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R672d Rocha, Aline Maria Matos.

Desafios do ciberespaço [recurso eletrônico] : cibercultura, ciberespaço, tecnologia


e ambientes / Aline Maria Matos Rocha. -- Fortaleza : Universidade de Fortaleza, [2021].

18 p. -- ( Percurso de Aprendizagem ; 1)

1. Ciberespaço. 2. Tecnologia. I. Título. II. Série.

CDU 008:681.3:621.391

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Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
CIBERCULTURA, CIBERESPAÇO,
TECNOLOGIA E AMBIENTES

Sumário

1. Arquitetura conceitual do ciberespaço e da


cibercultura

2. Princípios de comunicação no ciberespaço

Sumário clicável
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Provavelmente você já deve ter ouvido falar
em ciberespaço e cibercultura.
Vamos iniciar a leitura do nosso primeiro
Percurso De Aprendizagem? Mas será
que você sabe o que essas expressões
de fato significam e o que elas têm a
ver com a sociedade em que vivemos?
Neste Percurso de Aprendizagem iremos
apresentar esses conceitos, identificando
a relação entre tecnologia e sociedade.
Muito se fala que vivemos num mundo Olá
conectado e que as pessoas estão,
cada vez mais, desempenhando suas
atividades por meio das tecnologias.
Porém, o que forma o ciberespaço e o que
a cibercultura representa? Responderemos
a essas e a outras perguntas, explorando as
transformações trazidas pelas tecnologias
de informação e de comunicação.

1. Arquitetura conceitual do ciberespaço


e da cibercultura

Antes de falar o que vem a ser cibercultura e ciberespaço, devemos entender que
essas expressões estão diretamente associadas à definição de tecnologia. Observando
rapidamente a palavra tecnologia, pode-se identificar que ela se relaciona ao “estudo da
técnica”. Ou seja, a palavra tem sua origem nos radicais gregos techné (técnica, arte,
o que é produzido pelo homem) e logos (estudo, conjunto de saberes) (ALVES, 1968;
LÉVY, 1999). Entretanto, há muito mais elementos que devemos apreender a partir do
significado desse termo. E é sobre isso que nos debruçamos agora.

Em primeiro lugar, aliar técnica a conjunto de saberes exige reconhecer que a


tecnologia está articulada à história, à cultura e à sociedade que a produz.

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Figura 1 – Tecnologia: articulação entre história, cultura e sociedade:

Fonte: elaborada pela autora.

Você deve estar se perguntando por que e como isso acontece. Bem, para compreender
adequadamente essa relação, devemos destacar que as técnicas que são criadas
visam atender às diversas necessidades que enfrentamos no cotidiano. Empreender
uma técnica, ou inventar um artefato, não é algo simples, e isso dependerá de
conhecimentos acumulados e recursos disponíveis (BATISTA; FREIRE, 2014).

Por esse motivo, cada ferramenta, artefato ou produto que existe estará associado
ao suprimento de uma necessidade, por meio da mobilização de recursos e saberes num
dado contexto histórico.

Sabe-se que nossa existência é atravessada pelas relações que estabelecemos


uns com os outros e que ajudam a definir nosso senso de identidade, assim como nossos
valores e comportamento, os quais estão em contínua construção (GIDDENS, 2002).
Desse modo, é importante notar que nossa existência individual e coletiva está atrelada
a tempo e espaço específicos, definindo o contexto sobre o qual atuamos. Em síntese,
esses elementos são norteadores da relação entre história, cultura e sociedade. Por sua
vez, sempre que ouvirmos falar em tecnologia, ou mesmo em inovação tecnológica, é
possível situar sua relação com o tempo, a sociedade e a cultura que faz ou fez uso dela.

Assim, podemos afirmar que a tecnologia será resultante de um contexto histórico,


social e cultural. Ela se produz por meio da relação entre ser humano e natureza. Para
obter algo que vise à melhora de sua sobrevivência e existência, pessoas interagem com

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a natureza (matéria, physis), extraindo, elaborando e criando condições que otimizem
tarefas e solucionem problemas do seu dia a dia. O que hoje nos parece um simples
instrumento, em tempos atrás introduziu profundas transformações nos modos de agir
de um dado grupo social. Foi assim com o arado, artefato utilizado nos primórdios da
agricultura, que contribuiu para o processo de sedentarização de sociedades inteiras, ao
promover o cultivo de alimentos (MUMFORD, 1967).

Por isso, não devemos esquecer que a revolução agrícola foi permeada pela
introdução de instrumentos como esse, exemplificando a relação articulada da tecnologia
com sociedade, cultura e contexto histórico.

Inúmeros outros exemplos e situações ocorridas ao longo da história podem ser


citados. Olhe para os objetos que você utiliza todos os dias e procure identificar sua
origem e contexto. Como e quando foram criados? Para que são usados? Seus usos
permanecem os mesmos? O que mudou? O papel e a própria escrita são exemplos ricos
do processo de transformação tecnológica ao longo do tempo. A necessidade de registrar
informações, transações comerciais, ritos e símbolos culturais vem atravessando a
existência e a experiência humana há centenas de anos.

Do registro em cavernas à escrita no papel, até à digitação em smartphones e tablets,


muitas transformações ocorreram. Percebê-las é importante tanto para compreender o
contexto em que vivemos, como para antever o que podemos esperar do futuro.

Importa destacar que o termo techné (arte, técnica), a que nos referimos mais acima,
foi empregado para distinguir aquilo que era feito pelo homem do que não era, referindo-
se também ao sentido de “saber fazer de forma eficaz”1 (BATISTA; FREIRE, 2014, p. 25).
Para os gregos, tudo que não contasse com a manipulação humana era identificado como
physis (natureza), tendo desdobramentos tanto instrumentais e procedimentais – em sua
aplicação prática – quanto racionais e intelectuais. Vale ressaltar que as dimensões prática e
intelectual não devem ser concebidas de forma dicotomizada e polarizada, mas em interação
e complementaridade. Logo, todo ato humano é techné, expressão que remonta à habilidade
de transformar a natureza, produzindo artefatos e modos de agir os mais diversos (ALVES,
1968; LEMOS, 2002). Eis, em linhas gerais, a gênese da tecnologia, cujo entendimento não se
restringe aos produtos provenientes da digitalização e da informatização.

Por outro lado, a tecnologia não deve ser entendida sob um ponto de vista
excessivamente instrumental, reduzindo sua definição a uma coleção de objetos, produtos,
ferramentas e artefatos criados para auxiliar as atividades humanas. A esse respeito, de
acordo com Lucília Machado (2008 apud BATISTA; FREIRE, 2014), é fundamental sublinhar
os aspectos que envolvem o significado tanto teórico quanto prático da tecnologia, os
quais, necessariamente, dizem respeito a:

1. Concepção de techné, conforme Heródoto, pensador grego, considerado o pai da História (BATISTA; FREIRE, 2014).

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• um conjunto de processos de ação e de produção, decorrentes da diversidade de
saberes e da experiência acumulada das pessoas, assim como da aplicação do
conhecimento científico;

• estratégias mais ou menos sistemáticas de desenvolver, avaliar e planejar processos,


produtos e serviços, visando atender objetivos e expectativas sobre seus resultados;

• um corpo de técnicas, as quais organizam, de forma lógica, coisas, funções e


atividades, a fim de que sejam utilizadas, observadas, transmitidas, compreendidas;

• ciência da atividade humana.

Desse modo, conclui-se que “tecnologia é o conjunto de instrumentos, métodos


e técnicas que permitem o aproveitamento prático do conhecimento científico”
(SANTORO; REVOREDO; BAIÃO, 2020, p. 12). Além disso, o conjunto desses instrumentos,
métodos e técnicas também está assentado no acúmulo de conhecimentos e saberes
compartilhados coletivamente, uma vez que a relação entre ciência e tecnologia está
situada no âmbito da sociedade.

Definir adequadamente a tecnologia também exige entender que as transformações


trazidas por ela não são neutras, isto é, não estão isentas de gerar consequências,
tanto positivas como negativas (MUMFORD, 1967). Não é difícil reconhecer que nossas
relações, ao longo do tempo, foram acompanhadas por importantes transformações em
decorrência da introdução da tecnologia nas mais diversas atividades. No final do século
XX, e neste século, o acesso à conexão digital e ao telefone celular, assim como a outros
equipamentos, potencializou a comunicação e a interação de modo exponencial. Contudo,
nota-se que isso também pode acarretar virtualização excessiva das relações; exposição
a um volume extenso de informações, podendo gerar sobrecarga; risco de invasão de
privacidade, dentre outros problemas (SANTOS, 2010). Todas essas questões precisam
ser discutidas e ponderadas, a fim de que se disseminem posturas responsáveis e o uso
crítico das mídias digitais e de seus recursos.

A seguir, trataremos do advento das Tecnologias de Informação e Comunicação,


abordando as definições de ciberespaço e cibercultura, bem como as transformações
que lhes são decorrentes.

Da relação entre tecnologia e sociedade advêm inúmeros processos e fenômenos,


os quais são dependentes de seu contexto histórico. Castells (2003) afirma que o impacto
das transformações trazidas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) foi
significativo, produzindo efeitos na forma como a sociedade se organiza e se estrutura. A
produção de mercadorias, bens, serviços e informações, assim como seu consumo, circulação
e distribuição, sofreu mudanças em virtude da introdução de tecnologias e dos avanços da
microeletrônica. As TIC, notadamente no final do século XX, trouxeram novos paradigmas às
relações, transformando economia, política, sociedade e cultura (ROCHA, 2010).

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Numa breve linha do tempo, podemos situar alguns dos principais momentos
em que as TIC foram evoluindo e incorporando-se às mais diversas atividades, desde
processamento de dados complexos e de interesse de grandes corporações e do
governo, aos videogames, telefones celulares e à internet (CASTELLS, 2003; SANTORO;
REVOREDO; BAIÃO, 2020):

• 1945 – surgem os primeiros computadores na Inglaterra e nos Estados Unidos,


assim como a televisão. Nesse momento, a informática possui uso restrito a
instituições governamentais e a organizações financeiras, sendo destinada à
realização de cálculos complexos;

• 1969 – impulsionados pela corrida armamentista, consequência da guerra fria


entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética, o departamento de defesa norte-
americano, por meio da Advanced Research Projects Agency (ARPA), desenvolve
pesquisas para criar uma rede de comunicação e troca de dados descentralizada,
surgindo então a ARPANET. Isso permitiu a união entre redes de computadores
e compartilhamento de tempo de computação on-line, entre os que faziam parte
da agência. A montagem dessa primeira rede interativa foi fruto de pesquisas
desenvolvidas tanto pela ARPA, como pelo centro de pesquisa Rand Corporation,
na Califórnia (EUA), e por um laboratório de física britânico;

• 1970 – ocorre o desenvolvimento e a comercialização do microprocessador,


que passa a ser adotado na automação industrial, por meio da robótica, pela
introdução de linhas de produção flexível e maquinário industrial com controle
digital. A busca sistemática por ganho de produtividade, por meio da introdução
dessas tecnologias, aparelhos eletrônicos e sistemas de comunicação de dados,
perpassa maior número de atividades econômicas. Em 1973, o TCP (Protocolo
de Controle de Transmissão) foi desenvolvido, por meio da colaboração entre
o grupo de pesquisa francês Cyclides e o Xerox PARC. O TCP é fundamental
para a criação de protocolos de comunicação padronizados. É por meio desse
tipo de tecnologia que ocorre a comunicação entre nós de redes diferentes.
Em 1978, o TCP foi dividido, dando origem ao TCP/IP – sendo o IP o protocolo
intrarrede – padrão com que a internet opera até hoje;

• 1980 – desenvolvimento e popularização de artefatos digitais multimídia,


computadores pessoais, telefones celulares, tecnologias de comunicação,
aumento da demanda por digitalização dos negócios, expansão da Inteligência
Artificial (IA) e processamento de grandes volumes de dados. Em 1983, a
ARPANET torna-se ARPA-INTERNET, sendo dedicada à pesquisa;

• 1990 – início da comercialização da internet pelo departamento de defesa norte-


americano, o qual passa a financiar empresas fabricantes de computadores para

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que incluíssem os protocolos TCP/IP em seus equipamentos. Logo, a grande
maioria dos computadores nos EUA, durante a década de 1990, já possuía
a tecnologia para entrar em rede. A ARPANET fica tecnicamente obsoleta e
o controle da internet passa para a National Science Foundation (NSF), que,
pouco tempo depois, a privatiza. A criação da “www”, pelo programador e físico
inglês Timothy Berners-Lee, será um fator determinante para a popularização
da internet no mundo, ainda nos anos 1990. É através do software “world wide
web” que acontece a interligação dos sistemas de informação da internet, os
hipertextos, acessíveis por qualquer computador conectado à rede.

• Em 1995, a Microsoft cria seu próprio navegador, o Internet Explorer, sendo


distribuído junto com o sistema operacional Windows 95;

• A partir dos anos 2000 – convenciona-se que a sociedade vive a Era Digital.
Computadores e dispositivos móveis passam a ocupar espaços em diversos
setores da sociedade (comércio, serviços, entretenimento, política, informação e
comunicação). As tecnologias digitais criam novas possibilidades à transmissão,
ao armazenamento e ao acesso à informação, assim como permitem realizar
transações comerciais, financeiras e sociais numa nova escala.

DICA:
Para saber mais, consulte o livro “A galáxia da internet: reflexões
sobre a internet, os negócios e a sociedade”. Manuel Castells explora
de maneira aprofundada os eventos e inovações tecnológicas que
ocorreram para a criação da internet como a conhecemos hoje.

Todos esses acontecimentos e inovações tecnológicas levaram ao


estabelecimento da sociedade em rede, a qual baseia-se numa estrutura social
centrada na gestão e no controle da informação (CASTELLS, 2002). Seus princípios
de organização social encontram-se mediados pelas TIC, fundadas em redes digitais
que processam, gerenciam e distribuem fluxos de dados e informação em escala
e volume até então inéditos. Para Castells (2002; 2003), no final do século XX, três
processos foram fundamentais para o surgimento de uma estrutura social baseada
em rede, são eles:

• a demanda do capital por flexibilidade e globalização;

• os anseios sociais por valores de liberdade individual e comunicação aberta; e

• os avanços na ciência da computação e nas telecomunicações, efetivados pelas


descobertas e evoluções da microeletrônica.

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Percebe-se que as mudanças ocorridas nas tecnologias de comunicação
resultam de um processo socioeconômico e, ao mesmo tempo, técnico e social.
Pessoas, instituições e sociedade em geral apropriam-se da tecnologia, modificando-a e
experimentando-a. A produção histórica de um determinado recurso tecnológico acaba
por moldar seu contexto e seus usos, numa relação mútua. Isso é especialmente notável
no caso do ciberespaço e da internet (CASTELLS, 2003).

Santoro, Revoredo e Baião (2020), a fim de melhor detalhar o conceito de sociedade


em rede, destacam suas principais características, conforme delineou Castells (2002):

Figura 2 – Características da sociedade em rede:

Fonte: elaborada pela autora, com base em Santoro, Revoredo e Baião (2020) e Castells (2002).

Percebe-se que a estrutura social em rede afetará as relações, os valores e os


significados produzidos em torno do conhecimento, da educação e da comunicação. O
surgimento da comunicação mediada por computadores e a criação da rede das redes –
internet – propiciou o que veio a ser conhecido por ciberespaço e, por conseguinte, cibercultura.

Esse novo modelo técnico e cultural trouxe rupturas e novos paradigmas,


implementando a cultura digital, a qual pode ser definida como “conjunto de práticas,
técnicas, atitudes, valores, representações simbólicas e pensamento que se desenvolveram
a partir da difusão das TICs” (SANTORO, REVOREDO e BAIÃO, 2020, p. 54).

O conjunto de transformações sociotécnicas – que podemos identificar por


ciberespaço – acarretará o desenvolvimento da chamada cultura digital – cibercultura. É
necessário destacar que ciberespaço e cibercultura estabelecem um par conceitual, cujo
entendimento não se dá de forma isolada. Isto é, eles são interdependentes e mutuamente
determinados. O surgimento do ciberespaço está atrelado ao desenvolvimento das TIC
e da rede mundial de computadores, a internet. A cibercultura, por seu turno, envolve o
conjunto de comportamentos, modos de fazer, de ser e de interagir, com os artefatos e
produtos advindos da criação e da evolução do ciberespaço.

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Figura 3 – Ciberespaço e cibercultura

Fonte: Elaborada pela autora.

A complexa interconexão e interligação de equipamentos é o que permite a


denominação de ciberespaço2 . O prefixo “cyber” provém da cibernética, ciência proposta
pelo matemático Norbert Wiener, que se dedicou a estudar os campos de controle e
da comunicação, tanto no homem quanto na máquina (MASARO, 2010). A partir disso,
uma gama de outras denominações receberá o prefixo ciber, sinalizando recursos,
comportamentos e atitudes

Do mesmo modo que, no item anterior, percebemos o que cerca o conceito de


tecnologia, também iremos notar que as definições de cibercultura e de ciberespaço
possuem certa complexidade, estando amparadas por relações contextuais necessárias
ao seu amplo entendimento.

Além disso, também é relevante sublinhar que tais dimensões desenvolveram-


se em decorrência da transformação das TIC, em especial da internet, acompanhada
por uma série de inovações e alimentada pela necessidade de criação de uma rede de
comunicação descentralizada, conectada e com capacidade de gerar e gerenciar dados,
como já mencionamos.

2. A expressão ciberespaço foi usada pela primeira vez em 1984 pelo escritor de ficção científica William Gibson, em seu livro
Neuromancer.

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Dessa maneira, acrescentamos que Pierre Lévy (1999), importante estudioso da
dimensão e dos efeitos culturais trazidos pelas tecnologias emergentes na segunda
metade do século XX, conclui que a cibercultura resulta de um processo, ao mesmo
tempo técnico, político, cultural e social. De acordo com ele, existem três condições
fundamentais para compreender a cibercultura, quais sejam:

Figura 4 – Condições para a compreensão da cibercultura

Fonte: elaborada pela autora.

É pertinente notar que entre as condições que o autor estabelece para entender
a noção de cibercultura está justamente o desenvolvimento do ciberespaço, o qual
é fruto da relação entre técnica, cultura e sociedade – como frisamos anteriormente.
Independentemente da profissão em que você atua ou das atividades cotidianas que
realiza, desde as últimas décadas do século XX, somos impactados pelas transformações
trazidas por esses três eixos (Figura 4), que incidem de maneira simultânea no corpo
social.

Lévy acrescenta que a cibercultua:

é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria


fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais,
nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de
centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento
do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de
colaboração. O apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal
de relação humana desterritorializada, transversal, livre [...] (LÉVY, 1999,
p. 130).

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Realçamos, de maneira proposital, o trecho “relação humana desterritorializada”, na
definição trazida por Pierre Lévy (1999). Devemos, portanto, nos deter brevemente
sobre essa expressão, que nos auxilia a entender um importante aspecto das
relações advindas e potencializadas com o ciberespaço: a desterritorialização.
Discutiremos essa questão de forma mais detalhada no próximo Circuito de Estudo.

13
2.

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Princípios de comunicação no ciberespaço

Uma importante chave de entendimento dos princípios de comunicação do


ciberespaço são os potenciais que ele revela quanto às relações desterritorializadas, tanto
síncronas quanto assíncronas. Relações desterritorializadas são aquelas que independem
da partilha do mesmo espaço para ocorrer. Durante milhares de anos de vida social, nossas
relações estiveram dependentes do compartilhamento de tempo e de espaço. Ao longo dos
séculos XX e XXI, isso se modificou: em virtude do advento das Tecnologias de Informação
e Comunicação (TIC), podemos nos relacionar com pessoas e realizar as mais diferentes
transações econômicas, afetivas e educacionais, sem a necessidade de partilhar o mesmo
espaço físico. Tais circunstâncias marcarão de forma incisiva as sociedades modernas e
contemporâneas (GIDDENS, 1991; THOMPSON, 2005). Situação semelhante acontecerá
em relação ao tempo, uma vez que também podemos nos comunicar, sem que estejamos
sincronamente no mesmo momento em que uma mensagem ou informação é transmitida.
Na prática, isso impactou de forma profunda a organização social, trazendo sincronia
(mesmo tempo) e assincronia (tempos diferentes) às relações.

No entanto, a desterritorialização não é recente nas comunicações – nem a


assincronia e a sincronia. Notem-se os meios de comunicação com que já contávamos
antes do surgimento da internet: a correspondência, o telégrafo, os aparelhos de
fac-símile (fax), o rádio e a televisão, dentre outros, que, em algum nível, trouxeram
desterritorialização, assim como sincronia e assincronia para as relações (THOMPSON,
2005; LEMOS, 2002).

A fim de tornar mais clara a compreensão dos efeitos das tecnologias na


comunicação, acompanhe (Quadro 1) algumas das características das interações
tradicionais e mediadas pelas TIC. Em todas elas ocorre a desterritorialização, mas há
diferenças quanto às possibilidades de sincronia ou assincronia:

Quadro 1 – Características da comunicação mediada pelas TIC

Que tipo de
Situação/tecnologia e
interação Por quê?
recursos utilizados
promove?

Agentes da relação comunicam-se sem


Ligação telefônica Síncrona que estejam no mesmo espaço, mas
compartilham o mesmo tempo

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Se quem ligou não teve sua chamada
atendida, aparelhos com recurso de
Ligação telefônica, com
gravação do recado podem ser utilizados
recado de voz gravado na Assíncrona
para posterior escuta, acontecendo uma
secretária eletrônica
relação desterritorializada e assíncrona,
isto é, sem a partilha de espaço e de tempo

Agentes se comunicam por meio da


escrita, com mensagem entregue por
Correspondência Assíncrona serviço de correio, caracterizando a
desterritorialização e a assincronia, pois
espaço e tempo não serão coincidentes

Programas de rádio e televisão pautam-se


por comunicações desterritorializadas (sal-
vo para o espectador que esteja em auditó-
rio quando a gravação ocorre). A sincronia
Síncrona e
Rádio e televisão acontece em comunicações em tempo real
assíncrona
(ao vivo), e a assincronia, em momentos
gravados e não transmitidos simultanea-
mente, sendo visualizados pelo espectador
em horário específico da programação

Agentes da relação comunicam-se por


meio de ligação de voz desterritorializada e
Telefones celulares e
síncrona, podendo gravar recados na caixa
smartphones (telefones
postal e/ou enviar mensagem de texto,
celulares dotados de Síncrona e
caracterizando comunicações assíncronas.
conectividade e acesso assíncrona
Aplicações de troca de mensagens
a recursos, aplicações e
instantâneas também podem ser utilizadas
softwares da internet)
para comunicações em tempo real
(síncronas) ou não (assíncronas).

Portais, homepages, blogs, comunicações


via redes sociais digitais etc., promovem
acesso a informações e interações
desterritorializadas. A sincronia ocorre
Tecnologias do
Síncrona e por meio de recursos de comunicação
ciberespaço: aplicações e
assíncrona instantânea, como chats e outras
recursos da internet
aplicações disponíveis para isso. Enquanto
e-mail, fóruns, caixas de mensagem
pessoal, dentre outros, são característicos
de comunicação assíncrona.

Fonte: elaborado pela autora.

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Quando falamos de ciberespaço, o que há de diferente, então? A principal
mudança é que as tecnologias trazidas pelo desenvolvimento da internet impactarão
significativamente a escala, o volume, a velocidade e a complexidade das informações
e dados partilhados digitalmente, borrando as coordenadas de espaço e de tempo de
forma inédita. Acrescente-se seu caráter híbrido, uma vez que permite a convergência
dos meios de comunicação analógicos, como o rádio e a televisão, por exemplo.

Além do mais, uma outra significativa diferença será a estrutura de comunicação


difundida pelas TIC. Refletindo sobre os impactos do desenvolvimento do ciberespaço,
assim como do processo de apropriação e desdobramentos da cibercultura, André Lemos
(2002, p. 93 – grifos nossos) comenta que:
a cibercultura vai se caracterizar pela formação de uma sociedade
estruturada através de uma conectividade telemática generalizada,
ampliando o potencial comunicativo, proporcionando a troca de
informações sob as mais diversas formas, fomentando agregações
sociais. O ciberespaço cria um mundo operante, interligado por ícones,
portais, sítios e homepages, permitindo colocar o poder da emissão nas
mãos de uma cultura jovem, tribal, gregária, que vai produzir informação,
agregar ruídos e colagens, jogar excesso ao sistema.

A liberação do polo de emissão é uma das mudanças que o ciberespaço torna


possível. Isso significa dizer que há maior flexibilidade e relativa liberdade para a produção
de informações. Vejamos a inter-relação entre o meio de comunicação em destaque e a
produção e a recepção da mensagem (Quadro 2):

Quadro 2 – Meios de comunicação e relação com a mensagem

Tipo de comunicação Relação com a mensagem

Televisão, rádio, jornal impresso...


Difusão unilateral; comunicação Um-odos
(Meios de comunicação tradicionais)

Telefone, correspondência Diálogo; comunicação Um-Um

Hipertextos, comunidades virtuais, Diálogo entre vários participantes;


interações on-line, simulações etc. comunicação Todos-Todos

Fonte: elaborado pela autora, com base em Lévy (1999).

Uma diferença crucial entre as ferramentas de comunicação do ciberespaço e os


meios de comunicação tradicionais é que o sistema de difusão da informação não é
unilateral, mas sustentado por um alto grau de interação e plurilateralidade. É essa diferença
que caracteriza o esquema “todos-todos”, garantindo aos usuários a possibilidade de

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interação direta, além da produção de conteúdos e partilha de informações. Nesse
sentido, o chamado “receptor” – aquele que recebe a informação – pode, a qualquer
tempo, interagir com o “emissor” – o que produz e/ou difunde a informação –, tanto
através de e-mails, como fóruns, listas de discussão e, mais recentemente, pelas redes
sociais digitais, como Facebook, Instagram, Twitter3 , dentre outras (ROCHA, 2010).

Podemos observar, portanto, que as comunicações ocorridas no ciberespaço não


reproduzem de forma rígida o esquema dos meios de comunicação tradicionais, pautados
no modelo “um-todos” e simbolizado pela relação polarizada entre “emissor-receptores”. Ao
contrário, o que as tecnologias do ciberespaço e da internet promovem é uma multiplicidade
e alternância desse formato. Com a ampliação da interatividade e a liberação do polo
de emissão, o receptor de uma informação também pode produzi-la, e vice-versa, o que
contribui para relativizar, tornar difusa e mais flexível a relação entre eles.

Assim, a troca de informações acontecerá num novo contexto, promovendo sinergia


e convergência entre as mídias já existentes. Os contatos ocorrerão por meio de variadas
plataformas, que permitem independência das coordenadas de espaço e de tempo para
acontecer, distanciando-se das mídias tradicionais, como vimos. Dessa forma, estamos
diante de um espaço em que é possível exercer novas formas de sociabilidade, partilha de
interesses, informações, diversões, transações econômicas etc., mobilizando expressões
das esferas política, econômica, cultural e social. Isso não vem isento de efeitos diversos,
sobre os quais devemos refletir, lançar ponderações e promover mudanças.

No próximo Percurso de Aprendizagem, discutiremos os usos e efeitos dos


ambientes virtuais, aprofundando as consequências trazidas pela cibercultura nas
relações pessoais, profissionais, assim como a repercussões de condutas na rede
consideradas ilegais.

Resumo:

Neste Percurso de Aprendizagem, refletimos sobre o conceito de tecnologia,


destacando sua articulação com a história, a cultura e a sociedade. Apresentamos os
conceitos de cibercultura e de ciberespaço, com ênfase nas especificidades de cada um,
e comentamos os princípios de comunicação provenientes da inserção das tecnologias
de informação e comunicação no contexto em que vivemos.

3. Abordaremos as redes sociais digitais no próximo Percurso de Aprendizagem.

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Referências:

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tecnologia. ano. 2, n.8. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

BATISTA, Sueli Soares dos Santos; FREIRE, Emerson. Sociedade e tecnologia na era
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GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto


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ROCHA, Aline Maria Matos. As trocas interpessoais na internet: privacidade e sociabilidade


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SANTOS, A. P. O papel das novas tecnologias nas relações sociais contemporâneas.


Família e Sociedade. abr. 2010. Disponível em: http://www.redepsi.com.br/2010/04/05/
o-papel-das-novas-tecnologias- -nas-rela-es-sociais-contempor-neas/. Acesso em: 21
jan. 2020.

THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 7 ed. Petrópolis:
Vozes, 2005.

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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR)

Presidência
Lenise Queiroz Rocha

Vice-Presidência
Manoela Queiroz Bacelar

Reitoria
Fátima Maria Fernandes Veras

Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação AUTORA


Maria Clara Cavalcante Bugarim ALINE MARIA MATOS ROCHA
Vice-Reitoria de Pesquisa
José Milton de Sousa Filho Doutoranda e mestra em Sociologia pela Universidade
Vice-Reitoria de Extensão
Federal do Ceará (UFC); bacharel em Ciências Sociais e
Randal Martins Pompeu licenciada em Sociologia. Pesquisadora do Laboratório
de Estudos da Cidade (Lec-UFC); professora do Centro
Vice-Reitoria de Administração de Ciências Tecnológicas da Universidade de Fortaleza
José Maria Gondim Felismino Júnior
(Unifor); e professora vinculada à Secretaria Estadual de
Diretoria de Comunicação e Marketing Educação (Seduc-CE). Tem experiência em pesquisa, com
Ana Leopoldina M. Quezado V. Vale ênfase em tecnologias e sociedade; cibercultura e ciber-
Diretoria de Planejamento
ativismo; educação e tecnologias; movimentos sociais
Marcelo Nogueira Magalhães urbanos e ação coletiva.

Diretoria de Tecnologia
José Eurico de Vasconcelos Filho

Diretoria do Centro de Ciências da Comunicação e Gestão


Danielle Batista Coimbra

Diretoria do Centro de Ciências da Saúde


Lia Maria Brasil de Souza Barroso

Diretoria do Centro de Ciências Jurídicas


Katherinne de Macêdo Maciel Mihaliuc

Diretoria do Centro de Ciências Tecnológicas


Jackson Sávio de Vasconcelos Silva

RESPONSABILIDADE TÉCNICA

NÚCLEO DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS (NTE) Projeto Instrucional


Silviane da Silva Rocha
Gerência Revisão Gramatical
Douglas Royer José Ferreira Silva Bastos
Coordenação Identidade Visual / Arte
Andrea Chagas Alves de Almeida Francisco Cristiano Lopes de Sousa
Thiago Bruno Costa de Oliveira
Supervisão de Ensino e Aprendizagem
Carla Dolores Menezes de Oliveira Editoração / Diagramação
Régis da Silva Pereira
Supervisão de Planejamento Educacional
Ana Flávia Beviláqua Melo Produção de Áudio e Vídeo
José Moreira de Sousa
Supervisão de Recursos Educacionais
Pedro Henrique de Moura Mendes
Josefa Braga Cavalcante Sales
Kauê Nogueira da Silva
Assessoria Administrativa
Programação / Implementação
Mírian Cristina de Lima
Francisca Natasha Q. Fernandes de Souza
Assessoria Pedagógica de Polo Márcio Gurgel Pinto Dias
Jéssica de Castro Barbosa Francisco Weslley Lima

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