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Rui Alexandre Grácio


Rui Alexandre Grácio é investigador, autor e
editor. A sua formação nas áreas da filosofia e
da comunicação levou-o a focalizar as suas in-
vestigações no domínio da linguagem, da retó-
rica e da argumentação.
Rui Alexandre
•••
Na presente obra, o autor propõe ao leitor
explorar alguns termos que considera centrais
na teorização da argumentação e na com-
Grácio
preensão das práticas argumentativas, assu-
mindo a estratégia crítica como a melhor via
de elucidação terminológica e conceptual.

VOCABULÁRIO CRÍTICO DE ARGUMENTAÇÃO


A ocasião e os locais argumentativos | Abdução | Abordagens descritivas e
abordagens normativa | Análise argumentativa | Analogia | Argumentação
e regressão ao infinito | Argumentação na língua | Argumentação | Argu-
mentação1 e argumentação2 | Argumentário | Argumentatividade e argu- VOCABULÁRIO CRÍTICO
mentação | Argumento ad hominem | Argumento ad personam | Argumento
ad baculum | Argumento ad populum | Argumento ad verecundiam | Assunto
em questão | Auditório | Auditório universal | Autoridade e argumento ad
DE ARGUMENTAÇÃO
verecundiam | Campo argumentativo | Cânone retórico | Cliché | Coales-
cência | Código de conduta da discussão razoável | Cogência | Concessão |
Conclusão | Dedução | Demonstração vs argumentação | Dialética formal |
Prefácio de Rui Pereira
Discurso epidíctico | Entimema | Enunciado | Episódios de contradição con-
versacional e diferendo argumentativo | Erística | Esquematização | Estrei-
tamento focal | Ethos | Falácia | Fases da argumentação | Generalização
apressada | Implícito argumentativo | Indução | Kairós | Lógica informal |
Lógica natural | Manipulação e sedução | Monologal e dialogal | O modelo de
Toulmin | O provável | Ónus da prova | Pan-argumentativismo | Produto,
processo, procedimento e processamento | Raciocínio | Racionalidade argu-
mentativa e racionalidade sociológica | Receção, aceitação e adesão | Regras
do debate e regras da argumentação | Relevância | Situação argumentativa |
Sofistas | Stasis | Tematização | Tipologia de diálogos | Tipologias argu-
mentativas (Toulmin, Rieke & Janik) | Tipologias argumentativas (Perelman
& Olbrechts-Tyteca) | Topoi | Turnos de palavra | Visada argumentativa e
dimensão argumentativa

www.ruigracio.com

Instituto de Coleção contradiscursos


Filosofia da Linguagem
FCSH / UNL Grácio Editor
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Rui Alexandre Grácio

VOCABULÁRIO CRÍTICO
DE ARGUMENTAÇÃO

Instituto de
Filosofia da Linguagem
Grácio Editor FCSH / UNL
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FICHA TÉCNICA

Título:
Vocabulário Crítico de Argumentação

Autor:
Rui Alexandre Grácio

Prefácio:
Rui Pereira

Capa:
Grácio Editor

Design gráfico:
Grácio Editor

1ª Edição: maio de 2013

ISBN: 978-989-8377-43-2
Dep. Legal: 359724/13

© Grácio Editor
Avenida Emídio Navarro, 93, 2.º, Sala E
3000-151 COIMBRA
Telef.: 239 091 658
e-mail: editor@ruigracio.com
sítio: www.ruigracio.com

Reservados todos os direitos


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PREFÁCIO

QUE DIZER? — UMA PERSPETIVA EXTERIOR

Não se trata, o título que encima estas breves palavras introdutórias,


de uma mera declinação neste início de século do famoso título, «Que
fazer?», com que Lenine inaugurou o século anterior (Hobsbawm), mas
tão só de achar um modo de introduzir uma obra situada num campo
cuja erudição a coloca afastada do «mundo da vida», ao mesmo tempo que
lhe é indispensável: a reflexão teórica em torno da Argumentação.
Ao assunto tem Rui Alexandre Grácio consagrado um número con-
siderável de obras próprias, de traduções, de intervenções, uma mar-
cante tese doutoral, numa palavra, um esforço raro de sistematização
entre nós da reflexão sobre uma área que, radicando na filosofia, no seio
da qual conhece o peso de uma longa teorização direta e/ou indireta na
história da disciplina, assume não apenas uma «utilidade para a vida»,
mas constitui, certamente, uma imprescindibilidade na vida.
O campo é, todavia, mal conhecido fora dos muros da Academia e,
por vezes, dentro deles também. Confunde-se com o peso da velha sofís-
tica e da avaliação pejorativa da retórica, como com o estreitamento da
lógica formal na sua tangente matemática enunciada pelo pensamento
filosófico da modernidade, como se mistura, aliás, e embora por cami-
nhos diversos, com uma espécie de prêt-à-porter discursivo para maus
aprendizes do seu tempo, que julgam nele encontrar um conjunto de re-
ceitas, quer para uma pessoal erística de bolso, quer para uma figuração
de si no autofágico mundo do «especularismo sensitivo» (Mario Perniola),
em que a ideia de «imagem» é, com frequência, pouco mais do que a ex-
pressão abalofada da simples ausência de ideia.
Por outro lado, estas palavras introdutórias chegam de fora ao «Dis-
curso Argumentativo». Vêm de alguém não especializado. Pelo que, mais
do que pretender afirmar-se algo acerca do que o presente «Vocabulário
Crítico» pretende afirmar, a estratégia do não especialista há-de cen-
trar-se naquilo que ele pretende rejeitar.
Assim, que projeção negativa pode mover um autor especializado,
como Rui Alexandre Grácio, para todos os efeitos, entre nós, uma auto-
ridade reconhecida no campo da Argumentação, ao elaborar uma obra
como a presente?

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RUI PEREIRA

Pensar-se-á que ela pode encontrar-se na vocação teorética em


quanto diz respeito à afirmação, sistematização e delimitação do campo
(o que é verdade, mas isso há-de ser o valor de uma positividade). E pode,
ainda, pensar-se, ao mesmo tempo e também, que tal desiderato se ins-
creverá, pela negativa, numa paulatina construção, pelo autor, de um
corpo de reflexão crítica às tendências fortes que marcam o traçado his-
tórico do próprio campo (a retórica, a lógica, etc.), e à tendência fraca para
o seu desvirtuamento «catóptrico» (Perniola, uma vez mais) que, como se
disse, veria a Argumentação enquanto nutriente de uma autoajuda para
oradores aflitos (sucedâneo mais ou menos erudito do género vulgar de
«Como falar em público» ou «Como esmagar o seu oponente em doze li-
ções» e demais material publicitário dessa mesma família, escrito sob a
égide do cinismo comercial e sem traço nem vestígio da seriedade filosó-
fica da velha e irónica Dialética Erística de Schopenhauer).
Numa perspetiva alargada, extra-técnica, teorizar a Argumentação
parece deixar-se pensar enquanto exercício sobre o lugar da palavra na
logomaquia contemporânea. Delas, as palavras, bem sabemos, com Aus-
tin, como servem para fazer (e desfazer) coisas. Como, também o sabe-
mos, tanto podem dizer quanto esconder. A história da Retórica
mescla-se, na cultura a que por comodidade chamamos de «Ocidental»,
com o arquivo da nossa memória, desde os textos religiosos originais (O
Evangelho de João e suas remissões para Hesíodo e para o Génesis) até
às diferentes etapas de um sonho de civilização em que, sempre sob o
eco das armas, os homens vêm milenarmente testando a sua confiança
em si mesmos, enquanto seres capazes de sobrepor — escreva-se no plu-
ral — a força das suas razões às razões da sua força.
Chamou-se-lhe «democracia», no âmbito que à nossa idade mais in-
teressa; chamou-se-lhe outras coisas ainda, mas a pergunta tem estado
sempre lá: como podemos conviver e organizarmo-nos sem nos extermi-
narmos uns aos outros?

Um exemplo, colhido de um serão entre adolescentes, ilustra bem o


que aqui pretende dizer-se. Um deles, um pouco mais velho do que os de-
mais, conhecedor único das regras, está a ensinar aos outros um jogo de
estratégia cuja finalidade é, para cada jogador, conseguir com os seus
exércitos, movidos por cartas e dados organizados em «turnos» de jogadas,
«conquistar o mundo». A dado ponto, um dos aprendizes a quem o seu ad-
versário e, ao mesmo tempo, instrutor procurava ajudar num combate
contra si mesmo, lança-lhe a pergunta: «— Mas tu, porque ajudas os teus

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PREFÁCIO: QUE DIZER? — UMA PERSPETIVA EXTERIOR

adversários a vencer-te?». A resposta do jovem, poderia, de certa maneira,


condensar o sentido do trabalho de Rui Alexandre Grácio: «— Porque
quero que o jogo corra o melhor possível!».
Numa transposição alargada, o episódio dos miúdos tentando que o
seu jogo «corra o melhor possível» pode igualmente entender-se como
uma poderosa metáfora para os desafios intemporais do humano e,
numa perspetiva mais restrita, para o objeto (e talvez para o objetivo)
de uma teorização satisfatória da Argumentação. Como poderemos nós
fazer com que «o jogo corra o melhor possível» usando, em vez dos dados,
dos baralhos de cartas e dos exércitos, o diálogo, as palavras e o sentido?
É fácil perceber que o problema é difícil de muitas maneiras. Do
modo moral, desde logo (intrometendo-se pelas problemáticas da «moral
da intenção» e da «moral da consequência» na aproximação que, por
exemplo, Nietzsche lhes fez). Do modo linguístico (albergando-se neste
particular os aspetos da semântica, da pragmática e os ligados à «língua»
e à sua teorização argumentativa). Do modo discursivo (equacionando
as questões do sentido, do skeptron, i.e., dos lugares e dos estatutos das
suas respetivas práticas). Do modo político (onde se jogam as questões
não «do» mas «de poder», como as precisava Bourdieu, ou da «suprema-
cia», como avança Sloterdijk na sua Crítica da Razão Cínica).
Em segundo lugar, o problema é difícil porque, e em termos muito
simplificados, mesmo que uma Teoria da Argumentação conseguisse es-
tabilizar ou sequer esboçar uma «Gramática do Entendimento Entre os
Humanos», haveria que esperar que estes dela se apropriassem, quer
dizer, que cada um de nós passasse a ter mais em vista o nobre objetivo
de que «o jogo corra o melhor possível» do que o, mais pobre, de pura e
simplesmente ganhar o jogo e consagrar a sua conquista do mundo, por
pequena, breve e qualquer que esta fosse.
Toda a história da filosofia, muita da ideologia da ciência, como a
história de todas as ideologias, teístas ou não, guardam conversas deste
tipo há milénios e o ponto ao qual chegámos foi este, com o que de espe-
rançoso ou de desesperante nele exista: o de tentar esboçar a teoria (e a
política) de um diálogo não fulminante.

Quer o conjunto geral da obra de Rui Alexandre Grácio no campo


específico da Argumentação (que ele vem construindo paralelamente ao
seu trabalho nas áreas da edição, da poética, da escrita para a infância
ou da música, por exemplo), quer o labor específico do presente texto si-
tuam o autor numa encruzilhada de dupla utilidade.

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RUI PEREIRA

A primeira consiste numa exegese filosófica no domínio aparente-


mente árido de uma Teoria Argumentação, onde os seus livros tornam
difícil aos profissionais da especialidade trabalharem-na, entre nós, sem
passarem por eles. Encontram-se aqui os aspetos mais amplos da sua
teorização da interação argumentativa (vd. conceitos como o de «Assunto
em Questão», entre outros), ou mais circunstanciados como os respei-
tantes a uma sistemática peculiar relacionada com o espectro teórico da
problemática argumentativa (vd. entradas na presente obra como «Abor-
dagens descritivas e abordagens normativas», «Argumentação», «Argu-
mentação e regressão ao infinito», «Argumentação1» e «Argumentação2»,
«Análise argumentativa», «Racionalidade argumentativa e racionali-
dade sociológica», «O provável», e tantas outras mais).
A segunda encruzilhada útil da presente obra inscreve-se no enqua-
dramento de uma compreensão técnica aprofundada do material orató-
rio, retórico, de que é feita a formação discursiva por meio da qual se
tece o dizer atual (público ou menos público) do tempo e do mundo em
que vivemos. Uma fala incomunicante, excessiva, onde a maquinaria
censória se exerce menos por rarefação (ao contrário da ideia generali-
zada com a qual, até por proximidade histórica, relacionamos em exclu-
sivo a palavra censura e a palavra censurada), do que pelo excesso e pela
proliferação, pelo desencontro que filia cada nova (?) sobreposição mo-
nologal num quadro de ausência de sentido que as necessidades do ne-
gócio mediático promovem vitalmente para si e esquizofrenicamente
para os seus destinatários.
Problemas como os colocados pela argumentação «Ad hominem» e
«Ad personam», problemas como os que se jogam nas relações entre dis-
cursos de autoridade, autoridade dos discursos e argumentações «Ad ve-
recundiam», nas operações demagógicas das evocações argumentativas
«Ad populum», na permanente gestação de argumentos «Ad baculum»
(na sua eufemística particular relacionada com as temáticas do esgota-
mento da política pela força da invocação omnipresente de um conjunto
de inevitabilidades que são, em si mesmas, a negação da política pela
própria fala da política), todos estes problemas na sua dissecação à luz
de uma Teoria interativa da Argumentação, podem encontrar-se nas pá-
ginas que se seguem. Elas constituem, para o leitor não especializado,
uma cartografia do discurso público cuja dimensão radiológica transfor-
mam a obra num guia de orientação por entre a selva de ruído que dis-
crimina o desvalor da argumentação predominante e a institui como
mecanismo censório velado, por via do que Gabriel Weiman chamou «a
hierarquia da credibilidade» na sua articulação com a construção me-
diática da «irrealidade».

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PREFÁCIO: QUE DIZER? — UMA PERSPETIVA EXTERIOR

Também neste território, que é aquele onde se joga a própria ideia


de democracia, se inscreve o conjunto da obra do autor e, em particular,
o presente trabalho. Labor de depuração, de seleção, o exercício deste
texto coloca-o, portanto, no cerne do uso das palavras no peculiar quadro
do nosso tempo, uso que cada dia parece tornar-se mais surpreendente,
pela tangente que descreve ao absurdo e ao ininteligível, e que uma ade-
quada grelha teórica da Argumentação pode ajudar a discernir.
Nessa medida, poder-se-ia pensar este Vocabulário, também como
contributo remissivo de uma teorização da Argumentação para um in-
dispensável e vital gesto de autodefesa da condição cidadã contra o seu
aviltamento quotidiano paradoxalmente promovido pelo mercantilizado
universo político-mediático justamente em nome de uma... cidadania in-
formada.

Vai, portanto, na direção do aprofundamento da dimensão social e


co-existencial da sua teoria da interação argumentativa o Vocabulário
Crítico de Argumentação, que Rui Alexandre Grácio agora nos propõe.
Para além do terceiro termo (Argumentação), objeto das sumárias ob-
servações anteriores, faltará um breve par de notas respeitantes ao pri-
meiro (Vocabulário) e ao segundo (Crítico).
Salienta-se, a respeito do primeiro, como o vocábulo «Vocabulário»
descarta, opondo-se-lhe, o espectro de um outro possível, o termo «Dicio-
nário». Fá-lo-á não apenas pela dimensão — mais do que «não-exaustiva»
— depurada da presente obra mas, poder-se-á ainda interpretar assim,
pelo caráter não normativista da conceção do autor em relação ao seu
objeto de reflexão, a Argumentação.
A sua abordagem é, ao invés, perspetivista e, consequentemente, po-
lifónica, plural, desafiante, convidativa e despojada de pretensiosismo.
Caricaturando um pouco a expressão, Rui Alexandre Grácio não pede à
Argumentação que salve o mundo. Nem afirma saber se, caso este pre-
cisasse de ser salvo, seriam a argumentação perspetivada e a racionali-
dade sensível que propõe, quem poderia ou deveria fazê-lo. O que não
significa, antes pelo contrário, que a Argumentação não tenha um papel
a jogar no aprofundamento daquilo a que Dewey, em tempos, chamou
uma «democracia radical», temática que vem sendo cada vez com maior
imprescritibilidade retomada no pensamento filosófico-político da con-
temporaneidade. «Vocabulário» significa, deste modo, veículo de aproxi-
mação mais do que certificado de destino final, como no «Dicionário»,
esse sim, aspiração permanente à fixação de uma suposta objetividade

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(Fairclough) pela qual os homens, o mundo e as coisas poderiam senten-


ciosamente ver-se ditos.
E «Crítico», por fim. Um qualificativo que situa o leitor no âmago
do texto e o texto no centro do problema. «Crítico» porque a sua perspe-
tiva da Argumentação não é normativa e formalista, como se viu, mas
também porque ela não é ambiguamente funcional e utilitária. O cami-
nho da sua teorização é, pelo contrário, um trajeto de quádrupla relação:
1) relação entre uma focalização pan-argumentativista por um lado, e
uma ascese argumentativa estrita, por outro lado; 2) relação entre uma
estratégia autoritarista de validação «do argumento» e uma situação
comunicacional indiscriminada que lance a Argumentação no mundo
geral das trocas comunicativas; 3) relação que procura delimitar as fron-
teiras e as interpenetrações entre uma teorização linguística e uma me-
ditação filosófica da questão argumentativa; 4) relação, por fim, entre o
modo filosófico de filiação da Argumentação na teoria e o modo socioló-
gico da sua inscrição no mundo da vida e dos homens.
Constituindo-o, conforme já assinalado, como uma referência incon-
tornável para os investigadores, os especialistas ou os leitores simples-
mente interessados no tema, é por este trilho estreito que a obra de Rui
Alexandre Grácio caminha há mais de vinte anos, cruzando o provavel-
mente mais largo, intemporal e importante assunto para o humano:
como é, se é que, nos conseguimos entender uns com os outros?

Rui Pereira

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VOCABULÁRIO CRÍTICO
DE ARGUMENTAÇÃO
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A OCASIÃO E OS LOCAIS ARGUMENTATIVOS | ABDUÇÃO

A OCASIÃO E OS LOCAIS ARGUMENTATIVOS


O sentido da oportunidade justa, da adequação da intervenção e
da elaboração do seu conteúdo em função da circunstância espe-
cífica é uma das marcas distintivas da situação retórico-argu-
mentativa. Destas circunstâncias fazem parte o tipo de relação
que existe entre os participantes e as suas atitudes. Por um lado,
os lugares marcam muitas vezes as formas de argumentar e,
nesse sentido, nunca podem ser abstraídos dos processos circuns-
tanciados de argumentação; por outro, a situação de oposição deve
ser considerada para perceber os argumentos avançados.

ABDUÇÃO
Segundo Charles S. Peirce (1839-1914) são três os modos distintos
de raciocínio com que nos deparamos no conhecimento científico:
a dedução, a indução e aquilo a que Peirce chama «abdução». A
dedução é um raciocínio que, se partir de premissas verdadeiras,
não pode conduzir a conclusões falsas. Ela é sempre analítica e
representa um modo de exposição. A indução é uma argumentação
que, partindo do conhecimento de que determinados membros de
uma classe, escolhidos ao acaso, possuem determinadas proprie-
dades, extrai a conclusão de que todos os membros da mesma
classe as possuem também. Por isso a indução move-se numa
linha de factos homogéneos; a bem dizer, ela classifica, não explica.
O mesmo não acontece com o terceiro tipo de raciocínio que dá o
salto dos factos homogéneos para as suas causas. Este raciocínio,
que Peirce designa por «abdução», procede segundo o seguinte es-
quema:
a) Dá-se a observação de X, que é um facto surpreendente.
b) Ora, se Y fosse verdade, X seria natural.
c) Logo, há motivo para suspeitar que Y é verdadeiro.
Este tipo de raciocínio indica-nos que, com a finalidade de encon-
trar uma explicação acerca de um facto problemático, devemos
inventar uma hipótese ou conjetura a partir da qual se podem de-
duzir consequências. É, pois, um raciocínio para a melhor hipótese,
para a melhor explicação, para a aquilo que melhor podemos ima-
ginar. Por seu turno, tais consequências devem ser examinadas
indutivamente, ou seja, de modo experimental. Desta forma, a
abdução está intimamente ligada quer à dedução, quer à indução.
Por outro lado, a abdução mostra que as crenças científicas são

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ABORDAGENS DESCRITIVAS E ABORDAGENS NORMATIVAS

sempre falíveis, já que as comprovações experimentais podem


sempre desmentir as consequências das nossas conjeturas. É neste
sentido que Peirce assinala a dimensão provisória do conhecimento
científico e afirma que, «para uma mente científica, a hipótese
encontra-se sempre em comprovação».

ABORDAGENS DESCRITIVAS E ABORDAGENS


NORMATIVAS
Exemplos das abordagens que procuram destacar a argumentati-
vidade podem ser encontrados na perspetiva da análise do discurso
e nas suas metodologias. Há duas orientações principais no modo
de proceder a uma análise do discurso em termos argumentativos:
a abordagem descritiva e a abordagem normativa. A primeira cen-
tra-se essencialmente na captação dos mecanismos, estratégias e
critérios utilizados para dar força ao discurso; a segunda tem como
finalidade última proceder a uma avaliação crítica dos argumentos
e apresenta-se essencialmente ligada ao pensamento crítico (teste
dos padrões propostos). Por exemplo, partindo da ideia de que a es-
colha das palavras e a sequenciação dos enunciados nunca é uma
atividade neutra (contrapondo-se aqui a argumentatividade à neu-
tralidade), pode destacar-se o modo como são utilizadas certas pa-
lavras, enunciados e conexões entre enunciados de modo a orientar
o discurso. De um ponto de vista estritamente linguístico, andamos
sempre de palavras em palavras e o significado das palavras remete,
em feixe, para outras palavras. Nesta perspetiva da argumentação
é fundamental o par implícito-explícito.
Pode também ver-se como é que a formulação do discurso visa
produzir influência e de que modo procura dar-lhe força. Aqui, a
argumentação é encarada do ponto de vista da análise do discurso
e debruça-se essencialmente sobre o modo como uma instância
de locução age através dos meios verbais sobre um interlocutor
ou um auditório. Estas análises são descritivas.
Mas pode também encarar-se uma argumentação a partir dos ra-
ciocínios que nelas são postos em jogo e proceder-se a vários tipos
de avaliação; a incidência, neste caso, vai para a estrutura formal
dos raciocínios (forma lógica) e para a sua estrutura informal (e
aqui o teste irá incidir sobre os modos de argumentar, ou seja, so-
bre aquilo que Toulmin chamou garantias e reforços). Esta análise
é normativa e tem como objeto a validade (formal) e a aceitabili-
dade (informal) dos raciocínios.

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ABORDAGENS DESCRITIVAS E ABORDAGENS NORMATIVAS

Mais complexa é a perspetiva que faz uma síntese entre as visões


descritiva e normativa, colocando a tónica, e o ponto de partida,
na interação. O seu pressuposto descritivo é a presença de um
discurso e de um contradiscurso em torno de um assunto em ques-
tão. O seu pressuposto normativo é que cada um dos participantes
invocará e procurará fazer prevalecer critérios de avaliação. Deste
ponto de vista pode dizer-se, com Plantin, que a regra do discurso
de um está no discurso do outro.
Refira-se ainda que, numa perspetiva descritiva, as noções de
razão e de razoabilidade são consideradas de uma forma muito
diversa. Para a perspetiva linguística a argumentação não é uma
questão de razão ou de razoabilidade, mas algo que deve ser com-
preendido exclusivamente a partir do funcionamento da língua e
da coerência enunciativa. Aliás, nesta perspetiva, a questão da ar-
gumentação como atividade racional ou razoável nada tem a ver
com o logos, antes remete para a questão do ethos ou imagem de
si. Também para o ponto de vista da argumentação no discurso, a
razão ou a razoabilidade é algo que reside na própria opção de
usar meios discursivos para tratar assuntos como forma alternativa
ao uso da violência, uma forma das pessoas se entenderem (quanto
mais não seja porque elegem meios verbais) sem estarem de acordo.
Não se trata aqui de dizer que não há critérios nem recurso a nor-
mas mas, apenas, enfatizar que elas não são universais e têm de
ser vistas caso a caso. Já para a perspetiva normativa, cuja finali-
dade última é proceder a uma avaliação das argumentações, há a
tendência para se estabelecerem regras universais e ideais em
função das quais as práticas concretas devem ser avaliadas. É em
função delas que terá sentido falar de razão ou de razoabilidade. A
classificação geralmente usada para traduzir os defeitos do racio-
cínio é o termo «falácia», ainda que este conceito seja concebido de
diferentes maneiras, ou seja, surja em função do quadro teórico
normativo proposto. A abordagem normativa apresenta-se, assim,
como corretiva e ortopédica das argumentações tal como elas se
apresentam na realidade, propondo-se assinalar como deveriam
ser em função de normas, regras ou códigos de conduta.
Finalmente, e de um ponto de vista interacionista, a acusação de
«falácia» é vista como uma forma de contradiscurso e a racionali-
dade de um discurso está intimamente ligada à assunção de pers-
petivas e às seleções que enquadram o que cada um pensa ser o
modo apropriado de se abordarem os assuntos. A apresentação de
razões significa, aqui, justificar o que se pensa e o modo como se

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

pensa por oposição a outros modos de pensar e não, meramente, o


suportar ou fundamentar proposições. Neste sentido, é sempre
possível reconhecer que um argumento é válido e bom, mas que a
perspetiva não é grande coisa.

ANÁLISE ARGUMENTATIVA
A análise argumentativa pode ter diversas incidências e varia de
acordo com o conceito de argumentação de que parte. Se conside-
rarmos, como o faz Amossy, que a argumentação é constitutiva do
discurso, então a análise argumentativa é vista como «um ramo
da análise do discurso» (2006: 246) e tem um espectro alargado:
«abrange tanto as informações televisivas como uma descrição,
uma narrativa de uma viagem, uma conversa em família» (Amossy,
2006: 245). Inserindo-se na análise do discurso, a abordagem ar-
gumentativa norteia-se por certos princípios. Amossy enumera
os seguintes: «1. Estudo da argumentação na língua natural, na
materialidade do discurso, como elemento integrante de um fun-
cionamento discursivo global. 2. Situa a argumentação, assim en-
tendida, numa situação de enunciação precisa da qual é preciso
conhecer todos os elementos (participantes, lugar, momento, cir-
cunstâncias, etc.). 3. Estuda a forma como a argumentação se
move no interdiscurso, situando-se relativamente ao que se disse
antes e ao momento da tomada da palavra sob o modo da retoma,
da modificação, da refutação, do ataque, ... 4. Toma em considera-
ção a forma como o logos, ou o desenvolvimento dos argumentos
em língua natural, se alia concretamente ao ethos, a imagem de
si que o orador projeta no seu discurso, e ao pathos, a emoção que
quer suscitar no outro e que deve também construir discursiva-
mente» (Amossy, 2008: 7). Esta abordagem da argumentação e da
análise argumentativa acarreta certas consequências: 1. Implica
um corte com a abordagem lógica (formal ou informal) da argu-
mentação, a qual não se interessa pelos funcionamentos lingua-
geiros e neles vê, muitas vezes, obstáculos para a boa formação
dos argumentos (pense-se, por exemplo, na falácia da ambigui-
dade). Com este corte cria uma via de acesso para abordar a ar-
gumentação na linguagem natural e coloca ao mesmo tempo a
questão do estatuto dos esquemas lógico-discursivos e dos para-
logismos, privilegiados por certas correntes filosóficas, no funcio-
namento real dos discursos com visada persuasiva. 2. A filiação
do estudo da argumentação na AD conduz a uma abordagem es-

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

pácio-temporalmente situada, tomando em consideração a socia-


bilidade inerente ao discurso. Este remete para valores, normas e
regras cuja consideração contextual, logo local, põe em causa a
perspetiva universalista. 3. Do ponto de vista da dimensão argu-
mentativa, que é englobante de um conjunto de discursos, fica-se
em condições de analisar os vários procedimentos a que pode re-
correr a tarefa da persuasão. 4. Finalmente, o estudo da argu-
mentação no discurso pode repartir-se segundo incida sobre os
próprios funcionamentos discursivos (plano micro) ou se debruce
sobre a análise de textos concretos (plano macro). Note-se que,
nesta abordagem da argumentação, não está em causa avaliar os
argumentos apresentados, mas perceber estratégias discursivas
que visam dar força ao discurso. A análise argumentativa, en-
quanto análise do discurso é, assim, mais abrangente do que a
análise da argumentação na língua proposta por Anscombre e
Ducrot, a qual privilegia o encadeamento dos enunciados como
forma de orientar para uma determinada sequência e se fica pelos
mecanismos estritamente linguísticos que pontuam esta orienta-
ção. Partilham de alguma forma desta atitude analítica que põe
em relevo a ideia de orientação, mas como sequência que não se
cumpre, os teóricos da argumentação na conversação. É neste sen-
tido que Sally Jackson e Scott Jacobs definem as argumentações
como «acontecimentos discursivos de desacordo relevante baseados
na irrupção de uma rutura quanto à resposta desejada numa con-
versação» (Jackson e Jacobs, 1980: 254). Para eles, por conseguinte,
a argumentação põe em ação pares adjacentes — ou seja, a colo-
cação de uma questão e a orientação para a resposta pretendida
— e a não aceitação dessa sequenciação dada a preferência por
outro par diferente. Estas bases podem servir também para pro-
ceder a uma análise argumentativa.
Outra perspetiva de análise é a que considera como elementos
fundamentais das argumentações os raciocínios. Neste sentido, e
ao contrário das abordagens anteriormente referidas, a análise
argumentativa será essencialmente normativa (preocupa-se em
avaliar as argumentações a partir do exame e do teste dos seus
raciocínios). Ainda que a análise não seja aqui feita apenas no
plano formal, o facto é que, mesmo na chamada lógica informal, a
dimensão formal é a mais importante. Não é por acaso que, no
âmbito da lógica informal, se fala de esquemas argumentativos
(e, quer os esquemas, quer a representação diagramática dos ar-
gumentos são sempre formas de os clarificar através de procedi-

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

mentos formalizantes) e se procura identificar esquemas recor-


rentes e analisar-lhes as condições de validade. As tipologias de
argumentos servem, justamente, na perspetiva da lógica informal,
para proceder à sua avaliação através do chamado teste das per-
guntas críticas. É claro que entre o discurso tal como ele ocorre
na linguagem natural e o discurso suscetível de análise lógica vai
uma distância que tem de ser colmatada pela recondução do dis-
curso a encadeamentos racionais. Nesse sentido os lógicos infor-
mais propõem um trabalho prévio de interpretação que visa a re-
construção do discurso em termos da sua submissão à avaliação
lógica.
Há ainda outras perspetivas que de algum modo procuram inserir
a análise dos raciocínios num contexto de comunicação. Assim, e
do ponto de vista da pragma-dialética, as tarefas do analista são
simultaneamente descritivas, analíticas e avaliativas. Ligando a
argumentação a uma situação de comunicação entre dois partici-
pantes, a pragma-dialética considera os lances produzidos por cada
um dos participantes como «atos de linguagem» que podem ter di-
ferentes classificações. Distingue, assim, entre cinco atos de fala:
os assertivos, os diretivos, os comissivos, os expressivos e os decla-
rativos (cf. van Eemeren & Grootendorst, 2004a: 62-68). A identi-
ficação do tipo de ato de fala representa, por conseguinte, um dos
pontos da análise argumentativa. Ele é fundamental, por exemplo,
para identificar posições e para as distinguir do que é apresentado
como razões de suporte, ou argumentos, dessas posições. Nessa
identificação é também importante a função dos conectores através
dos quais se ligam os enunciados. Faz também parte da análise
argumentativa perceber a estrutura dos argumentos e as formas
diversas que podem apresentar. A este respeito a pragma-dialética
diferencia entre argumentação múltipla (quando há várias linhas
de razões não relacionadas entre si), argumentação coordenativa
(quando há encadeamentos paralelos mas interdependentes) e ar-
gumentação subordinativa (quando se apresenta uma cadeia em
série). Esta estruturação pode ser efetuada diagramaticamente.
Há, ainda, que identificar os esquemas argumentativos usados,
ou seja, perceber o tipo de argumento que está a ser utilizado.
Com base nestes elementos pode então proceder-se à reconstrução
das argumentações, processo no qual se colocarão em evidência
todos os elementos (explícitos ou implícitos) que nelas estão conti-
dos. As operações que transformam o discurso de modo a possibi-
litar a análise argumentativa podem envolver a eliminação de

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

partes não relevantes, a adição que permite tornar mais explícitas


certas partes, a substituição que permite clarificar elementos con-
fusos e ambíguos e, finalmente, a permuta, com vista rearranjar
certas partes (van Eemeren & Grootendorst, 2004a: 103-104). Fi-
nalmente, faz parte da análise das argumentações a sua avaliação,
remetendo esta essencialmente para padrões normativos. Estes
padrões, idealmente formulados, constituem as «regras para uma
discussão crítica» e aplicam-se às diferentes fases que constituem
uma argumentação: a do confronto, a da abertura, a da argumen-
tação e a do fecho. Nesta avaliação trata-se de ver se foram, ou
não, cometidas falácias, sendo que «cada violação de qualquer das
regras do procedimento de discussão por que se pauta uma dis-
cussão crítica (seja ela cometida por qualquer das partes e em
qualquer dos estádios da discussão) é uma falácia» (van Eemeren
e Grootendorst, 2004a: 175). Sendo assim «esta abordagem consi-
dera os procedimentos utilizados nas diferentes etapas do processo
de resolução de um desacordo como atos de linguagem, como tomar
uma posição, colocar em dúvida, avançar argumentos a favor ou
contra uma posição ou decidir o assunto de uma discussão» (van
Eemeren e Houtlosser: 2004b; 46). Por outro lado, «o estudo da ar-
gumentação pretende determinar que critérios apropriados aplica
um juiz razoável quando avalia o ponto de partida e a organização
da argumentação e tornar claro como é que tais critérios devem
ser aplicados na análise, avaliação e apresentação da argumenta-
ção» (van Eemeren e Houtlosser, 2002a).
Não muito distante da conceção da pragma-dialética está a lógica
pragmática de Walton. A principal diferença entre estas duas con-
ceções reside no facto de, para este último autor, a avaliação das
argumentações dever considerar o contexto dialógico em que a
argumentação está inserida. Os contextos dialógicos, ou tipos de
diálogo, são definidos pragmaticamente, ou seja, os diálogos são
tipificados em função da finalidade que perseguem. Uma mera
querela em que os participantes querem dar vazão à sua emotivi-
dade tem de ser encarada de uma forma diferente de um diálogo
que visa uma negociação, ou de um diálogo que procede a uma
discussão crítica, sendo este último tipo o mais relevante do ponto
de vista da argumentação. Por outro lado, a normatividade deste
modelo de análise é deduzida da finalidade de cada diálogo e a
avaliação dos argumentos será feita à luz das normas que cada
diálogo pressupõe em virtude da sua finalidade. Neste contexto,
altamente normativo, a ideia de falácia adquire um novo enqua-

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

dramento e pode estar também relacionada com mudanças de re-


gisto quanto ao diálogo em que os participantes estão envolvidos.
Comum às três últimas conceções referidas — e que mostra bem
o seu pendor logicista e cartesiano — é a ideia de que, dada uma
oposição de teses, traduzidas em termos proposicionais, apenas
uma delas pode ser verdadeira: «o ponto de partida lógico de que
uma asserção e a sua negação não podem ambas ser verdadeiras
ao mesmo tempo tem como consequência na discussão crítica que
uma das duas asserções deve ser retirada» (van Eemeren e Groo-
tendorst, 2004a: 132). Inicialmente, as abordagens da argumen-
tação desenvolvidas a partir da lógica e da sua reformulação, de
modo a torná-las capazes de analisar a argumentação tal como
ocorre na linguagem natural, tenderam a separar a análise argu-
mentativa da análise retórica: «as manhas retóricas que passam
por verdadeira argumentação exploram quer as emoções ou os
preconceitos do público, quer os traços pessoais do interlocutor, a
sua competência, ou outras qualidades. O logos é substituído pelo
pathos no primeiro caso e pelo ethos no segundo» (van Eemeren e
Grotendorst, 1991: 177) Há no entanto a registar que, atualmente,
em certas abordagens normativas, nomeadamente na pragma-
-dialética, tentam integrar-se os contributos da retórica no seu
quadro conceptual, nomeadamente através do conceito de «mano-
bras estratégicas» (cf., por exemplo, van Eemeren e Houtlosser,
2000). Todavia o pendor normativo mantém-se. Assim, escreve
van Eemeren, «a questão é então a de saber que estratégias retó-
ricas usadas no discurso são dialeticamente aceitáveis» (cf. van
Eemeren & Houtlosser, 2000; 2002a). Ou seja, e para citar o co-
mentário irónico de Frank (2004: 281), «os retóricos são bem-
vindos ao reino da pragma-dialética, mas como cidadãos de se-
gunda classe que têm intuições sobre ‘técnicas retóricas’».
Se seguirmos Charaudeau (2008), os eixos que devem guiar a
análise argumentativa gravitam em torno das noções de proble-
matização, posicionamento e prova. Escreve, nesse sentido, que
«problematizar é uma atividade discursiva que consiste em propor
a alguém não apenas aquilo de que se trata, mas também o que é
preciso pensar; por um lado, fazer saber ao interlocutor (ou ao au-
ditório) do que se trata, isto é, que domínio temático é proposto
tomar em consideração; por outro, dizer-lhe qual é a questão que
se coloca a seu propósito. (…) Mas isso ainda não é suficiente,
pois é ainda preciso que o sujeito que quer argumentar diga que
termo da oposição vai defender. Ele deve posicionar-se relativa-

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

mente à problematização proposta, dizer qual é o seu ponto de


vista relativamente às asserções em presença. (…) Provar é a ati-
vidade discursiva que serve para justificar a escolha do posicio-
namento. Com efeito, problematizar e posicionar-se não constituem
o todo do ato argumentativo».
Uma outra via de acesso à análise argumentativa é o da sua abor-
dagem em termos de design. Representada, entre outros, por Jean
Goodwin, esta visão é crítica da perspetiva de Walton nos seguintes
aspectos: «a) A característica determinante do contexto de uma ar-
gumentação está na conversa na qual, e através da qual, a argu-
mentação é construída. Não assumimos que o contexto venha sem-
pre organizado em formas sociais como ‘diálogos’ ou ‘discussões
críticas’. Em vez disso, consideramos que a conversa através da
qual e no interior da qual os argumentos são desenvolvidos é o
meio básico por intermédio do qual as pessoas organizam um con-
texto para a sua interação. É por isso que não esperamos dar uma
explicação única e uniforme das normas da argumentação (…) mas,
em vez disso, reconhecemos diversos ambientes normativos criados
pelas diversas histórias da conversa. b) Um falante desenha assim
essa conversa para criar no(s) seus(s) recetor(es) razão para res-
ponder como deseja. (…) Para o dizer resumidamente, em vez de
assumir que a conversa argumentativa é funcional, perguntamos
como é desenhada para ter força. c) As normas da argumentação
incluem aquelas obrigações (padrões, ideais, etc.) que a sua argu-
mentação tem de assegurar (estar à altura, convir que, etc.) para
que a sua conversa tenha força. É uma estratégia comum do argu-
mentador gerar força criando um ‘terreno normativo’ local no qual
a resposta que ele deseja é manifestamente obrigatória (ideal, cor-
reta, prudente)» (Goodwin 2007a: 85). Nesta perspetiva, os partici-
pantes vão desenhando simultaneamente o assunto e o seu contexto
e seguir este movimento é o que se faz na análise argumentativa.
Enfatizando a diferença entre as visões que fundam a argumentação
no diálogo e a teoria do design, Goodwin (2001: 10) escreve: «de
acordo com a teoria do diálogo, argumentar é paradigmaticamente
um diálogo. Para a teoria do design argumentar é paradigmatica-
mente uma transação. De acordo com a teoria do diálogo, as normas
emergem porque é suposto os argumentadores cooperarem para
realizarem uma função social. Para a teoria do design as normas
aparecem porque os argumentadores agem para as impor a si mes-
mos ou a cada um. De acordo com a teoria do diálogo, a teoria deve

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

definir as normas constitutivas e reguladoras do diálogo. Para a


teoria do design, a teoria deve analisar as estratégias dos argu-
mentadores e explicar como é que elas funcionam».
Para Plantin, por seu turno, é importante partir daquilo que de-
signa como o «modelo trilógico» e considerar que as argumentações
se desenrolam articulando três polos: o de proponente, o de opo-
nente e o de Questão. Por outro lado, há que perceber que a opo-
sição é constitutiva de uma situação de argumentação. Assim, es-
creve, «não pode haver argumentação a não ser quando existe
desacordo sobre uma posição, isto é, confrontação de um discurso
e de um contradiscurso» (Plantin, 1996: 21). Propõe, além disso,
uma abordagem imanente da questão da avaliação: «a abordagem
dialogal da argumentação ocupa-se, antes de mais, em documentar
empiricamente estas práticas críticas. Em qualquer caso, a prática
da avaliação dos argumentos é guiada por um princípio simples:
aquele que não admite um discurso é o primeiro, porventura o me-
lhor, crítico e, antes de mais, ele fala; é pois preciso considerar a
sua palavra. Esta última afirmação é um princípio normativo que
diz respeito não à atividade argumentativa, mas ao método em
teoria de argumentação. A tarefa desta teoria é a de inteirar-se o
melhor possível desta atividade crítica e, não, substituí-la. A con-
clusão inspirar-se-á em Guzot: laissez faire, laissez aller — e deixem
dizer! Não existe um super-avaliador capaz de parar o processo
crítico por uma avaliação terminal que a todos faria calar. E,
quanto mais avaliações houver, mais argumentações apaixonantes
haverá para descrever» (Plantin, 2009b: 160). Como elementos a
considerar na análise das argumentações Plantin propõe um in-
teressante conjunto de questões: «caso se trate de um monólogo
que justifica uma posição, postula-se que essa justificação responde
a uma oposição implícita e que existe em algum lado um contra-
discurso e uma possibilidade de dúvida; daí surgem as perguntas
seguintes: que estatuto concede este monólogo ao contradiscurso
e à dúvida sobre a posição que defende? Por outras palavras, dá
voz aos que se Opõem e aos Terceiros? Como estão presentes em
cena? Caso se trate de uma interação, em que papéis argumenta-
tivos intervêm os atores presentes? Quem é aliado de quem? Como
se manifestam as alianças? Têm os atores possibilidade de mudar
de papel argumentativo? Se sim, será que alguns atores mudam
efetivamente de papel argumentativo? A pergunta está estabili-
zada? Sofre transformações durante o debate? Originou perguntas
derivadas? Quais? A finalidade fundamental da interação é o tra-

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ANÁLISE ARGUMENTATIVA

tamento da questão? Já está formada ou vai-se formando? Existe


um guião sobre esta questão? Está a formar-se ou já está formado?
Qual a natureza do lugar no qual se desenrola a argumentação?
É um lugar argumentativo institucional? Como funcionam os tur-
nos de palavra? Quais são as funções institucionais desse lugar?
Como se articulam relativamente aos papéis argumentativos? Por
fim, pode considerar-se a constituição de séries diacrónicas de
corpus argumentativos (como e quando apareceu esta pergunta,
como evoluiu e como desapareceu?) ou sincrónicas (em que lugar
se debate a questão? Quais são os conjuntos de argumentos e
como variam segundo os lugares? Que atores têm a seu cargo os
argumentos? Como se articulam em cada lugar, oralmente ou por
escrito?). Todas as tarefas que estas perguntas sugerem acres-
centam-se, evidentemente, aos trabalhos clássicos da análise ar-
gumentativa, que consistem em identificar, descrever, classificar
e, segundo dizem, avaliar os argumentos» (Plantin, 1999: 47-48).
Finalmente, poderíamos dizer que a análise argumentativa se
pode basear nas seguintes ideias: toda a situação argumentativa
pressupõe um assunto em questão; compreender um discurso em
termos argumentativos é entendê-lo como resposta a uma questão.
No entanto, essa questão decorre de um processo de tematização
que estabelece os termos da questão e invoca determinados re-
cursos para fazer perceber como se define a resposta no interior
de um assunto. A leitura argumentativa destina-se justamente a
perceber a organização do assunto em questão (ou seja, os termos
em que é colocado com base na produção de distinções, hierarqui-
zações e reforços argumentativos que funcionam como argumen-
tos) e a resposta que é apresentada como uma tomada de posição.
No entanto, a leitura argumentativa não é o todo da argumentação
e argumentar não é apenas interpretar: ela representa uma dis-
sonância entre posições. Se a situação argumentativa supõe opo-
sição entre discursos, dois aspectos há a considerar: por um lado
o modo como os participantes procuram fazer do assunto um
«caso», suscitar interesse em torno dele. Diz Goodwin (2002: 88)
que é preciso incentivar à argumentação e que «os incentivos po-
dem ser geralmente categorizados como cenouras ou varas. Ofe-
recendo cenouras, o argumentador tentará fazer o seu interlocutor
querer fazer uma questão do assunto; o assunto em questão apa-
recerá como desejável, atrativo ou do interesse do outro. Amea-
çando com a vara, o argumentador tentará fazer com que o outro
tenha de fazer disso um assunto em questão; este aparecerá como

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ANALOGIA

algo a que o outro foi obrigado, ou forçado pelas circunstâncias, a


encarar — ou, se não a encarar, pelo menos a tentar esquivar,
evitar, evadir ou contornar». Por outro lado, é preciso ver a forma
como cada participante tematiza o assunto em questão como um
componente da interação, devendo por isso essa forma ser consi-
derada numa relação de interdependência discursiva. Se a forma
básica é o díptico argumentativo, é contudo a tematização da opo-
sição, desenvolvida por turnos de palavra, que pode proporcionar
progressão na argumentação. Deste modo, a análise argumenta-
tiva, para além de enquadrar a situação de argumentação a partir
do díptico que a constitui, debruçar-se-á sobre as estratégias usa-
das pelos argumentadores e sobre os efeitos que estas têm sobre
a progressão da argumentação. Neste sentido, e sem recorrer a
critérios normativos exteriores, poderemos avaliar a força dos ar-
gumentos pelo impacto circunstanciado que eles têm no desenrolar
e na eventual progressão da interação. A argumentação e os pro-
cessos de avaliação não são dissociáveis a não ser para uma ins-
tância que se assume como meta-argumentativa e, por conse-
guinte, que não participa na interação na qualidade de
argumentador. É por isso preferível dizer que os argumentadores
vão modulando o assunto em questão, produzem discursos e con-
tradiscursos, convocam normas e critérios, colocam na mesa novas
informações ou dão ênfase a certos aspectos, dá-se a retoma do
discurso de um pelo discurso do outro e, tudo isto, num processo
aberto e tensional que não tem necessariamente de concluir, o
que não significa que não tenha havido progressão. Afinal, como
nota Goodwin (2007b: 48), «através da argumentação, mesmo em
argumentações sem solução, e dolorosas, conseguimos acabar por
nos posicionar mais solidamente no mundo».

ANALOGIA
Do ponto de vista argumentativo, uma analogia consiste em partir
de uma relação geralmente conhecida e admitida e assimilá-la a
outra que pode ser mais distante ou problemática. A analogia fun-
ciona, assim, aproximando o que é mais familiar ao que é mais es-
tranho para, desse modo, permitir aplicar (por transferência) ao
que nos é menos familiar, os critérios de clareza que temos relati-
vamente ao que nos é mais familiar . Por exemplo, se uma farma-
cêutica pretende introduzir um novo medicamento, ela pode re-
correr à analogia para o promover, dizendo que «do mesmo modo

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ANALOGIA

que as novas tecnologias foram estranhas antes de serem banais,


também este novo medicamento será em breve de consumo gene-
ralizado». A analogia, que estabelece uma conexão entre o particu-
lar e o particular, produz assim uma justaposição de relações cuja
força argumentativa reside na capacidade encontrar um análogo
que surja como evidente e inquestionado, de tal modo que a sua
dimensão óbvia passe para a relação com a qual é comparado. Se-
gundo Perelman, a analogia não estabelece uma relação de igual-
dade simétrica: «o interesse da analogia consiste na aproximação
de dois domínios heterogéneos, cujo primeiro par, a que nós cha-
mamos tema, se desejaria esclarecer, precisar ou avaliar graças ao
segundo, qualificado de foro da analogia. Aliás, essa é a razão pela
qual se afirma que o tema não é igual ao foro, mas que é como o
foro: a razão de similitude tende para a igualdade, se se conseguem
assimilar inteiramente as duas relações, mas, se se chega a esta-
belecer a mesma relação entre os termos do tema e do foro a ana-
logia desapareceu, porque tema e foro se tornam homogéneos»
(Perelman, 1987: 207). Uma das formas mais vulgares de refutar
uma analogia é dizer que não se podem comparar coisas que não
são comparáveis, ou seja, recusar a aproximação entre o tema e o
foro da analogia proposta. Sendo a argumentação a partir da ana-
logia fundada na similitude de duas relações, ela torna-se tanto
mais forte quanto as características relevantes do que é comparado
sejam realmente familiares e óbvias. Pode também aceitar-se uma
analogia operando uma inversão da finalidade para a qual ela é
proposta, colocando-a assim ao serviço do contradiscurso. A analo-
gia tem também relação com a metáfora — considerada por Perel-
man como uma «analogia condensada» —, funcionando as metáfo-
ras como verdadeiros hologramas do discurso.
No campo jurídico, por exemplo, o recurso ao precedente implica
uma forma de argumentação analógica que convoca o modo como
se decidiu num determinado caso passado para que ele seja to-
mado em consideração no modo de decidir no caso presente. Em
termos de racionalidade, as argumentações pela analogia remetem
para aquilo a que Perelman (1972: 7) chamou a regra de justiça, a
qual aponta para uma equidade no tratamento de situações con-
sideradas como essencialmente semelhantes e é vista como «a re-
gra mestra da razão prática», remetendo para uma racionalidade
assente em processos de comparação.

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ARGUMENTAÇÃO E REGRESSÃO AO INFINITO

ARGUMENTAÇÃO E REGRESSÃO AO INFINITO


A atividade de argumentar tem um fundamento filosófico. Porquê?
Em primeiro lugar porque é regida por uma questão cujas respostas
enquanto conhecimento podem ser sempre postas em dúvida. Como
escreve Juranville (1984: 56), «a questão como filosófica, supõe uma
colocação em dúvida da resposta enquanto saber». Em segundo lu-
gar, como nota Aristóteles, porque no que diz respeito aos princípios
de cada ciência «é impossível sujeitá-los a discussão a partir dos
mesmos princípios da ciência particular em causa, posto que os
princípios são os elementos anteriores a tudo o mais; estes devem
discutir-se à luz e em virtude das opiniões prováveis relativas a
cada um deles, e esta é a tarefa própria, ou mais apropriada, à dia-
lética, porque em virtude da sua natureza indagatriz, ela nos abre
o caminho aos princípios de todo o método» (Tópicos, 100b-102a).
Esta passagem traz uma solução ao chamado trilema de Münch-
hausen segundo o qual toda a tentativa de fundamentação última,
em termos teóricos, cai numa das seguintes aporias: a) regressão
ao infinito; b) circularidade viciosa; c) escolha arbitrária por um
ponto que é colocado fora de questão (axioma). Dizemos «solução»
pois Aristóteles fala de discussão a partir de opiniões prováveis
que remetem para a aceitação, em termos práticos, de opções e de
deliberações. Em termos argumentativos não regredimos ao infinito
porque estamos sempre in media res, não somos intemporais e,
pelo contrário, pesam sobre nós os constrangimentos da ação e as
finalidades práticas que urgem as decisões. Não é circularidade vi-
ciosa porque as opções são o possível provisório e não o necessário
definitivo. Por outro lado, força dos argumentos tem o seu tempo
de validade, força que não é contudo arbitrária porque se alia ao
preferível. A argumentação é necessária para viver, mas não consiste
em formulações imutáveis ou corresponde à afirmação de um co-
nhecimento eterno. Em suma, liga-se a procedimentos de ques-
tionamento (e nisso tem afinidades com a filosofia), mas nela o
questionamento não é motivado teoricamente (não visa o estabe-
lecimento de conhecimento em termos de abstratos), estando sem-
pre ligado a finalidades práticas (nomeadamente à ponderação
de situações onde é incontornável decidir). Neste sentido ela
afasta-se da filosofia como busca de fundamentos últimos, cen-
trando-se antes em fundamentos suficientes para motivarem uma
tomada de posição. Trata-se, pois, de uma forma de pensar que tem
em consideração o seu enraizamento histórico e situacional.

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ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA

ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA
Trata-se de uma teorização da argumentação desenvolvida pelos
linguistas franceses Jean-Claude Anscombre e Oswald Ducrot.
Situados numa tradição estruturalista que procura explicar o fun-
cionamento da língua sem recorrer a qualquer tipo de elementos
que a ela são exteriores, esta teoria afirmará que é constitutivo
dos enunciados e da sua articulação um modo de significação que
consiste em orientar para. É neste sentido que considera que todo
uso da língua é argumentativo: indica uma direção, projetando
idealmente o seguimento do discurso. A teoria desenvolvida em
torno da intuição de que o uso da língua, ou seja, o discurso,
«impõe à atividade da argumentação constrangimentos específicos
que não encontram explicação nas condições lógicas ou psicológicas
da demonstração» (1997: 5), levou os teóricos da argumentação
na língua (abreviadamente, ADL, do francês Argumentation dans
la langue) a debruçarem-se sobre as palavras vazias que servem
para ligar enunciados, como, por exemplo, portanto, logo, mas,
etc.. A estes elementos de articulação entre dois enunciados cha-
maram «conectores» e atribuíram-lhe uma valência argumentativa
na medida em que são linguisticamente condicionadores da se-
quência do discurso. Assim, o enunciado «este restaurante é bom,
mas caro» remete para a sequência «não vamos», tal como o enun-
ciado «este restaurante é caro, mas bom» remete para a sequência
«vamos». Ou seja, a formulação linguística e o operador argumen-
tativo «mas» condiciona e torna expectável a sequência do discurso,
sendo que se pode dizer que a argumentação está na língua. No
entanto, e numa segunda fase, esta teorização centrou-se, para
além da articulação dos enunciados, no próprio uso das palavras
consideradas como topoi. A escolha da palavra «caro» é desde logo
argumentativa na medida em que, longe de descrever uma quali-
dade objetiva do restaurante, procede a uma classificação que re-
mete para a sua consideração em termos das significações que es-
tão associadas a essa palavra. Neste sentido as próprias palavras
podem ser vistas como feixes de topoi e a relação com o aquilo a
que comummente são associadas faz com que a sua significação
seja uma forma de orientar. Os desenvolvimentos mais recentes
desta teoria, realizados conjuntamente por Marion Carel e Ducrot,
centram-se na teoria dos blocos semânticos (TBS) e valorizam es-
sencialmente a noção de encadeamento discursivo. A ideia é a de
que a conexão de proposições num enunciado (como por exemplo
«conduzes demasiadamente depressa, arriscas-te a ter um aci-

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ARGUMENTAÇÃO

dente») tem uma relação radical de interdependência, ou seja, as


proposições funcionam em bloco e em nada mantêm uma relação
inferencial uma com a outra, no sentido do argumento («conduzes
demasiado depressa») escorar racionalmente a conclusão («ar-
risca-se a ter um acidente»). Assim, escreve Ducrot: «cada uma
destas aparentes afirmações contém, com efeito, o conjunto do
encadeamento em que ocorrem» (2004: 23). Ou seja, o argumento
é portador de um valor semântico que antecipa linguisticamente
o encadeamento discursivo, sendo este, por conseguinte, algo que
deriva do próprio funcionamento da língua e não de um logos ar-
gumentativo, o que significa distinguir radicalmente a argumen-
tação linguística da argumentação retórica. Assim, escreve Ducrot,
«a argumentação linguística não tem qualquer relação direta com
a argumentação retórica» (2004: 17), entendendo por isso que um
argumento está longe de ser uma razão ou uma justificação para
uma conclusão. Marcando essa distância, Ducrot afirma mesmo
que «as palavras não permitem nem a demonstração nem tam-
pouco essa forma degradada da demonstração que seria a argu-
mentação. Esta não é senão um sonho do discurso, e a nossa teoria
deveria chamar-se antes ‘teoria da não argumentação’» (1997:
234). A mais-valia da abordagem da argumentação na língua é a
de mostrar, por um lado, que não há discursos neutros, meramente
descritivos ou informativos e, por outro lado, que não podemos
negligenciar o uso da língua e o seu funcionamento quando pro-
curamos teorizar a argumentação. Todavia, como nota Plantin «a
ideia de uma competência crítica discursiva é totalmente estranha
à teoria da argumentação na língua» (2002a: 53).

ARGUMENTAÇÃO
É a disciplina crítica (ou seja, organizada, controlada e problema-
tizante) de leitura e interação entre as perspetivas inerentes à
discursividade e cuja divergência os argumentadores tematizam
em torno de um assunto em questão. As questões de argumentação
estiveram tradicionalmente ligadas a três disciplinas: à lógica, à
retórica e à dialética. A partir dos meados do século XX, nomea-
damente com as obras de Chaïm Perelman e de Stephen Toulmin,
a argumentação tendeu a ser encarada como um domínio disci-
plinar próprio. Na sua teorização encontramos uma quantidade
assinalável de propostas, muitas das quais incompatíveis entre
si. Podemos assinalar essa heterogeneidade, que indica que não

28
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:31 Page 29

ARGUMENTAÇÃO

existe propriamente um paradigma neste campo de estudos, refe-


rindo algumas das definições apresentadas.
Chaïm Perelman:
«O objeto desta teoria é o estudo das técnicas discursivas que permi-
tem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses propostas
ao seu assentimento» (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988, 5).
Stephen Toulmin:
«O termo argumentação será usado para referir toda a atividade
de apresentar teses, desafiá-las, reforçá-las através de razões, cri-
ticar essas razões, refutar essas críticas, e por aí em diante» (Toul-
min, Rieke & Janik, 1984:14)
Jean-Claude e Oswald Ducrot:
«Quando falamos de argumentação, referimo-nos sempre a dis-
cursos que comportam pelo menos dois enunciados, E1 e E2, dos
quais um é dado para autorizar, justificar ou impor o outro; o pri-
meiro é o argumento, o segundo a conclusão» (Anscombre & Du-
crot, 1997: 163).
Michel Meyer:
«ARGUMENTAÇÃO: argumentar é dar uma resposta a uma dada
questão com vista a suprimi-la. O acordo resulta desta supressão.
Se o desacordo persiste é porque o interlocutor estima a questão
como não resolvida e considera que a resposta proposta não o é
realmente (equivalente a: não é a boa). A argumentação faz parte
da retórica. Se é preciso fornecer um argumento, é porque a ques-
tão não pode ser oferecida com a finalidade em branco. Ela exige
uma mediação: uma resposta a uma questão serve também de
resposta a uma outra, sendo então o argumento. O argumento é
uma resposta que é a razão de uma outra». (Meyer, 2005b: 115)
«O que é um argumento senão uma perspetiva sobre uma questão?
Resolver uma questão — o que é próprio do discurso — é argu-
mentar» (Meyer, 1982: 136-137).
Frans van Eemeren e Rob Grootendorst:
«Argumentação é uma atividade verbal, social e racional cujo pro-
pósito é o de convencer um crítico razoável da aceitabilidade da
sua tese, apresentando uma constelação de proposições que justi-
ficam ou refutam a proposição expressa na tese» (van Eemeren &
Grootdendorst, 2004a: 1).
Christian Plantin:
«Argumentar é dirigir a um interlocutor um argumento, isto é,
uma boa razão, para o fazer admitir uma conclusão e, claro está,

29
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:31 Page 30

ARGUMENTAÇÃO

os comportamentos adequados. Uma argumentação compõe-se de


dois elementos essenciais: um argumento ——> uma conclusão»
(Plantin, 1989: Fiche N° 2).
A argumentação é «uma forma de interação problematizante for-
mada por intervenções orientadas por uma questão» (Plantin,
2002a: 229).
Jean-Blaise Grize:
«Tal como eu a entendo, a argumentação considera o interlocutor
não como um objeto a manipular, mas como um alter ego com o
qual se quer partilhar uma visão. Agir sobre ele é procurar modi-
ficar as diversas representações que lhe atribuímos, colocando
em evidência certos aspectos das coisas, ocultando-lhe outros, pro-
pondo-lhe novos e tudo isso com a ajuda de uma esquematização
apropriada» (Grize, 1997: 40).
Pierre Oléron:
«A argumentação pode ser definida de diferentes maneiras. Nós
adotaremos a definição seguinte: a tarefa pela qual uma pessoa
— ou um grupo — procura levar um auditório a adotar uma posi-
ção, recorrendo a apresentações, ou asserções — argumentos —
que visam mostrar a sua validade ou a sua boa fundamentação.
Esta definição faz sobressair três características de base da argu-
mentação sobre as quais retornaremos adiante mais em detalhe:
1) A argumentação faz intervir várias pessoas: as que a produzem,
as que a recebem, eventualmente um público ou testemunhos. É
um fenómeno social.
2) Não é um exercício especulativo, como o seriam, por exemplo, a
descrição de um objeto, a narração de um acontecimento (ainda
que possamos duvidar que existam ações, mesmo verbais, pura-
mente gratuitas). É uma tarefa pela a qual uma das pessoas visa
exercer influência sobre a outra.
3) Faz intervir justificações, elementos de prova em favor da tese
defendida, a qual não é imposta à força. É um procedimento que
comporta elementos racionais; ela tem também relações com o
raciocínio e a lógica» (Oléron, 1987: 4-5).
Olivier Reboul:
«Podemos definir a argumentação como uma proposição destinada
a fazer admitir outra.
Mas imediatamente temos de clarificar que esta definição tem de
ser enquadrada numa oposição ao domínio do demonstrativo e
que, nesse sentido, ela se caracteriza por cinco traços essenciais:
«1. Dirige-se a um auditório. 2. Exprime-se numa linguagem na-

30
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:31 Page 31

ARGUMENTAÇÃO

tural. 3. As suas premissas são verosímeis. 4. A sua progressão


depende do orador. 5. As suas conclusões são sempre contestáveis»
(Reboul, 1991a: 100).
Anthony Weston:
«Neste livro ‘argumentar’ quer dizer oferecer um conjunto de ra-
zões a favor de uma conclusão ou oferecer dados favoráveis a uma
conclusão» (Weston, 1996: 13).
Josina Makau e Debian Marty:
«A argumentação é um processo de comunicação utilizado pelas
pessoas para compreenderem e fazerem entender as diferentes
perspetivas sobre um dado tópico e para as ajudar a decidir como
se posicionam sobre assuntos relevantes» (Makau, J. M., Marty,
D. L., 2001: 81).
Philippe Breton:
«Definir o campo da argumentação implica apreender a especifi-
cidade deste ato central da vida humana (...) Três elementos es-
senciais permitem circunscrever melhor esse campo:
— argumentar é, primeiro, comunicar: estamos, portanto, numa
‘situação de comunicação’, que implica, como qualquer situação
deste tipo, parceiros e uma mensagem, uma dinâmica própria;
— argumentar não é convencer a qualquer preço, o que pressupõe
uma rutura com a retórica no sentido em que a esta não dizem
respeito os meios de persuadir;
— argumentar é raciocinar, propor uma opinião a outros dando-lhe
boas razões para aderirem a ela» (Breton, 1998: 22).
Ronald Lee e Karen King Lee:
«A argumentação é a teoria e a prática da justificação baseada
em conceções do razoável» (Lee & Lee, 1989: 6).
Charles Arthur Willard:
«A argumentação é uma forma de interação na qual duas ou mais
pessoas mantêm o que constroem como sendo posições incompa-
tíveis» (Willard: 1989: 1).
«Uma argumentação é um encontro social construído sobre as se-
guintes minima: eu assumo que discordamos; eu assumo que tu
assumes que nós discordamos; eu assumo que estou a argumentar
e que tu concordarás que estou a argumentar; tu assumes que es-
tás a argumentar e que eu concordo que estás a argumentar»
(Willard: 1989: 53).
Ruth Amossy:
O objeto de estudo da argumentação são «os meios verbais que
uma instância de locução põe a funcionar sobre o seus alocutários

31
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:31 Page 32

ARGUMENTAÇÃO

tentando fazê-los aderir a uma tese, modificar ou reforçar as re-


presentações e as opiniões que lhes são atribuídas ou, simples-
mente, para suscitar a sua reflexão sobre um dado problema»
(Amossy: 2006: 37).
Blair e Johnson:
«Um argumento é um processo dialético que implica a apresenta-
ção de uma posição envolvendo a apresentação de uma proposição
e a oferta de respostas a questões relevantes para a aceitação da
proposição» ( Blair & Johnson, 1987a: 56).
David Zaresfky:
«Devemos ver a argumentação como a prática de justificar decisões
sob condições de incerteza» (Zarefsky,1995: 32-49).
Scott Jacobs & Sally Jackson:
«As argumentações são acontecimentos discursivos de desacordo
relevante baseados na irrupção de uma rutura quanto à resposta
desejada numa conversação» (Jacobs, & Jackson, 1980: 254).
Wayne Brockriede:
A argumentação é «um processo através do qual as pessoas racio-
cinam o caminho que as leva de um conjunto de ideias problemá-
ticas à escolha de um outro» (Brockriede, 1975: 129-132).
Michael Gilbert:
«Uma argumentação é qualquer desacordo — da discussão mais
polida à querela mais acesa» (Gilbert, 1997: 30).
«Uma argumentação é qualquer troca de informação centrada
num desacordo declarado» (Gilbert, 1997: 104).
A partir destas definições, que de modo algum são exaustivas, po-
demos dizer que os estudos da argumentação se fraturam geral-
mente em torno de duas formas de os abordar. Assim, há quem
assuma uma perspetiva descritiva no seu estudo e há quem se co-
loque numa perspetiva normativa. Para a primeira, não há que
partir de uma noção prévia de racionalidade, mas de dar conta de
como é que as estratégias são efetivamente utilizadas de forma a
dar força ao discurso e às interações. Neste sentido tende a ver as
regras que regem as argumentações não só como algo de emer-
gente como, ainda, como normatividades locais, não susceptíveis
de universalização e formalização. Para estas abordagens os ele-
mentos situacionais não podem ser descartados na consideração
da força dos argumentos. Para a segunda, a ideia é a de que as ar-
gumentações devem ser avaliadas a partir de regras que podem
ser captadas formalmente através da análise de esquemas argu-
mentativos utilizados. Digamos que se trata de abordagens da

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:31 Page 33

ARGUMENTAÇÃO

argumentação cujo movimento parte «de cima para baixo», falando


por isso em condições gerais de aceitabilidade dos diferentes es-
quemas argumentativos. No entanto, como nota Amossy (2006:
19) «a abordagem descritiva, não menos que a normativa, pretende
ser um contributo para a crítica das trocas verbais consideradas
na sua dimensão de interação social. (…) a análise argumentativa
apoia-se na ideia de que a aclaração de um funcionamento dis-
cursivo é também uma elucidação, se não um desvelamento, da
forma como ele tenta agir sobre o parceiro. Dito de outra forma, a
análise seria ela mesma uma ferramenta crítica». Já para as abor-
dagens normativas a questão é sempre a das condições gerais da
força de um argumento, facto que leva esta perspetiva a associar
o estudo da argumentação a uma teoria da crítica lógica dos ar-
gumentos que permita responder a essa questão. Hoje em dia, a
fratura entre estas duas perspetivas vai-se atenuando com a pro-
gressiva aceitação de que há uma normatividade natural decor-
rente das práticas argumentativas e que essa normatividade é
um processo autorregulado através das próprias interações argu-
mentativas. Uma perspetiva que vai nesse sentido é a aproximação
do estudo das argumentações através da teoria do design.
Poderíamos também dizer que a complexidade do estudo da argu-
mentação faz com que nesta estejam implicados processos avalia-
tivos, não apenas de raciocínios, mas também de perspetivas. Ela
não parte de regras aceites e inquestionadas, mas procura regrar
e reforçar formas de ver e de dar a ver. A metáfora do jogo, pensado
como pressupondo um conjunto de regras que os jogadores devem
respeitar, não é a mais adequada para os processos argumentativos,
nos quais se procura modelar as próprias regras ou, no mínimo, as
possibilidades de as aplicar a situações concretas. A modelação
das próprias regras é um dos elementos típicos da co-construção
dos contextos das argumentações, facto que é atestado por nela
não apenas se lutar pelo que está em questão ou fora de questão,
mas também pela própria forma de lidar com as questões, asso-
ciando-as e dissociando-as de outras questões. Dito de outra ma-
neira, as argumentações são indissociáveis da construção da rele-
vância e de processos de valorização e desvalorização: o discurso
argumentativo configura e axiologiza e a sua ligação a uma pers-
petiva decorre das opções de fundo que procuram estabelecer o
que é pertinente e relevante e o que não o é. É neste sentido que
as argumentações se ligam à noção de inscrição e se articulam
com os processos seletivos que estão em causa na deliberação.

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 34

ARGUMENTAÇÃO1 E ARGUMENTAÇÃO2

ARGUMENTAÇÃO1 E ARGUMENTAÇÃO2
A distinção entre duas formas de olhar para a argumentação foi
introduzida por O’Keefe (1977: 121) da seguinte forma: «argumen-
tação1 é algo que uma pessoa faz (ou oferece, ou apresenta, ou
enuncia), enquanto argumentação2 é algo que duas ou mais pessoas
fazem (ou em que se envolvem)». Ou seja, uma argumentação tanto
pode ser vista como uma iniciativa discursiva tomada como algo
de consumado e, poderíamos supor, com um ónus persuasivo, como
pode ser considerada como uma situação de interação cuja especi-
ficidade reside na existência de um intercâmbio caracterizado por
uma oposição e por uma sequência de turnos de palavra. A argu-
mentação, no sentido de argumentação1, pode assim ser associada
à expressão «argumentar que» (por exemplo, «o João argumentou
que devíamos ver o Citizen Kane»), estando o sentido de argumen-
tação2 ligado à expressão «argumentar sobre» (por exemplo, «eles
estiveram a argumentar sobre a energia nuclear»).
O caso paradigmático para perceber a argumentação1 — propõe
ainda O’Keefe (1982: 17) — é que possamos separar o ato comu-
nicativo em que ele é veiculado (ou seja, o elaborar uma argu-
mentação, ou «argument-making») e nele possamos distinguir e
explicar linguisticamente a presença de uma tese e de uma ou
mais razões de suporte: «portanto, a minha convicção é a de que
casos exemplares de argumentação1 são aqueles nas quais pode-
mos dizer ‘a tese é tal e tal e as razões são isto e aquilo’. Por con-
seguinte a minha visão é que os casos paradigmáticos da argu-
mentação1 são aqueles que envolvem teses linguisticamente
explicáveis e uma ou mais razões linguisticamente explicáveis».
Já os casos paradigmáticos de argumentação2, na visão de todos
dias são, para O’Keefe (1982: 19), «interações nas quais desacordos
evidentes e prolongados ocorrem entre os que interagem», sendo
que a palavra «prolongados» significa que há uma persistência no
desacordo e que este não é apenas um aspecto passageiro ou oca-
sional da interação.
Se quisermos enquadrar esta distinção noutra terminologia po-
deríamos dizer que a focalização na argumentação1 corresponde
a uma abordagem monológica e a uma incidência que privilegia
essencialmente a estrutura lógico-linguística (localiza a argumen-
tação a partir de uma determinada estrutura de articulação e de
encadeamento presente numa produção linguística), enquanto a
focalização na argumentação2 corresponde a uma imagem empí-
rica do argumentar como conflitualidade entre os que interagem,

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 35

ARGUMENTAÇÃO1 E ARGUMENTAÇÃO2

independentemente de, nessa interação, serem elaborados ou não


argumentos no sentido da argumentação1. Assim, exemplifica
O’Keefe (1982: 10): «ou então podemos ver um pai abeirar dois fi-
lhos que manifestam um desacordo evidente e prolongado sobre
os direitos a um brinquedo — e que não estão contudo a fazer [ar-
gumentos no sentido da] argumentação1 — e não ficaríamos sur-
preendidos em ouvir o pai dizer ‘parem de argumentar’». Destas
distinções entre argumentação1, o fazer uma argumentação (ou
«argument-making») e argumentação2, O’Keefe retira três conse-
quências principais. Por um lado, a distinção entre argumentação1
e o fazer uma argumentação (ou «argument-making»), permite
perceber diferentes focalizações do fenómeno. Enquanto alguns
teóricos se focam no fenómeno do «fazer uma argumentação» e o
analisam enquanto atos de fala (assim Jackson e Jacobs), outros
focalizam-se na argumentação1 enquanto produtos cuja estrutura
pode ser esquematizada (assim o modelo de Toulmin). Por outro
lado, através desta mesma distinção pode ficar a perceber-se em
que sentido a argumentação1 pode ser descrita independente-
mente das particularidades da sua ocorrência. Finalmente, a dis-
tinção entre argumentação1 e o fazer uma argumentação (ou «ar-
gument-making») pode potencialmente ser esclarecedora do modo
como esta última funciona na interação. Em suma, conclui O’Keefe
(1982: 20), «aquilo que estas três consequências mostram, assim
me parece, é que a distinção entre argumentação1 e o fazer uma
argumentação (ou «argument-making») é uma distinção poten-
cialmente útil na medida em que pode não apenas ajudar a dis-
tinguir mais claramente os interesses que pode haver no estudo
da argumentação1 como, também, providenciar uma análise mais
cuidadosa quer da argumentação1, quer do fazer uma argumen-
tação [argument-making]». Esta diferenciação entre argumenta-
ção1 e argumentação2 — que é também formulada por Toulmin,
Rieke & Janik (1984: 14-15) quando diferenciam entre «cadeias
de razões» e «interações humanas» — deu origem a uma outra
terminologia segundo a qual, no primeiro caso, estamos a ver a
argumentação como produto e, no segundo, como processo, tendo-
se ainda acrescentado a estas duas ideias uma outra possibilidade,
ou seja, a de ver a argumentação como procedimento.
Considerando estas três possibilidades, e acolhendo as suas po-
tencialidades para o estudo da argumentação, J. Wenzel (2006: 11)
ligou-as, respetivamente, a três perspetivas com se pode abordar
a argumentação: a lógica (que se debruça sobre a argumentação

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 36

ARGUMENTÁRIO | ARGUMENTATIVIDADE E ARGUMENTAÇÃO

enquanto produto), a retórica (que se debruça sobre a argumenta-


ção enquanto processo) e a dialética (que se debruça sobre a argu-
mentação enquanto procedimento que organiza as interações ar-
gumentativas). Temos assim, nas palavras deste teórico, «processo
retórico, procedimento dialético e produto lógico».

ARGUMENTÁRIO
Utiliza-se geralmente a palavra «argumentário» para designar o
conjunto de argumentos apresentados pelas partes sobre um as-
sunto em questão. Por exemplo, na questão da decisão da legali-
zação do aborto, quer a posição a favor, quer a posição contra de-
senvolvem conjuntos de argumentos para definirem e sustentarem
as suas perspetivas específicas. Da mesma forma, englobamos no
argumentário dos que são a favor, ou contra, a pena de morte, as
razões que clarificam a suas posições e que são apresentadas para
basearem a sua perspetiva.

ARGUMENTATIVIDADE E ARGUMENTAÇÃO
É importante distinguir entre argumentatividade e argumentação.
O que é que diferencia uma da outra? A argumentatividade é ine-
rente aos discursos e pode ser focalizada a três níveis principais: 1.
Como uma força projetiva inerente ao uso da língua (e neste caso
estamos a focalizar quer a utilização das palavras na sua relação
com os topoi, quer os enunciados e o seu encadeamento através de
conectores), sendo que aqui a tónica é posta nos mecanismos de
orientação enunciativa. 2. Como uma força configurativa inerente
ao discurso (e neste sentido estamos a focalizar a ação sobre ou-
trem através das tematizações, vidências, ideias ou imagens es-
quematizadas no modo de produzir o discurso, configuradoras de
posicionamentos e produtoras de influência sobre aqueles a quem
são dirigidas), sendo que aqui a tónica é posta nos mecanismos de
influência discursiva que preparam a receção do discurso em ter-
mos de interpretação. 3. Como uma força conclusiva ou ilativa
que corresponde a processos de raciocínio postos em ação no dis-
curso (tipos e esquemas de raciocínio), sendo que aqui a tónica é
posta nos mecanismos de inferência. A argumentação, tal como
aqui a consideramos não é, contudo, algo que se reduza à argu-
mentatividade, ou força argumentativa, nem à apresentação de

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 37

ARGUMENTO AD HOMINEM

argumentos vistos do ponto de vista dos mecanismos de orientação,


de influência ou de inferência, mas sim como uma interação que
tem na sua base uma situação argumentativa caracterizada pelos
seguintes aspectos: a) A existência de uma oposição entre discursos
(ou seja, em que é requerida a presença de um discurso e de um
contradiscurso numa situação de interação entre, pelo menos, dois
argumentadores). b) A alternância de turnos de palavra polarizados
num assunto em questão e tendo em conta as intervenções dos
participantes. c) Uma possível progressão para além do díptico ar-
gumentativo inicial e em que é visível a interdependência discur-
siva, ou seja, em que de algum modo o discurso de cada um é reto-
mado e incorporado no discurso do outro. Neste sentido a fala de
cada um não é dissociável da fala do outro e da circunscrição do
assunto em que essas falas são consideradas de uma forma séria,
porque tidas por relevantes e de interesse. Deste modo podemos
dizer que uma interação comunicativa se converte numa argu-
mentação quando nessa interação se tornam destacáveis discursos
em confrontação polarizados num assunto em questão. Nas práticas
conversacionais os assuntos raramente são abordados sob o modo
do «em questão» ou chegam a ser suficientemente tematizados
para que se consiga a focalizar o assunto a tratar. O que se verifica
mais frequentemente são episódios de contradição argumentativa
que permitem entender as diferentes orientações e posicionamentos
de cada um sem contudo aprofundar essas divergências.

ARGUMENTO AD HOMINEM
A argumentação ad hominem é uma forma de argumentação ligada
à estrutura da interação, dizendo respeito ao modo de lidar com o
discurso do outro. Com efeito, uma das formas de contra-argu-
mentar pode consistir em mostrar que, tomando o discurso do in-
terlocutor nos seus próprios termos, as suas assunções acabam
por se manifestar como incompatíveis, contraditórias ou incoe-
rentes. Assim, pode-se contra-argumentar retomando o discurso
do outro («se disseste isto e aquilo, como é que podes agora afirmar
uma coisa que parece não se encaixar nas declarações prévias?).
Por conseguinte, argumentar ad hominem é colocar-se no terreno
do adversário sem contudo subscrever a sua argumentação e,
para retomar um termo grato a Popper, submetê-la a um processo
de eventual «falsificação». É corrente confundir-se a argumentação
ad hominem com a argumentação ad personam, na qual o que

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ARGUMENTO AD PERSONAM | ARGUMENTO AD BACULUM

está em causa não é a forma de argumentar do interlocutor, mas


a desvalorização dos seus argumentos pela descredibilização da
sua pessoa. Ou seja, a argumentação ad personam centra-se es-
sencialmente no ethos, ou na credibilidade do interlocutor. Na de-
finição de Locke, o argumento ad hominem consiste em «pressionar
um homem pelas consequências que decorrem dos seus próprios
princípios, ou daquilo que ele próprio admite».

ARGUMENTO AD PERSONAM
A argumentação ad personam consiste em desvalorizar e mesmo
desautorizar o discurso do outro através de ataques que incidem
sobre a sua pessoa, o seu carácter ou os seus atos. Este tipo de ar-
gumentação, procurando descredibilizar o oponente enquanto pes-
soa, visa desvalorizar a sua iniciativa argumentativa como algo
que não merece ser tomado em conta ou ser ouvido. Deste modo
salienta aspectos que colocam em evidência a falta de autoridade
do oponente para se pronunciar sobre o assunto em questão. Por
exemplo, num tribunal os advogados podem querer mostrar que
as palavras de uma testemunha não são fiáveis tendo em consi-
deração o seu passado pouco abonatório, imputando-lhe um estado
emocional perturbado ou doentio ou evidenciando inconsistências
do seu presente testemunho relativamente a testemunhos passa-
dos. Se se mostra, por exemplo, que alguém mentiu, a classificação
de «mentiroso» pode minar a credibilidade de qualquer discurso
que essa pessoa pronuncie e retirar-lhe força enquanto fonte de
informação fidedigna. A argumentação ad personam pode assim
ir «envenenando o poço» e acabar por desclassificar e desprover o
discurso do outro de qualquer força persuasiva. Será menos radical
quando, apontando para «as circunstâncias», apenas põe em evi-
dência inconsistências do ponto de vista prático: «se fumas, quem
és tu para me dizer para deixar de fumar?». Mas pode também
servir para evidenciar a não imparcialidade do discurso do opo-
nente, mostrando que, de alguma forma ele é parte interessada
no assunto em questão.

ARGUMENTO AD BACULUM
Podendo baculum ser traduzido por «porrete», «cacete», «moca»
ou «vara», o argumentum ad baculum é geralmente considerado
como uma forma de argumentar que faz apelo à força. Mas, mais

38
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 39

ARGUMENTO AD BACULUM

precisamente — e uma vez que todos os argumentos, de uma ou


de outra maneira, são elaborados para terem força — trata-se
neste caso de uma ameaça à integridade física daquele a quem é
dirigido. «A bolsa ou a vida» é muitas vezes apresentado como um
exemplo desta forma de argumentar. Trata-se, por conseguinte,
de constranger através da ameaça à violência física, de forçar a
obtenção de algo em função das consequências corporais que uma
renuncia acarretará. «Se não me responderes imediatamente,
parto-te a cara» — eis outro exemplo. É também habitual consi-
derar-se que esta forma de argumentar é falaciosa, mas esta clas-
sificação está longe de ser pacífica. Numa perspetiva que considera
que há procedimentos e regras que devem regular a argumenta-
ção, este procedimento violará a regra da civilidade, nomeada-
mente anulando ou diminuindo a possibilidade do outro responder
livremente e, nesse sentido, poderá ser considerado processual-
mente falacioso. Mas o termo «falacioso» — que faz parte da lógica
— designa mais erros de raciocínio (ou seja, formas de raciocinar
que parecem válidas mas não o são) do que procedimentos cuja
condenação não procede da autoridade lógica. Mais complicado
se torna ainda o caso quando se diz que um tal tipo de procedi-
mento não é, de todo, um argumento. Para Perelman, por exemplo,
este tipo de interação é considerado como um modo de «ação di-
reta» que deve ser descartado do campo da argumentação, uma
vez que para este teórico a argumentação se opõe à violência
física. Mas, mais complicações surgem aqui: e se a violência não
for física, mas simbólica ou psicológica? E se a ameaça física do
porrete tiver os seus correlatos em formas de coação psicológica
que igualmente unilateralizam a interação e operam no interlo-
cutor através de constrangimentos e manipulações verbais? Como
considerar, assim, o argumento ad baculum? Se pensarmos que a
produção de argumentos apenas é inteligível no contexto de uma
questão partilhada relativamente à qual os participantes con-
frontam perspetivas, então diremos que não se trata de um argu-
mento. Com efeito, nada aqui está «em questão». Deste modo, pa-
rece-nos que a melhor maneira de o explicar é dizer que, no limite,
se trata de uma forma de comunicação persuasiva assente no
constrangimento do outro de modo a anular, sob as consequências
da violência prometida, a possibilidade de ele assumir o papel de
argumentador, dando-lhe como única hipótese a obediência. Deve
contudo notar-se que entre este extremo e o da paridade interlo-
cutiva, ou da situação ideal onde supostamente se podem alcançar

39
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 40

ARGUMENTO AD POPULUM

consensos sem constrangimentos, há toda uma gama real de in-


tensidades com as quais se condicionam os comportamentos, as
relações humanas e o rumo das interações. Uma manifestação
sindical, por exemplo, é uma exibição de força feita para produzir
efeitos na mesa negocial. A argumentação é conflito e, apesar de
se poder diferenciar da guerra por propor argumentos e não por
se procurar impor através da violência, o poder de que os partici-
pantes se veem investidos no momento da interlocução não é de
menor importância na direção que a resolução do conflito tomará.
Os efeitos persuasivos das argumentações não estão dissociados
de elementos dissuasores que trabalham no seu reverso e não es-
capam, nesse sentido, às questões do poder, da legitimidade, das
assimetrias e de todos os tipos de pressão que podem condicionar
as situações comunicativas. Era aliás para esse aspecto que Bour-
dieu (1982: 95) alertava quando, não falando especificamente de
argumentação, mas de linguagem, afirmava que o poder «chega à
linguagem a partir de fora». O argumentum ad baculum é uma
ilustração, brutal na sua simplicidade, do modo como exercício de
poder e a violência não estão assim tão divorciadas nas práticas
sociais e que a sua questão é mais a da legitimidade que a do
modo. Afinal, e para voltar a citar Bourdieu (1982: 66), «o juiz
pode dizer ‘condeno-o’ porque existe um conjunto de agentes e de
instituições que garantem que a sua sentença será executada».
Ou seja, a autoridade jurídica é a «forma por excelência da vio-
lência simbólica legítima cujo monopólio pertence ao Estado e
que se pode combinar com o exercício da força física» (Bourdieu,
2001: 211).

ARGUMENTO AD POPULUM
Trata-se de uma forma de argumentar que retira a sua força do
apelo popular ou à maioria. Justifica assim algo como normal com
base na assunção de que se trata de uma prática comum, de uma
convicção largamente partilhada ou de um procedimento habitual.
O argumento ad populum é geralmente empregue para justificar
formas de agir e subentende a máxima «em Roma, sê romano» —
um princípio cuja razoabilidade ninguém negará. Todavia, esta
forma de argumentar é usualmente classificada como uma falácia
lógica. Dizem os lógicos que a maioria ou os costumes não são cri-
tério para estabelecer a verdade de uma proposição. Dizer que um
determinado produto é bom porque é consumido pela maior parte

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ARGUMENTO AD VERECUNDIAM

das pessoas, por exemplo, não constitui uma prova lógica de que o
produto é, realmente, bom. O problema é que a argumentação ad
populum se liga essencialmente às ações e às deliberações, que
são algo diferente de proposições. Se destas podemos dizer que po-
dem ser verdadeiras ou falsas, já das ações apenas podemos dizer
que são aceitáveis ou não, boas ou más, moralmente corretas ou
não. Neste sentido, podemos dizer que o ad populum faz apelo ao
senso democrático, valorizando o que é instituído por práticas co-
muns ou o que vai ao encontro da maior parte das pessoas, sobre-
pondo a dimensão social aos aspectos formais. É claro que quando
alguém argumenta com um polícia que, apesar de reconhecer que
ia acima do limite de velocidade, acrescenta que «é o que toda a
gente faz», ele está a procurar livrar-se da multa, fazendo apelo a
regras que não são as que o polícia supostamente deve fazer cum-
prir, pelo que este pode contra-argumentar também com o ad po-
pulum: «pois, mas deve reconhecer que todos sabem que o código
das estradas não permite circular acima das velocidades estipula-
das». Como na maior parte dos argumentos em ad, tudo se joga na
zona cinzenta entre regras formais e práticas sociais, autoridade
legítima e papéis sociais, o racional e o razoável. Podemos, por
conseguinte, dizer que a argumentação ad populum — como aliás
qualquer outro tipo de argumentação — pode ser demagógica, po-
pulista e enganosa, como pode ser apropriada, justa e razoável. O
contexto, os valores e os papéis de quem avalia, bem como a situa-
ção em que é usada, serão geralmente a base para a aceitar ou
para a condenar. Dependendo do contexto e de elementos circuns-
tanciais, a argumentação ad populum não é lógica nem intrinse-
camente falaciosa. Pode revelar-se como um critério apropriado
ou desapropriado, manifestando-se, nesse sentido, como mais ou
menos eficaz em termos persuasivos. Trata-se, em suma, de uma
estratégia retórica que argumenta a partir do impacto prático que
a opinião da maioria exerce sobre os espíritos.

ARGUMENTO AD VERECUNDIAM
A argumentação ad verecundiam é uma forma de argumentar
que faz apelo à autoridade. Numa perspetiva que encara a razão
como razão eterna e que, no seguimento de Descartes, considera
que ela é uma faculdade universal dos homens, é suposto que
possamos fundar as argumentações na Razão, o que significaria
levá-las a um plano demonstrativo capaz de fazer transparecer a

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 42

ARGUMENTO AD VERECUNDIAM

evidência do seu processo. A ideia é a de que se todos pensarem


bem, todos pensarão da mesma forma e chegarão às mesmas con-
clusões. É aliás neste sentido que Descartes escreveu o seu famoso
Discurso do método para bem conduzir a razão e encontrar a ver-
dade nas ciências. Dito de outra forma, se todos pensarem bem, a
única autoridade em que se devem fundar as conclusões é a auto-
ridade racional. No entanto, na prática, isso significaria sermos
capazes de percorrer todos os elos do raciocínio que levam a uma
conclusão, independentemente do assunto tratado, o que se revela,
de facto, impossível. Acontece então que temos de recorrer a pes-
soas credíveis e nelas nos basearmos para sustentar certas con-
clusões. A argumentação ad verecundiam faz justamente apelo à
autoridade de pessoas cuja credibilidade é reconhecida e que pa-
rece ser suficiente para funcionar como justificação. A argumen-
tação pelo recurso à autoridade dos especialistas tornou-se hoje
uma prática comum. Recorremos a estudos e aos seus resultados
para fundamentarmos a nossa opinião, consideramos como mais
credíveis as opiniões dos especialistas e fazemos referências a
pessoas «notáveis» como exemplon que devem ser seguidos. Nos
tribunais são convocados especialistas de vários tipos para pres-
tarem testemunho, nos anúncios é invocado o «comprovado cienti-
ficamente» para credibilizar o produto e nos reclamos de rua o
mesmo acontece, associando-se às mensagens pessoas de notorie-
dade pública. De um ponto de vista lógico, o apelo à autoridade
não é considerado um argumento real, mas apenas aparente. Que-
rer estabelecer uma conclusão fundamentando-a no «porque Aris-
tóteles o disse», por exemplo, é incorrer numa falácia, pois o recurso
a esse tipo de autoridade não permite estabelecer logicamente a
verdade ou a falsidade de uma proposição. O princípio do magister
dixit é um elemento exterior à inferência lógica, pelo que a sua
utilização é falaciosa. No entanto, a reprovação do apelo à autori-
dade foi revista pelos lógicos informais que consideram que pode
haver apelos à autoridade apropriados e apelos à autoridade não
apropriados. Serão apropriados quando a autoridade é credível
porque credenciada, ou seja, é efetivamente reconhecida como al-
guém que é especialista num determinado campo. Não serão apro-
priados quando se invoca o prestígio de alguém que nada tem a
ver com o assunto em questão: é o exemplo de associar a figura de
um renomado jogador de futebol à segurança da boa gestão de
uma conta bancária ou à escolha do melhor óleo para o seu carro.
Como acontece com a maior parte das estratégias argumentativas

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 43

ASSUNTO EM QUESTÃO

em ad, poderemos dizer que elas fazem parte das estratégias de


credibilização do discurso. Muitas vezes são mais eficazes e outras
pouco eficazes na sua influência. Tal depende do estatuto social e
da relevância que quem é invocado como autoridade tem perante
um determinado auditório. O único problema que realmente existe
na argumentação ad verecundiam é o de ela funcionar como clau-
sura do processo argumentativo, apresentando-se como última pa-
lavra e obrigando os participantes a uma obediência que se trans-
forma num silêncio. Nesse sentido, que é um caso extremo, ela
leva ao termo da interação argumentativa porque limita intran-
sigentemente o que possa ser colocado em questão. E, sem as-
sunto em questão em torno do qual se possam estabelecer dis-
cursos e contradiscursos, não haverá argumentação.

ASSUNTO EM QUESTÃO
Escreve Plantin (2003a) que o assunto em questão «é a unidade
intencional que organiza o campo das intervenções e define o es-
paço argumentativo. Globalmente, todos os acontecimentos se-
mióticos que ocorrem nesta situação têm um valor argumentativo.
(…) O facto argumentativo é algo de muito complexo, que tem a
sua unidade na intenção global (o problema) que organiza o campo
do intercâmbio». Retenha-se que a ideia de assunto em questão é
solidária da emergência de um espaço a partir do qual a confron-
tação de perspetivas se torna possível e se concretiza. Trata-se de
uma noção solidária de uma conceção interacionista da argumen-
tação na medida em que o «em questão» não é o questionável, não
corresponde a questões que se podem colocar, mas àquilo que, ao
ser efetivamente questionado, dá origem a perspetivas cuja dis-
sonância só é percetível pela sua referência a um assunto comum
que, sendo discutido, se revela «em questão». Nota Crosswhite
(1996: 112) que «em qualquer argumentação há um assunto em
questão e, a não ser que se possa identificar esse conflito, não se
pode criar nem entender uma argumentação». A noção de assunto
em questão é pois nuclear na compreensão do que se passa nas
argumentações vistas como processos que envolvem turnos de pa-
lavra. Notar-se-á que, mesmo quando uma interação argumenta-
tiva se centra numa questão bem definida (por exemplo, ser a
favor da eutanásia ou ser contra a eutanásia), a argumentação
desenvolvida pelas partes tematiza esta questão como um assunto,
ou seja, recorrendo a um conjunto de considerandos diversos (por

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 44

ASSUNTO EM QUESTÃO

exemplo, a dimensão sagrada da vida versus a dignidade da pessoa


em sofrimento), configurando assim o assunto, optando por uma
certa perspetiva em detrimento de outras perspetivas e fazendo
derivar dela raciocínios, respostas e posicionamentos. Faz assim
parte das argumentações a tematização ou o desenho dos assuntos
a partir de uma confrontação de discursos cujo denominador co-
mum é aquilo que está «em questão» e cujo interesse é partilhado
pelos participantes. Pensar a argumentação a partir do conceito
de «assunto em questão» permite introduzir a adequação descritiva
no seu estudo e inverte modos tradicionais de a teorizar. Por um
lado, descentra o estudo da argumentação das proposições e do
seu encadeamento, típica das abordagens lógicas. Na verdade,
não se trata de avaliar a verdade ou a falsidade de proposições,
mas de lidar com um conflito de perspetivas. Por outro, não se
trata de produzir um discurso argumentado e de o submeter a
um teste crítico ou a uma análise do discurso. Não se trata, por
conseguinte, de partir de uma questão que se coloca (ou seja, filo-
soficamente considerada) e para a qual procuramos achar uma
resposta, mas sim de tematizar uma dissensão cuja denominador
comum se explicita numa questão argumentativa, ou seja, que
emerge pelo facto de sobre algo em particular se registarem duas
perspetivas dissonantes. Dito de outro modo, as questões argu-
mentativas não são as que, admitindo várias respostas, se revelam
como discutíveis, mas as que, sendo respondidas segundo vias de
acesso que chocam entre si, se tornam discutidas e levam a tema-
tizar o assunto em questão. Se alguém propõe contratar mais um
professor e se alguém se opõe a isso, o denominador comum (o as-
sunto em questão) é: deve ou não contratar-se mais um professor?
Esta questão, abordada argumentativamente, significa que as
partes convocarão um conjunto de considerandos que reforcem a
sua perspetiva e que eventualmente enfraqueçam a perspetiva
oposta. A questão transforma-se, por desmultiplicação de consi-
derandos, em algo mais lato (um assunto) e os recursos invocados
para estabelecer e fazer prevalecer uma posição em detrimento
da outra surgem como argumentos na medida em que se preten-
dem relevantes para a questão a tratar e preferíveis relativamente
a posições alternativas. De notar, finalmente, que a oposição que
está na origem do assunto em questão implica que haja posições
minimamente explícitas, o que não é frequentemente o caso nas
interações comunicativas quotidianas, nas quais a deferência, os
princípios da polidez, o evitamento de situações de conflito que

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 45

AUDITÓRIO

podem causar danos relacionais e a ambivalência face à autoridade


e aos «autorizados» se sobrepõem ao risco de explicitar uma posição
em oposição a outras posições.

AUDITÓRIO
No âmbito da arte oratória, o termo «auditório» designa generica-
mente aqueles a quem é dirigido o discurso do orador. A relação
orador-auditório reflete o quadro situado da produção do discurso
do orador e evidencia o princípio da adaptação ao auditório (com
o que isso implica de processos de identificação que fomentam a
comunhão de desejos e motivos) como um componente retórico
fundamental desse discurso. Na retórica antiga, o auditório implica
uma dimensão presencial de um grupo de pessoas com o qual se
estabelece uma comunicação assimétrica: ao orador compete a
iniciativa discursiva e ao auditório manifestações de agrado
(aplausos, vivas, etc.) ou de desagrado (assobios, apupos, etc.), que
permitem aferir a eficácia persuasiva do discurso. Neste sentido
o auditório é diferente da atual noção de «público». Com a media-
tização da retórica, não só o público não precisa de estar fisica-
mente presente como a comunicação, acentuada na sua unilate-
ralidade, se processa por meios audiovisuais diversos solidários
da transformação da receção num momento de espetáculo, con-
duzindo à espetacularização da comunicação.
Segundo Perelman, é possível diferenciar quatro tipos de auditório:
o auditório universal (cujo apelo é correlativo do uso de expressões
como «a ninguém passará pela cabeça», «todos concordarão», «es-
tamos todos conscientes de que»), e três tipos de auditórios parti-
culares: o auditório composto por um grupo de pessoas, o auditório
composto por um único interlocutor e o auditório enquanto ence-
nação dual de si mesmo (ou seja, quando se estabelece um diálogo
interior que pesa posições distintas). Neste último caso Perelman
fala em deliberação íntima, devendo notar-se que a sua classifica-
ção como auditório é estabelecida por analogia: «o acordo consigo
mesmo não é senão um caso particular do acordo com os outros.
Assim, do nosso ponto de vista, é a análise da argumentação diri-
gida a alguém que nos levará a compreender melhor a deliberação
consigo mesmo, e não o inverso» (Perelman & Olbrechts-Tyteca,
1998: 54). A conceptualização da argumentação em termos de ora-
dor-auditórico corresponde a uma visão retórica da argumentação,
ou seja, que aceita a assimetria interlocutiva e coloca a tónica na

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 46

AUDITÓRIO UNIVERSAL

adesão e na persuasão do auditório pelo orador, conferindo unila-


teralmente a este último a iniciativa discursiva. Numa conceção
interacionista e dialogal, que privilegia a oposição entre discursos
e a existência de turnos de palavra por parte dos participantes e,
por conseguinte, uma relação bilateral quanto à iniciativa discur-
siva, a argumentação será vista a partir da relação argumentador-
argumentador e a prevalência dos aspectos da persuasão alia-se à
progressão da interação para além do díptico argumentativo, o
que supõe coordenação e interdependência entre o discurso dos
participantes, a retoma do discurso de um pelo discurso do outro,
sendo que o auditório pode surgir como uma instância de decisão
(como é o caso de um júri num tribunal que, não participando na
interação argumentativa, detém o poder de decidir a favor de
uma das partes).

AUDITÓRIO UNIVERSAL
A noção de auditório universal foi cunhada por Perelman & Ol-
brechts-Tyteca e tem sido alvo de interpretações controversas.
Grande parte das dificuldades interpretativas desta noção reside
no facto dela ser simultaneamente utilizada quer no quadro da
teorização da argumentação levada a cabo pelos autores, quer no
da filosofia do razoável que também propõem.
No quadro da teoria da argumentação, o auditório universal é
uma noção descritiva que caracteriza um género específico de dis-
curso: o discurso filosófico. Ela é forjada para responder à questão:
«como representaremos para nós próprios os auditórios aos quais
é conferido o papel normativo que permite decidir do carácter
convincente de uma argumentação? (Perelman & Olbrechts-Ty-
teca, 1988: 39). Os filósofos aspiram à universalidade e não se
contentam em ser persuasivos: aspiram a convencer e isso é in-
dissociável do recurso a uma imagem de razão que procuram in-
carnar com o seu discurso. Uma consideração histórica das aspi-
rações filosóficas mostra a recorrente associação entre a imagem
de razão, as características da necessidade e da universalidade e
a consideração da razão como razão eterna. Neste sentido, escre-
vem, «uma argumentação que se dirige a um auditório universal
deve convencer o leitor do carácter constrangedor das razões for-
necidas, da sua evidência, da sua validade intemporal e absoluta,
independentemente das contingências locais ou históricas» (Pe-
relman & Olbrechts-Tyteca, 1988: 41). Neste sentido, o recurso ao

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AUDITÓRIO UNIVERSAL

auditório universal surge como «norma de argumentação objetiva»


(Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988: 40), ainda que esta norma
seja sempre construída pelo próprio orador. A corroborar isto está
a afirmação segundo a qual «o auditório universal é constituído
por cada um a partir do que ele sabe acerca dos seus semelhantes,
de forma a transcender algumas oposições de que tomou cons-
ciência. Assim, cada cultura, cada indivíduo tem a sua própria
conceção de auditório universal e o estudo destas variações seria
muito instrutivo, pois ele far-nos-ia conhecer aquilo que os homens
consideraram, no curso da história, como real, verdadeiro e obje-
tivamente válido» (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988: 43). Ou,
ainda, «(...) tudo o que, na argumentação é suposto incidir sobre o
real, caracteriza-se por uma pretensão de validade para o auditório
universal» (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988: 88). Independen-
temente da conceção associada ao auditório universal, este carac-
teriza-se por ser um apelo à razão.
Já no quadro da filosofia do razoável, que reconhece que «o audi-
tório universal é, como os outros, um auditório concreto que se
modifica com o tempo, com as conceções que dele faz o orador»
(Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988: 650) o apelo ao auditório
universal representa um imperativo ético: «propomos, quanto a
nós, uma conceção de argumentação racional que, porque com-
promete tanto o homem que a elabora como o que a admite, pode,
por esse motivo, ser submetida ao imperativo categórico de Kant:
nós só deveríamos admitir e propor à adesão de outrem enunciados
e meios de prova que possam, perante os juízes que nós somos,
valer ao mesmo tempo para uma universalidade de espíritos» (Pe-
relman, 1972: 153. Itálico nosso). Ele está intimamente ligado à
ideia de justiça (e, por conseguinte, as suas questão são de direito
e não de facto) e, segundo a conceção de Perelman, «a atividade
do filósofo, mestre da sabedoria e guia na ação, é tomada de posi-
ção, correlativa de uma visão do mundo; ela inspira-se numa se-
leção, numa escolha. Mas o perigo da escolha é a parcialidade, a
negligência de pontos de vista opostos, o fechamento às ideias de
outros. A dificuldade da tarefa do filósofo reside no facto de que
ele deve, como um juiz justo, decidir, permanecendo imparcial. É
por isso que a racionalidade do filósofo terá como regra a regra de
todos os tribunais dignos desse nome, audiatur et altera pars. É
preciso que, em filosofia, os pontos de vista opostos se possam
fazer ouvir, venham eles donde vierem e sejam eles quais forem.
Isto é fundamental para os filósofos que não acreditam poder fun-

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AUDITÓRIO UNIVERSAL

dar as suas conceções na necessidade e na evidência, pois é a


única forma pela qual podem justificar a sua vocação para a uni-
versalidade» (Perelman,1968: 62.). É esta vocação para a univer-
salidade que, em última análise, faz da filosofia um diálogo sem
fim e do tipo de justificação da racionalidade filosófica algo que
não se encontra, nunca, concluído. No quadro da filosofia do ra-
zoável a noção de auditório universal está ligado à eficácia prática
e social da filosofia. Se, por um lado, «a filosofia, não é uma ativi-
dade puramente teórica e crítica, mas pode desempenhar uma
função construtiva na conduta dos indivíduos e das sociedades,
determinando racionalmente as normas e os valores» (Perelman,
1968: 24), sendo o seu papel específico «propor à humanidade
princípios de ação objetivos, isto é, válidos para a vontade de todo
o ser razoável» (Perelman, 1968: 61), por outro, há que dizer que
a intenção de universalidade que anima o discurso filosófico e faz
deste discurso um apelo à razão «não é senão uma tentativa para
convencer pelo discurso os membros deste auditório, composto
pelo que o senso comum chamaria os homens razoáveis e infor-
mados» (Perelman, 1968: 63). Este ponto deve reter a nossa aten-
ção: o filósofo não se dirige ao auditório universal senão na medida
em que é necessário precisar, renovar ou intensificar a adesão a
valores, a noções e a lugares comuns que, atualmente, o definem
enquanto comunidade de sentido. Ele é fundamental para os acor-
dos prévios que estão na base de qualquer argumentação. O dis-
curso filosófico «paga» a sua dimensão edificante — Perelman re-
fere mesmo o papel da filosofia como «educadora do género
humano» (1990: 817) — pelo compromisso com uma intenção de
universalidade que deve assegurar, nas metamorfoses por que
passa, a continuidade e racionalidade do senso comum. Neste
sentido o princípio da universalização é o sine qua non da razoa-
bilidade. O auditório universal é, como referimos, chamado a in-
tervir como operador de transformação do senso comum. Mas
como se realiza este processo? O senso comum «consiste numa sé-
rie de crenças admitidas no seio de uma sociedade determinada e
que os seus membros presumem ser partilhadas por todo o ser
razoável» (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1988: 132). Estas crenças
remetem para critérios, normas, princípios e valores universais.
O senso comum é, assim, solidário de um legislação universal que
goza do privilégio de não ter que ser justificada, não porque os
critérios, as normas, os princípios e os valores sejam evidentes,
mas porque não são contestados. Contudo, eles não são, nem imu-

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AUTORIDADE E ARGUMENTO AD VERECUNDIAM

táveis, nem incontestáveis; são, além do mais, vagos. E quando se


tornam alvo de explicitação, então o apelo ao auditório universal
introduzirá uma relação transformadora com o senso comum a
partir da qual será desenvolvida uma argumentação que visa pos-
sibilitar a transição para uma comunidade considerada como mais
adequada às exigências suscitadas pela novidade de situações e
contextos com os quais temos de lidar e relativamente aos quais
nos temos de adaptar. Perelman escreveu, sublinhando a solida-
riedade entre o auditório universal e o desempenho de uma racio-
nalidade que se assume na sua historicidade, que «as teses que
este auditório [universal] é suposto admitir, os lugares que ele
prefere, os exemplos e as analogias que o inspiram, variam no
tempo. E se os filósofos fazem apelo a este auditório, é sempre
para modificar uma ou outra das teses que ele admite, apoiando-
se sobre outras teses admitidas, que lhe servem de alavanca na
argumentação. É assim que a filosofia é duplamente preciosa à
razão histórica, simultaneamente porque no-la revela e porque a
modifica» (Perelman, 1972b: 103). No quadro da filosofia do ra-
zoável o auditório universal é assim uma noção normativa inti-
mamente ligada à conceção retórica da filosofia e ao seu papel po-
sitivo de regulação dos homens enquanto comunidade cuja
partilha e comunhão de princípios e valores universais implicam
uma ideia de razão como razoabilidade e assente na historicidade
das práticas sociais.

AUTORIDADE E ARGUMENTO
AD VERECUNDIAM
Se pensarmos que os discursos argumentativos recorrem cons-
tantemente a formas de conferir força ao que se diz, facilmente
perceberemos que os aspectos da autoridade são omnipresentes
nas questões de argumentação. Toulmin refere, a propósito dos
raciocínios argumentativos, que eles articulam dados e conclusões
através de regras de passagem a que chama garantias (warrants),
sendo estas pensadas como «autoridade racional» de um tal ra-
ciocínio (Toulmin, Rieke, Janik, 1984: 49). Por outro lado, e aten-
dendo a que há muitos modos de argumentar, várias formas de
garantia podem ser utilizadas. Quando se trata de questionar ou
de comparar garantias alternativas o caminho é o de ver que re-
forço (backing) pode ser convocado para tornar credível a garantia
utilizada. No contexto do esquema toulmineano da argumentação

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AUTORIDADE E ARGUMENTO AD VERECUNDIAM

os reforços das garantias remetem para aquilo que o filósofo inglês


designa como «campos de argumentação», ou seja, áreas do co-
nhecimento que permitem caucionar o uso de certas garantias.
Por exemplo, nos anúncios televisivos, a recorrente frase «está
cientificamente provado» é uma forma de reforçar a garantia do
produto. Este reforço, referindo a ciência como fonte de credibili-
dade, convoca-a como uma forma de autoridade que supostamente
não será contestada e que, por isso mesmo, tornará mais persua-
sivo o anúncio. No século XX, a crescente especialização dos co-
nhecimentos levou a aumentar a necessidade de confiar nos es-
pecialistas. Como notou Willard (2006: 227), «dependemos da
autoridade; é presumivelmente sensato confiar nas autoridades;
consultar e confiar nos peritos é algo que uma pessoa racional
deve fazer; muita da educação moderna vai no sentido de discipli-
nar o reconhecimento da autoridade por parte dos jovens. A com-
plexidade da nossa sociedade levou a incrementar a especialização:
e a especialização — por mais que não gostemos — aumenta a
nossa confiança na autoridade. Não podemos inspecionar provas
por nós próprios em todos os domínios da atividade humana, logo
fazemos a melhor coisa que nos é possível fazer: confiamos em es-
pecialistas devidamente credenciados. Contudo, a confiança nos
especialistas mina o nosso controlo sobre a crítica e sobre a re-
construção das organizações e instituições modernas. A nossa con-
fiança é uma deficiência inevitável, não uma confiança conside-
rada». Mas, se a autoridade dos peritos é uma das fontes que
reflete a configuração contemporânea do papel dos conhecimentos
científicos na vida dos homens há, em termos argumentativos,
muitas formas de a ela recorrer para credibilizar e, por essa via,
dar força, aos argumentos. Uma das formas de invocar a autori-
dade é a citação. A autoridade citada consiste em convocar uma
referência que goza de prestígio para apoiar aquilo que se diz. Na
Idade Média, a veneração por Aristóteles fez com que ele fosse
considerado «o Filósofo» e retomar as suas palavras ou ideias era
suficiente para sobre o assunto ser declarada a verdade. Estamos
aqui perante o caso do magister dixit. Plantin (1996) distingue
entre a autoridade associada ao dizer linguisticamente conside-
rado (e nesse sentido o valor da palavra investe de autoridade
aqueles que a utilizam, por exemplo, para fazer uma promessa), a
autoridade de direito (relativa ao estatuto a partir do qual se
fala; por exemplo, as palavras de um Presidente da República,
pelo simples facto de ocupar esse lugar, são investidas de autori-

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AUTORIDADE E ARGUMENTO AD VERECUNDIAM

dade), a autoridade derivada de ter acesso privilegiado à infor-


mação (seja porque se tem acesso a dados disponíveis apenas a
alguns, seja porque se descreve estados interiores a que mais nin-
guém tem acesso), seja, finalmente a autoridade assente em tes-
temunhos. Mas a autoridade, mais do que ser citada, pode ser
também uma autoridade mostrada, ou seja, assente essencial-
mente na credibilidade pessoal. Quando estamos perante frases
que invocam, por exemplo, um passado exemplar, faz-se apelo à
autoridade mostrada. Em termos de retórica, a argumentação
com base na autoridade (ad verecundiam) foi durante muito tempo
considerada como uma argumentação falaciosa: se um assunto se
deve resolver em termos de raciocínio, é o raciocínio lógico e não
a invocação de uma autoridade exterior que deve avalizar a con-
clusão. Querer fundar o valor de uma conclusão no «é assim porque
eu disse que é assim» ou «é assim porque a ciência mostra que é
assim» era considerado falacioso: substituía o critério lógico por
um critério que lhe era exterior. Hoje em dia, todavia, tende a
considerar-se que nem todo apelo à autoridade é falacioso e tudo
depende da competência da autoridade. Assim, Walton propõe que
o argumento seja submetido ao teste crítico para averiguarmos
da sua fiabilidade. A sua forma é a seguinte:
«Premissa maior: A fonte E é um especialista num determinado
domínio S que contém a afirmação A.
Premissa menor: E afirma que a proposição A (no domínio S) é
verdadeira (falsa)
Conclusão: A pode ser plausivelmente ser considerada verdadeira
(falsa)».
Para determinar se este esquema é aplicável, Walton propõe que
se coloquem as seguintes seis questões relativas ao argumento do
especialista:
«1. Questão da especialidade: Até que ponto E é credível como
fonte especializada?
2. Questão do campo: Será que E é um especialista no campo a
que A diz respeito?
3. Questão da opinião: O que é que E afirma que implica A?
4. Questão da confiabilidade: Será que E é pessoalmente confiável
como fonte?
5. Questão da consistência: Será que A é consistente com o que
outros especialistas afirmam?
6. Questão do suporte da evidência: Está a asserção A baseada
em evidências?» (Walton, 2007b: 28).

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CAMPO ARGUMENTATIVO

Deste ponto de vista só será considerado a priori falacioso um ar-


gumento que apresenta o recurso à autoridade como um dogma
inquestionável. Se a autoridade não for colocada como inquestio-
nável, então a competência de quem presta testemunho, a credi-
bilidade das fontes, a imparcialidade dos dados, a coerência do
discurso, o reconhecimento do estatuto, a fiabilidade dos exemplos,
o não enviesamento do que se diz, etc., poderão ser critérios críticos
para distinguir o que se deve aceitar como autoridade e o que não
é aconselhável aceitar por ficarmos com a suspeita de ser abusivo.
Na prática, os dados contextuais que intuitivamente nos permitem
ler, com base na experiência, as situações em que nos encontramos
envolvidos, mais do que a listagem de perguntas críticas, funcio-
nam como filtros prudenciais que nos ajudam a discernir, permi-
tindo sobrepor o sentido de dignidade a posturas servis que se
prestam à instrumentalização e à manipulação.

CAMPO ARGUMENTATIVO
A noção de «campo argumentativo» foi introduzida por Toulmin e
remete para a visão especializada dos saberes, para as fronteiras
entre as diferentes disciplinas e para a especificidade da lingua-
gem e das metodologias de cada domínio. Trata-se de um conceito
que liga a argumentação à retórica própria das disciplinas cientí-
ficas (ou dos jogos de linguagem típicos de certos temas) que se
assumem como autoridades no próprio domínio. A noção de «campo
argumentativo» remete para a ideia de que as avaliações das ar-
gumentações dependem muito dos critérios dos fóruns em que
decorrem, os quais, aliás, determinam em grande medida a acei-
tabilidade dos argumentos.
Perelman utilizou também a expressão «campo da argumentação»
não para se referir a campos de conhecimento, mas para distinguir
duas formas de pensar: à primeira, caracterizada pelo ideal de
demonstrabilidade (demonstração), opôs a ideia de razoabilidade
(argumentação), essencialmente ligada ao raciocínio prático, à de-
liberação e à ação através do discurso. Destacou, por contraposição
à ideia de raciocínio lógico e matemático, que, no plano da argu-
mentação, o pensamento procede essencialmente através de dois
mecanismos fundamentais: a associação e a dissociação de noções.
Uma outra noção de «campo argumentativo» pode ser também
referida tendo em consideração a utilização do raciocínio axioló-

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CÂNONE RETÓRICO

gico, ou seja, de um discurso que estabelece preferências que con-


figuram pontos de vista e posições específicas sobre um assunto
em questão. Podemos assinalar, por exemplo, o raciocínio causal
(ou seja, que relaciona causa e efeito) como uma forma de explica-
ção. Mas a apropriação dessa explicação em função do estabeleci-
mento de uma determinada posição conduz-nos ao registo argumen-
tativo. Como nota Plantin (1996: 46), neste caso «o argumentador
está na causa que constrói». O recurso a explicações que funcionam
como argumentos com vista a estabelecerem o ponto de vista es-
pecífico da perspetiva do argumentador acerca de um assunto em
questão significa, assim, que nos deslocámos para um campo ar-
gumentativo, podendo este ser considerado, precisamente, como o
domínio dos assuntos em questão onde se regista um conflito de
perspetivas.

CÂNONE RETÓRICO
Do ponto de vista da substância do discurso, a primeira e funda-
mental questão é a seguinte: o que é importante convocar para
abordar um assunto de modo a exprimir uma perspetiva e um
discurso consistentes? Na retórica clássica, a este momento de
selecionar e encontrar os aspectos relevantes para falar do assunto
foi dado o nome de invenção, no sentido de descoberta, e constituía
a primeira e fundamental etapa na produção do discurso. No en-
tanto, ela não deixava de estar associada a outros momentos. De
facto, não basta encontrar aquilo que se considera relevante para
um determinado assunto. É também preciso saber levá-lo à co-
municação. Assim, por exemplo, a forma como os argumentos
serão sequenciados no discurso e a ordem pelo qual serão organi-
zados é importante a um duplo título: ao nível da clareza com que
são transmitidos e ao nível do impacto que provocarão.
Deste modo, a disposição dos argumentos no discurso pode ter re-
lação direta com os seus efeitos persuasivos junto de um auditório.
Uma organização mal estruturada e confusa pode levar a rejeitar
a argumentação apresentada e a descredibilizar o comunicador.
Pelo contrário, um discurso fortemente organizado, com passos bem
encadeados, que fornece de uma forma explícita os seus pontos de
ancoragem e confere uma necessidade quase matemática às suas
conclusões tem muito mais força e probabilidades de se impor (no-
meadamente a auditórios do foro científico). A essa forma de argu-
mentar que tira a sua força da similitude com o pensamento mate-

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 54

CÂNONE RETÓRICO

mático — utilizado até em tratados filosóficos, como a Ética de-


monstrada à maneira dos geómetras, de Espinosa — chamou Pe-
relman «argumentos quase-lógicos» (Perelman e Olbrechts-Tyteca,
1988: 259 e ss). Mas, como de comunicação se trata, e de comunica-
ção através do discurso, a forma como se usa a linguagem não é
também de importância menor. Por isso, a elocução, ou forma de
dizer, é também de uma importância retórica inegável. A eloquência
é um dos aspectos essenciais do comunicador e nela se articulam o
ethos, o pathos e o logos. Por um lado, falar com clareza e de uma
forma impressiva favorece a imagem que se faz do orador. Por
outro, a utilização adequada de figuras de estilo, de comparações,
de exemplos, de repetições e por aí em diante, cativa o auditório e
tende a envolvê-lo no discurso. Finalmente, a eloquência faz com
que as ideias que se articulam no discurso — e que eventualmente
até podem ser boas — pareçam, de facto, boas aos olhos do auditório.
A eloquência corresponde à consciência de que uma argumentação,
do ponto de vista comunicacional, está ligada à teatralização, no
sentido em que o discurso se torna mais compacto e eficaz quando
é capaz de atingir o auditório com palavras que falam como imagens.
No entanto, e apesar das situações nunca poderem ser antecipadas
totalmente, nada como, quando se tem essa possibilidade, de fugir
ao risco do improviso ou, pelo menos, de para ele se preparar. E, do
mesmo modo que um ator de teatro tem de decorar o seu papel,
também um comunicador pode procurar memorizar o seu discurso.
Por fim, e tendo em conta todos estes elementos, há que os levar à
prática: é o momento da ação. Digamos que este momento corres-
ponde à entrega da mensagem e, mais especificamente, à perfor-
mance que lhe estará associada no sentido de a dotar de influência.
Uma boa performance é aquela em que o que é dito se articula, de
uma forma compacta, com a teatralidade do dizer.
São, com efeito, estes cinco aspectos que constituem o cânone da
retórica clássica, na qual é visada a produção de um discurso mo-
nológico planificado: a inventio, a dispositio, a elocutio, a memoria
e a actio. Elas correspondem às seguintes questões:
• O que dizer? A que considerações vamos recorrer para elaborar
o discurso?
• Como organizar o que se quer dizer? Como estruturar e ordenar
as considerações selecionadas?
• Como o exprimir? Que tipo de linguagem utilizaremos, que re-
cursos linguísticos tornarão mais eloquente o discurso, que estilo
é mais adequado?

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CLICHÉ | COALESCÊNCIA

• Como interiorizar o esquema do discurso? Que estratégias posso


usar para não perder o fio condutor do discurso e não me esque-
cer de referir os aspectos selecionados? Como atuar na memória
dos outros?
• Como conduzir a performance discursiva? Como colocar a voz,
como controlar a gestualidade, como cuidar da postura durante
o discurso?

CLICHÉ
Conta Bateson (1972) que cliché é um termo francês oriundo da
imprensa: «quando imprimiam uma frase tinham de pegar nas di-
ferentes letras e colocá-las em ordem uma por uma numa espécie
de caixa sulcada para soletrarem a frase. Mas para palavras e
frases que as pessoas utilizavam muito, o impressor guardou as
pequenas caixas de letras já feitas. E essas frases já-feitas são cha-
madas clichés». Seja esta descrição verídica ou não, ela capta a es-
sência: um cliché é uma forma de expressão cuja repetição a trans-
forma num chavão, ou seja, algo que comum e espontaneamente se
diz sem que com isso se diga algo de novo. Se alargarmos a classi-
ficação deste termo ao conteúdo do pensamento, poderemos dizer,
com Amossy, que os clichés são uma espécie de «pronto-a-pensar do
espírito», um modo de pensar «por defeito», ou seja, segundo padrões
vulgarizados e algo exauridos no seu sentido pelo uso repetido. De
uma forma geral atribui-se ao cliché uma conotação negativa, li-
gando-o a formas estereotipadas que, como as metáforas mortas, já
nada trazem de novo.

COALESCÊNCIA
Com a designação de «argumentação coalescente» M. Gilbert
(1997) propõe uma conceção de argumentação em que a finalidade
é a de explorar as situações de desacordo com base nos pontos de
acordo que podem ser alcançados. Neste sentido, escreve, «a ar-
gumentação coalescente é a implementação de métodos e de téc-
nicas que aumentam o elemento heurístico e diminuem o elemento
erístico, mantendo simultaneamente uma atitude realista quanto
à natureza essencialmente orientada por objetivos da maior parte
das argumentações» (Gilbert, 1997: 108). Poder-se-ia também dizer
que as interações argumentativas guiadas pelo ideal de coales-
cência, mais do que a análise e o juízo, premeiam a leitura e a

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CÓDIGO DE CONDUTA DA DISCUSSÃO RAZOÁVEL

compreensão, vendo as teses como «ícones de posições que são


realmente muito mais ricas e profundas» (Gilbert, 1997: 105) e
considerando que uma posição é «uma matriz de convicções, ati-
tudes, emoções, insights e valores relacionados com a tese» (Gil-
bert, 1997: 105). De certa maneira o ideal de coalescência permite
articular dois tipos de objetivos que coexistem nas interações ar-
gumentativas: por um lado, os objetivos relacionados com aquilo
que cada parte pretende (task goals) e, por outro, os objetivos re-
lacionados com a gestão da relação ou das «faces» (face goals) que
se coloca sempre quando estamos perante uma situação conflitual.
A argumentação coalescente dá de certa maneira espaço a cada
interlocutor sem dramatizar ou diabolizar as diferenças e coloca
a tónica quer na complexidade dos próprios assuntos que são ob-
jeto de desacordo, quer no carácter multimodal da comunicação
envolvida nas argumentações e relativamente à qual os juízos
apressados se revelam imprudentes. Nesse sentido, mais do que
a lógica ganhar/perder, a argumentação coalescente pauta-se pela
lógica do ganhar/ganhar: as partes saem mais enriquecidas com
a compreensão da posição dos outros e com a possibilidade de es-
tabelecer pontes entre as diferentes posições. A argumentação
coalescente premeia, por conseguinte, a empatia.

CÓDIGO DE CONDUTA DA DISCUSSÃO


RAZOÁVEL
Os autores que falam de «código da argumentação» fazem-no a
partir de uma perspetiva normativa que pressupõe que a argu-
mentação é um bem social e implica cooperação para realizar a
sua finalidade. É neste sentido que Toulmin, Rieke e Janik (1984:
265-266) escrevem que «a argumentação prática, em suma, implica
os seus próprios meios especiais de conduta humana e, portanto, o
seu código de conduta. (…). Por detrás de todas as atividades da
argumentação prática está, por conseguinte, um comprometimento
implícito para com uma ética da cooperação. As pessoas que estão
preparadas para ‘serem razoáveis’ são pessoas que estão prontas
para colaborar na criação de oportunidades para chegarem a um
entendimento mútuo: ou seja, quem ouve uma argumentação tenta
ver o outro lado de qualquer caso, aceita as decisões de árbitros
imparciais ou entra em procedimentos de disputa-resolução nos
quais ‘a argumentação prática’ encontra o seu lugar e o seu uso».
Um dos critérios que distingue a razoabilidade dos argumentadores

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CÓDIGO DE CONDUTA DA DISCUSSÃO RAZOÁVEL

é a sua disponibilidade para lidarem com as afirmações e as obje-


ções dos interlocutores. Os que assim procedem demonstram a
sua razoabilidade por se revelarem «abertos à argumentação»,
sendo aqueles que se recusam a considerar os argumentos da
outra parte «surdos à argumentação», ou seja, não razoáveis. As
abordagens que enfatizam a necessidade de um código são visões
funcionais da argumentação. Neste sentido o código de conduta
da uma discussão razoável incide sempre sobre os procedimentos
pelos quais se devem pautar as argumentações caso se queira che-
gar a uma conclusão numa perspetiva da razoabilidade.
A escola holandesa de Franz van Eemeren e Rob Grootendorst,
procurando edificar as normas pelas quais se deve pautar uma
discussão razoável, elencou dez «mandamentos»:
«1. Regra da liberdade.
As partes não devem impedir uma à outra de apresentarem as
suas teses ou de sobre elas levantarem dúvidas.
2. Regra do ónus da prova.
A parte que avança com uma tese é obrigada a defendê-la se a
isso for solicitada.
3. Regra da tese.
A parte que ataca uma tese deve ater-se à tese que realmente foi
avançada pela outra parte.
4. Regra da relevância.
As teses de cada parte só podem ser defendidas com argumentos
relacionados com as teses.
5. Regra das premissas não expressas.
Nenhuma das partes pode apresentar falsamente como premissa
algo que não foi expresso pela outra parte ou negar uma premissa
que ficou apenas implícita.
6. Regra do ponto de partida.
Nenhuma das partes pode apresentar falsamente uma premissa
como um ponto de partida aceite ou negar uma premissa que
tenha sido aceite como ponto de partida.
7. Regra do esquema do argumento.
Uma tese não pode ser considerada como conclusivamente defen-
dida se a defesa não o fizer através da correta aplicação de um es-
quema de argumentação apropriado.
8. Regra da validade.
Na argumentação o raciocínio deve ser logicamente válido ou ser
capaz de se tornar válido através da explicitação de uma ou mais
premissas não expressas.

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COGÊNCIA

9. Regra do fecho.
O falhanço da defesa de uma tese deve resultar na retratação da
tese defendida e uma defesa bem sucedida de uma tese deve re-
sultar na retratação das dúvidas que sobre ela foram lançadas.
10. Regra do uso.
Nenhuma das partes deve usar formulações que sejam insufi-
cientemente claras, confusas ou ambíguas e ambas as partes de-
vem interpretar cuidadosamente e com o maior rigor possível as
formulações da outra parte» (van Eemeren, Grootendorst & Hen-
kemans, 2002c: 182-183).
Como um código implica também a possibilidade de ser infringido,
a violação das suas regras é muitas vezes vista como uma falácia:
«cada violação de qualquer das regras do procedimento de discus-
são por que se pauta uma discussão crítica (seja ela cometida por
qualquer das partes e em qualquer dos estádios da discussão) é
uma falácia» (van Eemeren e Grootendorst, 2004a: 175).
À perspetiva de elaboração de um código formal de conduta e da
visão funcional das argumentações reagem certos teorizadores
enfatizando que na prática, mais do que partirmos de códigos for-
mais e previamente estabelecidos, os participantes numa argu-
mentação vão co-construindo o seu próprio contexto de interação,
trazendo para ele normatividades que entendem como relevantes.
É assim que há quem defenda que a interação argumentativa,
não tendo a priori quadros prévios que a delimitem nas suas ca-
racterísticas e finalidades, é uma transação comunicacional au-
torregulada. Para esta linha de pensamento há uma normativi-
dade natural das argumentações que faz com que a norma do
discurso de um esteja no discurso do outro.

COGÊNCIA
Mais do que à argumentação, o termo «cogência» reporta-se à ló-
gica e serve para descrever um raciocínio no qual se verificam os
critérios de avaliação informal dos argumentos. Para Trudy Govier
esses critérios sintetizam-se sob a sigla «ARG»: «A» de aceitabili-
dade das premissas, «R» de relevância das premissas para as con-
clusões e «G» de grounds, ou seja, da adequação das premissas re-
lativamente à conclusão. Critério semelhante é proposto por
Johnson e Blair (2005) quando apresentam o critério da «ARS»:
aceitabilidade, relevância e suficiência. A cogência distingue-se
da validade na medida em que não se trata de uma avaliação me-

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CONCESSÃO | CONCLUSÃO

ramente formal mas remete, antes, para uma forma de persuasão


racional, para um apelo à razão que se revela como convincente.

CONCESSÃO
Uma concessão é um movimento argumentativo que consiste em
considerar como bom, para efeitos da progressão na interação,
algo que, não fazendo parte da perspetiva de quem faz a concessão,
pode ser assumido como admissível e constituir uma plataforma
comum. As concessões desempenham um papel essencial nas ne-
gociações e fazem parte das estratégias para chegar a acordos.
De um ponto de vista argumentativo, a concessão pode ter ser
vista como uma atitude cooperativa e, nesse sentido, favorecer o
ethos de quem faz a concessão: afinal, conceder manifesta razoa-
bilidade, demonstra que não se é intransigente e é uma forma de
considerar o outro nos seus próprios termos, dando-lhe um sinal
de que está a ser ouvido e a ser levado a sério. Mas também pode
funcionar como uma forma de lançar um ad hominem, fazendo
concluir do que se concede algo de contrário à posição do interlo-
cutor a quem se fez a concessão. No âmbito da dialética formal
uma concessão significa que mais um dado foi acrescentado ao
«armazém de compromissos» que cada participante vai estabele-
cendo na interlocução e pelo qual tem de responder de uma forma
coerente.

CONCLUSÃO
Em lógica, a conclusão é o ponto de chegada do raciocínio. Tem
como seu antecedente, no caso de uma inferência imediata, uma
proposição (por exemplo, podemos inferir de «todos os A são B» a
conclusão de que «alguns A são B») e, no caso da inferência me-
diata, duas ou mais premissas (por exemplo, «todos os A são B, to-
dos os B são C, logo, todos os A são C»).
Se sairmos da esfera do raciocínio, a conclusão assinala o corolário
de uma perspetiva ou de um ponto de vista que é desenvolvido
sobre a questão que organiza o discurso monologicamente consi-
derado. A conclusão significa aqui que estamos perante um dis-
curso argumentado que foi desenvolvido para um determinado
ponto focal que por ele é reiterado. Neste caso, a conclusão é o re-
sultado de um processo de tematização. Os considerandos feitos
no discurso funcionam geralmente como argumentos e a conclusão

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DEDUÇÃO

corresponde à apresentação sintetizada do ponto de vista que as-


sim surge como uma posição. No âmbito da interação argumenta-
tiva é o choque de conclusões entendidas como perspetivas e posi-
ções dissonantes sobre um assunto em questão que abre o episódio
da argumentação. As posições constituem-se assim como teses,
instaurando um díptico argumentativo de progressão variável
que pode ir da irredutibilidade à negociação e de acordos parciais
ao estabelecimento de um consenso. No entanto, as argumenta-
ções, enquanto interação, não chegam frequentemente a conclusões
partilhadas, o que aliás mostra empiricamente que a razão de ser
das argumentações não se deve reduzir ao objetivo de persuadir
ou de ganhar a adesão, finalidade que está geralmente votada ao
fracasso. O dimensionamento tensional entre discursos significa
que cada um dos participantes se afirma e se revela através das
posições que assume.
De um ponto de vista da argumentação na língua distinguem-se
os enunciados-argumento dos enunciados-conclusão, sendo estes
últimos definidores do sentido e da orientação dos primeiros.
A conclusão pode, ainda, ser entendida como uma forma de en-
cerramento que faz a súmula da progressão obtida através de
uma interação argumentativa, procurando, neste caso, assinalar
reflexivamente a sua eventual produtividade ou representar a
enfatização de denominadores comuns.

DEDUÇÃO
A dedução é a operação que consiste em passar de uma ou mais
proposições, tomadas como premissas, para uma nova proposição
que é a sua consequência necessária.
Trata-se portanto de um movimento que extrai de um princípio
geral uma conclusão particular. Passa das leis para os factos ou
das causas para os efeitos e, por isso, as suas conclusões são pro-
posições apodícticas ou necessárias (que não poderiam ser de
outro modo).
Exemplo:
«Todos os homens são mortais.
Pedro é homem.
Pedro é mortal.»
Existem alguns princípios lógicos que servem de base à dedução.
É o caso dos princípios da não-contradição, da identidade e do ter-
ceiro excluído. Estes três princípios são o fundamento mais sólido

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DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO

da dedução, na medida em que possuem, desde logo, um carácter


verdadeiro, necessário e imediato, sendo evidentes ao espírito.

DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO
Para Perelman, a noção de argumentação é explicitada a partir da
sua oposição com a de demonstração. Aquilo que, segundo este teó-
rico, distingue uma da outra são as seguintes características:
• primeira ideia: «enquanto a lógica formal é a lógica da demonstra-
ção, a lógica informal é a da argumentação» (Perelman, 1986a: 17);
• segunda ideia: ao invés da lógica tradicional, esta última não se
preocupa com a verdade abstrata, categórica ou hipotética, mas
com a adesão (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1952: 18). Nota
Perelman que «na argumentação não se trata de mostrar, como
na demonstração, que uma qualidade objetiva, como seja a ver-
dade, passa das premissas para a conclusão, mas que se pode
fazer admitir o carácter razoável, aceitável de uma decisão a
partir do que o auditório já admite, a partir das teses às quais
ele adere com uma intensidade suficiente. O discurso persuasivo
visa, portanto, uma transferência de adesão duma qualidade
subjetiva que pode variar de espírito para espírito» (Perelman,
1986a: 17-18);
• terceira ideia: a lógica opõe-se à retórica porquanto na primeira
a ideia ou a opinião que o auditório tem do orador não é impor-
tante para a avaliação das conclusões que este apresenta, o
mesmo não acontecendo na retórica onde se verifica uma intera-
ção constante entre a pessoa do orador e o auditório para o qual
discorre (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1952: 23, 1988: 426);
• quarta ideia: outro traço distintivo da lógica relativamente à
retórica é que enquanto na primeira «se raciocina sempre no
interior de um sistema dado, supostamente admitido, numa ar-
gumentação retórica tudo pode ser sempre recolocado em ques-
tão; pode sempre retirar-se a adesão: aquilo a que se dá assen-
timento é um facto e não um direito» (Perelman, 1986a: 26).
Escreve ainda que «um sistema formal mostra quais são as con-
sequências que decorrem dos axiomas, sejam estes considerados
como proposições evidentes ou simples hipóteses convencional-
mente admitidas. Num sistema formal os axiomas não são nunca
objeto de controvérsia; supõem-se serem verdadeiros, objetiva-
mente ou por convenção. O mesmo não se passa na argumenta-
ção na qual o ponto de partida deve ser admitido pelo auditório

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DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO

que se quer persuadir ou convencer pelo seu discurso» (Perel-


man, 1986a: 18).Quer isto dizer que numa demonstração tudo é
solidamente dado, enquanto numa argumentação as premissas
são frágeis;
• quinta ideia: pode dizer-se que a argumentação lógica é cons-
tringente, forçosa ou necessária, o mesmo não se passando com
a argumentação retórica (Perelman, 1952: 26). E Perelman jus-
tifica: «é justamente porque as noções utilizadas na argumen-
tação não são unívocas e o seu sentido não está fixo ne varietur
que as conclusões de uma argumentação não são constringentes»
(Perelman, 1988: 177-178). Esta pode ter mais ou menos força,
ser mais ou menos plausível, mas não é correta ou incorreta.
Deste modo, escreve o teórico que «um argumento não é correto
e constringente ou incorreto e sem valor, mas é relevante ou ir-
relevante, forte ou fraco, em função de razões que justificam o
seu emprego na ocorrência. É por isso que o estudo dos argu-
mentos, que nem o direito, nem as ciências humanas, nem a fi-
losofia podem dispensar, não releva de uma teoria da demons-
tração rigorosa, concebida à semelhança dum cálculo
mecanizável, mas de uma teoria da argumentação» (Perelman,
1972: 220-221);
• sexta ideia: a questão da amplitude da argumentação. Enquanto
na lógica a prova de uma proposição dispensa e torna supérflua
outras provas, na argumentação retórica nunca se sabe, antecipa-
damente e ao certo, qual o limite para a acumulação útil de argu-
mentos (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1952: 29, 1988: 628-629);
• sétima ideia: enquanto na demonstração a ordem pela qual são
apresentados os axiomas e a sucessão de etapas não é impor-
tante desde que cada um dos encadeamentos possa ser percor-
rido com a aplicação das regras de inferência adotadas, já na
argumentação a ordem pela qual se apresentam e se dispõem
os argumentos é de máxima importância para os efeitos por ela
produzidos;
• oitava ideia: enquanto na lógica é exigida uma definição precisa
dos termos com que se opera, as noções empregues na argu-
mentação retórica são sempre ambíguas e confusas (Perelman
e Olbrechts-Tyteca, 1952: 30, 1988: 161);
• nona ideia: pode dizer-se que o aquilo constitui a diferença es-
sencial entre demonstração e argumentação é que o tempo não
desempenha qualquer papel na primeira enquanto na argu-
mentação ele é essencial (Perelman, 1970: 41 e ss).

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DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO

Esta distinção entre demonstração e argumentação deve ser devi-


damente contextualizada e inserida na oposição entre ciências da
natureza e ciências humanas numa época de hegemonia das pri-
meiras sobre as segundas e à tentativa de proceder a um alarga-
mento da ideia de racionalidade que permitisse incluir os dois
campos. Neste sentido ela é paralela da introdução de dois tipos
de prova: a prova científica (caracterizada por ser demonstrativa,
certa, impessoal, an-histórica, abstrata, rigorosa, formal, infalível
e não apelar à decisão) e a prova retórica (caracterizada pela jus-
tificação, pela obtenção de adesão, pela pessoalidade, por ser si-
tuada, concreta e plausível, por se reportar a convicções, por ser
falível e por apelar à decisão). Pode também dizer-se que a distinção
entre demonstração e argumentação remete para o uso da razão
na sua articulação com os usos da linguagem: enquanto a demons-
tração está associada a uma construção prévia de um jogo de lin-
guagem no qual o raciocínio irá funcionar (com componentes for-
mais relativos às regras do seu uso e à especificidade dos objetivos
do jogo), a argumentação liga-se ao uso da linguagem natural e à
modelação criativa da significação e das noções de modo a comu-
nicar e aí inscrever as escolhas de quem assim propõe modos de
ver. É ainda por isso que a argumentação, ao contrário da demons-
tração que é, por assim dizer, um uso da razão «dentro da caixa»
(ou seja, que funciona a partir de princípios metodológicos e regras
que estão fora de questão), aparece ligada à liberdade (ou seja, ao
uso da razão «fora da caixa»): «apenas a existência de uma argu-
mentação, que não seja nem constrangedora nem arbitrária, con-
fere um sentido à liberdade humana, condição de exercício da es-
colha razoável» (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1988: 682).
A distinção entre demonstração e argumentação deve ser também
entendida a partir da oposição entre formalismo e pragmatismo,
o primeiro correspondendo à ideia de sistema fechado e o segundo
acentuando aquilo que no uso da linguagem é sempre algo de di-
ferente da aplicação mecânica de regras previamente estabeleci-
das. O paradigma da demonstração é a matemática e a inferen-
cialidade necessária do raciocínio lógico-formal que pressupõe um
método de certificação de resultados em termos de produtos mo-
nológicos e impessoais. O paradigma da argumentação é o assunto
em questão, o perspetivismo, em que o que está em causa são mo-
dos de ver cujos princípios não são suscetíveis de serem submeti-
dos a métodos de certificação na medida em que implicam axiolo-
gização e a inscrição pessoal de quem assim dá a ver. Ela cruza o

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DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO

possível com o preferível e não se funda no raciocínio mas na in-


comensurabilidade que ergue a oposição entre discursos. A argu-
mentação tem o traço da inscrição pessoal na consideração dos
assuntos e, nesse sentido Perelman afirma que «todo o discurso
que não aspira a uma validade impessoal depende da retórica»
(Perelman, 1977: 192).
Uma questão que se pode colocar é a da continuidade entre argu-
mentação e demonstração. Para Plantin (2011: 16-17) «o campo
da argumentação é mais vasto que o da demonstração. Falamos
de demonstração em domínios do saber. A argumentação incide
também sobre aquilo em que podemos legitimamente acreditar,
mas ela tem um domínio de exercício muito mais vasto, ela inter-
vém também, como veremos, assim que nos interrogamos sobre o
que é legítimo fazer, ou mesmo experimentar. A comparação ar-
gumentação/demonstração não é verdadeiramente pertinente se-
não no primeiro domínio. É preciso distinguir, por um lado, a de-
monstração como produto, ou seja a demonstração monológica,
impecavelmente exposta nos manuais de lógica formal; e, por ou-
tro, a demonstração como processo, tal como é construída empiri-
camente, em situações que podem dar lugar ao diálogo. O Traité
(de Perelman e Olbrechts-Tyteca) compara a argumentação e a
demonstração como produtos finitos, partilhando a característica
fundamental de serem discursos monologados. O reenquadra-
mento dialogal da argumentação sugere uma visão totalmente
diferente da relação entre argumentação e demonstração. A ideia
é a de seguir uma ‘política’ análoga à que Quine propôs para cons-
truir a sua lógica formal: ‘Esta politica é inspirada pelo desejo de
trabalhar diretamente com a linguagem usual até ao momento
em que existe um ganho significativo em a abandonar’. Mutatis
mutandis, diremos que a demonstração está ancorada nos proces-
sos argumentativos e que deles se separa assim que encontramos
um ganho decisivo. Explorando esta intuição, ligaremos a argu-
mentação, processo fundamentalmente dialógico, e a demonstração,
monologal no seu produto e dialogal no seu processo. Para isso é
preciso colocar o diálogo como fundamento da atividade argu-
mentativa, trate-se do diálogo tal como ele se desenrola em tempo
real entre dois parceiros ou do dialogo polifónico encenado no dis-
curso monologal. A argumentação aparece então como o momento
primeiro na construção da demonstração. Podemos falar de uma
construção argumentativa da demonstração através de uma série
de ruturas que intervêm em diferentes níveis, por exemplo, sobre

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DEMONSTRAÇÃO VS ARGUMENTAÇÃO

os objetos, as regras e os processos que cada vez são melhor defi-


nidos; os objetos e as perceções não pertinentes são expulsas do
contexto; a comunidade de interlocutores qualificados intervém
de forma cada vez mais organizada; o discurso torna-se cada vez
mais impessoal; a linguagem natural é substituída/transformada
parcial ou totalmente numa língua formal e calculadora (obser-
var-se-á que a questão da evolução dos suportes semióticos do ra-
ciocínio, diferentes na argumentação e na demonstração, não é
abordada no Traité)... etc. No termo destas metamorfoses a argu-
mentação tornou-se demonstrativa». Poderíamos também dizer
que o persuasivo dá lugar ao convincente como raciocínio suscetí-
vel de comprovação e desde que haja acordo e não questionamento
sobre os métodos de certificação. Insista-se, ainda, que na base da
passagem do argumentativo para o demonstrativo estão sempre
processos de estreitamento focal, o reconhecimento de critérios
como objetivos e consensuais, a apropriação disciplinar e metodo-
lógica do raciocínio no âmbito da ecologia de um campo de conhe-
cimento com uma especificidade própria. Nota a este respeito Wil-
lard (1989: 211 e ss) que uma disciplina é: 1) uma comunidade
(com as suas convenções partilhadas); 2) uma tradição prática
(um historial de teorias e práticas); 3) Um foco problemático (um
conjunto de puzzles e interesses); 4) Um meio textual (literatura
relevante para a comunidade); 5) Uma gramática criativa (lógicas
de descoberta e de justificação, lógicas para fazer distinções e es-
tabelecer relações, procedimentos metodológicos padronizados).
Podemos, por conseguinte, dizer que a demonstração é uma argu-
mentação «dentro da caixa» mas elaborada comunitariamente e
em diálogo entre os participantes no interior de quadros específicos
regidos por uma ordem disciplinar e que a argumentação «fora da
caixa» corresponde não à aplicação de regras, mas à discussão das
próprias regras, à tentativa de definir e impor critérios, prevale-
cendo o raciocínio axiológico sobre os procedimentos resolutivos. A
visão que estabelece uma relação de continuidade entre a argu-
mentação e a demonstração é profícua na medida em que permite
perceber como se opera a passagem de uma lógica do preferível a
uma lógica da certeza. É também relevante na medida em que
permite considerar os procedimentos argumentativos como cons-
titutivos dos processos de aprendizagem da ciência e como modo
de raciocinar com vista a solucionar problemas em contextos me-
todológicos específicos e no interior dos jogos de linguagem criados
por cada domínio de conhecimento. Deve contudo salientar-se que,

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 66

DIALÉTICA FORMAL

neste contexto, a argumentação não lida com assuntos em questão


que dão origem a respostas múltiplas e incomensuráveis entre si,
não se alimenta da tensão entre discursos, não é um modo a levar
os indivíduos a inscreverem os seus pontos de vista em perspetivas
que o revelam enquanto pessoas que optam por determinados va-
lores, mas consiste em encaminhar o raciocínio — através da ex-
posição à contradição, à confrontação e ao erro — para a seleção
de conclusões e para a resolução de um problema cujo resultado
deve poder ser apresentada de uma forma impessoal, ainda que
reforçado pelo mérito da descoberta e de se ter chegado lá «pelo
seu próprio pé». Neste sentido, em termos de ensino, por exemplo,
e apesar das elisões reflexivas que isso implica (não está em causa
questionar a autoridade do campo disciplinar, nem indagar sobre
o interesse dos fins a atingir, mas antes potenciar, como meio, os
poderes conclusivos do raciocínio) é possível substituir uma relação
assimétrica, que acaba por desembocar em saberes declarativos, e
privilegiar a aquisição de conhecimentos como resultante de um
processo que vincula por participação e que assim torna mais sig-
nificativa, porque envolvente, a aprendizagem.

DIALÉTICA FORMAL
A ideia de dialética formal foi proposta por Hamblin como uma
forma de pensar o que se passa na interação argumentativa. Se
pensarmos que uma argumentação é algo que ocorre entre pessoas
(pelo menos duas) e que é composta por turnos de palavra, ela
pode sê-lo em termos dialéticos e através dos movimentos argu-
mentativos da lógica que cada participante traz à argumentação.
Para isso pode pensar-se a argumentação a partir de um modelo
ideal assente nas ideias de sistema como jogo, de compromisso (ou
obrigação) e de consistência. É preciso, explica Hamblin, «incluir
as características do contexto dialético no interior do qual os ar-
gumentos são avançados» (1970: 254). Para se assinalar uma falta
argumentativa «precisamos de ver o nosso raciocínio no tipo de
contexto no interior do qual, e apenas aí, essas faltas são possíveis»
(1970: 253). A dimensão formal deste sistema dialético é dado atra-
vés da ideia de que «não nos preocuparemos em considerar nenhum
contacto do diálogo com o mundo empírico fora da situação de dis-
cussão» (1970: 253). E o que caracteriza formalmente a situação
de discussão? É a existência de armazéns de compromissos que
define o papel dos participantes e a consistência para com os seus

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 67

DISCURSO EPIDÍCTICO

compromissos. Com efeito, é através destas noções que o sistema


dialético se assemelha a um jogo. Escreve Hamblin (1970: 257):
«um interlocutor que é obrigado a manter a consistência precisa de
armazenar as afirmações que representam os seus compromissos
prévios, sendo requerido que cada nova afirmação possa ser adi-
cionada sem inconsistência ao armazém. Este armazém representa
uma espécie de persona de convicções: esta não precisa de corres-
ponder às suas convicções reais, mas operará, aproximadamente,
como se correspondesse. Veremos que precisamos frequentemente
de fazer referência à existência, ou à possibilidade, de armazéns
deste tipo. Chamar-lhe-emos, pois, armazéns de compromissos:
eles guardam a conta corrente dos compromissos da pessoa». Eis,
finalmente, como Hamblin caracteriza um sistema dialético consi-
derado não descritiva, mas formalmente. Ele «consiste em estabe-
lecer sistemas simples de regras precisas, mas não necessariamente
realistas, e em traçar as propriedades dos diálogos que podem ser
jogados de acordo com eles» (1970: 256). Um jogo dialético é simul-
taneamente um processo aberto (no qual os participantes podem
trazer novos compromissos para a sua conta corrente) mas nem
por isso deixa de ser (auto)regulado pelas próprias observações
avançadas pelos participantes quanto às regras sobre as quais su-
postamente ambos se entendem: «o ponto de ordem, ou locução
procedimental, é tanto uma parte da linguagem corrente como as
regras formais de reuniões ou comités. ‘O que vamos discutir?’,
‘Isso não decorre de’, ‘De momento, deixemos isso de lado’, ‘Conti-
nua!’, ‘Não percebo’, ‘Isso é irrelevante’, ‘Espera, estás a ir muito
depressa para mim’, ‘Não me cabe a mim dizer’ — estas e outras
locuções familiares contribuem não para o assunto ou tópico do
diálogo, mas para a sua forma» (Hamblin, 1970: 283).

DISCURSO EPIDÍCTICO
Na sua Retórica, Aristóteles define o discurso epidíctico como
aquele que tem por objeto o elogio e a censura, a virtude e o vício.
O seu tempo é essencialmente o presente (e nisso difere do discurso
deliberativo, virado para o futuro, e do discurso judicial, virado
para o passado), mas não deixa de ter relação com o passado e com
o futuro: «para o género epidíctico o tempo principal é o presente,
visto que todos louvam ou censuram eventos atuais, embora muitas
vezes também argumentem evocando o passado e conjecturando

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 68

DISCURSO EPIDÍCTICO

sobre o futuro» (1358b). Pela natureza do seu tema, o discurso epi-


díctico faz essencialmente apelos a valores que enaltece. Nesse
sentido, o seu núcleo é axiológico e a sua função está ligada a me-
canismos de identificação solidificadores do sentido de comunidade.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1988: 62) comparam o discurso epi-
díctico a «um vigilante de diques que sofrem constantemente o as-
salto do oceano» e Crosswhite (1996: 107) evidenciou que «o epi-
díctico, como género, tende mais a reforçar acordos existentes do
que a criar novos acordos, garantindo assim as condições da argu-
mentação, mais do que participar diretamente nela». Pondo em
relevo a função social do discurso epidíctico como discurso da
coesão e da identificação, Perelman refere que «o discurso epidíctico
releva normalmente do género educativo, pois ele visa menos sus-
citar uma ação imediata do que criar uma disposição para a ação,
esperando o momento apropriado. Não lhe compreendemos nem a
natureza nem a importância se lhe atribuímos, como finalidade, a
glória do orador. Esta pode, efetivamente, resultar dum tal discurso,
mas é preciso não confundir a consequência de um discurso e a
sua finalidade: esta visa reforçar uma comunhão em torno de
certos valores que procuramos fazer prevalecer e que deverão
orientar a ação no futuro. É assim que toda a filosofia prática
releva do género epidíctico» (Perelman, 1977: 33). A persuasão
aparece assim ligada ao estabelecimentos de laços de comunidade
— nomeadamente em torno de valores — propícios à coexistência
social e que permitem pontos de acordo a partir dos quais se argu-
menta. Neste sentido, escreve ainda, «para nós o género epidíctico
é central, pois o seu papel é o de intensificar a adesão a valores
sem os quais os discursos que visam a ação não poderiam encontrar
a força para tocar e mover os seus auditores» (Perelman, 1977: 33).
No Traité pode também ler-se: «os discursos epidícticos têm por
fim aumentar a intensidade de adesão aos valores comuns do au-
ditório e do orador; o seu papel é importante pois, sem estes valores
comuns, em que é que se poderiam apoiar os discursos deliberativos
e judiciários? Enquanto estes últimos géneros se servem de dispo-
sições já existentes no auditório, que os valores são aí meios que
permitem determinar uma ação, no epidíctico a comunhão em
torno de valores é um fim que se persegue, independentemente
das circunstâncias precisas nas quais esta comunhão será posta à
prova» (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1998: 69). Ainda noutro
texto, onde é referida a incompreensão de Aristóteles relativamente
ao alcance do género epidíctico, pode ler-se: «ele não percebe que as

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ENTIMEMA

premissas nas quais se apoiam os discursos deliberativo e judiciário,


cujo objeto lhe parecia tão importante, são juízos de valor. Ora
estas premissas, é preciso que o género epidíctico as sustente e
confirme» (1952: 14). Podemos assim dizer que o discurso epidíctico,
mais do que argumentativa, tem uma função retórica que consiste
em estabelecer laços comunitários através da amplificação de va-
lores comuns em função dos quais se poderá argumentar. Neste
sentido o discurso epidíctico está ligado a uma tópica axiológica e
social. As orações fúnebres, os encómios, o discurso laudatório e o
elogio são exemplos clássicos de tipos de discursos epidícticos.

ENTIMEMA
O conceito de entimema foi cunhado por Aristóteles (384-322 a.C)
e deve ser considerado a partir da distinção que este filósofo faz
entre o carácter constringente das provas lógicas que, operando
segundo regras inferenciais que conferem às conclusões do racio-
cínio um carácter necessário, são por isso demonstrativas (e o seu
modelo é o raciocínio silogístico) e as provas retóricas que se apli-
cam a «questões sobre as quais deliberamos e para as quais não
possuímos artes específicas» (Retórica, 1357a), ou seja, em que o
problema da deliberação se coloca num quadro em que não há re-
gras sistemáticas. Assim, o entimema surge como uma espécie de
silogismo, ou seja, como um «silogismo retórico», caracterizado
não pelo certo, mas pelo provável. Esta dimensão de provável não
significa que ele seja um parente pobre do silogismo demonstra-
tivo. Quer antes dizer que se articula com as exigências práticas
da comunicação e com os propósitos da retórica, definida como «a
capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim
de persuadir» (Retórica, 1355b), salientando ainda Aristóteles
(ponto a tónica na seletividade dos recursos, mais tarde designada
por inventio), que «é também evidente que ela [a retórica] é útil e
que a sua função não é persuadir mas discernir os meios de per-
suasão mais pertinentes para cada caso» (ibidem). Ora, como o
persuasivo é sempre persuasivo para alguém, o raciocínio enti-
memático está não só diretamente ligado à noção de auditório e
ao princípio da adaptação do discurso àqueles para quem se dis-
corre como também ao assunto específico que está a ser tratado.
O raciocínio entimemático desenvolve-se, assim, contando entre
as suas premissas com aquilo que em princípio é admitido pelo
auditório e permite fazer a economia da sua explicitação. Dito de

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ENUNCIADO

outra maneira, o raciocínio entimemático pressupõe assunções


tácitas supostamente partilhadas pelo auditório e faz avançar o
discurso tratando-as como não problemáticas.
Posteriormente a Aristóteles tendeu a definir-se o entimema como
um silogismo no qual umas das premissas está omitida. No entanto
isso corresponde a uma visão lógica do entimema (que assim deve
ser reconduzido à forma de silogismo) que não contempla verda-
deiramente a sua natureza retórica, a qual se liga a situações prá-
ticas de comunicação persuasiva e à centralidade que nesta de-
sempenha a adaptação ao auditório e às circunstâncias. Uma das
razões do uso da raciocínio entimemático pode ser, salienta Aris-
tóteles, a de «tratar temas sobre os quais devemos deliberar e
sobre os quais não possuímos técnicas, perante auditores que não
têm a faculdade de inferir por numerosos degraus e de seguir um
raciocínio desde um ponto afastado» (Retórica, 1357a). Noutra pas-
sagem escreve também que «em retórica convém não fazer dedu-
ções de muito longe, nem é necessário seguir todos os passos: o
primeiro método é obscuro por ser demasiado extenso, o segundo é
pura verborreia, porque enuncia coisas evidentes» (Retórica,
1395b). Poderemos dizer, também, que a forma entimemática de
raciocínio, que Aristóteles considera característica da retórica, con-
grega uma dupla função: lógico-dedutiva e retórica. Lógico-dedutiva
porque propõe que se infira uma conclusão a partir de premissas,
que é o esquema básico do silogismo; ao assumir tacitamente cer-
tos pontos de acordo e deixando que esse implícito seja preenchido
pelo auditório, a inferência retórica leva a que aquele se envolva
no processo de raciocínio e o sancione, produzindo simultanea-
mente um processo de autoconvencimento e emitindo um sinal
de acordo para o orador. A importância do raciocínio entimemático
pode assim ser ligada ao jogo do implícito e do explícito que ocorre
nas situações de comunicação.

ENUNCIADO
Se, como nota Grize (1997), «numa proposição a noção de sujeito
enunciador está ausente», o mesmo não acontece num enunciado.
A enunciação implica a mobilização da língua por um locutor que
a semantiza no discurso. Esta mobilização, que implica processos
seletivos, comporta aspectos dialógicos na medida em que não
apenas deixa marcas linguísticas posicionais do locutor como im-
planta o outro na referência do discurso (relação eu-tu). Conside-

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EPISÓDIOS DE CONTRADIÇÃO CONVERSACIONAL E DIFERENDO ARGUMENTATIVO

rados desta maneira, os enunciados possuem como característica


da sua significação o facto de orientarem ou esquematizarem uma
forma de ver a realidade. Do ponto de vista da argumentação a
noção de enunciado é importante não só porque se pode dizer que
um enunciado é solidário de um ponto de vista como orienta para
a sequência do discurso em termos de sentido. As teorias da argu-
mentação centradas na língua e na noção de enunciado repousam,
por conseguinte, na «intuição (...) de que assim que um indivíduo
produz um enunciado é desde logo possível, exclusivamente sobre
essa base, prever aquilo que ele irá dizer em seguida. O estudo da
argumentação é o estudo das capacidades projetivas dos enuncia-
dos, da expectativa criada pela enunciação» (Plantin, 2005: 25). A
forma como os enunciados são semantizados através do uso de
conectores que os encadeiam (mas, todavia, no entanto, etc.) ad-
quire assim uma valência argumentativa, o mesmo acontecendo
ao nível de um único enunciado, em que a seleção de termos na
sua associação com lugares comuns (topoi) são formas de auto-ar-
gumentação, dotando as palavras de um efeito de holograma: a
seleção dos próprios termos (dizer com que palavras e sem que
palavras?) é assim indissociável da argumentatividade entendida
como forma de orientação do discurso. Pode assim dizer-se que fa-
lar é construir e tratar de impor aos outros uma espécie de apreen-
são argumentativa da realidade (Ducrot, 1988: 14).

EPISÓDIOS DE CONTRADIÇÃO CONVERSACIO-


NAL E DIFERENDO ARGUMENTATIVO
Quando pensamos a argumentação remetendo-a para uma situa-
ção de oposição discursiva, devemos distinguir entre os episódios
de contradição conversacional e o diferendo argumentativo. Se-
gundo a visão dos analistas da conversação, uma argumentação
corresponde a «acontecimentos discursivos de desacordo relevante
baseados na irrupção de uma rutura quanto à resposta desejada
numa conversação» (Jackson & Jacobs, 1980: 254). Trata-se de
episódios de contradição conversacional que, segundo Plantin, po-
dem ser caracterizados pela sua ocorrência não ser planificada,
pelo seu desenvolvimento ser igualmente não planificado, pela
tensão que suscitam, podendo revelar-se como uma ameaça à re-
lação (afirmar a sua diferença, persistindo no seu discurso) e como
uma ameaça às faces (perder a face, sacrificar a sua diferença, re-
nunciando ao seu discurso). Já o caso do diferendo argumentativo

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 72

ERÍSTICA | ESQUEMATIZAÇÃO

se caracteriza pelo facto de ser ratificado e tematizado, de poder


ocorrer num sítio institucional (tribunal, conselho, etc.), da inte-
ração estar organizada em torno do conflito que lhe preexiste, por
dar lugar a intervenções desenvolvidas e planificadas e, final-
mente, pelo conflito (a resolver ou a aprofundar) ser a razão de
ser do seu curso.

ERÍSTICA
O adjetivo «erístico» está ligado ao gosto pela controvérsia, pela
disputa, pela discussão. Mas costumam designar-se por «erísticas»
as interações emolduradas num quadro adversarial do qual re-
sultará um vencedor e um vencido. A lógica da disputa erística é
assim a do ganhar/perder e não a da coalescência (ganhar/ganhar).
A evidência da supremacia de um dos participantes sobre o outro
acerca de uma determinada discórdia e não a preocupação com a
produção de consensos é, assim, uma das características que molda
a confrontação erística. Assim perspetivadas, as interações erísti-
cas são frequentemente reprovadas como algo em que «vale tudo»
para atingir o objetivo final e as técnicas da obtenção da vitória
pela vitória, com vista à glória de si, foram severamente condena-
das por Platão e levaram à estigmatização dos sofistas (que, cons-
cientes da antifonia, ou seja, da possibilidade de inversão de qual-
quer argumentação através de uma outra argumentação, eram
praticantes do método antilógico com que preparavam os alunos
para defenderem uma tese e a sua contrária) como manipuladores,
enganadores, sem ética e insensíveis à questão da verdade. Esta
ideia das práticas argumentativas como erísticas é retomada con-
temporaneamente na ideia de que «a argumentação é a guerra»
(Lakoff e Johnson, 1980) e enfatiza a competição em detrimento
da cooperação.

ESQUEMATIZAÇÃO
Considerando a forma como raciocinamos ao falar e tendo em
conta que os procedimentos de enunciação implicam uma forma
de dar a ver personalizada e individualizada através de procedi-
mentos de filtragem e de saliência (filtrar é reter alguns aspectos
das representações e ocultar outros; salientá-los é servir-se de
meios da língua para fixar a atenção» Grize, 1996: 68), é possível
dizer que o discurso é solidário de esquematizações. Segundo

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ESTREITAMENTO FOCAL

Grize, uma esquematização é uma forma discursiva de dar a ver


e, simultaneamente, de solicitar um sentido. Se ao discorrer pro-
duzimos esquematizações que implicam quer um modelo mental
de quem as produz quer a solicitação de sentido por parte daqueles
a quem elas são dirigidas, então «comunicar as suas ideias a al-
guém é sempre, pouco ou muito, argumentar» (Grize, 1997: 9).
A argumentatividade é assim algo que atravessa constantemente
a discursividade uma vez que esta é essencialmente um processo
de especificação que configura o sentido através da atribuição de
significações polarizadas em referentes, ou seja, efetuadas no diá-
logo e para o diálogo. Escreve Grize (1996: 50): «uma esquemati-
zação tem assim, sempre, uma certa dimensão descritiva, mesmo
que os elementos da descrição sejam imaginados, mas, em todos
os casos, o autor deve fazer uma escolha dos aspectos que repre-
sentará, deve selecionar os traços pertinentes do seu referente.
Ora a pertinência tem uma dupla fonte. Ela é simultaneamente
tributária da finalidade do esquematizador e das expectativas
que ele tem do seu auditório».

ESTREITAMENTO FOCAL
Para Grize, o discurso argumentativo procede frequentemente a
um estreitamento focal que consiste em desenhar o problema ge-
nericamente colocado através da seleção de questões que encami-
nham para uma única resposta. Assim, assinala quatro movimen-
tos neste processo:
«a) Ponto de partida: uma descrição daquilo que se trata.
b) Por desnivelamentos sucessivos, respostas a questões abertas,
logo delimitação do campo de que se trata.
c) Respostas a questões fechadas.
d) Conclusão que decorre: a resposta que permanece» (Grize: 1986:
54).
Note-se que nesta esquematização há desde logo uma narrativa
que contextualiza «aquilo de que se trata» e que o processo de
descrição implica um movimento argumentativo essencial que é
o da focalização que à partida valoriza aquilo que circunscreve,
mas cujo registo descritivo tende a fazê-lo passar como algo de
neutro, impessoal e suscetível de gozar do estatuto de «factos» e
assim beneficiar de um acordo universal. A capacidade de focagem
no que é salientado tende a colocar na sombra o carácter seletivo
que opera no seu estabelecimento e a gerar um acordo que é si-
multaneamente um compromisso.

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 74

ETHOS

Passando esta narrativa ou descrição como um valor de entrada


que será expectavelmente aceite, o passo para as questões que se
levantam poderá então ser realizado. As questões abertas permi-
tem explorar diversas vias de abordagem e contribuem até para
um construção de um ethos pluralista, mas todas elas orientam e
convocam desde logo determinados padrões de avaliação — de
facto, não há questões inocentes ainda que haja muito inocência
face à sequência implícita que as questões, colocadas em isola-
mento ambíguo (como se por um momento nada tivessem a ver
com a circunstância), simultaneamente possibilitam e dissimulam,
preparando o espectro das respostas possíveis (e assinale-se aqui
a reincidência da afirmação do carácter inocente do perguntar, do
‘só’ estar a perguntar, como se o informativo fosse uma ordem dis-
sociável do argumentativo). O estreitamento focal adensa-se, num
processo que vai gradualmente do geral para o específico, com o
fechamento das questões que cada vez mais vão surgindo como
perguntas que buscam respostas concretas. Ao lidar já com per-
guntas e respostas torna-se mais fácil conferir uma aparência ló-
gica que exige a exclusão de certas possibilidades e a prevalência
da resposta que deve permanecer, a qual surgirá como algo de
«lógico».

ETHOS
Nota Goffman (1993: 11): «Quando um indivíduo surge na presença
de outros, estes habitualmente procuram obter informações sobre
ele, ou recorrer a informação que já possuam a seu respeito. Inte-
ressar-se-ão pelo seu estatuto socioeconómico global, pelo que o
indivíduo pensa de si próprio, pela sua atitude para com eles, pela
sua competência, pelo grau de confiança que merece, etc. (…) Se
dispuserem das informações adequadas, os outros saberão melhor
como devem atuar a fim de obterem do indivíduo a resposta pre-
tendida». Em termos argumentativos o ethos diz respeito ao ca-
rácter do argumentador e à credibilidade que deste pode, ou não,
emanar. Em termos retóricos podemos dizer que todo o discurso
faz transparecer uma imagem de si que não é dissociável da força
do seu impacto. É possível distinguir entre um ethos pré-discursivo
e um ethos discursivo (Amossy, 2006: 79-81). O primeiro está rela-
cionado como estatuto institucional daquele que fala e com as fun-
ções e posições que ocupa num determinado campo e que legitimam
certas expectativas — ou seja, que levam a que os outros, ou o au-

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FALÁCIA

ditório, o imaginem dotado de um certo perfil — acerca do seu dis-


curso. É aquilo a que vulgarmente chamamos «reputação». O se-
gundo é a imagem que se pode extrair tendo como base o ato e os
conteúdos de uma comunicação concreta, pois a produção de um
discurso indicia sempre — de modos muito diversificados que po-
dem ir dos níveis de informação que quem fala denota às compo-
nentes cénicas — uma imagem de quem fala. Segundo Hauser
(2002: 158-159), o ethos discursivo é interpretável, do ponto de
vista do auditório, de acordo com três grandes parâmetros: em
primeiro lugar deriva, por um processo inferencial, das exortações
e dos argumentos apresentados sobre o assunto. Em segundo lugar,
emerge da disponibilidade para responder, indo ao encontro das
necessidades do auditório. Finalmente, o ethos, mais do que ser
formado por características vistas como qualidades de quem fala,
deriva da seriedade do desempenho discursivo.

FALÁCIA
A primeira fonte sistemática do estudo das falácias são as Refu-
tações Sofísticas de Aristóteles, tema que aparece também tratado
nos Primeiros Analíticos, nos Tópicos e na Retórica. Aristóteles
distingue dois grupos de falácias: o que se liga ao uso da linguagem
e o que é independente do uso da linguagem. Ainda que, tal como
acontece nas Refutações Sofísticas, as falácias sejam vistas num
contexto dialético, a tradição que se lhe seguiu tendeu a consi-
derá-las em termos monológicos, o que acabou por criar dificulda-
des quanto à sua teorização sistemática. A distinção contemporâ-
nea entre «falácias formais» e «falácias informais» visa de alguma
maneira distinguir entre a questão da validade no que diz respeito
à estrutura lógica do raciocínio (e que se centra nos processos de
inferência do raciocínio, ou seja, no processo formal da passagem
de dadas premissas para uma conclusão), para as que consideram
o raciocínio em termos de cogência, sendo que «um argumento
persuasivo é ‘cogente’ (...) apenas quando as razões aduzidas tor-
nam racional aceitar a tese para a qual foram oferecidos como su-
porte» (Blair, 1992: 361). Na análise da cogência do raciocínio são
consideradas, por exemplo, a aceitabilidade das premissas, a sua
relevância para estabelecerem a conclusão e a sua suficiência
para suportar a mesma. Assume-se, assim, uma perspetiva crítica
sobre o raciocínio e a sua classificação como falacioso, ou não,
está associada a um conjunto de perguntas críticas que visam

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FALÁCIA

testar a sua força. Das teorias da argumentação que seguiram a


via da chamada «lógica informal», centradas essencialmente na
questão da avaliação dos argumentos e no teste da sua força, faz
sempre parte uma referência às falácias. Toulmin, Rieke & Janik
distinguem cinco grandes grupos de falácias: falácias que resultam
da falta de razões, falácias que resultam de razões irrelevantes,
falácias que resultam de razões defeituosas, falácias que resultam
de assunções sem garantia e falácias que resultam de ambigui-
dades nos argumentos (Toulmin, Rieke & Janik, 1984:129-197).
Deve ainda referir-se que qualquer teorização das falácias está
sempre associada uma teorização específica da argumentação. As-
sim, o conjunto de falácias anteriormente referido só pode ser
percebido em função do padrão de argumento desenvolvido por
Toulmin e que é composto por cinco tipo de elementos que entre
si se articulam: os dados, a tese, a garantia, o reforço, a reserva e
o qualificador.
No seguimento da obra de Hamblin (1970) — para o qual «não
dispomos de qualquer teoria das falácias, no sentido em que dis-
pomos de teorias do raciocínio ou da inferência correta» (1970: 11)
— tornou-se hábito distinguir entre o «tratamento standard» das
falácias, ou seja, aquele que, no seguimento de Aristóteles, consi-
dera como falácias argumentos que parecem ser válidos mas que
não o são e as abordagens supostamente alargadas que comportam
considerações dialéticas, ou seja, que as liga aos contextos de inte-
rações especificadas por finalidades e regras. Dentro desta nova
abordagem as falácias — muitas vezes associadas ao raciocínio
informal, tal como é utilizado nas transações discursivas em lin-
guagem natural — as falácias são definidas seja como a «violação
de qualquer das regras do procedimento de discussão por que se
pauta uma discussão crítica (seja ela cometida por qualquer das
partes e em qualquer dos estádios da discussão)» (van Eemeren e
Grootendorst, 2004a: 175), seja como «um padrão de argumentação
que viola um dos critérios que um bom argumento deve satisfazer
e que ocorre com um certo grau de frequência» (Johnson & Blair,
2005: 54) seja, ainda, como viragens no tipo de diálogo que está a
ocorrer (Walton). Neste último sentido, por exemplo, o apelo à força
(ad baculum) é legítimo num diálogo do tipo «negociação», mas é
uma falácia se ocorrer num diálogo do tipo «persuasão». Ou seja,
as teorias contemporâneas das falácias tendem a «socializar» a
ideia de falácia, fazendo depender a questão da validade, para
além de aspectos lógico-formais, quer da submissão do raciocínio

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FALÁCIA

a «testes críticos», quer da definição dos contextos em que ocorre o


raciocínio e que são classificados como «tipos de diálogo», quer,
ainda, da legitimidade dos «movimentos estratégicos» realizados
num processo de resolução de divergência de opinião. Contra esta
conceção supostamente «alargada» do conceito de falácia escreveu
Willard (1989: 220): «advogarei que os estudiosos da Argumentação
usam falácia como um termo estrito da arte cuja fonte de autori-
dade é a lógica e não um termo abarcante para qualquer condena-
ção que os críticos possam querer fazer. Esta tese não deriva da
preferência de uma visão restrita sobre uma visão alargada (ar-
gumentarei adiante que os recentes modelos das falácias são ape-
nas aparentemente alargados), mas da convicção de que falácia é
uma classificação inapropriada para defeitos morais, processuais
e relacionais. Estes defeitos podem ser condenáveis, mas a classi-
ficação falácia não identifica a autoridade que está por detrás des-
sas condenações». Neste sentido, escreve ainda, «os teóricos da ar-
gumentação não precisam de pensar as falácias em termos
inibitórios. É viável conceptualizar as regras que estão por detrás
delas mais como topoi do que como restrições» (Willard, 1989: 235).
Uma das formas mais interessantes de considerar as falácias é
vê-las como uma forma característica de contra-argumentar, ma-
nifesta, justamente, na acusação de falácia ou na classificação do
discurso do outro como falacioso. Segundo esta orientação, as fa-
lácias podem geralmente ser associadas a duas funções argumen-
tativas: a de produzir um contradiscurso de dúvida ou de refutação
da força de certas formas de raciocinar presentes no discurso do
outro (cujas conclusões assim se desclassificarão) e a de produzir
um contradiscurso relativamente aos procedimentos ou atitudes
que os participantes assumem um relativamente ao outro no de-
correr da interação. Esta distinção permite diferenciar dois tipos
de contradiscurso ligados à acusação de falácia (ainda que eles se
misturem na prática): a) os que põe em relevo a estrutura lógica
do raciocínio considerado do ponto de vista da ilação que produz
e a aceitabilidade das conclusões (sendo que aqui são visados os
«saltos inferenciais» ou o modo de produzir ilações) e b) os que se
referem à suposta transgressão de regras que tornam o debate
possível, o mantêm em aberto e o tornam suscetível de progressão.
Neste caso, não se trata de questões de ordem lógico-inferencial
(formal ou informal), mas de reclamar critérios que assegurem as
condições da interação argumentativa de modo a que os interlo-
cutores sobre ela mantenham o interesse. A acusação de falácia

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FALÁCIA

surge aqui não como uma forma de criticar os argumentos em


termos da sua substância ou das suas premissas mas, antes, o
modo como se procede ao argumentar, seja quanto a lidar com o
assunto em questão, seja com a natureza dos argumentos apre-
sentados.
Nos modos de criticar os «saltos inferenciais» encontramos, por
exemplo, a acusação de generalização abusiva, de petição da prin-
cípio, de razões irrelevantes, de ambiguidades terminológicas, de
inconsistência lógica, de assunções não provadas, entre muitas
outras. Nas falácias ligadas à estrutura da interação encontramos
acusações de negligência da objeção principal, de fuga ao assunto,
de recurso a ataques pessoais, a argumentos pela força, pela au-
toridade, pela piedade, pelo apelo ao povo entre muitas outras.
Por conseguinte, se as falácias forem vista à luz da uma perspetiva
interacionista é possível abordá-las não como erros ou faltas, mas
como estratégias argumentativas feitas no âmbito da produção
de um contradiscurso. Esta via vai ao encontro da curiosa afir-
mação de Toulmin, Rieke & Janik (1984: 131), segundo a qual «o
mais perturbador para certas pessoas é os argumentos que são
falaciosos num dado contexto poderem deixar de o ser num outro
contexto. Por conseguinte, não nos será possível identificar quais-
quer formas intrinsecamente falaciosas de argumentação. Em vez
disso, tentaremos indicar porque é que certos tipos de argumento
são, na prática, falaciosos num ou noutro tipo de contexto». Veja-
mos, a partir do enfoque interacionista, como a acusação de falácia
é, antes de mais, uma forma de interagir com o discurso do outro.
Um dos pontos essenciais na interação argumentativa é a focali-
zação do assunto em questão e dos termos em que ele se coloca. A
confrontação que aqui se estabelece levará frequentemente à acu-
sação de fuga ao assunto por parte daquele que quer fazer preva-
lecer os seus termos para enquadrar o assunto em questão e
levará quem recusa os termos do assunto em questão a acusar o
oponente de querer impor à força a sua perspetiva. No primeiro
caso poderá invocar-se a ignoratio elenchi: dir-se-á que o interlo-
cutor ignora o que verdadeiramente está em causa, que faz ma-
nobras dispersivas para a ele fugir («homem de palha», «envene-
namento do poço», non sequitur, etc.). Podemos dizer que ele se
está a centrar sobre o acidental e não sobre o essencial. Esta acu-
sação, por sua vez revela-se como uma forma de argumentação
ad personam, no sentido em que leva à desqualificação do interlo-
cutor (foge, é cobarde, esquiva-se, não quer «dar o braço a torcer»,

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FALÁCIA

recusa-se a ouvir, não tem argumentos e por isso tenta contornar


os assuntos, etc. Todas estas acusações remetem para o carácter
do interlocutor). Por sua vez, o oponente poderá acusar o seu in-
terlocutor de querer ser o dono das questões e não lhe reconhecerá
essa autoridade. Dirá que não se deixa intimidar e que rejeita a
atitude de força (ad baculum). Rejeitará a forma dicotómica como
o adversário coloca a questão («falso dilema») ou poderá acusá-lo
de estar a misturar dimensões que devem ser tratadas separada-
mente («pergunta complexa»). Mas, supondo que os interlocutores
não contestam os termos em que é colocado o assunto e as questões
relevantes, eles podem todavia contestar os modos de argumentar
do adversário. Podem distinguir entre razões e motivos e alegar
que, de facto, aquilo que o interlocutor apresenta são motivos.
Classificarão assim os argumentos como irrelevantes, porque ape-
nas apoiados numa dimensão psicológica (ad mesericordiam) ou
então porque pensam a partir das consequências (ad consequen-
tiam). Ou então acusarão os raciocínios dos adversários como mal-
formados (petitio principii, assumptio non probata, etc.). No campo
da desqualificação do raciocínio, vários contradiscursos podem
ser produzidos. No que diz respeito a todos os tipos de raciocínio
de teor indutivo pode sempre perguntar-se até que ponto não
caem eles numa generalização precipitada, até que ponto os exem-
plos ou as amostragens são representativas ou até que ponto não
estamos perante uma indução preguiçosa. Mas podemos também
achar que estamos perante uma «falsa analogia», ou que o racio-
cínio é feito na «omissão de dados essenciais», ou que o interlocutor
inventa factos ou os distorce. Podemos acusar os raciocínios de
serem inconsistentes pois procedem a uma afirmação do conse-
quente ou a uma negação do antecedente. E se outros argumentos
se invocarem, como por exemplo o «apelo à ignorância» ou o «apelo
ao povo», podemos sempre dizer que «isso não é um argumento,
mas uma falácia». Podemos até ser mais condescendentes e pro-
curar mostrar ao interlocutor que está baralhado no seu raciocínio
porque há ambiguidade nos termos que usa, que se trata de um
caso de anfibiologia, ou que está a colocar a ênfase onde não deve-
ria. É claro que o interlocutor pode não gostar e ripostar com um
«mas quem é que tu pensas que és?», fazendo uma inflexão ad
personam. Ou então acusar o interlocutor de fazer exatamente o
mesmo (tu quoque). Contudo, pode resistir a seguir por este cami-
nho e retomar o raciocínio no próprio terreno do adversário para
dele divergir (ad hominem). O que são todos estes, e outros, es-

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FASES DA ARGUMENTAÇÃO

quemas argumentativos senão modos de considerar o discurso do


outro com vista à interação? O que representam senão uma es-
tratégia de, nomeando e classificando o discurso do outro, lhe
anularem ou diminuírem a eficácia e, no mínimo, o apresentarem
como relativo, questionável e problemático? Qual a sua função
senão a de apresentar em termos «técnicos» e especializados a
consideração do discurso do outro e desmontar a sua estratégia
pela eventual classificação de falácia ao seu modo de raciocinar e,
em todos o caso, auferir da vantagem de classificar o discurso do
outro? Com efeito, nomear um esquema argumentativo significa,
frequentemente, reconduzir a argumentação do outro à dimensão
técnica de uma estratégia e, assim, questionar a sua boa fé argu-
mentativa em detrimento de uma visão meramente adversarial
— unilateral e supostamente manipuladora — dos seus propósitos.
É aliás por isso que a passagem para o nível metadiscursivo em
que o discurso do outro se torna objeto de classificação, não por
aquilo que diz, mas pela técnica utilizada, aparece geralmente
como a antecâmara de uma argumentação ad personam que visa
desclassificar o discurso do opositor pela desqualificação do seu
carácter. Ainda sobre o efeito de classificação, note-se que aquele
que consegue «ver» os argumentos como exemplares de tipos ou
formas de argumentar liberta-se, de alguma forma, da sua domi-
nação e, nesse gesto, desloca as questões de argumentação de cri-
térios técnicos de avaliação para as relançar ao nível do significado
do empenhamento filosófico que se têm na própria argumentação.
Podemos assim ver que, como propõe Angenot (2008: 95), «os es-
quemas de raciocínios supostamente válidos nunca o são para to-
das as pessoas nem em todas as circunstâncias; os sofismas for-
mam uma zona cinzenta, mais do que uma classe de imposturas
ou absurdidades». Como nota Plantin (1995d), podemos «ver na
acusação de falácia não uma sentença que transcende o debate
no qual se situa a argumentação assim rejeitada, mas como um
momento desse debate». Ou seja, a acusação de falácia é um modo
de argumentar que recorre ao argumentum ad fallaciam.

FASES DA ARGUMENTAÇÃO
Escreve van Eemeren (2009: 60): «em primeiro lugar, há ‘o estádio
da confrontação’, no qual a diferença de opinião é externalizada a
partir do potencial espaço de desacordo. Depois há o ‘estádio da
abertura’ no qual o protagonista e o antagonista de uma posição

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 81

FASES DA ARGUMENTAÇÃO

em questão numa diferença de opinião determinam a sua zona de


acordo no que diz respeito a procedimentos comuns e aos pontos
de partida materiais (ou ‘concessões’). No estádio da ‘argumenta-
ção’ ambas as partes tentam estabelecer, dado o ponto de partida
reconhecido por elas, se o ponto de vista do protagonista é susten-
tável à luz das respostas críticas do antagonista. Finalmente, no
‘estádio da conclusão’, é estabelecido o resultado da discussão crí-
tica». Trata-se de uma classificação que parte da ideia de que a
argumentação pode ser descrita através de fases diferenciadas
que se registam no seu processo e que balizam as argumentações
entre um início e um fim. Tem a virtude heurística de apontar
que na origem de uma argumentação está uma dissensão e que
as argumentações implicam que a interação se polarize num as-
sunto em questão e numa relação de interdependência discursiva
entre os participantes, sendo suscetível de progressão. A divisão
proposta por van Eemeren depara-se, contudo, com a dificuldade
da adequação descritiva, uma vez que pode haver — e isso será
mesmo o mais frequente — boas argumentações sem conclusão.
Uma proposta mais simplificada, mas mais adequada descritiva-
mente, é apresentada por Pamela Benoit (1992: 179) quando as-
socia a ocorrência da argumentação a um script específico: «o
guião de uma argumentação deixa de correr quando as pré-condi-
ções deixam de ser satisfeitas. Uma pré-condição implícita da ar-
gumentação na interação é a de requerer pelo menos duas partes.
Quando uma das partes abandona abruptamente a interação, a
argumentação finaliza, pelo menos até as partes se voltarem a
encontrar. As argumentações requerem oposição explícita e esta
pré-condição é violada quando o parceiro desiste, se chega a algum
acordo ou o tópico se altera para algum assunto relativamente ao
qual não há desacordo. O guião da argumentação requer também
o acordo conjunto de que vale a pena continuar o guião e, por isso
mesmo, considerar a argumentação como escusada é suficiente
para o guião deixar de correr». A ideia de que a argumentação
pode ser analisada tendo em conta as suas fases ou um guião es-
pecífico permite também introduzir a ideia de que ela é composta
por lances e movimentos efetuados pelos seus participantes. A es-
cola holandesa, por exemplo, retomando as ideias de Austin e
Searle, estuda os diferentes movimentos efetuados no decurso de
uma argumentação como «atos de fala» e considera mesmo a ar-
gumentação como um «ato de fala complexo».

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GENERALIZAÇÃO APRESSADA

GENERALIZAÇÃO APRESSADA
O processo de generalização é um procedimento indutivo que,
com base num determinado número de casos, estabelece um pa-
drão. No seu limite, a generalização apressada significa que esta-
mos a saltar de um caso para um padrão geral e que essa passa-
gem não é suficientemente segura enquanto inferência. Dizer, a
partir de algo que uma pessoa de determinada nacionalidade fez
que as pessoas dessa nacionalidade são assim é produzir um infe-
rência com muito fracas bases e que não é segura nem rigorosa.
Por exemplo, se dissermos que «ontem divorciou-se mais um ator
de Hollywood» e, na sequência, acrescentarmos que «os atores de
Hollywood estão sempre a divorciar-se», naturalmente que, em
termos inferenciais esta é uma conclusão que está longe de ser
segura. Por isso, e do ponto de vista lógico, estamos perante um
raciocínio que peca por ser uma generalização abusiva, excessiva
ou apressada. No entanto, as coisas tornam-se mais complexas
se, em vez de vermos este tipo de discurso como um raciocínio in-
dutivo, o virmos como uma argumentação pelo exemplo. Nesse
caso, a relação entre premissa e conclusão inverte-se: a premissa
será «os atores de Hollywood estão sempre a divorciar-se», afir-
mação que é corroborada pelo exemplo: «ontem divorciou-se mais
um ator de Hollywood». Assim, de um ponto de vista lógico, um
modo de inferir apoiado em bases insuficientes é considerado um
modo de raciocinar falacioso. Mas, de um ponto de vista argu-
mentativo a força de um único exemplo permite pelo menos não
descartar o padrão como possível e obriga a pôr como possível a
sua hipótese. Por outro lado, se o exemplo invocado for algo de to-
cante, os seus efeitos persuasivos podem ser consideráveis. Ob-
viamente que não podemos concluir que «o mundo é um lugar pe-
rigoso para as crianças» a partir do caso do rapto de uma criança.
Mas o exemplo poderá certamente influenciar no sentido de nos
tornarmos mais prudentes e agirmos de forma mais cautelosa no
que diz respeito aos nossos filhos. Se a generalização apressada
pode ser logicamente falaciosa, o facto é que ela é por vezes sufi-
ciente, nomeadamente quando queremos jogar pelo seguro. É aliás
comum que formas de raciocinar que são consideradas como logi-
camente falaciosas sejam usadas banalmente como formas credí-
veis de discorrer.

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IMPLÍCITO ARGUMENTATIVO

IMPLÍCITO ARGUMENTATIVO
Se, numa visão interacionista, uma situação de argumentação se
caracteriza pela presença de um discurso e de um contradiscurso,
o seu implícito argumentativo é o assunto em questão em torno
da qual se organiza a dissensão, permitindo distinguir perspetivas
diferenciadas que vão sendo tematizadas numa sequência de tur-
nos de palavra. Notar-se-á, também, que a interação não poderá
ser dissociada da invocação e do confronto de critérios normativos
que permitem configurar e fazer prevalecer a perspetiva de cada
um dos interlocutores relativamente à do outro. Se, por outro
lado, considerarmos que à discursividade é inerente a perspetiva-
ção, optando por uma visão semântico-argumentativa, diremos
que os implícitos remetem sempre para processos seletivos de fil-
tragem e de saliência através das quais se estabelecem posições.
Neste sentido, os discursos dos participantes têm de ser simulta-
neamente interpretados quer a partir do que é dito explicita-
mente, quer do que permanece implícito, seja como pressuposto
ou como subentendido. Assinale-se, contudo, que interpretar não
é o mesmo que produzir um contradiscurso sob a tensão do dis-
curso do outro.
Numa visão retórica, que traz a primeiro plano a sociabilidade da
linguagem e a associa ao seguimento de regras, a necessidade do
implícito pode ser explicada como uma forma de evitar o contradis-
curso e de poder ser responsabilizado por algo que é sempre possível
negar ter-se dito. Trata-se, neste sentido, de deixar ao interlocutor
«enfiar o barrete» sem o locutor, se acusado, disso poder ser respon-
sabilizado. É neste sentido que Ducrot (1991: 4-12) afirma que «te-
mos frequentemente a necessidade de, simultaneamente, dizer cer-
tas coisas e de poder fazer como se não as tivéssemos dito, de as
dizer, mas de tal forma que possamos recusar a responsabilidade
da sua enunciação. (...) Na medida em que, apesar de tudo, pode
haver razões para falar destas coisas, torna-se necessário ter à sua
disposição modos de expressão implícita, que permitem deixar en-
tender sem arcar com a responsabilidade de ter dito. Uma segunda
origem possível da necessidade do implícito deve-se ao facto de
uma afirmação explicitada se tornar, por isso mesmo, um tema de
discussões possíveis. Tudo o que é dito pode ser contradito. De
forma que não seria possível anunciar uma opinião ou um desejo
sem as sujeitar ao mesmo tempo às objeções eventuais dos interlo-
cutores. Como foi frequentemente sublinhado, a formulação de uma
ideia é a primeira e decisiva etapa para a sua colocação em questão.

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IMPLÍCITO ARGUMENTATIVO

É pois necessário, para toda a crença fundamental, trate-se de


uma ideologia social ou de uma posição pessoal, encontrar, se ela
se exprimir, um meio de expressão que não a desenrole, que não a
torne num objeto assinalável e, por conseguinte, contestável. (...)
O problema geral do implícito (...) é o de saber como é que se pode
dizer algo sem contudo aceitar a responsabilidade de o ter dito, o
que significa beneficiar simultaneamente da eficácia da palavra
e da inocência do silêncio». Esta é contudo uma posição que se re-
vela problemática pois, como escreve Henry (1992: 75), Ducrot
«parte da ideia de que existe uma necessidade ao mesmo tempo
social e psicológica de ilusão e demagogia, conscientemente dese-
jadas, para fazer a hipótese de que a língua deve necessariamente
ser tal que se torne possível essa produção voluntária de ilusão e
de demagogia». A questão do implícito não deve ser apenas colo-
cada no plano da intencionalidade da língua, mas enquadrada
nas condições de produção do sentido através do discurso. Ora,
vista deste ângulo, pode dizer-se que não há discursos sem implí-
citos. Se Ducrot distingue entre os implícitos do enunciado (ou
seja, os pressupostos que podem ser estabelecidos apenas com
base na análise linguística) dos implícitos da enunciação (para os
quais há que convocar elementos contextuais e que podem ser de-
signados por subentendidos), podemos contudo dizer, mais am-
plamente, que todo o uso da linguagem implica implícitos cultu-
rais. Gadamer (1977), por exemplo, pôs em evidência que o uso da
linguagem é inseparável de preconceitos, ou conceitos prévios que,
sendo decisivos para a inteligibilidade, não são postos, mas pres-
supostos. Pelo seu lado, Grize falou de pré-construídos culturais,
ou seja, depósitos que as representações sociais deixam na língua
e que são determinantes no feixe de possibilidades que se geram
em torno do uso das palavras (abrindo um campo de predicados).
Também os teóricos franceses da Análise do Discurso falam de
pré-construídos, de discursividade transversa e de interdiscurso.
Sobre esta última noção escreve Pêcheux (1997: 167): «o interdis-
curso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão
entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso
enquanto pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria
prima na qual o sujeito se constitui como ‘sujeito falante’, com a
formação discursiva que o assujeita. Nesse sentido, pode-se bem
dizer que o intradiscurso, enquanto ‘fio do discurso’ do sujeito, é,
em rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma ‘interio-
ridade’ inteiramente determinada como tal do ‘exterior’». Neste

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INDUÇÃO

sentido, o implícito não é apenas uma propriedade da língua, mas


é constitutivo da própria possibilidade de discorrer, de perspetivar
e da própria oposição de discursos, ou seja, no caso da argumen-
tação, da tematização de um conflito de interpretações a propósito
de um assunto em questão. Podemos, pois, dizer que os implícitos
dos discursos dos participantes são os quadros a partir dos quais
eles argumentam e cuja partilha procuram forçar. Por isso, e se
quisermos focalizar a argumentação no plano micro do raciocínio,
monologicamente considerado, é possível dizer que o entimema é
um exemplo de um raciocínio argumentativo que se caracteriza
justamente pela presença de um implícito (um dos seus elementos
não é expresso) que é tomado como partilhado e pressuposto. Afi-
nal, para bom entendedor meia palavra basta e, visando os argu-
mentadores a possibilidade prática de progressão em torno de
algo em que ambos se mostram interessados, entrar num processo
de regressão ao infinito faria diferir eternamente o que faz questão
e impossibilitaria o assunto de ser focalizado e tematizado através
de posições que assim nunca o chegariam a apropriar.

INDUÇÃO
Contrariamente à dedução, a indução é a operação que consiste
em fazer passar do particular para o geral. Partindo dos factos,
da observação e da experiência, a indução permite concluir uma
lei geral, aplicável a todos os casos da mesma espécie. Na indução,
o pensamento parte dos factos concretos para as causas que os
explicam. As suas conclusões são, pois, assertórias ou contingentes
(isto é, podiam ser de outro modo, não necessárias), uma vez que
se fundam na investigação experimental. É o caso do seguinte
exemplo:
A água dos rios Tejo, Douro, Mondego e Guadiana é doce.
Ora, o Tejo, o Douro, o Mondego e o Guadiana são rios.
Logo, a água dos rios é doce.
Podemos distinguir dois tipos de indução: indução completa ou
totalizante, também designada por aristotélica ou formal e a in-
dução incompleta, também conhecida por amplificante ou baco-
niana. A primeira verifica-se sempre que se infere um universal
depois de se terem enumerado todos os casos singulares com-
preendidos nesse universal. Exemplo:
Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Úrano, Neptuno
e Plutão descrevem rotas elípticas.

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KAIRÓS

Ora, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Úrano, Neptuno e Plu-


tão são todos os planetas do sistema solar.
Logo, todos os planetas do sistema solar descrevem rotas elípticas.
Enunciámos todos os casos particulares de planetas existentes
no universal «sistema solar». Verificada, para cada um, a condição
enunciada, podemos aplicar a conclusão a todo o grupo («todos os
planetas do sistema solar»).
Este tipo de indução é uma indução rigorosa, já que a conclusão
não implica nada que não esteja já contido nas premissas.
O segundo tipo de indução, contudo, é mais arriscado. Ela veri-
fica-se sempre que se infere um universal depois de se ter enu-
merado, de modo subjetivo e não exaustivo, um certo número de
partes de um universal. Ou, por outras palavras, trata-se de atri-
buir a uma classe de seres, ou categoria de factos, a propriedade
que foi verificada em um ou em alguns deles.
Exemplo:
O cobre, o zinco e o ferro são bons condutores de calor.
Ora, o cobre, o zinco e o ferro são metais.
Logo, os metais são bons condutores de calor.
A diferença em relação à indução completa é bem clara: enquanto
naquela enunciámos todos os casos do universal considerado («pla-
netas do sistema solar»), aqui limitámo-nos a enunciar três casos
do grupo «metais», e não todos os casos particulares contidos nesse
conjunto. Por isso, a conclusão, no caso da indução incompleta,
não é mais que uma conclusão geral e não universal, ao contrário
da indução completa. Como tal, convém à maior parte dos casos
mas não, necessariamente, a todos – verifica-se frequentemente,
mas não sempre.
A indução incompleta não implica pois uma necessidade, nisto se
distinguindo também da dedução. Ela apenas nos indica uma pro-
babilidade que, como tal, até pode ser errada.

KAIRÓS
No campo da retórica a noção de kairós liga-se ao momento opor-
tuno para se produzir um discurso. Na interação argumentativa
relaciona-se com a oportunidade mais apropriada para produzir
um turno de palavra. É um elemento essencial na força do discurso
e na força persuasiva dos argumentos, podendo ser determinante,
por exemplo, na ordem da apresentação destes. Se é suposto que
os argumentos sejam elaborados a propósito daquilo que está em

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 87

LÓGICA INFORMAL

questão e dos discursos dos participantes, a sua eficácia é aumen-


tada pelo impacto que causam por serem ditos no momento em
que se ajustam compactamente com o que está a ser focalizado no
momento. A dimensão kairológica das argumentações, remetendo
sempre para a iniciativa argumentativa relativamente às circuns-
tâncias e aos diversos momentos do desenvolvimento de uma in-
teração, está intimamente ligada à ideia de argumentação como
arte prática na qual a dimensão do improviso não pode ser subs-
tituída por qualquer discurso planificado. É uma das noções que
faz resistir qualquer tipo de argumentação a uma consideração
meramente formal, pois faz intervir uma variável que é situacional
e circunstancial: é preciso «estar lá». Em termos de argumentação
a noção de kairós associa-se, pois, ao «sentido de oportunidade» e
revela-se como uma das competências essenciais nos procedimen-
tos argumentativos, uma vez que há sempre limitações temporais
que constrangem e delimitam as interações reais.

LÓGICA INFORMAL
O que é a lógica informal? Segundo Leo Groarke (2007) a lógica
informal «tem as suas raízes mais recentes nos movimentos sociais
e políticos caracterizados pela exigência de uma educação mais
‘relevante’ para as questões do dia-a-dia» que se registaram nos
Estados Unidos a partir do anos 60, 70 e 80. Uma tal preocupação
está patente, explica ainda Groarke, por exemplo numa diretiva
da Universidade Estadual da Califórnia segundo a qual «a ins-
trução no pensamento crítico tem por objetivo promover um en-
tendimento das relações da linguagem com a lógica, a qual deve
conduzir à capacidade de analisar, criticar, defender ideias, racio-
cinar indutiva e dedutivamente e formular juízos de facto e de
valor baseados em inferências apropriadas feitas a partir de afir-
mações não ambíguas sobre conhecimentos ou convicções». De
acordo com Blair que, com Ralph Johnson, é um dos representan-
tes mais proeminentes desta perspetiva, este movimento «tem
objetivos simultaneamente pedagógicos e teóricos. (…). Enquanto
corrente pedagógica a sua finalidade é a de modificar os conteúdos
dos cursos universitários com a pretensão de desenvolver o racio-
cínio lógico. (...) Enquanto corrente teórica o seu objetivo é o de
abarcar todos os aspectos requeridos para uma avaliação lógica
não formal dos argumentos e das argumentações» (Blair, 1991:
79). Tomando em consideração alguns dos variados trabalhos des-

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 88

LÓGICA INFORMAL

tes teóricos, poderemos dizer que o ponto de partida da lógica in-


formal — e a designação «lógica informal» é apenas considerada
como um estratagema retórico para a diferenciar da lógica formal
(Blair, 2007: 1) — tem na sua origem teórica três interrogações
quanto à relação entre argumentação, lógica formal e ensino da
lógica: por um lado, o questionamento da possibilidade da argu-
mentação, tal como ela é elaborada na linguagem natural (por
oposição às linguagens artificiais), poder ser analisada apenas de
uma forma dedutiva; por outro, a evidenciação da dificuldade que
há na reconstrução das argumentações, com as suas cargas sim-
bólicas, em termos de codificação dedutiva; por fim, a interrogação
sobre a adequação do ensino da lógica proposicional e do cálculo
de predicados no que diz respeito a melhorar as capacidades de
raciocínio dos alunos (cf. Blair, 1991: 80). Segundo esta última
ideia, o foco da lógica informal não serão os processos de dedução,
mas os raciocínios e os argumentos revogáveis (defeasible), ou
seja, aqueles cuja avaliação depende de critérios que, não se en-
quadrando nos casos da dedução lógica necessária, não podem
contudo ser descurados na sua força em termos de apreciação crí-
tica. Aliás, são esses tipos de raciocínio e de argumento que en-
contramos na linguagem natural e, mais do que declaramos a sua
validade ou invalidade, aquilo que tendemos a fazer é testar os
suportes em que se baseiam.
Ora, a conversão das argumentações correntes para a linguagem
da lógica formal não só as distancia do que se passa no mundo
real como se confronta com duas dificuldades principais: em pri-
meiro lugar, é preciso parafrasear o discurso em expressões sus-
cetíveis de formalização, o que, para além de ser penoso e demo-
rado, altera e distorce muitas vezes o seu sentido original. Em
segundo lugar, o critério da validade dedutiva não pode aplicar-se
a todos argumentos convincentes. Há, por exemplo, argumentos
indutivos cuja generalização feita na conclusão é altamente pro-
vável. Mas, mais do que isso, existe todo um conjunto de argu-
mentos que não sendo válidos do ponto de vista dedutivo são no
entanto cogentes, ou seja, «cujas premissas fornecem razões fortes
para aceitar as conclusões. Nalguns casos não seria razoável ou
mesmo racional negar as suas conclusões tendo aceite as suas
premissas» (Blair, 2009: 21). Sendo assim, era preciso procurar
outros critérios de avaliação, novos padrões de ponderar logica-
mente os argumentos. Era preciso uma teoria da cogência dos ar-
gumentos e essa foi a motivação inicial dos lógicos informais.

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LÓGICA NATURAL

De uma maneira geral são três os principais critérios propostos


na avaliação informal dos raciocínios: o critério da aceitabilidade
das premissas, o da sua relevância para a conclusão e a da sua
suficiência para estabelecer a conclusão.
Há também que a assinalar outra via na teorização da lógica in-
formal, liderada por Douglas Walton e pela sua pragmática dialó-
gica. Para este autor há que distinguir entre raciocínio e argu-
mento, e a lógica informal representa justamente o estudo do
raciocínio no contexto do argumento, sendo que este remete sempre
para um determinado tipo de diálogo, ou seja, para situações dia-
lógicas norteadas por finalidades distintas. A partir desta tipologia
podem estabelecer-se normas em função das finalidades do tipo
de diálogo no qual são avançados os raciocínios. Trata-se, pois, de
uma teoria funcional e normativa que procura criticar a adequação
dos raciocínios em função das finalidades do diálogo em que se in-
serem. Sendo assim, Walton pensa que a lógica informal representa
um instrumento crítico essencial na avaliação da relevância e da
força das argumentações, podendo ser considerada uma «disciplina
prática, uma arte aplicada» (1989: 2) que constitui «a pedra de to-
que das teorias da argumentação emergentes» (1989: X).

LÓGICA NATURAL
A lógica natural é a designação adotada por Jean-Blaise Grize
para a sua teorização dos processos espontâneos que são acionados
quando raciocinamos ao falar. Ela não se ocupa com a dimensão
normativa da argumentação, debruçando-se, antes, sobre o estudo
das operações do pensamento que são postas em jogo no discurso.
Tais operações do pensamento são encaradas em oposição àquelas
que encontramos na lógica matemática e formal. E o que as dis-
tingue? Em primeiro lugar, o facto das primeiras serem naturais
— donde Grize utilizar a expressão «lógica natural» para designar
o campo de estudo que delimitou — e as segundas serem artificiais.
Enquanto as operações da lógica natural procedem da esponta-
neidade da aprendizagem de uma língua materna, o mesmo não
acontece com a lógica matemática e com as línguas artificiais.
Em segundo lugar, as operações lógicas, de um ponto de vista da
lógica natural, estão indissociavelmente ligadas a atividades dis-
cursivas, ou seja, são sempre «operações lógico-discusivas» (Grize,
1997: 65) indissociáveis de um contexto de comunicação, o que
não acontece quando lidamos com sistemas formais. Em terceiro

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LÓGICA NATURAL

lugar, e ao contrário da lógica formal onde a noção de sujeito enun-


ciador está ausente, na lógica discursiva ela é constitutiva do pro-
cesso de comunicação. Finalmente, se a lógica formal é uma lógica
abstrata, a lógica natural é simultaneamente uma lógica dos su-
jeitos (sempre em situação) e uma lógica dos objetos (sempre em
torno de referentes específicos), centrando-se na relação locutor-
-auditor que subjaz à própria ideia de comunicação. O conceito de
argumentação que neste quadro surge remete, então, para uma
situação de comunicação e de interlocução (a argumentação é dis-
cursiva e dialógica) em que estão em jogo estratégias lógico-dis-
cursivas destinadas a influenciar e a agir sobre um auditor de
forma a modificar o seu modo de encarar um determinado estado
de coisas. Neste sentido, e como alternativa à ideia de que argu-
mentar é fornecer razões para apoio de uma tese — que corres-
ponde a uma visão corrente da argumentação —, propõe Grize
(1997: 40) uma conceção mais alargada: «mas pode ser também
possível conceber a argumentação de um ponto de vista mais lato
e de a entender como um processo que visa intervir sobre a opinião,
a atitude e, mesmo, o comportamento de alguém. Deve contudo
insistir-se que os meios são os do discurso (…)». Mas a questão
central da argumentação, na perspetiva da lógica natural, não é
tanto a dos efeitos ou resultados produzidos por essa intervenção,
como a da explicação de como ocorre aquilo que Perelman designou
por «contacto dos espíritos», entendido este, para Grize, como o
estabelecimento de uma plataforma comum que torna possível a
influência a partir de uma partilha: «tal como eu a entendo, a ar-
gumentação considera o interlocutor não como um objeto a mani-
pular, mas como um alter ego com o qual se quer partilhar uma
visão. Agir sobre ele é procurar modificar as diversas representa-
ções que lhe atribuímos, colocando em evidência certos aspectos
das coisas, ocultando-lhe outros, propondo-lhe novos e tudo isso
com a ajuda de uma esquematização apropriada» (Grize, 1997:
40). Esta partilha é desde logo propositivamente veiculada pelas
imagens prévias que se tem do assunto em causa, de si próprio e
daquele ou daqueles a quem o discurso se dirige e cuja interpre-
tação visará reconstruir as representações do primeiro. E o que
são essas representações? Elas são modos de ver que precedem o
discurso e que nele aparecem sob a forma de «esquematizações»
orientadas pela finalidade de «dar a ver». Ora é isso mesmo o que
interessa ao ponto de vista da lógica natural e que decorre do
postulado que esta assume, a saber, que «toda a ação, todo o com-

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LÓGICA NATURAL

portamento e, em particular, todo o discurso, repousa sob o modelo


mental de alguma realidade específica» (Grize, 1992: 2-3). Sendo
assim, são as operações cognitivas que se estabelecem no trânsito
do nível mental pré-linguístico para o nível do acontecimento dis-
cursivo aquilo que se constituirá como objeto de estudo desta ló-
gica. O que se produz nesse trânsito são esquematizações e uma
esquematização não é, pela finalidade para que tende, uma ope-
ração arbitrária, «ela resulta da aplicação de um certo número de
operações que podemos chamar lógico-discursivas. Elas são lógicas
porque são operações do pensamento e discursivas porque o pen-
samento se manifesta através do discurso. Chamarei então, por
definição, lógica natural à teoria destas operações lógico-discur-
sivas próprias a engendrarem esquematizações» (Grize, 1997: 3).
Mas a originalidade do pensamento de Grize está em considerar
que estas esquematizações são um ato semiótico: elas não procu-
ram defender teses mas, sim, dar a ver o modelo a partir do qual
discorrem, evidenciarem uma perspetiva: «existe aí um ato se-
miótico que consiste em dar a ver, dar a ver o seu modelo mental
através do discurso que se tem. A partir daí, e porque são visíveis,
as esquematizações são analisáveis e, como disse, o instrumento
de análise será para mim a lógica natural. Sugiro que os resultados
destas análises fornecem índices próprios para obter os dados so-
bre os modelos mentais» (Grize, 1997: 3). Por outro lado, os modelos
mentais remetem sempre para aquilo que Grize designa como
«pré-construídos culturais» (ou seja, depósitos que as representa-
ções sociais deixam na língua) e que são determinantes no feixe
de possibilidades que se geram em torno do uso das palavras
(abrindo um campo de predicados). No processo de esquematização
várias operações ocorrem, desde a extração cognitiva a partir dos
pré-construídos culturais até às configurações com que se organi-
zará o discurso. Mas — ponto importante a reter — uma dessas
operações — a que faz passar das determinações das classes de
objetos e dos pares predicativos ao enunciado — é a que assinala
a incontornável tomada de posição do sujeito. Deste modo, e aten-
dendo a que as «esquematizações» são indissociáveis da situação
de interlocução e de um contexto particular, a discursividade
torna-se indissociável da argumentatividade. «Daqui decorre —
escreve Grize (1997: 6) — que todo o discurso tem uma dimensão
argumentativa, que uma esquematização não é construída apenas
perante alguém, mas para alguém. Uma esquematização, ato se-
miótico, dá a ver aquilo que designarei por imagens: certamente

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MANIPULAÇÃO E SEDUÇÃO

imagem do que está em questão, mas também imagem daquele


que fala e imagem daquele a quem se dirige». A abordagem da ló-
gica natural aponta, assim, para uma omnipresença do argumen-
tativo no discurso — «comunicar as suas ideias a alguém é sempre,
pouco ou muito, argumentar» (1997: 9). Uma tal ideia remete, por
um lado, para a afirmação de que a discursividade se organiza
através de operações seletivas que são, simultaneamente, opções
que configuram modos de ver e de dar a ver; implica, por outro,
que as representações chegam sempre já ao discurso com uma in-
cidência guiada pela especificidade das situações e marcadas pela
impossibilidade «de sair de mim mesmo para apreender as coisas
do exterior» (Grize, 1992). É que, para Grize, o dizer é já passar
do pré-linguístico das noções (que na realidade são indizíveis) a
um segundo nível — o discursivo — em que se lida sempre com
configurações específicas e aplicadas. Poderíamos dizer de outro
modo: a perspetivação é inerente à discursividade e é essa ine-
rência configurativa que torna a argumentatividade uma dimen-
são incontornável do discurso. No plano da comunicação e da in-
terlocução, a lógica do discurso, guiada pelas representações do
assunto em questão, de nós próprios, das que fazemos daquele a
quem nos dirigimos numa situação concreta e pelo modo peculiar
como a seletividade opera nas esquematizações (nomeadamente
através de processos de filtragem e de saliência), conduz-nos à
argumentatividade como um dos componentes constitutivos da
lógica natural da discursividade.

MANIPULAÇÃO E SEDUÇÃO
No âmbito da argumentação, a ideia de manipulação tem uma co-
notação ética e é essencialmente relativa à forma como os interlo-
cutores se tratam entre si. Wayne Brockriede (1972), servindo-se
de uma metáfora sexual, distingue, em termos de argumentação,
entre o violador, o sedutor e o amante. No que diz respeito à atitude,
o violador não se interessa pelo assentimento, mas pelo poder, co-
mandos, ameaças e coação; a relação entre os participantes é uni-
lateral; o interlocutor é visto como uma presa a ser manipulada; o
interlocutor é visto como um ser inferior; despersonaliza o outro;
apoia-se na agressividade verbal (insultos e ataques pessoais e ao
carácter); uso da força, autoritarismo e sanções; recurso a ameaças
e a ultimatos. No que diz respeito à forma como vê a argumentação,
o violador manifesta desdém pelo outro e pela sua integridade;

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MANIPULAÇÃO E SEDUÇÃO

toma o outro como um «objeto» ou como «alvo» a atingir; valoriza o


sucesso e desvaloriza a relação; não se expõe ao risco da mudança;
adopta apenas a sua própria perspetiva sobre o assunto. Final-
mente, no que diz respeito à sua orientação quanto ao argumentar,
o violador tem uma orientação competitiva, perder/ganhar; assume
uma perspetiva adversarial em que as estratégias são vistas como
meios para obter fins; utiliza pseudo-argumentos, pretextos para
a argumentação ad personam. No que diz respeito ao sedutor, a
sua atitude não é a da conquista pela força, mas pelo charme e
pelo engano; a relação é unilateral; indiferença perante a identi-
dade e o valor do opositor; indiferença perante a humanidade do
opositor; fomenta o ambíguo e recorre à sugestão e a ardis; cria a
ilusão de escolha; utiliza estratégias de bajulação; fomenta a con-
veniência do enganoso; baseia-se em raciocínios ilícitos. A sua
abordagem e orientação quanto ao argumentar é semelhante à do
violador. Quanto à atitude do amante, ela vê o interlocutor como
um amante e não como uma vitima; a relação é multilateral; con-
sidera o interlocutor como uma pessoa; mantém a interlocução
num plano de paridade. A sua abordagem do argumentar pauta-
se por considerar o outro como igual, dando relevo à paridade de
poder; valoriza mais a relação do que o resultado; enfatiza a coo-
peração sobre a competição; valoriza escolhas e decisões partilha-
das; expõe ao risco a sua autoestima e dispõe-se a modificar as
suas avaliações. Finalmente, no que diz respeito à orientação rela-
tivamente ao argumentar, o amante tende para uma visão coope-
rativa; valoriza objetivos partilhados; opta por uma validação con-
sensual e atribui à argumentação uma função epistémica.
É sabido que uma das acusações de Platão relativamente à retó-
rica é a dela ser manipuladora e interesseira. No entanto, a retó-
rica não é intrinsecamente manipuladora e, sustenta Michel Meyer
(1993), o seu uso é que pode ser diferenciado. Neste sentido dis-
tingue entre uma retórica branca e uma retórica negra. A retórica
branca é aquela que «não elimina a interrogatividade pelo seu
responder, mas exprime antes o problemático sem o ocultar nos
seus argumentos e nas suas respostas» (Meyer, 1993: 42), sendo a
retórica negra aquela em que se exerce a manipulação e na qual
a ocultação é uma forma de tirar vantagem sobre o outro. No en-
tanto, insista-se de novo, há que distinguir entre os usos e a natu-
reza da retórica. Como escreve ainda Michel Meyer (1993: 45-46),
«censurar o discurso por ser manipulador reduz-se, na realidade,
a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discur-

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MANIPULAÇÃO E SEDUÇÃO

sividade apresentar-se desde logo como responder, como respostas,


tal como está nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse
facto, aceitá-lo ou não, jogar ou não o jogo, procurar ou não os pro-
blemas subjacentes, enfim, pronunciar-se livremente ou fiar-se
no que os outros lhes propõem, muitas vezes em função de inte-
resses próprios. Se a retórica é culpada, é-o como o pode ser a me-
dicina, ou a ciência em geral. Condenar-se-á a arte médica porque
os médicos podem usar a sua ciência para fazer mal, como fizeram
nos campos nazis ou nas prisões argentinas? Passa-se o mesmo
com o louvor: serve a verdade mas não basta só por si para a ga-
rantir. Pode encobrir a mentira, pode seduzir e convencer, como
pode manipular e enganar. Se a retórica, precisamente, é útil,
isso deve-se ao facto de que permite levar os homens a exercer
em plena consciência o seu sentido crítico e o seu juízo». A mesma
linha de pensamento é apresentada por Meyer quando fala da se-
dução como um «suplemento de liberdade»: «a mulher sabe que
tal homem procura seduzi-la e que o que ele lhe diz remete na
realidade para um desejo que seria brutal e inaceitável exprimir
francamente. O espectador sabe igualmente que este ou aquele
produto não tem forçosamente as qualidades celebradas na pu-
blicidade e que é apenas a vontade de vender que se exprime. A
mesma coisa para o político, aparentemente preocupado com o
bem-estar dos eleitores. (…) Não existirá na sedução, qualquer
que ela seja, uma etapa suplementar que, retardando a resposta
final, retarda a recusa eventual e, portanto, a rejeição de outrem
enquanto tal? Não existe como que uma espécie de delicadeza de
alma na figuratividade, um respeito que permite evitar sem com-
bater, recusar sem negar? Tudo leva a crer que a manipulação
consentida assenta numa dupla linguagem que engana e não en-
gana, e mesmo de que se tem necessidade para diferir a decisão
própria sem ter de enfrentar diretamente o outro. Um grau mais
de liberdade, se se quiser, na qual só os ingénuos verão uma
traição à verdade una e indivisível, de que os recetores da mensa-
gem seriam vítimas involuntárias» (Meyer: 1994: 69-70). Neste
sentido pode dizer-se que o problema da manipulação se inscreve
na problemática das relações humanas e nas tensões do poder
que as atravessam e não em algo que é inerente à natureza retó-
rica da linguagem.

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MONOLOGAL E DIALOGAL

MONOLOGAL E DIALOGAL
Grosso modo, poderíamos dizer que os fenómenos da argumenta-
tividade remetem para uma abordagem monologal ou monogerida
da linguagem em que esta é vista como um produto textual susce-
tível de análise. Uma tal análise parte de uma teoria prévia do
que se entende por argumento (seja «argumento» considerado como
um enunciado que conduz a outro enunciado que é sequência do
primeiro, seja como algo que confere força persuasiva ao discurso,
seja, ainda, como algo que é visto como razões de suporte para
uma tese), procura identificar e interpretar a presença de argu-
mentos no discurso, reconstruir e analisar esses argumentos e,
para alguns teóricos, avaliá-los na sua força.
Se passarmos da argumentatividade para a argumentação, en-
tendida como uma situação que comporta pelo pelos dois partici-
pantes e que implica uma situação de interação, então diremos
que mais do que no discurso dialógico (ou seja, que se dirige sem-
pre a alguém e que invoca ou remete polifonicamente para outras
vozes, não deixando todavia de ser monogerido) a tónica é posta
na dimensão dialogal (ou seja, que invoca a poligestão de um as-
sunto em questão relativamente ao qual há diferença de perspe-
tivas e na qual os participantes podem assumir qualquer dos pa-
péis que definem a dinâmica argumentativa: o de proponente, o
de oponente e o de questionador). Os argumentos não são aqui
vistos «a solo» mas sempre a partir do «dueto» de argumentadores
(pelo menos) em interação e como valores de troca sujeitos a vigi-
lância na interação comunicacional. Nesta perspetiva não se parte
de uma teoria prévia que define a priori o que é um argumento,
mas considera-se que os argumentos são emergentes e que a sua
emergência e força não podem ser dissociadas do contexto especí-
fico da interação polarizado num assunto em questão. Deste ponto
de vista, o uso de argumentos é visto como algo que reforça pers-
petivas sobre um assunto em questão numa situação circunstan-
ciada de interdependência discursiva. Esta interdependência dis-
cursiva pode ser clarificada através do conceito de diafonia, que
aponta para a retoma do discurso de um pelo discurso do outro.
Neste sentido a avaliação da força dos argumentos é sempre rela-
tiva quer ao assunto em questão, quer ao discurso do outro. Pode-
mos assim distinguir entre o estudo analítico dos argumentos que
procura captar a argumentatividade pela inventariação de tipos
de argumentos e de esquemas argumentativos que são utilizados
pelos argumentadores, procurando derivar a sua força das estru-

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O MODELO DE TOULMIN

turas e dos mecanismos que neles são postos a funcionar e o


estudo interacional das argumentações que foca a progressão da
interação numa situação argumentativa, pondo o desenho do as-
sunto em dependência daquilo que nele surge como estando em
questão e dos diversos níveis de interdependência que se registam
entre os argumentos avançados, o conjunto da situação argumen-
tativa e a tensão entre discurso e contradiscurso.
O ponto de vista da análise de argumentos tem aspectos positivos
e aspectos negativos. Dos seus aspectos positivos podem desta-
car-se o fornecimento de uma moldura teórica que nos permite
identificar e classificar modos de argumentar, estabelecer per-
guntas críticas que possibilitam testar a força dos argumentos,
proceder à sua avaliação e, finalmente, dotar-nos de uma termi-
nologia que pode ser usada com utilidade na elaboração de um
contradiscurso. Com efeito, aquele que consegue «ver» os argu-
mentos como exemplares de tipos ou formas de argumentar li-
berta-se, de alguma forma, da sua dominação e pode mais facil-
mente contra-argumentar. Dos seus aspectos negativos pode
destacar-se o seu artificialismo (ao serem isolados para análise o
foco incide sobre aspectos micro, pouco consonantes com a eficácia
e propriedade circunstancial da sua aplicação e com a dinâmica
da situação argumentativa) e o seu desfasamento do ponto de
vista descritivo (nomeadamente quanto à velocidade do débito
verbal que ocorre numa interação, ao carácter ambíguo dos re-
cursos evocados, à mobilidade da linguagem em termos de formu-
lações e reformulações, aos elementos emocionais envolvidos e ao
tempo útil em que decorre a interação). Dito de outro modo, a
análise e avaliação de argumentos «a solo» não é consonante com
o carácter profundamente situacional das argumentações. A isto
acresce a profunda discrepância entre a atitude do analista e os
constrangimentos implicados quando se está na pele de argumen-
tador, que é algo diferente da posição de uma juiz que avalia atra-
vés de critérios meta-argumentativos.

O MODELO DE TOULMIN
Stephen Toulmin (1958) propõe uma abordagem estrutural daquilo
a que podemos chamar a «célula argumentativa», ou seja, dos ele-
mentos constitutivos do raciocínio argumentativo. Distingue entre
os elementos invariáveis (field invariant), que dizem respeito à
forma (e, nesse sentido, são independentes do assunto de que se

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O MODELO DE TOULMIN

trate) e os elementos variáveis (field dependent), isto é, que depen-


dem do tipo de assunto em questão. Em primeiro lugar, o raciocínio
argumentativo difere do raciocínio lógico-analítico na medida em
que não representa um processo de inferência que parte de pre-
missas para chegar a conclusões, mas é um processo de justificação
que parte de uma tese (claim) para a qual apresenta razões (data,
grounds). Como notaram Foss, Foss e Trapp (2002b: 129), o uso
primário dos argumentos substantivos é justificar teses e não in-
ferir teses a partir de dados: «a justificação é uma atividade re-
trospectiva, enquanto a inferência é prospetiva. Por outras palavras
a justificação de uma tese envolve produzir razões para a tese de-
pois do facto de termos chegado mentalmente à tese. A inferência,
por outro lado, refere-se ao uso de razões para chegar a uma tese
e é uma região da argumentação analítica». Assim, no processo ar-
gumentativo, um interlocutor começa por enunciar uma tese. Con-
tudo, pode ser-lhe pedido que a justifique, no sentido de mostrar
em que é que se baseia para a afirmar. Na formulação de Toulmin
a pergunta que pode surgir é «what have you got to go on?» (1958:
97), que corresponde à expectativa de apresentação de razões de
suporte. Nesse caso, a resposta consistirá em referir os dados ou a
informação na qual a afirmação se baseou. A tese é assim dimen-
sionada como um raciocínio e, pressupondo este a aplicação de
uma regra, a tese será justificada não só em função dos referidos
dados como, ainda, a partir de algo que autoriza ou avaliza que o
trânsito dos dados para a tese se processe, ou seja, de uma regra
da passagem, ou garantia (warrant). Note-se que esta garantia é
um elemento estrutural que nos diz que, numa estrutura argu-
mentativa, a articulação entre dados e tese é acompanhada (de
uma forma implícita, mas que deve poder ser tornada explícita)
por um critério de legitimação lógico-hermenêutico (ou seja, que
visa a compreensão e o entendimento por parte dos outros, ainda
que não assegure a sua concordância) e que responde à questão:
«how do you get there?» (Toulmin, 1958: 98). Ou seja, a apresenta-
ção de dados referencia as razões que explicitamente se têm em
consideração numa tese. A apresentação de uma garantia referen-
cia aquilo que implicitamente nos conduziu, ou se pressupôs, na
sua articulação. Por exemplo, se alguém afirma que «o filme X
bateu todos os recordes de bilheteira e é, por isso, o melhor filme
de todos os tempos», nesta formulação está envolvido um dado («o
filme X bateu todos os recordes de bilheteira») e afirma-se uma
tese («X é o melhor filme de todos os tempos»). A garantia desta
inferência, ou seja, aquilo que permite ou autoriza esta afirmação,

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 98

O MODELO DE TOULMIN

só pode ser: «o melhor filme é aquele que maiores receitas de bi-


lheteira alcança». Desta forma, do ponto de vista do seu esqueleto,
uma argumentação implica:
— a enunciação de uma tese;
— a seleção de dados específicos de suporte;
— a existência de um critério (regra de passagem) que torne com-
preensível a articulação entre os dados e a tese, fornecendo o cri-
tério da passagem de um ao outro.
Poderíamos dizer que Toulmin perspetiva o raciocínio argumenta-
tivo em termos comunicacionais: em vez de falar de conclusão pre-
feriu falar de tese (claim), ou seja, algo sujeito a desafio e suscetível
de justificação, em vez de falar de premissas preferiu falar de
razões (data, grounds) e em vez de falar de inferência preferiu
falar justificação e de garantia (warrant). A dimensão comunica-
cional considera o raciocínio argumentativo primacialmente não
num contexto de descoberta mas num contexto de justificação: não
se trata de nos limitarmos a ver como é que se chegou à asserção
apresentada como tese, mas de, face a um desafio, a suportar a
partir dos critérios que a procuram mostrar como fundada numa
garantia. Ela insere-se na ideia de argumentação como uma «ati-
vidade de apresentar teses, desafiá-las, reforçá-las através de ra-
zões, criticar essas razões, refutar essas críticas e por aí em diante»
(Toulmin, Rieke & Janik, 1984:14). Dito de outro modo, não se
trata de ver se, dadas certas premissas, se pode extrair uma certa
conclusão mas, antes, perante uma determinada tese, ver que
dados e critérios se podem invocar para lhe dar força. O raciocínio
é argumentativo na medida em que seleciona os dados que são
apresentados como seu suporte e faz apelo a regras de passagem
em que se baseia a sua força racional. Se clamarmos que «o João é
português» e nos questionarem sobre isso, podemos selecionar,
como dado de suporte, a afirmação de que «o João nasceu em
Braga», funcionando «as pessoas que nascem em Braga são portu-
guesas» como garantia deste raciocínio a afirmação.
O padrão básico de um argumento, correspondente aos seus ele-
mentos invariantes, pode, assim, ser esquematizado da seguinte
maneira:
Dados (data, grounds) tese (claim)

garantia (warrant)
O padrão básico do argumento segundo Toulmin

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O MODELO DE TOULMIN

Note-se, contudo, que o sentido da seta que vai dos dados para a
tese deve ser entendido como estrutura do processo de justificação,
ou seja, como algo que se desenrola depois da tese ter sido desa-
fiada. Em termos comunicacionais, no qual é pressuposto um diá-
logo entre um proponente e um questionador, a ordem é: tese —>
desafio da tese —> seleção de dados que funcionam como funda-
mento —> explicitação da garantia usada como regra de passa-
gem. Escreve Toulmin (1958: 99-100), referindo-se ao modelo bá-
sico: «como este padrão deixa claro, o apelo explícito neste
argumento vai diretamente da tese para os dados com que os fun-
damentamos: a garantia é, nesse sentido, incidental e explanató-
ria, sendo a sua tarefa simplesmente registar a legitimidade da
passagem envolvida e remetê-la para uma classe mais lata de
passagens cuja legitimidade está a ser pressuposta».
Esta forma, no entanto, será complexificada com a introdução de
outros elementos que a permitam tornar mais dinâmica e aberta
ao criticismo.
Essa é a função da introdução dos elementos designados como re-
forço (backing), qualificadores (qualifiers) e reserva (reservation
ou rebutall) que são aspectos relacionados com o dimensionamento
da argumentação e que apontam para alguma interatividade. Se
a garantia representa, na estrutura da argumentação, a «autori-
dade racional» (Toulmin, Rieke & Janik, 1984: 49), ou a afirmação
geral que é requerida para a ligação dos dados ou razões com a
tese, tal não impede que ela possa ser, por sua vez, questionada
enquanto tal. Com efeito, se de um ponto de vista do raciocínio a
garantia estabelece a necessária articulação entre os dados e a
tese, nem por isso ela se pode validar a si mesma do ponto de
vista da sua eventual aceitabilidade. Aqui a questão desloca-se
da estruturação do raciocínio, que se funda sempre numa garantia,
implicando, por conseguinte, o recurso a uma regra de passagem,
para a questão da sua força enquanto «modo de argumentar» sub-
metido a escrutínio crítico. Ora, estes «modos de argumentar»,
não se podendo validar a si próprios são, todavia, suscetíveis de
reforço. Assim, do plano da estruturação do raciocínio passamos
ao plano da fiabilidade dos «modos de argumentar» e da sua apli-
cabilidade ao caso específico em questão. Como mostrar, por exem-
plo, que uma tal garantia é superior a outras em conflito com ela?
Tal é a função do reforço, ou considerações adicionais que são
avançadas de modo a tornar credível, aceitável e forte o «modo de
argumentar» proposto pela garantia. Ou seja, considerações que

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 100

O MODELO DE TOULMIN

fornecem a indicação das «generalizações que explicitam o corpo


da experiência a que se recorreu para estabelecer a verosimilhança
de modos de argumentar aplicados num qualquer caso particular»
(Toulmin, Rieke & Janik, 1984: 61). Deste modo, a afirmação
«amanhã vai estar quente, pois o pôr-do-sol está avermelhado»,
por exemplo, implica uma inferência garantida pela regra «os po-
res-do-sol avermelhados indicam dias de calor». No entanto, se
uma tal garantia for desafiada, então ter-se-á de recorrer a um
reforço da garantia, o qual poderá ser: «pelo menos é isso que os
estudiosos da meteorologia dizem». Ou seja, o reforço, fazendo
apelo a um corpo de experiência — neste caso ao corpo dos conhe-
cimentos científicos da meteorologia — traz informação que reforça
o «modo de argumentar» da garantia, ajudando os interlocutores
a compreenderem a sua credibilidade enquanto suporte adequado
do raciocínio. Todavia, a enunciação de uma tese pode ser dimen-
sionada de formas diversas. É na modulação desse dimensiona-
mento que entram em ação os «qualificadores» e a «reserva». Re-
tomando o exemplo dado podemos transformá-lo e dizer:
«Provavelmente amanhã vai estar quente, pois o pôr-do-sol está
avermelhado». A introdução do «provavelmente» corresponde ao
que Toulmin designa como «qualificador», o qual representa a
verbalização da força relativa de um argumento. Finalmente, um
argumento pode também nomear explicitamente a possibilidade
de uma exceção à regra, introduzindo-lhe limitações. Retomando
o nosso exemplo, teríamos: «A não ser que se levante uma nortada,
provavelmente amanhã vai estar quente, pois o pôr-do-sol está
avermelhado». Neste caso, a introdução de «A não ser que se le-
vante uma nortada» adiciona um reserva que indica em que cir-
cunstâncias a conclusão é suscetível de ser refutada. O esquema
final será, então, o seguinte:
Dados (data, grounds) tese (claim)

reserva (rebutall)
garantia (warrant)

qualificador (qualifier)

reforço (backing)

O padrão complexo do argumento segundo Toulmin

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 101

O MODELO DE TOULMIN

A introdução dos elementos «reforço», «qualificador» e «reserva»


no padrão toulminiano de análise das argumentações está, por
conseguinte, direcionada para a questão da força da argumentação
(e esta força é sempre field dependent, ou seja, implica a conside-
ração da argumentação no contexto ou situação específica de co-
municação — e é em função deste contexto que ela pode ser aferida
como razoável ou não), tal como os três elementos acima mencio-
nados estavam voltados para a questão da estruturação justifica-
tiva pressuposta em qualquer argumentação dotada de racionali-
dade. Vejamos um caso de aplicação deste esquema ao seguinte
discurso:
«Face à pandemia da Gripe A, que é um problema de saúde pú-
blica, o que devemos fazer é comprar vacinas para proteger a po-
pulação. Essa é, sem dúvida, a não ser que surjam outras alterna-
tivas, a melhor maneira de lidar com a situação e é também o
conselho da Organização Mundial de Saúde».
Tese: Devemos comprar vacinas
Dados: Há uma pandemia da gripe A; a pandemia representa um
problema de saúde pública
Garantia: Face a problemas de saúde pública devem ser tomadas
medidas para proteger a população.
Reforço: A OMS aconselha a compra de vacinas.
Qualificador: É sem dúvida a melhor solução.
Reserva: A não ser que surjam melhores alternativas
Sublinhemos, para concluir, porque é que no padrão de análise
das argumentações proposto por Toulmin o raciocínio argumen-
tativo se diferencia do raciocínio lógico-analítico. Como para quase
todos os teóricos da argumentação, o grande desafio é o de articular
a produção de raciocínios com processos de seletividade que os
permitam tratar como um ponto de vista e não como inferências
lógicas sujeita aos critérios necessários da dedução lógica. Para
dar esse passo é preciso deslocar a abordagem dos raciocínios
para um contexto comunicacional e dialógico, fazendo com que
ela seja entendida no quadro de uma operação de justificação face
a alguém que desafia uma tese. Se no raciocínio analítico se parte
de premissas dadas e de regras de inferência formais para se che-
gar a conclusões, no raciocínio argumentativo a justificação opera
pela seleção de dados de suporte (que podem ser questionados) e
pela escolha das regras que garantem a articulação entre os dados
e a tese (e que não são modos de argumentar nem necessários
nem exclusivos). Deste modo, e apesar da explicitação da garantia

101
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 102

O PROVÁVEL

em que se funda ser condição do próprio raciocínio argumentativo,


a substância dos dados e das garantias é muito variável e depende
das escolhas de quem avança a tese. Nesse sentido, um raciocínio
argumentativo revela-se não como um cálculo, mas como um modo
de pensar que é, nesse sentido, sujeito a reforço, deslocando-se a
questão da validade para a questão da aceitabilidade dos dados
avançados, da relevância que eles apresentam para a tese e da
suficiência que revelam para que esta possa ser considerada como
fundada. Assim, podem ser estabelecidos critérios de avaliação
positivos cuja ausência poderá dar origem à classificação de falá-
cia. Cinco critérios (e, correlativamente, cinco grupos de falácias),
podem ser aqui referidos:
• São apresentadas razões para a tese, ou será que estamos pe-
rante um raciocínio falacioso, porque não suportado por razões?
• Será que as razões apresentadas são relevantes, ou será que o
raciocínio apresenta razões irrelevantes?
• Será que as razões apresentadas permitem de facto estabelecer
a tese, ou será que o raciocínio apresenta razões defeituosas?
• Será que podemos articular a garantia do raciocínio, ou seja,
evidenciar o modo de argumentar contido na regra de passagem,
ou será que os raciocínios resultam de assunções sem garantia?
• Será que podemos formular o argumento com clareza e rigor ou
será que o raciocínio apresenta ambiguidades? (cf. Toulmin,
Rieke & Janik, 1984: 129-197).
Deve contudo notar-se que, numa tal conceção da argumentação,
a questão da avaliação incide sobretudo no teste crítico de argu-
mentos desenvolvidos em torno de uma tese e não num contexto
em que se dá um confronto de teses. Neste sentido trata-se de um
padrão de avaliação mais centrado no monólogo argumentativo
do que na interação argumentativa entendida como um confronto
entre posições dissonantes ou opostas.

O PROVÁVEL
No interior do campo argumentativo o provável não se refere a
qualquer tipo de expectativa baseada num cálculo de probabili-
dades quanto a um resultado, mas é uma noção que alia o possível
e o preferível no que diz respeito a um modo de ver ou a caminhos
de ação. Neste sentido, ele tem uma natureza dilemática. O pro-
vável, não em sentido estatístico, mas no sentido ensaístico — de
tentativa não suscetível de certificação, que resiste aos estreita-

102
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 103

ÓNUS DA PROVA

mentos focais da sua eventual formulação em termos rigorosos e


unívocos, mas que é todavia capaz de se revelar como imagetica-
mente atrativa, heuristicamente interessante e situacionalmente
apropriada — engloba o risco da indeterminação sem contudo
deixar de funcionar como algo de útil e suscetível de condicionar
opções pela pesagem de prós e de contras. O provável não é um
parente pobre da certeza, mas a melhor caução do pensamento
prático, limitado situacionalmente e instado pela premência do
tempo útil. É neste sentido que o provável está associado ao vero-
símil, ou seja, àquilo que não podendo ser declarado como verda-
deiro ou falso e escapando às certezas do cálculo funciona, para
efeitos práticos, como uma assunção a presumir. Escreve Angenot
(2008: 68) que «apesar das pretensões filosóficas quanto à procura
incessante e à descoberta de verdades absolutas sobre as coisas
humanas, na vida, argumentamos pelo dóxico, pelo provável, as-
sociamo-lo ao pathos e acrescentamos-lhe figuras ‘oratórias’, por-
que não temos escolha. Porque ou é assim ou então seria preciso
renunciar a deliberar e a decidir. O provável é inseparável de
considerações práticas: nós devemos orientar-nos e agir neste
mundo, torná-lo inteligível para nós e não demasiado desconcer-
tante no curso da ação, não nos podemos dar ao luxo de parar a
todo o momento para fundar logicamente todo o caminho do nosso
pensamento». Poderíamos assim associar o provável ao princípio
da razão insuficiente no que diz respeito à premência da ação:
primeiro continuamos, depois começamos. Como também nota
Angenot (2008: 69) «o provável é, pois, uma zona de conhecimentos
no qual, no melhor dos casos, sabemos coisas, mas vaga e impre-
cisamente». Neste sentido o provável pode ser ligado à noção de
«assunto» como algo que é constituído por um conjunto de refe-
rências que ocupam um lugar intermédio, mas matizado por si-
tuações práticas, entre as ideias e os raciocínios.

ÓNUS DA PROVA
O «ónus da prova» é uma expressão procedente do domínio legal e
está associada à noção de presunção. Uma acusação não deve ser
uma condenação e, por isso, face a uma acusação, a presunção da
inocência do acusado deve prevalecer até que quem acusa prove a
sua culpabilidade. Neste sentido, a situação inicial — ou seja, a
inocência — deve prevalecer sobre a acusação e a mudança de
uma tal situação coloca em quem acusa o dever de provar a culpa-

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 104

ÓNUS DA PROVA

bilidade do acusado. Diz-se, então, que o ónus da prova incumbe a


quem acusa. A noção de «ónus da prova» foi introduzida nos proce-
dimentos retórico-argumentativos por Richard Whately (1787-1863)
no seu livro Elementos de Retórica. Assumindo-se que uma argu-
mentação pressupõe duas partes em confronto, dir-se-á que a parte
que subscreve uma posição geralmente aceite e considerada como
normal e natural beneficia da presunção e que à parte que pretende
mudar o estado de coisas atual incumbe o ónus argumentativo.
Assim, quando fumar em locais públicos era permitido, competia
aos que queriam transformar essa situação o ónus argumentativo.
A partir do momento em que conseguiram mudar a legislação, o
ónus argumentativo passou a caber àqueles que eventualmente
queiram que volte a ser legal fumar em locais públicos. Ou seja, os
ónus argumentativos mudam consoante o estado de coisas preva-
lente. Neste sentido o ónus argumentativo está associado ao prin-
cípio da inércia que, segundo Perelman (1972: 232), «resulta de
uma tendência natural do nosso espírito para considerar como
normal e racional e, portanto, como não exigindo qualquer justifi-
cação suplementar, um comportamento conforme aos precedentes»,
acrescentando ainda que «o princípio de inércia, que transforma
em norma toda a maneira habitual de proceder, está na base das
regras que se desenvolvem espontaneamente em toda a sociedade
(...). O princípio de inércia desempenha, assim, um papel estabili-
zador indispensável na vida social. Isto não quer dizer que tudo o
que está deva permanecer imutável, mas que não há lugar para o
mudar sem razão: só a mudança deve ser justificada» (Perelman,
1968: 19-20). O ónus argumentativo é importante como um princí-
pio da dinâmica da interação e como procedimento que determina
a quem compete a iniciativa. É claro que quando a argumentação
é realizada em sítios institucionais, a definição do ónus argumen-
tativo é geralmente determinada pelos procedimentos habituais
desse lugar, pelo que a sua definição é relativa à contingência dos
locais argumentativos e à natureza dos assuntos. Quando esta de-
finição não é clara, acontece com frequência que os participantes
procuram passar o ónus argumentativo para a outra parte e uma
das estratégias usadas é proceder à sua inversão. Se considerarmos,
de uma forma mais geral, a força da doxa, ou opinião dominante,
poderemos dizer que àquele que a ela se opõe compete o ónus ar-
gumentativo. De realçar, por conseguinte, que o ónus da prova é
um caso específico do ónus argumentativo. Em termos sociais, este
último está mais ligado à ideia de que «quem cala, consente», ou

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 105

PAN-ARGUMENTATIVISMO

seja, a ausência de oposição equivale, em termos práticos, a estar


de acordo, e a quem não está de acordo incumbe tomar a iniciativa
argumentativa sob a forma de um contradiscurso. Já o ónus da
prova implica a possibilidade de submeter a problematicidade do
assunto à lógica do verdadeiro e do falso e a submeter as conclusões
obtidas por procedimentos de confirmação dos quais retiram a sua
validade.

PAN-ARGUMENTATIVISMO
As abordagens pan-argumentativistas da argumentação caracte-
rizam-se por considerarem que a argumentação está a priori no
discurso (cf. Amossy, 2008: 4). Defendem, desta forma, que «comu-
nicar as suas ideias a alguém é sempre, pouco ou muito, argu-
mentar» (Grize, 1997: 9). São geralmente abordagens semânticas
da argumentação que ligam a omnipresença do argumentativo
ao facto da linguagem natural inscrever posicionalmente o locutor
que assim orienta o interlocutor para determinadas formas de
ver. A argumentatividade surge, assim, como inerente à própria
discursividade: «a minha tese é que a argumentatividade constitui
uma característica inerente do discurso. A natureza argumenta-
tiva do discurso não implica o uso de argumentos formais, nem
significa impor uma ordem sequencial premissa-conclusão num
texto oral ou escrito. Orientar o modo como a realidade é percebida,
influenciar um ponto de vista e direcionar um comportamento
são ações desempenhadas por toda um espectro de meios verbais.
Desta perspetiva, a argumentação está totalmente integrada no
domínio dos estudos da linguagem» (Amossy, 2009b: 254). A argu-
mentação torna-se, assim, num ramo da análise do discurso. As
abordagens pan-argumentativas apoiam-se também numa con-
ceção dialógica da linguagem e consideram que o discurso é uma
atividade eivada de dialogismo e, nesse sentido, deve ser vista no
âmbito mais alargado do interdiscurso: «na medida em que toda
a palavra surge no interior de um universo discursivo prévio, ela
responde necessariamente a interrogações que frequentam o pen-
samento contemporâneo e que são tanto objeto de controvérsias
em boa e devida forma, como de discussões larvares. Todo o enun-
ciado confirma, refuta, problematiza as posições antecedentes, se-
jam estas expressas de uma forma precisa por um dado interlo-
cutor ou de forma difusa no interdiscurso contemporâneo»
(Amossy, 2006: 35).

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 106

PRODUTO, PROCESSO, PROCEDIMENTO E PROCESSAMENTO

O interesse das abordagens pan-argumentativistas é o de mostrar


que o discurso nunca é uma atividade neutra em termos de orien-
tação e, nesse sentido, tornar patente que a perspetivação é ine-
rente à discursividade. O problema deste tipo de abordagem é o
de diluir a própria ideia de argumentação no uso do discurso (ou
mesmo, até, no próprio ato de pensar), não a ligando a uma situa-
ção de interação entre dois argumentadores que, numa situação
dialogal, tematizam oposicionalmente um assunto em questão.
Dito de outra maneira, se valorizam a argumentação enquanto
construção de posições através de modos de ver e de dar a ver,
nem por isso ligam a argumentação a uma situação inicial de
oposição entre um discurso e um contradiscurso (díptico argu-
mentativo) cuja progressão, para ser mais do que um diálogo de
surdos, tem de refletir o assunto em questão e a tensão do discurso
do outro, retomando este numa perspetiva e dinâmica críticas. Os
processos da crítica do discurso do outro, mais do que serem es-
quematizados como uma posição, devem ser vistos como emer-
gentes de um confronto pautado por turnos de palavra e polariza-
dos num assunto em questão sobre o qual os interlocutores
consideram interessante argumentar. Vão nesse sentido as abor-
dagens interacionistas para as quais «a condição necessária da
argumentação é a presença de oposição» (Willard, 1989: 12) e as
assunções metadiscursivas implícitas a qualquer argumentação
ou seja, e como já anteriormente referimos (cf. citação de Willard,
p. 31), a assunção recíproca da discordância, por um lado, e o re-
conhecimento recíproco de que cada um dos intervenientes está a
argumentar, por outro. Uma das formas de evitar os problemas
teóricos que as abordagens pan-argumentativistas colocam é as-
sociar a argumentação a uma situação de conflito.

PRODUTO, PROCESSO, PROCEDIMENTO


E PROCESSAMENTO
Quando nos referimos aos argumentos de alguém, estamos a ver
a argumentação como produto; quando se diz que «aqueles argu-
mentos foram demolidores», estamos a adotar o ponto de vista
dos seus efeitos no processo; quando observamos que alguém mo-
nopoliza o debate e não deixa os outros falarem, estamos a ver a
argumentação de um ponto de vista do procedimento; finalmente,
quando olhamos para um discurso atentando na atividade cogni-

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RACIOCÍNIO

tiva que lhe está subjacente, estamos a ver a argumentação de


um ponto de vista do processamento. Na interação argumentativa
o contradiscurso pode ser desenvolvido a partir de qualquer destes
pontos de vista e do seu cruzamento.

RACIOCÍNIO
À consideração da argumentação em termos de raciocínio corres-
ponde a uma abordagem lógica. Independentemente do contexto
em que ocorre e do tipo de raciocínio que se trate (indutivo, dedu-
tivo, abdutivo, etc.), a perspetiva lógica foca-se essencialmente na
validade e na força da inferência. Um raciocínio implica um mo-
vimento de ilação ou um salto inferencial que se opera entre pre-
missas e conclusão. De um ponto de vista lógico a linguagem na-
tural em que um raciocínio é formulado deve ser reconduzido a
uma expressão proposicional que permita distinguir o que ocupa
o lugar de premissas e o que ocupa o lugar de conclusão. A abor-
dagem lógica implica assim a uma conversão proposicional da
linguagem de forma a avaliar a inferência em termos da estrutura
do raciocínio.
Enquanto de um ponto de vista formal o raciocínio pode ser ana-
lisado em termos de validade inferencial, em termos informais a
avaliação dos raciocínios remete para critérios como a aceitabili-
dade da conclusão tendo em consideração a relevância e a sufi-
ciência das premissas. A aplicação destes critérios é determinada
pela submissão do raciocínio ao teste de perguntas ditas «críticas».
Por exemplo, de um ponto de vista formal podemos dizer que o ra-
ciocínio:
Se A então B
Ora B
Logo A
não é um raciocínio válido porque a condição necessária para afir-
mar B é A. Ora, no raciocínio apresentado, o que é afirmado não é
o antecedente mas o consequente, não sendo possível dele concluir
necessariamente o antecedente.
O ponto de convergência da análise lógica dos raciocínios com a
argumentação dá-se pela introdução da dimensão crítica que abre
o raciocínio a um processo de avaliação em que, para além dos as-
pectos formais da inferência, pode ser questionado o que é sele-
cionado como premissas e o que funciona como regra de passagem,

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RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA

ou garantia, destas para a conclusão. Desta perspetiva a garantia


de um raciocínio corresponde a um modo de argumentar que pode
ser aceite ou não.
Por exemplo, se se disser que «o filme X é o melhor filme de sem-
pre» com base na premissa «o filme X é o que mais vendeu», o
modo de argumentar ou regra de passagem deste raciocínio é «os
melhores filmes são os que mais vendem», o que é naturalmente
um critério que pode ser aceite ou não. Os modos de argumentar
são assim regras de avaliação que, não sendo necessárias, podem
ser sujeitas a reforço. Para o exemplo anterior pode reforçar-se a
garantia dizendo que é assim que a maior parte das pessoas mede
o sucesso de um filme.

RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA
E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA
Naturalmente que o campo da argumentação é também um campo
social e é imprudente falar de racionalidade argumentativa sem
a inserirmos no âmbito mais alargado da racionalidade sociológica
e sem ter em consideração as seguintes quatro vertentes:
1) Em primeiro lugar a argumentação é um fenómeno linguístico
e, como tal, social. Toda a linguagem é linguagem de uma comu-
nidade e toda a organização comunitária, fundada no direito e em
normas de ação, implica valores e relações de poder. As noções de
razão e de razoável, tantas vezes intervenientes no criticismo ar-
gumentativo, têm sempre uma modelagem que, sendo prática, é
social. Neste sentido não é possível compreender as práticas ar-
gumentativas dissociando-as do estatuto social de que o falante
está investido e das suas prerrogativas de ser ouvido e conside-
rado. E é importante não pensar que a possibilidade de argumen-
tar é independente das condições que proporcionam ou que vedam
a argumentação: inibir a iniciativa discursiva é, desde logo, res-
tringir, senão mesmo impossibilitar, a interação argumentativa.
Como bem salienta Bourdieu (1982: 38), «a competência suficiente
para produzir frases suscetíveis de serem compreendidas pode
ser insuficiente para produzir frases suscetíveis de serem escuta-
das, frases próprias para serem reconhecidas como recebíveis em
todas as situações em que falar acontece. (…) Os locutores des-
providos da competência legítima veem-se excluídos, de facto, dos
universos sociais em que ela é exigida, ou condenados ao silêncio».
Dito de outra forma, e apesar de muitas vezes se identificar a ar-

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RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA

gumentação com a liberdade de expressão, o ter espaço para ar-


gumentar e ser ouvido depende muito do estatuto social e situa-
cional do falante. Uma perspetiva voluntarista e individualista,
que ignora a historicidade do pensamento em situação e a com-
plexidade social é, a este respeito, uma postura ingénua, uma es-
pécie de onda de braços que não leva longe. Com efeito, a argu-
mentação está essencialmente ligada à força dos argumentos e
esta não é dissociável do problema de fundo da autoridade e das
simetrias e assimetrias que em torno dele emergem. Apesar do
desenvolvimento de uma argumentação supor «se não uma socie-
dade democrática, pelo menos uma ‘situação democrática’» (Plan-
tin, 1996: 21), a qual está essencialmente ligada à possibilidade
efetiva das iniciativas discursivas se produzirem e poderem de-
sencadear uma interação argumentativa composta por sequências
de turnos de palavra, o facto é que, mesmo assim, a paridade in-
terlocutiva é uma situação essencialmente ideal. Habermas (1992:
18-19) formulou-a do seguinte modo: «aquele que leva a sério a
tentativa de participar numa argumentação compromete-se im-
plicitamente com os pressupostos pragmáticos universais que têm
um conteúdo moral (...). Nas argumentações os participantes devem
partir do facto que em princípio todos os seres que lhe dizem res-
peito participam, livres e iguais, numa procura cooperativa da ver-
dade na qual apenas pode valer a força sem constrangimento do
melhor argumento». Poder-se-ia, assim, pensar que a argumenta-
ções são momentos de diálogo roubados ao tempo, mas o facto é
que, para além dos situacionais, os constrangimentos temporais
são determinantes no desenrolar das argumentações e, na medida
em que se luta em torno do que pode ser considerado como melhor,
esta é também «uma arte que procura captar nos momentos opor-
tunos aquilo que é apropriado e tenta sugerir aquilo que é possível»
(Poulakos, 1999: 26). Com efeito, as argumentações reais são sem-
pre mais impiedosas do que as situações ideais e «as controvérsias
são reais, os argumentos têm força e a sua força é indubitavelmente
pessoal» (Goodwin, 2007b: 43). Para além do mais, o pressuposto
da cooperação e a valorização dos consensos não deve ocultar a
realidade da comparação social, da dissensão e da competição.
Ora, se podemos conceder que a linguagem permite dar força aos
argumentos, é bom não esquecer também, como assinalou Bourdieu
(1982: 95), que «o poder chega à linguagem a partir de fora». Desta
forma, como salienta Moisés de Lemos Martins (2002: 97) «os fe-
nómenos discursivos são factos sociais» nos quais, mais do que es-

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RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA

tar em causa uma interação simbólica, estão em jogo relações de


força simbólica: «são com efeito umas tantas propriedades sociais
(emissores e recetores legítimos, língua e situação legítimas), no
interior de um campo de posições sociais assimétricas, que dão a
um discurso mais ou menos força, tornando-o deste modo mais ou
menos ‘aceitável’» (idem, 2002: 100).
Perelman (1970: 26) não deixou também de sublinhar este ponto
quando escreveu que «para tomar a palavra é preciso, num bom
número de casos, possuir uma qualidade, ser um membro ou o re-
presentante de um grupo. Por vezes a argumentação é limitada
quanto à sua duração, ao seu objeto, ao momento em que é apre-
sentada: existem nesta matéria costumes e regras e os códigos de
procedimento civil e penal podem ser utilmente analisados deste
ponto de vista». Vão ainda no mesmo sentido as observações de
Oléron (1987: 18-19) quando salienta que, «mesmo nas sociedades
modernas, a argumentação não é um empreendimento perfeita-
mente livre que pode ser exercido a qualquer momento, seja por
quem ou sobre que tema for. Como todas as modalidades de ex-
pressão do pensamento, ela não pode intervir se não for previa-
mente aceite que o debate é aberto e conferido o direito à palavra
àquele que se propõe defender ou justificar uma posição. (…) Num
grupo social, seja ele qual for, há interditos estabelecidos. Eles re-
ferem-se quer a palavras quer a atos, pelo menos quando as pala-
vras têm uma dimensão suficientemente pública para serem as-
similadas a atos. A argumentação não é possível senão no interior
das margens que delimitam estes interditos. Tais interditos não
são especulativos. Apoiam-se na força e a sua violação traduz-se
em medidas que atingem a pessoa no plano físico, social e moral:
exclusão, marginalização, silêncio e, quando são ditados por uma
autoridade dotada de poderes jurídicos ou de facto, por persegui-
ções, condenações, privação de liberdade, de estatuto, de bens, da
própria vida». Poderíamos dizer que o primeiro e mais alargado
contexto em que devemos compreender as práticas argumentati-
vas é, pois, o contexto social e situacional, com as suas regras prá-
ticas, a força do comummente aceite e as normatividades que ba-
lizam a ação dos homens.
2) Em segundo lugar, as argumentações operam sempre com base
em certos pressupostos e a credibilidade destes passa muitas
vezes pela sua justificação em termos de autoridade. Confiamos à
partida em certos conhecimentos ou informações que é preciso
considerar no tratamento de problemas e damos especial rele-

110
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RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA

vância às fontes científicas. Ora, a organização disciplinar dos sa-


beres e a crescente especialização dos conhecimentos contribui
para a nossa dependência da autoridade.
Referindo-se também à questão da confiança, que aliás considera
como um mecanismo de redução da complexidade social, Luhmann
(2001, 2006) distingue dois níveis de confiança: «trust» e «confi-
dence», sendo que aquilo que os diferencia é o facto do primeiro
comportar sempre um elemento de risco, dada a sua associação
com uma decisão (decidir confiar ou subscrever), o mesmo não se
passando com o segundo, que funciona sem ativar níveis interro-
gativos, significando que partirmos de algo que tomamos como
assegurado. A distinção é importante pois permite-nos pensar a
circunscrição do campo da argumentação como aquele em que
constantemente se joga o risco da ponderação sobre o que é con-
fiável, indo, aliás, ao encontro da ideia ciceroniana de argumento
como «algo de provável inventado para criar confiança» (probabile
inventium ad faciendam fidem, sendo que, como observa Conley
(2003: 267), «probabile» não significa aqui «provável», no sentido
usual do termo, mas algo mais parecido com «algo que ganhará a
aprovação do auditório»). Esta dimensão desloca as questões de
argumentação do registo da verdade para as colocar no da credi-
bilidade e da confiança, associando-as desde logo com a retórica e
com a construção da persuasividade. Neste ponto, e em termos
sociais, é importante não negligenciar o papel dos media na for-
matação da doxa, na colonização massificada da mente humana e
na implementação das dominâncias ideológicas. A proliferação da
verdade legal, por exemplo, é um dos modos de condicionar as for-
mas de pensar e faz parte do «software» cultural dos humanos.
Como nota Balkin (2003: 112) «é apenas necessário que os concei-
tos e as instituições legais moldem o modo como as pessoas apreen-
dem, compreendem, raciocinam e argumentam sobre o seu mundo
social e, desse modo, formatem os contornos e delineiem os limites
dos seus desacordos».
3) Em terceiro lugar há que referir a dimensão de uso prático da
linguagem em termos de eficácia e de exigência. Escreve Perelman
(1970: 33), a este propósito, que «na argumentação há, a meu ver,
duas coordenadas, podemos julgar a argumentação através de
dois critérios. Há, antes de mais, o critério da eficácia. Mas isso
não chega porque a eficácia da argumentação é relativa a um
certo auditório. E a argumentação que é eficaz para um auditório
de pessoas incompetentes e ignorantes não tem a mesma validade

111
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RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA

que a argumentação que é mais eficaz para um auditório compe-


tente. Resulta daí que derivo a validade da argumentação e a
força dos argumentos da qualidade dos auditórios para os quais
são eficazes». Deste ponto de vista, a argumentação não pode ser
dissociada da comunicação persuasiva, nem a persuasão do esta-
tuto daqueles a quem se dirige. O conteúdo do que é dito e a
forma de dizer intercetam aqui com a dimensão situada e social
em que a comunicação se desenrola. Dito de outra maneira, a ar-
gumentação não pode ser dissociada do modo de comunicar e dos
elementos situacionais que nele estão envolvidos. Perelman evi-
dencia os constrangimentos mostrando, por exemplo, que há bali-
zas sociais que circunscrevem, na prática, o que pode estar ou
não em questão: «a força dos argumentos depende, portanto, lar-
gamente, de um contexto tradicional. Por vezes o orador pode
abordar todos os temas e servir-se de toda a espécie de argumen-
tos; por vezes a sua argumentação é limitada pelo hábito, pela lei,
pelos métodos e técnicas próprias da disciplina no seio da qual o
seu raciocínio se desenvolve. Esta determina frequentemente o
nível da argumentação, aquilo que pode ser considerado como es-
tando fora de questão, aquilo que deve ser considerado como irre-
levante para o debate» (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1988: 616).
De facto, numa argumentação não está apenas em causa o que
gostaríamos de dizer, mas aquilo que podemos e devemos trazer à
interlocução tendo em consideração as supostas regras práticas e
as normatividades (as regras do jogo) em que a abordagem do as-
sunto é emoldurada. Se idealmente gostamos de pensar que somos
livres e que «não há machado que corte a raiz ao pensamento», o
facto é que, na prática, os mecanismos sociais de inclusão e de ex-
clusão assentam na apropriação do que é suscetível de estar em
questão ou fora de questão, do estabelecimento das condições de
legitimidade da participação em comunidades e, a começar, pelo
respeito da sua autoridade e daqueles que são autorizados para a
exercer. A acusação de não civilidade, de infantilidade ou de lou-
cura são formas comuns de exclusão (cf. Angenot 2008: 262 e ss.).
Argumentar não é, por isso, sinónimo de pensar, de ter ideias, de
organizar discursivamente as suas opiniões ou de analisar um
assunto com os seus próprios botões. Argumentar é algo que faze-
mos enquanto seres de palco, algo que implica interlocução com
outros atores, que ocorre em contextos, circunstâncias e lugares e
que pressupõe, por conseguinte, a sociabilidade. O ato de argu-

112
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RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA

mentar não pode ser pois dissociado nem da sociabilidade da pró-


pria linguagem nem das «línguas legítimas» que configuram os
cosmos sociais e tecem culturalmente as suas ordens simbólicas.
Como nota Hauser (2002: 76), «os problemas públicos não são em
e para si mesmos, mas são dimensionados no interior do sistema
cultural de símbolos através do qual constituímos e conferimos
sentido. A nossa cultura fornece-nos uma linguagem para falarmos
sobre as circunstâncias que encontramos. O nosso sistema de sím-
bolos influencia, em primeiro lugar, o modo como olhamos para
um conjunto de circunstâncias como sendo problemático. A cultura
afeta o nosso entendimento da natureza do problema e os parâ-
metros das possíveis soluções».
No entanto, e independentemente de todas as normatividades
inerentes às situações, há uma margem de atuação. Nota a este
respeito Goodwin (2007: 79) que «geralmente, na nossa sociedade,
a pessoa com o estatuto mais elevado pode tentar dar o tom —
‘renunciando’ à formalidade, por exemplo, ou começando de uma
forma irada. O outro pode alinhar — ou não; pode recusar sentar-se
quando convidado, por exemplo. As normas e as expectativas que
governam uma interação particular emergem das ações estraté-
gicas dos próprios participantes. Exemplos como este sugerem o
pensamento seguinte. Mesmo que assumamos que os argumen-
tadores têm um certo número de atividades conjuntas e normas
associadas «à mão», cada um precisará ainda de estratégias para
fazer com que a sua desejada atividade-e-regras-emergentes va-
lham na situação imediata. Estas estratégias não fazem parte da
atividade conjunta; têm de ser teorizadas por si mesmas». Do en-
quadramento que fizemos da racionalidade argumentativa no âm-
bito mais amplo da racionalidade sociológica é importante reter a
distinção entre iniciativa discursiva e interação argumentativa.
Uma iniciativa discursiva, implicando o uso da palavra, comporta
inevitavelmente elementos argumentativos ou argumentatividade.
No entanto uma iniciativa discursiva não basta para que haja
uma argumentação num sentido interativo. Com efeito, a argu-
mentação implica que o discurso seja ouvido e considerado (o que
muitas vezes pode não acontecer) e origine um choque de perspe-
tivas polarizado num assunto em questão no qual é possível dis-
cernir uma tensão entre discursos (discurso e contradiscurso).
Como escreve Willard «a argumentação é uma forma de interação
na qual duas ou mais pessoas mantêm aquilo que constroem como

113
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RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA E RACIONALIDADE SOCIOLÓGICA

posições incompatíveis» (1989: 1), sendo que «a condição necessária


da argumentação é a presença de oposição» (1989: 12).
A distinção entre iniciativa discursiva (vulgarmente: tomar a pa-
lavra para falar) e interação argumentativa é assim solidária da
diferenciação entre argumentatividade e argumentação e faz eco
das palavras de Catherine Kerbrat-Orecchioni (2005: 16) quando
escreve que «reduzindo a noção de interação à ideia trivial de que
falamos sempre para alguém, reduzimos o seu poder teórico e
descritivo; e mascaramos diferenças fundamentais ao assimilar-
mos destinatário real e virtual, troca explícita e implícita, discurso
dialogal (produzido por vários interlocutores em carne e osso) e
discurso dialógico (levado a cabo por um único locutor, mas que
convoca no seu discurso várias ‘vozes’». Poderíamos dizer que a
argumentatividade está associada quer aos mecanismos de se-
mantização da língua posto a funcionar no discurso em termos de
orientação, quer a formas de tematizar e raciocinar no discurso.
Pelo seu lado a argumentação requer pelo menos dois discursos
em dissonância e pode ser definida como uma situação de con-
frontação discursiva no decurso da qual são construídas respostas
antagonistas a uma questão ou como uma «interação problemati-
zante formada por intervenções orientadas por uma questão»
(Plantin 2002a: 230). Significa isto que uma argumentação implica
não apenas uma interação entre discursos como, também, a pre-
sença de uma dimensão crítica que os permite perceber em con-
traposição um relativamente ao outro (díptico argumentativo).
4) Uma boa forma de perceber a dimensão social da argumentação
é também a de perguntar com que é que se parece uma argumen-
tação, pondo em destaque a importância da atitude dos argumen-
tadores relativamente à interlocução.
Dissemos anteriormente que argumentamos enquanto seres de
palco. Tal significa que argumentar coloca em evidência o Si do
argumentador, dizendo quem ele é e onde se posiciona. Nas pala-
vras de Goodwin (2005b: 26) «tomar uma posição é colocar-se a si
mesmo no mundo, um local visível para si e para os outros. É
uma posição desconfortável para se estar, e arriscada, uma vez
que não há garantia que consigamos manter a postura vertical.
Mas se conseguirmos, pode ganhar-se uma estabilidade justificada
para consigo e para com os seus compromissos; uma disposição
merecedora do nome de autoconfiança». Esta citação permite com-
preender que a argumentação é também, como já anteriormente
referimos, um fenómeno afetivo. Esta dimensão afetiva relaciona-

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RECEÇÃO, ACEITAÇÃO E ADESÃO

se com o facto dos nossos raciocínios se ligarem sempre a processos


de valorização e de desvalorização e ao enquadramento ou pers-
petiva em função dos quais os desenvolvemos no discurso, nele
inscrevendo um posicionamento. O discurso efetuado no seio de
uma interação argumentativa representa uma posição na medida
em que tematiza, axiologiza, inscreve preferências reveladoras
do argumentador e reforça-as de vários modos sob a tensão do
discurso do outro. Aliás, como negar que a exposição pública e o
afrontamento da autoridade do discurso do outro não ponham em
jogo as emoções no discurso? Na medida em que axiologiza, o dis-
curso coloca sempre, de algum modo, as emoções no discurso. O
mesmo acontece com as relações de poder e com as simetrias e
assimetrias posicionais dos interlocutores, que podem ir de pers-
petivas acentuadamente unilaterais a uma relação multilateral.
Foi aliás com base nesta distinção que Brockriede (1972) distin-
guiu três tipologias de atitudes argumentativas: a do violador, a
do sedutor e a do amante, e que Jeanine Czubaroff (2007: 15) su-
geriu que, numa situação retórica, a questão essencial não é a de
saber «se pretendemos influenciar ou persuadir alguém, mas se
procedemos monológica ou dialogicamente».

RECEÇÃO, ACEITAÇÃO E ADESÃO


Segundo Grize podemos distinguir, na comunicação discursiva,
entre receção, aceitação e adesão, que correspondem, respetiva-
mente, à compreensão (ser capaz de ouvir/reconstruir o discurso,
o que significa evitar mal-entendidos e focalizar, pondo em comum
e tornando interpretável, aquilo de que se trata), ao assentimento
(reconhecer o discurso como coerente e consistente, ou seja, como
convincente) e, finalmente, à persuasão (ou seja, a apropriação
desse discurso como algo que é subscrito). É neste último sentido
que se pode dizer que persuasão não implica apenas «provar algo»
mas «provar a alguém» (Grize, 1996: 10), sendo que «uma argu-
mentação não persuade por ela mesma, mas conduz o destinatário
a persuadir-se a si mesmo» (Grize, 2004: 43). Segundo esta última
distinção, «provar algo» é da ordem do impessoal e «provar algo a
alguém» é da ordem do pessoal. Podemos assim dizer que o con-
vencimento significa que reconhecemos a consistência de um mo-
delo. Por exemplo, podemos dizer que quer a geometria euclideana
(plana) quer a geometria rimeniana (curva) são modelos convin-
centes. Mas podemos, para fins de aplicação a um certo fim, subs-

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REGRAS DO DEBATE E REGRAS DA ARGUMENTAÇÃO

crever um e não o outro. Ou seja, a adesão convoca um ato de fi-


liação ou de subscrição que deriva de um posicionamento pessoal
relativamente aquilo que nos é proposto. É essencialmente neste
último sentido que se pode falar em argumentação «mas pode ser
também possível conceber a argumentação de um ponto de vista
mais lato e de a entender como um processo que visa intervir
sobre a opinião, a atitude e, mesmo, o comportamento de alguém.
Deve contudo insistir-se que os meios são os do discurso (...)»
(Grize, 1997: 40). Com base nestas ideias é possível dizer que sem
competências comunicativas que permitam «pôr em comum» e sem
competências ao nível da consistência discursiva dificilmente se
acede ao nível da argumentação que, pressupondo os dois planos
referidos, vai para além deles, na medida em que representa uma
tomada de posição. Quando estamos perante um fenómeno de ade-
são, dir-se-á que argumentação foi persuasiva na medida em que
levou o interlocutor a filiar-se na esquematização que lhe foi pro-
posta. Quando o fenómeno da adesão não se verifica, pode originar-
se um contradiscurso. No entanto, insista-se, o nível da argumen-
tação intervém quando não se coloca o problema do mal-entendido
ou não está em causa a consistência do que é proposto. Dito de
outra maneira, se a argumentatividade do discurso é o que o per-
mite tornar interpretável e aceitável em termos de compreensão,
já a questão da adesão lida com o que foi compreendido em termos
de posição que pode ser subscrita ou não. De referir, finalmente,
que a linearidade destas distinções encontra dificuldades de um
ponto de vista interacional, onde a compreensão vai sendo co-cons-
truída de uma forma desde logo orientada pela modelação dos ter-
mos em que são colocadas as questões.

REGRAS DO DEBATE E REGRAS


DA ARGUMENTAÇÃO
Segundo Marc Angenot podemos distinguir entre regras do debate
e regras da argumentação. Ambas constituem condições de possi-
bilidade das argumentações. As regras do debate fixam as «condi-
ções processuais requeridas aos interlocutores para que aceitem
debater, condições que são concebidas como indispensáveis, ou
seja, fora das quais não pode haver senão frustração recíproca e
falhanço da discussão» (Angenot, 2008: 133). Estas regras têm
várias dimensões, indo da regulação dos turnos de palavra à sele-
ção do tema a debater e às formas éticas de interagir. Podemos

116
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REGRAS DO DEBATE E REGRAS DA ARGUMENTAÇÃO

enumerar, como regras do debate, as seguintes (cf. Angenot: 2008,


136 e ss):
1) Reconhecimento da igualdade dos participantes.
2) Acordo sobre a «existência» do tema.
3) Uma diferença quanto às posições dos participantes.
4) A disposição para argumentar.
5) Disponibilidade para mudar de opinião.
6) Interdição de sair do argumentativo.
7) Privilegiar a exigência dos participantes.
8) Regras práticas que visam evitar a queda na esterilidade da
regressão ao infinito, em querelas semânticas ou em obstáculos
que impedem a fluência da comunicação e a expressão prática
de posições.
9) Regras relativas à conclusão do debate (uma vez que há que
não permanecer nele indefinidamente).
No entanto, como observa também Angenot, nada nestas regras é
simples: «como uma ilusão que as auréola, flutua sobre estas nor-
mas simultaneamente imperativas e indecisas, uma espécie de
ideal idílico das relações humanas e das discussões: partilhar
uma mesma boa vontade de saber, ter uma mesma temeridade
para abraçar tudo o que se possa saber de uma questão, estar
convencidos de um modo semelhante que a ignorância e a falta
de curiosidade são coisas más, que o erro acabará por ceder pe-
rante a verdade, partilhar a mesma convicção de que o saber con-
tribui para a nossa felicidade, mesmo que a Igreja tenha advertido:
‘Quem aumenta o seu saber, aumenta o seu sofrimento’» (Angenot,
2008: 146).
De entre as regras da argumentação, ou seja, aquelas que supos-
tamente permitem proceder à sua avaliação, podem apontar-se
as seguintes:
1) Validade: produzir argumentos racionais.
2) A regra da pertinência, ou seja, discutir sobre o essencial e dei-
xar de lado o acidental.
3) Regra da refutabilidade, ou seja, a abertura à contestação dos
argumentos apresentados.
4) Regra da coerência e da não contradição.
Mas, também estas regras são critérios vagos e muito variáveis e
surgem, antes de mais, como formas de contra-argumentar. Na
realidade, e no que diz respeito às regras da argumentação, as
palavras de Johnstone Jr. parecem aqui mais acertadas ao dizer
que a interação argumentativa «mais do que ser governada por

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RELEVÂNCIA

regras fixas, representa o esforço de, na disputa, cada um reforçar


as suas próprias regras. A legitimidade ou relevância de um dado
ponto estabelecido no curso da argumentação depende das res-
pectivas visões dos que estão envolvidos na argumentação e a
energia de cada argumentador está essencialmente concentrada
na tentativa de estabelecer as suas próprias visões» (Johnstone
Jr., 1959: 12), ideias que têm eco na advertência de Natanson
quando afirma que «o mais frequente é que o desacordo não seja
uma disputa em torno de certas proposições, mas uma disparidade
estilística. O desacordo é um modo de descobrir o estilo de espírito
do interlocutor, de reconhecer a geografia do seu mundo» (1965:
18-19).
Será então que não há regras para avaliar as argumentações?
Voltamos a uma passagem já citada de Plantin (2009b): «a prática
da avaliação dos argumentos é guiada por um princípio simples:
aquele que não admite um discurso é o primeiro, porventura o me-
lhor crítico e, antes de mais, ele fala; é pois preciso considerar a
sua palavra. Esta última afirmação é um princípio normativo que
diz respeito não à atividade argumentativa, mas ao método em
teoria de argumentação. A tarefa desta teoria é a de inteirar-se o
melhor possível desta atividade crítica e, não, substituí-la. A con-
clusão inspirar-se-á em Guzot: laissez faire, laissez aller — e dei-
xem dizer! Não existe um super-avaliador capaz de parar o pro-
cesso crítico por uma avaliação terminal que a todos faria calar.
E, quanto mais avaliações houver, mais argumentações apaixo-
nantes haverá para descrever».

RELEVÂNCIA
A relevância é, sem dúvida, um dos principais critérios de que os
argumentadores se servem quer para construir, quer para avaliar
as argumentações. Os discursos argumentativos caracterizam-se
por neles se operar uma construção da relevância: eles procedem
através de esquematizações que operam por processos de valori-
zação e de desvalorização, de produção de distinções e de hierar-
quias e por ênfases que focalizam certos aspectos como pertinentes,
deixando na sombra aqueles que são considerados como irrele-
vantes. A relevância conduz sempre a distinguir o que é essencial
do que é acessório e, dessa forma, tende a enquadrar e a definir
aquilo que «verdadeiramente» está em questão. Mas como a rele-
vância ou a pertinência não são critérios que possam ser conside-

118
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RELEVÂNCIA

rados, em termos de argumentação, como algo que pode ser fixado


fora do quadro da interação, podemos também dizer que eles são
uma das regras centrais do debate. Nota Angenot (2008: 150) que
«o consenso de circunscrição e de pertinência é uma das normas
do debate no sentido em que um debate não é possível a não ser
que um enquadramento seja estabelecido e que se esteja de acordo
sobre aquilo que será a questão». Note-se, contudo, que a própria
luta pelo modo de enquadrar os termos da questão pode ser re-
corrente na interação, na qual os assuntos também são desenha-
dos. A acusação de fuga ou de desvio ao assunto é um momento
que pode comprometer a progressão da argumentação e trans-
formá-la num diálogo de surdos ou, mesmo, assinalar o seu termo
pelo desinteresse de um ou dos dois participantes. Neste sentido
a regra da relevância ou de pertinência é também uma regra da
própria argumentação. Diz por isso Angenot (2008: 165) que «a
regra da pertinência inclui a operação primeira, a regra do mate-
rial, que consiste, para os que debatem, em circunscrever ‘a ques-
tão’ e de a ela se aterem, a excluir, no mesmo golpe a não-perti-
nência». Perelman não deixou aliás de sublinhar a importância
do acordo como condição das argumentações. Mas podemos dizer
que, mais do que o acordo explícito, a condição da progressão da
argumentação reside uma partilha tácita de interesse sobre o as-
sunto. No entanto, há que sublinhar, todos estas operações de cir-
cunscrição da relevância problemática, mais do claras e distintas,
pertencem a uma zona cinzenta que permanece algo vaga e inde-
finida, ainda que se revele suficientemente tangível para que os
participantes considerem poder haver uma sintonia mínima de
interesses, ou seja, por considerarem que estão na mesma «zona».
De resto, os estreitamentos focais dos assuntos em questão nunca
são algo de definitivamente estabelecido e os enquadramentos
podem mudar durante a interação. Diremos, por conseguinte, para
simplificar, que a argumentatividade discursiva implica a cons-
trução retórica da relevância e que na argumentação, enquanto
interação que opõe discurso e contradiscurso, se luta por fazer
prevalecer a relevância dos termos em que se colocam as questões,
se avaliam e criticam os argumentos do outro com base na sua
pertinência para «o caso» (quando se conseguiu restringir «o caso»
e foram aceites comummente os pontos de colisão) e se confrontam
conceções que axiologizam e hierarquizam a partir de diferentes
atribuições de relevância. Afinal, embora nas argumentações co-
muns cada participante considere que para um assunto em ques-

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SITUAÇÃO ARGUMENTATIVA

tão existem recursos que são pertinentes e apropriados — sendo,


nesse sentido, relevantes —, na prática nada define a priori essa
relevância, o que não quer dizer que não existam aspectos práticos,
ligados aos usos, aos hábitos e aos costumes, que dotem de força
persuasiva certos aspectos em função da sua aceitabilidade gene-
ralizada e da força prática e normativa da doxa ou das formações
discursivas dominantes. Nas argumentações que ocorrem em sítios
argumentativos institucionais o papel do juiz ou do regulador,
com o seu poder discricionário, é justamente o de aferir a relevân-
cia, fazendo a triagem do que é pertinente e do que não é perti-
nente tomar em consideração. De um ponto de vista prático não
podemos ficar eternamente a discutir regras e há que decidir em
função das que existem e às quais é reconhecida legitimidade. A
introdução da figura de juiz, que em última instância possui o po-
der de decisão, altera radicalmente a argumentação comum, fa-
zendo convergir a prática argumentativa para as técnicas de per-
suasão que visam provocar influência de acordo com o árbitro
que encarna e aplica as regras do jogo. A relevância passa então
a ser instrumental e será usada como meio de obter adesão, pro-
curando provocar a decisão favorável, no interior de uma ecologia
racional específica e especializada. Se na argumentação comum
se pode dizer que a regra do discurso de um está no discurso do
outro, a introdução da figura do juiz (uma figura de autoridade
exterior e última) altera radicalmente a situação argumentativa:
se, em termos comuns, a sua motivação é o interesse espontâneo
dos participantes, nas situações institucionalizadas o interesse
converte-se em finalidade e a finalidade origina a tecnicização do
uso da palavra.

SITUAÇÃO ARGUMENTATIVA
Uma situação argumentativa remete para uma situação de oposi-
ção discursiva, mas também para os processos de avaliação colo-
cados em ação na relação de interdependência discursiva. Podemos
considerar a situação argumentativa em termos gradativos, indo
do discurso monológico planificado às interações argumentativas
operadas por turnos de palavra, por vezes determinadas por pro-
cedimentos e scripts muito específicos. Uma situação argumen-
tativa caracteriza-se por ser essencialmente problemática e ocorre
dada a natureza ambígua (pelo menos duas perspetivas possíveis)
das questões em causa. De acordo com esta ideia é possível, para

120
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 121

SOFISTAS

fins analíticos, associar a emergência de uma argumentação, no


seguimento do que propõem os teóricos da pragma-dialética, a fa-
ses características que permitem conceptualizá-la como algo que
tem um início e um termo: a fase do choque entre discursos cor-
responde à fase da confrontação (e nela se dá o surgimento de um
díptico argumentativo); a polarização da interação num assunto
em questão circunscrito que divide os participantes corresponde
à fase da abertura (e nela se regista um consenso de circunscrição);
a progressão da interação, em que cada um dos participantes vai
desenhando a sua posição relativamente à questão e sob pressão
do discurso do outro corresponde à fase da argumentação (sendo
essencial, nesta, a conectividade e a coordenação interdiscursiva);
o desvanecimento da oposição discursiva, da conectividade e da
coordenação entre os discursos permite assinalar o abandono da
argumentação e corresponde à fase do fecho (sendo esta, na nossa
perspetiva, algo de diferente da resolução da questão ou de toma-
das de decisão: dar um destino e uma resposta à situação não é
resolver a questão que a suscita e que pode voltar a colocar-se
dada a sua natureza problematológica).

SOFISTAS
O movimento sofístico surge na Grécia no século V. a.C. e deve ser
compreendido como um movimento que responde às necessidades
de ampliar e renovar as estruturas sócio-político-culturais da época,
proporcionando aos jovens uma nova educação capaz de os tornar
competentes nas práticas públicas. Não é assim de estranhar que
os sofistas tragam uma nova educação, centrada principalmente
no domínio da linguagem e do discurso. São professores no sentido
político e o seu ensino dirige-se aos jovens que querem aceder a
posições políticas importantes, ligando-se, por isso, à arte de viver
e de governar. São técnicos de retórica, de oratória e de eloquência.
Praticam o método antilógico ou a antilogia. Este método antilógico
ou antilogia consiste no seguinte exercício: dar ao aluno a tarefa
de defender uma tese, ou uma causa, fazendo-o desenvolver toda
uma argumentação a seu favor. Depois, pedir ao mesmo aluno que,
relativamente a essa mesma tese ou causa, desenvolvesse uma
argumentação inversa, isto é, de ataque, que a deitasse por terra.
Com este método, os sofistas procuravam fomentar o espírito crítico
e a capacidade de argumentar. O ensino sofístico encontrava-se
essencialmente ligado à argumentação e à retórica ou, mais preci-

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 122

STASIS

samente, à capacidade de usar a palavra e de fazer discursos per-


suasivos e convincentes, discursos que permitissem que quem os
fizesse atingisse os objetivos perseguidos. Contudo, a par dos par-
tidários e entusiastas deste tipo de ensino, cedo surgiram, por
parte dos filósofos, fortes críticas e acusações à pedagogia com que
eles procuravam formar a juventude. Esta crítica acabou por dar
dos sofistas a imagem de ‘filósofos malditos’ e de os lançar no des-
crédito. No entanto há que assinalar a importância dos sofistas
dizendo que o grande legado que eles nos deixaram se pode resumir
na valorização da palavra, do discurso e do diálogo como forma de
regulação da vida dos homens e como arma e instrumento funda-
mental nos jogos de poder com que a todo momento a vida em so-
ciedade nos confronta, a crença na capacidade dos homens substi-
tuírem, nas suas relações, o regime de força e de violência por um
regime da persuasão, a ideia de que o estabelecimento de uma co-
munidade entre pessoas humanas se funda não na imposição dog-
mática, mas na capacidade das pessoas falarem, debaterem e ou-
virem-se umas às outras, numa palavra, a convicção de que a
resolução dos problemas humanos só encontram uma solução hu-
mana se mediados pela linguagem e pelos seus poderes dialógicos
— eis o grande legado que os sofistas nos deixaram. Plantin (1996:
1 e ss) assinala que, em termos de argumentação, os grandes con-
tributos dos sofistas foram o uso da antifonia e do paradoxo e a
valorização das noções de provável e de dialética.

STASIS
Esta teoria, ou sistema invencional, é atribuída a Hermágoras e
foi reconstruída a partir de dados fornecidos por Cícero, Quinti-
liano e outros. Partindo da distinção, na retórica deliberativa,
entre «thesis» e «hipothesis» (a primeira abordando abstratamente
o assunto através de questões gerais e a segunda versando sobre
um conjunto específico e particular de circunstâncias), Hermágo-
ras propôs um método de focalizar os pontos específicos de colisão
numa contenda, o qual consiste na aplicação de um tipo de per-
guntas: as perguntas conjeturais (relacionadas com o apuramento
de factos), as definicionais (que classificam os atos associados aos
factos), as perguntas de qualidade (que avaliam essas ações) e, fi-
nalmente, as perguntas processuais (que procuram extrair ilações
ao nível das consequências práticas). A stasis representa um cho-
que de discursos e o problema ou as questões que levanta estarão

122
VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 123

TEMATIZAÇÃO | TIPOLOGIA DE DIÁLOGOS

na base da especificação das exigências segundo as quais se po-


derão tematizar e desenvolver os argumentos apropriados.

TEMATIZAÇÃO
Trata-se do processo através do qual, numa argumentação, os par-
ticipantes desenham os assuntos, fazendo distinções, invocando
recursos para darem força à perspetiva avançada e desenvolvendo
raciocínios orientados dentro dessa moldura. É, portanto, um pro-
cesso de configurar os assuntos, perspetivando-os a partir da sele-
ção de determinados considerandos tidos como relevantes e cuja
admissão orienta o pensamento para determinados padrões de
avaliação, juízo e raciocínio. Trata-se de um processo de objetivação
do pensamento (que não de objectividade) ou, se quisermos utilizar
a terminologia de Grize, de uma «esquematização». A tematização
é, em síntese, o processo seletivo (e nesse sentido pode ser equipa-
rada à inventio retórica) de recursos através do qual uma perspe-
tiva é desenhada e estabelece pontos que podem servir de premis-
sas a raciocínios e às suas conclusões. Nela, as dimensões sintáctica,
semântica e pragmática operam indissociavelmente.

TIPOLOGIA DE DIÁLOGOS
Há abordagens normativas que se propõem pensar as regras de
avaliação das argumentações tendo em consideração os seus ob-
jetivos pragmáticos. Douglas Walton lidera esta visão que pode
ser designada como «pragmática normativa». Para delimitar os
objetivos de uma interação, torna-se então necessário proceder a
duas tarefas: por um lado, inventariar e tipificar formas de diálogo
consoante as finalidades que estão em causa; por outro, avaliar os
vários lances dos argumentadores tendo em consideração o con-
tributo que eles apresentam para a realização da finalidade do
diálogo. Neste sentido, os contextos a serem considerados prima-
cialmente na avaliação de uma argumentação são os contextos
dialógicos dirigidos por finalidades, o que permite classificar a in-
teração como pertencendo a um determinado tipo de diálogo. É
também possível, através desta conceção, não só eleger a persua-
são, porquanto remete para a discussão crítica, como o diálogo que
é, por excelência, uma argumentação, como também perceber a
presença de oscilações e mudanças que ocorrem nas interações.

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 124

TIPOLOGIA DE DIÁLOGOS

Walton apresenta várias tipologias de diálogo. Vejamos a seguinte


(Walton, 1989: 10):

Situação
Diálogo Método Objetivo
inicial

Inquietação
Escaramuça Ataque pessoal Atingir o outro
emocional

Confronto Impressionar o
Debate Vitória verbal
forense auditório

Persuasão
(investigação Diferença Prova interna Persuadir o
através da dis- de opinião e externa outro
cussão crítica)

Diferença
Negociação Barganha Ganho pessoal
de interesses

Busca Falta Encontrar


Questionar
de informação de informação informação

Necessidade Assuntos
Busca de ação Produzir ação
de agir impertativos

Difundir
Educacional Ignorância Ensinar
conhecimento

A valia desta tipologia reside em chamar-nos a atenção para a im-


portância de considerar a argumentação em função de objetivos e de
contextos determinados por finalidades. A sua fraqueza revela-se de
um ponto de vista prático: as interações não vêm organizadas sob
a forma de diálogos tipificados nem dirigidas apenas a uma finali-
dade. Numa argumentação há um assunto que está em questão e o
seu contexto, em termos de finalidades, é não só multidimensional
como vai sendo construído na própria interação. Neste sentido, o
isolamento da tipificação coloca problemas com o que se passa nas
interações reais e, apesar de Walton tentar resolver este problema
através da atenção dada às oscilações e mudanças que se verificam
numa interação em termos do tipo de diálogo, vendo mesmo nessas
possíveis mudanças a emergência de falácias, parece-nos que esta
teorização, sendo construída de cima para baixo (de tipos para si-
tuações concretas) passa ao lado do próprio desenho dos assuntos
na interação, cuja captação é mais consonante com uma leitura que
parte do concreto e do casuístico do que de tipos ideais.

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 125

TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS (TOULMIN, RIEKE & JANIK)

TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS
(TOULMIN, RIEKE & JANIK)
Toulmin, Rieke e Janik estabeleceram uma classificação dos ar-
gumentos que engloba cinco tipos: o raciocínio pela analogia, ge-
neralização, signo, causa e autoridade, acrescentando a esta lista
as argumentações pelo dilema, classificação, opostos e grau, ad-
vertindo ainda que não é possível fazer uma listagem exaustiva
de tipos de argumentos. Vejamos, sumariamente, como é que os
autores caracterizam os tipos de raciocínio apresentados.
No raciocínio pela analogia «assumimos que há similitudes sufi-
cientes entre duas coisas para suportar a tese de que o que é ver-
dade para uma é também verdade para outra (1984: 216). Fácil
será ver que a refutação do raciocínio analógico se baseará na
ideia de que se estão a comparar coisas que são essencialmente
diferentes, ou seja, que não partilham das mesmas características
relevantes. De notar, também, que a analogia pode ser usada não
apenas para afirmar a verdade de uma proposição, mas a justeza
de uma forma de considerar os assuntos em questão.
O raciocínio pela generalização: «quando pessoas ou objetos são su-
ficientemente parecidos, torna-se possível agrupá-los em populações,
ou ‘espécies’, e estabelecer teses gerais acerca deles» (1984: 219).
Naturalmente que a refutação do raciocínio pela generalização re-
meterá para a acusação de que as instâncias particulares conside-
radas não são suficientemente seguras para se generalizar.
O raciocínio pelo signo: «sempre que se pode esperar fiavelmente
que o signo e o seu referente podem ocorrer conjuntamente, o facto
de observarmos o signo pode ser usado para suportar a tese acerca
da presença do objeto ou da situação a que o signo se refere» (1984:
33). Por exemplo, se virmos uma bandeira a meia-haste numa ins-
tituição, isso pode ser sinal de que faleceu alguém ligado a essa
instituição. Da mesmo forma, se virmos fumo, podemos pensar
que haverá fogo. Claro que este tipo de inferência pode ser criticada
quanto ao nível de certeza que permite associar o signo ao que su-
postamente ele assinala.
O raciocínio pela causa estabelece uma conexão causal entre dois
acontecimentos, vendo num a causa e noutro o efeito. A crítica de
uma tal forma de argumentar incide na capacidade de estabelecer
com certeza e de uma forma probativa que há efetivamente uma
relação de causa-efeito entre os dois eventos.
O raciocínio pela autoridade é essencialmente um raciocínio cuja

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TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA)

validade se suporta pela referência a alguém que é supostamente


credível e conhecedor. A crítica a esta forma de raciocinar reside
quer no questionamento da credibilidade de quem é apresentado
como autoridade, quer na interrogação da sua legitimidade en-
quanto autoridade.
No raciocínio pelo dilema «uma tese assenta sobre a garantia de
que apenas duas escolhas ou explicações são possíveis e ambas
são más» (1984: 231). A crítica a esta forma de raciocinar é justa-
mente mostrar que há mais do que as escolhas propostas.
Os argumentos pela classificação, pelos opostos e pelo grau são
muito frequentes no raciocínio prático: nos primeiros, argumenta-
se a partir das características típicas que definem o conceito de
algo; nos segundos, argumenta-se a diferença total entre coisas a
partir de certos aspectos que as diferenciam; na terceira, argu-
menta-se a partir de uma graduação que permite diferenciar coisas
que parecem semelhantes.

TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS
(PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA)
Os dois procedimentos fundamentais nos processos argumentativos
são a ligação e a dissociação de noções. Os procedimentos de ligação
são esquemas que «aproximam elementos distintos, permitindo
estabelecer entre estes últimos uma solidariedade que visa quer
estruturá-los, quer valorizar positiva ou negativamente um rela-
tivamente ao outro» (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1988: 255). Re-
fira-se, ainda, que estes elementos, tornados solidários pela técnica
de ligação, podem ser considerados, à partida, como independentes.
Os procedimentos de dissociação são «técnicas de rutura com a fi-
nalidade de dissociar, separar, dessolidarizar, os elementos consi-
derados como um todo ou, pelo menos, como um conjunto solidário
no seio de um mesmo sistema de pensamento: a dissociação terá
por efeito a modificação de um tal sistema, modificando certas no-
ções que nesse sistema constituem peças mestras» (Perelman e
Olbrechts-Tyteca, 1988: 255-256). Acrescente-se, de acordo com
esta definição, que os processos de dissociação consistem numa
tentativa de reordenar de forma mais profunda e coerente aquilo
que surge como incompatível, fazendo desaparecer, pela dissociação,
essa incompatibilidade. Refira-se, ainda, que estes dois tipos de
procedimento são complementares (e, na medida em que ao mesmo
tempo que se unem elementos diversos num todo bem estruturado,

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VocXP92vs_Apresentação 1 04/06/13 19:32 Page 127

TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA)

dissociamo-los do fundo neutro do qual os retiramos) e que estas


duas técnicas operam em simultâneo, ainda que, em cada situação,
se dê ênfase a uma ou a outra.
Tendo em consideração estes dois procedimentos fundamentais,
Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, no Traité de l’argumentation.
La nouvelle rhétorique propõem uma tipologia tripartida de ar-
gumentos, dividida em argumentos quase lógicos, argumentos ba-
seados na estrutura do real (ligações de sucessão e ligações de
coexistência) e argumentos que fundam a estrutura do real. Esta
classificação tripartida assenta na ideia de que cada um deles re-
tira a sua força da possibilidade de fazer aderir através de dife-
rentes formas de influência. A força dos argumentos quase lógicos
está diretamente relacionada com a sua proximidade, ou com a
similitude da sua estrutura, dos raciocínios de tipo formal, lógico
e matemático. A força dos argumentos baseados na estrutura do
real reside na característica de partirem de coisas reconhecidas
para introduzir outras que se querem ver admitidas. A força dos
argumentos que fundam a estrutura do real reside essencialmente
na sua capacidade de proceder a generalizações, procurando es-
tabelecer regras e princípios.
Dos argumentos quase lógicos fazem parte:
• Contradição e incompatibilidade. Numa argumentação, mais
do que falar em contradição lógico-formal, de contradição entre
proposições, tem sentido falar em incompatibilidade de posições,
incompatibilidade essa que é sempre relativa a circunstâncias
contingentes. Como estratégias para lidar com incompatibili-
dades podem adotar-se três atitudes: a lógica, a prática e a di-
plomática. Na medida em que não se trata de uma contradição
lógica, a acusação de incompatibilidade, mais do que remeter
para o absurdo, remete para o ridículo (provocando um «rir de
exclusão» e o recurso à ironia). Exemplo: «Não percebo como é
que uma pessoa que diz ter preocupações ecológicas está sempre
a advogar o desenvolvimento da indústria automóvel».
• Identidade e definição. Trata-se de processos de identificação (de
um termo ou de noções) levados a cabo através de definições que
estabelecem uma identidade entre a definição e aquilo que é de-
finido. Podem ser realizados através de definições normativas
(como se deve usar o termo ou a noção), descritivas (como é usado
em contextos específicos), condensadas (elementos essenciais da
definição descritiva) e complexas (que incluem aspectos das defi-

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TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA)

nições anteriormente referidas). Exemplo: «Dizer a verdade é, na


realidade, ser honesto e justo» ou «Um euro é um euro».
• Reciprocidade. Procedimento que consiste em tratar da mesma
forma situações que são contrapartes uma da outra, criando
uma sensação de simetria que incide sobre o que é comum e
que coloca em segundo plano o que as diferencia. Exemplo: «O
que dá gosto ensinar dará também gosto aprender».
• Transitividade. Procedimento que consiste em derivar, de um
certo tipo de relação estabelecido entre dois elementos, a existên-
cia da mesma relação no que diz respeito a um terceiro elemento.
Exemplo: «Os amigos dos meus amigos meus amigos são».
• Inclusão da parte no todo. Procedimento que consiste em articu-
lar as partes enumeradas ou referidas num todo que as engloba.
Exemplo: «A ciência não é senão um dos aspectos da sabedoria».
• Divisão do todo em partes. Procedimento que consiste em des-
membrar o todo focando as partes que o constituem. Exemplo:
«É especialmente interessante como neste livro a trama se vai
construindo capítulo a capítulo».
• Comparação. Procedimento que consiste em considerar vários
elementos, situações ou objetos com vista a avaliá-los uns rela-
tivamente aos outros. Exemplo: «Os liberais tem uma forma de
pensar mais arejada que os conservadores».
• Sacrifício. Procedimento que consiste em referir aquilo de que
se está disposto a prescindir para alcançar um determinado
fim. Exemplo: «Por ti até deixava de fumar»
• Probabilidades. Procedimento que consiste em extrapolar a par-
tir de um padrão de análise a importância de um acontecimento
e a verosimilhança do seu aparecimento. Exemplo: «Se deixaste
o carro estacionado nessa rua, bem podes contar com uma multa
na caixa do correio».
Dos argumentos baseados na estrutura do real (ligações de su-
cessão) fazem parte:
• Ligação causal. Procedimento que consiste em aproximar dois
elementos (acontecimentos, objetos, processos) através de uma
relação causal. Exemplo: «Sem um bom marketing os produtos
não vendem» ou «O estado em que nos encontramos é resultado
das políticas desastrosas do Governo».
• Argumento pragmático. Procedimento que consiste em avaliar
algo em função das suas consequências. Exemplo: «Se não sen-
sibilizarmos as pessoas para as boas práticas de cidadania a
vida tornar-se-á um caos».

128
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TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA)

• Desperdício. Procedimento que incita a continuar algo em função


do esforço já desenvolvido. Exemplo: «Todos os esforços de redu-
ção dos efeitos de estufa se tornariam vãos se a legislação não
os regulamentar com rigor».
• Direção. Procedimento que consiste em criticar atos ou aconteci-
mentos com base no perigo da tendência para que orientam.
Exemplo: «Se os professores aceitarem os novos estatutos da car-
reira docente em breve serão completamente desautorizados».
• Desenvolvimento ilimitado. Procedimento que consiste em dizer
que os processos estão sempre em aberto e que a sua revisão só
os enriquece, não colocando limites a uma direção. Exemplo:
«Se se verificar que o estatuto da carreira docente é mau para
os professores, ele pode sempre ser modificado e aperfeiçoado».
Dos argumentos baseados na estrutura do real (ligações de coexis-
tência) fazem parte:
• Pessoa e atos. Procedimento que consiste em avaliar alguém a
partir de uma articulação entre o carácter e os seus atos. Exem-
plo: «A falta de transparência das suas declarações mostram
bem a natureza do seu carácter».
• Grupo e seus membros. Procedimento que consiste em perspeti-
var o grupo pelas pessoas que dele fazem parte ou as pessoas
pelo grupo que integram. Exemplo: «Naturalmente que, sendo
adepto do F.C.Porto, não pode deixar de ter um discurso ganha-
dor» ou «É bastante óbvio que as posições que o Sr. Alberto apre-
senta se inserem numa perspetiva altamente conservadora».
• Ato e essência. Procedimento que consiste em considerar a na-
tureza de algo a partir das suas manifestações ou as manifesta-
ções como índice de um padrão. Exemplo: «O modo de dar ordens
mostra bem que ele é um verdadeiro tirano».
• Relação simbólica. Procedimento que consiste em estabelecer
uma relação de participação entre um símbolo ou um referente
e uma determinada realidade. Exemplo: «Ouvir a entoação do
hino à minha chegada tornou-me mais consciente da dimensão
patriótica da minha missão».
• Dupla hierarquia. Procedimento que relaciona os termos de
uma hierarquia aceite com os termos de uma discutida. Exem-
plo: «Toda a posição extremista é nefasta, mas na luta contra ao
terrorismo há que fazer guerra radical».
• Grau e ordem. Procedimento que considera atos e acontecimentos
em termos de diferença de quantidade e de qualidade. Exemplo:

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TOPOI

«Não é comparável as vezes que um e outro falharam o cumpri-


mento dos seus objetivos» ou «Só custa a primeira vez».
Dos argumentos que fundam a estrutura do real fazem parte:
• Exemplo. Procedimento que consiste em partir de casos concretos
para proceder a generalizações. Exemplo: «Daquela vez que es-
távamos zangados, acabámos por falar e resolvemos o problema.
Não achas mesmo que o melhor é conversarmos?» ou «As três
vezes que o Governo baixou os impostos, o poder de compra au-
mentou. Não é agora altura para os aumentar».
• Ilustração. Procedimento que usa um caso particular para su-
portar um padrão já estabelecido. Exemplo: «Quanto mais an-
siedade, pior desempenho. Lembras-te daquela vez que blo-
queaste no exame?»
• Modelo. Procedimento que usa um caso particular como exemplar
e modelo a imitar. Exemplo: «Nelson Mandela, que até esteve na
prisão durante largos anos, nunca desistiu de lutar e conseguiu
grandes feitos quanto à abolição da discriminação racial».
• Analogia. Procedimento que usa relações colocadas em justapo-
sição por uma interação entre o tema e o foro com vista a produzir
um novo entendimento ou um efeito de valorização ou desvalori-
zação. Exemplo: «As consequências desta política são mais pro-
missoras para o desenvolvimento social que a invenção da roda».

TOPOI
Num sentido genérico pode dizer-se, com Walter Ong, que os topoi
(singular topos) são «nódulos de associação activa para ideias» ou
seja, representam categorias e relações que podem funcionar como
modelos heurísticos a partir dos quais podemos descobrir modos
de abordar e falar sobre os assuntos. Nesse sentido os topoi fun-
cionam como pivots na produção do discurso e a um conjunto mais
ou menos sistematizados de topoi dá-se o nome de «tópica». Se-
gundo Balkin (1996), a ideia de topos ou lugar comum é uma me-
táfora espacial que remete para cinco sentidos entrelaçados entre
si: «em primeiro, os tópicos são lugares a partir dos quais podemos
argumentar. Em segundo, os tópicos são ‘lugares-comuns’, ou seja,
conceitos, assuntos ou máximas que são largamente partilhados
na cultura ou estão associados à sabedoria que foi destilada para
o senso comum. Em terceiro, os tópicos são como arrumos ou
caixas nas quais situações ou acontecimentos podem ser colocados,
categorizados e organizados no seu próprio lugar. Em quarto, Aris-

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TURNOS DE PALAVRA | VISADA ARGUMENTATIVA E DIMENSÃO ARGUMENTATIVA

tóteles sugere que os tópicos correspondem a lugares na mente


de onde diferentes argumentos podem ser retirados. Finalmente,
tal como as coisas aparecem diferentemente de diferentes lugares,
pode pensar-se nos tópicos como uma perspetiva ou um modo de
olhar as coisas».
Os topoi têm três propriedades principais: caracterizam-se por
ser, simultaneamente, analíticos (fornecem uma perspetiva mental
a partir da qual podemos analisar os assuntos), vazios de conteúdo
(no sentido de se aplicarem a uma diversidade de casos específicos)
e comuns (pois são partilhados socialmente) (cf. Hauser, 2002:
111-112). Já para Rolland Barthes & Jean Louis Bouttes, (1987:
274) podem reconhecer-se nos lugares comuns quatro traços cons-
tituintes: «a repetição (critério propriamente linguístico), a histo-
ricidade (o lugar-comum nasce, triunfa, passa, é substituído por
outro) a sociabilidade (a consciência do lugar-comum em geral, e
de determinado lugar-comum particular, depende do meio social)
e o valor (percebido, o lugar comum é objeto de apreciação fre-
quentemente depreciativa)». Uma das formas das formas de assi-
nalar depreciativamente o lugar-comum é o de o considerar como
um mero estereótipo ou como um cliché, ou seja, um pronto a pen-
sar do espírito e uma forma de pensar por defeito.

TURNOS DE PALAVRA
Os turnos de palavra correspondem às intervenções dos partici-
pantes na interação e pressupõem algum grau de interdependência
interlocutiva. Há debates em que os turnos de palavra são espon-
tâneos e sem grande regulação quanto ao tempo e à definição dos
momentos para intervir, havendo outros que são fortemente regu-
lados, normativizados e controlados. Em lugares institucionais,
como os tribunais, os turnos de palavra estão sujeitos a formas
protocolares controladas pelo juiz. Num debate televisivo esse con-
trolo é geralmente assumido pelo jornalista que modera o debate.

VISADA ARGUMENTATIVA E DIMENSÃO


ARGUMENTATIVA
Numa conceção que vê a argumentatividade como inerente ao
discurso, esta distinção entre visada argumentativa e dimensão
argumentativa permite diferenciar gradativamente os discursos
nos quais a intenção de persuadir é explícita daqueles em que ela

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VISADA ARGUMENTATIVA E DIMENSÃO ARGUMENTATIVA

não o é. No primeiro caso dir-se-á que há uma visada argumenta-


tiva, no segundo que o discurso possui uma dimensão argumen-
tativa. «O uso da palavra está necessariamente ligado à questão
da eficácia. Que ele vise uma multidão indistinta, um grupo defi-
nido ou um auditor privilegiado, o discurso procura sempre ter
impacto sobre o seu público. Esforça-se frequentemente para fazer
aderir a uma tese: tem então uma visada argumentativa. Mas
pode também, mais modestamente, procurar fazer infletir formas
de ver e de sentir: possui, nesse caso, uma dimensão argumenta-
tiva» (Amossy, 2006: 1). Já numa conceção que associa a interação
argumentativa a uma situação de interlocução a gradação esta-
belece-se entre o díptico argumentativo em que se origina uma
argumentação e a tematização da oposição através de turnos de
palavra polarizados num assunto em questão. É neste último sen-
tido que Plantin escreve que «uma dada situação linguageira co-
meça a tornar-se argumentativa quando se manifesta uma oposi-
ção de discursos. Dois monólogos justapostos, contraditórios, sem
alusão um ao outro, constituem um díptico argumentativo. É sem
dúvida a forma argumentativa de base: cada um repete a sua po-
sição. A comunicação é plenamente argumentativa quando esta
diferença é problematizada numa Questão e se destacam nitida-
mente os três papéis de atuação do Proponente, do Oponente e do
Terceiro» (Plantin, 2005: 63).

132
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ÍNDICE

Prefácio
O que dizer? — Uma perspetiva exterior
Rui Pereira ..................................................................................................... 5

• A ocasião e os locais argumentativos ............................................ 13

• Abdução........................................................................................... 13

• Abordagens descritivas e abordagens normativas ....................... 14

• Análise argumentativa................................................................... 16

• Analogia .......................................................................................... 24

• Argumentação e regressão ao infinito........................................... 26

• Argumentação na língua................................................................ 27

• Argumentação................................................................................. 28

• Argumentação1 e argumentação2 .................................................. 34


• Argumentário ................................................................................. 36

• Argumentatividade e argumentação............................................. 36

• Argumento ad hominem................................................................. 37

• Argumento ad personam................................................................ 38

• Argumento ad baculum.................................................................. 38

• Argumento ad populum ................................................................. 40

• Argumento ad verecundiam........................................................... 41

• Assunto em questão........................................................................ 43

• Auditório ......................................................................................... 45

• Auditório universal ........................................................................ 46

• Autoridade e argumento ad verecundiam..................................... 49

139
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• Campo argumentativo.................................................................... 52

• Cânone retórico............................................................................... 53

• Cliché .............................................................................................. 55

• Coalescência.................................................................................... 55

• Código de conduta da discussão razoável...................................... 56

• Cogência.......................................................................................... 58

• Concessão........................................................................................ 59

• Conclusão ........................................................................................ 59

• Dedução........................................................................................... 60

• Demonstração vs argumentação.................................................... 61

• Dialética formal .............................................................................. 66

• Discurso epidíctico.......................................................................... 67

• Entimema ....................................................................................... 69

• Enunciado ....................................................................................... 70

• Episódios de contradição conversacional ......................................


e diferendo argumentativo............................................................. 71

• Erística............................................................................................ 72

• Esquematização.............................................................................. 72

• Estreitamento focal ........................................................................ 73

• Ethos ............................................................................................... 74

• Falácia ............................................................................................. 75

• Fases da argumentação.................................................................. 80

• Generalização apressada ............................................................... 82

• Implícito argumentativo ................................................................ 83

• Indução............................................................................................ 85

140
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• Kairós .............................................................................................. 86

• Lógica informal............................................................................... 87

• Lógica natural................................................................................. 89

• Manipulação e sedução .................................................................. 92

• Monologal e dialogal....................................................................... 95

• O modelo de Toulmin...................................................................... 96

• O provável ....................................................................................... 102

• Ónus da prova................................................................................. 103

• Pan-argumentativismo................................................................... 105

• Produto, processo, procedimento e processamento ....................... 106

• Raciocínio ........................................................................................ 107

• Racionalidade argumentativa e racionalidade sociológica .......... 108

• Receção, aceitação e adesão ........................................................... 115

• Regras do debate e regras da argumentação ................................ 116

• Relevância....................................................................................... 118

• Situação argumentativa................................................................. 120

• Sofistas............................................................................................ 121

• Stasis............................................................................................... 122

• Tematização .................................................................................... 123

• Tipologia de diálogos ...................................................................... 123

• Tipologias argumentativas (Toulmin, Rieke & Janik) ................ 125

• Tipologias argumentativas (Perelman & Olbrechts-Tyteca) ....... 126

• Topoi ................................................................................................ 130

• Turnos de palavra .......................................................................... 131

• Visada argumentativa e dimensão argumentativa ...................... 131

Referências bibliográficas ................................................................. 133

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Outras obras do autor:

— A racionalidade argumentativa, Porto, Edições Asa, 1993.


— Consequências da retórica, Coimbra, Pé de Página Editores, 1998.
— Discursividade e perspectivas. Questões de argumentação, Coimbra,
Grácio Editor, 2009.
— A interacção argumentativa, Coimbra, Grácio Editor/Centro de Es-
tudos de Comunicação e Sociedade, 2010.
— Fenomenologia, Hermenêutica, Retórica e Argumentação, Coimbra,
Grácio Editor, 2011.
— Teorias da argumentação, Coimbra, Grácio Editor, 2012.
— Perspetivismo e Argumentação, Coimbra, Grácio Editor/ Instituto de
Filosofia da Linguagem da Universidade Nova de Lisboa, 2013.

Para mais informações consultar:

http://www.ruigracio.com/ruiagracio.html
CapaVCA_Apresentação 1 20/05/13 11:01 Page 1

Rui Alexandre Grácio


Rui Alexandre Grácio é investigador, autor e
editor. A sua formação nas áreas da filosofia e
da comunicação levou-o a focalizar as suas in-
vestigações no domínio da linguagem, da retó-
rica e da argumentação.
Rui Alexandre
•••
Na presente obra, o autor propõe ao leitor
explorar alguns termos que considera centrais
na teorização da argumentação e na com-
Grácio
preensão das práticas argumentativas, assu-
mindo a estratégia crítica como a melhor via
de elucidação terminológica e conceptual.

VOCABULÁRIO CRÍTICO DE ARGUMENTAÇÃO


A ocasião e os locais argumentativos | Abdução | Abordagens descritivas e
abordagens normativa | Análise argumentativa | Analogia | Argumentação
e regressão ao infinito | Argumentação na língua | Argumentação | Argu-
mentação1 e argumentação2 | Argumentário | Argumentatividade e argu- VOCABULÁRIO CRÍTICO
mentação | Argumento ad hominem | Argumento ad personam | Argumento
ad baculum | Argumento ad populum | Argumento ad verecundiam | Assunto
em questão | Auditório | Auditório universal | Autoridade e argumento ad
DE ARGUMENTAÇÃO
verecundiam | Campo argumentativo | Cânone retórico | Cliché | Coales-
cência | Código de conduta da discussão razoável | Cogência | Concessão |
Conclusão | Dedução | Demonstração vs argumentação | Dialética formal |
Prefácio de Rui Pereira
Discurso epidíctico | Entimema | Enunciado | Episódios de contradição con-
versacional e diferendo argumentativo | Erística | Esquematização | Estrei-
tamento focal | Ethos | Falácia | Fases da argumentação | Generalização
apressada | Implícito argumentativo | Indução | Kairós | Lógica informal |
Lógica natural | Manipulação e sedução | Monologal e dialogal | O modelo de
Toulmin | O provável | Ónus da prova | Pan-argumentativismo | Produto,
processo, procedimento e processamento | Raciocínio | Racionalidade argu-
mentativa e racionalidade sociológica | Receção, aceitação e adesão | Regras
do debate e regras da argumentação | Relevância | Situação argumentativa |
Sofistas | Stasis | Tematização | Tipologia de diálogos | Tipologias argu-
mentativas (Toulmin, Rieke & Janik) | Tipologias argumentativas (Perelman
& Olbrechts-Tyteca) | Topoi | Turnos de palavra | Visada argumentativa e
dimensão argumentativa

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Filosofia da Linguagem
FCSH / UNL Grácio Editor

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