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A Farsa de Inês Pereira

Rafael Castro & Finn - 10E


Contexto Sócio-cultural
A “Farsa de Inês Pereira”, escrita por Gil Vicente no início do século XVI em Portugal, surgiu num contexto
sociocultural influenciado pelas mudanças trazidas pelo Renascimento. Sob o reinado de D. Manuel I, Portugal
vivenciava uma época de expansão marítima e comércio global, contribuindo para o enriquecimento econômico
do país.
Nesse cenário, a estrutura social era hierarquizada e fortemente moldada por normas sociais e religiosas. A
sociedade era patriarcal, impondo às mulheres limitações em termos de educação, oportunidades profissionais e
participação na esfera pública. O casamento era central na vida das mulheres, muitas vezes determinado por
questões de status social e alianças familiares. As mulheres eram esperadas a desempenhar papéis tradicionais
de esposas e mães.
O teatro, incluindo as farsas de Gil Vicente, tornou-se um meio importante de entretenimento na época. As peças
frequentemente refletiam e comentavam sobre a vida cotidiana, proporcionando uma plataforma para crítica
social e reflexão.
A “Farsa de Inês Pereira” destaca-se por sua abordagem satírica e crítica em relação ao papel da mulher na
sociedade renascentista portuguesa. A personagem Inês Pereira é uma representação caricatural das mulheres
que buscavam ascensão social através do casamento, sendo utilizada por Vicente para explorar e questionar as
expectativas sociais da época.
“Farsa” e “Auto”
No teatro renascentista português, dois termos essenciais que definem géneros
específicos são "farsa" e "auto", cada um com as suas particularidades distintas.

A "farsa" surge como um género teatral Por sua vez, o "auto" refere-se a um tipo específico
caracterizado pela comédia e sátira. Este estilo de peça teatral, frequentemente associado a
dramático destaca-se por situações festividades religiosas ou cívicas. Os autos, na
extravagantes, personagens caricatas e um tom sua essência, possuem uma dimensão moral e
humorístico que, muitas vezes, utiliza a sátira alegórica, muitas vezes incorporando elementos
social e o exagero para entreter e criticar aspectos simbólicos e religiosos. Estas peças eram
da sociedade. Na época renascentista, a farsa concebidas não apenas para entreter, mas também
frequentemente abordava temas morais e sociais, para transmitir ensinamentos morais e espirituais
tornando-se uma ferramenta de reflexão crítica. ao público.
A "Farsa de Inês Pereira" de Gil Vicente não se limita a ser
apenas uma comédia teatral, mas constitui uma crítica
social perspicaz, especialmente voltada para o papel da

Objetivo da mulher na sociedade da época.


Ao longo da trama, Gil Vicente tece uma sátira envolvente,
dirigindo críticas aos padrões matrimoniais predominantes

obra na sociedade renascentista portuguesa. A personagem


central, Inês Pereira, é apresentada como uma figura
caricatural que representa as mulheres movidas por
aspirações superficiais, desconsiderando elementos
essenciais como amor e parceria genuína. Nesse sentido, a
peça denuncia a superficialidade de certas uniões e expõe
as pressões sociais que as mulheres enfrentavam para
garantir o seu estatuto por meio do casamento.
O humor desempenha um papel crucial na transmissão
dessas críticas, tornando a peça acessível e envolvente. A
sátira e a ironia presentes na farsa não apenas entretêm o
público, mas também servem como instrumentos
poderosos para questionar as normas sociais vigentes de
maneira incisiva.
Estrutura interna e externa
A "Farsa de Inês Pereira," escrita por Gil Vicente, apresenta uma estrutura externa e interna que
contribuem para a compreensão e impacto da obra.

Externa Interna
A estrutura interna destaca personagens centrais, como Inês
A peça é dividida em atos e cenas, seguindo a típica
Pereira, que simbolizam arquétipos sociais e contribuem para a
estrutura do teatro renascentista. Esta divisão facilita a
sátira e crítica social propostas por Vicente. A construção
organização das diferentes partes da narrativa,
desses personagens é fundamental para a transmissão efetiva
permitindo transições e desenvolvimentos mais claros.
das mensagens da peça.

A estrutura externa tradicional inclui uma introdução que Os diálogos e monólogos são essenciais para a revelação
estabelece o cenário e os personagens, um desenvolvimento da trama e das características dos personagens. A
que avança a trama e uma conclusão que resolve os conflitos, linguagem coloquial utilizada por Gil Vicente contribui para
oferecendo uma mensagem final. Isso proporciona uma a autenticidade e proximidade com a audiência,
progressão lógica e coerente na narrativa. enriquecendo a experiência teatral.

Gil Vicente incorpora intermezzos e entradas, pausas na A estrutura interna é permeada por elementos de ironia e
ação principal, para inserir elementos cômicos, música e sátira, evidenciando-se na construção das situações e nos
dança. Esses momentos adicionam variedade à estrutura desdobramentos da história. Através desses elementos, a
externa da peça, oferecendo intervalos divertidos e obra de Vicente transcende o mero entretenimento,
criativos. oferecendo uma crítica social afiada e provocativa.
A "Farsa de Inês Pereira" de Gil Vicente apresenta um retrato satírico e

A representação humorístico do quotidiano da sociedade portuguesa do século XVI.


Através de situações habilmente inseridas na trama, a peça proporciona
uma visão vívida das dinâmicas sociais e comportamentais da época.

do quotidiano A busca de Inês Pereira por um casamento que lhe garanta uma vida
confortável reflete as práticas comuns na sociedade renascentista, onde a
união matrimonial era frequentemente utilizada estrategicamente para
ascensão social e económica. Ao negligenciar aspectos emocionais em
favor de interesses materiais, a personagem ilustra as pressões e as
convenções sociais prevalentes.
A peça também satiriza as expectativas sociais em relação às mulheres,
evidenciando a superficialidade e vaidade de Inês Pereira. Seu desejo por
uma vida sem esforço pessoal, guiado por convenções sociais, representa
uma crítica às limitações impostas às mulheres na busca por realização
pessoal naquela época.
A inclusão de personagens de diferentes classes sociais, como o
escudeiro e o frade, proporciona uma visão abrangente das relações
hierárquicas e das disparidades económicas existentes na sociedade da
época. As interações entre esses personagens destacam as
complexidades das estruturas sociais e as diferenças entre as classes.
Assim, por meio de situações do quotidiano inseridas na trama, Gil Vicente
não apenas diverte seu público, mas também oferece uma análise
perspicaz e provocativa das normas sociais, expectativas e
comportamentos da sociedade renascentista portuguesa.
A "Farsa de Inês Pereira" destaca-se não apenas como uma comédia
teatral, mas como uma obra impregnada de sátira afiada, capaz de

a dimensão
desvelar e criticar os aspetos mais cômicos e contraditórios da sociedade
renascentista portuguesa do século XVI.
A sátira na peça manifesta-se através da caracterização de
personagens caricatos que representam estereótipos sociais. Inês

satírica Pereira, com sua obsessão por um casamento conveniente, é uma figura
que satiriza as mulheres que buscavam ascensão social sem considerar
aspetos emocionais.
A crítica ao casamento por interesses materiais é uma linha condutora da
sátira na obra. Vicente expõe a superficialidade da busca por status
social sem considerar elementos essenciais do relacionamento,
fornecendo uma crítica social direta à prática comum na sociedade
renascentista.
A vaidade feminina é outro alvo da sátira na peça, representada pela
própria Inês Pereira. A obsessão da personagem por uma vida fácil e
confortável, guiada por convenções sociais e vaidade, é satirizada como
um traço cômico, mas que também carrega uma crítica às expectativas
impostas às mulheres na época.
Os diálogos entre os personagens, permeados por elementos satíricos e
linguagem coloquial, servem como veículos eficazes para expressar as
críticas sociais presentes na obra, tornando a sátira não apenas uma
fonte de humor, mas uma ferramenta penetrante para analisar e
questionar a sociedade da época.
Análise do provérbio
O provérbio "Mais quero asno que me leve do que cavalo que me derrube", presente na "Farsa de
Inês Pereira", reflete a sabedoria popular ao expressar uma preferência por algo modesto e seguro
em vez de algo grandioso e potencialmente perigoso. No contexto da peça, este provérbio pode
ser interpretado como uma crítica à busca desenfreada por estatuto social e riqueza, sugerindo
que é mais sensato optar por opções seguras e estáveis, mesmo que aparentemente modestas.
Na "Farsa de Inês Pereira," de Gil Vicente, é evidente a
representação satírica e crítica da figura feminina na
sociedade renascentista portuguesa do século XVI.
A figura feminina
Inês Pereira, como personagem central, desempenha um
papel crucial na trama, incorporando estereótipos e
expectativas sociais impostos às mulheres da época.
na peça
A obsessão de Inês por um casamento que lhe garanta
uma vida confortável destaca a pressão sobre as
mulheres para assegurar segurança financeira por meio
de uniões estratégicas, refletindo a realidade social da
época.

A figura da Mãe na peça desempenha um papel


significativo como voz de sabedoria, refletindo as
tradições e normas sociais da época. Em conjunto, as
personagens femininas na "Farsa de Inês Pereira"
oferecem uma visão aguda e humorística das
complexidades e desafios enfrentados pelas mulheres na
sociedade renascentista portuguesa
Linguagem
Na "Farsa de Inês Pereira" de Gil Vicente, a utilização da linguagem familiar desempenha um papel
fundamental na construção da atmosfera e na representação das personagens. A peça, escrita no
início do século XVI em Portugal, destaca-se pelo uso de uma linguagem coloquial e próxima do
quotidiano, conferindo autenticidade e acessibilidade à obra.
Estrutura interna e externa
A "Farsa de Inês Pereira" de Gil Vicente é marcada pela utilização de diversos recursos expressivos que
enriquecem a narrativa, contribuindo para a sátira, o humor e a crítica social presentes na obra. Alguns
dos principais recursos expressivos incluem:

Comparação:

"coitada, assi hei-de estat


encerrada nesta casa
como panela sem asa."

Interrogação retórica:

"E assi hei-de estar cativa


em poder de desafios?
Hui! e que pecado é o meu,
ou que dôr de coração"

Ironia

"Logo eu adevinhei
lá na missa onde eu estava
como a minha Inês lavrava
a tarefa que lhe eu dei..."

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