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SISTEMAS LEAN

As sete perdas
da produção
Altair Flamarion Klippel

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar as sete perdas da produção.


>> Descrever o contexto e a dinâmica que envolvem tais perdas.
>> Apontar os impactos das sete perdas para as organizações.

Introdução
As sete perdas identificadas durante a construção do Sistema Toyota de Produção
(STP), atualmente conhecido como Sistema de Produção Enxuta, ou Lean Manu-
facturing, revolucionaram a forma como as empresas devem ser gerenciadas.
Isso porque, a partir do STP, o foco da gestão passou a ser analisar as atividades
realizadas no sistema de produção buscando-se descobrir quais são as que agre-
gam valor ao produto, sob a ótica do cliente, e quais são as que implicam perdas
e devem ser eliminadas ou reduzidas.
Neste capítulo, você conhecerá as sete perdas identificadas no processo de
produção da Toyota Motor Company. Além disso, você poderá compreender que
essa identificação foi possibilitada por uma revolução na forma de analisar um
sistema de produção, a qual deu origem ao mecanismo da função produção, que
propõe a análise de um sistema de produção considerando-se dois eixos: o eixo
do processo e o eixo das operações. Por fim, apresentaremos um panorama da
evolução da lógica do mercado, de modo que você possa entender a lógica vigente
hoje em dia e, a partir disso, compreender a importância de se empregarem
2 As sete perdas da produção

métodos de ataque às sete perdas a fim de eliminar ou reduzir desperdícios nas


organizações.

As sete perdas identificadas pela Toyota


Motor Company que deram origem ao
Sistema Toyota de Produção
Quando pensamos no conceito de “perda” em um sistema de produção, é
comum que venha à mente a perda física, aquela que é visível, como, por
exemplo, peças refugadas ou retrabalhadas, desperdícios de matéria-prima/
materiais e produtos fora de especificação, entre outras. Essa é a visão tra-
dicional a respeito da perda. No entanto, também existem outras perdas, e é
importante que elas sejam identificadas para serem eliminadas ou reduzidas.
Tais ações foram possibilitadas pela construção do STP, iniciada na segunda
metade da década de 1940. A partir de então, emergiu a visão moderna sobre
a perda, que considera a perda no trabalho, ou seja, as ineficiências na forma
de realizar a produção.
De acordo com Junico Antunes et al. (2008, p. 201), as perdas existentes
em um sistema produtivo “[...] estão diretamente relacionadas ao conceito do
mecanismo da função produção”, sendo elas as seguintes: perdas por super-
produção (quantitativa e por antecipação), perdas por transporte, perdas no
processamento em si, perdas devido à fabricação de produtos defeituosos,
perdas nos estoques, perdas no movimento e perdas por espera. A seguir,
detalharemos cada uma delas.
As perdas por superprodução ocorrem devido à produção em excesso, isto
é, quando o sistema produtivo produz mais do que o necessário. Para evitar
esse tipo de perda, o STP adota uma postura que pode ser sintetizada na
seguinte frase: “Fazer o necessário, no momento necessário e na quantidade
necessária”. Sendo assim, qualquer quantidade excessiva de produção cons-
titui uma perda, a qual pode ser por superprodução quantitativa, quando o
volume produzido é superior à demanda existente, ou por superprodução por
antecipação, quando é realizada uma produção antes de haver necessidade
(KLIPPEL, 2007; SHINGO, 2007).
As sete perdas da produção 3

Para melhor compreender as perdas por superprodução quantitativa


e por superprodução por antecipação, vamos considerar os seguintes
casos.
Inicialmente, suponhamos que o setor de planejamento e programação da
produção tenha emitido um pedido para a fábrica produzir 2 mil unidades de um
item em um determinado mês, considerando um percentual de 10% de refugo,
baseado em dados históricos. Porém, nesse mês foram produzidos apenas 5%
de refugo, obtendo-se, como consequência, 100 peças boas produzidas além
da necessidade, as quais irão para estoque. Trata-se de um caso de perda por
superprodução quantitativa.
Por outro lado, vamos supor que o setor de planejamento e programação da
produção tenha emitido um pedido para ser entregue no dia 15 de dezembro.
Entretanto, aproveitando a ociosidade da máquina, o operador antecipou a
produção desse pedido, concluindo-o no dia 10 de dezembro, cinco dias antes
da data solicitada. Nesse caso, ocorreu uma perda por superprodução por
antecipação.

As perdas por transporte acontecem em função do transporte de matérias-


-primas/materiais ou da movimentação interna de carga. Transportar não
agrega valor ao produto, pois ele não sofrerá nenhuma transformação durante
essa operação (KLIPPEL, 2007). Nas empresas, é comum observar equipamentos
de transporte, como paleteiras e empilhadeiras, movimentando materiais
em um vai e vem contínuo, muitas vezes em fluxo e contrafluxo. Para reduzir
esse tipo de perda, faz-se necessário um estudo de leiaute, visando a reduzir
distâncias e eliminar contrafluxos.
As perdas no processamento em si são acarretadas por atividades de
processamento nas quais o cliente não identifica valor, ou seja, atividades
que são desnecessárias. De acordo com Junico Antunes et al. (2008, p. 207),
tais perdas podem ser identificadas a partir de duas perguntas: “Por que
esse tipo de produto ou serviço específico deve ser produzido?” e “Por que
esse método deve ser utilizado neste tipo de fabricação?” A resposta a essas
questões pode ser obtida a partir de uma análise de valor e de uma análise
dos métodos que devem ser empregados para fabricar o produto.
As perdas devido à fabricação de produtos defeituosos, como o próprio
nome indica, estão relacionadas à produção de refugos e retrabalhos, que
têm origem na produção de itens fora das especificações definidas. Para
eliminar ou reduzir essas perdas, é necessário atuar na fonte causadora dos
defeitos, pois apenas a sua identificação não resolverá o problema, que tende
a se repetir (KLIPPEL, 2007).
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As perdas nos estoques se devem à “[...] existência de estoques elevados


de matérias-primas, material em processo e/ou produtos acabados”, o que
ocasiona “[...] elevados custos financeiros e a necessidade estabelecida de
espaço físico adicional para a produção, com os custos a isto associados”
(JUNICO ANTUNES et al., 2008, p. 212). De acordo com Shingo (2007, p. 260), por
muito tempo, “[...] o estoque foi considerado um mal necessário, não tendo
sido dada a ele a necessária atenção por parte da gerência de produção. O
questionamento do porquê ele era necessário revelou que manter estoque
era, na verdade, um tremendo desperdício”. Esses desperdícios, essas perdas
oriundas da manutenção de estoques, costumam não se mostrar visíveis,
como se pode observar na Figura 1, em que traçamos uma analogia com um
iceberg. Importa salientar que uma das causas da formação de estoques é,
evidentemente, a perda por superprodução.

Figura 1. Perdas visíveis e invisíveis devido aos níveis de estoques.


Fonte: Adaptada de madartzgraphics/Pixabay.com.

As perdas no movimento são ocasionadas pelos movimentos desnecessá-


rios que os operadores executam durante as atividades no posto de trabalho
As sete perdas da produção 5

(JUNICO ANTUNES et al., 2008). Elas podem ser observadas, por exemplo,
quando um operador tem de se afastar de sua máquina para apanhar uma
peça a ser processada. Se essa peça estivesse disponível a uma distância
menor, o operador reduziria o seu movimento e, consequentemente, o tempo
de realização da atividade de abastecimento da máquina.
As perdas por espera são aquelas relacionadas aos momentos em que
equipamentos e operadores não estão sendo utilizados de forma produtiva,
“[...] ou seja, embora pagos, não estão contribuindo para a agregação de
valor aos produtos e/ou serviços” (JUNICO ANTUNES et al., 2008, p. 216). As
causas desse tipo de perda são diversas, tais como falta de produto, quebra
de máquina, preparação de máquina (setup), entre outras.

Setup é o ato de preparar uma máquina que concluiu a produção


de um determinado produto e substituir o seu ferramental (matri-
zes, punções, etc.) para iniciar a produção de um novo produto. Durante esse
período (chamado “tempo de setup”), a máquina está improdutiva, aguardando
a conclusão do setup.

Além das sete perdas que apresentamos, modernamente têm sido con-
sideradas outras perdas em um sistema produtivo, como as perdas ambien-
tais, resultantes da agressão ao meio ambiente; as perdas ergonômicas,
relacionadas ao afastamento de colaboradores devido a doenças causadas
por esforços repetitivos durante a realização das atividades profissionais;
e as perdas energéticas, ocasionadas por desperdício de fontes de energia
(ANTUNES, 1998). Ainda, existem também as perdas por não aproveitar o co-
nhecimento dos operadores, isto é, perdas que se devem à não consideração
da “inteligência oculta” existente no ambiente fabril, do conhecimento tácito
dos operadores fruto da experiência na atividade que executam.

Analisando um sistema de produção: o


mecanismo da função produção
Copiado e adaptado por empresas de diversos segmentos industriais ao redor
do mundo, o STP foi um marco divisório cujo nascimento foi possibilitado
por um contexto de, literalmente, terra arrasada. Em 15 de agosto de 1945,
o Japão foi derrotado na Segunda Guerra Mundial, e, conforme Taiichi Ohno
(1997, p. 25), “[...] essa data marcou também um novo começo para a Toyota.
Toyoda Kiichirō (1894–1952), então presidente da Toyota Motor Company, disse,
6 As sete perdas da produção

‘Alcancemos os Estados Unidos em três anos. Caso contrário, a indústria


automobilística do Japão não sobreviverá’”.
Como consequência desse desafio, a Toyota rompeu um paradigma consa-
grado na indústria: o de que o processo é apenas um conjunto de operações
(KLIPPEL, 2007). O ponto de partida para esse rompimento foi compreender
o que era um processo e o que eram as operações — e, principalmente, que
relação havia entre esses dois elementos. Para tanto, foi necessário que
os gestores da empresa fossem ao gemba, ou seja, à fábrica, observar de
modo detalhado o que acontecia durante a fabricação de um produto. Isso
porque, independentemente das informações e dados de que dispunham,
eles consideravam que era mediante a observação in loco que entenderiam
com maior profundidade o que acontecia no ambiente fabril.

Em japonês, existe o termo genchi genbutsu, que “[...] significa ir ao


local em que o trabalho está acontecendo para ver e compreender
as situações da empresa em primeira mão” (LIKER; HOSEUS, 2009, p. 75).

Nessa época, a gestão das operações era realizada de forma individual,


sendo cada uma delas independente das demais. Isso acarretava a existên-
cia de grandes estoques intermediários entre elas, de modo a assegurar a
continuidade da produção — caso uma operação parasse, o processo não era
interrompido. Nessa forma de pensar, se um processo fosse composto de, por
exemplo, cinco operações sequenciais, cada uma delas tendo uma eficiência
de 90%, ele também apresentaria uma eficiência de 90%. As consequências
desse pensamento são a formação de estoques, bem como o aumento do
custo, dos problemas de qualidade e do tempo de atravessamento (tempo
que o produto leva para ser concluído), entre outras.
Então, os gestores da Toyota constataram que, na realidade, as operações
de um processo de produção não eram independentes. Pelo contrário, elas
eram interdependentes, ligadas umas às outras, pois o que ocorria entre
duas operações impactava no processo como um todo. Logo, aquela suposta
eficiência do processo de 90% não correspondia à realidade, uma vez que a
eficiência real do processo deveria ser calculada por meio da multiplicação da
eficiência de cada uma das operações que o compõem, tendo-se em conta o seu
caráter de interdependência. Sendo assim, no exemplo que apresentamos, a
eficiência do processo não seria de 90%, e sim de 59% (0,9 × 0,9 × 0,9 × 0,9 × 0,9).
Essa constatação possibilitou a Shigeo Shingo, um dos construtores do STP,
visualizar o processo de uma forma completamente diferente. Ele constatou
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que “[...] a produção constitui uma rede de processos e operações, fenômenos


que se posicionam ao longo de eixos que se interseccionam. Em melhorias
de produção, deverá ser dada prioridade para os fenômenos do processo”
(SHINGO, 1996, p. 29). Com essa afirmação, Shingo revolucionou o modo como
se compreende o fenômeno da produção, estabelecendo o mecanismo da
função produção (Figura 2).

Figura 2. Mecanismo da função produção.


Fonte: Shingo (2007, p. 38).

Na Figura 2, pode-se ver que o mecanismo da função produção apresenta


dois eixos. O primeiro deles é o eixo do processo, que corresponde ao fluxo
das matérias-primas e dos materiais que se transformam em produtos finais.
Já o segundo é o eixo das operações, no qual está situado o fluxo de homens,
máquinas e instalações que interagem sobre as matérias-primas e materiais.
De acordo com Shingo (1996, p. 26):

O processo pode ser entendido como sendo o fluxo de produtos de um traba-


lhador para outro, ou seja, os estágios pelos quais a matéria-prima se move até
se tornar um produto acabado, pela sua transformação gradativa, enquanto que
operação refere-se ao estágio distinto no qual um trabalhador pode trabalhar
em diferentes produtos, isto é, um fluxo temporal e espacial, que é firmemente
centrado no trabalhador.
8 As sete perdas da produção

Para compreender melhor esses dois conceitos (processo e operação),


imagine a seguinte cena. Suponha que você realiza uma visita a uma fábrica
e passa a observar e acompanhar o que acontece no fluxo da produção. Ini-
cialmente, você observa uma chapa de aço sendo levada do almoxarifado até
uma prensa para ser cortada e, em seguida, sendo transportada para outros
postos de trabalho, onde sofre uma série de transformações até se tornar,
por fim, um componente de um produto ou o próprio produto. Nesse caso,
você estará observando o fenômeno da produção sob o ponto de vista do
processo, ou seja, do objeto de trabalho (materiais ou produtos). Por outro
lado, se você focar a sua atenção em um posto de trabalho específico (p. ex.:
uma furadeira), estará analisando o que acontece com a máquina e o operador
e, desse modo, a sua observação do fenômeno da produção estará sendo
realizada sob o ponto de vista da operação, ou seja, do sujeito do trabalho
(máquinas e trabalhadores).
Ao compreender que a produção deve ser analisada de acordo com o
mecanismo da função produção, os colaboradores da Toyota identificaram
as sete perdas da produção e desenvolveram ferramentas para atuar sobre
elas com vistas à sua eliminação ou redução. Para tanto, fez-se necessário
investir em um trabalho em equipe, de modo a criar uma sinergia em que
todos buscassem contribuir para a solução de um problema, visto que cada
colaborador era responsável pelo todo, e não por apenas uma parte do
problema em análise. A esse respeito, Taiichi Ohno (1997, p. 43) afirma:

A manufatura também é feita através do trabalho em equipe. Pode ser preciso 10


ou 15 operários, por exemplo, para levar um trabalho de matérias-primas a pro-
duto final. A ideia é o trabalho em equipe — não quantas peças foram usinadas
ou perfuradas por um operário, mas quantos produtos foram completados pela
linha como um todo.

Como exemplo da importância de se considerar o todo, pensemos no


caso de um gestor da manutenção que decide parar um equipamento crítico
(gargalo) durante o horário de produção, alegando que é necessário realizar
uma manutenção preventiva no equipamento. Ao parar o equipamento nesse
período, interrompe-se o fluxo do processo e, consequentemente, a produção,
o que diminui a eficiência operacional do equipamento. Como resultado,
apesar de ter sido realizada uma eficiente manutenção preventiva, ou seja,
apesar de a manutenção “ter feito eficientemente a sua parte”, o todo foi
prejudicado, pois a produção diminuiu e, havendo demanda, também os
ganhos da empresa diminuíram.
As sete perdas da produção 9

Nesse caso, um gestor da manutenção capacitado nos conceitos do STP,


ao pensar no todo, certamente procuraria realizar a manutenção preventiva
fora do horário de produção, como, por exemplo, no final de semana ou no
período noturno (se a empresa não tivesse turno de produção noturno).

Segundo Shingo (1996, p. 97), existem “[...] quatro finalidades nas


melhorias: mais fácil, melhor, mais rápido e mais barato. Estas quatro
metas aparecem em ordem de prioridade. Assim, a primeira é tornar o trabalho
mais fácil para os trabalhadores, melhorando, ao mesmo tempo, o resultado do
seu trabalho”. Essa afirmação evidencia a preocupação que a Toyota tem em
relação aos seus colaboradores.

Consequências do conhecimento das sete


perdas da produção nas empresas
Visando à manutenção de sua competitividade e, consequentemente, à ga-
rantia de sua sobrevivência, empresas de todo o mundo têm recorrido aos
princípios e às técnicas de gestão da produção do STP. Para se manterem
competitivas, tais empresas precisam passar por uma profunda reestrutura-
ção, uma vez que “[...] não apenas novas tecnologias e métodos de trabalho
são necessários, mas também uma radical mudança com relação ao mercado
e no comportamento das pessoas que pertencem à organização” (KLIPPEL,
1999, p. 1–2).
Para sobreviverem em um mercado globalizado e altamente competitivo
como o atual, as empresas devem atentar para dimensões da competitividade,
como preço, qualidade, atendimento no prazo, entre outras. Assim, elas
necessitam reduzir seus custos de produção, assegurar a qualidade de seus
produtos e entregá-los nos prazos estipulados (KLIPPEL, 1999).

Evolução da lógica do mercado


Até as crises dos anos 1970, prevaleceu a visão de que, “[...] em situações de
demanda agregada superior à oferta, a determinação dos preços de venda”
poderia ser economicamente representada pela equação apresentada a
seguir (ANTUNES, 2008, p. 34).

Preço de venda = Custo de produção + Lucro


10 As sete perdas da produção

Conforme essa equação, para assegurar um determinado lucro quando


ocorrem aumentos de custo (p. ex.: da matéria-prima), o custo é repassado
ao preço de venda, com o mercado absorvendo esse acréscimo. Em outras
palavras, o preço de venda é determinado pelo produtor. Segundo Ohno (1997,
p. 30), a aplicação dessa equação torna “[...] o consumidor responsável por
todo o custo”. E, nesse caso, a questão que se coloca “[...] é se o mercado
tolerará ou não a lógica proposta por essa equação” (SHINGO, 1996, p. 43).
Porém, em um cenário de alta competitividade como o atual, no qual a
demanda é inferior à oferta, o poder de definir o preço de venda não pertence
mais ao produtor, mas, sim, ao mercado. Consequentemente, a manutenção
ou o aumento do lucro passa a depender da redução dos custos. Dessa forma,
a equação anterior se altera para:

Lucro = Preço de venda – Custo de produção

Ao analisar essa equação, deduz-se que o lucro advém da subtração do


custo de produção do preço de venda, que passa a ser definido pelo mercado.
Segundo Shingo (2007, p. 109): “Aplicando essa fórmula, pressupondo que os
consumidores são os responsáveis por decidir o preço de venda, o lucro é
o que resta depois de subtrair o custo deste preço final. Portanto, a única
forma de aumentar o lucro é reduzir os custos”.
Alterando essa última equação, Shingo (1996) propõe uma nova abordagem,
fixando um custo-alvo, conforme a equação a seguir:

Custo = Preço de venda – Lucro

Nessa equação, torna-se clara a necessidade de redução do custo, que é


obtido a partir da subtração do custo do preço de venda. Para Shingo (1996,
p. 44), essa interpretação “[...] implica que uma empresa não pode sobreviver
sem esforços implacáveis para cortar custos”.
Antes, a lógica do mercado era produzir para estoque, isto é, produzir
antecipadamente, pois, em caso de necessidade, o estoque atenderia à de-
manda. Hoje em dia, frente a um cenário de alta competitividade, a lógica
do mercado passou a ser guiada pelo entendimento de que se deve fazer
somente o necessário, no momento necessário e na quantidade necessária.
Denominadas, respectivamente, just-in-case e just-in-time, essas lógicas têm
as suas características apresentadas no Quadro 1.
As sete perdas da produção 11

Quadro 1. Comparativo entre as características do just-in-case e do


just-in-time

Just-in-case Just-in-time

Produção em grandes Produção em lotes


Lotes
lotes pequenos

Estoques Elevados Reduzidos

Tempos de Elevados Reduzidos


atravessamento

Leiaute Funcional Celular

Centralizados e Descentralizados e
Planejamento
externos ao sistema internos ao sistema
e controle
produtivo produtivo

Especializada e pouco Multifuncional


Mão de obra
flexível

Aceita-se um certo nível Busca-se a obtenção do


Defeitos
de defeitos defeito zero

Produção “empurrada”, Produção “puxada”,


Forma de produção dando origem a definida pela demanda
estoques

Ataque às sete perdas da produção


A partir da revolução na forma de gestão ocorrida na Toyota, empresas do
mundo inteiro também se reinventaram, copiando e adaptando o STP para
atacar as perdas existentes em seus sistemas produtivos. Esse ataque é
realizado por meio da implantação de metodologias, técnicas e ferramentas
que surgiram especificamente para atuar sobre tais perdas, mudando não
apenas os procedimentos operacionais, mas também o comportamento dos
seus colaboradores.
Ao adotar uma forma de gestão com base no mecanismo da função produ-
ção, a Toyota identificou as sete perdas e, para cada uma delas, desenvolveu
ferramentas específicas para eliminar as atividades que não agregam valor ao
produto. Dessa forma, entre outros benefícios obtidos, a fábrica conseguiu
reduzir o tempo de atravessamento dos produtos em elaboração no ambiente
fabril; os custos de produção; os estoques intermediários (entre as opera-
12 As sete perdas da produção

ções), os estoques de matérias-primas e de produtos acabados (estocados


no almoxarifado); bem como aumentar a produtividade.
Uma das metodologias implantadas pela Toyota foi a gestão produtiva
total (TPM, do inglês total productive maintenance), utilizada para monitorar
os ativos, mantendo o fluxo de produção com os equipamentos em condições
ótimas de operação. Com isso, a fábrica objetivava alcançar zero desperdício,
zero falha e zero quebra, assegurando a segurança, o custo e a qualidade
adequados e, simultaneamente, desenvolvendo um ambiente participativo
entre todos os seus colaboradores, que estariam voltados para os resultados
e o atingimento das metas da empresa. A frase “Da minha máquina cuido eu!”
sintetiza bem essa metodologia, que rompe com o clássico paradigma de que
o operador opera e a manutenção mantém o equipamento.
A seguir, veremos algumas formas que a Toyota encontrou para atacar
cada uma das sete perdas e, com isso, eliminar ou reduzir os desperdícios
na fábrica.
Para atacar a principal perda identificada pela Toyota, a perda por su-
perprodução, o STP considera que deve ser produzido estritamente o que o
mercado demanda, no momento e na quantidade desejados. Evidentemente,
essa é uma meta idealizada, pois é necessário que haja estoque em alguns
pontos do fluxo do processo para impedir sua interrupção devido a alguma
situação anormal (p. ex.: quebra de máquina, falta de material, etc.). Esse
papel é exercido pelos estoques chamados “buffers”, que ficam situados
antes e depois do gargalo para assegurar a sua contínua operação, uma vez
que o tempo perdido no gargalo não é recuperado.
No que diz respeito à perda por transporte, Antunes et al. (2008, p. 205)
afirma: “Conceitualmente, relativamente às ações de ataque às perdas de
transporte, a atitude gerencial a longo prazo a ser buscada na organização
implica a busca incessante da ‘eliminação do transporte’”. A solução encon-
trada pela Toyota para atuar sobre esse tipo de perda é o estudo de leiaute,
que busca reduzir distâncias entre equipamentos e estabelecer um fluxo lógico
de produção. O estudo de leiaute possibilitou a empresas em todo o mundo
reduzir substancialmente a área útil necessária para produzir, tornando-se,
assim, uma das ferramentas mais importantes do STP.
Na perda no processamento em si, as suas causas fundamentais podem
ser atacadas analisando-se, como já comentamos anteriormente, o tipo de
produto que deve ser manufaturado e os métodos que devem ser emprega-
dos na sua fabricação. Ademais, segundo Antunes et al. (2008, p. 207), “[...]
é possível sugerir, visando debelar as perdas ligadas ao processamento em
As sete perdas da produção 13

si (fabricação), melhorias relacionadas à tecnologia específica de produto,


processos de fabricação, máquinas e matérias-primas”.
Uma vez que a base do STP é a completa eliminação de desperdícios, a
perda devido à fabricação de produtos defeituosos também mereceu des-
taque na análise para a eliminação das perdas. Para o STP, a mais simples e
completa definição de qualidade é “fazer certo da primeira vez”. Para Shingo
(1996, p. 255): “Defeitos geram desperdícios em si mesmos e causam confusão
no processo de produção. Quando da implementação do Sistema Toyota de
Produção, portanto, devemos desafiar a nós mesmos a atingir zero defeitos”.
A maneira encontrada para atingir essa meta, insistentemente perse-
guida pela Toyota, foi impedir que um erro se transformasse em um defeito
e, consequentemente, um item produzido fosse refugado. Essa solução foi
obtida pela Toyota ao desenvolver o conceito de autonomação (automação
com toque humano), transferindo às máquinas a inteligência do ser humano:
quando uma condição de anormalidade ocorre, a máquina tem a autonomia
de parar autonomamente. Para tanto, foram desenvolvidos dispositivos de-
nominados poka-yoke, que atuam na fonte do erro, impedindo que, mesmo
que ele ocorra, não se torne um defeito. Afirma Shingo (2007, p. 197) que
“[...] o Sistema Toyota de Produção desenvolveu muito cedo máquinas com
inteligência humana ou com a capacidade de detectar situações anormais.
Ele é de fato o primeiro tipo de autonomação digno do nome”.

O poka-yoke está presente nos veículos modernos desempenhando


diversas funções, como, por exemplo, não ligar a ignição se o cinto
de segurança não estiver afivelado e emitir sinal sonoro e luminoso indicando
que o combustível está acabando, a porta do motorista está aberta ou os faróis
estão acesos.

O ataque à perda nos estoques consiste na redução dos estoques, de modo


a tornar o ambiente fabril mais visível, permitindo a visualização do fluxo
das matérias-primas/materiais (fluxo do objeto do trabalho), a identificação
das restrições existentes (gargalos) e a sincronização do volume de produção
das operações do processo produtivo. Uma consequência direta da redução
dos estoques existentes entre os equipamentos que compõem o fluxo da
produção é a diminuição do tempo de atravessamento, permitindo a redução
dos prazos de entrega para o cliente, uma das dimensões da competitividade.
Relativamente à perda no movimento, para atacá-la devem-se realizar
estudos de cronometragem e cronoanálise junto ao posto de trabalho e
14 As sete perdas da produção

dispor ferramentas e insumos em um local próximo ao operador, de modo a


minimizar os seus movimentos. Uma das consequências dessas mudanças é a
redução do efetivo necessário, disponibilizando operadores para realizarem
outras atividades. Essa perda foi exaustivamente estudada pela Toyota, que,
por exemplo, analisava, durante uma determinada operação, se o operador
usava uma ou duas mãos para executar sua tarefa.
Uma das principais restrições nas linhas de produção da Toyota era a
perda por espera, que se devia à necessidade de parar uma máquina para a
execução de um setup. Considerando que esse tempo era de horas ou dias e
realizado diversas vezes em todas as linhas de produção, Shingo desenvolveu
o conceito “troca rápida de ferramentas” (TRF).
Segundo Shingo (2000, p. 47):

O desenvolvimento do conceito TRF levou, ao todo, 19 anos. Ele surgiu como re-
sultado dos meus estudos cada vez mais aprofundados dos aspectos teóricos e
práticos da melhoria de setup. Os toques finais foram estimulados pelo pedido
da Toyota Motor Company para reduzir o tempo de setup de uma prensa de 1000
toneladas de quatro horas para noventa minutos.
Gostaria de destacar que a TRF se baseia na teoria e em anos de experimentação
prática. É uma abordagem científica para a redução do tempo de setup, que pode
ser aplicada em qualquer fábrica e em qualquer máquina.

A redução dos tempos de setup propiciou às empresas reduzirem seus


lotes de produção, tornando-as flexíveis e possibilitando a sua adaptação a
um mercado que está cada vez mais exigente e que demanda a produção de
pequenos lotes de uma grande variedade de produtos, diferentemente da
demanda de mercado na época do início da Revolução Industrial.

Referências
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Produção: uma discussão sobre a possibilidade de unificação da Teoria das Restrições
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Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998.
ANTUNES, J. et al. Sistemas de produção: conceitos e práticas para projeto e gestão
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KLIPPEL, A. F. Implementação da gestão enxuta em empresas de mineração a partir
de um modelo de gestão integrada: uma perspectiva de sinergia entre a engenharia
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de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: https://www.lume.
ufrgs.br/handle/10183/11802. Acesso em: 27 dez. 2020.
As sete perdas da produção 15

KLIPPEL, A. F. O Sistema Toyota de Produção e a Indústria de Mineração: uma experiência


de gestão da produtividade e da qualidade nas minas de fluorita do Estado de Santa
Catarina. Dissertação (Mestrado em Engenharia) - Programa de Pós-graduação em
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LIKER, J. K.; HOSEUS, M. A cultura Toyota: a alma do modelo Toyota. Porto Alegre:
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Porto Alegre: Bookman, 2007. E-book.

Leituras recomendadas
ANTUNES JÚNIOR, J. A. V. et al. Uma revolução na produtividade: a gestão lucrativa dos
postos de trabalho. Porto Alegre: Bookman, 2013.
HAY, E. J. Just-in-time. São Paulo: Maltese, 1992.

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