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A Gestalt-terapia – GT vai além de uma abordagem ou teoria psicológica, é por tanto,

uma forma de ver o externo e o interno, um modo de viver, uma filosofia existencial,
uma forma peculiar de perceber a relação do ser vivo com o mundo (GINGER e
GINGER, 1995) e, como indica Ribeiro (2006), é uma ciência, técnica e arte. A
abordagem gestáltica não se refere só ao homem, mas, à natureza como um todo, por
isso resgatar o verdadeiro sentido do humano implica resgatar a relação corpo-pessoa,
mente-pessoa, ambiente-pessoa compreendendo os três ângulos do triângulo chamado
totalidade (RIBEIRO, 2006).

Conforme salienta os estudos de Fagan e Shepherd (1973) a Gestalt-terapia foi


desenvolvida por Frederick S. Perls, sendo influenciado pelas teorias psicanalíticas na
perspectiva de Wilheim Reich; pela Fenomenologia existencialismo europeu e pela
Psicologia da “Gestalt” sendo caracterizada como a terceira força da Psicologia. A
palavra “Gestalt” é de origem alemã e não há tradução para o português ou qualquer
outra língua, Ginger e Ginger (1995, p. 13) afirmam que “Gestalten” significa “dar
forma, dar uma estrutura significante” 1 . “É como se Gestalt-terapia fosse a projeção, a
experiência imediata, teórica do que significa Gestalt” (RIBEIRO, 2006, p.138).

A automutilação

A partir das concepções teóricas da abordagem gestáltica, é compreendida como um


ajustamento criativo que o organismo escolhe para manter seu equilíbrio diante das
situações de sofrimento que vivencia no seu cotidiano. Os ajustamentos criativos se dão
no contato do organismo com o meio (Perls et al., 1951/1997). Berri (2020) destaca que
“a ‘qualidade’ desse contato, ou seja, a forma como esse contato acontece é o que
podemos chamar de ajustamento criativo” (p. 353).

Na gestalt-terapia, consideramos que a automutilação se configura como um


ajustamento criativo disfuncional, pois o organismo fixa sua energia em atos que visam
à autodestruição dirigida ao seu corpo. Os sujeitos que se automutilam lançam mão da
retroflexão, direcionando contra si mesmo o que poderia ser dirigido ao outro ou ao
mundo. Na retroflexão, destaca Perls (1973/1988), ocorre a liberação de energia contra
o próprio organismo; é uma forma de manipular o campo na busca de um
reajustamento.

Sendo assim, é por meio do ajustamento criativo que a pessoa pode superar o que já não
tem funcionalidade, mantendo um constante processo e ampliação de sua autonomia
dentro das possibilidades que encontra no ambiente (PINTO, 2009). Por essa razão, o
terapeuta propiciará um espaço para que essa autonomia seja alcançada e para que o
cliente se torne curioso por si mesmo, compreendendo o sentido do sintoma e refletindo
novas formas de ser-no mundo, se assim o quiser (NUNES; HOLANDA, 2008)

O fenômeno do suicídio e a Gestalt-terapia

Gestalt-terapia, abrange para a dinâmica do campo organismo-ambiente. Para a


abordagem, portanto, o sujeito- aqui chamado de organismo, enquanto um corpo no
mundo, em constante relação e negociação com a realidade na qual se confronta
(RIBEIRO 2021) - é considerado uma totalidade mente/corpo imbricada no campo
(ALVIM, 2014), sendo esse campo definido pela interação do organismo com o seu
ambiente (PERLS ET AL. 1997). Uma vez que é integrado, esse campo passa a fazer
parte da fronteira de contato do indivíduo, posta como o “lócus" de interação entre o
organismo e ambiente. Importante salientar que não se trata de uma estrutura fixa, a
medida em que vai configurando-se conforme às demandas e necessidades que o
organismo apresenta ao logo de sua vida (SALOMÃO ET AL. 2014).

O fenômeno do suicídio abrange uma dimensão multifatorial, outras vivências


dolorosas. Seguindo sob o olhar gestáltico, ainda conseguimos pensar em uma ruptura
com a regulação organísmica creditada pela teoria, visto que há uma falha nesse
processo do indivíduo que tira a própria vida (FUKUMITSU; SCAVACINI, 2013), bem
como uma dificuldade no manejo de suas necessidades, um empobrecimento nas
experiências de contato e uma dinâmica disfuncional no que se diz respeito aos
ajustamentos criativos

Pensar em sintoma na abordagem gestáltica é pensar no papel do Gestalt terapeuta. As


intervenções e o modo de trabalho psicoterapêutico com sujeitos que praticam a
autolesão se assemelham com a forma de se trabalhar com outras demandas, visto que, o
Gestalt-terapeuta tem por premissa cuidar da pessoa e não do sintoma/doença.
Especialmente, quando se percebe que o sintoma sempre reflete e simboliza a existência
e história de vida do sujeito, ao terapeuta cabe, pois, buscar compreender essa relação e
facilitar o contato do cliente com suas experiências.

Referências

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