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PÓS-GRADUAÇÃO

Campana AO

Metodologia da investigação científica aplicada


à área biomédica – 2. Investigações na área médica
ÁLVARO OSCAR CAMPANA1

A investigação científica nas áreas médica e biológica sur- Este é o legado de nossos antepassados, sobre que repou-
giu na Grécia no século V antes de nossa era, assumiu algu- sa a investigação atual na área médica e da qual será feito um
mas características de ciência experimental, com Galeno, no apanhado a seguir.
século II DC, conheceu um período de estagnação de cerca
de 14 a 15 séculos e recebeu impulso revigorador a partir 1. ESTUDOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS(1)
dos séculos 16-17 quando do advento, na Europa, do méto-
do científico moderno. Na área médica, figuras importantes As investigações na área médica podem corresponder a
na pesquisa foram, nos séculos 17 e 18, Harvey, Morgagni, estudos primários ou a estudos secundários.
Bichat e outros, mas, no século 19, entre outros, cite-se Clau- Estudos primários correspondem a investigações originais,
de Bernard, que pôs em evidência o papel da pesquisa expe- que constituem a maioria das publicações encontradas nos
rimental para o amadurecimento e progresso da medicina. periódicos médicos. Estudos secundários são os que procu-
Paralelamente ao exposto, outro conjunto de idéias é de ram estabelecer conclusões a partir de estudos primários,
interesse comentar. É sabido que a interpretação dos meca- com o registro resumido de achados que são comuns a eles.
nismos das doenças e sua terapêutica sofreram avanços Estudos primários:
modestos até o século 19; a partir de 1800 é que ocorreram • Relato de caso;
descobertas significativas concernentes a aquelas áreas. E há • Estudo de casos e estudo de casos e controles;
que se notar que tais descobertas foram conseguidas, em • Detecção de casos (“screening”);
grande parte, às custas de conhecimentos do âmbito de ciên- • Estudo de coorte;
cias denominadas básicas, como histologia, microbiologia, • Ensaio clínico controlado randomizado.
física, química, bioquímica, farmacologia e, por fim, imuno- Estudos secundários: correspondem a:
logia e genética. Dessa maneira, a maioria das pesquisas na • Revisões:
área médica passou, aos poucos, a incluir a utilização de – Revisões não sistemáticas, que correspondem a resu-
técnicas complementares relacionadas a várias áreas do co- mos de estudos primários;
nhecimento, o que tornou a pesquisa clínica em uma ativida- – Revisões sistemáticas, semelhantes às anteriores, mas
de multidisciplinar. seguem uma metodologia definida e rigorosa;
Finalmente, há um terceiro fator a considerar quanto ao – Metanálise, que, obedecendo uma metodologia rígida,
progresso e à evolução da pesquisa médica. Ele corresponde produz resultados integrados a partir de dados de vários es-
à introdução da análise estatística para confirmação de acha- tudos primários.
dos e para a avaliação do tratamento médico. • Guias (“Guidelines”), que, a partir de estudos primários,
Dessa maneira, três fatores representaram, a grosso modo, oferecem orientação para a prática médica;
movimentos evidentes no sentido do aperfeiçoamento e pro- • Análises de decisão, em que, a partir de estudos primá-
gresso da investigação na área médico-biológica: a observa- rios, registram-se probabilidades associadas a determinadas
ção e a experimentação (esta no sentido de se provocar algu- ações, intervenções ou tratamento. As alternativas e as pro-
ma alteração no indivíduo ou em grupo de indivíduos e ob- babilidades são expressas graficamente, sob a forma de “ár-
servarem-se as conseqüências), o recurso a ciências ancilares vores de decisão”;
e a análise estatística dos resultados. • Análises econômicas, relacionadas com o uso adequado
de recursos.

2. TIPOS DE PESQUISA (VER QUADRO 1)


1. Prof. Titular, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medi-
cina de Botucatu-UNESP.
Uma classificação de pesquisas na área médica, relaciona-
Endereço para correspondência – Álvaro Oscar Campana, Depto. da à sua finalidade principal, é a que segue:
de Clínica Médica – Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP –
18618-000 – Botucatu, SP. Tel. (014) 822-2969, fax (014) 822-2238, • Detecção de casos (“screening”), em que a investigação
e-mail: alvaroc@fmb.unesp.br é conduzida em grupos populacionais grandes, estabelecen-
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QUADRO 1 Quanto ao delineamento, a partir do momento inicial, o


Pesquisa médica estudo é longitudinal e retrospectivo. Em ambos os estudos,
observamos alterações que representam efeitos atuais de
Tipos Delineamento causas possíveis que ocorreram anteriormente: nestas con-
dições, seu delineamento é denominado invertido. Os fato-
“Screening” Transversal res considerados como possivelmente ligados à doença são
Etiológica ou Coorte
etiopatogênica Casos-Controles
todos levados em conta, não importando o número; pode
Casos ocorrer que alguns entrem na listagem como mais suspeitos.
Diagnóstica Transversal O estudo de casos permite, fundamentalmente, a execu-
Prognóstica Coorte ção de pesquisa descritiva; por exemplo, o cálculo da fre-
Terapêutica Ensaio clínico controlado randomizado qüência de sintomas e sinais. O estudo de casos e controles
pode detectar, entre os fatores, aquele que só comparece (ou
do-se o diagnóstico por meio de testes, em estágio pré-sinto- deixa de comparecer) no grupo de doentes; a associação deste
mático. O delineamento de escolha é o estudo transversal. fator a este grupo é evidência para a hipótese formulada de
• Pesquisa etiológica ou etiopatogênica, relacionada ao que ele representa um fator causal com relação à doença
agente causador de doenças ou aos fatores participantes de estudada. Contudo, a validade deste estudo para determina-
sua instalação. Delineamentos mais próprios correspondem ção do agente ou fator etiológico é menor do que a de estu-
ao estudo de coorte ou ao estudo de casos e controles. Rela- dos de coorte e do ensaio clínico randomizado. Uma razão
tos de casos podem, também, atender a esta finalidade. importante para essa crítica é a tendenciosidade na consti-
• Pesquisa voltada aos procedimentos diagnósticos das tuição do grupo de indivíduos doentes. Entretanto, o estudo
doenças; nesta, estuda-se se um novo teste diagnóstico é de casos e controles é o método a que se pode recorrer, para
válido e confiável. O delineamento recomendado é o estudo estabelecimento da etiologia, no caso de doenças raras, quan-
transversal. O novo teste é comparado com um teste ideal, do técnicas como o estudo de coorte se tornam inexeqüíveis.
que efetivamente detecte os doentes e seja negativo nos não Constituição do grupo de doentes – Levar em considera-
doentes; este teste é conhecido como “gold standard” (pa- ção os seguintes aspectos:
drão-ouro). • estabelecer qual o critério diagnóstico para a inclusão
• Pesquisa que permite estabelecer seqüência de eventos dos doentes no grupo;
desde fases iniciais da doença e, portanto, está relacionada • definir se os pacientes incluídos no estudo estão sendo
com sua evolução e seu prognóstico. O delineamento prefe- acompanhados em ambulatório (geral? de especialidade?) ou
rido é o estudo de coorte. procedem de enfermaria (qual delas?); esclarecer se os pa-
• Pesquisa que envolve alguma forma de intervenção, como cientes procedem de serviços médicos hospitalares diferen-
tratamento ou prevenção de doenças. O delineamento de tes;
escolha é o ensaio clínico controlado randomizado. • definir os estágios da doença e registrá-los; se houver
variantes clínicas, caracterizá-las e registrá-las;
3. ESTUDO DE CASOS E ESTUDO • qual foi o procedimento de recrutamento dos doentes?
• há condições e doenças concomitantes que indicam ex-
DE CASOS E CONTROLES
clusão de pacientes? Por exemplo: tabagismo, etilismo, des-
Um tipo de pesquisa clínica é aquele em que o observador nutrição, cânceres, doenças sistêmicas ou outras, afora a
registra os dados relativos à observação clínica e laboratorial doença objeto de estudo; uso de medicamentos (anticoncep-
de grupo de indivíduos acometidos por uma doença. Em fa- cionais) e drogas também levarão à exclusão?
ses iniciais de estudo das doenças, a pesquisa freqüentemen- • considerar grupos étnicos, sexo e faixa etária; e
te inclui somente os casos de doença, não se servindo de • estabelecer critérios que permitam agrupar os doentes
grupo controle. Este tipo de pesquisa, a que se pode chamar em diferentes estratos socioeconômicos; considerar alfabeti-
de estudo de casos, é, portanto, não controlado e tem carac- zação.
terísticas fundamentalmente descritivas. Constituição do grupo controle - O grupo controle deverá
Quando os conhecimentos sobre a doença estão mais avan- ter características de máxima semelhança com o grupo de
çados, a pesquisa pode contemplar o estudo de dois grupos, doentes, com exceção da doença em si. Nestas condições:
o grupo de casos e o grupo controle. Este tipo de pesquisa é • é recomendável que o grupo controle proceda da mes-
denominado estudo de casos e controles. Este estudo, por ma área geográfica e que apresente características socioeco-
ser controlado, permite a proposição de hipóteses, que po- nômicas e culturais idênticas às do grupo experimental;
dem ser contrastadas pela comparação do grupo de doentes • é recomendável que o grupo controle seja constituído
com o grupo controle. Dessa maneira, esta pesquisa envolve por pessoas atendidas pelos mesmos serviços médicos de
estudo de natureza analítica. que se originaram os doentes. Alguns preferem não utilizar
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pessoas atendidas em hospital, mesmo que, obviamente, não 6. ESTUDOS SECCIONAIS OU TRANSVERSAIS(3)
apresentem a doença em estudo; neste caso, o grupo con-
trole pode ser constituído por vizinhos, parentes ou colegas Estudos em que a causa e o efeito estão presentes no
de trabalho ou de escola dos doentes que estão sendo estu- mesmo momento, que é o momento analisado, são chama-
dados. Quando o pesquisador tem, à sua disposição, núme- dos estudos transversais. Exemplo: investigação, em amos-
ro razoável de indivíduos controles, ele poderá usar todos tra populacional, do relacionamento entre o tipo de trabalho
esses indivíduos ou utilizar amostra do conjunto desses indi- profissional dessa amostra, no momento, e o nível de pres-
víduos; para a constituição dessa amostra, poderá ser usado são arterial, também nesse momento. Por outro lado, tam-
o processo de pareamento, ou seja, selecionar controles idên- bém é exemplo de estudo transversal a investigação dos efei-
ticos aos pacientes em algumas variáveis, como: sexo, idade, tos de causa que é permanente ou, pelo menos, característi-
cor, nível socioeconômico e de educação. ca do indivíduo. Exemplo: a pesquisa da relação entre grupo
sanguíneo e doença. Dessa maneira, o estudo transversal
caracteriza-se pelo fato de que a causa e o efeito estão ocor-
4. RELATO DE CASO
rendo simultaneamente, embora a causa possa existir só no
O relato de caso descreve aspectos de interesse de um momento atual, ou existir desde algum tempo no passado
único paciente. A descrição pode conter dados da história e ou, por fim, ser uma característica do indivíduo.
antecendentes do doente, dados do exame físico, evolução, Os estudos transversais podem ser controlados ou não
resultados de exames complementares e terapêutica. A ra- controlados, descritivos ou analíticos. Os descritivos incluem
zão da publicação pode corresponder ou à raridade do caso, observação e descrição de manifestações da doença.
a alguma peculiaridade, ou a algum aspecto terapêutico de Os estudos analíticos são aqueles desenvolvidos a partir de
interesse. hipótese inicial; permitem verificar a associação causal entre
o fator de risco e a doença e, também, a comparação entre
5. DETECÇÃO DE CASOS (“SCREENING”) os acometidos e não acometidos e expostos e não expostos.
Detecção de casos (“screening”) pode ser definida como o Fator de risco ou fator de exposição corresponde à variável
exame de pessoas assintomáticas a fim de se conhecer a independente de uma associação causal válida entre o fator
probabilidade de terem (ou não terem) a doença que é o em consideração e a doença implicada. Nestas condições, o
motivo do estudo. A detecção pode também referir-se à iden- fator de risco pode ser um agente físico, químico, um agente
tificação das pessoas que apresentam alto risco de desenvol- patogênico vivo, alguma anomalia ligada aos genes ou algu-
ver a doença, embora ainda não a tenham. A detecção de ma doença anterior. O fator de risco pode atuar pela sua
casos é um estudo apropriado quando uma parcela significa- presença (exemplo: bactérias) ou ausência (exemplo: carên-
tiva, embora pequena, da população é afetada(2). cia de vitamina A). O fator de risco está relacionado com a
Neste estudo, a investigação é conduzida em grupos po- doença investigada e é aceito como tal após reiteradas vali-
pulacionais grandes, estabelecendo-se o diagnóstico por meio dações de sua contribuição como causa da doença.
de testes, em estágio pré-sintomático. O delineamento de Alguns índices de interesse podem ser calculados a partir
escolha é o estudo seccional ou transversal (“cross sectional da comparação entre indivíduos expostos e não expostos
survey”). (ver a tabela 1).
Esta investigação corresponde, por exemplo, a aquela que Na tabela 1, expostos significa o número de indivíduos
é empreendida em uma praça pública para verificar a ten- expostos ao fator considerado e acometidos, os que apre-
dência de o eleitorado votar em A ou B. Ou, ainda, qual a sentam a doença.
altura “normal” de um homem adulto. Ou, qual é a prevalên- Índices: coeficiente de incidência da doença entre os ex-
cia do tabagismo em tal ou qual comunidade. postos (Ie), que é igual a a/a+b; coeficiente de incidência da
A detecção de casos é investigação apropriada nas seguin-
tes condições: a) quando a prevalência da doença básica na
população é significativa; b) quando existe um teste diagnós- TABELA 1
tico que pode ser efetivamente aplicado num estudo de de- Distribuição de indivíduos expostos ou não-expostos
a fatores de risco de doença
tecção; c) quando é possível intervir efetivamente na doença.
Note-se que a palavra detecção (“screening”) é às vezes
Fator Doença Total
usada para referir-se à aplicação de teste realizado em pa-
cientes sintomáticos, cujo diagnóstico ainda não foi estabe- Acometidos Não acometidos
lecido. Nesta acepção, a detecção faz parte dos procedimen-
Expostos a b a+b
tos diagnósticos dentro do campo da clínica médica. Dessa
Não-expostos c d c+d
maneira, “screening” tem duas conotações: uma, ligada à
Total a+c b+d a+b+c+d
saúde pública e outra, ligada à medicina interna(2).
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doença entre os não expostos (Io) que é igual a c/c+d. A Pode-se, então, dispor de vários dados: aparecimento de
associação entre o fator suspeito e a doença deve ser anali- novos sintomas e sinais no decorrer do tempo, com sua fre-
sada estatisticamente, para verificação de sua significância. qüência; dados relacionados ao prognóstico. Nota-se a dife-
Calcula-se, ainda, o risco relativo (RR), que é relação entre rença entre esse grupo e os referidos acima: lá, trata-se do
o coeficiente de incidência referente aos expostos e o coefi- seguimento de indivíduos e não de doentes; aqui, trata-se de
ciente de incidência entre os não-expostos: doentes.
O estudo de coorte, pelas suas características, dá informa-
RR = Ie / Io
ções valiosas sobre causas das doenças, sobre sua incidên-
Finalmente, calcula-se o risco atribuível (RA), que corres- cia, sobre evolução do quadro clínico e sobre prognóstico.
ponde à diferença entre os dois índices anteriores. A seguir, são descritos dois tipos de estudos longitudinais.
Estudo prospectivo propriamente dito ou estudo prospec-
RA = Ie – Io
tivo concorrente – O delineamento deste tipo está em con-
O risco atribuível é o risco a que está exposto um indiví- formidade com o descrito acima. A denominação concor-
duo, atribuído exclusivamente ao fator estudado. Trata-se de rente deriva de que o encaminhamento da pesquisa e da
índice bastante utilizado no planejamento de programas de doença progridem concomitantemente. O exemplo clássico
controle de doenças e na sua avaliação. O risco atribuível desta pesquisa é o estudo de Framingham, sobre doenças
pode ser calculado para a população total, por meio de fór- cardiovasculares, realizado nos Estados Unidos da América
mulas específicas. do Norte.
Estudo prospectivo não concorrente – A diferença, aqui,
consiste em que a coorte é selecionada a partir de algum
7. ESTUDOS EM SEGUIMENTO(4)
ponto no passado, mesmo que este se situe vários anos atrás.
O estudo com seguimento, seqüencial ou longitudinal (com Neste caso, a exposição ao fator (episódica ou permanente)
“follow-up”) espelha a seqüência natural dos fatos; obedece, ocorreu, também, no passado ou vem ocorrendo desde o
portanto, a delineamento natural: neste estudo, o grupo de momento do início de formação da coorte, no passado. Des-
indivíduos é acompanhado durante período de tempo variá- sa maneira, os casos de doença ocorridos são registrados
vel, em que é observado o comportamento seqüencial de desde o ponto inicial, no passado, até o momento final da
parâmetros de interesse para determinada doença. Corres- pesquisa, logo após o início formal dos trabalhos de investi-
ponde ao estudo de coorte, podendo ser controlado ou não gação. Este modelo foi usado para o esclarecimento dos ris-
controlado. cos associados à exposição ao asbesto; para efeito de com-
No que consiste a coorte? Consiste na relação de grupo paração, o grupo de não-expostos foi selecionado a partir da
de pessoas consideradas sadias quanto à doença que se quer própria população de que o grupo de trabalhadores em as-
investigar e que, em relação a alguns critérios, é grupo ho- besto fazia parte.
mogêneo, apresentando características idênticas: mesmo ano O estudo é chamado prospectivo porque, a partir de al-
de nascimento, mesma profissão ou mesmo tipo de traba- gum ponto no passado, verifica-se, com o decorrer do tem-
lho, mesma área geográfica de procedência, mesmo nível po, o aparecimento da doença que é alvo do interesse do
socioeconômico, etc. Contudo, quanto à variável investiga- pesquisador; por outro lado, é não concorrente, porque a
da, o grupo é heterogêneo: determinada percentagem das evolução dos fatos analisados e o desenvolvimento da pes-
pessoas sofre a exposição a algum fator (que é o fator sus- quisa ocorrem em tempos diversos.
peito) e a percentagem restante não o é. A exposição ao
fator pode ser episódica (exemplo: exposição a resíduo ra-
8. ENSAIO CLÍNICO CONTROLADO RANDOMIZADO(5,6)
dioativo) ou permanente (exemplo: exposição ao fumo de
cigarros). O estudo prospectivo (de duração variada, poden- É a investigação preferida quando o objetivo é testar a
do ser bastante longa) permitirá comparar-se o aparecimen- eficiência do tratamento por drogas, por um procedimento
to da doença em questão nos dois grupos: tanto será possí- cirúrgico ou por outro tipo de intervenção.
vel conhecer sua freqüência nos dois grupos, quanto se po- Em essência, dois grupos idênticos de pacientes são estu-
derá determinar se há diferença na velocidade com que sur- dados, num delineamento prospectivo, isto é, em que os dados
ge a doença nos dois grupos. Por hipótese, o grupo exposto são coletados depois que se deu início ao estudo. De prefe-
ao fator suspeito mostrará freqüência maior da doença, que rência, uma única variável é avaliada – por exemplo, o efeito
ocorrerá também significativamente mais cedo que no grupo de uma droga contra o efeito placebo. Ambos os grupos são
não-exposto. acompanhados durante tempo especificado, após o que é
Um tipo especial de coorte é o que consiste no acompa- analisado o comportamento da variável, tal como definido
nhamento de um grupo de pacientes por um período tam- no início do estudo – na realidade, isto corresponde ao resul-
bém longo, o que possibilita o estudo evolutivo da doença. tado final (“end point”) do ensaio; pode ser, por exemplo, a
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concentração do colesterol no soro ou, mesmo, algum even- De fato, como pode o médico indicar um tratamento no qual
to clínico. ele não acredita totalmente ou que ele considera inferior a
Técnica do ensaio – Os indivíduos acometidos por deter- outro? Por outro lado, a relação médico-paciente tem muda-
minada doença são convidados a participar do ensaio; al- do nas últimas décadas; atualmente, é mais freqüente o pa-
guns não concordam em participar do estudo. Os demais, ciente desejar saber, com clareza, qual a sua doença e qual a
isto é, os participantes, são distribuídos em dois grupos: o melhor terapêutica para ela. Ele não está disposto a seguir
grupo experimental ou de estudo e o grupo controle. um tratamento inferior a outro, mais conhecido, ou outro
A distribuição dos pacientes nos dois grupos é feita ao tratamento, cuja eficácia é ainda desconhecida. Pode tam-
acaso. Isto pode ser feito pelo uso de uma tabela de números bém ocorrer que o doente não esteja disposto a seguir um
casuais ou por meio de envelopes selados numerados se- delineamento cego.
qüencialmente, cada um contendo um número ao acaso, Assim, é conveniente considerar os seguintes aspectos:
gerado por computador. No caso em que os pacientes não • este ensaio oferece chances de vir a ser executado ina-
são admitidos todos ao mesmo tempo no estudo, pode-se dequadamente, por ser de difícil e complicada realização;
registrar o nome de determinado paciente que está sendo • o ensaio não tem razão de ser se existe disponível e
incluído para a investigação na primeira linha vaga de uma aceito um tratamento ou uma intervenção conhecida como
listagem. Na listagem, as linhas é que são sorteadas ao aca- eficaz e superior;
so, para indicar que o nome nela inscrito deve pertencer ao • argumentos éticos opõem-se a sugerir randomização;
grupo experimental ou ao grupo controle. No caso do uso de • o número de pacientes necessário para o estudo pode
placebo, este é que pode ser sorteado. Dessa maneira, as ser muito alto;
drogas e os placebos são mantidos em um conjunto, monta- • o ensaio não se aplica para estudo de prognóstico de
do ao acaso, e eles são dados aos pacientes, de acordo com doença (quando se deve optar pelo estudo longitudinal) ou
a ordem de entrada dos pacientes na investigação. para validação de teste diagnóstico ou “screening” (quando
O tamanho da amostra é fator importante quanto à credi- se deve optar pelo estudo transversal).
bilidade dos resultados fornecidos pelo ensaio. A partir de Entre os fatores que trazem dificuldades à realização do
um número pequeno de casos analisados, existe o risco de ensaio clínico randomizado, um deles é justamente a rando-
se chegar a uma conclusão que não corresponde à realidade. mização. Há, de fato, estudos comparativos, em que os indi-
Esse problema pode ser superado pelo delineamento em que víduos são alocados aos grupos de intervenção e controle
se preveja a participação colaborativa de mais de um ou de em uma maneira não randomizada. Estes trabalhos são de-
vários centros de pesquisa (ver item 11). nominados “outros ensaios clínicos controlados”. Nestes, a
Em alguns casos, o estudo deve ser estratificado. A estra- randomização não é feita por ser não ética, não prática ou
tificação é feita quando há interesse ou necessidade de se impossível.
estudarem, separadamente, sexos, determinados grupos etá- Estes aspectos têm sido levados em conta no momento da
rios ou variantes clínicas e estádios clínicos diferentes da decisão terapêutica. Para a decisão, os seguintes pontos de-
doença em tela. Formam-se, assim, conglomerados ou blo- vem ser considerados(7,8):
cos, tanto no grupo experimental, quanto no grupo contro- • se for possível conduzir um ensaio clínico bem controla-
le. Neste caso, constituem-se blocos com números iguais de do e que forneça resultados cientificamente aceitáveis, pode-
indivíduos. se não empregar a randomização;
Estudos cegos – Para evitar tendenciosidade, o pesquisa- • o ensaio randomizado pode ser proposto nas seguintes
dor pode conduzir o experimento sem que ele saiba se o condições: a) quando há discordância sobre o tratamento de
paciente pertence ao grupo experimental ou ao grupo con- escolha para o paciente; b) quando o médico não tem como
trole, isto é, se determinado paciente recebeu a droga ou o julgar qual das alternativas é preferível no caso específico; c)
placebo. Este experimento é chamado de experimento cego. o paciente não tem preferência por uma das alternativas.
Adicionalmente, o experimento pode ser conduzido sem que Nestas condições, o paciente é destinado, por acaso, a um
tanto médicos, enfermeiros e familiares, quanto os pacien- tipo de tratamento e, após consentimento informado, passa
tes saibam a que grupo estes pertencem, experimental ou a ser tratado pelo médico que considera este tipo de trata-
controle. Este procedimento permite evitar a tendenciosida- mento o mais apropriado para o paciente;
de na resposta do paciente ao tratamento e na avaliação do • quando o médico acredita que um tratamento é superior
investigador sobre o experimento. Este é o experimento de- a outro, o paciente não deve ser incluído em estudo rando-
nominado duplo cego. mizado.
O ensaio clínico controlado randomizado pode ser consi- Os comentários acima deixam implícito que, embora o
derado como o meio mais poderoso para atribuir os resulta- paciente seja atendido pelo seu médico, há que se contar
dos obtidos ao ensaio e não a outros fatores. Contudo, esta com uma equipe de médicos no momento da decisão tera-
técnica levanta problemas éticos para o médico e o paciente. pêutica.
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Metodologia da investigação científica aplicada à área biomédica – 2. Investigações na área médica

Finalmente, os estudos duplamente cegos e o uso de pla- própria medição da variável, realizada no início da investiga-
cebo acrescentam complexidade adicional à investigação clí- ção. Este projeto inclui quatro grupos; primeiro grupo: expe-
nica e podem produzir intercorrências indesejáveis. Dessa rimental I: logo de início, mede-se a variável em estudo (seja
maneira, estudos randomizados, cegos ou duplamente ce- ela a variável “a”) e, a seguir, aplica-se o estímulo; segundo
gos, e que utilizam placebo incluem, com maior intensidade, grupo: controle I: mede-se a variável “a”; não se aplica o
a necessidade de se definir, com clareza, sua justificativa éti- estímulo; terceiro grupo: experimental II: não se mede a va-
ca. riável “a”; aplica-se o estímulo; quarto grupo: controle II:
não se aplica o estímulo e não se mede a variável “a”. No fim
9. ENSAIO CLÍNICO CRUZADO (“CROSSOVER”) do experimento, mede-se a variável “a” em todos os grupos.
O experimento poderá trazer as seguintes informações: 1ª)
Delineamento em que metade de um grupo de indivíduos
o estímulo altera a variável “a” (observação dos grupos expe-
recebe um tratamento (por exemplo, uma droga) e a outra
rimentais I e II); 2ª) a medição da variável, no início do expe-
metade, o tratamento alternativo (placebo); a seguir, após
rimento, não introduziu alteração de seu valor (observação
período de repouso (“washout period”), há inversão, a pri-
dos grupos controles I e II).
meira metade recebendo o placebo e a segunda, a droga em
Deriva-se do anterior, por simplificação, o projeto em que
estudo. Este procedimento permite analisar os resultados em
a medida da variável em estudo é feita somente após o es-
conjunto (todos os que receberam o tratamento contra todos
tímulo, utilizando-se, para comparação, os valores no grupo
os que receberam placebo), desde que a análise estatística
controle.
mostre que não houve efeito do período de administração
sobre os resultados das variáveis estudadas.
11. ESTUDO COLABORATIVO MULTICÊNTRICO
10. E STUDO DA RELAÇÃO ESTÍMULO EFEITO(9) / Trata-se de estudo cooperativo entre várias instituições, o
que permite a obtenção de massa significativa de dados, vi-
Número apreciável de pesquisas, em clínica, visa o efeito
sando fundamentação mais sólida para a aceitação dos resul-
de estímulos sobre algum parâmetro biológico. O delinea-
tados. Envolve a elaboração de protocolo de atividades, que
mento deste tipo de experimento obedece ao delineamento
é seguido sem alteração pelas diversas equipes das institui-
geral, já exposto em capítulos precedentes. Há, apenas, a
ções participantes, e o cumprimento idêntico dos vários pro-
fazer alguns comentários sobre os grupos experimentais.
cedimentos relacionados ao ensaio clínico, que é o objeto de
Um tipo específico de estudo sobre a relação estímulo/
estudo. O treinamento do pessoal envolvido na investigação,
efeito é aquele que utiliza apenas um grupo de indivíduos
principalmente aquele orientado para as atividades mais com-
(doentes). É o denominado projeto antes-depois(8). Neste
plexas, é de grande importância.
delineamento, constituído o grupo de estudo, medem-se os
valores da variável em tela; a seguir, o estímulo é aplicado
aos indivíduos do grupo e, então, medem-se, novamente, os 12. REVISÕES E METANÁLISES(1)
valores da mesma variável. Dessa maneira, neste estudo, há Nos últimos anos, cresceu bastante o interesse relaciona-
apenas um grupo, que é o grupo experimental e o efeito do do a um ramo emergente da ciência médica, que é a “medi-
estímulo é avaliado pela comparação dos valores da variável cina baseada em evidências”. Na realidade, a medicina ba-
antes e depois da aplicação do estímulo. seada em evidências serve-se de procedimentos que a expe-
A crítica óbvia que se pode fazer ao delineamento acima riência do passado já consagrou. Entretanto, realça alguns
descrito é a de que algumas variáveis incontroláveis possam deles e dá ênfase a seu encadeamento, visando aplicação
interferir nos resultados, durante o tempo decorrido entre os efetiva no exercício da prática médica. Pontos essenciais a
momentos antes e depois do experimento. considerar são: 1) formulação adequada do problema; 2)
Em conseqüência, o projeto antes-depois com grupo con- modos de melhor responder à questão formulada: é o exame
trole é utilizado para contornar essa crítica. Neste caso, há clínico? o diagnóstico laboratorial? a literatura médica dispo-
dois grupos, o experimental e o controle, e a medida da nível? outros? o objetivo é ater-se à melhor evidência para
variável em estudo é feita, em ambos os grupos, no início da aceitar-se a solução da questão proposta; 3) análise da evi-
investigação. A seguir, o estímulo é aplicado somente no dência: procurar saber quão próxima ela é da verdade; em
grupo experimental e, no final do experimento, os valores outras palavras, este passo corresponde ao estudo da valida-
da variável em estudo são determinados em ambos os gru- de dos testes, do experimento, dos resultados; 4) aplicação
pos. Este tipo de delineamento dá mais consistência à pro- prática(10).
posição de que o efeito observado se associa ao estímulo Como já foi dito, procedimentos e técnicas não são dife-
introduzido. rentes daquelas que têm sido utilizadas até agora. Entretan-
Projeto alternativo para o anterior, porém mais comple- to, não basta saber apenas que o resultado de determinado
xo, é o que procura eliminar até mesmo o possível efeito da exame laboratorial mostra valor acima da faixa usual; o que
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melhor para uso na síntese que é o objetivo da metanálise


ENSAIO OR (ODDS RATIO) – INTERVALO DE CONFIANÇA: 95% (por exemplo: os trabalhos primários podem referir-se à
mortalidade de determinada doença em três meses (ou em
1 seis meses ou em um ano); na metanálise, o objetivo estabe-
2 lecido pode ser o da mortalidade em seis meses).
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Atualmente, os resultados de metanálise são apresentados
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sob forma padrão. A representação é conhecida como “fo-
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rest plot” ou “blobbogram”. Na figura 1, vê-se a representa-
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ção teórica de um conjunto de trabalhos, submetidos à meta-
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nálise. Cada trabalho (ensaio clínico) é representado por uma
linha horizontal; os trabalhos são dispostos um abaixo do
outro. A marca (“blob”) no meio da linha é o valor da estima-
tiva da diferença entre os grupos; o comprimento da linha
Cálculo de cada Odds ratio; em tabela 2x2
representa o intervalo de confiança de 95% da estimativa. A
linha vertical é a linha de “não efeito”: associa-se ao risco
relativo de 1.0. Assim, se a linha horizontal não passar sobre
Figura 1 – Estudo de 8 ensaios clínicos controlados randomizados a linha vertical, há 95% de chance de haver diferença real
entre os grupos. A última linha representa os dados agrupa-
dos dos trabalhos analisados.
interessa é saber qual a probabilidade de a doença “A” estar Na figura 1, está representado o resultado de um estudo
em jogo, tendo em vista o resultado esperado. Este exemplo relacionado com oito ensaios clínicos controlados randomi-
mostra a associação de métodos epidemiológicos à pesquisa zados. À direita, encontram-se os resultados de cada um dos
clínica, uma área que corresponde à epidemiologia clínica. oito trabalhos. Vamos supor que se trate da comparação do
Revisões – Revisões sistemáticas são, igualmente, armas tratamento A com o tratamento B, analisando mortalidade
da medicina baseada em evidências. Revisões sistemáticas, dentro de um período de um ano. As linhas horizontais mos-
por sua vez, dão azo a que um certo número de trabalhos tram as estimativas (e seus intervalos de confiança de 95%)
venha a ser tratado estatisticamente (processo de metanáli- de cada “razão de chances” (ou “produto cruzado”, isto é,
se), o que leva a uma síntese estatística dos resultados numé- “odds ratio”) dos ensaios que compararam tratamento A com
ricos de vários trabalhos, todos dirigidos a responder à mes- tratamento B. No exemplo teórico figurado, nota-se que a
ma questão. última linha horizontal (que resume os dados dos oito traba-
As revisões podem ser sistemáticas ou não sistemáticas. lhos) é mais curta: é que o intervalo de confiança estreitou-
As revisões sistemáticas procuram oferecer dados e informa- se, é menor devido ao número grande de casos do estudo,
ções, em conjunto, relativos a uma série de estudos primá- analisados em conjunto. Além disso, a linha horizontal so-
rios, isto é, originais. A revisão, para ser considerada siste- brepõe-se à de “não efeito”, o que significa que, provavel-
mática, deve ser realizada de acordo com metodologia expli- mente, não há diferença entre o tratamento A e o tratamen-
citada e reprodutível. Em outras palavras, deve enunciar cla- to B.
ramente quais são seus objetivos e quais são os critérios que
determinaram quais trabalhos foram incluídos no estudo. A
13. PESQUISA QUALITATIVA(1)
seguir, da revisão constam os dados de cada trabalho incluí-
do, após verificada sua qualificação do ponto de vista meto- Pesquisa qualitativa foi, durante muitos anos, um tipo de
dológico. O passo seguinte é a reunião do maior número investigação próprio da área de ciências humanas. Ultima-
possível de dados e sua análise por meio de estatística apro- mente, tem despertado o interesse de investigadores da área
priada – o que corresponde à metanálise. Feito isso, refe- médica.
rem-se os resultados finais. O texto final corresponde, pois, A pesquisa qualitativa visa o estudo de aspectos específi-
a um sumário crítico da revisão, com enunciado de objetivos, cos, particulares, aplicado a grupos também específicos, com
descrição de materiais e métodos e relato de resultados. abordagem bastante ampla e buscando saber como as pes-
Metanálise pode ser definida como “uma síntese estatísti- soas vêem e como se sentem quando defrontadas com as
ca dos resultados numéricos de vários ensaios, todos dedica- situações estudadas.
dos a examinar a mesma questão”. Com relação à metodologia empregada, um dos métodos
Na revisão aludida acima, poderá haver vários resultados, é a observação. Diferentemente dos estudos quantitativos, a
de importância semelhante, de acordo com as circunstân- observação não visa, necessariamente, a enumeração. A
cias. Nesta fase, o trabalho do investigador é decidir qual dos observação consiste em ficar perto, em ouvir o que as pesso-
resultados finais (resultados dos vários estudos primários) é o as têm a dizer e tomar conhecimento de suas preocupações.
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Metodologia da investigação científica aplicada à área biomédica – 2. Investigações na área médica

Outra técnica é a entrevista pessoal, em que o diálogo per- estudo é, então, realizado nos dois grupos. Os resultados do
mite a exploração de tópicos em detalhe. Além da entrevista novo teste, em comparação com os do teste padrão-ouro,
pessoal, o investigador pode programar entrevistas com gru- são apresentados em uma tabela dois-por-dois (ver tabela 2).
po de pessoas, sadias ou doentes. Na população examinada, os casos situados na coluna es-
Além destas, outras diferenças metodológicas existem en- querda da tabela são positivos para o teste padrão-ouro e,
tre a pesquisa qualitativa e quantitativa. Na pesquisa qualita- portanto, têm a doença em causa; os casos à direita são
tiva, não existe a necessidade de que o grupo estudado seja negativos para o padrão-ouro e, portanto, não têm a doen-
correspondente a uma amostra representativa da população. ça. Por outro lado, os resultados positivos e negativos para o
Ao contrário, o que se pretende é justamente a abordagem novo teste estão apresentados em disposição horizontal. Des-
de um grupo particular, específico de pessoas. sa maneira, nota-se que se delineiam quatro tipos de resulta-
No estudo quantitativo, a investigação surge após o enun- dos: verdadeiros-positivos, falsos-positivos, falsos-negativos
ciado de uma hipótese, ao passo que, no trabalho qualitati- e verdadeiros-negativos.
vo, a hipótese pode surgir mais tarde, quando os procedi- A validade do teste é caracterizada, quantitativamente, por
mentos investigativos estão já em plena evolução. meio de duas propriedades: a sensibilidade e a especificida-
Não há, também, rigidez a respeito do tema da investiga- de.
ção: aceita-se e até estimula-se que haja modificações do A sensibilidade é expressa pela relação a/a+c e indica a
problema central do trabalho, quando os achados que estão capacidade que tem o teste de oferecer resultado positivo em
se processando parecem apontar novos caminhos para a indivíduos com a doença em causa.
pesquisa. A especificidade é expressa pela relação d/b+d e indica a
Em fase adiantada da investigação, o pesquisador terá, capacidade de o teste oferecer resultado negativo em indiví-
disponível, um texto volumoso: um resultado de transcrição duos sem a doença.
de entrevistas, por exemplo. Há, então, que se criar uma Em outras palavras, o teste é altamente sensível (para a
maneira sistemática de análise dos dados e selecionar passa- doença estudada), se ele for positivo na maioria dos doentes
gens contendo exemplos que dão suporte à idéia que está em que se espera que ele seja positivo e é altamente especí-
sendo defendida no trabalho. fico, se for negativo na maioria dos doentes em que se espe-
É também característica importante do trabalho qualitati- ra que ele seja negativo. Assim, testes sensíveis têm poucos
vo o fato de que, neste, os resultados da investigação corres- falsos-negativos e testes específicos têm poucos falsos-posi-
pondem, na realidade, à interpretação dos dados obtidos. tivos.
Obviamente, o ideal seria dispor de teste que fosse 100%
14. CONSIDERAÇÕES FINAIS sensível e 100% específico, isto é, que desse resultados sem-
pre positivos no caso de doença e sempre negativos em indi-
14.1. Testes diagnósticos: padrão-our
padrão-ouroo víduos não afetados pela doença. Isto não ocorre na prática.
Qualquer que seja o tipo de investigação empreendida, é Sendo assim, qual o teste que deve ser preferencialmente
de fundamental importância a constituição adequada dos gru- empregado? Para esta decisão, outras propriedades devem
pos de estudo, tanto do grupo de pacientes, quanto do gru- ser analisadas. Assim:
po controle. O primeiro grupo tem de estar afetado pela • a prevalência da doença na população clínica específica
doença e o grupo controle não deve ter a doença. É impres- estudada, que é a proporção de doentes na população em
cindível, pois, que o diagnóstico seja comprovado no primei- estudo; a prevalência é dada pela fórmula a+c/a+b+c+d;
ro grupo e rejeitado no segundo. Neste caso, temos que uti- • o valor preditivo do resultado positivo corresponde à
lizar um procedimento diagnóstico que nos dê garantia de probabilidade de ter a doença, quando o teste é positivo;
que seu resultado positivo indique, realmente, a presença da
doença. Isto é, é preciso dispor-se de um teste que efetiva- TABELA 2
mente detecte a doença e seja negativo quando não há a Doença diagnosticada pelo teste padrão
doença(3). Este teste ideal é conhecido como “gold standard”
– padrão-ouro; em muitos casos, ele é representado pelas Resultado Doença
características histopatológicas de tecido obtido por biópsia. Presente Ausente
Nem sempre o teste padrão-ouro pode ser utilizado; em con-
seqüência, número apreciável de investigações clínicas cen- Teste em estudo Positivo Verdadeiro Falso
Positivo Positivo
tram-se no estudo de um novo teste, em comparação com o
a b
teste padrão-ouro. Para isso, estudam-se dois grupos de in-
divíduos: um, afetado pela doença, conforme diagnóstico feito Negativo Falso Verdadeiro
Negativo Negativo
pelo teste padrão-ouro e outro, que não tem a doença, isto
c d
é, em que o teste foi negativo. O novo teste, o teste em
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refere-se à relação entre o número de doentes com resultado Suponhamos que a prevalência da doença a é de 0,1%; se
positivo e o número total de resultados positivos obtidos, o teste empregado tem sensibilidade de 100% e especificida-
isto é, a/a+b; de de 99%, em cada 1.000 indivíduos, temos uma reação
• o valor preditivo do resultado negativo é definido como positiva verdadeira (prevalência é de 0,1%; portanto, temos
a relação entre os resultados verdadeiros negativos e o total um doente em 1.000 indivíduos) e dez reações falsas positi-
de resultados negativos, isto é, d/c+d; vas. Se a prevalência da doença é de 0,01%, temos dez ve-
• o índice da probabilidade do teste positivo, que mostra zes mais resultados falsos positivos, embora o número de
quão mais provável é encontrar-se resultado positivo em al- resultados verdadeiros positivos continue correspondendo à
guém com a doença (em contraste com a pessoa que não unidade (considerando, agora, 10.000 indivíduos). Assim, é
tem a doença); a relação é dada pela fórmula sensibilidade/ importante levar em conta que, à medida que a prevalência
1-especificidade; da doença diminui no grupo estudado, eleva-se o número
• o índice da probabilidade do teste negativo, que mostra absoluto das respostas falsas positivas. Em outras palavras,
quão mais provável é encontrar-se resultado negativo em se o objetivo assumido é o de estudar um grupo em que a
pessoa que não tenha a doença, em contraste com aquela prevalência da doença é baixa, o emprego de teste altamen-
que tem a doença; a fórmula é (1-sensibilidade)/especificida- te sensível mas de baixa especificidade será inconveniente,
de; pela quantidade de resultados falsos positivos que fornecerá.
• a acurácia do teste é dada pela relação entre todos os No caso de uma investigação científica, é bastante provável
resultados verdadeiros obtidos (positivos e negativos) e o to- que a prevalência da doença seja elevada no grupo selecio-
tal de exames realizados, isto é, a+d/a+b+c+d. nado. Sendo assim, pode-se esperar que sejam mais satisfa-

QUADRO 2
Testes estatísticos comumente utilizados*

Finalidade Paramétricos Não paramétricos

Comparar duas amostras in- Teste t não pareado para duas Teste U de Mann-Whitney
dependentes amostras
Comparar dois conjuntos de Teste t pareado para uma Teste de Wilcoxon, pareado
observações em uma amos- amostra
tra (ex: antes e depois)
Comparar três ou mais con- Análise de variância a um Análise de variância por pos-
juntos de observações em único nível – estatística F tos: teste de Kruskal-Wallis
uma amostra (ex: 0h-1h-2h-
3h-4h)
Semelhante ao anterior, mas Análise de variância a dois Análise de variância por pos-
com duas amostras (ex: ho- níveis tos a dois níveis
mens e mulheres)
Variáveis descontínuas, duas Teste do qui-quadrado Teste exato de Fisher
ou mais amostras indepen-
dentes
Comparar dois testes diag- Teste de McNemar –
nósticos: sensibilidade e es-
pecificidade, mesma amostra
Verificar a força da associa- Correlação, coeficiente r de Coeficiente de correlação
ção entre duas variáveis con- Pearson por postos de Spearman
tínuas
Descrever a relação entre Regressão, critério dos qua- Regressão não paramétrica
duas variáveis quantitativas, drados mínimos
em que um dos valores pode
ser previsto pelo outro
Descrever a relação entre Regressão múltipla, critério Regressão não paramétrica
uma variável dependente e dos quadrados mínimos
diversas variáveis preditoras

* Adaptado de Greenhalgh, T – How to read a paper, 1997(1).

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tórios o valor preditivo do resultado positivo, o valor prediti- mo) e que, no grupo controle, seja mínimo o número de
vo do resultado negativo e a acurácia da prova. Em outras casos falsos positivos. Desta maneira, é aconselhável, para
palavras, nestas condições, as provas laboratoriais passam a finalidades diagnósticas, o uso de teste que seja altamente
ter maior significação diagnóstica, por se tornarem mais efi- específico.
cientes.
Em conclusão, no que concerne à investigação clínica, 14.2. Testes estatísticos comumente usados (1)
importa ter-se a menor dúvida possível a respeito do diag- No quadro 2, apresentamos alguns tipos de investigação
nóstico no grupo experimental (isto é, que o risco de incluir, clínica, seus objetivos principais e os testes estatísticos que
neste grupo, indivíduos que não tenham a doença seja míni- mais comumente podem responder aos quesitos formulados.

REFERÊNCIAS
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Medicine. 1st ed. London: BMJ Publishing Group, BMA House, Tavis- ed. Boston: Little, Brown and Company, 1970.
tock Square, 1997.
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practice of preventive health care. Annu Rev Nutr 1997;17:101-125.
8. Korn EL, Baumrind S. Randomised clinical trials with clinician-pre-
3. Campana AO. Introdução à investigação clínica. 1ª ed. São Paulo,
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4. Rouquayrol MZ. Epidemiologia & saúde. 3ª ed. Rio de Janeiro: MED- 9. Lakatos EM, Marconi M de A. Metodologia científica – Ciência e co-
SI, Editora Médica e Científica Ltda., 1988. nhecimento científico; métodos científicos, teoria, hipóteses e variá-
veis. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1991.
5. Sackett DL. How to read clinical journals: V. To distinguish useful
from useless or even harmful therapy. Can Med Assoc J 1981;124: 10. Sackett DL, Haynes B. On the need for evidence-based medicine.
1156-1162. Evidence – Based Medicine 1995;1:4-5.

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