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REVOLTA DA VACINA: A IMPRENSA MIDIÁTICA COMO FORMADORA DE

OPINIÕES
Sabrina Emily Karlinski

RESUMO
O objetivo deste texto é realizar uma pesquisa bibliográfica sobre a influência da imprensa
durante a Revolta da Vacina . Pretende-se fazer um breve enquadramento histórico dos anos que
precederam a revolta da vacina, bem como do movimento em si, seguido de uma discussão das
publicações jornalísticas da época , com ênfase para o Correio da Manhã .

ABSTRACT
The aim of this text is to carry out a bibliographical research on the influence of the
press during the Vaccine Revolt. It is intended to make a brief historical framework of the
years that preceded the vaccine revolt, as well as the movement itself, followed by a
discussion of the journalistic publications of the time, with emphasis on Correio da Manhã.

INTRODUÇÃO

Para entender melhor como a população do Rio de Janeiro se sentiu ameaçada pela
vacina que preveniria a varíola desenvolvida a partir da pesquisa de Oswaldo Cruz, um dos
personagens mais com mais caricaturas da história Brasileira 1. É preciso ter consciência de
que a história sempre teve suas raízes em problemas sociais que culminam em revolta quando
os às classes desfavorecidas não suportam mais o estado decadente que lhe é empurrado.
Dessa forma, se faz necessário regredir o olhar para compreender a situação do Rio de
Janeiro no início do século XX e questionar o porquê a população agiu de forma tão rigorosa
a alga que , contemporaneamente sabemos, traria diversos benefícios.
Em meados de 1870, as estradas de ferro impulsionaram o Brasil a crescer
financeiramente e comercialmente, aliado às abundantes lavouras de café e demais atividades
agrícolas. Esses fatores, juntamente com a abolição da escravatura e o aumento do trabalho
livre concentram uma grande parte da população nas cidades. No entanto, apesar da boa fase
que o Rio de Janeiro estava vivenciando, o condensamento de pessoas trouxe uma realidade
um tanto quanto problemática , oriunda das novas relações capitalistas.
O governo de Rodrigues Alves, por consequência das transformações que a “ Cidade
Maravilhosa” passava, em seu discurso, atentou-se principalmente ao saneamento, por conta

1 Nas duas primeiras décadas do século XX, Oswaldo Cruz foi certamente um dos homens públicos mais
retratados pela imprensa brasileira, especialmente no período que abrange as grandes campanhas sanitárias.
das epidemias que assolavam a região como peste bubônica, febre amarela, e sobretudo,
varíola2. Por conta disso, a população foi abordada com medidas drásticas3 a fim de resolver o
problema patológico. Embora tais medidas tivessem intuito de conter uma grave situação,
suscitaram problemas ainda maiores. Tem-se conhecimento que cerca de oitenta por cento 4.
A população do Rio de Janeiro não tinha participação política de nenhuma forma, bem como
tinha limitações informativas , que se restringiam, de certa forma, unicamente aos jornais da
época. Tendo em mente a falta de informação dessa classe desprovida de muitos direitos, é
cabível a reação que José Murilo de Carvalho descreve em sua obra “ os bestializados”.

(…) manifestações populares de caráter público. Os


cidadãos inativos pelo critério constitucional revelavam-se
então não só profundamente atentos a aspectos do exercício do
poder que lhes afetavam a vida cotidiana como também
dispostos a ir até às últimas consequências para defender o que
consideravam seus direitos. (CARVALHO,2019)

As camadas populacionais, sobretudo as mais desfavorecidas tendem a ser relutantes a


medidas governamentais que impõem obrigatoriedade, caso não compreendam o motivo de
tal, e com a lei que demandava obrigatoriedade da vacina contra a varíola não foi diferente,
uma vez que a vacina era criada a partir do próprio vírus presente na vaca 5. Atrelado ao
contexto educacional precário da época, juntamente com o mísero investimento em
informação concreta e acessível, o medo tomou conta da população que, no período de 10 a
16 de novembro de 1904 levantou-se contra o governo pelo que acreditavam tratar-se de seu
direito: não vacinar-se.

A MÍDIA COMO FORMADORA DE OPINIÃO

2 A varíola é uma doença infecciosa que é considerada como erradicada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) desde os anos 80, após a realização de uma campanha de vacinação maciça, que envolveu o mundo
inteiro.
3 Sugerida por Oswaldo Cruz, tornava obrigatória a exigência de comprovantes de vacinação contra a varíola
para a realização de matrículas nas escolas, obtenção de empregos, autorização para viagens e certidões de
casamento. A medida previa também o pagamento de multas para quem resistisse à vacinação. população não
aceitava ter a casa invadida para ser vacinado e havia uma forte discussão sobre o direito de o Estado mandar no
corpo dos cidadãos. A mesma questão voltou à tona recentemente, com a vacinação contra a covid-19.
4 DE CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. Editora
Companhia das Letras, 2019.
5 Jenner desenvolveu a vacina a partir de outra doença, a cowpox (tipo de varíola que acometia as vacas), pois
percebeu que as pessoas que ordenhavam as vacas adquiriram imunidade à varíola humana.
Em 1904 , o número de internados por varíola no Rio de Janeiro era gigantesco,
mesmo assim, as camadas populares rejeitavam a vacinação, que consistia em um líquido
contendo o vírus da doença proveniente de vacas infectadas. Todavia, a ideia de ser
imunizado com esse líquido parecia desagradável e , aliado ao boato de que essa vacina
poderia debilitar ou causar deformidades as pessoas causou certo receio as pessoas, até
mesmo pelo modo como o órgão responsável agiu para que se fizesse cumprir a lei, afinal
sentiam-se atacadas com as invasões a suas casas para aplicação de algo em que não
confiavam, sentiam seu direito sendo aliciados.

Charge do jornal O Malho. Fonte: Biblioteca virtual Oswaldo Cruz

A partir do contexto descrito, pretende-se analisar os discursos e sátiras das


publicações periódicas da época, especialmente dos jornais Correio da manhã 6, Gazeta de

6 Jornal carioca diário e matutino fundado em 15 de junho de 1901, por Edmundo Bittencourt e extinto em 8
de julho de 1974. Foi durante grande parte de sua existência um dos principais órgãos da imprensa brasileira,
tendo-se sempre destacado como um “jornal de opinião”.Mantendo-se portanto sempre avesso à neutralidade
durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906), no entanto o Correio da Manhã aferiu críticas à maneira
violenta pela qual era aplicada a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, dando margem a uma revolta
orientada ideologicamente pela oposição. Esse movimento que encontrou respaldo no jornal, que agia em dois
níveis: de um lado, assumindo o papel de aglutinador da frente formada contra a vacina obrigatória sob a
liderança de Mauro Sodré, Alexandre Barbosa Lima e Barata Ribeiro, e, de outro, contestando a própria
validade científica da vacina.
Notícias7 e O Paiz8, observando tanto as informações a respeito da vacina como as
informações sobre a revolta.
O correio da manhã, sendo um jornal de oposição contra a lei N° 1.261, de 31 de
outubro de 1904, publicava diariamente em suas páginas manchetes controversas a vacina da
varíola, suscitando dúvida entre os leitores, como podemos observar nos recortes a seguir 9

Recorte do Correio da Manhã. Fonte: hemeroteca

Publicando em suas páginas manifestos anti vacinação, o jornal Correio da Manhã era
um vívido formador de opiniões, chegando a chamar a intromissão do governo na questão
salutar de “ despotismo sanitário". pode-se acreditar que foi um dos agentes que desencadeou
a revolta, por adiantar suas críticas antes mesmo da promulgação da lei de obrigatoriedade,

7 O Gazeta de Notícias foi lançado no dia 2 agosto de 1875 com o objetivo de noticiar, levar literatura e ser
“neutro”. “Além de um romance, a Gazeta de Notícias todos os dias dará um folhetim de atualidade. Artes,
literatura, teatros, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a Gazeta de Notícias se propõe trazer ao corrente os
seus senhores, não sendo a Gazeta de Notícias folha de partido apenas tratará de questões de interesse geral,
aceitando nesse terreno o concurso de todas as inteligências que quiserem utilizar das suas colunas”
8 O Paiz foi um jornal diário de grande circulação lançado em 1º de outubro de 1884, no Rio de Janeiro (RJ),
por João José dos Reis Júnior, o conde de São Salvador de Matozinhos. Conservador e de grande expressão,
considerado o mais robusto órgão governista da República Velha, foi um dos maiores formadores de opinião na
política e na sociedade brasileiras entre o fim do século XIX e começo do século XX. Durou até 18 de
novembro de 1934, quando foi fechado pela Revolução de 1930.Com a República, O Paiz se consolidou como
uma das maiores influência na vida política nacional ao passo que a folha que conduzia ia se firmando como um
dos periódicos mais vendidos na capital federal, certamente um dos maiores jornais do país.
9 Todas as edições do Jornal Correio da Manhã podem ser acessadas na íntegra por meio da
hemeroteca.Disponível em https://drive.google.com/drive/u/1/folders/1K7P5JnB6dueSsRwMftwNYBW3Y5a-
VgZk . Acesso em 08 dez. 2022.
causando pavor aos seus leitores, trazendo informativos sensacionalistas sobre a proveniência
da vacina, ou seja o fato dela ser feita a partir da varíola da vaca.

Recorte do Correio da Manhã. Fonte: hemeroteca


Nesse recorte , é possível perceber uma posição de resistência em relação às medidas
tomadas pela Diretoria da Saúde para vacinar, obrigatoriamente, a população. Em outras
edições , o jornal publicou advertências e declarações de integrantes da Liga Contra a
Vacinação Obrigatória , além de manifestações públicas que antecederam o próprio levante .

Recorte do Correio da Manhã. Fonte: hemeroteca

Outros jornais , como a Gazeta de Notícias e O Paiz , noticiaram diariamente


acontecimentos significativos , tanto do governo quanto dos cidadãos , bem como as reações
mais afrontosas à lei de obrigatoriedade da vacina, apesar de o único jornal de oposição se
tratar do Correio da manhã, tanto o O Paiz como o Gazeta de Notícias se mostraram
desfavoráveis a drasticidade dos meios de oswaldo cruz.

Recorte do Gazeta de Notícias. Fonte: hemeroteca.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferentes motivos para explicam a eclosão da revolta: a justificação moral baseada
em valores modernos, o descontentamento da massa, o autoritarismo governamental, e a
reforma urbana são exemplos, entretanto, consideramos que o elemento mais forte
impulsionador desse evento foi o pretexto encontrado por opositores do poder vigente, vendo
na fragilidade higiênica e popular, diante da perda, e vendo nas mídias uma arma a ser usada
para atacar o elo mais frágil no momento.
Buscou-se, portanto, salientar o papel da mídia nesse momento delicado, no entanto,
salienta-se que o campo de pesquisa é vasto e que, muito além dos três periódicos utilizados,
existem muitos outras fontes para se referir a Revolta da vacina de 1904 e a revolta também
pode ser tratada de diversos aspectos : econômico, político e salutar.
Por fim, reitera-se a importância de buscar veracidades das informações consumidas
e, concomitantemente, buscou-se reafirmar o papel importantíssimo que a mídia tem nas
questões sociais do Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A CRUZADA da Saúde: as campanhas sanitárias e a imprensa. Biblioteca virtual


Oswaldo Cruz, [s. l.], 2020. Disponível em: https://oswaldocruz.fiocruz.br/jornal/#page/1.
Acesso em: 8 dez. 2022.

A TRAJETÓRIA do médico dedicado à ciência. Revista de Manguinhos, [s. l.], 2017.


Disponível em: https://portal.fiocruz.br/trajetoria-do-medico-dedicado-ciencia. Acesso em: 8
dez. 2022

CRESCÊNCIO, Cintia Lima. Revolta da vacina: higiene e saúde como instrumentos


políticos. Biblos, v. 22, n. 2, p. 57-73, 2008.

DE CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não


foi. Editora Companhia das Letras, 2019.

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: O


tempo do liberalismo oligárquico-vol. 1: Da Proclamação da República à Revolução de
1930. Editora José Olympio, 2019.

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