A “Farsa de Inês Pereira”, redigida por Gil Vicente, surge no início do século XVI e pretende
claramente analisar e criticar vários grupos sociais da época.
O dramaturgo explora temas seus contemporâneos da vida concreta, recorrendo ao cómico, introduzindo várias personagens e tendo sempre uma intenção crítica perante cada uma delas. Além disso, serve-se de personagens-tipo, que representavam a mentalidade de diversos grupos e/ou classes sociais do período histórico em que estava inserido, e recorre à representação do quotidiano através da exposição de vários costumes, como, por exemplo, a prática religiosa e a ocupação da mulher solteira em tarefas domésticas (bordar). Deste modo, esta obra vicentina é um importantíssimo marco histórico da literatura portuguesa. De facto, a forte sátira, enquadramento histórico e inteligência, aplicados pelo autor são de louvar e glorificar, revelando que estava muito para lá do seu tempo. Apesar de as classes sociais não serem as mesmas, várias críticas aplicadas por Gil Vicente mantêm-se, o que contribui para a intemporalidade da sua obra. Assim, devo destacar a classe com que apresenta a máxima “ridendo castigat mores” e a fluidez que coloca na história, realçando-se todo o visualismo e teatralidade que consegue transpor. Este dramaturgo, exímio e intocável, satirizava o seu próprio público, encobrindo os seus ferozes ataques através da provocação do riso. Na verdade, a luta de Gil Vicente não está na busca incessante do bem, mas sim na correção de atitudes e na eliminação da hipocrisia, tentando desvanecer o mal existente. Em suma, fazendo a analogia com a nossa sociedade, verificamos que vivemos numa clara civilização do espetáculo, onde tudo o que é básico e imaturo atrai multidões. Assim, pela vontade, originalidade e mesura vicentinas, deveríamos todos ler esta obra, elevando-a ao verdadeiro patamar da arte.