (c)
epidemia ocorra de maneira mais intensa.
e as freqüências de não casos expostos (b) e não-expos-
tos (d); apenas se conhece a distribuição marginal de cada
Ü BJETIVOS variável: o total de indivíduos expostos (e,) e não-expos-
tos (e0) e o total de casos (m 1) e não-casos (mo)- A Tabe-
Os principais objetivos dos estudos ecológicos são: la 14.2 exemplifica os resultados de um estudo ecológico2.

CAPÍTULO 14 265
• medidas globais: são atributos de grupos, organiza-
ções ou lugares para os quais não existem análogos
Doenço (Y)
no nível individual (por exemplo, densidade demo-
Fator em Estudo (X) Coso NôO•COSO Total
gráfica, nível de desorganização social, existência de
um determinado tipo de sistema de saúde).
Exposto a b e,
Nõo•exposto e d eo
TIPOS DE DESENHO
Totol m, mo n
Os estudos ecológicos podem ser classificados em
duas dimensões distintas, uma referente ao método de
mensuração da exposição e a outra referente ao mé-
todo de agrupamento. Em relação à primeira dimen-
são, os estudos ecológicos podem ser divididos em
Doença (Y) exploratórios, quando não existe uma exposição especí-
Fator em Estudo (X) Coso Nôo•COSO Total fica de interesse ou a exposição de interesse não é in-
Exposto ? ? e,
cluída no estudo; e em analíticos, se a exposição é
mensurada e incluída na análise. Em relação à segunda
Nõo•exposto ? eo
dimensão, os estudos ecológicos podem utilizar grupos
Total m, m~ n populacionais identificados a partir das diversas locali-
dades geográficas (desenho de múltiplos grupos), atra-
vés de diferentes períodos de tempo (desenho de séries
temporais) ou combinando-se tempo e lugar (desenhos
Em um estudo ecológico, a variável independente
mistos). A seguir são descritos os diferentes tipos de
(X) é a proporção de indivíduos expostos dentro do gru-
desenho de estudo ecológico.
po (ei/n) e a variável dependente (Y) é a taxa de inci-
dência da doença (mi/n). Note que estas variáveis são
contínuas, a despeito dos dois fatores serem dicotômi- Desenhos de Múltiplos Grupos
cos no nível individual.
• Estudo exploratório: as taxas de doença ou de
outros agravos à saúde entre diversas regiões du-
TIPOS DE VARIÁVEIS UTILIZADAS rante o mesmo período de tempo são comparadas
entre si. O objetivo é identificar padrões espaciais
As variáveis utilizadas nos estudos ecológicos po-
desses eventos, gerando hipóteses de uma possível
dem envolver mensurações efetuadas diretamente no
etiologia ambiental ou uma etiologia mais específi-
nível individual (idade, sexo, pressão arterial etc.), como
ca, relacionada às características da população,
também envolver observações de grupos, organizações
como as genéticas. Por exemplo: Medronho e cols. 5
ou lugares (densidade demográfica, desorganização so-
mapearam a soroprevalência de anticorpos contra
cial, poluição etc.). Estas variáveis podem ser classifi-
o vírus da hepatite A resultante de um inquérito so-
cadas em três tipos diferentes3 :
roepidemiológico realizado em 21 setores censitá-
• medidas agregadas: sintetizam as características rios de uma região carente do Município de Duque
individuais dentro dê cada grupo. São construídas a de Caxias, Rio de Janeiro (Fig. 14.1 ).
partir da agregação das mensurações efetuadas no
Freqüentemente. o mapeamento das taxas de doen-
nível individual, como por exemplo, a proporção de
fumantes, a taxa de incidência de uma doença e a ça para comparação entre as regiões pode conter dois
renda familiar média. tipos de problemas:

• medidas ambientais: são características tisicas do regiões com poucos casos mostram grande varia-
lugar onde os membros de cada grupo vivem ou bilidade na taxa da doença;
trabalham (por exemplo, nível de poluição do ar, regiões vizinhas tendem a ter taxas mais semelhan-
horas de exposição à luz solar). Cada medida am- tes do que regiões mais distantes. Este fenômeno é
biental tem uma análoga no nível individual, entre- denominado de autocorrelação espacial6 e ocorre
tanto o nível de exposição individual pode variar porque os fatores de risco tendem a se aglomerar
entre os_,membros de cada grupo. no espaço.

266 C APÍTULO 14
• estudo analítico: avalia a associação entre o nível 14-r--- - - - - - - - - - - - - - - -....
de exposição médio e a taxa de doença entre dife- EI poso
o Modison
rentes grupos. Este é o estudo ecológico mais co- § 13 South Bend a a Richmond
mum. Por exemplo, Lefkowitz e Garland7, ·g a
estudando a associação entre a radiação solar mé- ~ Buffalo 0
ã; 12 Seattle a 0 0
dia e as taxas de mortalidade por câncer ovariano u
e 0 D 0 Da
•O For Woyne a a
específicas por idade nas l 00 maiores cidades dos V
0 1Pa
a
~ 11 a
EUA, encontraram uma relação inversamente pro- li)
dl!
a a ., 0 Albuquerque
porcional, corroborando a hipótese de que a radia- e)
o a a-Bl\i D
:-2 10 D D D las Vegas
ção solar poderia ter um efeito protetor para câncer ~o
ovariano (Fig. 14.2). E
D

li) 9
e)
Bronx a a D
ªa
Miami
Desenho de Séries Temporais 8 Gary a D
a a

• estudo exploratório: avalia a evolução das taxas Tampa EI Poso


7
de doença ao longo do tempo em uma determinada 200 300 400 500 6
população geograficamente definida. Pode ser uti- Rodiaçõo solar em colorios/cm2/dio
lizado também para prever tendências futuras da
Fig. 14.2 - Taxo de mortalidade por 100.000 mulheres de câncer
doença ou avaliar o impacto de uma intervenção ovariano ajustado por idade em mulheres com idade maior ou igual
o 35 anos de 100 cidades dos EUA, 1979-1988.

Rodovio Washiington Luiz

Canal Iguaçu

Canal de Soropui

Baixo (13,30 o 20,53)


- Média (22,96 o 32,55)
Av. Presidente Kennedy -Alto (42,40 o 43,85)
Resolução: 5m - Muito Alta (48,97)
Fonte: IBGE

1.000m

Fig. 14. 1 - Taxas de prevalência padronizadas por idade em menores de 7O anos por setores censitórios Parque Fluminense, Duque de
Caxias, RJ. • _,

CAPÍTULO 14 267
populacional. Por exemplo, Antunes e Waldman8
analisaram as tendências da mortalidade por tuber-
culose no município de São Paulo no período de 700
1900 a 1997. Foram verificadas três tendências dis-
tintas: de 1900 a 1945, alta mortalidade com uma 600
1
tendência estacionária; de 1945 a 1985, uma acen- 1
1
tuada redução na mortalidade (7,41 % por ano); e g 500 1
o 1
de 1985 a 1995, uma retomada do crescimento da ci 1
o
1
mortalidade (4,08% por ano). Os autores ressal- ': 400
tam que a queda acentuada na mortalidade da tu-
8.
V)
o
berculose no período de 1945 a 1985 foi produzida ; 300
por melhorias sociais, pela introdução de recursos
terapêuticos eficientes e pela ampliação da cober- 200
tura dos serviços de saúde, e que o recrudescimen-
to da tuberculose, de 1985 a 1995, pode estar 100
refletindo a crescente prevalência da co-infecção
por Mycobacterium e por HIV, além de uma apa- o 1 20 30 40 50 60 70
rente perda de qualidade nos programas de contro- ldode em anos
le da doença (Fig. 14.3).
Fig. 14.4 - Taxas de morto/idade por tuberculose - todos os formos
Um tipo de estudo especial é a análise de coorte de - específicos por idade, em homens, poro coortes sucessivos de
nascimento, que envolve a coleta de dados retrospecti- décadas, MossochuseHs, EUA.
vos de uma grande população em um período geralmente
maior que 20 anos com o objetivo de estimar os efeitos ficamente definida. Por exemplo, Silfverdal e cols. 10
da idade, período (ano calendário) e ano de nascimento estudaram a relação entre taxas de incidência de
na taxa de doença. Por exemplo, Frost9 analisou as ta- meningite por Haemophilus influenzae entre 1956
xas de mortalidade por tuberculose em homens para e 1992 e taxas de amamentação em uma popula-
Massachusetts em décadas sucessivas, segundo o ano ção sueca. Os autores encontraram uma forte cor-
de nascimento, e demonstrou que as curvas de mortali- relação negativa entre as taxas de amamentação
dade eram muito similares para todos os grupos, com na população e as taxas de incidência de meningite
um pico entre as idades de 20 e 30 anos e um declínio por Haemophilus influenzae cinco a dez anos mais
uniforme a seguir (Fig. 14.4). tarde, sugerindo um efeito protetor no nível popula-
• Estudo analítico: avalia a associação entre as mu- cional. Esses achados foram consistentes com os
danças no tempo do nível médio de uma exposição resultados de um estudo de caso-controle dos mes-
e das taxas de doença em uma população geogra- mos autores (Fig. 14.5).

1.000

~ '-"
~ 1001---------------.Jt,=------------------1
~o
E
<IJ
-o
l:l
.,2

oL--1-_--1..._ _J _ _ _ . . . J . __
1900 1910 1920 1930
__J._ _. , l __

1940 1950
Ano
_j___ _J _ __

1960 1970
_ , __

1980
_ _ ,_ ___.___,

1990 2000

Fig. 14.3 - Séries temporais poro o taxo de morto/idade por 100.000 habitantes (escalo logarítmico) de tuberculose (todos os formos)
_J
padronizado por idade, São Paulo, Brasil, 1990-1997.

268 CAPÍTULO 14
100 14

90
12
80 V,
::,
o
'º 70 10~
V,
.E g.
e: E
Q) 60 Q)
E
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E 50 Q)
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Q)
40 6 o
"O ·oe:
V,
oX <Q)
"O
30 4 ·o
i2 e:
20 -Ó-Toxos de omomentoçõo (%)
2
10 - • - Incidência de Hoemophilus

o
1940
..---.--,,--..--.------.-------------------..-40
1945 1950 1955 1960 1965 1970
(por 100.000 pessoos-ono)

1975 1980 1985 1990 1995


Ano

Fig. 14.5 - Séries temporais poro toxos de omomentoçõo e incidência de meningite por Hoemophilus influenzoe, Ôrebro, Suécio.

O processo de inferência causal dos estudos analíti- ção médio e nas taxas de doença em função do
cos de séries temporais pode apresentar dois problemas: tempo dentro de grupos e as diferenças entre os
os critérios diagnósticos e de classificação das do- grupos. Por exemplo, Crawford e cols. 12 avaliaram
enças podem se modificar ao longo do tempo e dis- a hipótese de que o consumo de água dura (água
torcer a tendência observada na taxa da doença; com alta concentração de cálcio e magnésio) era
um fator de proteção para mortalidade por doença
- uma doença que possua grande período de latência/ cardiovascular (DCV). Os autores compararam as
indução entre a exposição ao fator de risco e a sua
mudanças nas taxas de mortalidade por DCV en-
detecção pode dificultar a avaliação entre a associa-
tre 1948 e 1964 em 83 cidades britânicas, segundo
ção do fator de risco e a ocorrência da doença.
as alterações na composição daqueles íons na água,
idade e sexo, encontrando uma associação inversa
Desenhos Mistos entre a tendência na composição da água e as ta-
xas de mortalidade por DCV em todos os grupos
• Estudo exploratório: combina as características
de idade e sexo, especialmente no sexo masculino.
básicas dos estudos exploratórios de múltiplos gru-
pos e de séries temporais. Assim, é possível avaliar
a evolução temporal das taxas de uma doença em INFERÊNCIA
diferentes grupos populacionais. Por exemplo, Me- O principal objetivo de um estudo epidemiológico é
dronho' 1 mapeou a incidência mensal de dengue fazer inferências biológicas sobre os efeitos de uma
por região administrati\.-'.a do município do Rio de determinada exposição no risco individual de adoecer
Janeiro durante a epidemia ocorrida entre novem- ou fazer inferências ecológicas sobre os efeitos do nível
bro de 1990 a junho de 1991 para avaliar a evolu- de exposição médio nas taxas de doença em grupos
ção espaço-temporal do processo epidêmico. A populacionais4•13 • Entretanto, o nível utilizado para reali-
Figura 14.6 mostra a incidência mensal de dengue zar a inferência causal nem sempre combina com o ní-
no pico e no final da epidemia da doença. vel de análise. Por exemplo, se o propósito de uma análise
• Estudo analítico: avalia a associação entre as mu- ecológica é realizar uma inferência biológica sobre o
danças no tempo do nível de exposição média e efeito de uma exposição específica no risco de doença
das taxas de doença entre diferentes grupos po- no nível individual, com freqüência pode incorrer em di-
pulacionais. Este procedimento potencializa a in- versos problemas relacionados, principalmente a dificul-
terpretação dos efeitos estimados, porque analisa dade de se controlar confundimento. Por exemplo, se o
simultaneap,ente as mudanças no nível de exposi- objetivo de um estudo é estimar o efeito tisico do uso da

CAPiTULO 14 269
l
1

Boio de
Sepetibo
O lo 99 casos
O l 00 o 399 casos
□ 400 o 699 casos
□ 700 o 999 casos
Oceano Atlântico
■ ~ 1.000 casos

O 4,6 km
L-...1........J

Boio de
uonoboro

Boio de
Sepetibo

D ocaso
D lo 99 casos
Oceano Atlântico
lil l 00 o 399 casos
O 4,6 km
L-...1........J

Fig. 14.6 - .
/ncidênc,o
, de dengue por região odm,nistrativa ;on/91 e jun/91 - Município do Rio de Jone,ro.

270 CAPÍTULO 14
camisinha na prevenção da transmissão sexual da Aids, inferência para o nível individual diretamente de acha-
o nível-alvo de inferência causal é o individual. Por outro dos encontrados no nível de grupo.
lado, se o objetivo é estimar o efeito ecológico dos pro-
Uma forma de minimizar o viés ecológico é através
gramas de controle da Aids na taxa de incidência da do-
da utilização de dados agrupados em unidades de análi-
ença nos diferentes Estados, o nível-alvo de inferência
se geográfica tão menores quanto possível, tornando-as
causal é o ecológico. Certamente, a magnitude do efeito
mais homogêneas. Entretanto, deve-se atentar para a
ecológico depende não somente do efeito protetor do uso
possibilidade de ocorrência de migração dentro do gru-
da camisinha, como também da efetividade do programa
po e de estimativa de taxas instáveis, em função de se
de controle em cada Estado. Além disso, a validade do
estar trabalhando com pequenos grupos populacionais.
efeito ecológico estimado vai depender da habilidade em
controlar as diferenças entre os Estados na distribuição Outro interesse de um estudo ecológico é estimar o
conjunta de confundidores, incluindo variáveis de nível efeito contextual de uma exposição ecológica no risco
individual, tais como idade, renda etc. individual, como o efeito da poluição ambiental na produ-
ção de doença respiratória, por exemplo. Efeitos contextu-
A maior limitação da análise ecológica para testar
ais são fundamentais em epidemiologia das doenças
hipóteses ecológicas é o potencial para substancial viés
infecciosas, onde o risco de doença depende da sua ocor-
na estimativa do efeito. O problema central, conhecido
rência em outros indivíduos com os quais se tem contato 15 .
como viés ecológico (também chamado de falácia eco-
lógica), resulta na realização de uma inferência causal Os achados de uma análise ecológica devem ser
inadequada sobre fenômenos individuais na base de ob- comparados com os achados de outros estudos obser-
servações de grupos, já que uma determinada associa- vacionais, tanto ecológicos como individuais, desenha-
ção verificada entre variáveis no nível agregado não dos para testar a mesma hipótese etiológica. Se o efeito
necessariamente significa que exista essa associação estimado for consistente entre os estudos envolvendo
no nível individual. O principal problema neste tipo de diferentes desenhos e populações, uma interpretação
análise é a suposição de que os mesmos indivíduos são causal pode ser reforçada.
simultaneamente portadores do problema de saúde e do Deve ser ressaltado que em função da análise eco-
atributo associado, ou seja, este problema ocorre por lógica utilizar medidas agregadas, isto introduz uma im-
não se conhecer a informação individual sobre a distri- portante fonte de incerteza na inferência ecológica, pois
buição conjunta da exposição e doença. Por exemplo, existe uma perda de informação devido à agregação
Durkheim 14, estudando províncias européias predomi- dos dados 1• Por exemplo, ao se comparar du?'- áreas A
nantemente protestantes no século XIX, observou ta- e B, sendo que a área A sofreu uma intervenção de um
xas de suicídio maiores do que em províncias programa de saúde para o controle de uma doença Y e
predominantemente católicas. Este achado pode suge- a área B não, constatou-se que a despeito do programa
rir que os protestantes tenderiam mais ao suicídio. En- de saúde ter efetividade comprovada no nível individual,
tretanto, poderiam ser os católicos residentes em províncias não houve diferença na taxa de incidência da doença
predominantemente protestantes os que mais se suicida- entre as áreas A e B ao final do estudo. Entretanto, em
vam. Dessa forma, a hipótese inicial seria em decorrência um estudo agregado não é possível identificar a distri-
de um viés ecológico. Outro exemplo: suponha um estudo buição de um determinado fator de risco X, que era mais
que analisou a associação entre renda média de determi- prevalente na área A do que na B. Assim, o efeito bené-
nadas cidades e ocorrência de acidentes de trânsito com fico do programa de saúde na área A ficou obscurecido
morte no ano de 2007. Nest6 estudo, encontrou-se uma pela maior prevalência do fator de risco X nesta área.
associação positiva entre a renda média e a proporção de
acidentes graves nas cidades estudadas, ou seja, quanto
ESTIMATIVA DO EFEITO
maior a renda média da cidade, maior a proporção de aci-
dentes de trânsito com óbitos. Uma conclusão aparente- Muitos estudos epidemiológicos têm como objetivo
mente plausível poderia ser que quanto maior a renda do estimar o efeito de uma exposição na ocorrência de uma
indivíduo, maior o seu risco de morrer de acidente de trân- determinada doença em uma população sob risco. Em
sito. Na verdade, quando se analisaram os dados no nível estudos no nível individual, os efeitos são geralmente
individual percebeu-se que os indivíduos de mais baixa ren- estimados pela comparação de taxas de incidência da
da eram os que mais morriam em decorrência dos aciden- doença em populações expostas e não-expostas, atra-
tes de trânsito, mesmo nas cidades com renda média elevada, vés de uma razão ou diferença entre as taxas. Em estu-
por estarem mais . , expostos. Assim, não se pode fazer dos ecológicos em múltiplos grupos, entretanto, como

CAPÍTULO 14 271
não se conhece a informação sobre a distribuição con-
junta entre exposição e doença dentro dos grupos, não Diferença de taxas: 30 - 10 = 20
se podem estimar os efeitos dessa forma. Nesse caso,
deve-se realizar um procedimento de regressão das ta- 30
xas de doenças (Y) nos níveis médios de exposição (X). Razão de taxas: =3
10
O modelo mais comum para analisar dados ecológicos
é o modelo linear, embora existam outros modelos. No Ressalta-se que essas estimativas não necessaria-
modelo~inear, o método dos mínimos quadrados ordiná- mente irão refletir as estimativas no nível individual, pe-
rios pode ser usado para produzir a seguinte equação de las razões já expostas anteriormente.
predição: P= B0 +B ,X. onde B0 e B 1 são o intercepto
estimado e a angulação da reta, respectivamente. Uma
VANTAGENS
estimativa do efeito da exposição no nível individual pode
ser derivada dos resultados da regressão. Entretanto, As principais vantagens dos estudos ecológicos que
isso somente é possível assumindo a predição de taxas contribuem para o uso freqüente como primeiro passo
de doença quando todos forem expostos (isto é, X = 1) na investigação de uma possível associação entre expo-
e quando todos forem não expostos (X = O). sição e doença são:
A taxa de doença predita ( Px = 1) em um grupo que é • os estudos ecológicos são geralmente de baixo custo
inteiramente exposto é B0 + B 1 (]) = B0 + B I e a taxa de e de execução rápida, devido às várias fontes de
doença predita ( Px = 0) em um grupo que é inteiramente dados secundários já disponíveis, cada uma envol-
não-exposto é B0 + B 1 (O) = B0 . Assim, a diferença de vendo diferentes informações necessárias para
taxas estimadas é B0 + B1 - B0 = B I e a razão de taxas análise. Por exemplo, um estudo ecológico para se
estimadas é B0 + Bi/B0 = l + Bi/B0 . Note que o ajuste analisar a associação entre o nível socioeconômico
de um modelo linear poderia levar a uma estimativa ne- e a incidência de tuberculose entre os diversos
gativa da razão de taxas, quando B i/B0 < - 1, não possu- municípios do Estado do Rio de Janeiro envolveria
indo qualquer significado biológico ou ecológico. dados obtidos do Censo Demográfico do IBGE e
Para fins de exemplo, considere que um determina- do Sinan, respectivamente;
do estudo foi realizado em diversas cidades de um país • freqüentemente não é possível medir de maneira
e encontrou uma associação entre a proporção de ex- acurada exposições para grandes números de indi-
postos a um suposto fator de risco e a taxa de uma víduos, em função dos recursos e tempo disponí-
determinada doença. A regressão linear entre essas duas veis. Assim, uma forma prática é medir a exposição
variáveis mostrou a seguinte equação: no nível ecológico2, 16 ;
• estudos de nível individual não conseguem estimar
P= 10 + 20X bem os efeitos de uma exposição, quando ela varia
pouco na área de estudo. Como os estudos ecoló-
gicos cobrem áreas muito grandes, podem com mais
Conseqüentemente, pode-se calcular a taxa de do-
facilidade encontrar uma maior variação na expo-
ença predita para um grupo inteiramente exposto e para
sição média entre as diferentes regiões;
um grupo inteiramente não-exposto:
• um estudo pode ter como objetivo mensurar um efei-
to ecológico. Por exemplo: a implantação de um
Grupo exposÍo: X= 1 novo programa de saúde ou uma nova legislação
p X ª 1 = 10 + 20(1) em saúde na melhoria das condições de saúde de
px-, = 30 uma população.

LIMITAÇÕES
Grupo não-exposto: X= O
p X = O = 10 + 20(0) As principais limitações dos estudos ecológicos são:

P x ao =lO • não é possível associar exposição e doença no ní-


vel individual;
Assim, a diferença de taxas estimadas e a razão de • dificuldade de controlar os efeitos de potenciais fa-
taxas estimadas ~erão: tores de confundimento;

272 CAPÍTULO 14
• dados de estudos ecológicos representam níveis de Segundo Susser 17, os epidemiologistas têm levado
exposição média em vez de valores individuais reais; cada vez mais em conta os múltiplos níveis de causali-
• os dados são provenientes de diferentes fontes, o que dade. Assim, as causas de um desfecho de saúde po-
pode significar qualidade variável da informação; dem ser pesquisadas no nível macro, através da
distribuição da riqueza entre e dentro de sociedades; no
• a falta de disponibilidade de informações relevan-
nível individual, através do estudo do comportamento
tes é um dos mais sérios problemas na análise eco-
dos indivíduos e no nível micro, na expressão de genes
lógica.
das células. Note que uma determinada doença se ex-
pressa em um indivíduo, entretanto, sua prevenção pode
MODELOS MULTINÍVEL ser dirigida a qualquer um desses níveis. É importante
utilizar diferentes abordagens para se identificar os pro-
Uma população humana não é um mero somatório cessos causais em cada um desses níveis, mas também
de indivíduos, pois eles estabelecem complexas relações
é preciso examinar como os processos de um nível (por
sociais entre si. Da mesma forma, um indivíduo não é
exemplo, desagregação social ou alterações celulares)
um mero agregado de diferentes células. Assim, muitos
podem se manifestar em outro nível (por exemplo, do-
estudos no nível individual podem apresentar problemas
ença em um indivíduo).
de inferência se os indivíduos forem descontextualiza-
dos de seu meio social. Da mesma forma, um estudo no A noção básica é que os indivíduos são influencia-
nível ecológico também pode apresentar problema se dos por seu contexto social e que o processo saúde-
for considerado que o somatório (agregado) de indiví- doença ocorre neste contexto. Entretanto, a pesquisa
duos é capaz de captar as complexas relações que se dos determinantes de saúde freqüentemente é focada
estabelecem dentro dos grupos e entre os grupos soci- no indivíduo, ou seja, a explicação dos desfechos no ní-
ais. Deve-se sempre levar em conta que um determina- vel individual é feita na maioria das vezes utilizando-se
do grupo exerce influência sobre cada indivíduo e que o variáveis independentes de nível individual e as variá-
indivíduo também desempenha influência na população veis de grupo são utilizadas somente como proxies quan-
a que pertence. do os dados individuais não estão disponíveis.
Um bom exemplo pode ser um processo epidêmico O modelo multinível (também chamado de modelo
de uma doença infecciosa contagiosa. O risco de adoe- hierárquico) é uma versão do modelo de regressão múl-
cer de um indivíduo está relacionado com a incidência tipla para dados que possuem níveis hierárquicos. A no-
da doença no grupo social a que ele pertence. Por outro ção básica é que os indivíduos que pertencem às áreas
lado, a presença de um indivíduo infectado em um gru- sob estudo interagem entre si e são influenciados pelo
po suscetível vai contribuir para a disseminação da do- nível hierarquicamente superior. Por exemplo, o indiví-
ença no grupo a que ele pertence. duo sofre influencia do nível municipal que, por sua vez,
A análise de dados agregados de uma população é influenciado pelo nível estadual. Por outro lado, as
deve levar em conta que eles representam pontualmen- características do nível estadual influenciam seus muni-
te um acúmulo de complexos processos históricos, geo- cípios, que por sua vez vão influenciar os indivíduos re-
gráficos e sociais. Diversas técnicas quantitativas vêm sidentes nestes municípios. Assim, os indivíduos, os
sendo desenvolvidas para incorporar não apenas a vari- municípios e o estado formam um sistema hierárquico
abilidade entre os indivíduos, mas também a variabilida- em três níveis. A suposição é a de que os indivíduos
de existente entre os diferentes grupos sociais a que pertencentes ao Município tendem a ser mais semelhan-
eles pertencem. Neste sentido, a utilização do modelo tes entre si do que os indivíduos residentes em outro
multinível permite a integração entre os distintos níveis: Município do mesmo Estado. Da mesma forma os Mu-
o fisiológico, que avalia a resposta dos sistemas orgâni- nicípios que pertencem a um Estado são mais seme-
cos às exposições; o individual, que avalia a resposta lhantes entre si do que aqueles pertencentes a outro
dos indivíduos às exposições e o agregado ou contex- Estado. Por exemplo, os indivíduos residentes em um
tual, que avalia a resposta de grupos de indivíduos às Município do Estado do Rio Grande do Norte tendem a
exposições, destacando que esses indivíduos pertencem ser mais semelhantes que os residentes em outro Muni-
a localidades e sociedades 1• Na análise multinível a ex- cípio do mesmo Estado, assim como, os Municípios do
plicação da variabilidade na variável dependente em um Estado do Rio Grande do Norte tendem a ser mais se-
nível é função das variáveis definidas em diversos ní- melhantes entre si do que os Municípios do Estado do
veis, além da& ipterações dentro e entre os níveis. Rio Grande do Sul1 8 .

CAPÍTULO 14 273
Note que o uso de um modelo de regressão tradici- 5. Medronho RA, Gomide M, Guimarães LB, Oliveira LM, Braga,
onal pode ser inadequado para a situação descrita ante- RCC. Uso do geoprocessamento na investigação do papel do
meio ambiente na produção de hepatite A. Cad Saúde Coletiva
riormente porque ele pressupõe a independência entre 1998; 6(supl I ): 61-78.
as observações e a homogeneidade da variância (ho- 6 Morgenstem H, Thomas DC. Principies of study design in en-
mocedasticidade). Neste caso, o valor de uma determi- vironmental epidemiology. Environ Health Perspect 1993; IOI (su-
nada variável contextual será o mesmo para todas as ppl 4): 23-38.
observações do primeiro nível pertencentes a uma mes- 7. Lcfl<owitz ES, Garland CF. Sunlight, vitamin D, and ovarian
cancer mortality rates in US women. lnt J Epidemiol 1994; 23(6):
ma unidade de observação do segundo nível, pois este 1133-1 I 36.
nível não é levado em consideração neste tipo de mode- 8. Antunes JLF, Waldman EA. Tuberculosis in the twentieth cen-
lo. Assim, ocorrerá uma redução artificial da variabili- tury: time-series mortality in São Paulo, Brazil, 1900-97. Cad
dade do coeficiente estimado para esta variável Saúde Pública I 999; I 5(3): 463-476.
9. Frost WH. The age selection of mortality from tuberculosis in
"contextual", podendo produzir uma significância esta-
successive decades. Am J Hyg 1939; 30: 91-96.
tistica espúria no modelo 19 • 10. Silfverdal SA, Bodin L, Olcen P. Protective etfect ofbreastfee-
Na área da saúde pública, o uso do modelo multiní- ding: an ecologic study of Haemophilus influenzae meningitis
and breastfeeding in a Swedish population. lntJ Epidemiol 1999;
vel vem crescendo em função do interesse pelos ma- 28( 1): 152-156.
crodeterminantes da saúde, da importância de se levar 11. Medronho RA. Geoprocessamento e saúde: uma nova aborda-
em conta os diferentes níveis de análise em estudos gem do espaço no processo saúde-doença. Rio de Janeiro: NECT/
epidemiológicos e do acelerado desenvolvimento de FIOCRUZ, 1995.
métodos estatísticos e de softwares para a abordagem 12. Crawford MD, Gardner MJ, Morris JN. Changes in water hard-
ness and local death-rates. Lancet 1971; 2: 327-329.
de dados com estrutura hierárquica. 13. Cressie NAC. Statistics for spatial data. New York: Wiley, 1991.
14. Durkheim E. Suicide: a study in sociology. New York: Free Press,
1951.
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cipies, and methods. Annu Rev Public Health 1995; 16: 61-81. 88(2): 216-222.

.'

274 CAPÍTULO 14
Validade em Estudos Epidemiológicos

Guilherme L. Werneck
Liz M. de Almeida

INTRODUÇÃO

O pesquisador que desenvolve estudos epidemioló- 2

gicos deve estar atento para evitar conclusões espúrias,


sejam elas atribuíveis a erros metodológicos na concep-
ção, desenho, ou implementação do estudo, ou, ainda,
no processo de análise dos dados. Um estudo livre de
tais erros é dito um estudo que apresenta resultados
válidos, ou, simplesmente, um estudo válido. O termo
válido vem do latim validus, que significa forte, desta
feita, um estudo válido é um estudo que traz consigo Fig. 15.1 - Esquema básico de hierarquia entre populações.
uma mensagem forte, dificilmente questionada com base
em erros metodológicos.
Segundo o Dicionário de Epidemiologia de Last, ava- A população de estudo (número 4 acima) é defi-
lidade de um estudo poderia ser definida como "o grau nida como o grupo de indivíduos para o qual dados fo-
de garantia dado às inferências derivadas de um estudo ram obtidos em um estudo particular. O universo
em particular, especialmente às generalizações para além amostral ou população real (nº 3) corresponde ao
da amostra estudada, quando se consideram os métodos conjunto de indivíduos elegíveis para o estudo e a partir

utilizados, a representatividade da amostra estudada, e a do qual os participantes do estudo foram amostrados. A
natureza da população de onde a amostra foi retirada". A população-alvo ou base populacional (nº 2) é o con-
validade pode se referir tanto ao uso de informações gera- junto de indivíduos que originou o universo amostral (não
das pelo estudo para fazer inferências sobre a população- necessariamente de uma maneira representativa) e so-
alvo de onde a amostra do estudo foi retirada (validade bre os quais desejamos fazer inferências a partir dos
interna), quanto à generalização dos resultados obtidos para resultados do estudo. A população externa (nº 1) é um
uma população exterior ao universo do estudo ( validade grupo de indivíduos sem conexão direta com os interes-
externa). A distinção entre estes dois conceitos depende, ses e procedimentos do estudo em questão, mas para os
portanto, da identificação de subgrupos populacionais para quais se pode, ainda, desejar extrapolar ou generalizar
os quais desejamos aplicar os resultados de um determina- os resultados deste estudo particular. É necessário sali-
do estudo. A Figura 15.l mostra um esquema básico de entar que tanto esta forma de hierarquizar populações
hierarquia en9"e estas diferentes populações. quanto os conceitos a ela relacionados não são consensu-

CAPÍTULO 15 275
ais na literatura epidemiológica, mas podem servir como tístico estreitamente conectado ao tamanho da amostra
um modelo com o qual podemos intuitivamente buscar selecionada. De fato, se os pesquisadores decidissem não
compreender os conceitos de validade interna e externa. fazer nenhum tipo de amostragem e estudar todas as
Suponhamos que um estudo epidemiológico a ser crianças que deram entrada em hospitais da região, pro-
desenvolvido na região metropolitana de Yalidon tem o blemas de precisão seriam irrelevantes, mas ainda assim
objetivo de investigar as relações entre peso ao nascer poderiam existir erros metodológicos do estudo que im-
e ocorrência de convulsões na infância. Na medida em plicariam na falta de validade dos seus resultados.
que todos os habitantes desta região eram cadastrados A Figura 15.2 simboliza a diferença básica entre pre-
no serviço de proteção coletiva (SPC), os pesquisado- cisão e validade. Suponha que o alvo represente possí-
res resolveram abordar o problema da seguinte manei- veis resultados de um estudo, e que o ponto central é o
ra: realizar uma amostra aleatória simples de todos os valor verdadeiro que pretendemos atingir (i.e, estimar)
registros de criança~ entre um mês e dois anos de vida com nosso estudo. Adicionalmente suponha que cada
que deram entrada em algum dos cinco hospitais que estudo possa ser repetido 15 vezes em condições simila-
prestaram atendimento médico a esta população durante res. Cada um dos quatro alvos abaixo mostra uma possí-
o ano de 1990. A partir dos registros amostrados, os pes- vel configuração dos resultados destas 15 replicações.
quisadores puderam identificar crianças que foram ou não A situação ideal está expressa no primeiro alvo, isto
acometidas por convulsão e, ainda, através do registro é, os resultados das 15 replicações do estudo fornecem
no SPC, identificar o peso ao nascer de todas elas. resultados semelhantes e todos eles muito próximos do
Neste caso hipotético, a população de estudo é o valor verdadeiro. O estudo é considerado válido porque
conjunto de crianças que tiveram os seus registros hos- seus resultados são muito próximos do parâmetro• que
pitalares sorteados aleatoriamente e forneceram infor- desejamos estimar. O estudo é preciso porque existe
mação ao estudo. O universo amostral é a totalidade de
crianças na faixa etária de um mês e dois anos de vida
e que deram entrada em algum dos cinco hospitais du-
rante aquele ano. A população-alvo é a totalidade de
crianças nesta faixa etária residente em Validon, ainda
que algumas delas não tenham dado entrada em nenhum
hospital durante aquele ano. A população de crianças até
dois anos de idade residente em uma outra cidade, Ex-
trapolis, pode configurar uma possível população exter-
na, assim como crianças em uma faixa etária diferente 1) Válido e preciso 2) Não-válido e
impreciso
(p. ex.: de 3 a 5 anos de idade). Validade interna diz
respeito às inferências acerca da população de crianças
de Validon, e validade externa acerca da possibilidade
de generalizar os resultados para a população de Extra-
polis ou para a população de crianças mais velhas.
A validade de um estudo epidemiológico está asso-
ciada à ausência de erros sistemáticos, enquanto apre-
cisão do estudo está associa~a à ausência de erros
aleatórios. Esses dois tipos de erros se diferenciam subs-
tancialmente. Problemas de precisão refletem a varia-
3) Não-válido e preciso 4) Válido e impreciso(?)
bilidade amostral e dizem respeito à inferência
estatística acerca da população da qual a amostra foi
Fig. 15.2 - Esquema ilustrativo da diferenço entre validade e
retirada, ou seja, o universo amostral. A inferência es- precisão.
tatística não se relaciona diretamente à validade. Um
estudo pode ser preciso e mesmo assim apresentar er-
ros sistemáticos que invalidam os seus resultados. • Porômetro é o valor real do medido epidemiológico que desejamos
Portanto, as inferências relativas ao conjunto de cri- estimar. Admite-se que no população existe, pelo menos em teoria,
um valor verdadeiro poro uma medido de associação (p. ex.: razão
anças que teve algum atendimento hospitalar registrado de riscos). Este porômetro não é observável, mos pode ser estimado
no ano de 1990 !:iã9 eminentemente um problema esta- otrovés do observoção.

276 C APÍTULO 15
pouca variabilidade dos resultados obtidos nas replica- do valor nulo (RR = 1). Neste caso, o estudo sugere
ções. Em contraposição observe a situação descrita no uma forte associação, quando na realidade a associa-
alvo nº 2, neste caso não só o estudo é menos preciso, ção é apenas de tamanho moderado. Observe que se
na medida em que os resultados das replicações são RR., = 0,2 e RRv = 0,8, o viés também se distancia do
relativamente pulverizados, como ele é também inváli- valor nulo, mas é negativo.
do, pois seus resultados "erram o alvo" sistematicamente As fontes de vieses podem ser classificadas das mais
para baixo, ainda que em uma ou outra oportunidade o diferentes maneiras. Utiliza-se aqui a terminologia mais tra-
alvo, "por acaso", tenha sido acertado. O alvo nº 3 ex- dicional que define três razões principais para a estimação
pressa uma situação temerosa, pois apesar de o estudo enviesada de parâmetros de efeito: 1. os vieses de seleção,
ser inválido, os resultados das suas replicações são con- 2. os vieses de informação e 3. a situação de confusão ou
sistentes entre si, dando a impressão de que os resultados confundimento. A distinção entre estas categorias nem sem-
são verdadeiros, pois eles se repetem sistematicamente. pre pode ser claramente demarcada; fatores que aparen-
Neste caso, os resultados se comportam desta forma temente são responsáveis por vieses de seleção ou
devido à repetição sistemática dos mesmos erros meto- informação podem também ser concebidos, em certas cir-
dológicos em todas as replicações. O último caso é inte- cunstâncias, como fatores de confundimento.
ressante pois, como os resultados das replicações se
dispõem homogeneamente distribuídos em tomo do alvo, Viés de seleção refere-se à distorção da estimativa
é razoável supor que, se pudéssemos corrigir o problema da medida de efeito resultante do modo pelo qual os
da falta de precisão (p. ex.: aumentando o tamanho da indivíduos são selecionados para compor a população
amostra), então os resultados das replicações tenderiam de estudo. Viés de informação refere-se à distorção
a se juntar nas proximidades do alvo. É neste sentido que da estimativa do efeito devido a erros de mensuração
se supõe que este estudo é "válido'', mas impreciso. ou classificação errônea de indivíduos segundo uma ou
mais variáveis. Confundimento ou situação de con-
Observe que na vida real não só desconhecemos o fusão é um viés que resulta da presença de uma ou
valor do parâmetro que pretendemos estimar, como tam- mais variáveis, que estão relacionadas tanto com a do-
bém são raras as possibilidades de replicações de estudos ença sob estudo quanto com a exposição de interesse
epidemiológicos sob as mesmas condições. Então, na prá- na base populacional. Nesta situação, parte do efeito
tica, o julgamento da existência de problemas de validade observado de um fator de exposição decorre da exis-
vai depender do cumprimento de uma série de princípios tência desta variável, denominada variável de confim-
metodológicos básicos que poderão, em maior ou menor dimento, confundidora, ou de confusão.
grau, ser checados utilizando-se os dados do estudo e
informações ancilares. A precisão das estimativas forne- É interessante notar que o confimdimento é um
cidas pelo estudo será avaliada através de testes de signi- fenômeno que ocorre na base populacional, e que, por-
ficância estatística e estimação de intervalos de confiança. tanto, continuaria ocorrendo em um estudo que incluís-
se todos os elementos desta base. Por outro lado, viés
A distorção dos resultados de um estudo em decor- de seleção é algo que provoca viés na população de
rência de erros sistemáticos é denominada viés (bias). estudo, mas não na base populacional. Adicionalmente,
Em termos concretos, viés refere-se ao tamanho da dis- se existe algo que provoca viés nos dados que se têm
crepância entre o valor "verdadeiro" de uma medida em mãos, mas não na população de estudo, este fenô-
epidemiológica na população-alvo (p. ex.: o risco relati- meno é denominado viés de inforrnação.
vo) e o valor de sua estimativa na população real (univer-
so amostral). Na maior patte dos estudos epidemiológicos, A seguir, apresentaremos e discutiremos alguns
a quantificação exata do viés é tarefa difícil, senão im- exemplos de cada um destes três tipos de vieses.
possível. Porém, pode ser mais factível determinar a
direção do viés. A direção do viés é positiva se o valor VIÉS DE SELEÇÃO
estimado é maior do que o valor verdadeiro, e negativa
na situação inversa. Também é comum classificar o viés Vieses de seleção são distorções nos resultados de
em termos de seu distanciamento ou sua aproximação um estudo que resultam dos procedimentos utilizados
do valor nulo. Por exemplo, se a medida de efeito de para a seleção dos participantes e. ou de fatores que
interesse é a razão de riscos ou o risco relativo (RR), o influenciam a participação no estudo. Assim, se o pro-
RR "verdadeiro" ou parâmetro a ser estimado é igual a cesso de seleção provoca a identificação de uma associa-
2 (RRv = 2) e o RR estimado pelo estudo é igual a 6 ção entre exposição e doença, quando na população-alvo
(RRe= 6), eptão existe um viés positivo que se distancia tal associação inexiste, então este achado espúrio de-

CAPITULO 15 277
corre de viés de seleção. O elemento básico no viés de sistência médica é melhor, mais barata, ou mais acessí-
seleção é a existência de relações entre exposição e vel. Em teoria, perdas que são associadas apenas à ex-
doença que são diferentes entre os indivíduos que partici- posição ou apenas ao desfecho de interesse não devem
pam do estudo e aqueles que são teoricamente elegíveis afetar as estimativas de medidas relativas de efeito (p.
para participar, mas que por mecanismos de seleção vicia- ex.: razão de taxas e razão de riscos).
dos não foram incluídos, ou até mesmo foram incluídos, Entretanto, se a perda de seguimento é associada
porém com probabilidades de seleção diferentes. tanto com a exposição quanto com a doença, então a
Viés de seleção pode ocorrer quando a identifica- razão de taxas poderá ser afetada, resultando no viés
ção de indivíduos para inclusão no estudo, seja com base conhecido como perda seletiva de seguimento. Em ge-
na exposição (coorte) ou doença (caso-controle) depen- ral, o viés pode ocorrer quando os indivíduos que são perdi-
de do outro eixo de interesse. Por exemplo, em estudos dos apresentam probabilidades diferentes de desenvolver
caso-controle o viés ocorre quando a seleção de casos a doença sob estudo, quando comparados com os que não
ou controles é baseada em critérios diferentes, e estes foram perdidos. Em particular o viés ocorrerá quando as
critérios estão relacionados ao status de exposição. Em perdas são diferenciais entre os grupos de exposição.
estudos de coorte, o viés de seleção pode ocorrer quando o Vejamos algumas situações baseadas em um estudo
recrutamento de expostos e não-expostos está relaciona- de coorte fechado (hipotético) para investigar o papel do
do com a probabilidade de adoecimento. Viés de seleção é baixo peso ao nascer (BPN) na ocorrência de óbito por
particularmente um problema importante em estudos caso- diarréia2. Duzentas crianças nascidas em um vilarejo (50
controle e em estudos de coorte não-concorrentes, quan- com BPN e 150 sem BPN) foram acompanhadas duran-
do no momento da seleção dos indivíduos tanto a te um ano para avaliar a ocorrência de óbito por diarréia.
exposição quanto a doença já ocorreram. A seguir, apre- Situação 1: Perdas ocorreram apenas entre os ex-
sentamos alguns exemplos de viés de seleção. postos e a probabilidade de morrer foi de 100% nos per-
didos e de 20% nos que permaneceram no estudo. O
Perda Seletiva de Seguimento viés resultante subestima a verdadeira relação de ocor-
rência entre exposição e doença (Tabela 15 .1 ).
Na maioria dos estudos de coorte, em particular na-
queles estudos que dependem de contato periódico com Situação 2: Perdas ocorreram apenas entre os ex-
o participante para a realização de exames clínicos, espe- postos e a probabilidade de morrer foi de 44% nos que
ra-se que um determinado número de indivíduos não con- foram perdidos e nos que permaneceram no estudo. Con-
siga ser acompanhado até o final do período de observação. forme esperado, não há viés, pois a probabilidade de
Perdas podem ocorrer devido à morte, não-cooperação, morrer é igual nas perdas e naqueles que permanece-
migração, dificuldades de manter o seguimento dos indi- ram no estudo (Tabela 15.2).
víduos sob pesquisa ou falta de registros adequados (cm Situação 3: Perdas ocorreram tanto entre expos-
coortes históricas). Existe a possibilidade de que estas tos quanto entre não-expostos. A probabilidade de mor-
perdas estejam relacionadas à exposição, à doença ou a rer entre os que foram perdidos é igual àquela dos que
ambos. Por exemplo, indivíduos expostos a altos níveis permaneceram no estudo (44% entre expostos e 14,7°/o
de poluição atmosférica podem migrar com mais freqüên- entre não-expostos). De novo não há viés, pois a proba-
cia do que aqueles moradores em regiões não-poluídas. bilidade de morrer é igual nas perdas e nos que perma-
Por outro lado, indivíduos que desenvolvem a doença sob neceram no estudo dentro de cada subgrupo de
estudo podem tender a migrar , para regiões onde a as- exposição (Tabela 15.3).

Óbito Óbito

Sim Nõo Total Sim Não Total

Baixo peso Sim 22 28 50 Baixo peso Sim 7 28 35

ao nascer Não 22 128 150 ao nascer Não 22 128 150

RR = (22/50) / (22/150) = 3,00 RR = (7/35) / (22/150) = 1,36


.,

278 CAPÍTULO 15
Situação Verdadeiro (sem Perdas) Situação Reol (com Perdas)

Óbito Óbito

Sim Não Total Sim Não Total

Baixo peso Sim 22 28 50 Baixo peso Sim 11 14 25


ao nascer Não 22 128

RR = (22/50) / (22/150)
150

= 3,00
oo nascer Não 22

RR
128
I 150

= (l l /25) / (25/150) = 3,00

,.
Situação Verdadeiro (sem Perdas)
..•--~---~~=
.,...,u
Situação Real (com Perdas)

Óbito Óbito

Sim Não Total Sim Não Total

Baixo peso Sim 22 28 50 Baixo peso Sim 11 14 25

~
ao nascer Não 22 128 150 ao nascer Não 64 75

RR = (22/50) / (22/150) = 3,00 RR = (l l/25) / (l l/75) = 3,00

Situação 4: Perdas ocorreram tanto entre expostos estudos que utilizam dados de prevalência (estudos sec-
quanto entre não-expostos. A probabilidade de morrer cionais ou caso-controle com casos prevalentes). Na
entre os que foram perdidos é cerca de l ,94 vez maior situação mais comum dos estudos seccionais obtém-se
do que entre os que pennaneceram no estudo. De novo dados sobre exposição e doença em um único momento
não há viés, pois ainda que a probabilidade de morrer do tempo. Indivíduos são então classificados de acordo
seja diferente entre as perdas e os que permaneceram com seu status de exposição e doença e as inferências
no estudo, mantém-se uma proporcionalidade entre os são baseadas na razão de prevalência ou na razão de
subgrupos de exposição (Tabela 15 .4). chances de prevalência (prevalence odds ratio). O
viés ocorre porque a seleção de casos prevalentes ex-
clui pessoas que morreram pela doença em questão antes
Viés de Sobrevivência Seletiva
de o estudo ser realizado. Se na população-alvo a pro-
O viés conhecido como sobrevivência seletiva, tam- babilidade de morrer pela doença sob estudo, ou mesmo
bém ligado às perdas de indivíduos, pode ocorrer em por outras causas, é diferente entre as quatro categori-

Situação Verdadeiro (sem Perdas) Situação Real (com Perdas)

Óbito Óbito

Sim Não Total Sim Não Total

Baixo peso Sim 22 28 50 Baixo peso Sim ll 22 33


ao nascer Não 22 128 150 ao nascer Não 11 88 99

RR = (22/50) / (22/150) = 3,00 RR = (11/25) / (11/99) = 3,00

CAPÍTULO 15 279
as de exposição e doença, então inferências baseadas em seguinte fenômeno: doenças poderiam parecer associa-
dados de prevalência podem levar a conclusões espúrias. das entre si em estudos caso-controle em decorrência,
Na Tabela 15.5 comparam-se os resultados que se- somente, das altas taxas de hospitalização entre pacien-
riam obtidos em um estudo de coorte sobre o efeito do tes com mais de uma doença. Este viés de seleção
uso de heroína durante a gravidez e a ocorrência de ficou conhecido como viés de Berkson.
morte até o fim da primeira semana de vida, com aque- Um ponto importante a ser notado é que para o
les obtidos a partir de um estudo seccional. O estudo viés de Berkson ocorrer é necessário que tanto o des-
seccional se basearia, por exemplo, nas crianças nasci- fecho de interesse quanto o fator de risco sob estudo
das (vivas ou mortas) nas maternidades do Rio de Ja- afetem independentemente as taxas de hospitalização.
neiro, classificadas segundo status de doença (morte ou Vale ressaltar que, ao contrário do exemplo apontado
não) e status de exposição (mães usuárias de heroína no estudo de Berkson, fatores de risco não são, em ge-
ou não). Observe que estes são dados prevalentes, pois ral, doenças ativas, e, portanto, não devem afetar tão
uma série de gestações terminou precocemente (abortos) freqüentemente as taxas de hospitalização. Neste sen-
e não está sendo considerada neste estudo. Se fosse possí- tido, o viés de Berkson não seria uma ameaça tão gran-
vel realizar um estudo de coorte neste caso, seria interes- de na maioria dos estudos. Entretanto, este viés pode
sante acompanhar todas as gestações de mulheres expostas ocorrer, particularmente quando a exposição sob estudo
ou não à heroína e ser capaz de captar as interrupções está associada à situação socioeconômica (SSE), variá-
precoces, incluindo-as no estudo. Se as mulheres que usam vel que pode influir nas taxas de hospitalização.
heroína têm proporcionalmente mais abortos do que as que No exemplo a seguir, um estudo caso-controle foi de-
não usam, um viés de sobrevivência seletiva poderia es- senvolvido para explorar as relações entre aglomeração
tar influindo nos resultados do estudo. familiar(> duas pessoas no domicílio por cômodo) e ocor-
Observe que, na situação descrita a seguir, cerca rência de queimaduras na infância. Neste estudo, os ca-
de 25 abortos ocorreram entre usuárias de heroína (25% sos foram selecionados em dois centros de referência
de todas as gestações neste grupo de exposição), en- para tratamento de crianças queimadas localizados em
quanto apenas dois ocorreram entre não-usuárias ( 1% hospitais públicos, e controles foram selecionados dentre
das gestações deste subgrupo de exposição). Há um for- todas as crianças com apendicite, da mesma idade e sexo
te indicativo de que o uso de heroína aumenta o risco de que os casos, que deram entrada no setor de emergência
aborto, assim como o de mortalidade infantil precoce. Há destes mesmos hospitais. Na Tabela 15.6 observa-se, pri-
perda seletiva de seguimento entre as usuárias de hero- meiro, a situação em que todos os casos e controles fo-
ína, expressa pela alta taxa de abortos neste subgrupo, ram selecionados na comunidade e, segundo, a situação
levando a uma subestimação do efeito da heroína. com seleção de casos e controles no hospital.
A origem do viés é a seguinte: na população-alvo
Viés de Berkson ocorreram l 00 casos de queimaduras, porém 80% de-
les foram admitidos nos centros de referência. Dos 500
Em 1946, Berkson, um médico e estatístico, publi- casos de apendicite, somente 200 chegaram à emer-
cou um artigo que levantava dúvidas sobre a validade gência destes hospitais. O problema reside no fato de
de certos estudos epidemiológicos desenvolvidos em que a situação socioeconômica está intimamente relaci-
ambiente hospitalar'. Em particular, Berkson estudou o onada à aglomeração domiciliar, ao mesmo tempo que

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Situação Verdade iro (Coorte) Situação Real (Prevalência)


- - - - -1

Óbito Óbito
Sim Não Total Sim Não Totol

Uso de Sim 40 60 100 Uso de Sim 15 60 75


heroína Não 20 180 200 heroína Não 18 180 198
--1...

RR = (40/100) / (20/200) = 4,00 RR = (1575) / (18198) = 2,20


:

280 C APÍTULO 15
pode afetar o acesso à hospitalização. Particularmente, 4. conseqüentemente, a taxa de detecção de câncer
espera-se que crianças em pior situação socioeconômi- de endométrio seria maior entre mulheres que ti-
ca (e por conseguinte alto grau de aglomeração domici- vessem feito uso de estrogênio do que entre mu-
liar) tenham menos chance de dar entrada em centros lheres não-usuárias. Ou seja, o processo de inclusão
de referência, pois a internação nestes serviços depende de casos no estudo seria função da exposição, ge-
da distância entre a moradia e o hospital, dos conheci- rando um viés de seleção que resultaria numa su-
mentos e indicações médicas. Este entrave na seleção não perestimação da medida de associação.
deve operar, pelo menos da mesma maneira, em um servi- Na Tabela 15.7 exemplifica-se, com números hipo-
ço de emergência. Neste sentido, nota-se que, na popula- téticos, a situação descrita. Suponha que casos seriam
ção, cerca de 30% dos casos vêm de casas com alto grau pacientes com câncer de endométrio e o grnpo-controle
de aglomeração, mas na população hospitalizada esta pro- formado por pacientes com outros tipos de câncer não-
porção cai para 18,8%. Na população-controle, no entan- ginecológico. A primeira situação reflete um caso-con-
to, a proporção é a mesma, tanto na população-alvo quanto
trole capaz de detectar com acurácia todo e qualquer
na população que deu entrada nos serviços de emergên-
caso de câncer de endométrio que ocorre na popula-
cia. O resultado, neste caso, é a subestimação do valor da
ção-alvo. A segunda situação descreve um caso-con-
associação entre aglomeração e queimaduras na infãncia.
trole no qual os casos foram retirados de registros de
Observe que se a taxa de internação fosse de I00% para
base hospitalar.
as duas patologias, o viés não ocorreria.
O resultado é compatível com viés de detecção, e
deve-se notar que a proporção de casos expostos ao
Viés de Detecção estrogênio é a mesma nas duas situações. Conforme
esperado, um excesso de usuárias de estrogênio teria
A existência de viés de detecção está no cerne de
sido "transferido" para a situação de "caso" devido a
uma das maiores controvérsias relativas à interpretação
uma vigilância seletiva sobre elas (em comparação com
dos resultados de vários estudos caso-controle conduzi-
as não-usuárias de estrogênio). Provavelmente, este
dos no início dos anos 1970 para investigar a associação
excesso se deve à detecção de cânceres que ainda
entre estrogênio artificial e o risco de câncer de endomé-
estavam no estágio 1 (não-manifesto e só detectado
trio. Alguns desses estudos encontraram uma forte asso-
pelos procedimentos investigativos desencadeados pelo
ciação (OR 9) entre uso de estrogênio e câncer de
sangramento decorrente do uso de estrogênio). Se isto
endométrio. Entretanto, Horowitz e Feinstein argumen-
é verdade, poder-se-ia esperar que a proporção de
taram que um sério viés de seleção poderia explicar es-
casos de câncer no estágio I entre usuárias de estro-
tes achados. Estes autores ponderaram o seguinte:
gênio seja maior do que a proporção entre as que não
1. estrogênio artificial causa sangramento uterino a des- são usuárias.
peito da presença ou não de câncer de endométrio:
Este argumento foi questionado por diversos auto-
2. este sintoma (sangramento uterino) conduziria a res. O principal contra-argumento era de que. ainda que
mulher a um exame ginecológico; a administração de estrogênio tome mais precoce o di-
3. uma investigação ginecológica revelaria a presen- agnóstico, seria esperado que os cânceres de endomé-
ça de câncer de endométrio, que de outra forma trio (não in situ) invariavelmente progredissem a ponto
poderia passar despercebido; de causar sintomas que levariam ao diagnóstico.

Queimadura Apendicite Queimadura Apendicite

Aglomeração Sim 30 50 Aglomeração Sim 15 20


domiciliar Nõa 70 450 domiciliar 180

100 500 80 200

OR = (30 x 450) / (50 x 70) = 3,86 OR = (15 x 180) / (20 x 65) = 2,08

CAPÍTULO 15 281
Situação Verdadeira (População) Situação Real (Registros)

Caso Controle Caso Controle

Uso de
estrogênio
Sim

Não

OR
80

120

200
300

700

1.000 7_j
= (80 x 700) / (300 x 700) = 1,56
Uso de
estrogênio
Sim

Não -
f

OR
150
60

90 ---
30

270

300

= (60 x 270) / (90 x 90) = 6,00

Outros Viéses de Seleção Em geral, para ser admitido em um emprego, o traba-


lhador passa por um exame de saúde admissional. Os
O viés de diagnóstico acontece quando, na ausência mais saudáveis são admitidos e os menos saudáveis são
de um teste diagnóstico definitivo, o conhecimento prévio dispensados. Estes últimos, quando absorvidos pela for-
da presença do fator de exposição influencia a intensidade ça de trabalho, o são em ocupações que a maioria tra-
da busca e o resultado do processo diagnóstico. Por exem-
balhadora rejeita, seja pelas péssimas condições do
plo, estudos caso-controle de base hospitalar sobre a rela-
exercício da função, seja pelo baixo salário, ou, mais
ção entre uso de contraceptivo oral e tromboembolismo
freqüentemente, por ambos. O viés de seleção surge
venoso podem ter tido seus resultados enviesados se os
quando aquela coorte ocupacional é comparada com o
médicos suspeitassem da relação entre contraceptivo oral
restante da população, em particular quando o desfecho
e tromboembolismo. Neste caso, mulheres com sintomas
de interesse é mortalidade em geral. Como, em geral,
consistentes com tromboembolismo venoso presumivelmen-
os trabalhadores são mais saudáveis em comparação
te seriam com mais freqüência encaminhadas para avali-
com a população geral, é possível verificar que ostra-
ação em hospitais, e portanto incluídas como casos no
balhadores têm mortalidade menor, não porque a expo-
estudo, se seus médicos soubessem que elas estavam fa-
sição ocupacional é protetora, mas porque não há
zendo uso de contraceptivo oral. Neste caso, este viés de
comparabilidade nos níveis de saúde basais entre os gru-
seleção teria o efeito de exagerar a associação entre con-
pos de trabalhadores e a população, já que essa inclui
traceptivo oral e tromboembolismo venoso.
incapacitados e aposentados.
O viés de auto-seleção diz respeito às razões es-
pecíficas que fazem indivíduos contatar investigadores
e participar de estudos epidemiológicos em função, por Viés de Informação
exemplo, de publicidade em tomo da investigação. As-
sim, é possível que apenas um determinado grupo de Os vieses de informação referem-se a distorções
indivíduos perdidos de seguimento em uma coorte espe- nas estimativas de efeito obtidas em estudos epidemioló-
cial (p. ex.: expostos à radiação pós-acidente nuclear) gicos que decorrem de erros na mensuração/aferição da
responda a contatos posteriores feitos por investigado- exposição e/ou desfecho de interesse. Várias são as fon-
res. O conjunto de características dos indivíduos que tes possíveis deste tipo de erro: utilização de procedimen-
foram contatados pode difeiir do conjunto de caracte- tos diagnósticos de baixa sensibilidade e/ou especificidade
rísticas daqueles que não responderam à convocação. (informação sobre o desfecho); uso de instrumentos de
Particularmente, é possível que a prevalência de doen- coleta de dados (p. ex.: questionários) de má qualidade;
ça entre aqueles que responderam seja maior do que procedimentos de entrevista não padronizados; registros
entre aqueles que não responderam ao estudo. Se as de dados incompletos, entre outras. Seja qual for a ori-
incidências de doença nesta coorte são comparadas com gem do erro, o resultado será a classificação errônea dos
as incidências de doença na população geral, poderá participantes do estudo em termos de seus status de do-
haver superestimação do efeito da exposição. ença e/ou exposição. Por isto, o viés de informação é
Do mesmo modo, o viés conhecido como efeito do muitas vezes denominado de erro de classificação ou viés
trabalhador saudável pode ocorrer quando apenas tra- de má classificação (misclassification bias).
balhadores empregados (p. ex.: uma coorte de traba- Ainda que, em geral, utilizem-se os termos sensibi-
lhadores de urnJ} fábrica) são elegíveis para o estudo. lidade e especificidade para designar características

282 CAPÍTULO 15
da validade de testes diagnósticos (ou seja, para definir ção 2 (Tabela 15 .1 O) mostra a circunstância em que os
o status de doença), nada impede que estes conceitos não-expostos são submetidos ao teste descrito, mas os
sejam aplicados para avaliar a validade de estratégias expostos que foram classificados como positivos no pri-
de classificação da exposição. Este adendo é importan- meiro teste são submetidos a um tese adicional com sen-
te porque os vieses de classificação podem ser expres- sibilidade de 98% e especificidade de 90%.
sos em termos destes parâmetros. Sensibilidade pode
ser definida como a probabilidade de que uma pessoa
com uma condição (exposição ou doença) seja correta-
....._,s.e
........ de Erro • Cla11illaap - Sltl ■1la \wdad■lra
mente classificada como portadora da condição. A es-
Diabetes
pecificidade é a probabilidade de um indivíduo sem uma
condição (exposição ou doença) ser classificado corre- História
Sim Não
tamente como não portador da condição. familiar de Sim 70 130 200
diabetes
Não 20 160 180
ERROS DIFERENCIAIS E NÃO-DIFERENCIAIS
RR = (70/200) / (20/180) = 3, 15
O erro de classificação pode ocorrer de duas formas:
diferencial ou não-diferencial. No caso do erro de clas-
sificação não-diferencial, o sistema de classificação, seja Situação ·1 - erro de classificação não-diferen-
ele adequado ou não, é o mesmo para os grupos de com- cial: Teste diagnóstico com sensibilidade de 70% e espe-
paração, ou seja, a sensibilidade e a especificidade não cificidade de 80% aplicado a ambas as populações de
variam segundo o status de exposição ou doença. O re- expostos e não-expostos. Para os expostos (história fa-
sultado usual, porém não universal, dos erros não-dife- miliar positiva) a tabela é composta da seguinte forma:
renciais é diminuir as diferenças entre os grupos de daqueles 70 verdadeiramente diabéticos (ver Tabela 15.8
comparação e enviesar as medidas de associação em situação verdadeira), apenas 49 (70%, sensibilidade) são
direção ao valor nulo. Em outras palavras, as estimativas diagnosticados corretamente, os outros 21 são reclassi-
de risco relativo tendem a se aproximar de 1,0. ficados como não-diabéticos, ou seja, são falso-negati-
vos (FN). Dentre os 130 verdadeiramente não-diabéticos
Na situação de erro diferencial, a taxa de má classi-
(ver situação verdadeira), apenas 104 (80%, especifici-
ficação difere entre os grupos de estudo. Por exemplo,
dade) são corretamente classificados como não porta-
a sensibilidade e a especificidade de testes diagnósticos
dores da doença, os outros 26 são erroneamente
podem variar entre os grupos de exposição. Ou seja, é
classificados como positivos, ou seja, são falso-positi-
possível que indivíduos expostos que apresentem resul-
vos (FP). O procedimento é o mesmo para os não-ex-
tado positivo no primeiro teste sejam submetidos a um postos (FN = 6, FP = 32). Na medida em que o sistema
teste subseqüente para confirmar ou descartar o diag- diagnóstico é o mesmo para os dois grupos de compara-
nóstico, enquanto os não-expostos são submetidos a ção (expostos e não-expostos), o erro é não-diferencial
apenas o primeiro teste desta série. A sensibilidade e a e o resultado é que o risco relativo é diluído e aproxima-
especificidade finais dos testes em seqüência serão, se do valor nulo.
muito possivelmente, diferentes da sensibilidade e da
especificidade do primeiro teste da série. O resultado Situação 2 - erro de classificação diferencial:
Teste diagnóstico com sensibilidade de 70% e especifi-
será uma distorção na e~imativa de efeito, cuja direção
cidade de 80% aplicado a ambas as populações de ex-
é muito difícil de ser avaliada.
postos e não-expostos. No entanto, os expostos (história
Observe, no exemplo hipotético a seguir, o efeito familiar positiva) que foram classificados como positi-
dos erros diferencial e não-diferencial nas estimativas vos na primeira etapa são submetidos posteriormente a
da associação em um estudo de coorte sobre história mais um teste com sensibilidade de 98% e especificida-
familiar de diabetes e ocorrência de diabetes tipo II. de de 90%. Para os expostos a tabela é composta da
Primeiro (Tabela 15.8) é mostrada a verdadeira distri- seguinte forma: daquelas 75 pessoas diagnosticadas
buição de diabetes segundo níveis de exposição. Depois como diabéticas na situação l descrita, 49 são verda-
(Tabela 15.9), a situação l mostra o efeito do erro de deiramente diabéticas e 26 são falso-positivas. Daque-
classificação não-diferencial, quando o mesmo teste di- les 49, cerca de 48 (49 x 0,98) são confirmados como
agnóstico com sensibilidade de 70% e especificidade de positivos e um indivíduo é reclassificado como negativo.
80% é aplic,ado aos dois grupos de exposição. A situa- Dentre os 26 falso-positivos, cerca de 23 (26 x 0.90)

CAPÍTULO 15 283
1 wh • .._ •
,...... ,....
auu■••••• 1111 .,.,..d,I _,,,11 1)
Diabetes Diabetes

Sim Não Total Sim Não Total


Histório
Sim 49 + 26 21 + 104 200 Sim 75 125 200
familiar de ➔
diabetes 180 Não 46 134 180

RR = (75/200) / (46/180) = 1,47

são agora classificados como negativos e os outros três ção sob investigação. Este viés pode ocorrer principal-
permanecem no grupo de positivos. Para os não-expos- mente quando as causas da doença são relativamente
tos o procedimento é exatamente o mesmo da situação 1. bem estabelecidas. Por exemplo, tem sido sugerido que,
Observe como o resultado obtido é ainda mais distorcido, em estudos sobre câncer de tireóide entre crianças, a
ainda que a sensibilidade final entre expostos seja aproxi- identificação da história prévia da exposição à radiação
madamente igual à original (69% vs. 70%, a especifici- entre casos é muito maior do que entre controles, parti-
dade aumentou muito (de 80% para 88°/o). cularmente em decorrência de procedimentos intensi-
vos de busca apenas centrados nos casos.

Viés de Memória O viés de prevaricação, de falsa-resposta ou de


não-aceitação diz respeito ao uso de questões embara-
O viés de memória é um problema particular dos çosas ou "invasivas". Indivíduos que usam drogas podem
estudos nos quais os dados de exposição são obtidos re- preferir negar a condição de usuário por medo de ser
trospectivamente, após o desenvolvimento da doença. Em repreendido ou mesmo denunciado. Pais de crianças abu-
geral, acredita-se que casos apresentem uma maior pro- sadas fisicamente podem negar a existência de violência
babilidade de recordar exposições passadas do que con- familiar com mais freqüência do que pais de crianças não-
troles. Um exemplo freqüentemente citado concerne aos vitimizadas. Em estudos sobre comportamento sexual, por
estudos caso-controle sobre fatores de risco para mal- exemplo, é comum os respondentes indicarem que usam
formações congênitas. Mães de crianças com malfor- preservativos regularmente em relações sexuais, apesar
mações tenderiam a identificar eventos que pudessem de não o fazerem, apenas porque reconhecem que esta
explicar o ocorrido. Elas tenderiam a recordar eventos seria a resposta mais aceitável socialmente.
passados, como o uso de medicações, infecções ou fato-
res de risco familiares, com mais freqüência do que mães
de crianças que nasceram sem )>roblemas semelhantes. SITUAÇÃO DE CONFUSÃO (Co FUNDIMENTO)

A situação de confusão ou confundimento ocorre


Outros Vieses de Informação devido a uma inerente falta de comparabilidade entre
populações expostas e não-expostas no que diz respeito
No viés de suspeição da exposição, o conheci- ao risco de adoecer. Ou seja, mesmo se a exposição
mento prévio do status de doença pode levar a uma sob estudo estivesse ausente de ambas as populações,
maior intensidade da busca e identificação da exposi- esta diferença continuaria existindo. É intuitivo admitir

u
a Nlb •
Diabetes
--.-.i a.u-. ••••cu
Melll15.f0'
111 . . . . . ia
Diabetes

Sim Não Total Sim


História
Sim 48 + 3 1+23+125 200 Sim 51
familiar de ➔
diabetes Não 14 + 32 6 + 128 180 Não 46 134 180

RR = (51 /200) / (46/180) =1,00


.'
284 C APÍTULO 15
que, para existir validade de comparação, os grupos de brar que estas relações devem existir condicionalmente
expostos e não-expostos necessitam ser semelhantes a outras variáveis sob investigação.
em todos os aspectos, exceção feita ao status de expo- As propriedades descritas sugerem que a observa-
sição. Esta afirmativa deixa implícita a idéia de que existe ção destas relações nos dados pode servir para auxiliar
validade de comparação quando os grupos são intercam- na decisão sobre se uma variável deve ou não ser con-
biáveis entre si8 . A idéia de intercambialidade baseia-se siderada, pelo menos potencialmente, como um fator de
na suposição de que os mesmos resultados seriam espe- confundimento. Deve-se salientar, entretanto, que é o
rados se o status de exposição fosse intercambiado en- conhecimento a priori que deve predominar na decisão
tre os dois grupos. Por exemplo, em um estudo sobre o sobre utilizar medidas de associação brutas ou ajusta-
efeito da ingesta de café na ocorrência do primeiro infar- das. Particularmente, para avaliar a pertinência da ter-
to do miocárdio, a condição para existência de validade ceira propriedade, há a necessidade de um modelo teórico
de comparação poderia ser expressa da seguinte forma: subjacente que explicite as relações entre todas as vari-
se aqueles indivíduos que tomaram cinco xícaras de café áveis envolvidas no estudo. O controle para variáveis
por dia tivessem, ao contrário, nunca ingerido café, o ris- intermediárias pode provocar viés de grande magnitu-
co de um primeiro infarto do miocárdio entre eles seria de. Em estudos caso-controle, em que a base populaci-
aproximadamente o mesmo daquele observado entre os onal é amostrada e representada pelo grupo-controle,
indivíduos que nunca ingeriram café. sugere-se que deve prevalecer o conhecimento prévio
Mas a completa intercambialidade é contrafactual, na eventualidade de discrepância entre a informação a
pois só poderia ser certificada se pudéssemos compa- priori e aquela produzida pelos dados.
rar um indivíduo exposto com ele mesmo quando não De qualquer maneira, odds ratios (OR) poderiam
exposto. Isto garantiria que seria possível descrever a ser utilizadas para avaliar, pelo menos, a existência, nos
ocorrência do desfecho de interesse entre os indivíduos dados, das relações descritas nas propriedades 1 e 2.
expostos, se eles não tivessem sido expostos, a partir Para avaliar a propriedade I devemos estimar a OR
dos dados obtidos nos não-expostos. Como isto não é entre o potencial fator de confusão e doença, apenas
possível, substitui-se "o exposto quando não-exposto" entre os não-expostos. Para avaliar a propriedade 2,
por um indivíduo não exposto. devemos calcular a OR entre exposição e potencial fa-
Para avaliar a comparabilidade entre grupos é im- tor de confusão na base populacional. Em estudos de
portante checar se existem quaisquer fatores de risco coorte, todos os indivíduos pertencem à base, portanto a
para a doença sob investigação que ocorrem com maior OR a ser calculada será baseada em todos os indivídu-
(ou menor) freqüência no grupo de não-expostos em os do estudo. Porém, em estudos caso-controle, a base
relação aos expostos. Se existe um desbalanceamento populacional é representada pelo controles, e a OR en-
na distribuição destes fatores de risco entre os grupos, é tre exposição e potencial fator de confusão deve ser
possível que parte do efeito observado de um fator de calculada utilizando-se apenas este subgrupo. As duas
exposição decorra da existência destes outros fatores. propriedades serão cumpridas se ambas ORs forem di-
Alguns autores deduzem três propriedades básicas ferentes de 1 (valor nulo).
para que uma variável seja elegível como um fator de A Figura 15.3, a seguir, mostra, para a situação de
confusãos.11.13: apenas um potencial fator de confundimento, uma hipo-
• deve ser um fator de risco para a doença sob estu- tética rede de relações geradora da situação de confu-
do, entre os não-expostos; são. Setas conectando uma variável a outra representam
associações causais.
• deve estar associada com a exposição na base po-
pulacional (na coorte, em estudos de coorte, e nos Ainda que a observação do confundimento nos da-
controles, em estudos caso-controle); dos possa não corresponder à existência do fenômeno,
e vice-versa, é relativamente comum utilizar o critério
• não ser intermediária na relação causal entre a ex- da colapsabilidade para decidir se uma variável está
posição e doença, ou conseqüência do desfecho sob ou não provocando a situação de confusão. O critério
estudo. da colapsabilidade é simples: compara-se o valor da
Ainda que estas propriedades sirvam como um guia medida de efeito de interesse (p. ex.: a odds ratio) 16-
para rastrear potenciais variáveis de confundimento, elas vando-se em consideração o potencial fator de confun-
não são suficientes para garantir que uma variável seja, dimento (odds ratio ajustada) ou ignorando-o (odds
de fato, UI!} fator de confusão. Em particular, vale lem- ralio não-ajustada, bruta ou crua).

CAPITULO 15 285
estatísticos que podem ser aplicados para a avaliação
da hipótese de que estas medidas estratificadas são ou
E = Exposição
D= Desfecho não similares, como por exemplo o teste de Woolfpara
C = Fator de confusão E- C
-~ avaliar a homogeneidade das OR através de diferentes
estratos. Se OR 1 e OR2 são diferentes, então estamos
frente ao fenômeno denominado modificação de efei-
to, e não faz sentido calcular a OR\111 .
Fig. 15.3 - Esquema ilustrativo de situação de confusão.
A OR"111 nada mais é do que uma média ponderada
das razões de chances nos estratos. No exemplo anterior
No exemplo a seguir utiliza-se a técnica da estrati- a ORM 11 pode ser calculada da seguinte maneira:
ficação em um estudo caso-controle para se obter uma
odds ratio ajustada para o fator de confundimento.
Na estratificação, casos e controles são separados em ~](a; x d;}! n;]
estratos de acordo com níveis de variáveis de confundi-
mento e a análise (cálculo da odds ratio, x2 e interva-
I[(b; x e; )1ni] =
los de confiança) é realizada separadamente para cada
estrato. Se a razão de chances (odds ratio) for seme-
lhante nos estratos, uma medida sumária única pode ser = [(13x720)/837]+ [(12 x663)/847] _ 3
56
produzida, que é uma média ponderada das razões de [(59x45)/837]+ [(14xl58)/ 847] - '
chances nos estratos, e então um intervalo de confiança
é calculado para esta medida sumária. Esta medida su-
mária é a razão de chances "controlada" (odds ratio Pois bem, neste exemplo a OR,111 é uma medida
ajustada) para a variável de confundimento (Mante) sumária da associação entre uso de contraceptivo oral
Haenszel odds ratio). e infarto do miocárdio, controlando para o efeito de
Na situação mais simples, em que a variável de ex- confundimento de idade. Mas idade é mesmo uma vari-
posição é dicotômica e existe apenas uma variável de ável de confundimento nesta situação? A maneira ope-
confundimento também dicotômica, a análise estratifica- racional mais simples de se avaliar é comparando a
da se resume a dois estratos. A Tabela 15.11 , a seguir, OR\1 11 com a OR não ajustada ou OR bruta (OR0 . ) ,
apresenta um exemplo de estratificação em um estudo aquela que obteríamos em uma tabela 2 x 2 simples,
caso-controle para investigar o papel do uso de contra- apenas com a exposição e o desfecho, sem levar em
ceptivos na ocorrência de infarto do miocárdio 18• Idade consideração a possível variável de confundimento.
foi considerada um importante fator de confundimento. No exemplo acima, ORna = [(13 + 12) x (720 + 663)]
Na medida em que as duas razões de chance (OR 1 / [(59 + 14) x (45 + 158)] = 2,33, valor bem menor do que
e OR2 ) são similares, faz sentido estimar uma medida o OR\1H· Pela definição operacional de confundimento, toda
de associação que sumarize os achados das duas tabe- a vez que ORna :f:. OR"111 então há confundimento e a me-
las. Esta medida é denominada odds ratio de Mante/ dida de associação que deve ser utilizada é aquela ajusta-
Haenszel (OR"111 ). Yale ressaltar que existem testes da para o efeito do confundimento, ou seja, a ORMH·

Controles Total Casos Controles Total

Expostos 13 59 72 12 14 26

45 720 765 158 663 821

58 779 837 170 677 847

OR, = (13 x 720) / (59 x 45) = 3,53 OR, = (12 x 663) / (14 x 158) = 3,53
.,

286 CAPÍTULO 15
Métodos Utilizados no Controle do pre a restrição é uma estratégia efetiva, pois pode conti-
Confundimento nuar existindo confundimento (confundimento residual)
se a restrição utiliza critérios pouco estritos. Por exem-
Estratégias para controle de confundimento reca- plo, se a admissão em um estudo é restrita a indivíduos
em sobre dois tipos de abordagens: preventiva e analíti- entre 20 e 49 anos, a variação de idade dentro desta faixa
ca ( Figura I 5 .4). As estratégias preventivas procuram etária pode levar a uma situação de confusão. Ainda que
controlar o confundimento ainda na etapa de desenho seja uma estratégia intuitiva e de fácil implementação, a
do estudo, enquanto as estratégias analíticas enfocam o restrição apresenta três outras limitações: não resolve o
confundimento na análise dos dados, ou seja, após os problema das variáveis de confundimento desconhecidas,
dados terem sido coletados. pode diminuir em muito a disponibilidade de indivíduos
para o estudo (se a restrição é feita com base em muitas
• Estratégias preventivas variáveis e com critérios bem estritos) e pode dificultar a
generalização dos resultados.
Randomização
?areamento se refere ao procedimento pelo qual, para
Restrição cada indivíduo selecionado para compor o grupo-índice
Pareamento (expostos, em estudos de coorte, ou casos, em estudos
• Estratégias analíticas caso-controle), são recrutados um ou mais indivíduos idên-
ticos com relação a certas características que não o fator
Estratificação sob investigação para compor o grupo de comparação.
Análise multivariada As variáveis utilizadas no pareamento são aquelas sus-
peitas de serem variáveis de confundimento, em particu-
Fig. 15.4 - Estratégias poro controle de confundimento.
lar, variáveis demográficas, como idade e sexo, são
comumente utilizadas. Em um estudo sobre a relação
entre consumo de cocaína na gravidez e baixo peso ao
Dentre as estratégias preventivas, a randomização nascer, por exemplo, consumo de álcool pela mãe foi con-
destaca-se por ser a técnica comumente utilizada em siderado um importante fator de confundimento. Neste
estudos de intervenção para garantir a comparabilidade contexto, pareamento levaria a que, para cada caso (mãe
entre os grupos de estudo. Através do processo de ran- com filho de baixo peso) que tivesse ingerido álcool na
domização, os indivíduos são selecionados aleatoriamente gravidez, um controle seria selecionado cuja mãe tam-
para compor os grupos que irão ou não receber a inter- bém tivesse ingerido álcool; e para cada caso com mãe
venção sob estudo (p. ex.: um tratamento). O efeito de- não-alcoolista, um controle cuja mãe também fosse não-
sejado da randomização é fazer com que os potenciais alcoolista seria selecionado. Este tipo de pareamento é
fatores de confundimento sejam distribuídos equanime- denominado pareamento individual, mas para garantir
mente entre os grupos de exposição. Desta forma, não a distribuição semelhante de um certo fator de confundi-
haveria situação de confusão, pois as possíveis variá- mento nos grupos de estudo pode-se, alternativamente,
veis de confundimento deixariam de estar associadas utilizar o pareamento por freqüência. Nesta abordagem,
com a variável de exposição. Se o número de indivíduos uma vez escolhida a variável a ser pareada, o processo
no estudo é muito grande, então a randomização tende de recrutamento é conduzido monitorando-se o número
a funcionar bem, permitindo o controle de todos os pos- de expostos (ou casos, em estudos caso-controle) e não-
síveis fatores de confunpimento, sejam eles conhecidos expostos (ou controles) em cada estrato da variável de
ou não. Entretanto, a randomização pode não ser capaz pareamento, garantindo que haja a mesma proporção de
de produz ir grupos de comparação homogêneos quando indivíduos de cada grupo nos estratos. Por exemplo, em
o tamanho amostral é pequeno. A principal limitação da um estudo caso-controle que pareie por sexo, num certo
randomização diz respeito à impossibilidade, seja do pon- momento do estudo, os pesquisadores determinam qual é
to de vista operacional ou ético, de se atribuir delibera- a proporção de homens entre os casos e entre os contro-
damente "exposições" a diferentes grupos de pessoas. les. Se esta proporção não é a mesma, a partir dali recru-
A restrição refere-se a um critério de admissão no ta-se mais controles do sexo sub-representado.
estudo que restringe a variabilidade de um ou mais fato- A principal vantagem do pareamento é aumentar a1
res de confundimento. Por exemplo, se um estudo é res- eficiência do estudo, isto é, um tamanho amostral menor
trito a indivíduos do sexo masculino, então sexo não pode é geralmente requerido em estudos pareados, quando
confundir qs resultados do estudo. Entretanto, nem sem- comparados com estudos não-pareados. Por outro lado,

CAPÍTULO 15 287
o pareamento pode aumentar custos, pois nem sempre é associado com cada variável é multiplicativo e constan-
simples encontrar o par desejado. Por exemplo, em cer- te em todos os estratos das variáveis que estão sendo
tas situações, torna-se necessária a estruturação de um controladas e, ainda, que o logaritmo da chance de ado-
sistema de vigilância e monitoramento para identificar pa- ecer aumenta linearmente com a intensidade da exposi-
res. É importante notar que, ao contrário do que se obser- ção. É possível, no entanto, modificar-se o modelo para
va em estudos de coorte, o pareamento em estudos acomodar mudanças nestas premissas, embora com fre-
caso-controle não leva diretamente ao controle do con- qüência os modelos sejam usados sem essas adapta-
fundimento. Isto se dá porque em estudos de coorte o ções. Uma outra desvantagem do uso de modelos de
pareamento opera apenas na relação exposição-confim- regressão é a não-visualização dos dados, o que limita a
dirnento, já que a doença ainda está por ocorrer. Em es- habilidade de julgar a credibilidade das conclusões apre-
tudos caso-controle, o pareamento opera na relação sentadas no estudo. O uso de modelos de regressão deve
doença-confundimento-exposição, enviesando a associ- ser precedido de métodos pertinentes mais simples que
ação sob estudo em direção ao valor nulo (não-associa- permitam explorar e familiarizar o investigador e o leitor
ção ). Este viés em direção ao valor nulo é imposto pelo com os dados existentes.
pareamento e só pode ser conigido através de estratifica-
ção. Portanto, é fundamental notar que toda vez que o es-
BIBLIOGRAFIA
tudo caso-controle for pareado, a análise também tem que
ser pareada (ver Capítulo 11 - Estudos Caso-controle). 1. Berkson J. Limitations ofthe application offourfold table analysis
to hospital data. Biometrics 1946; 2:47-53.
Por questões operacionais e de custo, dificilmente
2. Braga JU, Reichenheim ME, Wemeck GL. Validade interna em
se pode promover o controle para todas as variáveis de estudos epidemiológicos. ln: Reichenheim ME, Wemeck GL,
confundimento ainda na fase de desenho do estudo. Braga JU. Curso intensivo: Pesquisa epidemiológica em saúde
Assim, as estratégias analíticas se tomaram uma das matemo-infantil. 1992; 29-42.
principais ferramentas para o controle de confundimen- 3. Brinton et ai. Oral contraceptives use and risk of invasive cervi-
cal cancer. lnt J Epidemio( 1990; 90: 4-11.
to em estudos epidemiológicos. Como descrito anterior-
4. Dosemeci M, Wacholder S, Lubin J. Does non-differential mis-
mente, a estratificação tem as vantagens de ser uma classification always biasa true effect toward the null value? Am
estratégia direta e lógica, não depender do cumprimen- J Epidemio( 1990; 132:746-748.
to de premissas para que a análise seja apropriada, e 5. Gordis L. Epidemiology. W. B. Saunders, Philadelphia, 1996.
depender de mecanismos computacionais relativamen- 6. Greenland S. Concepts ofvalidity in epidemiological research.
ln: WW Holland, R Detels & G Knox (ed.) Oxford Text Book of
te simples. Entretanto, as dificuldades surgem quando Public Health. 2 ed., Oxford Univ. Press. NY, 1991; 253-270.
há a necessidade de se controlar diversas variáveis ao 7. Greenland S. Response and follow-up bias in cohort studies.
mesmo tempo. Por exemplo, estratificação simultânea Am J Epidemio! 1977; l 06: 184-187.
para cinco variáveis dicotômicas produz 32 estratos (32 8. Greenland S, Robins JM. ldentifiability, exchangeability, and
tabelas 2 x 2), inevitavelmente levando a pequenos nú- epidemiological confounding. lnt J Epidemio_! 1986; 15:413-419.
9. Holland PW. Statistics and causal inference. J Am Stat Assoe
meros (ou mesmo zeros) em muitas caselas. Quando se 1986; 81 :945-70.
está utilizando variáveis contínuas ou ordinais, a situa- 1O. Horowitz RI, Feinstein AR. Altemative analytic methods for
ção piora ainda mais, pois haverá a necessidade de ca- case control studies of oestrogens and endometrial cancer. N
tegorizar a variável, o que pode ser feito de diferentes Eng! J Med 1978; 289: 1089-1094.
1 1. Kleinbaum D, Kupper LL, Morgenstem H. Epidemiologic Re-
maneiras, levando à perda de informação.
search: principies and quantitative methods. New York: Van
A alternativa mais utilizada para enfrentar estas di- Nostrand Reinhold Company, 1982.
ficuldades é o uso de técnicas de análise multivariada, 12. Last JM. A dictionary ofepidemiology. Oxford University Press.
4 edition. New York, 2001.
destacando-se em epidemiolo~ia os modelos de regres-
13. Miettinen OS, Cook EF. Confounding: essence and detection.
são logística, linear, log-binomial, de Poisson, de Cox. Am J Epidemio! 1981; 114:593-603.
Estas técnicas se baseiam em modelos matemáticos para 14. Reichenheim ME, Moraes CL. Alguns pilares para a apreciação
descrever simultaneamente o efeito da exposição e po- da validade de estudos epidemiológicos. Revista Brasileira de
tenciais fatores de confundimento na ocorrência do des- Epidemiologia 1998; 1(2): 131-148.
15. Robins JM, Morgenstern H. The foundations of confounding
fecho de interesse. Esta estratégia tende a ser mais in epidemiology. Comp Math Applic 1987; 14:869-916.
factível com pequenos números do que a estratificação, 16. Rothman KJ, Greenland S. Modem Epidemiology. 2 ed, Phila-
e incorpora variáveis contínuas ou ordinais diretamente. delphia: Lippincoll-Raven, 1998.
As principais desvantagens dos modelos de regressão 17. Sackett DL. Bias in Analytic Resea,ch. Joumal ofChronic Dise-
são a necessidade de um computador com programas ases 1979; 32:51-63.
18. Shapiro S, Slone D, Rosenberg L et ai. Oral-contraceptives use in
estatísticos, e o fato de que, como em todo modelo, as- relation to myocardial infaction. Lancet 1979; I :743-747.
sume-se que os dados têm certas características; por 19. Walker AM. Observation and lnference. Epidemiology Resour-
exemplo, na regrçssão logística, assume-se que o risco ces lnc., Newton Lower Falis, 1991.

288 CAPÍTULO 15
Revisão Sistemática e Metanálise

Evandro da Silva Freire Coutinho


José Ueleres Braga

INTRODUÇÃO des. Esses estudos têm sido denominados revisão sis-


temática e me/análise.
O acúmulo e a síntese do conhecimento produzido
são elementos importantes na construção do conheci-
mento científico. A melhor síntese possível da informa- D EFINIÇÕES
ção disponível é essencial para a tomada de decisões na
medicina clínica, no planejamento e administração Revisão sistemática. A conferência de Potsdam-Ale-
na área da saúde, na definição de políticas e programas manha, realizada em março de 1994, definiu revisão sis-
a serem implementados, ou ainda para o estabelecimento temática como a aplicação de estratégias científicas para
de estratégias de pesquisa mais adequadas para os es- limitar o viés na reunião sistemática, avaliação critica e
tudos etiológicos. síntese de todos os estudos relevantes em um tópico es-
pecífico4. Trata-se, portanto, de uma revisão de estudos
A divulgação da produção científica na área da saú-
que faz uso de uma abordagem sistemática, com meto-
de vem crescendo de uma forma sem precedentes. Se
dologia claramente definida, visando minimizar os erros
em 1940 havia cerca de 2.300 revistas biomédicas, 50
nas conclusões. A estratégia de identificação de estudos,
anos depois esse número subiu para quase 25.000 16 . Es-
os critérios de inclusão e exclusão de estudos, e as variá-
ses dados permitem dimensionar o problema enfrenta-
veis a serem consideradas devem ser explicitadas numa
do pelos profissionais de saúde para acompanhar o
conhecimento produzido e tomar decisões com base seção de metodologia.
nesse conhecimento. Metanálise. A conferência de Potsdam definiu
Freqüentemente a síntese dessa produção é feita metanálise como a análise estatística para combinar e
de forrna simplista. Revisões narrativas, também deno- sintetizar os resultados de vários estudos4 • Esta defini-
minadas revisões tradicionais ou jornalísticas, expres- ção pode dar a impressão de que a metanálise tem como
sam opiniões pessoais, selecionando estudos de fom,a principal objetivo calcular uma medida única que com-
subjetiva, sem critérios claros. O estilo dessas revisões bine os resultados dos vários estudos (medida-sumá-
caracteriza-se por seqüências de "quem disse o que", rio ). Entretanto, a identificação e a explicação de
perrneadas por uma bibliografia. A falta de critérios ob- inconsistências entre os resultados observados em dife-
jetivos e a pouca integração dos resultados podem levar rentes investigações é tão importante para a metanálise
a conclusões equivocadas. quanto a sua integração numérica. _/
A partir da década de 1980, começaram a surgir, na Os autores nem sempre seguem essas distinções na
literatura r:n~dica, estudos para lidar com tais dificulda- terminologia de modo rígido. É possível encontrar traba-

C APÍTULO 16 289
lhos que se autodenominam revisões sistemáticas, embora esta técnica cresceu 20 vezes entre 1989 a 1991 6 • Em
apresentem um tratamento estatístico da informação nu- 1992, com a criação do Cochrane Centre em Oxford-
mérica através do cálculo de medidas-sumário. O termo Inglaterra, teve início o estabelecimento de uma rede de
síntese de pesquisas também tem sido usado para se re- centros voltados para a revisão sistemática em diferen-
ferir ao método que combina resultados de investigações tes países. Seu nome é uma homenagem a Archie Co-
primárias com o propósito de fazer generalizações. c h ra n e, considerado pioneiro na avaliação de
intervenções médicas. O objetivo dessa rede (Co-
chrane Collaboration) é preparar, manter e dissemi-
ÜRIGENS E E\ OLUÇÃO DA META '\ÁLISE nar revisões sistemáticas de ensaios clínicos controlados.
Os primeiros métodos estatísticos para combinar Hoje a Cochrane Collaboralion é formada por cen-
resultados de estudos independentes tiveram origem no tros espalhados pela Europa, Américas, África e Aus-
início do século XX, sobretudo no campo da agricultu- trália. O Centro é também responsável pela publicação
ra 16. No início da década de 1930, os estatísticos R. A trimestral da Cochrane Library, uma revista em for-
Fisher e L. Tippett apresentaram métodos para combi- mato de CD-ROM com revisões sistemáticas, além de
nar valores de probabilidade de testes de significância uma base de dados com referências de ensaios clínicos
publicados em periódicos indexados ou não. Seu logoti-
estatística obtidos em estudos independentes 12 • Outros
po ( Figura 16.1) foi inspirado no gráfico de uma meta-
estatísticos como K. Pearson, E. S. Pearson e F. Yates
nálise com dados de sete ensaios clínicos randomizados
também se ocuparam do tema nesse período. Em 1937,
sobre a eficácia do uso de corticosteróides na redução
William G. Cochran trabalhou no desenvolvimento de
da mortalidade neonatal de bebês de mulheres com par-
uma metodologia para estimar o efeito médio e a varia-
to prematuro. As sete linhas horizontais representam as
bilidade de uma dada intervenção aplicada em diferen-
estimativas de cada estudo e respectivos intervalos de
tes centros agrícolas.
confiança, enquanto o losango na parte inferior da figu-
A partir da década de 1950 observou-se a importa- ra é a medida-sumário que indica uma redução na mor-
ção desse desenvolvimento do campo da agricultura para tal idade desses bebês cujas mães fizeram uso de
a educação e psicologia. O desenvolvimento de técni- corticosteróides. Esse tipo de gráfico, denominado Fo-
cas estatísticas mais sofisticadas para a metanálise deu- res/ pio!, será discutido adiante.
se na década de 1970 12 . Em 1976, o psicólogo Gene
Glass cunhou o termo metanálise em seu trabalho sobre
a efetividade da psicoterapia no tratamento de pacien-
tes neuróticos. O casal Gene Glass e Mary Lee Smith
realizou uma metanálise com 375 estudos, totalizando
cerca de 40.000 indivíduos, concluindo que a psicotera-
pia era efetiva no tratamento de pacientes neuróticos.
Ainda na década de 1970, Thomas Chalmers, dire-
tor associado para tratamento clínico do National Jns- The Cochrone
titute of Health EUA, conduziu o que se considera a Colloboration
primeira metanálise moderna na medicina clínica: uso
Fig. 16.1 - Logotipo do Cochrone Colloborolion.
hospitalar de um agente trombolítico (estreptoquinase)
visando a redução na mortalida~e de pacientes com in-
farto agudo do miocárdio. Além desta metanálise con-
POR QUE FAZER METANÁLISE?
duzida na Mount Sinai School of Medicine, outras
metanálises sobre esse tópico foram feitas, sendo que Peto 19 responde esta pergunta no campo dos ensai-
as duas mais importantes aconteceram na Radc/iffe os clínicos justificando que efeitos moderados podem
lnfirmary em Oxford, Inglaterra. As três metanálises ser muito importantes quando relacionados a condições
observaram uma redução de cerca de 22% na mortali- muito prevalentes. Usando o exemplo de Peto, milhões
dade por infarto agudo do miocárdio no grupo que fez de pessoas são internadas anualmente em unidades coro-
uso de anticoagulantes 12 . narianas por infarto agudo do miocárdio e, dentre elas, cen-
A partir da década de 1980 observou-se o interesse tenas de milhares morrerão. Nesse cenário, uma redução
crescente no uso da metanálise em medicina. Uma pes- moderada de 10% da mortalidade através de uma inter-
quisa no Medline m~strou que o número de artigos usando venção pouco complexa, que possa ser conduzida fora das

290 CAPÍTULO 16
unidades coronarianas, representaria um volume enorme tata? Em seguida, o protocolo deve descrever os passos
de mortes evitadas. Estudos que lidam com efeitos de pe- que serão seguidos para responder esta pergunta.
quena magnitude, ainda que relevantes, não costumam ter As principais etapas de uma revisão sistemática/meta-
poder estatístico para detectar tais efeitos, pois necessi- nálise são: 1. formulação de uma pergunta de revisão bem
tam de amostras muito grandes. Ao combinar estudos ho- delimitada; 2. busca adequada e exaustiva de estudos pri-
mogêneos, a metanálise aumenta o número de observações, mários para inclusão na revisão; 3. avaliação da qualidade
e conseqüentemente o poder estatístico, aumentando a de estudos incluídos e extração de dados; 4. síntese de
probabilidade de detectar esses efeitos. resultados dos estudos (metanálise); e 5. interpretação dos
Além do aspecto levantado por Peto, o fato de as resultados e elaboração do relatório. A Figura 16.2 apre-
metanálises lidarem com estudos que muitas vezes são senta, um excelente roteiro para a condução de uma revi-
conduzidos em circunstâncias distintas, isto é, estudos são sistemática, proposto por Pai e cols. 17
que diferem entre si quanto ao tipo de população, de
intervenção, levando a resultados diferentes, pode con- IDENTIFICAÇÃO DE ESTUDOS
tribuir para a melhor compreensão do fenômeno que se
deseja investigar. Desse modo, resultados inconsisten- Primeiro deve-se identificar alguns estudos relevantes
tes entre diversos estudos, quando analisados de forma e fazer um piloto; especificar critétios de inclusão/ex-
sistemática, podem fornecer pistas para compreender a clusão, testar o modelo e revisar o protocolo. A identifi-
atuação de fatores de risco, ou a identificação de gru- cação de estudos é uma tarefa crucial, mas de difícil
pos populacionais nos quais o tratamento é mais eficaz. realização. Restringir a busca apenas ao Medline pode
levar à ocorrência de distorções no resultado da revisão
sistemática/metanálise. Nesse sentido, é fundamental
ESTRUTURA DA REVISÃO SISTEMÁTICA!
estender a busca de estudos a outras fontes.
METANÁLISE
• Referências bibliográficas. Todos os artigos iden-
A revisão sistemática e a metanálise compartilham tificados devem ter suas referências pesquisadas
as etapas que serão apresentadas a seguir, com exce- na busca de outros estudos relevantes.
ção da análise estatística (ex.: estimativa de medida- • Medline. Não há dúvida de que o Medline constitui-
sumário, análise da heterogeneidade), que é parte apenas se num recurso importante nesse processo. No en-
da metanálise. tanto, essa base de dados deve ser encarada como
No momento em que se faz a revisão sistemática/ um começo. Chalmers e cols. 3 e McManus e cols. 14
metanálise, os estudos já ocorreram, não sendo possível mostraram que a pesquisa exclusiva em bases ele-
qualquer intervenção do pesquisador. Portanto, trata-se trônicas, como o Medline, pode identificar apenas
de uma análise retrospectiva de dados coletados por metade dos estudos relevantes. Além disso, estudos
outros investigadores, o que traz uma série de proble- publicados no Medline costumam diferir, quanto aos
mas metodológicos. Por essa razão, é necessário que resultados, daqueles não-publicados. Portanto, o
se desenvolvam todas as etapas com extremo rigor. material nele publicado não pode ser considerado, a
priori, uma amostra representativa do conjunto da
Os passos a serem seguidos são, em linhas gerais,
pesquisa. Esse problema, conhecido como viés de
os mesmos de qualquer pesquisa: elaboração de um pro-
publicação, será discutido adiante.
tocolo, formulação de hipóteses, coleta e análise dos
dados segundo um protocolo predefinido, e apresenta- • Science citation index (Scisearch). Essa base de
ção dos resultados acompatihada de uma discussão. dados permite localizar artigos que citaram estudos
já identificados através de outras fontes. Tópicos
cuja indexação é pobre ou estudos publicados em
ELABORAÇÃO DO PROTOCOLO
revistas não indexadas no Medline podem ter, no
A elaboração do protocolo é o primeiro passo, e come- Scisearch, um importante meio de identificação.
ça com a definição de um problema. Esta definição cor- • Outras bases de dados. Além do Medline e do
responde à formulação de uma pergunta específica sobre Scisearch, a Excerpta Medica online - Embase
certo tópico. Por exemplo: Existe um risco aumentado - deve ser usada na identificação de estudos. Em-
de câncer de pulmão para indivíduos que co-habitam bora exista uma superposição com o Medline, a
com fumantes? A vacina BCG reduz o risco da tuber- Embase contém referências de revistas em outros
culose miliar? Qual a validade do antígeno prostático idiomas que não o inglês, e que não costumam ser
específico (PSA) no rastreamento do câncer de prós- indexados no Medline .
. .'

CAPÍTULO 16 291
Revisão sistemática: O caminho das pedras (Versão 2.2)
Dcfiru bcm moe pesglrda an quatro plrlCS (h(,aca. lftktVcnçio. Cffllllel~C Dcaíccbo) e dcsmvol\·cr um protocolo

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: pn1111cna· : F~r•e~puaprtlieascuptl(pSU,eUII•~
• - - - - - - - - - - - -.. 1

~ PII, Mdltl ll(cQllloda. olMi; C.ltlinl S)-Rc\'lcww ONQp. UC Batdcy. 2001 (maclllpel~IIUcrblcy .. . l
Ttwiai.., pon po~I& par: Plft E'ln-llCI A. A...,
.,.a; M-do. IMS,\JEIU 2()()1 <J,--i@ig,C>0111.lor)

1).
Fig. 16.2 - Etapas de uma revisão sistemática (adaptado de Pa, e cols.

• Consulta a especialistas. Estudos publicados em metanálise sobre testes que podem ser realizados à
documentos de dificil identificação, como teses de beira do leito (sem necessidade de enviar o material
pós-graduação, relatórios, resumos de congressos, para o laboratório), McManus e cols. 14 corroboraram
constituem o que se denomina grey literature. Uma a necessidade de consultar especialistas. De 102 re-
fonna de identificar pelo menos parte desse mate- ferências elegíveis, 22 (25%) teriam sido perdidas Cél<;O
rial é através de consultas a especialistas. Numa esses especialistas não fossem contatados.

292 CAPÍTULO 16
• Cochrane library. O registro de ensaios clínicos pu- são confrontados e, havendo discordâncias, estas devem
blicados pela Cochrane Library é uma importante ser discutidas, buscando-se um consenso.
fonte de informação sobre estudos experimentais.
Fazem parte dessa base de dados não apenas os
Extração de Dados
ensaios clínicos publicados no Medline, mas também
outros estudos identificados na grey literature. Por mais criterioso que seja o investigador, existem
• Registros de ensaios clínicos. Permitem identificar dificuldades que ameaçam a qualidade da informação ex-
ensaios clínicos que, embora concluídos, não foram traída dos estudos selecionados e incluídos na revisão sis-
publicados. temática/metanálise. O relato insuficiente ou inadequado
dos dados ainda é comum na literatura médica, e o esforço
Uma série de fatores no processo de identificação para recuperar a infom1ação nem sempre é bem-sucedido.
e sele1yãu dos e~Luuos pode levar a distorções nas con-
• Transcrição da informação. Para que a extração
clusões de uma metanálise. O viés de publicação re-
e registro dos dados sejam mais seguros, é impor-
presenta, possivelmente, a maior ameaça metodológica
tante elaborar um formulário para a transcrição das
à validade dos resultados de uma revisão sistemática/ informações dos estudos. Em linhas gerais esse
metanálise. Ele ocorre quando parte dos dados de estu- formulário deve conter seções referentes a:
dos, ou estudos inteiros, não são publicados em função
do resultado obtido. Em muitos casos, a decisão de não identificação dos estudos: título, local de publica-
ção, data de publicação, autores;
publicar um estudo é influenciada pela ausência de re-
sultados estatisticamente significativos. Tal decisão tende metodologia dos estudos: quando e onde o estu-
a produzir um predomínio de publicações com resulta- do foi feito, delineamento, tipo de participantes,
dos positivos (estatisticamente significativos), aumen- variáveis coletadas, análise de dados utilizada;
tando a chance de que uma metanálise encontre um - resultados: transcrição dos resultados obtidos nos
resultado falso-positivo ou exagere no tamanho do efei- estudos;
to de uma intervenção. Problemas identificados: deficiências na meto-
No viés de idioma, ao contrário do viés de publica- dologia que possam comprometer os resultados.
ção, os estudos são identificados, mas excluídos em fim- • Obtenção da informação adicional. Nem sem-
ção da língua. A situação mais freqüente é a exclusão pre o artigo relata as medidas que interessam ou
de artigos publicados em outro idioma, que não o inglês possibilitam a metanálise. Duas situações podem
e aquele do autor. Esse viés costuma operar através da ocorrer: solicitar a informação ao autor ou obtê-la,
tendência de pesquisadores de países cujo idioma não é quando possível, a partir de cálculos adicionais com
o inglês publicarem achados positivos em revistas de dados publicados.
língua inglesa e achados negativos em revistas com o
idioma local7.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Existem ainda os vieses de citação e de múltiplas
publicações que podem ocorrer pela citação e publica- Conforme dissemos no início deste capítulo, a
ção mais freqüente de estudos com resultados estatisti- metanálise tem sido diferenciada por diversos autores
camente significativos, aumentando sua chance de da revisão sistemática por incluiruma análise estatística
identificação no processo de busca26 . dos resultados dos estudos, com o propósito de combi-
nar esses achados em medidas únicas, sempre que pos-
sível. Tais medidas são chamadas, de modo genérico,
Seleção de Estudos de medidas-sumário. Os algoritimos para o cálculo des-
Os estudos identificados na busca devem ser avalia- sas medidas, utilizando dois métodos de combinação -
dos para ver se preenchem ou não os critérios para inclu- Mantel-Haenszel e Pelo - encontram-se no apêndice
1. Outros métodos existem, mas fogem ao escopo deste
são na revisão sistemática/metanálise, conforme foram
estabelecidos no protocolo. Sempre que possível, é reco- livro, podendo ser encontrados em Coopere Hedges5,
mendável que pelo menos dois investigadores apliquem, Fleiss'º, Petitti 18•
de modo independente, os critérios de inclusão. exclusão O que existe de comum nos métodos de obtenção
ao conjunto de estudos identificados. Os estudos selecio- de medidas-sumário é a ponderação dos resultados àos
nados de modo independente pelos dois investigadores estudos pelo inverso das suas variâncias. Estudos com

C APÍTULO 16 293
amostras pequenas costumam ter variâncias grandes e Mlllt16.1
vice-versa. Portanto, através desses métodos, os estu- F1111D11._ ,-,'CGi11011111q11N1d•1t•1~111-•1tí
dos com amostras maiores terão maior peso no cálculo
da medida-sumário. Estudo Acelular Celular RR (IC 95%)

Andersen, 1988 0;19•

Mctanálise de Estudos de Intervenção Blennow, 19B8 0/240 1/ 79 o,11 (0,005-2,72)


Edwards, 1989 0/27 0/27
Na Tabela 16. 1 apresentamos dados sobre a ocor-
Blumberg, 1991 2/245 1/252 2 05 (O 19-22 45)
rência de convulsões extraídos de uma metanálise25 ' ' '
comparando a efetividade e os efeitos adversos de dois
Feldmon, 1993 0/109 0/36 -
tipos de vacina contra coqueluche: acelular e celular. Podda, 1994 0/240 0/240 -
Decker, 1995 2/1827 0/373 1,02 (0,49-21,24)
Com base nos dados apresentados, observa-se que
a convulsão, embora um efeito adverso de grande rele- Afori, 1996 0/266 0/ 137 -
vância do ponto de vista clínico, é relativamente rara Greco, 1996 15/9368 11/4678 0,68 (0,31- 1,4B)
(menos de l %). Isso traz dificuldades para a compara- Gustafssan, 1996 9/ 5153 8/2102
- ~

0,46 (O, 18-1, 19)


ção dos dois grupos, pois o baixo poder estatístico pode Halperin, 1996 0/324 1/108
-
o, 11 (0,005-2,75)
impedir que se identifique um tipo de vacina mais pro-
AHGSP'✓, 1997 12/ 62172 13/20720 0,31 (O, 14-0,67)
penso a provocar convulsões do que outro. Essa falta
Black, 1996 0/1854 0/464 .
de poder dos estudos pode ser evidenciada na Tabela
16.1, onde os intervalos de confiança dos riscos relati- PVSG, 1997 1/ 4273 4/ 4259 0,25 (0,03-2,23)
vos dos estudos são muito amplos (baixa precisão). Com Simondon, 1997 2/2396 2/2379 0,99 (0, 14-7,04)
exceção de AHGSPV, 1997, esses intervalos incluem o Risco relativo (RR) e intervalos de confianço de 95% (IC 95%).
valor 1, o que equivale dizer que suas estimativas não Dados retirados de Tinnion & Hanlon, 2000.
são estatisticamente significativas para um nível de 5%.
Uma estratégia comum em metanálise consiste na O fato de os estudos com amostras maiores terem
construção de gráficos denominados/ores/ plot. Nesses um peso maior no cálculo da medida-sumário pode ser
gráficos apresentam-se os resultados individuais doses- visualizado na Figura 16.3 através da área dos quadra-
tudos através de suas estimativas de associação (pontos dos corresrpondentes aos riscos relativos de cada estu-
aqui representam os riscos relativos), e de seus respec- do. Áreas maiores representam maior peso.
tivos intervalos de confiança (linhas horizontais). No
caso da Figura 16.3, esses intervalos de 95% (exceto Metanálise de Estudos de Teste Diagnóstico
AHGSPV, 1997) cortam o eixo vertical correspondente à
ausência de diferença de efeitos adversos entre as vaci- Os clínicos devem decidir sobre o uso de um tes-
nas (que corresponde ao risco relativo igual a 1). Isto é, te de diagnóstico em um paciente, e como interpretar
todos os estudos, com apenas uma exceção, não foram seu resultado. Os gestores de saúde devem avaliar o
conclusivos quanto ao tipo de vacina mais seguro. valor diagnóstico de um teste, compará-lo às alterna-
tivas disponíveis, e decidir se o teste deve ser dispo-
Quando olhamos para a medida-sumário na parte in-
nibilizado nas unidades de saúde. As decisões tanto
ferior do gráfico, observ::Jmos um risco relativo igual a
dos clínicos quanto dos gestores, devem ser basea-
0,48, com intervalo de confiança de 95% menos amplo das em uma avaliação completa do teste. Uma etapa
que o encontrado em cada um dos estudos (0,31-0,72); crucial nesse processo é a avaliação de sua acurácia
esse intervalo de confiança não corta a linha do valor diagnóstica, isto é, da capacidade do teste de deter-
nulo. Em outras palavras, o resultado obtido pela metaná- minar corretamente a presença ou a ausência da do-
lise foi estatisticamente signi ftcativo para um nível de sig- ença de interesse. Isto é feito comparando resultados
nificância de 5% (na verdade o valor de p foi 0,01 ). do teste com aqueles obtidos usando um padrão da
Portanto, ao combinar resultados de vários ensaios clíni- referência (padrão-ouro). As estimativas da acurá-
cos controlados, a metanálise permitiu concluir que as cia diagnóstica de um teste podem diferir entre estu-
crianças que receberam a vacina acelular tiveram uma dos, os quais podem ter incluído poucos pacientes
redução de 52% no risco de sofrer uma convulsão, em (produzindo estimativas pouco precisas) ou ter sele-
comparação com aquelas que receberam a outra vacina . cionado amostras que não permitem a generalização
.'

294 CAPíTULO 16
R1sk ratio
Sludy - (95% 0) % Weighl

1 1 05(007.1566) 15
2 : O 33 (0 02.5 20) 23
3
: 300(013.70.53) 08
:
•5 :
2 06 (0 19.22 54)
O 33 (O 02.5 15)
15
23
6 ; 1 00(0 06.1590) 16
7 ! O 41 (O 04449) 26
8 : O 52 (O 03.8 17) 21

~~
g O68 (O 31.U8) 22 9
,o o•6CO 10.119) 177
11 O 33 (O02.5 28) 23
12
13
-a+ O 31 (0 1• O 67)
O 25 (O 02.3 ll9J
JO•
25
1• - : O 25 (O 03.2 23) 63
15 : 0 99(01'704) 31

Ovenll (95~ 0) <!> O 51 (O 35.0 76)

014178 1 70 5318
Risk rabo

Fig. 16.3 - Fores! plot obtido o partir dos dados do Tabelo 16. 1. Gráfico produzido com o progromo Stoto 8. O.

pretendida. A combinação e análise crítica dessas podem ser estimadas. Entretanto, esta técnica é na
estimativas são úteis para avaliar a validade de um maioria das vezes imprópria, uma vez que os estudos
teste diagnóstico. podem usar diferentes pontos de corte. Uma primeira
aproximação razoável em uma metanálise deve traçar
Usando a metanálise é possível: 1. fornecer uma
um gráfico de dispersão da taxa de resultados verdadei-
medida sumária total da acurácia diagnóstica; 2. deter-
ro-positivos em relação à taxa de falso-positivos. O
minar se as estimativas da acurácia diagnóstica depen-
gráfico de dispersão propicia uma impressão visual da
dem das características dos estudos originais; 3.
variabilidade em ambas as medidas e de como são rela-
determinar se a acurácia diagnóstica difere nos subgru- cionadas. Recentemente, foi proposta uma técnica para
pos definidos pelas características dos pacientes e sub- modelar estas taxas por Moses e cols. 15 • Esta técnica é
metidos aos testes; e 4. identificar questões que devem denominada summary receiver operating characte-
ser abordadas por pesquisas adicionais. lrwig e cols. 11 ristic curve (SROC), e permite o cálculo da medida
sugerem o uso de protocolos para o planejamento e ava- que combina os dados dos estudos originais. A Figura
liação de metanálises de testes diagnósticos. 16.4 apresenta o gráfico de uma metanálise sobre o valor
Um teste diagnóstico ideal discrimina entre um indi- da técnica PCR no diagnóstico da tuberculose pulmo-
víduo doente e não-doente sem erro. As duas medidas nar27.
mais usadas são sensibilidade - a probabilidade do resul-
tado do teste ser positivo nos pacientes com a doença de Metanálise de Estudos Observacionais
interesse, e especificidade - a probabilidade do resultado Segundo Egger7, as metanálises de estudos ob-
ser negativo nos pacientes sem a doença de interesse. servacionais são tão comuns quanto aquelas de ensaios
Estas medidas se baseiam em um único ponto de corte clínicos controlados. O grande volume de metanálises
para classificar um resultado de teste como positivo. fez com que em 2000 já tivesse sido publicado um guia
Mudanças neste ponto de corte inicial aumentam ou di- para a elaboração de estudo metanalíticos de pesquisas
minuem a sensibilidade e a especificidade. Quando os observacionais22 .
estudos usam critérios diferentes para definir resultados
A opção pelos ensaios clínicos randomizados não é
de teste positivos e negativos, seus pontos de corte de-
possível para responder a muitas perguntas da pesqui-
vem ser explícitos. Por isto, uma medida de acurácia do
sa, seja por questões operacionais, seja por questões
teste que considere vários limites de normalidade é sem-
éticas. Por exemplo: Ser fumante é um fator de risco
pre interessante. Esta medida é a área sob a curva ROC
para tuberculose? Ser fumante passivo é fator de ris-
(receiver operating characteristic curve).
co para o câncer de pulmão? A ingestão de gordura
Se os estudos preliminares fornecerem a informa- está associada com o câncer de mama? Os estudos ob-
ção suficiente para estimar a sensibilidade e a especifi- servacionais podem ser a única opção para responder a
cidade, as médias de sensibilidade e especificidade estas perguntas.

CAPÍTULO 16 295
Sensibilidade Especificidade Sem
u IUU 1 u Estudo Ano Doença doença
1
1 Afghani a
:-+ 2 • 2 Clarridge
1996
1993
20
192
62
97-t
..5
3
~
3 Codina
i Cousins
1991 25 32
~ 6
• 5 Eing
1992
1998
6-+
65
113
1162
7 6 f"olgueira 1993 71 22
: ~ :~ 7 Heroians 1990 7 10

--·
8
:-+-: 9 •: 8 Herrera
9 Kirschner
1996
1996
77
110
95
619
. l: :1:--
--
10
li
12 +- 10 Kolk
li Miyazaki
1992
1993
15
56
182
361
~: 13 12 Noor dhoek 1995 88 1869
li 13 Palac:ios 1996 81 19
15 -+-:- 11 Pierre 1991 59 23
16 15 P1etrzak 1991 19 100
17 -4!- 16 Dei Porhllo 1991 li 19
17 Tan 1997 125 256

-
18
19 18 Thierry 1992 li 19
20
21 :+: . :-- 19 Tan a
20 Pao
1995
1990
11
-+9
15
235
22 21 Chan 1996 306 973
: : :--.
~
23
21
:+: 22 Quero! 1995
23 Brisson-Noel 1991
21
129
86
275
21 O. de IJit 1992 53 31

--:
25
~: 26
27
~: 25 Ghossein
26 Uerlnga a
1992
1992
12
67
21
10
28
29
~ : 27 Martins
28 Thierry
2000
1990
20
30
27
15
: 29 Moguel 2000 13 221
:-te- 30 -+:- : :
31 30 Lazraq 1999 58 85
32 ~ : : 31 Jac:kson 1996 50 32
33 32 f"revel 1999 20 51
:-4-:
31
35
:_µ 33 Mustafa
3-t IJang
1999
1997
2-+
16
127
111
36 -..-: : : : 35 Kunakorn 1999 110 690
~: 37 ~1· 36 Afghani b 1996 20 62

- ..
38 37 Herrera 1996 77 95
39 38 Tan b 1995 11 15
10 39 Chan 1996 28 301
11 iO Mustafa 1999 21 127
12 -ti Ueringa b 1992 67 10
i2 Kox 1995 8 22
(+: REM

Fig. 16.4 - Exemplo de metonólise: técnico PCR poro diagnóstico da tuberculose. Gráfico produzido com o programa meto.test (J. Lou).

Nas metanálises de estudos observacionais é ne- em 25 estudos sobre redução de colesterol e doença co-
cessário que se tenha clareza sobre quais os desenhos ronariana. Essa heterogeneidade pode ser percebida atra-
de estudos devem ser incluídos. Revisores freqüente- vés da inspeção visual da figura, em que os intervalos de
mente não indicam de forma clara os projetos a serem confiança de alguns estudos não englobam os riscos rela-
incluídos, podendo-se encontrar frases como: "Nós in- tivos observados por outros estudos (por exemplo, os es-
cluiremos estudos longitudinais/prospectivos, estudos tudos 12 e 18). Isso significa que há uma elevada
seccionais, caso-controle e estudos observacionais". probabilidade de que a diferença entre esses riscos rela-
Também precisam ser apropriadas, tanto as técnicas para tivos não seja decorrente do acaso (erro aleatório), mas
localização de estudos observacionais, como as ferra- que seja a expressão de efeitos (eficácias) distintos.
mentas de avaliação de qualidade e extração de dados. O padrão dos dados presente na Figura 16.5 expres-
Há necessidade de se preocupar com algumas ques- sa o que se conhece por heterogeneidade estatística.
tões metodológicas particulares dos estudos observaci- Esta ocorre quando a variação entre os resultados dos
onais, como aquelas inerentes à ocorrência de vieses, estudos é maior do que a esperada ao acaso, e pode ser
confundimento e diferenças atribuídas aos distintos dese- avaliada por um teste x2 para homogeneidade (ver Capí-
nhos de estudo. A combinação de resultados e a determi- tulo 24 - Associação Estatística em Epidemiologia: Aná-
nação das medidas-sumáíio podem ser questionadas lise Bivariada). No caso dessa metanálise, o valor de p
quando vários tipos de desenhos de estudo forem usados. obtido através desse teste foi de 0,02, rejeitando assim a
hipótese nula de homogeneidade, e concluindo pela pre-
sença de heterogeneidade.
Investigando Heterogeneidade
A heterogeneidade estatística pode decorrer de dife-
Quando os resultados dos estudos diferem de modo renças nas características dos participantes. Por exem-
importante, não é apropriado ou suficiente combinar seus plo, os participantes dos diversos estudos diferem quanto
resultados numa medida única. A avaliação da inconsis- à idade e gravidade da doença. Ou ainda os estudos não
tência dos resultados entre os estudos pode ser feita de são similares quanto ao tipo de intervenção, quanto à va-
duas formas. Na Figura 16.5, obtida a partir dos dados riável de desfecho, à duração do acompanhamento, entre
apresentados por Thompson2 3, observa-se uma impor- outras características. Tais diferenças costumam ser de-
tante hetero~~!1eidade entre os resultados encontrados nominadas de heterogeneidade clínica.

296 CAPÍTULO 16
Risk rat10
Study- (95% CI) %We1ght

.••..
O., (O a•.o N ) ,.. 7
O 8:2 (O . 7. 1 00)
O a1 (O M,O H )
1oa<0a....1>n
'


O., (0
O • • 10
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7 O .. '° •7.0 r.:.) ••
• 072fON.09:2)



o 7•10 ••.1 o• ~
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O 7• (O S7.0 f f J ..••
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O 78 (O .7 . 1 291
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1 :JSt0~97) O>
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O M (O OS.:2 2-:J o.
0~100:, . ., 02
"" 2 tt10 , . 570:J ) 00
----++-------->.,..(O,•...,. 97) 00

'
•' O • • (O .,.o 90)

1 1
1 87 9734
R1sk ratio

Fig. 16.5 - Fores! plol o partir de 25 ensaios clínicos sobre os efeitos do redução de colesterol plosmótico e doença coronoriono (dados
retirados de Thompson 23). Grófico produzido com o programo stoto 8.0.

Uma vez identificada a presença de heterogeneida- e estatística, alguns autores têm feito críticas sistemá-
de dos resultados, esta não deve ser vista como um pro- ticas ao seu uso em geral 8 •9 ou, mais especificamente,
blema para a metanálise, mas sim como uma oportunidade quando aplicada a estudos não-experimentais20 . A lei-
para investigar, porque o efeito do tratamento varia em tura desses artigos revela que grande parte das críti-
diferentes circunstâncias. A heterogeneidade não deve cas está focalizada em aspectos metodológicos
ser ignorada, mas explicada. Thompson24 exemplifica esta inerentes aos desenhos dos estudos sobre os quais a
situação com análises envolvendo estudos sobre o uso de metanálise se constrói, sobre violações dos seus prin-
escleroterapia endoscópica de varizes esofagianas na cípios metodológicos básicos, ou sobre procedimentos
redução da mortalidade de pacientes com cirrose hepáti- metodológicos considerados inadequados em metaná-
ca, ou ainda sobre o efeito da redução do colesterol séri- lise. Por exemplo, não é correto afirmar que a metaná-
co na mortalidade por doença coronariana isquêmica. No lise não considera a qualidade dos estudos ou a
caso da primeira metanálise, a heterogeneidade dos re- heterogeneidade entre os resultados desses estudos,
sultados pode ser atribuída às diferenças entre os estu- misturando "laranjas e maçãs". A qualidade é freqüen-
dos quanto à gravidade da doença de base (cirrose temente considerada tanto no processo de inclusão
hepática), à técnica de endoscopia usada (intervenção), exclusão de estudos, quanto na avaliação dos possí-
ao manejo das intercorrências e à duração do acompa- veis impactos desses estudos na conclusão. Quanto à
nhamento dos pacientes . • heterogeneidade, diversos artigos sobre metanálise têm
Na metanálise sobre redução do colesterol sérico a chamado a atenção para a necessidade de se procurar
falta de consistência dos resultados dos diferentes estu- explicações para as inconsistências entre estudos, e
dos permitiu concluir que o efeito do colesterol sobre a não se calcular medidas-sumário a partir da combina-
ocorrência de doença coronariana dependia. entre ou- ção de resultados heterogêneos. Para Liberati 1', esse
tros possíveis fatores, da idade do paciente, do nível e tipo de crítica decorre de uma visão distorcida que con-
da duração da redução do colesterol sérico. sidera a metanálise como uma simples combinação es-
tatística de dados.
Tudo o que foi dito anteriormente não isenta a
CO'\CLUSÃO
metanálise de uma série de problemas. Pelo fato de a
Embora a metanálise de ensaios clínicos tenha al- metanálise ser feita sempre depois que os dados já
cançado Ull) ~lto grau de aceitação na literatura clínica foram coletados, ela é suscetível aos vieses da pesqui-

CAPÍTULO 16 297
.r
sa retrospectiva. Não é incomum que metanálises so- evidências e, mais recentemente, a saúde pública
bre um mesmo tema encontrem resultados distintosi.2 . baseada em evidências. É dentro desse contexto que
Apesar das críticas, a metanálise tem sido consi- Liberati 13 lembra aos críticos dessa metodologia que
derada por muitos autores como uma das mais im- a única alternativa às revisões sistemáticas/metaná-
portantes inovações na metodologia da pesquisa lises são as revisões não-sistemáticas, cuja subjetivi-
clínica. Movimentos mais recentes têm incorporado dade e falta de critérios bem definidos são um terreno
o conhecimento produzido pelas revisões sistemáti- fértil para conclusões de pouca aplicação prática, ou
cas/metanálises. É o caso da medicina baseada em mesmo erradas.

A Tabela 16.2 apresenta o formato dos dados para • Razão de riscos ou risco relativo
a aplicação dos dois métodos que serão apresentados
RRmh = L(W; RR,)ILW;
a seguir para o cálculo de medidas-sumário.
sendo:
RR; o risco relativo de cada estudo
Tabela 16.2
Tabela de Continglncia RepreNnta11do a Distribuip das w; = 1/var;
VariMis de hposlçlo • de Desfecho (Doentes) em um
Estudo i var, = n;/(b; e; ), isto é, a variância de cada
estudo
Expostos Não-expostos Total
e; é o número indivíduos expostos em cada
Doentes

~
a b estudo

~
9
---t--
Não-doentes s d h
' '
Total e n
J_ MÉTODO DE PETO

ORp = er<o; E.)/L var.


1 1

MÉTODO DE MANTEL-HAENSZEL ou ainda,

• Odds ratio ln ORr = L(O; - E;)IL (var),

ORmh = L(W; ÜR;)/LW; sendo:

sendo: E; = (e; g;)/n;

OR; a odds ratio de cada estudo var; = (E; f; h; )/[n; (n; - l)] , isto é, a variância de
cada estudo
= 1/var;
de confiança de 95% = e lnOR,.±1 96 \ L '"''
w; •
mtervalo
var; = n, / (b;c,) , isto é, a variância de cada estudo
A odds ratio obtida pelo método de Peto pode ser
intervalo de confiança de 95% = e'ººRmh±l.96✓ varOR,.h viesada quando os grupos de expostos e não-expostos
são desbalanceados, isto é, o número de indivíduos é
desigual.

298 CAPÍTULO 16
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CJ, Tobias RS et ai. Review ofthe usefulness of contacting other - Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

CAPÍTULO 16 299
Epidemiologia chega à segunda edição com novos capítulos e com a revisão e atualização dos
demais. Acompanha o livro um caderno de exercícios práticos que, em sua maioria, são baseados em
dados epidemiológicos reais e atualizados. Este livro se propõe a servir como bibliografia de referência
para o ensino nos cursos de graduação e pós-graduação em saúde e como fonte de consulta e
atualização para todos os que necessitam de conhecimentos recentes associados a uma didática
moderna.
Epidemiologia contém 37 capítulos distribuídos em cinco sações:
SEÇÃO 1 - Conceitos Básicos
1. Formação Histórica da Epidemiologia: 2. Medidas de Freqüência de Doença: 3. Indicadores de
Saúde: 4. Distribuição das Doenças no Espaço e no Tempo: 5. Vigilância Epidemiológica: 6.
Transição Demográfica e Epidemiológica: 7. Causalidade em Saúde.
SEÇÃO 2 - Pesquisa Epidemiológica
8. Fundamentos da Pesquisa Epidemiológica: 9. Medidas de Associação e Medidas de Impacto: 1O.
Estudos Seccionais: 11. Estudos Caso-controle: 12. Estudos de Coorte: 13. Estudos de
Intervenção: 14. Estudos Ecológicos: 15. Validade em Estudos Epidemiológicos: 16. Revisão
Sistemática e Metanálise.
SEÇÃO 3 - Estatística em Epidemiologia
17. Introdução à Análise de Dados Epidemiológicos; 18. Análise Exploratória de Dados; 19.
Métodos Estatísticos em Estudos de Concordância; 20. Probabilidade e Distribuições de
Probabilidade; 21 . Testes Diagnósticos; 22. Amostragem; 23. O Tamanho da Amostra em
Investigações Epidemiológicas; 24. Associação Estatística em Epidemiologia: Análise Bivariada;
25. Associação Estatística em Epidemiologia: Análise com Múltiplas Variáveis; 26. Análise de
Sobrevida; 27. Análise de Dados Espaciais em Saúde.
SEÇÃO 4- Tópicos Especiais
28. Epidemiologia e Serviços de Saúde; 29. Sistemas de Informação em Saúde; 30. Epidemiologia
e Ambiente; 31 . Epidemiologia e Saúde do Trabalhador; 32. Epidemiologia das Substâncias
Químicas Neurotóxicas; 33. Epidemiologia Nutricional; 34. Eticidade da Pesquisa Científica: o
caso da Regulamentação Brasileira da Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.
SEÇÃO5 - TópicosAvançados
35. Atualizando o Conceito de Risco: de Indicador de Causalidade a Sobredeterminante da
Complexidade em Saúde; 36. Modelos para Inferência Causal em Epidemiologia; 37. Dinâmica de
Transmissão de Doenças.

Diversos docentes, pesquisadores e técnicos das mais conceituadas instituições de ensino e


pesquisa do Brasil e do mundo colaboraram com essa edição. Além dos docentes da Faculdade de
Medicina e do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
participaram também docentes, pesquisadores e técnicos da Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ; da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; da Universidade Federal da Bahia - UFBA; da
Universidade Federal do Ceará- UFC; da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar; da Secretaria de
Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro - SESDEC; do Hospital dos Servidores do Estado -
HSE; do Instituto Nacional de Câncer- INCA; da Johns Hopkins University; da London School of Hygiene
and Tropical Medicine e dos National lnstitutes of Health- NIH.
Epidemiologia , pelo seu conteúdo, por seu sentido didático, por sua atualização, e, sobretudo, pelo
alto nível científico de seus editores e colaboradores, torna-se um livro de consulta obrigatória ou de
referência para todo P!Ofissional que possua interfaces no campo da Saúde Coletiva.
ISBN:978-85-7379-999-6

.:
1 11111
9 788573 799996

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