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O autor, de início, conclui que existem ordenamentos simples e os

complexos e que, naturalmente, o ordenamento jurídico é complexo


devido as suas variadas fontes e quantidade infinitas de normas que
sempre estão sendo introduzidas. Por isso, ele considera um instrumento
meramente didático a imagem do legislador e dos súditos, sendo esse
aparato muito mais complexo de ser compreendo.

De maneira metafórica, Bobbio invoca as estruturas familiares


para explicar a dinâmica do direito: a figura do pai ocupa papel de
legislador, mas que todavia, não tem capacidade de definir sozinho as
regras, buscando a tradição familiar de seus antepassados e, também
delegando poder familiar à mulher ou ao irmão mais velho
eventualmente; além disso, destaca-se as religiões monoteístas, as quais
da mesma maneira Deus delega aos homens a produção das regras.
Isso mostra a figura complexa do direito que se abarca em inúmeras
fontes normativas, inúmeros ordenamentos.

Devido a essa situação, é perceptível que nenhum poder é capaz


de satisfazer todas as regras de conduta sozinho, o obrigando a recorrer,
além das fontes diretas do ordenamento, as fontes indiretas: a de
receber as normas já existentes de diversos ordenamentos anteriores a
ele; e a de delegar poder de produzir normas jurídicas a poderes ou
órgãos inferiores.

No caso da recepção, Bobbio recorre aos costumes para


exemplificar como se busca em fontes precedentes já formuladas e
estabelecidas (como as consuetudinárias) o reconhecimento do valor
jurídico de determinada lei. Ainda, ele questiona que o costumes também
sejam de teor de delegação afirmando que não há como definir
claramente uma instituição capaz de produzir normas de costumo, tendo
elas caráter difuso.

No que se refere a delegação, trata-se do regulamento, que como


a Lei, são de caráter geral a abstratos, mas se divergem pelo fato do
Poder Legislativo delegar ao Executivo, com normas gerais, a função de
tornar aquelas normas executáveis. Fazendo um paralelo, a mesma
dinâmica se detecta nas normas constitucionais e as leis ordinárias,
seguindo uma hierarquia que vai das leis específicas (abaixo), mais
numerosas, até afunilar nas leis gerais (acima), menos numerosas.

Além disso, traz-se a questão difusa do poder de negociação.


Podendo ela ser: reconhecida se for considerada a autonomia privada, o
qual o Estado reconhece aos particulares ditarem normas por si só, sem
a interferência estatal (num ordenamento jurídico menor); ou delegada,
no caso de considerar o poder de negociação como delegado pelo
Estado aos particulares na regulação de seus interesses. Fica esse
dilema, portanto, se trata-se de um poder anterior ao Estado, ou
pertencente a gênese do Estado, como poder originário.

Tipos de fontes e formação histórica do ordenamento

Nota-se que nessa questão cabe compreender sobre a estrutura


e formação do ordenamento jurídico. Para isso é necessário partir de um
referencial que é o poder originário, ou seja, aquele que justifica o
ordenamento jurídico e o dá unidade. É sabido que um sistema em que
todas as normas se derivam dele torna-o um ordenamento simples. O
que não é o caso do ordenamento jurídico, que bebe de dois movimentos
para sua constituir-se e também seu poder originário

1. De caráter receptivo, ao que se chama de limite externo do


poder soberano: no qual a sociedade civil em que se consolida
o ordenamento jurídico, não é natural, mas de vários tipos de
normas preexistentes (como a moral, social, religiosa etc.). Isto
é, o novo ordenamento que se consolida não está alheio a
essas normas que o precedem, as integrando na dinâmica
expressa ou tacitamente, o que também delimita os antigos
ordenamentos em razão desse.
2. De caráter delegado, ao que se chama de limite interno do
poder: o qual próprio poder originário atribui aos órgãos
executivos, por meio legislativo, “o poder de emanar normas
integradoras subordinadas”, como também dar ao meio
privado a regulação dos negócios jurídicos entre cidadãos.
Nessa caso ocorre a autolimitacão do poder soberano que tira
de si o poder normativo confere a outras entidades.

Nesse ínterim, Bobbio traz em voga o jusnaturalismo como forma


perceptível de explicação da complexidade do Estado e do ordenamento
na sua consolidação. Com a passagem da sociedade natural para a civil,
há uma análise no interior das teorias contratualistas. Na corrente
hobbesiana, o poder originário estatal é ilimitado, fundando todo o
ordenamentos jurídico - considera ,assim, que “o ordenamento é
concebido como se fizesse tábula rasa de todo direito preexistente”. Já
na corrente lockiana, pelo contrário, o poder estatal deve garantir o gozo
da sociedade aos direitos naturais – preexistentes, como vida,
propriedade, liberdade – de tal maneira que na sua gênese já está ele
limitado por tais direitos.

Embora enxergamos Hobbes como um juspositivista nato, é


inegável seu ponto de partida pelo jusnaturalismo Lara depois abandoná-
lo. Segundo Bobbio a ideia do contrato social se embasa na relação do
estado de natureza e a sociedade para; Hobbes, diz que o homem abre
mão dos direitos naturais e o poder originário instituído revoga essas leis
por suas próprias, as positivando.

Ao fim, há a retomada do dilema referente ao poder negocial


sendo ele “ora uma espécie de estado de natureza (Kant), ora como uma
delegação do Estado aos cidadãos”, o que mantém o impasse.

As fontes do direito

As fontes são atos e fatos para os quais o ordenamento jurídico


depende para a formulação de suas normas. Disso entende-se que não
importa quantas e quais sejam as suas fontes, mas sim que, “além do
ordenamento jurídico regular comportamentos, ele também regula os
modos pelo qual se devem produzir as normas*, ou seja, normas de
estrutura que “regulam o comportamento de produzir normas”

A isso Bobbio traz o exemplo de um ordenamento simples, como


o da família, com uma única fonte que diz que “o pai tem a autoridade de
regular a vida em família”. Observa-se que quando o pai renuncia sua
autoridade na vida escolar do filho e delega a mãe surge uma nova
norma que foi delegada pelo pai, nisso vê que não há conduta regulada
(do filho), mas quem deve estabelecer tais regulações. O mesmo se
aplica a um ordenamento mais complexo, como o estatal moderno nas
suas constituições, leis ordinárias.

Ademais, ao chamar as normas que prescrevem uma conduta -


omissiva ou comissiva – de imperativos de primeira instância, Bobbio
então chama as normas que comandam outras normas de imperativos
de segunda instância. Enquanto os de primeira instância são divididas
em 3 (permissivas, proibitivos e imperativas), os imperativos de segunda
instância são mais complexos e divididos em 9:

1. Normas que comandam comandar;

2. Normas que proíbem comandar;

3. Normas que permitem comandar;

4. Normas que comandam proibir;

5. Normas que proíbem proibir;

6. normas que permitem proibir;


7. Normas que comandam permitir;

8. Normas que proíbem permitir;

9. Normas que permitem permitir;

Construção escalonada do ordenamento

Mesmo que o ordenamento de origine a partir de múltiplas fontes,


isso não significa que ele não possui uma unidade. Não como o
ordenamento simples que possui uma única fonte, mas de uma forma
mais complexa.

Dessa maneira o autor parte de teoria de Kelsen, uma vez que


essa unidade se dá em boa parte levando em conta a hierarquia das
normas dentro de um ordenamento, isto é, as normas não ocupam o
mesmo plano, havendo as superiores e as inferiores que chegam ao seu
topo – como no vértice de uma pirâmide – naquela que é a norma
fundamental. É exatamente ela que dá a unidade ao ordenamento
jurídico (as demais normas se encontram espalhadas sem sua
presença), pois, por mais diversas que sejam as fontes do direito, elas se
resumem a essa única norma superior.

Já que a norma fundamental está no topo, na base estão os


contratos (particulares) e, mais abaixo, os atos executivos (que dizem
sobre do cumprimento de alguma norma – como os contratos). Em um
questionamento sobre a relação da norma em si mesma e a sua
execução, Bobbio entende na observância da hierarquia do
ordenamento, é notável que execução e produção são relativos. Isto é,
ao mesmo tempo que há a execução de normas superiores, há a
produção das inferiores.

Sendo assim, da mesma maneira que há uma relação de dever e


poder – não existe obrigação em um sujeito sem que exista o poder em
outro – também são correlatos produção e execução. Do ponto de vista
ascendente, aparecem os poderes e as normas da produção; já do
descendente, os deveres e as normas de execução. Dessa forma
havendo as exceções da norma fundamental – que só produz –, e os
atos executivos – que só executa.

Depois há a observação de que existem ordenamentos com


planos menores - como aqueles que as leis constitucionais e ordinárias
são formuladas pelo poder legislativo pelo mesmo procedimento, ou um
sem leis ordinárias, como também aqueles coletivistas que excluem a
propriedade privada, e, consequentemente o ordenamento do poder
negocial -, e planos maiores – como os estados federais, que têm seu
próprio Poder Legislativo, além do que é do Estado federal.
Limites materiais e formais

Existem dois tipos de “limites com que o poder superior


restringe e regula o poder inferior”: os materiais, relativos ao conteúdo
que o inferior está autorizado a emanar; e os formais, relativos à forma -
ou seja, são normas que estabelecem os procedimentos dos quais as
normas inferiores serão produzidas, como os artigos do código civil com
regras para a celebração de contratos que uma lei ordinária prescreve a
forma como se deve dar l poder negocial, que é uma norma inferior.

Isso é visível nos sistemas atuais, sendo que tanto se a norma


exceder os limites materiais, prevendo mais do que sua matéria permite,
ou formais, não seguindo os procedimentos previstos, ela pode se tornar
inválida.

Quanto ao conteúdo, seus limites podem ser positivos ou


negativos, ao passo que a constituição pode impor tanto que o legislador
estabeleça normas numa determinada matéria, quanto proíba esse
estabelecimento. Quanto aos limites formais, este trata “de todas as
normas que prescrevem o modo de funcionamento dos órgãos
legislativos” e é encontrado em todas as constituições, algo diferente do
que se vê nos limites materiais, que nem sempre se encontram nas
relações de constituição e lei ordinária, como se dá mas constituições
flexíveis. Há, todavia, no caso da passagem da lei ordinária para a
decisão judicial, ambos os limites legislativos presentes.

No que tange o juiz, se vê que há ambos os limites no caso que


ele chama de “juízos de equidade” – quando o juiz é autorizado a
resolver uma controvérsia sem recorrer a uma norma de lei
preestabelecida. O que é raro nos ordenamentos vugentes, tendo em
vista que normalmente os juízes seguem regras materiais e formais bem
estabelecidas. Mesmo naqueles em que o juiz tem liberdade criativa, a
matéria que regula o seu poder normativo deriva da lei escrita, e quando
muito, dos costumes e precedentes judiciais.

Por fim, Bobbio atesta que no caso das leis ordinárias para o
negócio jurídico – na autonomia privada -, o limite formal prevalece sobre
o material – os contratos prescrevem os procedimentos mais do que as
matérias em si. Além da falsa conclusão – vinda dessa tese da
autonomia privada – de que ao Direito interessa mais a maneira como os
homens fazem, o que é uma inverdade, como ele comprova com o
exemplo do testamento que tem limites de cota de patrimônio.
A norma fundamental

A norma fundamental não é expressa, ela sempre é tácita. Apesar


disso, é a partir dela que se produz o Poder Constituinte. Em outras
palavras, ela é uma construção teórica que dá fundamento ao poder
originário, um pressuposto que estabelecerá uma Constituição - e, por
conseguinte, dará início ao ordenamento jurídico, impondo a órgãos
poderes de fixar normas válidas, e aos referentes das normas deveres de
obedecê-las.

Ademais, seguindo a ideia de hierarquia das normas – o qual há


atributos de validade que a norma deriva no ordenamento e lhe propicia
existência - surge a questão do fundamento de validade da norma
fundamental. Bobbio sana o impasse sob dois ângulos distintos:

O primeiro, é que ela deve ser concebida como um ponto de


partida, um postulado lógico (assim como os princípios), do qual dá
sentido racional e seu fundamento como norma última, fechando o ciclo.
Isso confere unidade ao ordenamento (o que tange a hierarquia das
normas, consequentemente).

O segundo se refere no quesito da validade para buscar entender


se a norma faz parte do ordenamento. Se verificado isso, significa que
ela deve ser cumprida. Caso contrário, haverá uma sanção que será
aplicada pelo juiz, sendo ela relevante tanto na sua conduta quanto na do
cidadão. O poder legítimo de uma autoridade de estabelecer normas é
uma condição para a validade, o que dá tal poder e legitimidade retorna
sempre à sua ligação – direta ou indireta - na norma fundamental.

Todavia, Bobbio afirma que aceitar a norma fundamental como


postulado ainda não soluciona a questão de sua origem, por isso ele
entende que só se saberá isso quando for observado fora do sistema.
Quer dizer, devemos sair do cerne da dogmática jurídica e investigar em
outros campos do saber.

Para isso, Bobbio traz teorias externas que procuram o “poder


dos poderes”: a) a Teológica, que diz que o poder vem de Deus; b) a
Jusnaturalista: da qual o poder vem de uma lei natural que precede a lei
positivada pelo homem, advinda da razão comum humana; e c) a
Contratualista: onde o “poder constituído deriva de uma convenção
originária” chamada contrato social, há uma acordo originário entre os
entes da sociedade e aqueles em que o poder é confiado, o tornando
legítimo.

A questão, diz o autor, é que ambas as teorias fogem da


realidade e desviam o foco nas justificativas sem olhar o problema da
própria existência do ordenamento, revelando esse paradoxo muito mais
uma questão epistemológica do que ideológica do Direito.

Direito e força

Além das questões supracitadas, surge outro impasse que é


recorrente: ele não diz mais respeito sobre a existência da norma
fundamental, mas sim sobre seu conteúdo. Nisso emerge a sua ligação
com o poder originário e a sutil, mas importante diferença que Bobbio
elucida entre poder e força.

O poder originário pode ser entendido como aquele instaurado


por um conjunto de forças políticas que emergiram no poder e Integram
um novo ordenamento. Partindo desse pressuposto, argumenta-se que a
decorrência do sistema normativo ao poder originário pode resumir,
portanto, o Direito à força.

Bobbio discorda dessa tese afirmando, que não se pode confundir


poder com força, tendo em vista que, no que trata de poder originário, ao
ser instituído pela força, não está implícito o poder. Há, no caso, um
pouco de força, como também de consenso geral que coaduna se
submeter ao poder coercitivo que tem a força para fazer respeitar as
normas por ele produzidas. Dessa forma, conclui que a “força é um
instrumento necessária para se exercer o poder, mas não para justificá-
lo.” Isso significa que o uso da força está pressuposta no poder, não
como fundamento, mas como última ratio – como no uso legitimo do
monopólio da violência por parte do Estado.

Destarte, há também uma relação direta entre força e eficácia. Ao


se tratar do Direito como um conjunto de regras com eficácia
reforçada (diz-se reforçada porque a própria tradição/costume já cria
normas dotadas de alguma eficácia, num momento anterior ao direito
positivo). Aqui cabe distinguir o direito posto – o que é -, e o justo – o que
deve ser, muito confundidos no que diz respeito norma fundamental -
sendo que ela trata do direito como é.

Além disso, há outra forma de compreender a relação entre


direito e força que é a defendida por Kelsen e ampliada por Ross, eles a
entendem não como instrumento, mas como objeto do Direito. Nisso,
convenciona-se o direito como uma conjuntura de normas que regula o
exercício da força na sociedade. Há uma inversão das normas
secundárias – destinada ao judiciário e semelhantes – e primárias –
destinada aos indivíduos -, transformando as secundárias em “primárias”,
nesse raciocino essas normas que são sempre sanções, regulando atos
de força, nada mais é, em síntese, do que regular o exercício da força,
sentindo Kelsen e Ross
Em suma, discordando do pensamento dos autores acima,
Bobbio entende que essa definição se limita ao ponto de vista de
conteúdo, sendo que deve ser considerado o ordenamento como um
todo. Sendo assim, “é lícito dizer que há a formulação de regras pelo uso
da força (do indiscriminado ao limitado) não para o exercício da força.”
Quer dizer que o “o objetivo do legislador não é organizar a força, mas
sim organizar a sociedade por meio da força”. O que nos leva a perceber
o equívoco do “todo pela parte”, “do instrumento pelo fim”, no caso de
Kelsen e Ross, em relação ao ordenamento na sua umidade.

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