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O QUE IMPEDE UM ALUNO DE SE ALFABETIZAR NA IDADE
CERTA
Resumo
Este artigo pontua algumas iniciativas educacionais brasileiras, vivenciadas nos últimos 25
anos, na tentativa de responder ao fracasso escolar de um grupo de alunos. Uma das primeiras
foi em 1990 quando participei de um curso destinado à divulgação da Psicogênese da Língua
Escrita. Tal iniciativa configurou-se em um marco no conhecimento sobre como a crianças se
alfabetiza. Em seguida, apresentarei o trabalho desenvolvido em uma escola especial de Belo
Horizonte, no atendimento e acompanhamento de alunos com deficiência, em seu processo de
integração, durante no período de 1995 a 2000. Esta vivência proporcionou o conhecimento
do que é particular nas dificuldades de alfabetização, de quem possui uma deficiência mental.
Posteriormente, o relato da experiência de, em 2005, retornar para uma escola regular e
trabalhar com uma turma projeto, destinada aos alunos de 2º ciclo com problemas de
comportamento e aprendizagem, tratará a discussão dos diferentes fatores que compõem o
currículo na abordagem das dificuldades de aprendizagem. Através dos relatos demostro
como que as referências teóricas foram se introduzindo e contribuindo na mudança de minhas
intervenções pedagógicas, principalmente quanto à escuta dos alunos quanto às suas
dificuldades de alfabetização. Se no início, o que prevalecia era mais a intuição, no decorrer
dos anos, as reflexões teóricas guiavam a prática e, esta, fazia um retorno, na busca de algo
mais. Na dinâmica ação/reflexão/ação, localizarei a temática e descobertas que fiz durante o
mestrado, a partir dos dizeres dos alunos sobre seus impasses na alfabetização, com a
utilização do nome próprio. Tais descobertas foram confirmadas através da atuação como
membro do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação. Finalmente,
explicito como que, os relatos apresentados, constituíram a elaboração do projeto de pesquisa
do doutorado, o qual consiste em investigar o que impede uma criança de se alfabetizar na
idade certa.
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Mestre em Educação pela FAE/UFMG, Professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, membro
do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação-NIPSE/FAE/UFMG. Realiza estudos sobre as
dificuldades do processo de alfabetização, principalmente aquelas relacionadas às questões de inibição
intelectual. E-mail: marlenem@pbh.gov.br.
ISSN 2176-1396
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Introdução
Uma das primeiras experiências como alfabetizadora foi em 1990, quando fui
selecionada para participar do curso Por uma alfabetização sem fracasso 2, o qual tinha como
objetivo a capacitação de aproximadamente trezentos profissionais da alfabetização e, ao
mesmo tempo, a construção de um modelo de capacitação docente que pudesse ser utilizado
por esses multiplicadores, mas não só por eles (WEISZ, 1992, p. 13). Este curso foi
ministrado pela educadora Telma Weisz, uma das precursoras da pesquisa de Emília Ferreiro
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Este curso foi parte integrante de um projeto mais amplo que se desenvolveu durante quatros anos (1988-1991)
no âmbito do Sistema Estadual de Educação Pública de São Paulo.
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mínimo, estes alunos conseguissem se socializar. Trabalhar com uma turma considerada
“projeto” se apresentou como um novo desafio, o qual se concretizou e foi registrado, por
mim, em 2005 através do artigo “Os alunos da sala 11” (SILVA, 2006, p. 17).
A turma da sala 11 era compota de 22 alunos entre 9 e 10 anos, enturmados no 2º ano
do 2º ciclo. Esta sala era considerada “turma projeto” porque os alunos apresentavam
extremas dificuldades no processo de aprendizagem, além de problemas de indisciplina e
comportamento. Eram extremamente agitados e por qualquer motivo davam chutes, socos, se
agredindo física e moralmente. Os alunos apresentavam resistência a qualquer proposta,
alegando que eram burros, não sabiam nada e não adiantava aprender. Tinham dificuldades de
aceitar qualquer tipo de intervenção. A reação deles era a mesma diante de um elogio ou da
intervenção sobre um erro. Cristalizados sob o estigma de “crianças-problemas” (PATTO,
2000), não conseguiam acreditar na própria possibilidade de mudanças e capacidade para
aprender.
Com relação à aprendizagem, os alunos demonstravam grandes dificuldades e
resistência para se expressarem através da linguagem oral e/ou escrita. A linguagem corporal
era a que prevalecia como mediadora em sua relação com colegas, adultos e com o próprio
conhecimento.
Segundo Cordié (1996), a criança diante da situação de fracasso escolar
[...] reage por meio de distúrbios do comportamento. Para compensar seu fracasso,
ela procura se fazer notar por outros meios que não os escolares [...]. As condutas
desviantes, se se perpetuarem, acentuam a rejeição. Da rejeição escolar, com a
revolta que se segue a ela, chega-se à rejeição social com as atitudes de
marginalização e de delinquência. O jovem desde agora se fez uma “reputação”,
alguma coisa da qual lhe será muito difícil sair foi fixada (p. 33).
O impacto que a escola exerce na vida da criança vai além do relacionado ao seu
desenvolvimento intelectual. A entrada na escola introduz a criança em outro
contexto social, no qual um novo papel lhe é reservado e novas expectativas lhe são
atribuídas acerca de seu próprio desenvolvimento (p. 02).
Nesse sentido, era extremamente importante criar espaços e tempos para os alunos
expressarem seus pensamentos e sentimentos na tentativa de romperem com uma autoimagem
negativa e voltarem a acreditar na sua capacidade de aprender. Com isso, esperava que eles se
abrissem para a (re) construção de novas perspectivas do trabalho escolar. Isso porque, como
assevera Ciampa (1994):
Para tanto, juntamente com outro professor que trabalhava com esta turma, desenvolvi
um projeto pedagógico com o qual procurava abordar as várias facetas que compõem um
currículo (SILVA, 1999): a avaliação participativa e formativa; a construção da rotina
pedagógica com a participação dos alunos; a busca de uma relação diferente com as famílias,
recuperando a sua crença na capacidade de seus filhos aprenderem os conhecimentos
ensinados na escola; a utilização das várias formas de linguagem e a ressignificação dos
conteúdos utilizando-os a serviço da experiência escolar dentre outras questões. Nosso
objetivo era considerar os alunos como sujeitos corresponsáveis pelo processo de ensino-
aprendizagem.
Ao final do semestre, os alunos haviam modificado sua relação com o conhecimento e
somente três alunas ainda não dominavam a base alfabética da escrita. Mais uma vez, um
grupo de alunos não conseguiu avançar na alfabetização, como os demais colegas. Essa
situação somada às leituras, reflexões e diálogo com colegas de escola, possibilitaram
constatar que os alunos que não avançavam demonstravam ter o intelectual preservado e, por
isso, não acreditávamos se tratar de dificuldades inerentes a algum tipo deficiência, as quais
seriam a resposta para a sua não alfabetização. Surge então a hipótese de que as dificuldades
poderiam ser de ordem emocional, uma vez que em determinadas situações, tais alunos
conseguiam apresentar respostas diferentes das habituais. Outro aspecto observado por mim e
também relatado pelos professores, com os quais conversava, é que percebíamos que os
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alunos que não se alfabetizavam também não sabiam ler e escrever seu nome ou se recusavam
a fazê-lo; no entanto, não conseguíamos avaliar e compreender o porquê de tal fenômeno.
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Não pretendo discorrer sobre as diferentes abordagens sobre as causas do fracasso escolar, pois já há uma
bibliografia extensa sobre o tema.
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conseguem utilizar as letras esvaziadas de sentido, como afirma Lacan (1962), ou somente
como letras que são, segundo Ferreiro (1982), para a produção de outras palavras.
O resultado da pesquisa do mestrado pode ser confirmado durante minha participação
no Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanalise e Educação-NIPSE, realizando
intervenção pedagógica com alunos de escolas da Rede Municipal de Ensino de Belo
Horizonte, no período de 2007 a 2010. Esta intervenção fazia parte do projeto de parceria
entre o NIPSE e a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte com o objetivo de
intervir junto às escolas que apresentaram Índice de Desenvolvimento da Educação Básica -
IDEB, abaixo do esperado. O projeto era composto de várias ações, tais como: conversação
com professores; conversação com turmas de alunos; entrevistas clínicas; entrevista com
familiares, teatro-conversação com jovens e intervenção pedagógica. Todas as ações eram
circunscritas sob orientação psicanalítica.
No caso das ações direcionadas aos alunos, estes eram indicados por seus professores
e pela coordenação por apresentarem grandes dificuldades de aprendizagem e
comportamento. Alguns alunos somente participaram da entrevista clínica ou da intervenção
pedagógica. Porém, houve aqueles que, a partir de uma ou outra ação, participaram das duas.
Um princípio que conduzia a intervenção pedagógica era não ter acesso ao que de singular era
apresentado pelo aluno durante as entrevistas clínicas, evitando-se, assim, a contaminação da
intervenção pedagógica pelo discurso clínico. A intenção era que, mesmo inconscientemente,
não ocorresse um processo de enquadramento dos dizeres dos alunos ao quadro clínico por
parte da pesquisadora.
A intervenção pedagógica foi realizada com aproximadamente 180 alunos, entre 8 e
15 anos, de 6 escolas das periferias de Belo Horizonte. Os alunos participantes da intervenção
pedagógica eram indicados por seus professores devido apresentarem grandes dificuldades na
alfabetização ou, ainda, não estarem alfabetizados. A princípio, o número de indicados foi
maior, entretanto, diante de uma lista de indicação, realizava-se uma avaliação para identificar
o nível de escrita destes alunos, priorizando aqueles que ainda não dominavam a base
alfabética da escrita. A média era de 30 alunos por escola, divididos em grupos de 3 a 6, em
cada. A intervenção ocorria semanalmente e, quando necessário, eram realizados encontros
individuais.
Uma marca recorrente nos dizeres da maioria dos alunos era acreditarem que não
sabiam nada e erravam tudo. A simples intervenção pedagógica, com o objetivo de mostrar
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aos alunos em que seus pensamentos sobre a escrita estavam corretos, bastava para mudar,
significativamente, suas respostas nas atividades posteriores. A possibilidade de se verem
capazes de aprender levou os alunos a apresentarem seus impasses de ordem pedagógica. As
questões mais recorrentes foram:
a) demonstrar desconhecimento da função social da escrita;
b) demonstrar desconhecimento sobre a relação fonema/grafema;
c) não saber diferenciar o que seria sílaba e palavra. Esta ideia encontrou eco na
pronúncia acentuada das sílabas;
d) não saber a diferença entre palavra oral e escrita;
e) demonstrar desconhecimento das letras do alfabeto e do que seria ordem alfabética;
f) apresentar a ideia de que cada sílaba é representada por uma única letra (antes) ou por
duas (pós domínio da base alfabética), como se prosseguissem na hipótese silábica da
construção da escrita;
g) compor as sílabas oral e corretamente, mas registrá-las de maneira silábica;
h) utilizar o nome da letra para representar uma sílaba;
i) escrever as palavras utilizando as sílabas canônicas ou regularizando as não-
canônicas;
j) utilizar os diferentes traçados de letra: impressa maiúscula e minúscula e cursiva,
como se fossem línguas distintas. Aqui encontrou-se o ponto de resistência à
aprendizagem da maioria dos alunos e um aspecto que interferia, substancialmente, na
maneira de utilizarem seus conhecimentos sobre o código escrito, no momento de suas
produções;
k) demonstrar existir diferença entre nomear e identificar as letras. Este foi um
ensinamento específico de um aluno que nos mostrou que era possível identificar as
letras e suas funções na construção das palavras sem, no entanto, saber nomeá-las.
Mesmo não tendo as condições de intervenção pedagógica adequadas, com que o
diagnóstico clínico-pedagógico foi realizado na pesquisa do mestrado, foi possível observar
que alguns impasses dos alunos, sob minha intervenção pedagógica, eram de uma outra
ordem que não a conceitual-pedagógica.
Diante do impasse para escrever, ao serem questionados, cerca de 90% dos alunos,
além de terem grandes dificuldades na alfabetização, apresentaram impasses na leitura ou
escrita do seu próprio nome, além de desconhecerem várias informações contidas em sua
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pedagógico; analisar a partir de seus dizeres, de que ordem seriam seus impasses para se
alfabetizarem e intervir sobre aqueles que sugerirem ser de ordem conceitual-pedagógica.
O diagnóstico clínico-pedagógico somente será aplicado quando o aluno apresentar
algo de particular na realização das atividades do processo de alfabetização a tal ponto que o
impeça de avançar. O referido diagnóstico, de inspiração psicanalítica, tem por objetivo
“identificar o estatuto da dificuldade em duas esferas distintas: uma conceitual-pedagógica e
outra relativa à economia subjetiva do aluno”. (SANTIAGO, 2005, p. 29).
Considerações Finais
REFERÊNCIAS
CIAMPA, Antonio C. Identidade. In: Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1994, p.58-75.
CORDIÉ, Anny. Os atrasados não existem: psicanálise de crianças com fracasso escolar.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
CORREA, Jane, MACLAEN, Morag. Aprendendo a ler e escrever: a narrativa das crianças
sobre a alfabetização. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica. v. 12, n.2. Porto alegre, 1999.
SANTIAGO, Ana Lydia. A inibição intelectual na psicanálise. Rio de janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2005.
SILVA, Marlene Maria Machado. Os alunos da sala 11. In: Revista Presença Pedagógica,
72ª edição, nov/dez 2006, p.16-33.
WEISZ, Telma. Por trás das letras. São Paulo: FDE. Diretoria de Projetos Especiais, 1992.
104 p.