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Teoria do
ordenamento
jurídico
5 Teoria do ordenamento jurídico

Conforme anteriormente discutido, o diferencial entre a teoria do ordenamento jurídico


contemporânea e aquele presente no normativismo kelseniano está exatamente na preten-
são de Kelsen de criar uma Ciência Pura do Direito, na qual a ordem jurídica seria discutida
apenas em função da uma interação normativa, sem considerações a respeito de aspectos
histórico-valorativos relacionados ao direito.
Com base no pensamento jurídico de Hans Kelsen, é possível estabelecer uma correla-
ção entre a autoridade política do Estado e a existência de um ordenamento jurídico forma-
do por uma pluralidade de norma, relacionadas entre si.
Neste sentido, o traço estatalista e a preocupação sistematizante da teoria do ordena-
mento kelseniana são preservados.

ATENÇÃO
A Teoria do Ordenamento contemporânea se insere no parâmetro metodológico culturalista, que reco-
nhece o mérito do modelo estrutural proposto por Kelsen para o ordenamento, mas incursiona em uma
discussão a respeito do papel dos fatos e da moral na construção normativa da ordem jurídica.

Ordenamento jurídico e seus elementos constitutivos


A reflexão a respeito da estrutura do ordenamento jurídico passa pelo estudo da sua carac-
terização como um sistema de normas e por uma análise dos modelos de sistematicidade
jurídica existentes, como pressuposto de validação das normas jurídicas.

Ordenamento e sistema normativo

De modo geral, um sistema representa um conjunto dotado de uma estrutura e organiza-


ção determinados, que obedece a algumas características básicas, a saber:

PLURALIDADE Todo sistema tem como pressuposto a existência de mais de um elemento.


DE ELEMENTOS Caso se esteja tratando de apenas um elemento não há que falar de sistema.

INTERAÇÃO Para que exista um sistema, não basta a existência de diferentes elementos,
ENTRE OS sendo indispensável que exista uma correlação entre eles, para que se integrem
ELEMENTOS de algum modo.
Além de se relacionarem, os elementos formadores de um sistema devem fa-
HARMONIA ENTRE
zê-lo de modo harmônico. O atrito entre os componentes do sistema finda por
OS ELEMENTOS
comprometer a sua própria estabilidade, podendo levar até ao seu perecimento.

Sistema Jurídico

Transpondo-se as características acima elencadas para o contexto do direito, o ordenamento


nada mais representa do que um sistema jurídico, cujos elementos são as normas jurídicas.

RESUMO
Diante de tal fato, pode-se concluir que o ordenamento jurídico é formado por diversas normas, que vigo-
ram em um mesmo Estado, havendo entre elas uma interdependência, servindo uma de fundamento de
validade para a outra, o que logicamente pressupõe a inexistência de contradições entre elas.

No curso da História do Pensamento Jurídico, são observadas duas concepções siste-


máticas, a saber:

Sistema Estático

Neste modelo a validade da norma é determinada pelo seu conteúdo, pelos valores nela conti-
dos. A validação da norma ocorre por um critério material, fundado na sua congruência com
um conjunto de premissas de ordem moral, pouco importando o conteúdo das outras nor-
mas que integram o sistema. Trata-se de um modelo sistemático de perfil horizontalizado,
em que a validade da cada norma é aferida individualmente e não de forma relacional. Este é
o traço característico dos sistemas do direito natural, nos quais a validade de cada prescrição
normativa é dada pela sua harmonização a conjunto de valores oriundos de uma ordem na-
tural. Desse modo, a norma é validada, se justa ou de acordo com a concepção de Direito Na-
tural cultuada em um determinado momento histórico: universalista, teológica ou racional.

Sistema Dinâmico

O Sistema Dinâmico representa o modelo do ordenamento jurídico de Hans Kelsen. Nele,


a validade da norma é determinada por critérios formais, não sendo determinada pelo seu
conteúdo e sim pelo grau de autoridade de quem a elabora.

ATENÇÃO
No sistema dinâmico, as normas derivam umas das outras por meio de sucessivas delegações de poder,
em um processo que se inicia com a Norma Fundamental kelseniana e que chega até as decisões judiciais
e manifestações de vontade de modo geral, formando a denominada “Pirâmide de Kelsen”.

Trata-se, portanto, de um sistema jurídico de perfil verticalizado, em que a validade da


norma decorre da sua compatibilidade com as normas hierarquicamente superiores no
ordenamento, sendo o conteúdo da norma utilizado apenas como parâmetro relacional, a
fim de verificar eventual incoerência entre as prescrições contidas em normas do mesmo
sistema, situação em que prevalecerá o comando contido na norma de maior hierarquia.

Modelo do sistema jurídico na atualidade

Dentro da ótica culturalista que predomina no pensamento jurídico contemporâneo, po-


de-se dizer que a visão sistemática do ordenamento jurídico se apresenta com uma estrutu-
ra predominante dinâmica, no que tange à hierarquização normativa e à interdependência
entre as normas, com traços estáticos, uma vez que hoje se reconhece a importância dos
valores para a dogmática do direito, que concretamente se expressam no interior do orde-
namento na forma de princípios de direito dotados de normatividade, extraídos da Consti-
tuição e das demais normas do ordenamento jurídico.

ATENÇÃO
Mesmo mantendo a fidelidade ao desenho do ordenamento proposto por Hans Kelsen, a leitura sistemá-
tica sobre ele hoje opera com uma espécie de juízo de validade das normas que nele vigoram fundado
em valores, diferentemente do que ocorria na Teoria Pura do Direito, que defendia uma leitura amoral do
ordenamento jurídico.

A validade do ordenamento jurídico


A soberania estatal em termos políticos pressupõe a
O ordenamento
supremacia do poder do Estado em relação a todos
jurídico apresenta-se os demais poderes existentes na sociedade e uma
como a expressão atuação em coordenação com os demais Estados na
formal do poder ordem internacional.
Juridicamente falando, a soberania do Estado se
soberano do Estado.
traduz pelo monopólio da criação e aplicação do direi-
to, de forma que serão válidas apenas as normas jurídicas chanceladas pelo Estado e, do
mesmo modo, somente poderão aplicar tais normas os tribunais dotados de autoridade
reconhecida pelo Estado (Jurisdição).
Dessa forma, não é o formato adotado pela norma que definirá a sua validade e, con-
sequentemente, o fato de integrar ou não o ordenamento jurídico, sendo o processo de
validação do direito uma decorrência de prescrições contidas no próprio ordenamento, a
partir da Constituição, não se podendo cogitar da possibilidade de um pluralismo jurídico,
uma vez que cada Estado comporta apenas a existência de um ordenamento jurídico.
Independentemente da questão conceitual sobre
sistema jurídico, previamente analisada, que pressu- Não há ordenamento
põe a existência de uma pluralidade de normas, na com uma só norma.
prática, se mostra impossível a existência de um ordenamento forma- AUTOR
do por apenas uma norma. Nesse sentido, pode-se dizer que mesmo em
um ordenamento mais simples, que contenha apenas um comando ju- Norberto Bobbio (1909-2004)
rídico, será verificada a presença de ao menos duas normas, pois toda Um dos principais intelectuais do Século
norma explícita pressupõe a existência de uma norma implícita. XX, o italiano Norberto Bobbio é autor
de inúmeras obras relevantes nos cam-

EXEMPLO pos do Direito, da Filosofia e da Ciência


Política, sendo uma referência obrigató-
É proibido matar, logo, é permitido não matar. ria no Direito sua Teoria do Ordenamen-
to Jurídico, na qual ele segue na trilha
Em sua Teoria do Ordenamento Jurídico, Norberto Bobbio identifica da sistematização das normas jurídicas
três possibilidades de se conceber um ordenamento composto de uma defendida por Hans Kelsen, mas sem o
norma única, que são, entretanto, inviáveis na prática, como será verifi- apego a uma Ciência Pura do Direito.
cado a seguir: A Teoria do Ordenamento de Bobbio
trava um rico debate entre as carac-
Uma norma de tal gênero é a negação de qualquer orde-
terísticas tradicionalmente atribuídas
namento jurídico, correspondendo ao estado de natureza
ao ordenamento (unidade, coerência e
TUDO É de Thomas Hobbes, em que não há limite à atuação das
completude) e os problemas sistêmicos,
PERMITIDO pessoas, sendo em realidade a expressão da inexistência
decorrentes na hierarquização normati-
do direito, cuja função é a de estabelecer balizas para a
va, das contradições entre as normas e
liberdade dos indivíduos, em prol da convivência social.
das lacunas no direito positivo.
Uma norma deste tipo tornaria impossível qualquer vida
social humana, a qual começa no momento em que o ho-
TUDO É mem, além das ações necessárias, está em condições de CONCEITO
PROIBIDO realizar algumas das ações possíveis. Qualquer conduta
positiva das pessoas seria antijurídica, o que ocasiona
Estado da natureza
uma inviabilidade concreta deste tipo de ordenamento. Estado de natureza em Thomas Hobbes
— representa uma fase hipotética, que
Também uma norma feita assim torna impossível a vida antecede à formação da sociedade polí-
TUDO É social, porque as ações possíveis estão em conflito entre tica, na qual Hobbes considera que todos
OBRIGATÓRIO si, e ordenar duas ações em conflito significa tornar uma os indivíduos vivem em plena liberdade,
ou outra, ou ambas, inviáveis na prática. sem qualquer limite à sua atuação. Em
uma situação como esta, não há que se
Uma vez constatada a existência de uma pluralidade de normas no falar na existência de Estado, tampouco
ordenamento jurídico e a natureza interativa da ordem jurídica, cabe na de direito. Para Hobbes, a sociedade
agora examinar outras questões relevantes na Teoria do Ordenamento política é resultado de um pacto original,
Jurídico, que se vinculam à necessidade de oferecer soluções para al- segundo o qual os indivíduos racional-
guns problemas surgidos em sua estrutura e que demandam mecanis- mente abrem mão dessa liberdade plena
mos técnicos de solução, a fim de garantir a sua estabilidade. no estado natural, em favor de um Poder
Inicialmente, a sistematicidade do ordenamento jurídico pressupõe Soberano, representado pela figura do
a coerência entre as suas normas, a fim de não gerar insegurança em re- Estado, em troca da proteção de sua
lação ao direito aplicável. Ocorre que, por vezes, sobretudo em sistemas vida, sua integridade, seu patrimônio, po-
jurídicos mais complexos, vigoram normas contendo comandos incom- tencialmente ameaçados pelos demais
patíveis entre si, gerando as chamadas antinomias jurídicas, que deve- indivíduos no estado de natureza.
rão ser solucionadas, de modo a preservar a coerência do ordenamento.
ATENÇÃO
De modo análogo, viu-se que o ordenamento jurídico é a expressão formal da autoridade política do Estado,
sendo único. Diante disso, faz-se necessário que a ordem jurídica ofereça solução para todas as questões
jurídicas surgidas a partir do convívio social, o que caracteriza a chamada completude do ordenamento.

Ocorre, contudo, que algumas situações do mundo da vida escapam à previsão legis-
lativa, dando origem ao fenômeno das lacunas normativas, que também comprometem a
estabilidade do ordenamento jurídico e demandam o desenvolvimento de procedimentos
técnicos para o seu preenchimento.

Hierarquia e constitucionalidade das leis


As normas de um ordenamento não estão todas em um mesmo plano. Há normas superio-
res e inferiores. As normas inferiores dependem das superiores. Subindo das normas in-
feriores até aquelas que se encontram mais acima na estrutura do ordenamento, chega-se
enfim a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre
a qual repousa a unidade do ordenamento: a Norma Fundamental.
Todo ordenamento possui uma Norma Fundamental que dá unidade a todas as outras
normas; isto é, faz de normas esparsas um todo unitário, que se pode chamar de ordena-
mento jurídico.

RESUMO
Em outras palavras, apesar de numerosas, as fontes do direito, em um ordenamento complexo, constituem
uma unidade pelo fato de que, direta ou indiretamente, todas as fontes do direito nele reconhecidas podem
ser deduzidas dos princípios contidos na Norma Fundamental.

Relação de produção e execução entre as normas

A Teoria do Ordenamento Jurídico como um todo se organiza em torno de uma premis-


sa de autoridade política estatal, que terá uma projeção formal na correlação hierarqui-
zada entre as normas jurídicas, havendo normas de
maior peso, situadas topograficamente nos estratos Enquanto a produção
mais elevados da alegoria piramidal de Hans Kelsen, de outras normas é
e outras a elas subordinadas, que se encontram mais a expressão de um
próximas da base. poder, a execução
Na mecânica de funcionamento da ordem jurídi-
revela o cumprimento
ca, tal diferença em termos de autoridade normativa
será expressa pelo que se chama de relação de pro- de um dever.
dução e execução entre as normas.
PRODUÇÃO
Normas superiores fundamentam as inferiores.
COMENTÁRIO
(PODER)
Executiva em relação à norma superior.
EXECUÇÃO
Normas inferiores executam os comandos das superiores.
(DEVER) Produtiva em relação à norma inferior.

Geralmente se representa a estrutura hierárquica do ordenamento


por meio de uma pirâmide. Nela, o vértice é ocupado pela Norma Funda- CONCEITO
mental e a base é constituída pelos atos executivos. Ao se partir do alto
para baixo da pirâmide, veremos uma série de processos de produção Regulamentos
jurídica. Ao se olhar de baixo para cima, será vista uma série de proces- Os regulamentos executam as leis ordi-
sos de execução jurídica. nárias e são de natureza produtiva em
relação às manifestações de vontade.
PRODUÇÃO
NORMA FUNDAMENTAL

CONSTITUIÇÃO

LEIS

REGULAMENTOS
EXECUÇÃO

Em uma estrutura hierárquica, como o ordenamento jurídico, os ter-


mos execução e produção são relativos, porque a mesma norma pode
ser considerada, ao mesmo tempo, executiva e produtiva.
As leis ordinárias são executórias em relação à Constituição e produ-
zem os regulamentos.
Todas as normas de um ordenamento são, a uma só vez, produtivas e
executivas, à exceção daquela no grau mais alto (Norma Fundamental),
que tem apenas caráter de produção e das situadas na base da pirâmide
que não dão origem a outras normas, sendo meramente de cunho exe-
cutivo em relação às normas superiores.

EXEMPLO
São exemplos de normas com caráter apenas de produção: decisões judiciais, atos
jurídicos etc.

Limites do Poder Normativo

Quando a Constituição atribui a um órgão inferior um poder normativo


não o faz de forma ilimitada, estabelecendo os limites dentro dos quais
ele poderá ser exercido. À medida que se percorre do topo para a base a
COMENTÁRIO pirâmide do ordenamento, se observa que o poder normativo é mais res-
trito, exatamente porque as normas inferiores atuam dentro do espaço
Exceda os limites materiais que lhes é franqueado pelas normas superiores.
Uma norma inferior que excede os li- Os limites com os quais o poder superior restringe e regula o poder
mites materiais regula matéria diversa inferior são relativos ao conteúdo e relativos à forma, chamados de limi-
daquelas que lhe foram assinaladas ou tes materiais e de limites formais, respectivamente:
de maneira diversa daquela prescrita, ou
mesmo, excede os limites formais. CONCEITO
Dizem respeito ao conteúdo da norma que a autoridade
em posição hierarquicamente inferior tem competência
para editar. Por exemplo: quando a lei constitucional atri-
LIMITES
bui aos cidadãos o direito à liberdade religiosa, limita o
MATERIAIS
conteúdo normativo do legislador ordinário, ao vedar a
edição de leis que tenham por conteúdo a supressão ou
restrição da liberdade religiosa.

São constituídos de todas aquelas normas da Constitui-


ção contidas no capítulo sobre o Processo Legislativo,
que prescrevem o modo ou procedimento pelo qual as
LIMITES normas de hierarquia inferior podem ser editada pelos ór-
FORMAIS gãos legislativos, no que se refere à inciativa do processo
legislativo, tramitação de projetos e quórum de aprova-
ção, competência para legislar sobre determinada maté-
ria, entre outra questões.

Uma norma inferior que exceda os limites materiais, isto é, que não
siga o procedimento estabelecido, é passível de ser declarada ilegítima e
de ser expurgada do sistema, sendo considerada, no primeiro caso, mate-
rialmente inconstitucional e no segundo, formalmente inconstitucional.

Norma Fundamental e Poder Constituinte

A leitura culturalista do ordenamento jurídico permite uma aproxima-


ção entre a Teoria do Ordenamento Jurídico e a Teoria da Constituição,
uma vez que é possível adentrar a discussão a respeito da natureza da
Norma Fundamental, diferentemente do que ocorria no normativismo
de Hans Kelsen.
Esta norma suprema representa um pressuposto lógico da validade
das normas do ordenamento jurídico e representa exatamente o con-
junto das concepções ideológicas, filosóficas e morais que vão determi-
nar o seu conteúdo.
COMENTÁRIO CURIOSIDADE
Nesta seara, o conceito de Poder Constituinte, a ser estudado de detalhadamente na Hermenêutica constitucional
disciplina da Direito Constitucional, fornece uma contribuição preciosa para o debate Estudo dos processos de interpretação
da Teoria do Ordenamento. aplicados às normas da Constituição,
que compreendem regras propriamente
O Poder Constituinte é aquele poder de fato, oriundo de circunstân- ditas e princípios jurídicos dotados de
cias históricas determinadas, normalmente de uma revolução, que se normatividade.
apresenta ilimitado, não havendo qualquer direito pretérito a ele oponí-
vel, e que servirá de base para a elaboração da Constituição, que repre-
senta o primeiro documento formal do ordenamento jurídico.
Clara é a convergência entre os conceitos de Norma Fundamental e
de Poder Constituinte, ambos pressupostos para a própria existência do
ordenamento jurídico, sendo o primeiro normalmente analisado sob o
prisma de seu papel no funcionamento da estrutura hierarquizada da
ordem jurídica e o segundo dentro da preocupação com as relações reais
de poder na sociedade, que têm o seu retrato no texto da Constituição.
São, portanto, conceitos que vêm sendo conjugados na investigação
contemporânea do ordenamento jurídico, sobretudo tendo-se em vista
os estudos da hermenêutica constitucional, que reconhecem que a nor-
matividade constitucional é formada por regras e princípios dotados de
caráter normativo, que exigem para a materialização de sua normativi-
dade uma contextualização histórico-social.

Sistema e ordenamento jurídico à luz da


Constituição brasileira

A visão sistemática do Direito

A visão sistemática do ordenamento tem relevantes repercussões de ordem


prática, que se expressam por meio de diferentes processos técnicos de
aplicação. No estabelecimento de uma correlação lógica entre as normas
jurídicas e na preservação da integridade do ordenamento faz-se necessária
a utilização de alguns critérios técnicos de base doutrinária e previstos ex-
pressamente em lei, no direito brasileiro, que serão em seguida analisados.
Na hermenêutica constitucional contemporânea, a Constituição é con-
siderada como um conjunto normativo formado por regras e por princípios
jurídicos. As regras têm a sua normatividade aferida de imediato, pelo en-
quadramento do caso concreto na hipótese prevista no comando jurídico.
Há, contudo, comandos constitucionais que são a expressão de prin-
cípios por meio de dispositivos da Carta Constitucional. Nestes casos,
tais normas-princípios terão a substancialidade de sua incidência nor-
mativa dada a partir da prática do direito, principalmente dos tribunais.
CONCEITO Os princípios constitucionais irradiam os seus efeitos por todo o orde-
namento jurídico, qualificando a interpretação a ser atribuída às regras
Disposições formalmente cons- infraconstitucionais, de Direito Civil, Penal, Processual etc., fornecendo
titucionais as bases do conceito de Constituição material, que seria formado exata-
Disposições formalmente constitucio- mente a partir da visão unificada das disposições formalmente constitu-
nais são aquelas contidas no texto da cionais e as demais normas que compõem o ordenamento jurídico.
Constituição.
ATENÇÃO
CONCEITO A visão integrada das normas do ordenamento jurídico pressupõe que a supremacia
hierárquica da Constituição não seja base apenas para a aferição de uma compati-
Completude bilidade vertical entre as normas, com a exclusão do sistema daquelas contrárias ao
Completude significa ausência de lacu- texto constitucional, mas também abra a possibilidade da utilização da interpretação
nas no ordenamento jurídico das normas infraconstitucionais à luz dos princípios constitucionais como um me-
canismo de harmonização não apenas formal das normas do ordenamento jurídico,
mas também de uma integração, sob a ótica de sua finalidade, que é extraída dos
princípios implícita e explicitamente presentes na Constituição.

Preservação da completude do ordenamento jurídico

Um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma


norma para regular qualquer caso que se lhe apresente. Segundo o dogma
da completude, não há caso que escape à disciplina do sistema jurídico.
A noção de completude guarda íntima relação com as concepções sis-
temáticas sobre o direito, que partem exatamente da ideia de integração
entre as normas e da autossuficiência normativa do sistema jurídico.

CURIOSIDADE
Contexto histórico
Tal preceito remonta à Baixa Idade Média, com a concepção dogmática da Es-
cola dos Glosadores, da Universidade italiana de Bolonha, que no Século XII se
dedicou à retomada dos estudos das instituições do Direito Romano, que se per-
deram durante o período feudal. Para os referidos juristas o Direito Romano fun-
cionava como sistema normativo potencialmente completo, verdadeira expressão
escrita da Razão, do qual poderiam ser extraídos princípios hábeis à solução de
quaisquer situações novas.
Nessa mesma trilha caminhou o positivismo jurídico do Século XIX, que imaginou
ser possível criar uma disciplina exauriente da matéria jurídica, a partir dos códigos,
que nada mais eram do que grandes conjuntos centralizados de normas referentes
a uma determinada área do direito.
A problemática das lacunas surge exatamente quando as normas em EXEMPLO
vigor não são capazes de dar conta de todas as situações criadas pela
realidade social, o que leva a uma insegurança jurídica. Sistema jurídico aberto
Como resposta a este problema, a Teoria do Ordenamento Jurídico O sistema Jurídico aberto abrange di-
opera com o conceito de sistema jurídico aberto, anteriormente discuti- ferentes fontes de direito, tais como
do, que preserva a estrutura hierarquizada do pensamento kelseniano, princípios, jurisprudência, critérios de
mas admite a existência de aportes normativos, surgidos por meio de autointegração e aplicação, que serão
fatores axiológicos e fáticos, originariamente externos ao ordenamento, estudados posteriormente.
mas que agregam a ele critérios de resolução de questões jurídicas novas.

Regras da Completude no Brasil


A completude do ordenamento jurídico é muito mais do que uma mera
premissa metodológica ou doutrinária, sendo um elemento fundamental
para a garantia do monopólio da criação do direito por parte do Estado.

ATENÇÃO
Somente se pode restringir o direito às prescrições normativas criadas pelo Estado
quando se cria algum mecanismo gerador de normas naquelas situações não ante-
vistas pelo legislador.

REFLEXÃO
No direito brasileiro, vigoram normas que fornecem ao juiz o instrumental necessário
para que ele decida o caso concreto, mesmo nas situações em que não haja legis-
lação tratando do tema.
Não poderia ser de outra forma, porque no sistema pátrio o magistrado não pode
se recusar a julgar o caso, sob o argumento de lacuna ou obscuridade da lei e para
o julgamento. O julgador deverá se valer das chamadas fontes secundárias ou sub-
sidiárias de direito, que nada mais são do que instrumentos técnicos de aplicação,
voltados à garantia da completude do ordenamento jurídico.

As regras de completude do direito são exatamente aquelas contidas


nos artigos 126 e 127 do Código de Processo Civil:

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna


ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas
legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios
gerais de direito.
Art. 127. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
E no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):

Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e
os princípios gerais de direito.

RESUMO
A Teoria do Ordenamento Jurídico realiza um estudo da correlação existente entre as normas que vigo-
ram em um determinado Estado, lidando essencialmente com uma concepção sistemática, que tem como
pressuposto a existência de uma pluralidade de normas, que interagem de forma harmônica no interior do
ordenamento jurídico. Tal sistematização normativa concretiza também o chamado dogma da completude,
que consiste basicamente na impossibilidade da existência de situação de fato que escape à normativida-
de jurídica, ainda que seja preciso lançar de mecanismos técnicos de integração, para o preenchimento de
eventuais lacunas existentes no direito positivo.

ATIVIDADE
1. A completude do ordenamento jurídico tem como premissa a:
a) autossuficiência normativa da ordem jurídica.
b) eventual existência de antinomias jurídicas.
c) a permeabilidade do direito estatal a outras fontes de normatividade.
d) o caráter assistemático da ordem jurídica.
e) a não recepção pelo direito interno de normas internacionais.

2. Sobre o ordenamento jurídico como um sistema normativo, é possível afirmar que:


a) pode ser formado por apenas uma norma.
b) as normas se apresentam integradas.
c) inexiste uma hierarquia normativa.
d) admite-se a existência de lacunas normativas.
e) há somente limites materiais ao poder normativo.

3. Questão discursiva
No direito brasileiro, vigoram normas que fornecem ao juiz o instrumental necessário para que ele decida
o caso concreto, mesmo nas situações em que não haja legislação tratando do tema. Com base no estudo
efetuado nesta unidade, discorra sobre a completude do ordenamento jurídico e os instrumentos técnicos
de aplicação, voltados à sua garantia.

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