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Um breve resumo sobre a ABORDAGEM DA PESSOA COM ALCOOLISMO NA APS

Dia 20 de fevereiro é considerado o Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo e,


para reduzir os malefícios associados ao uso de tais substâncias, o Brasil conta com a Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS), formada por uma ampla rede de serviços, que atuam de forma integrada, para o
tratamento de pessoas com transtornos mentais e demais problemas associados devido ao consumo
de álcool e outras drogas (Figura 1).

FIGURA 1.

Muito mais do que um transtorno psiquiátrico, o alcoolismo é uma doença crônica


multifatorial que afeta não apenas seu portador, devido aos efeitos nocivos diretos do álcool sobre o
organismo, como desenvolvimento de outras doenças (cardiovasculares, neoplasias, cirrose), como
também leva a desvios de conduta prejudiciais a si a as pessoas ao seu redor, como maior
predisposição à violência, tabagismo, acidentes de trânsito e absenteísmo. Portanto, tratar do
alcoolismo exige o trabalho conjunto de uma equipe multiprofissional, capaz de atender as
necessidades biológicas, psicológicas e sociológicas destes tipos de pacientes. Estes podem chegar à
UBS ou ao Pronto-atendimento queixando-se de cefaleia, epigastralgia, dores nas pernas, tremores,
irritabilidade, ansiedade, insônia, perda de memória, depressão, problemas no trabalho ou conflitos
conjugais. Se sintomas leves, é possível o manejo por meio da prescrição de hidratação,
benzodiazepínicos (IV ou VO, nunca IM), aplicação de tiamina injetável (devido a desnutrição
provocada pelo álcool, que pode levar a carência de vitamina B1 e provocar a Síndrome de Wernicke-
Korsakoff, caracterizada pela tríade “distúrbio mental, marcha atáxica e nistagmo”), propranolol, para
os sintomas hiperadrenérgicos, fenobarbital ou carbamazepina, se convulsões, e Haloperidol ou outros
antipsicóticos, se sintomas psicóticos (Figura 2).
FIGURA 2.

Em casos graves, o indivíduo pode apresentar sinais de intoxicação etílica, como fala arrastada,
descoordenação motora, marcha vacilante, nistagmo ou rubor facial, ou então achados compatíveis
com síndrome de abstinência alcóolica (SAA) ou delirium tremens, como sudorese, febre, taquicardia,
náuseas, vômitos, hipertensão, agitação psicomotora e delírios ou alucinações. Nestas situações, o
profissional da saúde deve tomar o cuidado de manter a segurança dos demais e do paciente, reduzir
estímulos, conferir sinais vitais, avaliar doenças mentais prévias e o risco de suicídio. Sedativos devem
ser evitados pelo potencial risco de interação e evolução para insuficiência respiratória. No caso de
presença de delirium tremens, estado confusional agudo considerado uma emergência médica e
principal causa de morbimortalidade em quem sofre de alcoolismo, deve-se referenciar o paciente o
mais rápido possível para o manejo hospitalar. Outras contraindicações para o manejo ambulatorial
do indivíduo alcoolista estão listadas abaixo (Figura 3).
FIGURA 3.

Após estabilização do quadro e diante da suspeição de alcoolismo, devido a presença de algum


dos sintomas citados e história clínica condizente, o profissional da saúde pode utilizar-se do CAGE,
um questionário rápido e fácil de ser aplicado para rastreamento de alcoolismo. CAGE é o mnemônico
em inglês para as quatro perguntas que compõem o exame e, se resultado igual ou maior a 4 pontos,
há uma chance de 95% de abuso ou dependência de álcool. O teste funciona da seguinte forma:

C  se refere a cut off e sugere que se faça a seguinte pergunta: “você já achou que deveria
diminuir seu consumo de álcool?” (se sim, ganha 2 pontos)

A  se refere a annoyed e sugere que se faça a seguinte pergunta: “as pessoas já o


aborreceram por falarem do seu hábito de beber?” (se sim, ganha 2 pontos)

G  se refere a guilty e sugere que se faça a seguinte pergunta: “você já se sentiu mal ou
culpado por beber?” (se sim, ganha 2 pontos)
E  se refere a eye opener e sugere que se faça a seguinte pergunta: “você já teve de tomar
um drinque logo que acordou para firmar seus nervos ou se livrar de uma ressaca?” (se
sim, ganha 2 pontos)

Outra ferramenta diagnóstica rápida e facilmente disponível é o AUDIT (Alcohol Use Disorders
Identification Test), mostrado na Figura 4, no qual se baseia em 10 questões para avaliar o nível de
gravidade da doença e, assim, auxiliar na melhor conduta terapêutica, descritas na Tabela 1.
Pontuações entre 0 e 7 são consideradas de “baixo risco”; de 8 a 15, considera-se uma transposição
“de baixo a moderado risco”; de 16 a 19, é risco “moderado”; e acima de 19, trata-se de “alto risco”.
FIGURA 4.
TABELA 1.
É importante que o profissional da saúde tenha em mente os diferentes estágios de mudança
durante o tratamento, sabendo passar condutas adequadas para cada situação, conforme
exemplificadas na Figura 5.

FIGURA 5.

Embora a venda e consumo de álcool sejam legalmente permitidos, qualquer ingesta alcoólica
é nociva ao organismo, e como forma de facilitar o entendimento da gravidade em termos práticos,
considera-se como consumo de alto risco mais do que 4 doses por dia (ou 14 doses por semana) em
homens adultos, e mais do que 3 doses por dia (ou 7 doses por semana) em mulheres ou idosos, como
mostra a Figura 6. Tais médias são em relação a um indivíduo de aproximadamente 70 kg e a
porcentagem alcóolica de cada dose varia conforme o tipo de bebida, como representada pela Figura
7, elaborada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).
FIGURA 6.

FIGURA 7.
Indivíduos alcoolistas carregam consigo muitos estigmas sociais, pois, assim como os demais
transtornos mentais, ainda há importante resistência social em se reconhecer o alcoolismo como um
problema de saúde, o qual requer cuidados e apoio familiar. Os próprios profissionais da saúde, ao
fazerem um pré-julgamento pelo fato do indivíduo ser alcoolista, podem não avaliar corretamente a
presença de um fator orgânico durante a emergência psiquiátrica, ou então confundir agitação
psicomotora com ansiedade, por exemplo. Por isso, como enfatizado pelo Núcleo de Telessaúde do
Rio Grande do Sul, “é importante que o profissional não ‘rotule’ o usuário como alcoólatra ou drogado,
porque isto pode afastá-lo do atendimento, podendo este se sentir rejeitado, se percebendo como uma
pessoa inferior, inadequada ou não merecedora de atenção e cuidados”.

Referências:

1) Gustavo Gusso, José Mauro Ceratti Lopes, Lêda Chaves Dias. Tratado de medicina de família e
comunidade: princípios, formação e prática. 2019, 2e, vol. I e II, p. 6449 – 6452.

2)https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/transtornos-por-uso-de-alcool-no-adulto/atencao-
psicossocial-especializada/planejamento-terapeutico/#pills-avaliacao-inicial

3) https://aps-repo.bvs.br/aps/como-prestar-assistencia-a-um-paciente-alcoolatra/

4) https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/transtornos-por-uso-de-alcool-no-adulto/definicao/

5)https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/transtornos-por-uso-de-alcool-no-adulto/atencao-
psicossocial-especializada/acompanhamento-orientacoes-complementares/#pills-acompanhamento

6) https://cisa.org.br/sua-saude/informativos/artigo/item/48-definicao-de-dose-padrao

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