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Introdução

O conflito é definido como quando os níveis de violência armada devido à insegurança


política, instabilidade ou guerra civil ou internacional são substancialmente mais elevados do
que em tempos sem conflito. Isto leva a uma perturbação das economias, dos serviços
governamentais e ao movimento extensivo de pessoas para fugir de zonas de conflito em
busca de segurança pessoal e/ou melhores oportunidades.

Refere-se a uma situação em que coexistem atitudes, crenças, identidades, interesses, normas
ou valores opostos. Isso pode levar a um desacordo ativo entre as pessoas. É provável que
surjam conflitos quando indivíduos ou grupos num determinado processo de tomada de
decisão sentem que os seus valores estão a ser ignorados; ou quando não conseguem chegar
a acordo sobre a racionalidade do valor subjacente, ou sobre a forma como os valores serão
integrados, negociados ou reconciliados para informar uma determinada decisão. Quando
diferentes valores colidem numa situação de tomada de decisão, o conflito pode ser descrito
como um conflito de valores.

O presente trabalho busca abordar os factores de instabilidade que geram conflitos em África.

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Principais factores de instabilidade que geram conflitos em África

A África é o terceiro continente mais extenso (depois da Ásia e da América) com cerca de 30
milhões de quilômetros quadrados, cobrindo 20,3% da área total da terra firme do planeta. É
o segundo continente mais populoso da Terra (atrás da Ásia) com cerca de um bilhão de
pessoas (estimativa para 2005), representando cerca de um sétimo da população mundial, e
54 países independentes. O continente africano possui uma das maiores diversidades culturais
do planeta. Na chamada África Branca, ao norte, predominam os povos caucasóides e semitas
e na chamada África Negra, ao sul do Deserto do Saara, encontram-se os povos pigmeus,
bosquímanos, hotentotes, sudaneses e os bantos.

Dos trinta países mais pobres do mundo (com mais problemas de subnutrição, analfabetismo,
baixa expectativa de vida), pelo menos 21 são africanos. Apesar disso existem alguns países
com um padrão de vida razoável, mas não existe nenhum país realmente desenvolvido na
África.

Segundo a National Library of Medicine, as raízes dos conflitos armados em países em vias
de desenvolvimento incluem a pobreza extrema; desigualdades políticas, sociais e
económicas entre grupos; estagnação económica; serviços governamentais deficientes; alto
desemprego; degradação ambiental; e incentivos individuais (económicos) para combater.

Para Aremu, Johnson Olaosebikan, os conflitos em África foram causados por uma
multiplicidade de factores como: fronteiras arbitrárias criadas pelas potências coloniais,
composição étnica heterogênea dos estados africanos, política inepta a
liderança, corrupção, efeito negativo do peso da dívida externa e pobreza.

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1. O problema resultante da composição étnica dos estados
africanos

Carment, D. (1994) e as Nações Unidas (1987) apresentaram que nos mais de 180 estados do
mundo, apenas um pequeno número é etnicamente homogêneo. Isto sugere que os Estados
multiétnicos continuam a ser uma característica da política internacional e que o conflito
étnico não é apenas uma ameaça para o continente africano, mas também uma ameaça para
toda a comunidade internacional (Ryan 1990:14; Instituto Del Tercer, 1997:160). No entanto,
não se pode negar o facto de os conflitos étnico-políticos terem estado em evidente aumento
em África ao longo do século XX.

Aremu, Johnson Olaosebikan (2011), afirma que a clavagem étnica e a discriminação política
contra as minorias estão tão enraizadas em África que, a etnia, não é nada mais para além de
uma força geradora de conflitos.

Entre os factores que parecem confirmar esta ideia está o genocídio de Ruanda, também
conhecido como genocídio tútsi, foi um massacre em massa de pessoas do grupo étnico tútsi,
tuás e hútus moderados, promovido por hútus, em Ruanda, que ocorreu entre 7 de abril e 15
de julho de 1994 e que durou 100 dias.

Memorial às vítimas do genocídio em Nyamata

Ruanda é um pequeno país da região centro oriental do continente africano e historicamente


foi habitado por diferentes etnias. Hútus e tútsis formavam a maioria da população da região,
e tuás compunham uma minoria étnica. A rivalidade entre hútus e tútsis começou a ser
construída a partir do século XVIII e remonta à formação do Reino de Ruanda1, quando os

1 Reino de Ruanda, estado tradicional da África Oriental, hoje República de Ruanda. Acredita-se
que a área tenha sido colonizada pelos Hutu em algum momento entre os séculos V e XI e depois
pelos Tutsis a partir do século XIV. Os Tutsis, um povo pastoral, estabeleceram domínio sobre os

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tútsis invadiram a região, antes dominada pelos hútus, e ocuparam cargos governamentais
formando quase que inteiramente a elite económica.

A ampliação dessa hostilidade ocorreu no período neocolonial, com os domínios alemão e


belga, que exerceram seu domínio em parceria com os tútsis, concedendo-hes uma série de
privilégios na administração colonial. Os colonizadores europeus justificavam os privilégios
aos tútsis alegando que eles eram “naturalmente” superiores, de acordo com os princípios do
darwinismo social em vigor naquela período.2 Essa divisão étnica foi intensificada pelos
belgas, a partir da década de 1930, quando documentos de identificação passaram a ser
emitidos com a informação da etnia de cada pessoa.

Após a independência, em 1962, os hútus tomaram o poder e começaram a marginalizar os


tútsis, o que forçou milhares a refugiarem-se em países vizinhos.
Em outubro de 1990, a Frente Patriótica Ruandesa, composta por exilados tútsis expulsos do
país pelos hútus com o apoio do exército, invade Ruanda pela fronteira com Uganda. Em
1993, os dois países firmam um acordo de paz - o Acordo de Arusha. Cria-se em Ruanda um
governo de transição, mediado pela ONU, composto por hútus e tútsis. Em 1994, as tropas
hútus, chamadas Interahamwe, são treinadas e equipadas pelo exército ruandês, em meio a
arengas e incitação à confrontação com os tútsis por parte da Radio Télévision Libre de Mille
Collines (RTLM), dirigida pelas facções hútus mais extremas. Essas mensagens exaltavam as
diferenças que separavam ambos os grupos étnicos e, à medida que os ânimos se exaltavam,
os apelos à confrontação e à "caça aos tútsis" tornaram-se mais explícitos, sobretudo a partir

Hutu, que eram agricultores. Segundo a tradição, Ruganzu I Bwimba, um líder tutsi, fundou um reino
na região de Bwanacambwe, perto de Kigali, no século XV ou XVI. O que hoje é o centro de Ruanda
foi absorvido no século XVI, e as comunidades Hutu periféricas foram subjugadas pelo mwami (“rei”)
Ruganzu II Ndori no século XVII. As fronteiras do reino foram delimitadas no final do século XIX por
Kigeri IV Rwabugiri, considerado o maior rei de Ruanda. Em 1900, Ruanda era um estado unificado
com uma estrutura militar centralizada.

2 Darwinismo social é uma adaptação feita, no final do século XIX, por muitos autores que tentaram
aplicar os princípios da teoria da evolução, de Charles Darwin, no funcionamento das sociedades
humanas; e, com isso, acabaram criando algumas distorções. A ideia geral do darwinismo social é
usar conceitos como “seleção natural” e “luta pela sobrevivência” para explicar a competição entre os
indivíduos ou os grupos humanos, assim como Darwin o fez com as demais espécies animais e
vegetais.

O darwinismo social pode ser exemplificado por duas correntes. Uma delas apresenta um viés racista
e colonialista que se desenvolveu no continente europeu. Essa vertente não coloca em primeiro
plano a disputa entre indivíduos, mas o conflito entre raças e povos ao redor do mundo. No tocante à
desigualdade social, o darwinismo social atribui a brecha entre ricos e pobres à maior “aptidão” dos
primeiros para sobreviverem e prosperarem.

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do mês de abril, em que se fez circular o boato de que a minoria tútsi planejava o genocídio
dos hútus.
O genocídio foi organizado por membros da elite política principal dos hútus, muitos dos
quais ocupavam cargos nos níveis mais altos do governo nacional. A maioria dos
historiadores concorda que um genocídio contra os tútsis havia sido planejado por pelo
menos um ano. No entanto, o assassinato do presidente ruandês Juvénal Habyarimana em 6
de abril de 1994 criou um vácuo de poder e encerrou os acordos de paz. Os assassinatos
genocidas começaram no dia seguinte quando soldados, policiais e milícias executaram
líderes políticos e militares tútsis e hútus moderados.

A maioria das vítimas foi morta em suas próprias aldeias ou cidades, muitas por seus
vizinhos e companheiros de aldeia. Gangues hútus procuravam vítimas escondidas em igrejas
e edifícios escolares. A milícia assassinou vítimas com facões e rifles. Estima-se que 500 000
a 1 100 000 ruandenses foram mortos, cerca de 70% da população tútsi, embora historiadores
atuais questionem estes números, afirmando que o total de fatalidades pode ter sido menor,
não superando 800 000 no geral. A violência sexual também foi abundante, sendo que
estima-se que entre 250 000 e 500 000 mulheres tenham sido estupradas durante o genocídio.
O massacre terminou com a vitória militar da Frente Patriótica de Ruanda.

O genocídio teve efeitos duradouros e profundos em Ruanda e nos países vizinhos.


Atualmente, o país tem dois feriados para lamentar o genocídio e a negação ou revisionismo
histórico do genocídio é uma ofensa criminal. Como resultado do genocídio, a comunidade
internacional colaborou para estabelecer o Tribunal Penal Internacional. 3

3 O Tribunal Penal Internacional (TPI) é um tribunal penal internacional permanente e universal


encarregado de julgar pessoas acusadas de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de
agressão e crimes de guerra. O TPI é independente e abre uma investigação formal sobre um crime
e determina a ação penal: o objetivo é responsabilizar os indivíduos, sejam eles autoridades civis ou
militares.

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2. Pobreza e conflito em África: uma relação complexa

A pobreza é ao mesmo tempo um fenómeno universal e um conceito ligado à cultura. Com


base na extensão e na natureza da pobreza, Bjorn Hettne (2002) desenvolveu cinco
classificações:
● Primeiro, a pobreza absoluta ocorre quando os seres humanos vivem num estado de
privação devido à escassez de rendimento ou falta de acesso às necessidades
humanas básicas, que incluem alimentação, água potável, saneamento, saúde, abrigo,
educação e informação.
● Em segundo lugar, a pobreza relativa define a pobreza a partir de um
ponto de vista comparativo. Aqui a pobreza não é absoluta, mas relativa.
● Em terceiro lugar,a pobreza administrativa, que inclui todos aqueles que são elegíveis
para a assistência social do Estado porque são temporariamente desempregados e/ou
incapazes de obter rendimentos.
● Quarto, pobreza consensual depende da percepção do que o público considera estar
abaixo do sustento básico.
● Finalmente, a pobreza contextual baseia-se numa comparação da pobreza com os
aspectos socioculturais e económicos níveis de uma determinada sociedade. Esta
definição é útil para contrastar os pobres e os não pobres numa determinada
sociedade.

África é um dos continentes mais pobres do mundo. Isto se deve em grande parte a
condições ambientais adversas, corrupção e enormes dívidas externas que exacerbam as
condições de pobreza (IIffe, 1995). Por exemplo, a desertificação contribuiu para a fome em
vários estados africanos, tais como como a Etiópia e o Mali. Como resultado, o número de
pessoas que vivem em condições extremas a pobreza na África Subsaariana cresceu de 217
milhões em 1987 para mais de 300 milhões em 1998 (Corbett 2005). Se, portanto, for
verdade o ditado de que um homem faminto é um homem raivoso, então os conflitos

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poderão, durante muito tempo, fazer parte de África devido a esta situação de pobreza
absoluta que prevalece em todo o continente.

Há muita discordância sobre a relação específica entre pobreza e conflito. Enquanto uma
escola de pensamento afirma que a pobreza causa conflitos, a outra escola de pensamento
argumenta que apenas o inverso é verdadeiro. Defendo que a pobreza é ao mesmo tempo
causa e consequência do conflito. O relacionamento é em dois sentidos: a pobreza leva ao
conflito e vice-versa.

O Relatório de Progresso do Banco Mundial sobre a Redução da Pobreza 1998-2000 é mais


um testemunho da as ligações entre pobreza e conflito. Assim, é evidente a partir das
estatísticas que existe uma tendência dos países pobres para viverem conflitos. Como se
verifica nos casos de metade dos países africanos que viveram uma guerra civil.

As intermináveis tensões políticas, guerras e conflitos no continente tiveram impacto


negativo duradouro no desenvolvimento socioeconómico de África porque o
desenvolvimento socioeconómico não pode ser sustentado num ambiente repleto de
violência, instabilidade e insegurança. Os problemas de reconstrução das infraestruturas
perdidas devido a guerra, as altas taxas de desemprego, e os números elevados de refugiados
são factores resultantes desses conflitos.

O impacto da guerra

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Refugiados sudaneses num campo de refugiados em Chade

Cabo Delgado, província de Moçambique que alberga uma das maiores reservas de gás
natural do mundo é, desde 2017, palco de ataques armados por insurgentes. Os seus
promotores, alguns como Bonomado Machude Omar ou Inn Omar, foram revelados pelas
Forças de Defesa e Segurança (FDS).

Depois de padecer de décadas de subinvestimento, negligência governamental e pobreza


esmagadora, a província de Cabo Delgado, uma das mais pobres de Moçambique – segundo
os dados de 2017 do Instituto Nacional de Estatísticas -, é agora palco de uma violenta
insurgência, que já ceifou milhares de vidas e deixou vilas e aldeias em ruínas. Os combates
intensificaram-se desde que um grupo armado conhecido localmente como “Al-Shabaab” 4
(sem ligações confirmadas ao Al-Shabaab da Somália) atacou a vila portuária de Mocímboa
da Praia, no norte do país, em Outubro de 2017, causando destruição generalizada,
deslocados em massa e morte, além de condições humanitárias insuportáveis para os que
foram forçados a fugir.

Por coincidência, ou não, Cabo Delgado também está se recuperando de choques climáticos
consecutivos, incluindo o ciclone Kenneth de 2019, o ciclone mais forte a atingir a parte
norte de Moçambique, e enormes inundações no início de 2020. A situação agravou-se
seriamente entre 2021-2022, com a escalada de ataques a localidades e capitais de distritos da
província. Compartilho a ideia de que a natureza do conflito de Cabo Delgado, como realçam
Constantino (2020) e Fundo Monetário Internacional - FMI (2019), é comum em países ricos
em recursos naturais e particularmente exportadores de recursos petrolíferos (incluindo gás),
4 O grupo wahhabi autodenomina-se Ansar al-Sunna (ou Ahlu Sunnah Wa-Jamo) - Defensores da
Tradição - mesmo nome de um grupo insurgente sunita iraquiano que lutou contra as tropas norte-
americanas, entre 2003 e 2007. Por vezes, o próprio grupo também se autodenomina Al-Shabaab,
(que em árabe significa «a juventude»,[10] sendo que este nome também aparece grafado como
Machababo[10] em português moçambicano), apesar de não estar claro se possui ligações com o
grupo somali com o mesmo nome e embora haja somalis no norte de Moçambique.[11][12] Relatos
mencionaram que este grupo fundamentalista islâmico é composto principalmente de moçambicanos
dos distritos de Mocímboa da Praia, Palma e Macomia, mas também inclui estrangeiros da Tanzânia
e da Somália.[13]

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tal como é o contexto de Moçambique, caracterizado por instituições fracas, elevados níveis
de desigualdades sociais e de pobreza. São exemplos de países que sofrem situações
similares, os da região da Bacia do Lago Chade (Chade e Nigéria, dentre outros), que são
vítimas da insurgência do Boko Haram5.
Maquenzi e Feijó (2019) defendem a tese, segundo a qual, o baixo nível de escolaridade e
assimetrias regionais fazem com que indivíduos que estão em situação de vulnerabilidade
resolvam aliar-se aos grupos radicais islâmicos.
Na mesma perspetiva, Fonseca e Lasmar (2017), afirmam que uma parte significativa dos
voluntários recrutados para pertencerem ao grupo radical são atraídos por promessas de um
salário pela luta. Normalmente, essas pessoas não possuem grandes expetativas profissionais
e veem na luta uma forma de rendimento. De acordo com os que participaram nas sessões de
doutrinação, a apologia da primazia aos
locais na distribuição de empregos constitui o argumento mais sedutor.
O leva a crer que o conflito em Cabo Delgado não é contra o governo: é contra o Estado e
contra o modo de vida da esmagadora maioria da população, particularmente a muçulmana.

Exército moçambicano

5 Boko Haram (em tradução literal: "a educação ocidental ou não-islâmica é um pecado", nas línguas
faladas no Norte da Nigéria), oficialmente, em árabe: ‫جماعة أهل السنة للدعوة والجهاد‬, translit. 'ǧamāʿat ahl
as-sunna li-d-daʿwa wa-l-ǧihād', Jama'atu Ahlis Sunna Lidda'awati wal-Jihad ("Pessoas Dedicadas
aos Ensinamentos do Profeta para Propagação e Jihad) é uma organização jihadista fundamentalista
islâmica sunita, de métodos terroristas, que busca a imposição da Xaria no norte da Nigéria. Está
também ativa no Chade e nos Camarões

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3. Conflitos políticos sobre questões económicas

Conflitos políticos podem surgir de diferenças de opinião sobre variadas questões. Podem se
manifestar de diversas formas como debates, protestos, polarização e até mesmo confrontos
mais graves. Muitas vezes reflete divisões profundas na sociedade em relação a valores e
prioridades.

Conflitos políticos relacionados a questões econômicas geralmente surgem quando há


discordância sobre políticas fiscais, tributárias, de comércio exterior, regulação financeira,
distribuição de recursos e programas sociais, entre outros temas.
Por exemplo, debates sobre aumento ou redução de impostos, políticas de bem-estar social,
medidas de austeridade, acordos comerciais internacionais e regulamentações financeiras
podem gerar conflitos políticos significativos. Muitas vezes, diferentes grupos têm interesses
e perspectivas conflitantes sobre como a economia deve ser gerida, o que pode levar a tensões
e debates acalorados. Encontrar um equilíbrio entre os interesses divergentes e buscar
soluções que promovam o bem-estar econômico geral é essencial para lidar com esses
conflitos.

Conflitos políticos relacionados a questões econômicas podem surgir de uma variedade de


situações e temas. Aqui estão alguns exemplos detalhados de como as questões econômicas
podem desencadear conflitos políticos:

● Distribuição de Recursos Naturais: Conflitos frequentemente surgem quando há


disputas sobre a propriedade e distribuição de recursos naturais, como petróleo, gás,
minerais e terras agrícolas. Grupos étnicos ou regionais podem reivindicar mais
autonomia ou controle sobre esses recursos, gerando tensões com o governo central
ou com outros grupos.

● Políticas Fiscais e Tributárias: Debates sobre políticas fiscais, como impostos sobre
renda, consumo e propriedade, muitas vezes geram conflitos políticos. Diferentes
grupos podem ter opiniões divergentes sobre quem deve ser tributado e em que
medida, levando a debates acalorados sobre justiça fiscal e equidade.

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● Regulação Financeira: Questões relacionadas à regulação do sistema financeiro,
controle de bancos e instituições financeiras, e medidas para evitar crises econômicas
também podem ser fontes de conflito político. Diferentes visões sobre a intervenção
do governo na economia e a proteção dos consumidores financeiros podem criar
divisões políticas significativas.

● Políticas de Comércio Exterior: Disputas comerciais entre países ou blocos


econômicos, tarifas e barreiras comerciais podem levar a tensões políticas e
diplomáticas. A competição por mercados internacionais e o impacto das importações
e exportações nas indústrias domésticas frequentemente geram debates acalorados.

● Bem-Estar Social e Gastos Públicos: Decisões sobre gastos públicos em áreas como
saúde, educação, previdência social e assistência social costumam ser objeto de
conflito político. Diferentes ideologias sobre o papel do Estado na provisão de
serviços sociais e preocupações com o equilíbrio fiscal influenciam as discussões
sobre essas políticas.

Esses são apenas alguns exemplos de como as questões econômicas podem se tornar fontes
de conflito político. É importante reconhecer que as decisões econômicas têm implicações
profundas na distribuição de poder, riqueza e oportunidades, o que muitas vezes gera divisões
significativas na sociedade e na arena política.

A guerra de Biafra, que ocorreu na Nigéria entre 1967 e 1970, pode ser vista como um
conflito político relacionado a questões econômicas. Uma das principais causas do conflito
foi a disputa pela distribuição de recursos econômicos, especialmente relacionados à
produção de petróleo na região sudeste da Nigéria, onde o povo Igbo, predominantemente,
buscava maior autonomia e controle sobre seus recursos naturais.

A guerra de Biafra é um exemplo marcante de como questões econômicas podem


desencadear conflitos políticos e, em última instância, conflitos armados. A região sudeste da
Nigéria, predominantemente habitada pelo povo Igbo, era rica em recursos naturais,
especialmente petróleo. No entanto, havia uma percepção de que a região não estava
recebendo uma parcela justa dos benefícios econômicos provenientes desses recursos.

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Isso levou a um movimento separatista liderado pela região sudeste, que declarou sua
independência como a República de Biafra em 1967. O governo nigeriano viu essa secessão
como uma ameaça à sua integridade territorial e aos seus interesses econômicos, o que
culminou na guerra de Biafra.

Durante o conflito, a Nigéria impôs um bloqueio econômico à região de Biafra, causando


escassez de alimentos e outros recursos essenciais. Isso resultou em uma crise humanitária
devastadora, com milhares de mortes por fome e doenças relacionadas à desnutrição.
A guerra acabou em janeiro de 1970, após uma ofensiva de três semanas do exército
nigeriano. O presidente de Biafra, Odumegwu Ojukwu, partiu para o exílio e a resistência
armada se desfez após a tomada de Owerri por tropas nigerianas.

Ainda também o conflito em Darfur, no Sudão, tem raízes profundas tanto políticas quanto
econômicas. Embora a seca e a escassez de recursos naturais, como água e terras aráveis,
tenham desempenhado um papel significativo na intensificação das tensões na região, o
conflito em Darfur é amplamente considerado como um conflito político com fortes
implicações econômicas.

O conflito em Darfur envolve disputas sobre o acesso e controle de recursos escassos,


incluindo terras férteis e acesso à água, que se tornaram ainda mais críticos devido à
degradação ambiental e à desertificação causadas pela seca. Essas questões econômicas estão
intrinsecamente ligadas a disputas políticas sobre poder, representação e distribuição de
recursos.

Além disso, a marginalização política e econômica das comunidades locais por parte do
governo central do Sudão desempenhou um papel central no conflito em Darfur. A
discriminação étnica e as tensões entre grupos agrários e nômades também contribuíram para
a eclosão do conflito.

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4. A Corrupção

Sim, a corrupção desempenhou um papel significativo no incitamento e agravamento de


conflitos em vários países africanos. A corrupção mina as instituições governamentais,
enfraquece o estado de direito e exacerba as desigualdades sociais e econômicas, criando
assim um terreno fértil para a instabilidade e o conflito. Alguns dos principais impactos da
corrupção incluem:

1. Desigualdade e marginalização: A corrupção frequentemente leva à concentração de


riqueza e poder nas mãos de poucos, marginalizando grande parte da população. Isso pode
gerar ressentimento e tensões que, em alguns casos, culminam em conflitos.

2. Má alocação de recursos: A corrupção pode resultar na má gestão e desvio de recursos


destinados a serviços públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura. Isso pode
criar condições socioeconômicas precárias que contribuem para o descontentamento e a
instabilidade.

3. Concorrência por recursos naturais: Em países ricos em recursos naturais, a corrupção


pode levar a acordos injustos ou opacos envolvendo a exploração de recursos, alimentando
assim disputas e conflitos relacionados ao controle desses recursos.

4. Erosão da confiança nas instituições: A corrupção mina a confiança dos cidadãos nas
instituições governamentais, o que pode levar à deslegitimação do governo e ao surgimento
de movimentos de oposição que, em alguns casos, recorrem à violência para expressar suas
demandas.

Portanto, embora a corrupção por si só possa não ser a causa direta de conflitos, ela
certamente contribui para criar condições propícias para o surgimento e a perpetuação de
instabilidades em vários países africanos. O combate à corrupção e o fortalecimento das
instituições transparentes e responsáveis são fundamentais para promover a estabilidade e a
paz duradoura no continente africano.

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A República Democrática do Congo (RDC) é um exemplo notável de como a corrupção
desempenhou um papel significativo no incitamento de conflitos. A exploração corrupta dos
vastos recursos minerais do país, incluindo diamantes, cobalto, cobre e outros minerais
valiosos, tem sido uma fonte central de instabilidade e violência na RDC ao longo de
décadas.

O "Corruption Perceptions Index", ou seja, um índice de percepção de corrupção no setor


público, foi de 80 pontos no República Democrática do Congo em 2023. A escala varia de 0 a
100, sendo que quanto maior a pontuação, mais massiva a corrupção. O República
Democrática do Congo ocupa assim o 166º lugar no mundo. O resultado é, portanto,
consideravelmente abaixo da média em comparação com outros países.
Não houve mudança na corrupção em 2023, em comparação com o ano anterior. Visto a
longo prazo, ela tem crescido moderadamente nos últimos anos.

A corrupção no setor de mineração da RDC é um problema generalizado, com relatos de


extração ilegal, contrabando e má gestão dos recursos minerais. Isso tem alimentado conflitos
prolongados envolvendo diferentes atores internos e externos, em uma luta pelo controle e
lucro desses recursos. Além disso, a corrupção permeia as estruturas governamentais e as
instituições, minando a capacidade do governo de fornecer serviços básicos e segurança para
a população.

As consequências desse cenário são profundas e prejudiciais para o povo congolês. A


corrupção no setor de mineração contribui para a perpetuação da pobreza, desigualdade e
falta de oportunidades econômicas para a população. Além disso, os grupos armados
envolvidos na exploração ilegal de recursos frequentemente cometem abusos contra os
direitos humanos, levando a deslocamentos forçados, violência generalizada e sofrimento
humano.

A presença de atores regionais e internacionais interessados na exploração dos recursos


minerais da RDC também complicou o cenário, contribuindo para uma complexa rede de
interesses políticos e econômicos que perpetuam a instabilidade e os conflitos no país.

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Para enfrentar efetivamente esses desafios, é crucial abordar a corrupção no setor de
mineração da RDC por meio de medidas que promovam a transparência, responsabilidade e
governança eficaz. Isso inclui o fortalecimento das instituições reguladoras, o combate ao
contrabando e à extração ilegal, a promoção da participação da sociedade civil na supervisão
da indústria mineral e a garantia de que os lucros gerados pelos recursos naturais sejam
utilizados para beneficiar toda a população.

A luta contra a corrupção no setor mineral da RDC é fundamental não apenas para promover
o desenvolvimento sustentável do país, mas também para contribuir para a construção da paz
duradoura e da estabilidade em uma região historicamente afetada por conflitos violentos.

A Segunda Guerra do Congo, também conhecida como a Grande Guerra Africana, foi um
conflito complexo que ocorreu na República Democrática do Congo entre 1998 e 2003. Este
conflito envolveu múltiplos atores locais, regionais e internacionais, e teve raízes profundas
em questões políticas, étnicas, econômicas e territoriais. A corrupção desempenhou um papel
significativo na perpetuação e intensificação desse conflito.

Durante a Segunda Guerra do Congo, a luta pelo controle dos recursos minerais da RDC foi
um dos principais impulsionadores da violência e dos conflitos armados. Grupos armados e
milícias lutaram para controlar áreas ricas em minerais como ouro, diamantes, cobalto e
coltan, cuja exploração ilegal era facilitada pela corrupção e pela falta de regulamentação
eficaz.

A exploração corrupta desses recursos minerais alimentou as hostilidades entre diferentes


grupos étnicos e facções rebeldes, levando a um conflito generalizado que resultou em
milhões de mortes e no deslocamento de milhões de pessoas. Além disso, a interferência de
atores regionais que buscavam garantir o acesso aos recursos naturais da RDC agravou ainda
mais a complexidade do conflito.

A corrupção dentro das estruturas governamentais da RDC também desempenhou um papel


significativo durante a Segunda Guerra do Congo, minando a capacidade do Estado de
fornecer segurança, justiça e serviços básicos para sua população. Os recursos que deveriam
beneficiar o desenvolvimento do país muitas vezes eram desviados por meio de práticas
corruptas, alimentando assim o ciclo de instabilidade e violência.

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Portanto, a relação entre a corrupção no setor de mineração, a busca pelo controle dos
recursos naturais e a Segunda Guerra do Congo é evidente. A exploração corrupta desses
recursos contribuiu para a intensificação dos conflitos armados e para o sofrimento
generalizado da população congolesa durante esse período tumultuado da história do país.

A corrupção como um fator de instabilidade tem sido historicamente persistente em muitos


contextos, incluindo em situações de conflito e pós-conflito. A natureza atemporal da
corrupção como um fator de instabilidade decorre da sua capacidade de minar as instituições
estatais, desencadear ou agravar conflitos, e prejudicar o desenvolvimento sustentável e a paz
duradoura.

Em contextos de conflito, a corrupção pode minar os esforços para alcançar acordos de paz
duradouros, desviando recursos que deveriam ser usados para reconstruir as comunidades
afetadas e fortalecer as instituições pós-conflito. Além disso, a corrupção pode alimentar
tensões ao privilegiar certos grupos em detrimento de outros, exacerbando divisões étnicas,
políticas ou socioeconômicas.

Mesmo em períodos de relativa estabilidade, a corrupção pode minar a confiança na


governança e nas instituições democráticas, prejudicar o desenvolvimento econômico e social
e perpetuar desigualdades. Portanto, a corrupção é um fator atemporal de instabilidade que
pode persistir mesmo após o término formal de um conflito armado.

No entanto, é importante ressaltar que a corrupção não é inevitável ou imutável. Ações


concretas podem ser tomadas para combater a corrupção, fortalecer as instituições de
governança e promover a transparência e a prestação de contas. Essas medidas são essenciais
para enfrentar os desafios causados pela corrupção em contextos de conflito e pós-conflito e
para promover a estabilidade e o desenvolvimento sustentável.

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Conclusão

No contexto africano, diversos fatores contribuem para a instabilidade, incluindo questões


étnicas, pobreza, conflitos políticos sobre questões econômicas e corrupção.

As tensões étnicas frequentemente desempenham um papel significativo na instabilidade,


especialmente em sociedades onde diferentes grupos étnicos coexistem. Disputas territoriais,
acesso desigual a recursos e rivalidades históricas podem alimentar conflitos étnicos que
minam a coesão social e a estabilidade política.

A pobreza extrema e a desigualdade econômica também são fontes de instabilidade em


muitas partes da África. A falta de oportunidades econômicas, acesso limitado a serviços
básicos e disparidades de riqueza podem gerar tensões sociais e políticas, contribuindo para a
instabilidade em várias escalas.

Os conflitos políticos relacionados a questões econômicas, como o controle de recursos


naturais, distribuição de riqueza e políticas de desenvolvimento, frequentemente
desencadeiam ou exacerbam a instabilidade. Disputas sobre poder e recursos econômicos
muitas vezes resultam em confrontos violentos e instabilidade política prolongada.

A corrupção sistêmica é outro fator crucial que contribui para a instabilidade na África. A
corrupção mina a eficácia das instituições governamentais, prejudica o desenvolvimento
econômico, alimenta desigualdades e mina a confiança dos cidadãos nas estruturas de
governança.

Em resumo, os fatores de instabilidade na África estão interligados e frequentemente se


reforçam mutuamente. Abordar esses desafios requer esforços coordenados para promover o
desenvolvimento inclusivo, fortalecer as instituições democráticas, mitigar as tensões étnicas
e combater a corrupção de forma eficaz.

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