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Análise da “Farsa de Inês Pereira” – Exame

► Contextualização histórico-literária

Entre o final da Idade Média e as primeiras manifestações do Renascimento em


Portugal, ou seja, no período que corresponde ao último quartel do século XV, início do
século XVI, há um autor que se destaca no panorama literário português: Gil Vicente.
Autor de transição entre os dois períodos referidos, a sua obra é disso reflexo, bem
como de uma grande diversidade, plasticidade e até modernidade, em alguns aspetos.

• Tendo vivido entre 1460-70 e 1540, a sua obra foi organizada por dois dos seus filhos,
que editaram a Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente.

• Foi no ambiente da corte que produziu a sua obra dramática, tendo a primeira – o Auto
da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro – sido representada em 1502.

• Até 1536, ou seja, ao longo de 34 anos, Gil Vicente terá escrito cerca de 50 peças (1).

De entre a sua vasta produção, centraremos a nossa atenção em duas obras, a saber:
a Farsa de Inês Pereira e o Auto da Feira.

Nota

• O Programa prevê a abordagem de apenas uma das peças vicentinas mencionadas: Farsa de Inês Pereira ou Auto da Feira.

O “pai do teatro literário português” colheu inspiração nas manifestações teatrais pré-
vicentinas, como os momos, os mistérios, as moralidades e os milagres, com as suas
temáticas profanas e religiosas. A Farsa de Inês Pereira é um exemplo de um auto
profano e o Auto da Feira é um exemplo de um auto religioso.

Deste elenco, constatamos que as obras dramáticas de Gil Vicente podem ser
agrupadas sob a designação de comédias, farsas ou moralidades. Trata-se de
uma classificação tripartida deixada pelo próprio Gil Vicente, mas que “não significa
que as obras incluídas em cada grupo apresentem uma perfeita homogeneidade entre
si” (1).

Gil Vicente viveu num tempo de mudança e as peças estudadas são um testemunho da
sociedade portuguesa do século XVI.

Se a época de ouro das Descobertas trouxe novos conhecimentos, novas culturas, novos
hábitos, trouxe igualmente novos problemas, pois à volta da corte gravitam muitos
parasitas da sociedade, para além de a pequena nobreza não trabalhar (porque considera
que o trabalho é indigno) e por isso estar cada vez mais pobre, ainda que mantenha uma
postura de arrogância.

No fundo, chega-se à conclusão de que a riqueza, o luxo e a ostentação resultantes dos


Descobrimentos tiveram como contraponto a decadência dos costumes e dos valores,
a degradação moral e humana, que Gil Vicente tão bem captou e espelhou na sua obra
através das chamadas personagens-tipo.
Assim, se, por um lado, a sua obra é o “acabamento das melhores tradições do teatro
medievo europeu” 1, revelando uma religiosidade pura e tradicional, articulada em
torno de questões como o Bem e o Mal, o Céu, o Inferno, a salvação, a ordem do
mundo, por outro lado, já “participa […]de uma incipiente atmosfera humanista e
renascentista”, patente, por exemplo, na crítica social, na sátira comportamental, na
postura anticlerical, denotando que Gil Vicente é um homem atento ao que o rodeia e é
um homem do seu tempo.

► Natureza e estrutura da obra: a farsa:

Tendo em conta a classificação tripartida de Gil Vicente sobre as suas obras


– farsas, comédias e moralidades –, a peça que vamos agora estudar é uma farsa.
Convém, porém, referir que na Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente o título que
surge é Auto de Inês Pereira, o que se explica pelo facto de, na Idade Média, o termo
“auto” se aplicar a qualquer peça de teatro.

A farsa, presidida pelo mote já referido, pode ser resumida da seguinte forma:

“Inês Pereira, uma jovem caprichosa e ambiciosa, vê-se pressionada a casar com Pêro
Marques, o “asno”, lavrador simples e sem cultura, mas está encantada pelo galante
combatente Brás da Mata, que encarna o “cavalo”. É neste momento de escolha de
pretendentes (e suas consequências) que se centra a mais famosa farsa escrita por Gil
Vicente e, sem dúvida, uma das mais divertidas e satíricas da vida quotidiana do seu
tempo.”

Sendo Gil Vicente um artista da corte, esta farsa tinha como fito divertir o rei, a sua
família e, naturalmente, os cortesãos.

A farsa, enquanto género, apresenta características próprias e que estão presentes no


auto vicentino:

Características do género
Farsa de Inês Pereira
farsa
• Curta extensão – • O texto vicentino não é muito extenso (1116 versos) e,
normalmente, a peça apresenta quanto à sua estrutura externa, não está dividido nem
apenas um ato e não tem em atos nem em cenas, embora exista uma estrutura
divisão cénica tripartida (introdução, desenvolvimento, conclusão.
• Representação de “cenas da • O texto vicentino apresenta, através da sátira,
vida profana” através da várias cenas da vida profana, tais como:
sátira
› a realização de trabalhos domésticos, nomeadamente a
costura, atividade de que Inês não gosta;

› a intervenção de uma Alcoviteira, que dá a conhecer a


Inês Pereira um possível marido – Pêro Marques;

› o casamento de Inês Pereira com o Escudeiro e os


festejos que então ocorreram;
› a ida do Escudeiro para a guerra;

› o casamento de Inês Pereira com o lavrador Pêro


Marques.
• Estas e outras cenas retratam a vida
quotidiana daquela época, em especial a de figuras que
• Reprodução do “ambiente se enquadram no ambiente popular – a Mãe de Inês
popular” da época e de Pereira é referida como uma “mulher de baixa sorte” e
flagrantes da vida quotidiana as restantes personagens integram-se claramente nesse
ambiente (a Alcoviteira, os Judeus, o Lavrador, o
Escudeiro, o Moço, o Ermitão).
• A peça revela um conflito entre forças opostas, entre
mãe e filha – Inês Pereira, uma jovem “muito
fantesiosa”, deseja casar com um “homem
• Apresentação de um conflito discreto” e “que saiba tanger viola”. A Mãe, porém,
entre “forças opostas”, no mais experiente, deixa-lhe alguns conselhos: “Não te
âmbito das relações sociais apresses tu, Inês, / maior é o ano qu' o mês”; “Muitas
(pais/filhos; amos e criados; vezes, mal pecado, / é melhor boa simpreza”.
marido e mulher)
• Inês replica, mostrando até alguma aspereza para com
ela: “Que tendes de ver co isso? /Todo o mal há de ser
meu”.
• Estrutura que pode ir da mais
simples intriga • A intriga desta peça tem um princípio, um meio e um
à “justaposição de episódios”, fim, sendo, por isso, mais complexa, quando comparada
ou até uma intriga mais com a de outras farsas; de facto, podemos reconstituir
complexa “com princípio, toda uma história e não apenas um episódio.
meio e fim”
• Em cena, há um número muito reduzido de
personagens, algumas das quais
consideradas personagens-tipo, isto é, personagens que
• Número reduzido de representam um determinado grupo social e/ou
personagens – podendo estas profissional, o seu modo de agir, os seus
ser o “retrato vivo de certos comportamentos, como é o caso da Alcoviteira, dos
tipos” ou personagens que Judeus, do Escudeiro, do Moço.
apresentam já “uma vivência
psicológica acentuada” (2) • Porém, nesta farsa, encontramos também uma
personagem com uma vivência psicológica mais densa e
cujo comportamento sofre, inclusive, alguma variação –
Inês Pereira.

► Caracterização das personagens

Relações entre as personagens:

O estudo das personagens será feito tendo em conta:


• o papel que desempenha na intriga – personagem principal, secundária ou figurante;

• as características (qualidades, defeitos, modo de ser e de agir) que lhe podem ser
atribuídas, em função de uma caracterização:

› direta – feita de modo explícito pela própria personagem, por outra(s) ou por
informação apresentada nas didascálias;

› indireta – deduzida pelo leitor/espectador a partir das atitudes e do comportamento


das personagens;

• qual a relação que estabelece com as restantes personagens.

Relativamente ao papel que cada personagem desempenha, convém referir que muitas
das figuras desta farsa, à semelhança do que se verifica em outros textos vicentinos,
representam um determinado grupo social e/ou profissional, naquilo que ele tem de sui
generis, de particular, em termos de comportamento. São, por isso,
consideradas personagens-tipo, figuras que encarnam uma maneira de ser comum ao
grupo a que pertencem e que, por essa razão, não expressam densidade psicológica nem
dinamismo. São personagens planas, com uma vida interior estática. No entanto, são
fundamentais para a dimensão satírica de que se reveste esta obra de Gil Vicente, como
veremos posteriormente.

Inês Pereira:

Inês Pereira é a protagonista da farsa, já que toda a intriga se desenvolve em torno do


seu desejo de casar (para ascender socialmente e ter mais liberdade) e das escolhas que
faz nesse sentido.

Logo de início, esta figura feminina surge-nos como alguém muito descontente com a
vida que leva:

“Renego deste lavrar

e do primeiro que o usou;

ao diabo que o eu dou,

que tão mau é d’aturar.

Oh, Jesu! Que enfadamento,

e que raiva e que tormento,

que cegueira, e que canseira!

Eu hei de buscar maneira


d’algum outro aviamento.” (1)

(1) Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira, Porto: Porto Editora, 2014

Inês sente-se “cativa” da vida doméstica que leva e gostaria de ter a mesma vida que
outras jovens, que têm uma vida mais folgada. Nessa medida, representa um grupo
social com uma forma de estar, de pensar e de se comportar típica. No entanto, como
veremos, é uma personagem que apresenta densidade psicológica e que vai evoluir ao
longo da peça.

Sendo “muito fantesiosa”, Inês constrói uma imagem idealizada de marido:

“Porém, não hei de casar

senão com homem avisado(2), Gil Vicente, Op. cit.

ainda que pobre pelado(3), (2) Sabido.

seja discreto em falar.” (3) Sem vintém.

“Leixai-me ouvir e folgar,

que não m’hei de contentar Gil Vicente, Op. cit.

de casar com parvoíce. (4) Sabido.

Pode ser maior riqueza

que um homem avisado?

A Mãe e a Alcoviteira, Lianor Vaz, tentam orientá-la, mas Inês mostra-se decidida e
irredutível nas suas opiniões: “Folgaste vós na verdade / casar à vossa vontade? / Eu
quero casar à minha”.

Assim, Inês acabará por aprender às suas custas, como, aliás, a própria o
afirmara: “Que tendes de ver co isso? / Todo o mal há de ser meu”. De facto, numa
primeira fase, enganada pelo Escudeiro Brás da Mata e pela sua aparência, Inês opta
pelo pretendente mais galante, que representa o “cavalo” do mote inicial da peça.
Depressa, porém, percebe a má escolha que fizera e arrepende-se.
Constata-se, pois, uma mudança de atitude da parte da protagonista, que revela,
inclusive, um plano futuro a fim de se vingar do sucedido.

Depois de ter sido “derrubada” pelo “cavalo”, Brás da Mata, Inês escolhe a
personagem que representa o “asno”, o Lavrador Pêro Marques, pois, tendo aprendido
por experiência própria – “Sobre quantos mestres são / experiência dá lição” –,
reconhece que:

“Quero tomar por esposo

quem se tenha por ditoso Gil Vicente, Op. cit

de cada vez que me veja. (5) Senso comum.

Por usar de siso mero(5), (6) Fogoso.

asno que me leve quero,

e não cavalo folão.(6)

Antes lebre que leão,

antes lavrador que Nero.”

Dos exemplos dados, conclui-se que as características apresentadas sobre esta


personagem foram, sobretudo, depreendidas a partir daquilo que ela diz ou faz, ou seja,
trata-se de uma caracterização indireta. No entanto, algumas personagens apontam
características a Inês Pereira. Por exemplo, a Mãe afirma que ela é preguiçosa e
pergunta-lhe: “Como queres tu casar / com fama de preguiçosa?”, reforçando, assim,
um traço do carácter da filha que já poderia ser intuído através do seu monólogo inicial.
Neste caso, estamos perante uma caracterização direta que é feita por outra personagem
– heterocaracterização. A própria Inês Pereira também se autocaracteriza, quando, por
exemplo, afirma “Mas eu, mãe, sam aguçosa”.

Mãe

Esta “mulher de baixa sorte” (caracterização direta, apresentada na didascália inicial),


bastante perspicaz (ver as respostas que dá à Alcoviteira, quando esta relata o seu
encontro com um clérigo), manifesta opiniões totalmente discordantes das da filha
relativamente ao casamento e ao marido que esta deveria escolher. Analisando as suas
falas, repletas de provérbios e de expressões populares, e as suas atitudes
– caracterização indireta –, podemos dizer que a Mãe é a voz do bom senso, da razão
e também da experiência: “Mata o cavalo de sela, / e bom é o asno que me leva”,
“Muitas vezes, mal pecado, / é melhor boa simpreza”.

A Mãe quer ajudar Inês, daí que, ao saber da proposta da Alcoviteira, elogie a filha,
caindo mesmo no exagero de dizer – “Hui! E ela sabe latim, / e gramática e
alfaqui (sábio muçulmano – a Mãe pensa que esta palavra designa uma ciência difícil,
por isso não a utiliza adequadamente), / e tudo quanto ela quer.”

Por outro lado, dá conselhos a Inês, sempre que um dos pretendentes a vai visitar,
mostrando, assim, o seu cuidado, a sua preocupação. Outras vezes, coloca perguntas à
filha, esperando dessa forma levá-la a refletir e a ponderar melhor sobre o seu futuro,
fazendo referência à necessidade de garantir um futuro seguro em termos monetários e
aludindo à vantagem de ter um marido trabalhador, do mesmo nível social.

O discurso da Mãe incorpora, no fundo, a crítica ao desejo de promoção social tão


comum na época. Inês não quer casar com um seu igual, isto é, com um homem da
mesma classe, mesmo que este seja, como Pêro Marques, “um bom marido, / rico,
honrado, conhecido” e que não pretenda dote (“em camisa vos quer”). Almeja, sim, o
matrimónio com alguém da corte, com um homem que toque viola, que seja galante e
saiba falar.

A Mãe, porém, é mais realista e interessa-se pela condição económica do Lavrador, daí
o cómico de linguagem na referência ao morgadio – “De morgado (7) é vosso estado? /
Isso viria dos céus!”. Ainda assim, Inês decide casar com o Escudeiro, pelo que, à Mãe,
nada mais resta senão aceitar e abençoar a união, preparando uma festa e deixando a
filha entregue ao marido.

A partir do casamento, a Mãe não volta a aparecer, como se a sua missão já tivesse sido
concluída e “todo o mal” fosse agora responsabilidade da escolha que Inês fez.

(7) Primogénito, herdeiro de todos os bens familiares.

Lianor Vaz:

Esta personagem-tipo, uma Alcoviteira, é uma mulher cujo ofício consistia também em
“arranjar” casamentos, apresentando pretendentes. Assim, é ela quem dá a conhecer
Pêro Marques a Inês e à sua Mãe, considerando-o “um bom marido, / rico, honrado,
conhecido” e esse casamento abençoado – “Eu vos trago um casamento / em nome do
Anjo bento”.

Lianor Vaz partilha das opiniões da Mãe quanto à escolha que Inês devia fazer e
expressa-o através de expressões populares: “Filha, ‘No Chão do Couce, / quem não
puder andar choute.’ / ‘Mais quero eu quem m’adore, / que quem faça com que
chore’”.
Porém, tal como a Mãe, a Alcoviteira não consegue, inicialmente, convencer Inês a
optar pelo Lavrador e é só após a morte do primeiro marido de Inês que Lianor Vaz
aparece e aconselha-a novamente, chamando a atenção para as vantagens económicas de
tal união.

Com Lianor Vaz também se denuncia o comportamento devasso do clero, através do


encontro com o clérigo que a assedia, o que constitui um exemplo de crítica social.

Pêro Marques:

Retrato fiel do camponês, do homem rústico e simples, Pêro Marques é uma


personagem-tipo e aparece como o primeiro pretendente, aquele que, apesar de todos os
elogios feitos pela Alcoviteira, é desprezado por Inês Pereira.

Esta, aliás, não hesita em caracterizá-lo de uma forma bastante negativa e sarcástica,
tecendo comentários pejorativos sobre ele quer às outras personagens quer ao público,
através de apartes:

• “Viste tão parvo vilão? / Eu nunca tal coisa vi / nem tanto fora de mão.”

• “(Oh, Jesu! Que João das bestas! / Olhai aquela canseira!)”

Esta caracterização direta (heterocaracterização) decorre dos comportamentos e


atitudes que Pêro Marques revela não só antes de conhecer Inês (por exemplo, a carta
que lhe escreve, numa linguagem muito rudimentar), como no momento em que se
encontra com ela. Veja-se, por exemplo, a situação cómica que se cria quando Pêro
Marques, não sabendo para que serve a cadeira, se senta ao contrário (de costas) ou
quando procura, em vão, as peras no chapéu.

Neste caso, o leitor/espectador pode inferir outras características desta personagem


(caracterização indireta), um vilão, isto é, aquele que não é nobre.

Para além disso, Pêro Marques também se autocaracteriza como sendo um homem de
bem (“eu de bem er também”) e sério, decente (“como homem de bom pecado”). No
entanto, para Inês, estas qualidades não são de valorizar, antes pelo contrário. Atente-se,
por exemplo, na ridicularização que ela faz quando se apercebe do desconforto que Pêro
Marques sente ao estar sozinho com ela.

Por fim, a imagem do camponês inocente, ingénuo e desajeitado fica completa no


último episódio da peça, quando o vemos a transportar Inês, agora sua mulher, às costas,
levando-a ao encontro do Ermitão e entoando o verso “Pois assi se fazem as cousas”,
tal como Inês lhe pedira. Pêro Marques encarna, então, o papel de marido obediente,
crédulo (“I onde quiserdes ir, / vinde quando quiserdes vir, / estai onde quiserdes
estar”) e enganado pela mulher.
Escudeiro Brás da Mata

O segundo pretendente de Inês Pereira parece corresponder ao perfil que ela tinha em
mente para marido. Com efeito, fazendo jus aos rasgados elogios dos Judeus, o
Escudeiro, também ele personagem-tipo, parece ser um homem encantador, hábil com
as palavras e com os instrumentos musicais, como se autocaracteriza:

• “Sei bem ler, / e muito bem escrever, / e bom jogador de bola, / e quanto a tanger
viola, / logo me vereis tanger.”

Mas, na verdade, o Escudeiro é um homem falso, pretensioso, pelintra e prepotente,


traços caracterizadores que podem ser deduzidos a partir dos diálogos que trava com o
seu Moço (caracterização indireta) ou a partir dos apartes que este último produz
(caracterização direta):

“Esc. Moço, que estás lá olhando?

Moço Que manda Vossa Mercê?

Esc. Que venhas cá.

Moço Pera quê?

Esc. Por que faças o que eu mando!

Moço Logo vou.

(O Diabo me tomou:

sair-me de João Montês

por servir um tavanês,

mor doudo que Deus criou!)”

Concretizado o casamento, o Escudeiro revela a Inês a sua verdadeira personalidade,


como marido autoritário e insensível, impedindo-a de socializar ou de estar sequer à
janela, dando-lhe a liberdade de apenas ir à igreja.
Inês percebe, então, o engano em que caíra. Ela própria, depois de saber da morte do
Escudeiro às mãos de um pastor, quando fugia da batalha, traça o seu último e fiel
retrato, realçando a sua cobardia: “Guardar de cavaleirão / barbudo, repetenado, que
em figura d’avisado / é malino e sotrancão”

Personagens Caracterização e relações estabelecidas


• Desempenham um papel semelhante ao da Alcoviteira e têm por
missão apresentar a Inês o segundo pretendente: o Escudeiro Brás da
Mata.

• São personagens cómicas e recorrem a uma linguagem caricatural,


patente, por exemplo, nas hesitações do seu discurso ou no retrato
exagerado que apresentam do Escudeiro:

“Soubemos d’um escudeiro/ de feição d’atafoneiro,/ que virá logo


essora,/ que fala, e como ora fala,/ qu’estrugirá esta sala!/ E tange, e
como ora tange,/ e alcança quanto abrange/, e se preza bem da
gala.”;
Judeus – Latão
e Vidal
• Pertencem a um grupo – a comunidade judaica –, daí a linguagem
contribuir para a sua caracterização indireta como personagens-tipo
(vejam-se os versos da cantiga que Vidal entoa, aquando da cerimónia
de casamento de Inês com o Escudeiro, e que fazem parte dos rituais
judaicos).

• São gananciosos, pois, concretizado o casamento, exigem logo a


quantia de dinheiro devida.

• Funcionam como uma única personagem: um completa o outro, não


só ao nível do discurso, como também ao nível de atitudes e
comportamentos (“Tu e eu não somos eu?”).
• É criado do Escudeiro, acompanha-o ao longo da peça e é uma voz
crítica do amo.

• Leva uma vida dura, de pobreza e é maltratado:

Esc. Não dormes tu que te farte?


Moço
Moço. No chão e o telhado por manta […];

• É fiel, contudo, ao seu senhor, fazendo o que este lhe pede – por
exemplo, antes de partir para Marrocos, o Escudeiro ordena ao Moço
que vigie Inês Pereira. Este, embora a contragosto, cumpre o pedido.
Ermitão • É um ermitão que se distingue dos eremitas ou monges que viviam
isolados (num ermo) para se dedicarem inteiramente a Deus e que
viviam da fé e da caridade das pessoas que os ajudavam e os
Personagens Caracterização e relações estabelecidas
alimentavam; o seu Deus é Cupido, como ele próprio afirma.

• Seduz Inês Pereira e representa a vida de liberdade – “a boa vida” –


que a moça pretendia levar, com a aprovação do próprio marido, que
não vê maldade em nada.

• Representa uma crítica ao clero, à sua devassidão e à imoralidade.


Figurantes • Integram o grupo de moças e mancebos que festejam o casamento de
Inês Pereira com Brás da Mata, cantando e dançando.
Luzia
• São os únicos que falam, expressando a sua alegria e desejando o
Fernando melhor para os recém-casados, apesar da sua intervenção reduzida.

► A representação do quotidiano

Uma das características da farsa, enquanto género, é representar flagrantes da vida


quotidiana. Daí que na Farsa de Inês Pereira seja possível identificar vários episódios
que espelham os hábitos, os costumes, as crenças, os modos de vida das pessoas daquela
época, em especial aqueles que diziam respeito:

• ao casamento – o texto vicentino dá-nos a conhecer as conceções antagónicas de Inês


Pereira, da Mãe e de Lianor Vaz em relação a este assunto, para além de todo um
conjunto de aspetos relacionados com o casamento: a intervenção da Alcoviteira e dos
Judeus, os encontros com os pretendentes, as regras, o dote, a festa, a vida em casal;

• ao estatuto da mulher, sobretudo da mulher solteira – os casamentos eram, regra


geral, combinados, funcionando como um negócio entre duas partes, sem que a jovem
solteira tivesse qualquer participação. Neste caso, apesar de haver intermediários entre
Inês Pereira e os pretendentes, a última palavra é da protagonista, que, no entanto, não
consegue, com o primeiro casamento, alcançar aquilo que tanto desejava: libertar-se do
“cativeiro” da vida doméstica e ascender socialmente;

• à vida doméstica – acompanhamos a protagonista nos seus afazeres domésticos,


assumindo a postura típica da mulher do povo que trata da casa. No seu monólogo
inicial, Inês está em casa, a costurar; depois, já casada e fechada em casa, também
costura;
• à vida palaciana – apesar da vida de aparências que existia na corte e que está bem
espelhada no comportamento do Escudeiro, muitos eram os que ambicionavam fazer
parte desse mundo, como Inês. Ela quer “ouvir e folgar” e, por isso, pretende
inicialmente casar com um homem “discreto”, “avisado”, que saiba “tanger” viola;

• à vida do campo, simples, autêntica, mas pouco considerada – Pêro Marques


representa esse tipo de vida, em oposição à vida fútil, falsa da corte. Curiosamente, esta
vida simples, de trabalho, garante mais sustento que a vida ociosa dos fidalgos pelintras;

• à vida do clero – o encontro de Lianor Vaz com um clérigo devasso e o de Inês


Pereira com um Ermitão devoto de Cupido denunciam comportamentos imorais da parte
de elementos do clero.

► A dimensão satírica

O teatro de Gil Vicente é eminentemente satírico. Na realidade, um dos principais


objetivos do dramaturgo, ao escrever e encenar as suas peças, era chamar a atenção para
as mudanças que afetavam a sociedade de Quinhentos e que, na sua perspetiva, a
corrompiam, traduzindo-se em comportamentos viciosos como, por exemplo, o desejo
de promoção social das camadas mais baixas, o parasitismo da nobreza, o adultério, a
devassidão e a imoralidade do clero.

Estes comportamentos são denunciados, essencialmente, através das personagens-tipo e


do cómico. Efetivamente, a representação do quotidiano ganha uma outra projeção
graças às personagens-tipo. Na verdade, na sua individualidade de personagem, elas
incorporam modos de estar, de pensar e de sentir específicos de um grupo social e/ou
profissional que, assim, adquire mais impacto. Na Farsa de Inês Pereira, podemos
reconhecer os seguintes tipos:

• a Alcoviteira (Lianor Vaz) e os Judeus (Latão e Vidal) – figuras gananciosas que


agem com um fim económico;

• o Vilão (isto é, o homem do povo), lavrador (Pêro Marques) – personagem rústica,


serve para fazer rir a gente da corte, com a sua ignorância e simplicidade;
• o Escudeiro (Brás da Mata) – género de parasita, ocioso e vadio, que imita os padrões
da nobreza – toca guitarra, verseja, faz serenatas, finge-se bravo, mas é medroso e
explorador do Moço. Não trabalha e passa fome;

• o Ermitão – há uma desconformidade entre os atos e os ideais, pois, em lugar de


praticar a austeridade, a pobreza e a renúncia ao mundo, busca a riqueza e os prazeres
mundanos.

Em última análise, podemos ainda dizer que cada uma destas personagens ilustra um
determinado conjunto de defeitos e de vícios que Gil Vicente, através do seu olhar
perspicaz, queria criticar. Daí que as personagens-tipo sejam cruciais para a sátira social
que o dramaturgo pretendeu concretizar.

As personagens-tipo ajudam, pois, a compor o quadro do quotidiano e da sociedade à


época de Gil Vicente, permitindo ao dramaturgo expor e satirizar atitudes e valores,
muitas vezes através do riso. Nesse sentido, as personagens-tipo podem também
contribuir para o cómico.

O cómico é, aliás, outro instrumento de que Mestre Gil se serve para criticar os seus
contemporâneos. Com efeito, o teatro de Gil Vicente é o melhor exemplo da
máxima “ridendo castigat mores”, isto é, a rir castigam-se, corrigem-se os costumes.
Nesse sentido, ao criar personagens, situações ou discursos que fazem o público rir, o
dramaturgo pretende, com algum distanciamento e de uma forma divertida, pôr a
descoberto, muitas vezes ridicularizando, um comportamento, uma ação, um valor que,
na sua ótica, é moralmente condenável.

Na Farsa de Inês Pereira, podemos identificar exemplos de cómico de carácter,


de situação e de linguagem. Antes de analisarmos alguns, gostaríamos, porém, de
salientar que não raras vezes eles se entrelaçam, ou seja, o efeito cómico pode resultar
da personalidade da personagem e/ou da situação em que esta se encontra, bem como da
linguagem que utiliza.

Tipos de cómico Farsa de Inês Pereira


Cómico de carácter – assenta na Pêro Marques e o Escudeiro mostram, sem
personalidade, no modo de ser da sombra de dúvida, que são personagens
personagem, traduzindo-se, muitas cómicas. O primeiro é o retrato fiel do
vezes, na sua incapacidade para se provinciano desajeitado e desconhecedor das
integrar num determinado ambiente, convenções sociais; o segundo estava arruinado
Tipos de cómico Farsa de Inês Pereira
e era cobarde, embora aparentasse ser rico e
elegante.

Pêro Marques, quando visita Inês pela primeira


vez, revela imediatamente o seu lado cómico,
pois não se integra de maneira nenhuma no
ambiente urbano: por exemplo, não sabe para
que serve uma cadeira e senta-se ao contrário,
ficando de costas para as outras personagens em
cena; em vez de presentes elegantes, traz peras
para oferecer à jovem, mas não as encontra no
chapéu, onde apenas estão um pente, um novelo
e contas de vidro.

O Lavrador, contrariamente à conduta de outros


homens da cidade, mostra-se inquieto quando se
apercebe de que a Mãe de Inês os deixou a
sós: “Vossa mãe foi-se? Ora bem,/ sós nos
meio social
leixou ela assi?/ Cant'eu' quero-me ir daqui,/
não diga algum demo alguém...”

O desconcerto de Pêro Marques é ainda evidente


durante a cerimónia de casamento, denotando
uma vez mais que é um homem simples: “Há
homem empacho má hora/quanto a dizer
abraçar;/depois que a eu usar/ entonces poderá
ser.”

Quanto ao Escudeiro, a sua faceta cómica reside


precisamente no contraste que ele patenteia entre
o ser e o parecer, ou seja, entre aquilo que ele
revela quando está com o Moço (é pelintra,
autoritário, arrogante) ou com Inês, já sua
mulher (é severo, insensível), e aquilo que ele
manifesta quando primeiro a conhece (é afável,
cortês, galante).
Cómico de situação – baseia-se na Pêro Marques revela as suas atitudes
intriga, no próprio desenrolar dos desajeitadas, e que já foram abordadas.
episódios, que podem provocar
desencontros, contrastes, o inesperado Para além dele, outras personagens
ou o insólito protagonizam situações cómicas, como é o caso
dos Judeus. Ao quererem desenfreadamente dar
a conhecer a Inês Pereira o fruto do seu trabalho
e o pretendente encontrado, interrompem-se um
ao outro, repetem frases, mandam o outro calar-
se:

Vid. Judeu, queres-me leixar?


Tipos de cómico Farsa de Inês Pereira

Lat. Leixo, não quero falar.

Vid. Buscamo-lo...

Lat. Demo foi logo!

Outra situação cómica é a morte


do Escudeiro fanfarrão às mãos de um pastor
mouro, quando tentava fugir “da batalha pera a
vila / a meia légua de Arzila”. O comentário de
Inês Pereira, depois de saber da boa nova,
acentua esse lado cómico e a duplicidade do
Escudeiro: “Pera mim era valente, / e matou-o
um mouro só.”

Por fim, a cena final, mostrando Inês às costas


de Pêro Marques, que canta uma cantiga sobre
um “marido cuco”, isto é, traído, é toda ela
cómica, já que o Lavrador se comporta
verdadeiramente como o “asno” referido no
mote.
Cómico de linguagem – resulta da Pêro Marques, por exemplo, utiliza, na carta
desadequação do que é dito ou do que escreve a Inês, uma linguagem recheada de
modo como é dito relativamente ao termos e expressões provincianas, que provocam
contexto envolvente; pode ser o riso ao leitor/espectador e até mesmo à própria
produzido através da ironia, do protagonista quando a lê: “Viste tão parvo
sarcasmo, de apartes ou outros vilão'?/ Eu nunca tal cousa vi,/ nem tanto fora
comentários, de trocadilhos e jogos de de mão”.
palavras, de expressões populares, de
calão, entre outros meios No seu discurso, Pêro Marques recorre a uma
linguagem provinciana, por vezes confusa,
que serve, simultaneamente, para completar a
sua caracterização: “Mais gado tenho eu já
quanto,/ e o maior de todo o gado,/ digo maior
algum tanto.”

Também a linguagem dos Judeus é risível,


fruto sobretudo de o seu discurso ser
repetitivo e hesitante, mas também de registo
popular, assumindo até, por vezes, o
calão: “Foi a coisa de maneira,/ tal friúra e tal
canseira,/ que trago as tripas maçadas:/ assi me
fadem boas fadas/ que me saltou caganeira.”

As repetições pela ordem inversa ou como se


fossem um eco, para além das hesitações
sobre quem fala primeiro, acentuam o
Tipos de cómico Farsa de Inês Pereira

carácter cómico desta dupla.

A ironia está presente nas expressões usadas


por Inês para se referir a Pêro Marques,
especialmente nos seus apartes: “Ei-lo, se vem
penteando:/ será com algum ancinho?”.

Também é recorrente nas falas do Moço e nos


apartes que ele profere sobre o seu
amo: “(Como a rei, corpo de mi! Mui bem vai
isso assi.)”

Os trocadilhos e os jogos de palavras são outra


forma de criar um efeito cómico ao nível da
linguagem. Encontramos exemplos da sua
utilização no discurso do Moço e também no da
Mãe quando usa o verbo “conhecer” no sentido
literal do termo; já a Alcoviteira atribui-lhe o
sentido de “ter relações íntimas com
alguém: “Mana, conhecia-t'ele?/ Mas queria-me
conhecer!”.

Outro exemplo caricato ocorre quando a Mãe, já


entusiasmada com o possível casamento da filha,
julga ter ouvido Pêro Marques dizer que era
“morgado”, isto é, filho único ou filho mais
velho, portanto, com direito de herança. Mas
não. Afinal, embora rico, o Lavrador era apenas
possuidor da maior parte do gado.

► Linguagem e estilo

Para além de poder ser um elemento ao serviço da comicidade, a linguagem em Gil


Vicente é um importante elemento de caracterização das personagens. De facto, nos
seus textos, o dramaturgo procurou sempre adequar a linguagem de cada personagem ao
grupo social a que pertencia ou à atividade que desempenhava. Nesse sentido,
verificamos que na Farsa de Inês Pereira:

• Pêro Marques fala como lavrador que é, ou seja, de forma simples, provinciana e, por
vezes, até confusa, visto que não era instruído.
• Inês Pereira, a Mãe e Lianor Vaz falam como as mulheres do povo, recorrendo a
expressões populares e a provérbios (“ante a Páscoa vêm os Ramos”, “maior é o ano
que o mês”, “Mata o cavalo de sela / e bom é o asno que me leva”, “No Chão de
Couce, / quem não puder andar choute”, “Quem bem tem e mal escolhe, / por mal que
lhe venha não s’anoje”, “Antes lebre que leão”).

• Brás da Mata, como pretende enganar Inês, fala com ela de um modo galante, sendo
o seu discurso rebuscado e em tom hiperbólico (“Senhora, eu me contento / receber-vos
como estais; / se vós não vos contentais, / o vosso contentamento / pode falecer no
mais”); porém, com o Moço, já usa uma linguagem mais coloquial e agressiva (“Faria
bem de t’a quebrar / na cabeça, bem migada”), tal como fará com Inês, depois do
casamento (“Juro ao corpo de Deus / que esta seja a derradeira! / Se vos eu vejo
cantar, / eu vos farei assoviar…”).

• Os Judeus recorrem a uma linguagem de cariz popular e, a dada altura, para criar um
efeito de verosimilhança, usam mesmo fórmulas macarrónicas dos rituais judaicos
(“Alça manim dona, ó dona, ha, / arrea espeçulá, / bento o Deu de Jacob, / bento o
Deu que a Faraó / espantou e espantará”).

Por outro lado, tratando-se de um texto literário, está permeado de recursos expressivos
que lhe conferem novos sentidos, para além do óbvio. Assim, nesta farsa, podemos
identificar, entre outros, os seguintes recursos expressivos:

Ex.: “I-vos vós embora à guerra, / que eu vos


guardarei oitavas.” (Moço)

A “oitava” era a prestação que os lavradores


pagavam ao proprietário das terras. Só os
Ironia
grandes proprietários a recebiam. Ao proferir
esta frase, o Moço está a ser, naturalmente,
Manifestação através da qual se dá a
irónico, pois o Escudeiro não tem terras, logo,
entender o contrário do que se diz;
não pode receber nada.
por exemplo, o aparente elogio é, na
verdade, uma crítica.
Ex.: “Bem sabedes vós, marido, quanto vos
amo.” (Inês)

Inês profere estas palavras, mas vai encontrar-se


com o Ermitão.
Comparação Ex.: “Coitada, assi hei de estar / encerrada
nesta casa / como panela sem asa, / que sempre
Relação de semelhança entre duas está num lugar?” (Inês)
entidades/realidades, estabelecida por
Inês lamenta a sua sorte, comparando-se a um
objeto inútil.

Ex.: “Estareis aqui encerrada / nesta casa tão


uma expressão comparativa. fechada, / como freira d’Odivelas.” (Escudeiro)

Brás da Mata compara a situação de Inês – estar


fechada em casa – à clausura de uma freira, o que
acentua a “violência” da sua decisão.
Ex.: “E assi hão de ser logrados / dous dias
amargurados, / que eu possa durar viva?” (Inês)

Interrogação retórica A pergunta de Inês Pereira é uma mera forma de


ela continuar a expressar o descontentamento
Formulação de uma pergunta para a pela vida que leva.
qual, na verdade, não se pretende uma
resposta, mas apenas dar ênfase ao Ex.: “E nasceu-te algum unheiro / ou cuidas que
que se enuncia. é dia santo?” (Mãe)

Esta pergunta tem um tom irónico, pois a Mãe


pretende apenas que Inês abandone o seu ócio.
Ex.: “porque a moça sisuda / é uma perla pera
amar” (Mãe)

A Mãe, procurando ajudar a filha a causar boa


impressão ao Escudeiro, aconselha-a a mostrar-
se séria e reservada, para assim ser digna de
louvor, apreciada e valorizada, tal como uma
Metáfora
pérola.
Relação de semelhança, entre dois
Ex.: “Marido cuco me levades” “Sempre fostes
termos, sem a presença explícita do
percebido / pera cervo”(Inês)
elemento comparativo
(como, parecido com, etc.).
Inês refere-se a Pêro Marques como
marido “cuco”, pois, tal como a ave, ele repete a
mesma frase – “Pois assi se fazem as cousas”.
Apelida-o também de “cervo”, aproximando-o
deste animal que tem ramificações. Estas duas
metáforas salientam, portanto, a sua condição de
marido traído.
Metonímia Ex.: “Renego deste lavrar” (Inês)

Emprego de um termo que, por uma O termo “lavrar”, neste contexto, é sinónimo de
relação semântica ou de proximidade, costurar. Ora, com esta afirmação assertiva, Inês
pode designar outro, através de uma está não só a manifestar o seu profundo
relação entre a parte e o todo, o desagrado relativamente à costura (a “parte”),
continente e o conteúdo, o signo e o mas a toda a vida doméstica (“todo”) de que a
que ele significa, entre outras. costura é apenas um exemplo.
Ex.: “que não m’hei de contentar / de casar com
parvoíce.” (Inês)

Ao dizer isto, Inês está a revelar que não quer


casar com um homem parvo, ou seja,
provinciano, simples, como era Pêro Marques.
Neste caso, o defeito (parvoíce) representa o
portador do defeito (Pêro Marques).

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