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MARTIN HEIDEGGER

7978, 2.o' ediçáo

19BZ 3.4 edição


l9f)9,4a. edição

I
(Preparada pelo Centro de Catalogaçáo-na-fcnte do
I
INTRODUÇÃO À METAFÍSICA
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LryROS, RJ)

Heidegger, Marün.
H3?i _Introduçáo à metafislca; apresenüaçáo e traduçáo de trtrnrla- Apresentação e Tradução
nuel Carneiro lráo. 4a. ed. Rio de Janeiro, Temb Brasileiro; de
EMMANUEL CARNEIRO LEÃO
(Biblioteca Tempo Uirlversitário, l)

Do original em alemáo: Einführung in dle Metaphysik.


GIossário

1. Metafisica I. Titulo II. Série

cDD tll.8
78-0043
cDu - llr.l/.8
-

Tempo Brasileiro

Rio de Janeiro - RJ - 1999


BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITARIO
-
1

Coleção dirigida por EDUARDO PORTELLA,


ProÍessor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

'fradução de
EMMANUEL CARNEIRO LEÃO

Capa de ITINERÁRIO DO PENSAMETITO DE HEIDEGGER


ANTONIO DIAS e PEDRO PAULO MACHADO
POn

EMMANUEL CARNEIRO LEÃO


Traduzido do original alemão
Einführung in die Metaphysik

Direitos reservados às
EDIÇÕES TEMPO BRASILEIRO LTDA.
Rua Gago Coutinho, 6l (Laranjeiras) _ ZC. Ol _ Tel.:
205_5949

Rio de Janeiro - RJ Brasil


-
Inaugurand,o n Coleção Tempo Universit"ário, o,p&rece ago-
ra, e?n traituçd.o Ttortuguêsa, o liuro ile Martin Heid,egger, Ín-
troducáo à Metafísica.
Jti houoe quenx o apresentasse, cotno "taluez... a melhor
e a mais'lacil'... introd.uçdo d tilosolia d.e Heídegger..." (The
Jourrral crf philosophy, lI, 3 (195$, 106). Uma aparência, de
certo suscitada pelo título e amparad,a nos pareceres correntes
sôbre a ÍilosoÍio,. Em todo caso, outra é a apresentaçdo, que
Íaz o pensamento de Heidegger. Nd.o se trata d.e uma obra ile
miciaçã,o nem de Íacil acesso. E por duas razões principais.
A primeira é muito simples e por isso rnesrno dilícil de se
eompreender. Em lilosotio não hd, possibiliCade de introduçõo.
Um abismo separa o espeço ordind,rio da eústência, enx que se
motse tanto o Tnodo de ser habitual, familiar e imediato da
t:idu cotidian&, como o nxodo de ser objetiao, técnico e eÍato
d.a uida c.ientifica, ilo espaço ertrq.orCind,rio, em que se agita
a inoestigação filosófica. E nenhum& ponte o poderd transpor.
ttõ,o, certclnente, por estar o espq,ço d,a lilosolia demasiad,o dis-
tante e stln dentasiad.o prórímo d.e tod,os os modos de ser cla
, ristência histórica.
Daí tam.bém t ôd,a ,t diliculdade d.d. ÍilosoÍia pq,ra o hontem
moderno que Dixe, habitualmente, no espaço d,a ordem do dia.
Dessa perspectioa o mans longo e o mais diJícil dos caminhos é
senxpre aquêle que lead ao que é mais íntirno e estd. mais pró-
úmo. É 'l.d.o íntima a presença da litosofia no po.ís dos homens,
que se to;na irnpossíael unta introduçdo e mutto dilícil o &cesso
,\ sua paisagenl.. A lilosofru id estó. sen4)re operando enx todo
pensamento, que ttela se procura iniciar e introduzir. O único
caminho ainda possíael é um retôrno brusco da eristência d.
sua orig(tn. A patsagetn da ÍilosoÍia nõ,o estú. em algum luge,r,
esperando que nela se introduza o pensanxento. A pqisagem da
tílosolia se instaura e origína pelo mouimento d,a própria in- A reÍlerdo sôWe a situação de rr.ossa eristêrtcia reuela a
uestigaçd,o filosófica, que, pond,o-se em questdo, retorna às orl- Jonsciência de uma uniCaCe e de uma interrupçdo Histórica
getts, dond.e ela mesma prouém. Sentimo-nos alandantes de um único Dia Historico, que se es_
É o que signilica o título do liaro, caJa traduçdo portu_ tende do sol nascente na altrord, grega de Ho?nera,ca sol poente
guêsa ora se oÍerece. Introduzir à metalísica é mouimentar-lhe na Era Atômica. Tenlos uma consciência nítida d,e nossa ru-
a questdv lundamental de ntaneira a leod,-la (-ducere) para tura corn a tradição e da d,ilerença entre.a manhd. e a tarde
dentro (intro-) d,as origens, d,onde a metalísica proced.e. tlm da História ,Ociúental . Assim qualquer inoestigaçd.o se insere
estôrço de pensarnento, que nad,u ten d,e horizontal e pro_ hoje necessà,riamente na Época da técnica e da ciência . Época
gressiuo. Cujo moaimento se processq, antes no sentiCo aertical da ciêncio. nd,o é, para dizer com Kant, Ttrna ,,generatio aequi-
e regressiuo. Na ilireção do lundamento e proueniência. Longe aoca". Nd,o nasceu por geraçd,o espontdnea ,,er nihilo sui et
de ser uma inici;r,çdo, a Introduçáo à MetafÍsica pressupõe in- subjecti", como diriam os Aristotélicos Lqtinos. pertence a
timidad,e com a,s proÍund,ezas da rnetalísica e o. d.isposiçd.o d,e uma tradiçdo milendlla, da qual é uma translormaçdo Histó-
arrlscar o sq.lto nas lontes originó,rias d,e suas possibilidad,es e rica. Quem hoje se empenha num problema lilosólico, nd,o poile
de seus limites. Nã,o é por ser obra d.a,,linguagem esotérica e tmpedir de achar-se no tim de jornad,a da granCe tradiçd,o
sibílina" de Heid.cqger rnas por ser obra de filosofia, que se greg&. Pois ct ntetalísica grega não é algo, que ?tunl tempo foi,
lrata de um liaro de acesso itiÍícil. e agoro, jd. ttd,o é mais. Nd.o se trata de um presente para
A segunda razd,o d,ecorre necessàriarnente d,a primeira e "etnpre passaCo. É um pretérito ainda hoje presente no t:igor e
interessa o papel que a Introdtgã,o d,esenpenha no itinerd,rio no intpério da ciência e da técnica. E nd,o só tto sentido d,e
do pensamento Heid.eggeriano. É am lioro ile transiçd,o. Inse- que o homem moderno e1)oca e laz reuioer por meio d,e recon.c-
re-se na passageflt, cotno se costutna ilizer, d,o primeiro pqra o truções historiograliccts o ytassado de sua historia, :alo,s no sen-
Segunclo ou último Heidegger. A Íim d,e se cornpresnd,er o sen- tido existencial de constituir o próprio lurtd,amento d.e seu
tldo dessa posiçd,c,. caracterizad,a pelo próprlo Autot d,e ,,inten- modo de ser moCerno Heraclito e parmênld.es, platao e Aris-
cionalmente o,mbigu,a',, torna-se inCispensdoel um conspecto
toteles, São Tomds e Descartes, Kant e Hegel, Marr e Nietzsche
global ile todo o itinerd,rio do Fitosofo. Nesse propósito traça-
estõo presentes, embora translormados pelo ilinamismo de seu
remos aqui as cocrdenadas princ4pais d,o rotelro de pensarnen-
próprio princípio, no cérebro eletrônico, do qual ilepende hoje a
to, em cuto sistema se enquad,ra a fntroduçáo à MetafÍsica.
:-egurdnça do Capitctlismo e do Socialismo. A consciência dessa
1. Existência e Reflexáo: Todo pensatnento fitosólico au- ru,turct na un:dade de unta traCiçd,o determina a Sihmçdo de
têntico nuncq. é posto arbitràriamente peto litósolo mas lhe é nossa existência, que impõe ao pensamento modento a proble-
sempre imposto oela própria existência, cuja Situação Histórica
malica central de suas rellexões.
subm,inistra os ternas a inuestigar e a rnissã.o a curnprt7. A Si-
tuaçdo d,a Existência, porém, ndo é urn simples lato qualquer Translq.dada para o, refle*ao lilosólica essa situaçdo d,a
fato jti é sempre feito - litósolo a
que d,e lora oiesse i?npar ao cxistência se translormou nd problemd.tica entre im,anêncla e
-
problendtica de suas refletões. Todo probtema de pensamento transcendência, cujo processo de transfortnação prittcipiou com
inclui, e?n sua essencializaçã,o, lnn projeto d,e atgo que aind,a a Revolugáo Copernican4 de Kant. Em que consiste, no pen-
tú,o e. E o que é, não pode nunca detertninar o que nd.o é. A ;arnento de Heidegger, tal problemdtica?
rellerdo imerge e o,o mestno tempo emerge d.e uma dada situa- O homem nd.o TtoCe eústir sendo ent comét.c o e contunhd,o
çao. É-lhe simultdneantente imanente e transcendente. Un corn o mu?tdo d,os entes. Ente signilica tudo que de algum modo
yroblema lilosólico .n&sce setnpre ilo que Sartre ehannou. ,,1a. é: o homem, as coiso,s, os acontecintentos, até mesmo o Nad,a,
capacité nullifiante" da eristêncla Da reltexdo sôbre a sltuo- enquanto é um Nada, i.é, enquanto tent um significado, seja
çito em que pensq o ÍilósoÍo. positiao ou negatiuo pard o. eristência. Incluinilo o seTt moJ,o

l0 ll
Le ser, tudo que é, é urn ente, e tuCo que impltca ou se relere O que é êsse apêlo e êsse destino? Don,ie prouêm êles e
ao ente e seu- mod.o d,e ser, é rjntico, adjetioo Íorrnado d.a po- a que se dirigen?
laura grega, bn (= ente).
Sao o lundarnento em, que $e essencio,liza d diÍeretr,ça ir-
Do ente o homem nõo pode prescindir. Em tôd,as os sucs red,utíael e a relerência necessdria entre o ente e seu ser.
indústrias e atiuidaCes, par& pensar e qlterer, sentinilo e aman-
Prooêm d,a ihr.minação d,essa identid.ade e d,iferença, e se di-
do, na uida e na morte, o homem nd.o se basta a si mesmo.
Sempre necessita de algo, eue ête mesmo ndo é. Sem êsse outro,
rigent aO hom,ern, em cuja existê?tcia Se i?Lstaurq a diÍerenca
o hontem ndo pode ser. Edificando-se necessàriamente d,essa relerente. Ora, de Dez que a palaara grega, logos, significa o
ittdigência, a eristência humanq exige que o ente a alete, se fund,arnento em, uirtud,e d.o qual alguma coisa pod,e ser colhida
lhe dê e manileste. Para eústir o homem tem que irnergir-se e e recolhida como isso ou aquilo, Heidegger chdmd a d.ilerença
entregar-se aos entes. A palaura imanência indica essa con- reÍerente, em, cuio Íund.untento o ente se essencializa eln seu
lingência. A necessiCctd,e do homem de esto,r sem.pre presente Eer, de diferença ontológica.
ao mundo dos entes, paro, chegor a ser êle mesmo. Exprime Asshn se estruturc o seguinte yss tertninológico: ente é
que o homern nã,o pode ser o ente que é, send,o encarnado no tudo que é,' ser (com minúscu1a), o {ato e o moCo d.e ser d,o
mundo. Em continua comunhdo corrl os outros entes. ente, enquanto ente; Ser (corz maiúsculil , a ililerença ontoló-
A índ.ole especílica dêsse modo humano de ser reside na gica, Íundamento d.e possibilid.ude d.o ser d.o ente; Verdade. oz
iluminação da imsnência ao mundo pela luz Co Ser, na qual Sentid.o (com maiúscula) d,o Ser, a iluminaçdo d,a dilerença
os entes aparecem em seu ser: os animais em sua aninuLlid.ocle, refereite, enx que o ente se reuelg, etn seu ser, corno ente; exís-
os instrumelttos ern sua instrunlentalidade, os homens e?n sua tência, o modo d.e ser Clo homem, que é o espctÇo, onde se ins-
humanidqde, elc... Assim a palaura, ser, é ambígua. IJma uez taura a reuelaçd.o da dfierenço; História @om mq.iúscula), as
signiiica o modo de ser do ente: a saber, que o ente é e aquilo aicissitud,es d,a Verdade do Ser, que, instaurand,o-se na existêrt-
pelo que êle é o que é. Outrq, Dez signitica o lundamento ite cia, institul a aerdade dos enLes, cujas uariações lhes consti-
possibilidaCe em uirtud,e do qual o ente se essenciallzct ern seu tuem a história; Essencializar efiirinte o processo ontológico
ser (ser no primeiro sentid,o). Pa.ra distinguirmos essa dupla en?, que o ente na htstaursção eristencial, reuela o seu ser, i.é

signilicação nitidamente, escrel-en'tos sempre o Ser, tomado na se essenciq,liza /com minúscula) .

segunCa acepçdo, e suas aa.riq.s manilestações conl letra Ji: dessa erplicaçao d,e têrmos tneramente lormal se pode
maiúscuia. oer que as três perguntas acima lormulailas sôbre o Cestino das
Nos diuersos períodos da metuÍísica o ser do ente loi de- d.iuersas determinações d.o ser do ente, nos Ddrios períoilos da
terminado ara corno idea, ora como ousia, ord conxo essentia, metatísica, articulam dialêticamente entre si os úrés tnomentos
or(t cottlo objetividade, etc... Essas udrias determinaÇões nõ.o centrqis: o ente em, seu ser, o homem, em sua eústência e o
sd,o orbitrariedades insigniticantes, Ceoid.as ao gôsto ertraua- Ser em sua Verd,ade, ntlnlo, úrr,ica questd,o: & questão sobre a
gante, qlte, no parecer do bom senso comu,m, têm os lilósolos diÍerençq. ontologica, eomo tal. Du.rante toCo o d.ecurso da
d,e diuergirem sempre entre si em sua "oerbal superstitlon", em historia ilo Octdente a diÍerença constitui setnpre o lunda-
saas "dictrssões inúteis sôbre palauras". Sdo uma diaersidade, mento esquecid,o e ndo pensad,o d.e todo o pensame?Lto Íneta-
que resultct das uicissitudes de um apêlo. Articulatn as peripe- f isico. O Íamoso esquecimento do §er (Seisnoergessenheit) nõo
cias Ce um destino aigente, que instauram originàriarnente o e outru coisa do que o esqllecirnento da diÍerença ontológica.
acontecer histórico e por isso sao Históricos em setttido criaCor. Para Heidegger ela constitui ,,o qlte é rnais iligrw d,e ser posto
Pelas oicissitudes dêsse apêlo, pelas lulgtLrações dêsse destino ern questão" (d,as Frag-würd.igste), e inaestigti-la é a pre-
os períodos d.a história se dtstinguem e identificam, ditergern e ocupação central e únicq de tôda a, sua ÍilosoÍia, como aind,a
cohDergem fund.amentalmente entre si. Derentos.

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Le ser, tudo que é, é um ente, e tuCo que irnpltca ou se relere O que é êsse apêlo e êsse destino? Dort,ie prooêm êles e
ao ente e seq mod.o d,e ser, é ôntico, aitjetiuo lormad.o d,a pa- a que se dirigem?
laura grega, ôn t- ent\.
São o lunilamento enx que se essencializa a dilerença ir-
Do ente o honem nã,o pode prescindir. Ern tôd.as os suos reilutíuel e a relerência necessaria entre o ente e seu ser.
indústrias e atioidaCes, parl, pensar e qu,erer, sentindo e arnan- Prooêm d.a ilu.minaçd,o ilessa identiilade e diÍerença, e se di-
do, na uida e ne morte, o homem ndo se basta a si mesÍto.
Sempre necessita de algo, que ête mesmo nao é . Sem êsse outro,
rigem ao homenl, em cuja existêttcia se instaura a dilerenca
referente. Ora, de aez que a pala,ra grega, logos, signilica o
o homem ndo pode ser. Edificand.o-se necessdriamente d,essa
indigência, a, eristência humana erige que o ente a aÍete, se fund,amento em airtud,e d.o quat elgunLa coisa Ttode ser colhida
lhe dê e manileste. Pctra eústir o homem tem que imergir-se e e recolháila cotno isso ou aquilo, Heid,egger chctmd. a d.iÍerença
entregar-se aos entes. A palaura imanência inatica esscl con_ reterente, enx cuio lundantento o ente se essencializa etn seu
lingência. A necessiCade do homem de estar sempre presente Eer, d,e diferença ontológica.
ao mund,o dos entes, para chegar a ser ête mesmo. Erprime Assim se estrutura o seguittte uso term.inológíco: ente é
que o homem ndo pode ser o ente que e, send.o encarnad.o rto tudo que é; ser (cont minuscula) , o tato e o moCo d.e ser do
mundo. Em continua comunhão conL os outros entes. ente, enquanto ente; Ser (colz maiúscula), a dilerença ontoto-
gica, Íundanxento ile possibilidude do ser d,o ente; Verdade. ou
A índ.ole especíÍica dêsse modo humano de ser reside na
ilurninaçd.o da imanência ao mund.o pela tuz Co Ser, ns qu*l Sentido (com muiúsculü d,o Ser, a iluminaçd.o da dilerença
os entes o,pdrecem ern seu se,'.' os animcLis em sua aninrulidad.e, refererite, ern que o ente se reoelg, enx seu ser, cotno ente; exis-
os instrumentos em sua instruntentalidad.e, os homens e?n suo, tência, o mod,o ile ser d,o homem, que é o espctço, ond.e se in,s-
humonid.ode, etc... Assim a palaura, ser, é ambígua. IJma uez taura a reuelaçd,o da diferença,. História (com maiúscula), as
signiiica o modo de ser do ente: & s&ber, que o ente é e aquilo oicissitud,es d.q Verdade do Ser, que, instaurando-se na etistêtt-
pelo que êle é o que é. Outra oez signilica o fund,amento ite cia, institui a aerdade dos entes, cujas aariações lhes consti-
possibilidade em uirtud,e d,o qual o ente se essenciallza e7n seu tuem a história; Essencializar exorime o processo ontológico
ser (ser no primeiro sentido). Pa,ra d,istinguirmos essa dupta efi, que o ente na instauraçã,o existencial, reuelq o seu ser, i.é
signilicaçao nitidamente, escrel^entos sempre o Ser, tomado na se essencializa (com minúsculil .
segunCa acepçõo, e suas ud.rias manilestações conx letra Já, d,essa explicaçã.o de têrmos meramente lormal se pod.e
maiúscula. aer que as três perguntas acima lormulad,as sôbre o Cestino das
Ncts diuersos períodos da metalisica o ser do ente íoi de- d,hsersas detenninações d,o ser do ente, nos odrios períodos d.a
terminado ora corno idea, ora como ousia, orct corna essentia, metafísica, articula.m dialêticamente entre si os úrés ,nonlentos
ora. como objetividade, etc... Esscs oó,rias determinaÇões nd.o centrais: o ente etn seu ser, o homefit ern sua eústêncio, e o
sd,o orbitrariedades insignilicantes, Ceoidas ao gôsto ettraoa- Ser en sua Verdad,e, numa única questd,o: a questd,o sôbre a
gante, que, no parecer do bom senso cornum, têm os lilósolos diÍerençq. ontológica, como to.l . Du,rante toCo o decurso da
de diuergirem sempre entre si em sua "oerbal superstitlon", em historia do Octd,ente a d.ilerença constitui seÍnpre o lunda-
suos "dicrrssões inúteis sôbre palaaras". Sdo uma diuersidade, mento esquecido e nd.o pensad.o de tod.o o pensa,ntetlto meta-
que resultcL das uicissitudes de um apêIo. Articulatn as peripe- lísico. O Íamoso esquecimento do §er (Seisnoergessenheit\ ndo
cias Ce um destino oigente. que instauram originàriamente o e outra coisa do que o esqrrccimento da ililerença ontológica.
acontecer histórico e por isso sao Históricos em setúido criaCor. Para Heid,egger ela constitui "o que é mais iltgrw de ser posto
Pelas oicissitud,es dêsse apêlo, pelas lulgutoções dêsse destino ern quectão" (d.as Frag-würdigste), e inuestigú-la é a pre-
os períodos da história se üstinguem e identiÍicam, d)xergem e ocupaçdo centrsl e unica d.e tôd.a e sua Íilosofia, como aind.a
conDergem lund.amentalmente entre si. Derentos.

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O com,érc4o corn os entes, de que necessita o homem pa,ra se agtta antes d.o problema ckissico d.a analogia, Inxestiga o
eíÍlstlr, se sustenta e articula nurna pre-compreensã,o multifor- lundamento de possibilidadc, no qual sõrnente tôda analogia
me da VerCade do Ser, oigente na d,imensdo d,a linguagem, por pod,e moter-se e o homem poile existir metalisicamente. Jd, na
cuja !ôrça o.homem sermpre usa a palaora "é". Chatna q,s pes- eonclusã,o d,e sua tese d,e habilitação ao magistérCo, .,Die Kate-
gorien des Duns Skotus,, (A Doutrina
soos e coiso,s de entes. Com elas se comunica ern têrmos de es-
sência e enst&tcia., d,e constAncla e mutublliilaile, d,e ser e nõ,o
- und Bedeutungslehre
tlos Categorias e ila SigniÍicaçda de Duns Escoto), Heidegger
ser, d,e poder e d.etser ser, d,e ser oerdadeiro e Íalso, de tlr o leoanta o problema d,a tensã,o d.a eústência, qu,e, ezlz ,.Seln und
ser e seTnpre ser, de ser presente, passado e Íuturo. Em tôilas Zelt" (Ser e Tem.po) e nas obras posteriores serti determinodo
essas tocuçàes o homem apreend,e e cotnpreend,e, colhe e es- e articulailo corno a questã,o central d,e seu pensamento, a
cothe, unà e reúne, conlere e dilere tud,o que lhe ad,oém itd questdo sôbre o Sentid,o e d VerilaCe ilo Ser: cotno se iletserá
totaltdaCe da ente sob o Digor d.a Verdad,e d.o Ser, expllctta- pcttssT, ern suo, estrutura ontológica, a essencializaçd,o da exis_
mente incr,eterminado mas d,e extensda e cornpreensd.o lnexgo- têncla humana, que recolhe a lnüuidualtd,ad,e de suas atitud,es,
td,oel . O têrtno, "transcendência". indica essa ercelência d,o sernpre condicionad,as histõrlcannente pela situação d,e tetnpo e
hornem de ultrapassar e superar a obscuridade d.o ente, corn o eryaço, na uníoêrsaliCade ile um sentiilo? euais sõ,o as conill-
qual constantemente se coTnunlca, etn sua eÍistência, llumlnan-
ções d.e posslbllid,ad,e da edstêncla humana, como tensiío entre
d.o-lhe o sentido, tornando-lhe transparente o ser na luz ilo imanência e transcend,ência, entre ente e ser? Como se cotn-
Verdo.de. Já o Íato d,e se usar tfina rnesrna palaura, a saber porta a ÍilosoÍia com a sua própria htsfirta? Cotno se d.eoe con-
ltuz, para signitrcar tanto urn Íenômeno etterno, a luz do sol,
ceber a essencializaçdo d,a oérd.aile, que ecige para se eitiÍica,r
corno urn lenôneno Tnterno, a l\z da verdade, tnostra d,e algu- um lugar e utn rnornento próprlo na histórla?
rna tnaneira que o sol nã.o se encontra de modo absoluto e
ercl,t§ao lora d.o homem netn que a oerdaCe se a,cha, de motla corn o publtcaçdo d.os escritos posteriores iá. nãn cabe itú_
absoluto e eÍclusioo d,entro d.o homem, tnas que primária e tida, que a fllosolta Hetd.eggertana é uma reÍlexdo sempre mals
ortginàrtamente o hometn sem.pre exlste no mundo, enquento exclusloo sôbre a essenclallzaçãq d,a oerd.ad.e do ente corno a
o transcend,e, e o mund,o sernpre transcend,e, enquanto nêle Verdad.e da Ser. A existêncla hu,rnana se agita dentro d.a ten-
exlste são entre lmunêncla e transcenCência, porgue o hotnem eclste,
enguanto tn-síste no d.ornínlo da Verdaile d.o Ser, l.é a tficts_
Dessa caroctenzaçã,o, que se poderta chq.rnar diasporádlca,
ila eústêncla hurnana. corno tensi,o entre imanêncla e trans- situd,e lnstaurada pela d,iferença lrreilutíoel e relerência ne-
cenilê.ncia poder-se-ta pensar tratar-se Ca antiga soluçd,o me- cessdrla entre ente e ser. A tarela d,o pensamento nõ,o é pro-
taÍísrca ila analogia. Ndo é asshn. A anl.logia, n6,o é uma res- eurol sazir dêsse círculo ile ililerença e relerêncla e slm nêle
posta. A dnalogla é urn problerna. E um problema derioad,o, lngressar d,e maneira a pod,er regressar até a lonte originárlo
porquanto suscita sernpre a questd,o sôbre o lundamento de de nta tensão e unld.ade. A lmanência d.a exístência, que tes-
sua ?ossibilidad,e. Como, por eternplo, é posshtel, que uma bna- temunha o lndlgênctq, ito hometn d,e ln-slsür no mundn d,*
gern proueniente d,o mundo etterno possa dizer algutna colsd etnes para poder eústlr, é o ínillee d,e uma outra ínittgêncta.
sôbre o mundo lntemo? Em que se lunda a ana[ogla entre a Da tndlgéncü alnda mals profunda, por consfitulr-lhe toito o
prolunCillade d,e um poço e utn pensarnento profunilo? Como Eer, de ln-slstlr na olclssttude Cd Verd,ade do Ser, setn, nunco
se terá, d.e conceber a essenclq,lizaçã,o do homem, cula ealstên- pod,er possut-ld e domlnô-la. Que o honem só Wssa transeen-
cla se.mpre se articula nd dlmensã,o da anologia? Quals sd,o os der o mundo d,os entes nd meilld,a etn que nêle se encatma e
condições de posslblltdadr ilêsse modo ile ser do hornem? mergulha, fá, mostra a llnltude lnexpugndael d,e sua transcen-
2. Os Têrmos da Questão do Ser: À problemótico do irhcte. àle só consegue ottngir a, oerilad,e Co ente, enquanto
tensão ile hnanêncio e transcend,êncla na erlstência humana hablto a luz do Ser, na qual o ente se mantlesta cotno tü

l4 15

)
aa consciência transcend,ental, inerente ao têrmo Husserliano,
Assinr. até no nlais eleaado grau ile sua potência, na própria Epoche. É antes pensad,a a partir d,a tendência d,o Ser d,e re-ue-
ercelência ile seu ser o homent pertnanece senpre ente sen- lar o ente na mediilu ern que se oela e retrai em si mesmo. A
sivel. Um ente, que d,eoe receber de outro as airtualidad,es de Época é sempre uma configuraçd,o Histórica do esquecimento
sua própria humantilade. do Ser. Ora, send.o a existência o esp&ço uberto por essa con-
Sômente por rnoral na luz do Ser, o homem pod,e ser o liguraçdo epocal, a Verilade d.o Ser está ntais de posse do eue
ente, que possui o priaitégio da oerdaile! O priuilégio diaspo- na postc do homem e por isso rnesrno é sempre esquecida na
rádico d.e existir,i. é, de sair d,e si mecmo e se conformar cotn história d,e sua essencializaçd,o. O homem só pôde principiar a
todo ente. A ad.equaçdo entre o ente, que o homem é, e o
ente, que o homem nd.o é, retira o lund.amento de sua possibi- ,l inaestigar o ente como tal, a tim, d,e, adequand,o-se a seu ser,
tomd-lo por mediCa e critério d.a eústência, porque a Verilqd.e
lidad,e da re-uelaçã.o d.o Ser, ern que pelq. e-para sua própria d,o Ser ja antes dêle se tinha apod,erailo e o hauia destinado
essencializaçd,o o homem d,et:e morar necessànantente. A red,u' em deterntinad,a Época d,e su,a fulguraçd,o. Num,o, Época em,
plicaçã,o ontológica, implícita em tôd,a uerClade do conhecimen- que a signilicaçdo d.o ente enquanto ente é estruturaCq. na di-
to, exige s,ssirn o modo.ile ser existente do hornem, de sorte terença entre lundarnento e fundado. Isso quer ilizer: a essen-
que en "Seln und Zeit" Heíd:egger caracteriza a oerd'ad,e ilo cializaçd,o do pensamento ociilental, em que a existência do
homem colno o, instauraçdo d,a oerilnde do ente. Se para tôila Ocidente toma consciência de si ntesrna, é absoruentemente
u tradiçdo metalísica do Ociilente a oerilaile é pred'icattua, logica no sentido de editicada na interdepenilência d,e !und,a-
i.é um processo de conformidaile, de conueniência e adequaçd.o, mento e turtdad,o. E por ser lógica é d.e moilo igual õntica e
que se d,esenrsolae originàriamente no iuízo, entre o conheci' teista. r igualmente ôntica, porque o ser é o fund,amento do
mento e o ente, a condiçã,o ile sua possibiliilad.e ciÍra-se numa ente "on" . E igualmente teista, porque, por necessid,ad,e Ca pró-
manilestaçdo d,o ser ilo ente. Hd um prtmad,o da terdade ma- pria lund.antentaçã,o, o ente só serd realmente funClamentado,
nif estathta sôbre a uerd.ad.e predicatioa. Ora, se se consid,era,
que o processo d,e manitestaçdo d,a uerilad.e do ente é a tensd,o
se se lundar nun1. último fund,amento, qu.e erclua a possibili-
dade e necessid.ade d.e ulterior funCamentaçdo. Êsse lunda-
dialética entre d,ilerença e relerência de ser e ente, instaurad,o mento supre?no é o absotuto, o theos. Assim, tend,o principiado
na existência, a aÍirtnaçd.o d,e "Sein und Zeit" perde tod.o card, conx o esquecimento clo Ser, a história da metalsíica ilesilobra
ter sibilino, rnostrand,o, corno e por que q, uerdaile do homem em toilos os períoCos ile seu desenuolaimento nurna multipli-
é a oerdad,e d.o ente. cidade de formas essa constituiçdo onto-teo-lógica. É originà,-
O Ser nunca é diretamente acessítsel . Como dilerença on- riantente uma Época d.a Verdade d.o Ser, na qual fl, inuestiga-
tológica, inclui sempre urna irredutibilidaile ao ente. Nunca çd,o do ente enquanto ente enn sua. totalid,ad,e e no suprerno
poderd, ser obietiuad.o. Nunca poderd ser encontrado nern como fund,amento de sua fundaçd,o reiuindicq, para si o direito de
ente, nem cotn o ente, nem ilentro do ente. Nunca poilerd, ser o holnent à oerdade correta, imutaael, necessdria e
cond,uzir
constatado o modo d,e urn d,ailo, Íato au aalor obletitso. O Ser certa.
só se dó obliguamente, enquanto, retraindo-se e escond,enilo-se
em, si mesrno, ilumina o ente segundo iLeterminaila ligura d,e 3. O Modo de Investigação da euestáo do Ser: De uez
que u Verdade do Ser nltnc& é direta rnq,s &pen&s obtiquamente
sua Verilnde. Ésse iôgo híbrtdo d,e retraimento e maniÍesto-
acessíuel à. reflerd,o, enquanto, i.é, retrahtd,o-se enx si mesnxa,
çd,o, ile hn e sombrd, d.e oelar e re-oelar constitui a essencia-
ilumina o ente em, ileterminada ligura de relerência e d,ife-
lizaçõn d.e sua Verdaile, tal cotno os gregos o pensora,n ori- rença coru seu ser, a Ítistória da existência se tern pro'cessad,o
ghd,rtamente na a-letheia. Dessa din&mlco surge a constitui-
no espaço metafísico, instaurado por êsse esquecimento. jvessa.s
çdo dos períoilos de suo tulguração, como frpocas da Verd,ad.e conilições existenciais tôda tentathta d.e penssr a Verd,ad.e d,o
d.o Ser. A paloura Épea não apresenta aqui a Íunção "tética"

l6 t7
Ser etn sl mesma só pod.era realizar'se numa reflexõ.o sôbre a do Ser . Êsse propósito assu.miu tôda a clareza d,esejaael ilesrl,e
essencializaçã.o d.a uerd.ade d.o conheclmento, olgente rta hls- a primeira página de Sein und Zeit: "Serd que jd, temos tma
tória d,a netaÍíslca. O único camlnho para retorttar ao do- resposta à, questão sôbre o que prôpriarnente enteniletnos com
mínlo da Verd.ade orlgindria é o da superação d,a rnetatlsica. a palatsra, "ente"?
Faz-se necessdrlo, que o pensamento retroccd,a d, dimensdo es-
Íorma alguma. Por isso se trato ile
- De sôbre
pôr noaamenüe a questão o Sentido do Ser. Seró, que nos
condida em que., desile o princíplo se tem processado e ainila
sentirnos hoJe perpleros ern nd.o compreendermos a expressõo,
hoje se processrr a história da metatíslca, e procure re-cuperar
úodos os possos ilessa granile marcha d,e progresso a partir d.e "Ser"? -- De lorma a,lgurns. Por isso conuén prirneiramente
d.espertar d,e nôuo uma sensibilidaile parct o sentid.o ilessa ques-
sua prooenlência. Destarte para satisÍazer a tarelu e o apêlo
de urn pensamento orlgindrio, i.é, ile um pensanento que í.ao. A elo.boraçdo concreta ila questdo sôbre o Sentido do Ser
penso, a orige?n de sua própria essencializaçõ,o, a FilosoÍla Hei- é o propósito do seguinte trataCo. A tntüpretaçd,o do terngo,
deggertana se oê cotnpelid,a a re-pensar e interpretar tôd,a a corno o horizonte de tôda compreensõ,o do Ser sintplesnente
história d,a existência como a históri«, metalístca d,o esquecl- constltui d sua ?neta prooisóriü" (Sei.n, und Zelt, pg. 1).
mento d,o Ser. Em razd.o Ce a d.iferença ontológica oigorar nurn esqueci-
Dêsse modo surgiu Heidegger no mund.o lilosólico como o mento reduplicatioo ile si tne$rna, a questd,o sôbre o Sentlilo do
per.sador, que pretend.e re-petir ilesde seus lunilamentos t6d.a Ser ndo poCe ser hoie posta sendo na próprta luz em que e
a tradigdo ocid,ental scgundo o questão prévia @,ie- Vor-frage) llumina a história d,a metatíslca. Porque esquecefiTos tnnto a
sôbre o Sentido e a VerilaCe d,o §er. Quer êle trate ila §entença ililerença ontológica eomo que a esquecemos, só se poderá. in-
de AnaximandÍo, corno o "principio" (d,er An-Íang) d,e tôda a oestigar a Verilaile e o Sentido do Ser nurn& superaçã'o d,a
sabed,oria d.o Ociilente, o1L se ocupe d,os Fragxnentos de Herá- tradiçd.o. Essa superaçd.o nd.o é uma negaçdo. Nd'o pretenile
clito e Parmênides, nos quais "Ser e Pensar" se cornpenetram, ilestruir e aniquilar a metaÍísica. PretenCê-lo nã,o serla o,penos
intrinseca,mente (innig zusammenghoeren); seia que êle etpli- uma pretensã,o inlantil rnas utn esÍôrço Münchhauseneono, qae
que a Doultina de Platáo, corno utna "rnud,ança na essenaali- $e o,tropelaria em seu próprio tropel. Pois, ignoranilo a Elstó-
zaçõ,o d,a oerd,ad,e" (Wandel des Wesens iler Wahrhett) d'a qual ria d.o Ser, esqucer-se-ia d,o que é mais digno de ser psnsado.
prollutu primdriamente a "nã.o-essenciallzaçd.o da rietaÍísica" No liuro Was heisst Denken? (O que signiÍica pensar?) rnostra
(das Un-wesen iler Metaphysik) ou seia que exponha "a Cons- Heiilegger corno o esquecirnenta ilo Ser da metaÍístca é a malor
tituiçáo Onto-teo-lógica da Metafísica" (die onto-theo'logische pt'ooocaçdo pq,ra o pensamenta: "en nossos tempos, que tanto
Vertassung iler Metaphysik), que encerra em si a aporia (Ver- ilã,o a pensar, o qu,e ?nais proaoca o pensamento, é nd,o pensar-
legenheit) de tôda a ÍilosoÍia ocidental; quer interpretcndo a tnos ainCa". A superaçío ila metaÍísica é, no tunilo, urna 13-
Critica da Razão Pura de Rant, como uma "funilarnentaçd,o euperação origindrla ilo esquecimento do Ser. rsso stgntÍtco: o
da metafkica" (eine Grundlegung d,er Metaphasik) ou eoocan- superação procura enuclear a essencialização da metalísléa e
ilo a Lôglca Hegeliana e o Nihllismo Nietzscheat)o, cotno a "con- traçar ilêsse moilo os limites d.e suas possibiliilad.es. A supoa-
sumação" (Vollendung) da Época metatísica da Histórta do Ser
çd.o reconduz a metaÍíslca para ond,e sua essenclalizaç&o pro-
(Geschichte des Selns) i quer esclarecenilo a poesla (Dtchtung) ooca. Pois o esquechnento do Ser é a próprla ilimmsdo, que,
de Helilerltn, quer espondo o slgnittcailo de Rilke ou urn Derso escond,enClo a si rnesma, protege a oerdade ila metaÍísica, pos-
de Merlke para o "tetnpo da penúrta" (ilürfitge Zeít), quer sibilttqndo-lhe a inttestigaçd.o do ente enquanto ente. Entenili-
instttulnd.o a questão sôbre a Técnica Qlte Frage nach d,er d,a assim epocalmente a superaçd,o nd.o depõe a rnetalísica mas
Technlk) ou inaestigando a essencializaçd,o da linguagem (das a repõe e?n sllí. constante aerd.ad,e, recompondo-lhe a essencia'
Wesen der Sprache), etc. etc. sempre se propõe Heiilegger a lização origiruiria. Nd,o se trata ile progredir alérn poro, utw
questão central ilo pensamento sôbre o Sentiilo e a Verd,aile
d.omínio ulterior e sirn regred.ir aquém para o espaço citertor
l8 t9
d.a tneta!ísicq. Nesse sentid.o o exórdio d,a metaÍísica é o ponto contrarn-se na primeira etapq 4a marcha ile super&çd,o, de
d.e partid.a ineuitd.tsel e obrigatório de tôd,a inuestigaçd.o sôbre sorte que sõmente a, pa,rtir da ambigüidad,e intrínseca d,e sua
o Sentido e a Verilade dP Set. ctialética se poderd, compreender-lhes o sentido no itinerdrio
Essa necessiduile nã,o é extrínseca. A superaçdo nã.o só tem do pensamento. ToCos êles inuestigam a historia da rnetatísica
que Íalar a linguagem em aigor e seruir'se ile seus títulos e sob o dngulo pro-iethso d,q, fiLarcha de superação, eaidencian-
d,e sun gramatica para tornar-se inteligíuel d,entro dos limites d,o o esquecim,ento d.o Ser nos proces$os tsigentes na existência
d,a lilosolia tligente. É antes de tuCo urn& necessid,ade intrín' ocidental . Para eÍemplificar urn cqso: na questd.o metalísica
sicu. Inerente d. própria dialética d,o morsimento de superaçd.o ' d.o ente enquanto ente urn ilentre todos os entes ocupa um
Pais a meta!ísica é "vtma Íase etninente e a única até agora
lugar priuilegiado: o homem, que inaestiga a questd.o. Pois
aisíoel d.a História d,o Ser" e por isso o único espsço d,e qual'
quer retôrno à sua Verdad,e. bem! Nos ud,rios períodos de sua htstóriq. a met«física, ernbora
d.eterminasse dioersarnente êsse prfuilégio do homern, setnpre o
Perd se cornpreender o itinera'rio ilo pensamento ile IIei' representou na única lue, que lhe é acessíuel, a saber pelo es-
d.egger é ile suma importãncia o signiÍicado dialético ilêsse erÓr-
quecimento ilo Ser. Ora, encontrand,o-se na primeira etapa da
d,ia d,a metafísica. uma protunda ambigüid,aile penetra úodos o.s
rnarcltu de superaçã.o, Sein und Zeit empenha-se d.e acôrdo com
possos ila questã.o sôbre o Sentido ilo Ser, Íorçand,o-lhe a in-
uestigaçdo nlnna tnarcha,, cuio moaimento é, a um tempo, pro-
o momento pro-jetiao de seu mouimento ern rernediar o sen-
jetiuo e re-gressitto. E pro-ietico, enquanto, procurand.o superar tido da e.ssencializaçd.o tlo homem a Ttartir do esqueclmento
a metatísica, pro-speta pe?tsar a Verdaile do Ser na sua configtt'
do Ser e o pensa na AnalÍtica Exisiencial, como Dasein, corng
raçã.o epocal ile esquecimento. Nesse sentiCo parte e retira o exístência. É a êsse trq,balha d,e rened.itar a tradtçao rnelq.-
primeiro imputso de uma erperiência prétsia do têrmo de seu tisica pel,o pensarnento esquecid,a d.e sua essencializaçõ.a, qu.e s.'.
fiLooimento. É re-gressiuo, enqu&nto aolta sôbre êsse ponto ile entregam os escritos ilo Primeiro lleidegger.
partida para d.ilucid,ar a d.imensão origindria e a proveniêncicl Os escritos posteriores, atribuidos ao chamado Segundo ou
d,e seu uigor na uicissitud,e d,u, Verdaile do Ser - Na rnarcho' d,êsse último Heidegger d.esde Platons Lehre von der Wahrheit (Dou-
il,uplo mouimento o proieto é determinado pelo re-gresso' por' trina Platônica da Verdad,e) empreeidern a etapa re-gressioo
quanto o retôrno à. Verdaite d.o Ser, co?no a dimensd,o de origem do mouimento d,e superaçd.o, m,ostra:nd,o que o esquecirnento em
e prooeniência do esquecirnento do Ser, é a única maneira de tigor na metalísica prouém d.e uma iluminaçd,o origiruiria da
se fazer a experiência da metalisica por sua própria essencia- Verd,ad,e do Ser, que é a Íigurq, epocal da uicissitude Histórica,
lização esquecid,a. A ambigüid.ade aqui reinante se prende à instauradu no prtncípio d,a eristência grega. Ã luz dessa ilu-
necessid.ad,e d,e nr.ouer-*e senxpre no.horizonte d.a metaÍísica- minaçd,o se oê, que & remed,itaçõo ilos primeiro escritos não
Jú ter que se lalar d,e ser e ente, de superaçáo e tetõrno, de se iguala a nenhuma determinaçdn metafísica. Assirn Wesen e
fundamento e condição de possibilidade, d,e transcendência e Existenz (essencialieaçdo e existêncio.) em Sein und Zeit ndp
imanência, Íodos ásses títutos pertencentes ao dntbito ila meta- sd.o a "essência" e "existência" d,a metaÍísica. É que o pro-ieto
Íísica, o,graaa d,e tat ambigüidade a inuestigaçd'o do Ser,
qtr'e
de elaborqçõ.o a partir d,a metalísica empreend,ido em Sein und
só aparece urn pouco da dimensã.o da Verdade d'o Ser, total-
Zeit jd, é conduaiilo pelo regresso à proaeniência origindria d,a
mente d,iuersa. própria metaÍísica. A Cesconsideraçdo d,essa necessidad,e e ten-
Os escritos do assirn chamado Primeiro Heidegger, desCe sã,o no itinerdrio ilo pensamento de Heid,egger leuou a tantas
Das Realitetsproblem in der modernen Philosophie (O Pro- incornpreensões e têe rnuitos intérpretes distinguirem dois Hel-
blerna d,a Reatidaile na) FilosoÍia Moderna) de 1912 até a ter- clegger, opond.o os escritos do Segundo oz último aos escritos
oeirq. ed.içõ,o de Was ist Metaphysik? (O que é metafísica?) , en- do Primeiro.
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4. O Lugar da Introduçáo à MetafÍsica: Á obra apt'esett- penetrantes da realid,ade político-social d,e seu te?npo. Com a
tada agora em trad.uçõ,o portuguêsa se enquailra d.entro d,o crescer da Íamlliaridade d.o conteúdo se aal reoelando aos
pensarnento de Heid.egger nq pa.ssagem d,o primeiro pala o se- poucos o desenroW d.e tôda o dialética da Verdaile do Ser nas
gund,o moaimento. Conto as Preleções de Hegel sdo ittCispensd- il,iaersas conliguroções eústenciais de sua essenclalização me-
ueie para q cornpreensão ile suas obras sistetttaticas, assint tant' talísica.
béru o presente curso de preleções é itnprescittdíoel para se Em 1935, dato da Introduçáo à MetafÍsica, haaia ilois anos
penetr&r na oscilaçao dialética da stryeraçdo d.a metatísica no que o Nq.zisrno subira ao poder na Alemanha. As andlises do
pensamento de Heid.egger. Escrita e?n 7935, o Introduçáo à Me- momento político-social da Introduçâo zos proporclonarn pe-
tafísica descrette o esp&ço de m.oaimento da superaçd,o, dando netrar o sentido prolund.amente ontológico, que ernpresta Hei-
os possos decisiuos do retônto ds origens do esquecimento do degger à sua partlclpaçd,o no mooimento em seus primeiros
Ser d,a meta!ísica. Betomand,o o conteúdo do escrito, Yom «nos. Sôbre essa posiçd,o do Filósolo rnuito se escreueu) no após-
Wesen der Wahrheit lDa Essencializaçao da VerdsCe) , coltle' guerra dentro e lora ila Alemanha. Sempre nurna perspecthta
rência pronunciada ia em 1930, Heidegger mostra, coÍno as ôntica, sua participaçdo ld toi criticad"a, ilefend,ida, persegui-
rqízes m.(tis profund,as do mundo rnoderno se Íoram implan- da. Só ndo Jot pensad,a. nas d,imensões ontológicas abertas por
tand,o, sgrqt;és d.o processo de constituiçd.o histórica.' ,t'7ntt eE- seu penso,rnento eústenciq.l . Com Jean Wahl a maioria d.os in-
quecimento sempre ntais acentrrudo do Ser.' A metaÍísica é o térpretes, que se ocuparoTn clo assunto, separarn nurna, iliÍeren-
Íund,etnento e'm qlLe se ediJica toda a ciailizaQao Ocidental . A çq sem relerência doutrínq e aid,a, condenando a incoerêncàa
tecnocracia desenlreada, o itrt'pério d'a cién'cia, a estetiticaçdo el,a uida e escoirruanCo a d,outrina.
da arte, a Íugq d,os deus'es, a mctssiJicaçd.o d.o homem,, a org&- Aqui ndo é o lugar de se tratar da questdo. Interessa-nos
nizaçdo ptanetúria, a disposiçd,o da natureza, os esÚodos totctli- Q.penas ressaltar-lhe o sentido ontológico, que precisamente o
tdrios, a d,espotencializaçd,o d.o espítito, úódos essos mattites- liaro traduzid.o sugere, sern nenhum& preocupaçõ,o ile ataque ou
tações d.o munclo ocid,entql sdo criações e obras do Ttredomínio delesa, diterença alids sern reletsdncia d.ecishta para. urn pen-
da rneta!ísica. O esquecimento do Ser ndo é um episódio d.tt samento existenclq,l . \
olcla lntelectuat de fitósofos. É o d.estitto Histórico do existên- De acôrCo corn a erperiênciq, Histórica ilo esquecimento d.o
cta d,o Ocid.ente, cuia mdútna uirulência tnoderna constitui utn Ser, Heidegger só aê no Nacional Socialisrno o tno?nento em
apêho. O homem d,a Era Atôntica, ator e ttítima de uma itpoca que a Alemanha, recobrand,o a nemória ilêsse esquecimento, é
sem memória partt o Ser é cottstantem,ente prottocad'o a reco- d,estinad.a a torner-se o centro de uma noua época, se superar
brar essa tnemÓria, que lhe d.arti as 1ôtças para instaurl"r utn primeiro q decadência de espírito em, que se debate. "O pooo
Nôuo Dia Histórico. A Noite Longa, que a eÍperiência Ca IIis' alemd,o, escrece, só pod.erd retirar dêsse destino, de que e:sta-
tóriq, d,e Hoelderlin'sente iniciar-se cofiL os tempos moderttos, é tnos certos, uma missã,o, se conseguir criar etn si tnesrno utna
o espaço d,e restauração d,as Íôrças ilo Ser parct o amanhecer ressondncia, uma possíbilidade d,e ressonância pera tal ilestino,
de uma outra É[rlca. Assint o Introduçáo à Merafisica é o pre- concebend.o a sua trad,içdo d.e modo criad.or. /sso implica e
paração d,e uma superaçdo, que ndo subestima o que o homem exige, que êsse pooo ex-ponha Histôricamente a si e a história
do Oclilente tem pensaCo s çsnstruído - Visa ao cott'trdrio re- do OciCente, a partir d.o centro ile seu q,contecimento tuturo,
cuperar o Sentid.o d.o Ser rrccessdriamente esquecido no de'sti- ao dornínio origind,rio d.as potênctas ilo Ser. Precisamente se a,
no ila trad.içdo histórica. granile decisã,o sôbre a Europa nd.o seguir os carnlnhos do anl-
Semelhante a todos os escritos de Heid'egger o Introduçáo quilamento, só poilerd seguir os catnlnhos do desenoolahnento
à MetaÍÍsica é de granile densidade d'e conteúilo e d'e um ca' ile noaas lôrços esplrttuais-históricas a partir d,o centro".
rúter soctútico uigoroso. Abrange desde rellexões lilológicas O desdobrar-se posterior do Nazismo seguiu em direção
s6bre as palauras rnais coniqueiras d.a tinguagem até anál.lses oposta a un d,esenuolrsltnento ilas tôrças esplrltuois-hlstórlcos.

22 2?
Aprotundanilo e alargando ainila mais a decadência d,o espí- sôbre a signiÍicação origindria de determinailas palarsras entre
rito diminuiu a possibilidade, requerid,a pelo FilósoÍo, de uma os primeiros ÍilósoÍos gregos.
ressonãncia pola o destino Histórico ilo pouo alemõ,o. Acirrou É outra simples aparência. Nd.o se tratq, d.e um renasa-
até ao paroxismo do estado totalitálio e da aniquilaçã'o bélica rnento d.a ÍilosoÍia pre-socrdtice. Na Ío"mosu Einleitung (Intro-
a noite do esquecimento do Ser. Todattia também a derrotq. e duçd.a) , acrescentada em 1949 à aula i;.augural d,e 1929, Was
queda d,o Nazismo nd.o Cissipararn nern rnesrno sustararn as ist Metaphysk? (O que é a Metalísica?) recusa Êeidegger qual-
treaas ilessa noite, cuja airulência Histórica retira as Íôrçct's de quer tentatioa nesse sentido como "uma pretensd,o ud, e para-
sua erpansõ,o ile urn otgor, oígente muito abaito da superÍície cloral" . E a razã.o é simples. Os chamados ÍilósoÍos pre-socra-
ôntica das interêsses ern jôgo. E o Íim d.a guerra nã,o troufre o, ticos ndo sd,o ÍilósoÍos. Sdo mais ilo que isso. §do pensadores
paz d,o espírito, que só se instaura co'tn a superuçõ,o d,o esque- do Ser. A ÍilosoÍia só surgiu, quundo o pens&rnento d,êles che-
gou grandiosantente qo Íim com Platáo e Aristóteles. Charna-
cimento d.o Ser. IrnpassíDel às destruições da guerra a Noite
los de "pre-socrdticos" conl, Nietzsche ou Ce "pre-aristotélicos"
Histórica ntarcha deciiliilamente por sôbre a reconstruçd,o ilos
escotnbros pclra, o meio tle sua uirulência. com lJegel jd é diminuir-lhes a grandeza origindria na "canna
procrusteana" d,e Platão e Aristóteles. Pois apenas em aparên-
O teitor ird ad.aertir que as anq,lises d,a momenlo político- cia sd,o inocentes e inotertsiaas tals denominações, que se apre-
sociat da Introduàáo não sdo digressões extra viarn no roteira
sentam corno sitnples classiÍicaçd.o cronológica. Em oerdad,e
do pensamento em mqrcha para superul a m,etq.Íisicq,. Consti- encabrem nessa ap&rente inocência urna canonízaçd,o de Pl.^atáa
tuenx antes o próprio ritmo dialético du superaçú.a. Numa pri-
e Aristóteles, corno o modêta e a norrna, de í.od,a perleiçd.a d.u
meira aproximaçdo a Introduçáo à Metafísi.ca d,d. a aparência pensanento ocid.ental wté êl,es" Os qwe perusq.r!ítmt, oruifr:s r,{ÍIes,,
d.ehtserir um tra.taàIo sôbre as questões tradicianais do ser e teriqnt pensado enn lunçdo d.êles. Seriatrl pr€cwrsores aí'rd.a pri-
suas relaçóes conl, o vir-a-ser, aparecer, pensar, dever den[ra rtr.ititsas d.a. litosofia propriamente d,ita, inslurl.rt;dn pmr dles"
d.e análises política-sociais e indagações Íilülógiccrs do &ingua- Tôda grantleee e irnpart&naia das pre-sacrdtáeas estariel ea"ssd.ne
gem. E sô wm.a ayta,rêneia- No Íundn as and.li.ses da mamento em terewr. sddo "pre-", i.É, uwl" Platáo e una Âristóte1e.s de naodo
político-social, as inilagações sôbre as origens e peripécias lilo- imperf e,ita.
lógicas ila linguagem ociCental e sua gr&tnú.ti,ca, as retlerões Em conseqüência. d.essct d,ecisda imptícita naquelas Cenonti'
sôbre as estruturas metalísicas trailicionais conuergent num nações se leratn, entenderq,m e interpretaranx as prímeiros ter-
único moaimento de retôrno. Nêle tôd,as elas sõ"o reconduzidas, tos com os olhos, s, doutrina e os conceif,os platüticos e ards-
eomo configurações epocais- ilo esquecimento do Ser, q, seu, totélicos. O sentid.o origindrio d.e seus pensarnentos e da lin-
princípio origindrio na primigênia Essencialieaçõ.o da diÍeren- guagern de suas palaoras Íoi proÍundarnente moditicad.o pela
ça ontológica entre es pensad.ores pre-socrdticos" tilosoÍia pasteri.or. Situaçd.o, que se agraoou sobremoda carn as
5" A Hermenêutica da Introduçáo à Metafísica: Conce'
i traduções latínas, que, aa legarem à eultura d.a Ocidente o
hida eorno wm retôrno à Íonte origindria Ce sua essencializa-
I
patrimônio grego, o ilesÍiguraram a ponto d,e tornú.-lo quase
inconxpreensíoel em sua originariedade. Hoie id, nõ,o lemos o
çdo, a superaçd,o d.a metaÍísica e por conseguinte a inaestiga-
$

I que os primeiros pensailores pensaraln tnas o que outro modo


çã,o ila questã,o sôbre o Sentido e a Verd.ade d"o Ser p&rece re'
duzir-se a um sim.ples renascimento ilo pensamento pre-socra- d,e pensar nos laz perceber. E nd,o o lemo§, porque o alarido
tico. À. primeira aista a Introduçáo dó, a aparência de nd"o ser ila metafisica, enchend,o-rzos os ouuiCos ile esquecinento do
Ser, nos torna surdos pcrra a ooz da origem.
senõ.o urn esfôrça d,e traduçõ,o e interpretaçã.o lilosólica Ca
daxogralia primititsa dos gregos. Em tod.os os capitalos as ques- Toilo êsse processo Ce desfiguraçã.o nã.o Íoi um acaso, nern
tões sõ,o senxpre conduzid.as atratsés ile pacientes disczssões se trqta d,e um processo, que poderia ter sido susteda. É o uigor

24 25
I

I
i
t
d,opróprio esquecitncnto do Ser que se d,estina Histõricamente mlta, em e por tôrça d.e sua própria essenctaüaaçõ,o meta!ístcd,
d,urante tôd.a a época da metafísica. Nesse sentldo o retôrno ao pensado pelos lilósolos da tradiçõ,o. Vlsa corn toilo o rlgor
às ortgens da nteta!ísica ndo é um eslôrço paia lazer renascer imposto por essq. litnitaçdo reconstruir o gue lot pensaCo. para
o pensarnento pre-socrdtlco, corno pretenCla Nietzsche. É a im- ela, legado e pensado coincid,em. Aquela, procuramdo penscu a
pos!.çd,o d,e um pensamento de essencializagío (- das wesentli- essenclalizaçdo da metaÍísica, sttua-se aquém dêsses ttmttes,
che Denken d.iz Heidegger um pensamento i.é,que a par- na dhnensdo do náo pensado rnas legado pelo pensatnento da
ttr da própria -), ila
essenci.allzaçd,o metaÍísica prnura superar- traCição. Visa uma "re-petiçõ,o" d,o passado presente, emboro.
lhe o esquecimento da Verdad.e do Ser. Por isso a Hermenêu- nda pensado pelos Íilóso1os d,a tradiçdo. É uma hermenêufica
tlcd., que na Introduçáo cond,uz à, d.irnensd,o originária da Es- que é o Hermes d.o nõo pensado, i.é, que interpreta o pensailo
senclalizaçd,o d,o Ser, ndo se identilica corn nenhuma herrne- pela mensagem do nd,o pensado. A herm,enêutica cientíllca nd,o
nêutica ctentífica, em cuia luz aparecerd sempre arbi.trdria e é mais rigorosa. fr apenas mais limitada do que a Hermenêt-
ileturpaCora. tica d,a Introduçáo
Com eÍeito o aigor Histórico d,o esquecimento do Ser, que
na era da técnica e dq, ciência atinge o paroxismo de sua vi-
rulênciq, opera na metalísica segund,o o dialética d,e re-oela-
cd.o d,a dilerença ontológica. Nela a Verdad,e do Ser retrainilo-
se e ueland,o-se em, si, ertrai e re-tsela o ente na iliuergência ADVERTENCIA DO TR,ADUTOR
e conaergência entre lundamento e fundado. Jogado por tul
dialética, o pensarnento ruetalísico se edilica ern d.uas dimen- O tradutor tem plena.consciência dos riscos de traiçõ,o, que
sões. Enquanto estruturad,o na dilerença lógica de ente e ser, comporta o presente esÍôrço. Trata-se ile tracluzir p&ra uma
recond.uz o ente ao lundamento de possibilidade próximo em língua sern grand.e trad.içd,o ÍilosóÍice textos d,e um pensamento,
seu ser e remoto no ser supremo. Essq, estrutura é a dimensdo cuja originaliilade é a origindrieCad,e. procurando superar o
do pensado no pensdmento metatísico. De De? que por pensar pred,omínio d.a metatisica, aigente em tôd.as as estruturas ila
nessa estrutura, o pensanento metalísico não pensa a d.ile- existência ocid,ental, Heid.egger reaoluciona as relações conen-
rença ontológica como ililerença, q dlÍrnensd,o do pensado é a tes entre pensamento e linguagem.
dimensdo ilo esquecimento d.o Ser. Por outro lad,o, uÍno, uez No mod,o cotidiano d,e ser só uemos na linguagem o instru-
que para pensar nessa estrutura, o pensament-o metalísico jd ntento. Uma técnicd, d,e comunicaçõ,o, que no$ apresentq, i(i
estd, d,eterminado pela diterença ontológica, a recvnCuçd,o d.o prontas para o uso, a8 distinções conx que operdmos nas situa-
ente a seu ser implica a configuraçd,o lôgiea d,a diferença. Essa ções concretas da uid,a. Essa linguagem, cotidiana ndo é a es-
implicação nd,o é um nad,a. É antes a dirnensd,o do náo-pensado sencializaçd,o origindria da linguagem. É apenas a lorma mais
no pensarnento m.etatísico. Assim o horieonte ilentro do qual Íreqüente d.e sua presença. A compreensão do Ser, que aqui
pensarn os pensadores da tradiçãa ocidental, etclui diretamen- se articula. entretanto, nã,o é apenas ingênua e primitioa. tlma
te e ao rnesrno ternpo lnclul obliquamente a dimensdo da longa história ile pensamento metalísico a precedeu, interpre-
não-pensado que eutra coisa nd,o é sendo a dimensd,o d.o, Ver- tond,o instrumentalmente a linguagern n& lógica e gramtítica
d.aile do Ser. Por isso diz Heiilegger "o nõ.o-pensado constitul ila trad,içd,o. Hoje operamos d.e modo inconsciente com distin-
o tnals alto legaCo que nos pode oÍerecer urn pensafltento". ções, que, nurn suprerno eslôrço de rellexd,o, loram crtadas e
Á dialética d,e presença e ausêncla da VerCad,e ilo Ser na estabelecid,as pela metaÍísica. Nos quad,ros d,essa interpretaçõo
Hlstória d,a metaÍístca é o gue disttngue o, Herrnenêutica ilo se fiwaern os recursos e as regras linguísticas, que hole cleter-
Introduçáo cle qualquer hermenêutica ctentíÍica. Essa se ll- ,nlnam as qualidodes do estllo.

26 27
intelegíoeis. Só poderemos entenCer os pensarnentos, os con-
De qcôrdo cotn a originarieCade de seu pensamento Hei- ceitos ou as erplicações ilad,os na. medida e?n que nos er,-pu-
itegger se propõe superar essa interpretaçd,o metaÍístca d,a lin- sertnos e d,is-pusermos aquilo, que se pensa, que se concebe ou
gua.gern para atlngir-lhe a d,imensão originá,ria, ond,e se pre- que se e4tlica.
senteia o homem corn ulna re-uelaçõ'o da Ser. Nesse propósi-
to teue ile usar alolência contra q, lorma aigente ila linguagem Rio de Janeiro, dezembro de 1965
e d,o estilo. Para isso contou co?n o, grande riqueza semdntica
d.a tíngua alernd,, que conseroa nos étrrmos de suas palaoras, na
nateabilid,ade de seus recursos ile expressd,o, nas grandes pos- EMM.\NUEL CARNEIRo LEÃo
sibiliitades de composição, ailietioaçd,o e substantiuaçd.o muitos
indícios do sentid,o oriEindrio d,a linguagem. Ademais Heiileg-
ger penso, ilentro ile um espaço linguístico enriqueciCo por uma
das rnaiores trailições tilosólicas do Ocid.ente.
À luz d.essas consialerações comprender-se-d melhor a na-
tureza e o estilo d,a presente tradução. O prouérbio italiano,
tradutore, tradittore, é rnais Co que um simples moilo d,e dizer.
Quem !êz a eÍperiência ile traduzir unx liaro de Heidegger, con-
lirmará sern reserüas o testemunho de Gilson, Mure, Kq,hn,
Chiod.i, Happolite e tantos outros, d,e que nenhuma traduçõ,o
par mais atenta que seia, d,ispensa o arigàna§" Ê,sse serd. sempre
imprescind,íuel. para se entend,er a pexí§&rfi"ento Co autor.
* critério seJuida na l.tadu.ç6,a sii;us-se no meio têrrno
entre ums. uersõo rneramente líteraL s urrlb pur& e simples in-
terpretaçõ.o. A maior preocupaçdo loi d.eixar talar o próprio
Heiilegger, enxbora cotn o risco ile a trad.uçã.o nõ,o ser mais d,o
que o alemão reaestido do português. Tal risco nos parece
mçnes preiuCicial d,o que o outro d,e atraiçoar o pensq.rnento.
Em mais ile uma po,ssagern, para ndo trairmos o pensatnento,
traímos a letra d.o terto. Como diz Heidegger mesrno:"... unla
traduçd.o literat ndn é ainda necessàriamente liel à palaara. É
sõmente, quanilo @s sllcs palaoras falam a linguagem da pró-
pria coisa". Alimentamos o' esperctnça de a t'raduçõ,o nd,o ser
apenas legíuet mas d,e tornar também intelegíael "a linguagern
da própria coiso,", ern Íunção da qual o"português Íoi muitas
oêzes torturaito. No domínio ongindrio, onde se moue "Q, coisa"
ilo pensarnento d.e Heidegger, nd.o hd. outro moilo d,e i'nteligên-
cia do que o eÍercício d.a reÍlerd.o-própria. Aqui nd,o hó, penst-
mentos, conceitos, ou expticações independentes (la coisa a
pensar, que, à, tnaneira ile uma reportagem, necessito,ssem ape-
nas d.e uma simples leiturq para se Íazerem exaustiuamente

28
I NTRODUCÀO À METAFíSICA

ADVENTÊNEIA

O presente escrito apresenta o terto, inteiramente elabo-


rad,o, da preleçdo prolerida sob o ntesmo titulo, na Unloersl-
ilade Ce Friburgo na. Brisgóuia no semestre de oerõ,o ile 1935.
A prolaçdo id ndo Íala na impressd.o.

Sem mudança de conteúdo rnas corn o tim d,e facilitar-lhe


a cotnpreensão diuid,irant-se períodos rnais longos. Estruturou-
se com maior densidade o curso d.o tecto. Riscararn-se repett-
ções . Elimin q"r arn- s e equhs oco s . E sclar ec er atn- se impr ecisõe s.

O que se acha em parênteses, Íoi escrito simultôneamente


com a elaboraçã,o. O que se põe em colchetes, contétn obser-
aações ucrescentaCas nos anos seguintes.
Po,ro, o leitor aaaliar ileaid.amente, em que sentiilo e com
qual razd,o o nonle "Metafísica" Íigura no título ila preleção,
deae prim.eiro ter-lhe percorrido o curso.

31
A QUESTÃO
FUNDAMENTAL DA MET.AFíSICA

Por que há simplesmente o ente (1) e não antes o Nada?


Eis a questão. Certamente náo se trata cle uma questáo qual-
quer. "Por que há simplesmente o ente e náo antes o Nada?"
- essa é evidentemente a primeira de tôdas as questões. A
primeira, sem dúvida, náo na ordem da seqüência cronológica
das questões. Em sua caminhada histórica através do tempo
o homem e os povos investigam muito. pesquisam e procuram
e exarninam muitas coisas antes de se depararem com a ques-
tâo, "Por que há simplesmente o ente e náo antes o Nada?,,
Muitos nunca a encontram, não no sentido de a lerem e ouvirem
formulada, mas no sentido d.e investigarem a questão, i.e, de a
levantarem, de a colocarem, de se porem no estado da questáo.
E não obstante todos sáo atingidos uma vez ou outra, üal-
vez mesmo .de quando em vez, por sua fôrça secreta, sem sa-
berem ao certo, o que lhes acontece. Assim num grande de-
sespêro, quando todo pêso parece desaparecer das coisas e se
obscurece todo sentido, surge a questão. Talvez apenas insi-
nuada, como uma badalada surda, que ecoa na exisLência (2)
e aos poucos de nôvo se esboroa. Assim num júbilo da alma,
quando as coisas se transfiguram e nos parecem rodear péla
primeira vez, como se antes nos fôsse possÍvel perceber-lhes
a ausência do que a presença e essência. Assim numa mono-
tonia, quando igualmente distamos de júbilo e desespêro e a
banalidade do ente estende um vazio, onde se nos afigura in_
diferente, se há o ente ou se náo há, o que faz ecoar de forma
especial a questáo: por que há simplesmente o ente e náo
antes o Nada?

33
grund) . Como quer que seja, procura-se deciclir a questão no
Em toclo caso, quer seja mesmo investigada ou quer, igno- fundo, que dá fundamento para o ente ser, como tal, o ente
r':rria cunro questáo, perpas§e pela existência como um hálito que é. Essa questáo do "por quê" náo procurâ causas de igual
tênue, quer nos pressione mais duramente ou quer se veja pre- espécie e do mesmo plano que o ente. Náo se move em nenhu-
terida e recalcada por qualquer pretexto, de fato nunca é, a ma fácie ou superfÍcie. Afunda-se nas regiões profundas e vai
questáo que na ordem cronológica investigamos por primeiro até os últimos limites dos fundos. É avessa a tôda superfÍcie
Mas é a primeira questáo em outro sentido - a saber e planura, voltacla para as profundezas. A mais vasta. é igual-
quanto à dignidade. O que se explica de três modos. A ques- mente a mais profunda das questões profundas.
táo, "por que há simplesmente o ente e náo ántes o Nada?", §e Por ser a mais vasta e profunda das questões, e também
constitui para nós na primeira em dignidade antes de tudo a mais orlginária. O que se deve entender por isso? Ao reÍle-
por ser a mais vasta, depois por ser a mais profunda e afinal tirmos sôbre üodo o âmbito do que se põe em qucsláo, o ente
por ser a mais originária das questões. como tal no seu todo, cleparâ-se-nos fàcilmente o seguinte:
A questáo cobre o máximo de envergadura. Náo se detém Afastamo-nos lnteiramt-.nte de qualquer ente particular, en-
em nenhum ente de qualquer espécie. Abrange todo ente, i.é, quanto êste ou aquêIc,. Intencionamos sim o ente em seu
náo só o ente atual no sentido mais amplo, como também o todo mas sem qualquer preferência. Apenas zaz dentre êles
ente, que já foi e o que ainda será. O arco da questáo en- sempre de nôvo se insinua estranhamentc: o homem, que in-
contra seus limites apenas no que absolutamente nunca pode vestig;a a questáo. Náo obstante, não está em questáo nenhum
ser, no Nada. Tudo, que náo fôr nada, cai sob seu alcance, ente particular. No sentido de seu raio ilimitado de ação üoCo.r
no fim até mesmo o próprio Nada. Não certamente por ser os entes se equivalem. Um elefante nurna floresta virgem <la
alguma coisa, um ente, de Yez que dêle falamos, mas por "ser" Índia é tão bem um ente, quanto um fenômeno de combus-
o Nada. É táo vasto o âmbito da questáo, que nunca o podere- tão quÍmica no plauêta Marte ou qualquer coisa outra.
mos ultrapassar. Náo investigamos êsse ou aquêle nem mesmo, Para sabisfazernlos, portanto, a questão, "Por que há sinr-
percorrendo um por um, todos os entes, mas antecipadamente o plesmente o ente e não autes o Nada?", no sentido correto <le
ente todo, ou como dizemos, por razões a serem discutidas sua investigaçáo, devemos eliminar a preferência de qualquer
ainda, o ente como tal na totalidade. ente em particular, inclusive a referência, ao homem. pois o
Com ser assim a mais vasla, a questáo é ainda a mais que e êsse ente! Imaginernos a terla na imensidáo obscura
profunda: "Por que há simplesmente o ente...?" "Por que" do espaço no universo. Proporcionalmente náo passa de um
s.ignifica, qual é o fundo? De que fundo provém o ênte? Em minúsculo gráo de areia com um quilômetro de extensáo, e o
que fundo descansa o ente? A questáo não investiga isso ou resüo é o vácuo. Em sua superfície vive, rastejando em pro-
aquilo no ente, o que êle é cada vez, aqui ou ali, como é cons- fusáo um punhado entorpecido de animais pretensamente as-
tituiclo, pelo que pode ser modificado, para que serve etc... tutos, que por um instante descobriram o conhecimento (Cfr.
Ela procura o fundo do ente enquanto ente. Procurar o fundo, Nietzsche, Sôbre a Verdade e a Mentira no sentido extra-moral,
isso é apro-fundar. O que se põe cm questáo, entra assim 18?3 inédito) . E o que significa o espaço de tempo de uma
numa referência com o fundo. Sendo, porém, uma questáo, vida humana no curso de milhões de anos? Mal uma pulsação
fica aberto, se o fundo (Grund) é um fundamento originário do ponteiro de segundos, um sôpro de respiraqáo. Dentro da
(Ur-grund), verdacleirament,e lunclante' que produz .fundaçáo; totalidade do ente não há razáo para se privilegiar êste ente.
ou se êle nega qualquer fundaçáo e é assim um âb-ismo (Ab- que se chama homem e ao qual pertencemos por acaso.
gruncl) ; ou se o fundo náo é nem t ma nem outra coisa, ma§
Mas táo logo o ente em seu todb cai no campo de fôrça
dá simplesmente uma aparência, talvez necessária, de funda-
(Un- da questáo, investe-o a investigaçáo, com a qual entra numa
Çáo, tornando-se destarLe um simulacro de Íundamento
35
34
relação sui generis, porque única. Pois sômente nela o ente tar na repercussáo da questáo do "por quê" sôbre si mesma
em seu todo se revela como tal, se abre na dtreçáo de seu pos- um acontecimento provocante.
sível fundamento e assim se mantém em questáo. para êle a
investigaçáo não é um fenômeno qualquer dentro do real, como No caso, porém, de não sermos vÍtimas de uma ilusão de
p.e. a queda dos pingos de chuva. A questão do,,por quê', ótica, havemos de ver, que a questáo do ,,por quê,, na quali-
dade de questáo sôbre o ente como tal no seu todo, nada tem
defronta-se por assim dizer, com o ente no seu todo. DêIe
como que se desliga, embora náo de todo. E é justamente o
â ver com qualquer jôgo de palavras. Suposto, ainda possuir-
rnos tanta fôrça de espírito para realizarrnos verdadeiramente
que lhe confere uma distinçáo. Ao defrontar-se com o ents n6
il a repercussáo sôbre seu próprio por quê. pois tal repercussão
seu todo, sem, todavia, se thê poder escapar de toclo, repercute 1
não se fará certamente por si mesma. Então faremos a ex-
o que na questáo se investiga, sôbre a própria investigação.
periência de fundar-se essa questáo eminente num salto. No
Por que .e por euê? Em que se funda a questáo do por quê,
I

que pretende pôr o ente no todo em seu próprio fundo. Será salto, em que se deixa para trás (4) tôda e qualquer seguranqa
ainda êsse "por quê" uma questáo sôbre o fundo entsn6itrr, da existência seja verdadeira ou presumida. Sua investigaçáo
cu se concrctiza no salt,o c r:omo salto ou não se realiza nunca.
como superficie, de sorte que sempre se procura :unt ente pata
fundamento? Náo é essa ,,primeirâ,' questáo a primeira em O que significa aqui "salto", esclarccor-se-á mais adiante" A
questáo não é o salto. Nôle se dcve tran.sformar. Ela ainda
rlignidade, considerada segundo o valor intrínseco da questão
se acha inocentemente defronte do entc. por ora basta sshll.
dô Ser (3) e suas modalidades?
que o salto dá origem (er-springt) ao próprio funrlrtlentn rii,
§em dúvida alguma quer se ponha a questáo, ,,por que invesíigaçáo. Saltaniio, ela oi'igina para si o fundo, ent que
há simplesmente ci ente -e não antes o Nada?,,, quel náo, em se funda. Um tal salto, que origina para si seu próprio fun-
riada se altera o ente em si mesmo. Também sem ela os pla_
damento, denominamos, de acôrdo com â signiiicação verda-
nêtas continuam a percorrer as suas órbitas. Também sem ela
deira da palavra, um saito originário. (5) Ora, uma vez que
o elã da vida continua a pulsar através dos animais e das
plantas.
a questão, "por que há simpiesmente o ente e náo antes qr
Nada?" dá origem ao fundamenlo de tôda questão veirdad.rl:'íl
Se, porém, fôr posta dô maneira devida, dar-se-á neces_ e lhe é, nesse sentidc, originária, deve-se reconhecê-la, úün!:.1 ri
sàriamente uma repercussão, do que se investiga, sôbre a pró_ lnâis originária das que;iões.
pria investigaçáo. por isso náo se investiga, sôbre a própria
Assim, corn o ser a mais vasta e profunda questão, é *ianr-
investigação. Por isso não se trata de um fenômeno qualquer bém a mais originária e vice-versa.
mas de um evento especial, que chamamos um acontecimento.
Nesse tríplice sentido a questáo é a primeira em ügnidar-,1e
Como tôdas as demais questões nela diretarnente radica- .

E, a prirneir:; em dignidade, na hierarquia der investigaçÍrr


das, nas quais se desenvolve, a questão do ,,por quê" é irredu-
dentro daqueie setor, que essa primeira questáo ins.iaurn
tivel a qualquer outra. Impele à procura de seu próprio por funda, dando*lhe a medida originária. É 2 questáo de toor,r
<r

quê. À primeira vista e considerada de um ponto externo, z


as questões verdadeiras, i. é, das que se põem a si mesmas ern
questão "por que o por quê? assemelha-se a uma repetiçáo questáo. n a questão que sempre é investigada quer conscia
jocosa, que se poderia repetir até ao infinito, da mesma par-
quer inconsciamente, em tôda questão. Nenhuma questão e,
tÍcula interrogativa. Parece mesmo uma especulaçáo vazía e por conseguinte, nenhum "problema,' científico se entende a si
desvairada sôbre significações verbais sem conteúd.o. Certa- mesmo, se náo compreender a questão clas questões, i.é, se
mente assim o parece. Trata-se apenas de saber, se nos deixa- não a investigar. Desde a primeira aula desejamos, que fique
remo§ enganar por essa aparência demasiado fácil, dando logo bem clara uma coisa: nunca se poderá aceitar objetivamente,
tudo por resolvido, ou se ainda seremos capazes de experimen- se alguém, se nós realmente investlgamos a questáo, i.é, se
36
37
damos o salto, ou se ficamos apenas presos a seu modo de mente cristá uma roucura. Filosofar significa investigar; ,,por
falar. A questáo perde logo sua dignidade numa existência que há simpiesmente o ente e náo antes
o Nada?,,. Investigar
historica, em que tõda inuestigeçd.o é estranha, como iôrça realmente essa questáo significa: tentar ousadament"
orlginária. à fôrça «le investigações o inesgotável dessa questáo, revelando
".goiu.
Assim, aquêle, para q.uem a Bíblia é verdade e revelaçáo aquilo que ela impõe a investigar. onde quarquer
corsa de se-
d.ivina, já possui, antes de qualquer investigação da questâo, melhante ocorrer, há filosofia.
"Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?,,, a Quiséssemos discorrer agora sôbre a filosofia, para dizer
resposta: todo ente, que não fôr Deus, é por Êle criado. Deus com mais pormenores, o que ela é, seria
um início infrutífero.
mesmo "é", enquanto criador incriado. euem se encontra no Alguma coisa, sem dúvida, Oeveíá saber, quem
ocupar. E issc já foi dito sucintamente dela se vai
solo de uma tal fé, pode, sem dúyida, repetir e acompanhar a .

investigaçáo de nossa questão. Náo poderá prôpriamente in- Tôda questão essencial da filosofia acha_se necessària-
vestigá-la, sem negâr-se a si mesmo, como crente, com tôdas mente fora de seu tempo. por duas razões principais.
que a filosofia se projeta para Ou por_
as conseqüências de tal atitude. poclerá apenas fazer, como muito além da atualidade. Ou
se. . . Por outro lado, porém, aquela fé, se constantemente não entáo, porque faz remontar a atualidade
a seu passado_pre_
se expuser à possibilidade da descrença, também não será sente (6) originário. Como quer que seja, o filosofar
manecerá sempre um saber, que nãb só é e per_
uma fé mas uma comodidade e um ajuste consigo mesmo, a não se deixa
ater-se sempre à doutrina, como a uma tradiçáo qualquer. pela ntedida clo teinpo, mas aincla -oiora
submete o tempo à, sua
Nesse caso já náo há nem investigação nem fé mas sômente própria medida.
indiforença. Essa se poderá ocupar entáo, talyez até com muito A filosofia se acha necessàriamente fora de seu tempo, por
interêsse, de tudo, tanto da fé como da investigacáo. pertencer àquelas poucas coisas, cqjo
clestino consiste em nun_
ca poder nem dever encontrar ressonância
Com essa alusáo à proteção na fé, como um modo próprio imediata na atua_
lidade. onde tal parece ocorrer, onde uma
de se estar na verdade, náo se quer dizer naturalmente, que a filosofia se trans_
cltação das palavras bíblicas, "No comêço criou Deus o céu e a
forma em moda, é porque ou náo há verdadeira
uma verdadeira firosofia foi desvirtuada e absurda filosofia ou
terra etc..." represente uma resposta à nossa questão. Mesmo propósitos alheios, para satisfazer seguncl0-
fazendo total abstraçáo, se essa frase da BÍblia é ou não ver- às necessidades Oo tempà.
dadeira para a fé, ela não representa de forma alguma uma Por isso também a filosofia não é um saber, que,
de conhecimentos técnicos e mecânicos se possa
à maneira
resposta à nossa questáo. Pois náo possui nenhuma relaçáo aprender di_
oom a questáo. E náo possui, porque náo pode assumir. O que retamente ou, como uma doutrina econômica
e formação pro_
prôpriamente se investigâ em nossa questáo, é uma loucura fissionar, se possa aplicar imediatanrente e
avaliar de acôrdo
pare a fé. com sua utilidade.
Nessa loucura consiste a filosofia. Uma "filosofia cristã', é Todavia, o que é inútil, pode ser, e justamente
uma fôrça. O que desconhece tôda ressonância o inútil,
um ferro de madeira e uma incompreensáo. Sem dúvida, há imediata na
uma elaboração de pensamento, que investiga a experiência prática de todos os dias, pode estar em profunda
consonância
cristã do mundo, i. é, a fé. Essa é então teologia. Sômente com o que prôpriamente acontece na História (?)
de um povo.
tempo§, que Já nã,o acreditam bastante na vercladeira grande- Pode até mesmo ser a sua pré_sonância e prenúncio.
O que
za da tarefa da teologia, podem chegar à opiniáo degradante, 1e
acha fora do üempo, terá seu próprio tempo. t: o que
de que uma teologia refrescada pela filosofia poderá ganhar da flloscfia. E é esla a ra:iáo de não se poder estatuir de vàIe per
algUrna colsa ou mesmo ser substituÍda e moldada ao sabor §i e em geral a missáo da filsoÍia e por consegúnte
também, o
dds necessidades do tempo. A filosofia é para a fé originària- que dela é de se esperar. Cada estádlo e cada princÍpio (S)
d;
s8 39

i
seu desenvolvimento traz consigo sua prÓpria lei. SÔmente, o cesso dessas exigências se apresenta na forma de uma defi-
que a filosofia náo pode ser nem prestar, pode-se dizer. ciência por parte da filosofia. Diz-se por exemplo: deve-se
Formulou-se uma questáo: "Por que há simplesmente o rejeitar a metafísica, porque náo colaborou na preparaçáo da
ente e não antes o Nada?". Para ela se reivindicou a prerroga- revoluçáo. Isso é exatamente táo espirituoso, como se alguém
tiva de ser a primeira. Ficou esclarecido o sentido dessa pri- dissesse: porque não se pode voar com um tôrno, há que se
mazia. destrui-lo. A filosofia jamais poderá proporcionar imediata-
Sem embargo, porém, ainda náo investigamos a questão. mente as fôrças nem táo poueo criar os modos de agir e as
ocasiões, que conduzem a determinada situaçáo HistÓrica, pela
Desviamo-nos numa discussáo sôbre o seu lugar (9) . Essa
discussão é necessária. Com efeito, a investigação dessa ques-
simples razá,o de concernir de modo imediato apenas a uma
tão é incomparável com tudo que seja habitual. Entre ela e o minoria. Que minoria? À minoria daqueles, que criando trans-
comum náo há transiQáo alguma, capaz de possibilitar paula-
formam, à minoria dos revolucionários. i10) A difusáo da fi-
tinamente uma familiaridade com sua investigaçáo. Por isso losofia é sempre mediata e segue caminhos incontroláveis, para
tem que ser, para dizê-lo assim, pro-posta de antemáo. De em algum tempo afinal, mas já de há muito esquecida como
outro lado, porém, no esfôrço dessa a-presentação e na discussáo
filosofia, decair de seu nível originário e transformar-se numa
acêrca de seu lugar não devemos adiar-ihe indefinidamente ou banalidade da existência.
até olvitlar-lhe inteiramente â investigaçáo. O que ao contrário, a filosofia pode e tern que ser por Es-
seneialização, é outra coisa: qual seja, a manifestaÇáo pelo
Por isso concluíremos com as discussóes da presente liçáo rensamento dos eaminhos e das perspectivas de um saber, que
as observações preliminares. ,.,rs1;aure cril,érios e hierarquias. Fundado nesse saber e a partir
Tôda forma essencial oo espírito é sempre ambigua Quan- 'iêle um povo coneebe e realiza plenamente a sua existência no
to mais fôr incomparável com qualquer outra coisa, tanto rnaior raundo }Iistórico do espírito. Trata-se daquele saber, que acen-
será o índice de sua incompreensão. (1e. ameaÇa e imnelo tôda invesligaçâa e ar;aliação
A filosofia é uma das poucas necessidades autôrromn.s' cria- É segrund:.. '.!1"alr'ft:l-eensilc mencionacll s;e refere a rrrna
doras e, às vêzes, necessárias da existênci:r Histi'ric: do ho- ,ri::tt,I'eao ritt st:t:iiri.,: !i , sSfor+c! ci:,: í.iilrsoftl ,J*: ela náo pocle
mem. As incompreensões correntes da filosofia sãc' inirtneras ç:roporciona;: lundamentacác algut'nlr ;i üei;crrntnada culíura,
Ademais, umas mais, outras menos, tôdas elas §emnre acert,'aw" podeqá, ao invés, assim se pensa, coníribuir para facilitar-lhe
em alguma coisa. Âqui seráo nomeadas duar" importantes perr; a const,rução. E isso por duas razões: ou l)orque disuõe a to-
se esclarecer a situação atual e ful,ura 6, 1';''--i,1íiL talidade do entc ern vrsõcs <je conjunlo e dentro de sistema.s,
 prlmeira consisi,e em se .sohreiliifie$ir. i.r,ri1l .r:.., a. Es- subministrando destarte uma imagem do mundo, ou por assim
sêncializaçáo tla filosofia. Â out!:ii s' left"i i, t,i./riÀ atsrorsâo rl,izer, um mapa do universo, em que estâo à clisposicão as di-
rlo sentido de scu esfôrço. erentes coisas possívcis e seus divcrsos riotninios, n que fa-
Considera<i:,r r:tt: i:Ioce;. ir Iliosclfra seürpre vlsi os prtmeiros ::*ltaria uma oriont,eÇiro global c hotrto8irnctl -; ou rie outrc
..riir{f;.tr1sr;lr.nr& cio en[e, mas de tal sort'e, que ci honrern experi- rrodo porquc poupa trabalht.. ns ciôtlcilu;, ocupândo-se clll re-
..enta, sobretudo quanto a seu prÓprio ser, uma iilterpretaçáo ,cxão sôbre o§ pres.jiii)i.jsi.,,.rr. . 'lJ'.;,r1,-(,-:' {ll;irllttnent:lt:; tl lt.llio-
orientaçào. Dai facilmente se Íazer larga a impressão de 'r:as Cas mesrnAs. ll::i;t.t s1, (j:pr.riÍ* «la filoslr,"tl; a, f()n1:jt,ii.ü r âiú
ilue â filosofia pode-se e deve-se proporcionar a exlsr,4ncia e ;,iosnio urllâ. acrll,"r.ír;{l ri(] iiir';ântrsm0 lÓcntco-prit,ico oa cuitl-
época histórica atual e futura de um povo os fundamentos, ii:. rio sonlid(i (to ufilà lacilitaçâo.
em que se construirá então a cultura. Oonr sernelhante§ e§pe- Orq, bem, a filosofia, por Essencializaçâc, nunca torna
- senáo apenas mais graves. E isso não lhe
ranças e preten§ões, todavia, se sobrecarregarn as possibilida- as coisas mais fáceis
des e a Essencializaçáo da filosofia. Às mais das vêzes o ex- É acidental, devido ao fato de seu modo de comunicabilidade

40 41
parecer estranho e mesmo deslocado (11) à cornpreensào vul- da um pequeno acréscimo na forma de uma contra-pergunta:
gar. Pois o agravamento da existência Histórica e com isso no se /VóS nada pocLeremos fazer com filosofia, aczlso a filosofia
fundo do Ser simplesmente constitui o sentido autêntico de também náo poderá fazer alguma coisa CONOSCO, com tanto
seu esfôrço. Êsse agravamento restitui às coisas, ao ente, o que nos abandonemos a ela? fsso basta para elucidar-nos o
seu pêso (o Ser) . E por que? Porque tal agravamento é uma que a filosofia não é.
das condições essenciais e fundamentais para o nascimento No início formulamos uma questáo: "por que há simples-
de tudo que é grandioso, em cujo número encontramos antes mente o ente e náo antes o Nada?" Afirmamos, que filosofar é
de tudo o destino e as obras de um povo Histórico. ora, des- investigar essa questáo. Se, inspecionando e refletindo, nos
tino só há, quando a existência se acha dominada por um dispusermos em sua direção, renunciaremos em primeiro lugar
verdadeiro saber acêrca das coisas e é a filosofia que desbrava a instalarmo-nos em qualquer um dos domínios correntes do
os camÍnhos e abre os horizontes para conseguí-lo. ente. Ultrapassaremos tudo que está na ordem do dia. Inves-
Os equívocos, de que a filosofia se vê constantemente cer- tigaremos algo, que transcende o trivial e ordinário da ordem
cada, são mais fomentados pelo que fazemos nós outros mes- de todo dia. Nietzshce disse certa yez (VII, 269): ,,Ifm filósofo
mos, pelos professôres de filosofia. Com efeito, nossa tarefa é um homem, que constantemente vive, vê, ouve, suspeita e
habitual e também justificada e até mesmo itti) consÍste sonha.. . colsas extra-ordinárias".
-
em proporcionar um certo conhecimento formativo -das filoso- Filosofar é investigar o extra-ordinário. Dado que, como
fias até agora surgidas, o que dá a aparência de ser isso a apenas aludimos acinra, essa investigaçáo provoca uma re-
própria filosofia; quando muito, é apenas ciência filosÓfica. percussão sôbre si mesma, náo só é extra-orclinário o que se
A menção e correção dêsses dois equívocos náo pretendem investiga, como o próprio investigar. Isso quer dizer: a pre-
fazer com que os senhores entrem de repente numa clara rela- sente investigação náo se acha à beira do caminho, de sorte
ção com a filosofia. Todavia os senhores devem ficar logo des- que um belo dia sem propósito ou mesmo de propósito pudés-
confiados e suspeitando, quando juizos os mais correntes e até semos nela cair. E por náo se achar na ordem trivial de todos
inclusive supostas experiências, os assaltarem de sqrprêsa. os dias nâo somos forçados a empreendê-la em razão de algu-
Isso ocorre muitas vêzes de um modo muito inocente e que rà- rna exigência ou det€rminados preceitos. Nem tão pouco per-
pidamente se impóe. Até se crê ter feito pessoalmente a ex- tence ao âmbito dos cuidados urgente5 e da satisfaçáo de ne-
periência e se ouve fàcilmente conürmada, de que da filosofia cessidades prementes. Completamente fora do ordinárÍo, a in-
"não se obtém resultado algum"; "com ela náo se pode fazer vestigaçào em si mesma se apóia por completo, própria e livre-
nada". Ambas as maneiras de falar, que de modo particular mente no fundo rnisterioso da liberdade, naquilo que chamá-
correm nos círculos dos professôres e pesquisadores das ciên- vamos há pouco o salto. O mesmo Nietzsche disse: "A filoso-
cias, exprimem verificações de indiscutivel exatidáo. Quem fia é a vida livre entre o gêlo das altas montanhas" (XV, 21.
tentasse provar-l.hes que l)or fim se "obtém mesmo alguma Filosofar, assim podemos dizer agora, é a investigaçáo extra-
coisa", êsse não faria outra coisa senão aumentar e consolidar ordinária do extra-ordinário.
a incompreensáo reinante. Essa se cifra no pre-conceito, se- No tempo do primeiro e decisivo desabrrochar da filosofia
gundo o qual se poderia avaliar a filosofia de acôrdo com os ocidental entre os gregos, por quem a investigação do ente
critérios vulgares, com que se decide da utilidade de bicicletas como tal na üotalidade teve seu verdadeiro princípio, chama-
ou da eficácia de banhos medicinais. va-se o ente de physis. Essa palavra fundamental, com que os
Está pois certo e na melhor ordem dizer-se que "com fi- gregos designavam o ente, costuma-se traduzir com "natureza".
losoÍia nada se pode fazer". O errado seria pensar, que, com Usa-se a traduçáo latina, "natura", que prõpriamente significa
isso, terminou o juízo sôbre a filosoÍia. Pois sobrevem-lhe ain- "nascer", "nascimento". Todavia já com essa simples tradução

42 43
latina se distorceu o conteírdo originário da palavra grega, si e em si mesmo (Dieses .{,ufgehen und In-sich-aus-sich-Hi-
physis; destruiu-se a fÔrqa evocativa, prÔpriamentc, filosófica nausstehen) não se deve tomar por um fenômenc qualquer,
da palavra grega. Isso vale náo apenas para a tradução latina .f Oue entre outros observamos no ente. A phrsis é o Ser mesmo
DES§Á palavra, mas também de tôdas as outras traduçõcs da e" [f em virtude do
qual o ente se torna e permanece observável.
linguagem filosófica da Grécia para à de Roma. o l)roccsso Os gregos não experimentaram, o que seja s physis, nos
de traduçáo do grego para o "romano "náo é algo trivial c ino- fenômenos naturais. Muito pel,o contrário: por fôrça de uma
fensivo. Assinala ao invés a primeira etapa no pro(:csso, que experiência fundamental do Ser, facultada pela poesia e pelo
deteve e alienou a Essencialização originária da filosoÍia grepíâ. pensamerlto, se lhes des-velou o que haviam de chamar ph,ysis.
A traduçáo latina se tornou entáo normativa para o Cristia- Somente em razáo dêsse des-velamento puderam entáo ter
nismo e a Idade Média Cristá. Daqui se transferiu para a fi- olhos para a natureza em sentido estrito. Phusis significa, por-
losofia moderna, que, movendo-se dentr'o do mundo dc con- tanto, originàriamente, o céu e a terra, a pedra e a planta,
ceitos da Idade Média, criou as idéias e têrmos corrcntcs, corn tanüo o animal como o homem e a História humana, enquanto
que ainda hoje se entende o princÍpio da filosofia or:idental .' obra dos homens e dos deuses, finalmente e em primeiro lugar
Tal prineÍpio vale conro algo, que ,os homens de hoie pretendem os próprios deuses, submetidos ao Destino. OD Physis signifi-
já ter há rnuiio superado.
cie ca o vigor reinante, que brota, e o perdurar, regido e impreg-
.fi,qui, psrém, saltaremos por cimâ de todo êsse processo de nado por êle. Nesse vigor, que no desabrochar se c.onserva, se
desfiguraçác e decadêneia, pare tratar de reconquistar a fôrÇr. acham incluÍdos tanto o "vir-a-sef' como o "ser", entendido
irCr:st:'uiivel da lingua€íern * das palavr"ar; l,ois :.. êsse último no sentido restrito de permanência estática . PhAsis

' a irr:quagr,'::: nã.; :':oi:siiiul:'ir c:i;tsulrlll. .tlt cltii: l.


é o surgir (Ent-stehen), o ex-trair-se a si mesmo do escon-
..;.:.i'. .:-. . ir...,": i,.-':i:.1i -.... .i iluÜtii 'jil.trL í.' eÍli:. "'' dido e assim conservar-se.
.1. :; '..- lli];ii.;i;.1.:'.::, .-iüi;. ;i,. lti'is:i.§ ilh,:i3lLln ': , Se, porém, náo se entende phgsis, como às mais das vêzes
r,._:. '.: ... ',tl.ir.iÍiÍ- da iin5u.r,;,,1.:, ",:: sitnpltl.s "ba.l,t 1 ., . acontece, no sentido originário de vigor dominante, que brota
)l rgitel e, ftl;strÊ L.:ri,.âr' 1...., i-. i,ill ,ili'l' 1i. rci( i !-i,. e permanece, mas na significaçáo posterior e hodierna, a saber,
rl,ti:." , ,. '.,..1 .r.' ilírisii§. c qul .i: "illi'r u plliavra, piiu:;'-. como natureza, e se além disso se consideram, como a manifes-
Ev.r.. ;i11:- sâi úu brolâ de deni.ro oc si mcsmo Íp'or exc:n1l::- taçáo fundamental da natureza, os. fenômenos do movimento
c:l hr',ni.t:' {t.Ér urrizi rosâ} " o desabroi:har. {.rue se ahre, o que neclt: das coisas materiais, átomos e electrões, ou seia o que â fisica
desprrrgil.r-se se rnanifesta e nêi<: s{r retém e permanece: eni moderna investiga como phusis, entáo o principio da filosofia
sÍntr:sr' o r"rr':r ,,,r,r,a'Õ l13l twaltenl' Caquiio, que broi,a. cr grega se converterá numa filosofia da natureza, numa repre-
. \ . .rn3ltir' sl.:-,rÍr?a alt.:::..:, ftrzcf rrf.'._- sentaçáo de tôdas as coisas, segundo a qual elas sáo de na-
agÀ 'i'oi!r,i ir.l:- ii ri:i1, !ri{ri dl:"ts:: crí:-qr,}' ' li;i.Snliiclrru. porvel.1"tr,ura;. tureza prôpriamente material. Nesse caso o princípio da filo-
âpenü§ rn-o!'emenür, qr-iàntitativl;. aurneniar de quantidade e sofia grega com a compreensáo vulgar con-
tornâ.r-sÉf maior?
- como de acôrdo
vém a um princípio clá a aparência de ser o que, com um
-
vocábulo latino, designamos "primitivo". (15) Assim os gregos
I'ri,l'lrrlittrt com(i s ;-ir e hrof,a:, pock'-se expe-ri -
seriam no fundo uma espécie melhorada de Hotentotes, frente
i,ôir'r, Fii.11,r,. l.ii§:r11 l3Í-r" ' ''.:111piü. nc$ fenômeno;
r:,1:ü. ati.^§üii nit§ 0l.ir.l ]11:1j: r:1. eresciment,r:
aos quais as ciências modernas teriam progredido infinita-
... rr,gsci$tel-lto COI::;ni:n" p r,içs hcfnen§ dO §ei(f mente. Omitindo tratar, em particular, de todo o absurdo, que
r.,.rri ,::l-)
:j:r'it. .L:il,reíiinl.cl, p,fuílsis, o v:r:r.-r: {r ,:'qii'}an.tÍ:. *lte brota, nãn
inclui tal concepçáo do princípio da filosoÍia ocidental conce-
i.:it'lit'lict'u corr Ôssesi fenôrn+-nil,'l 1r;, linda hr:je considera- bido, como primitivo, deve-se dizer o seguinte: essa interpreta-
' -,.:':"ântúr; à. "naturezl:" Tr"i sair e su§ter-§e fora cie gão se esquece de que se trata de filosofia, de algo, portanto,

45
44
que pertence às poucas coisas grandiosas do h«rntt'ttt. Ora, tu<lo mesmo vigor vigente em ph,Asis e techne só se poderia escla-
o gue é grcndioso, só. pode principiar grandiosrttnctltc. Seu
I
recer numa reflexáo especial) . O conceito oposto ao físico era
princípio é até o que há de mais grandioso. Pequeno plincipia sem embargo o Histórico, um setor do ente, que também era
sõmente o que é pequeno, cuia duvidosa grandeza consiste em pensado pelos gregos no sentido da phAsis, concebida originà-
tudo amesquinhar. Pequena principia a decadência, a qual riamente de modo mais amplo. Isso nada tem a ver com uma
também pode chegar a ser grande no sentido da extensão de interpretaçáo naturalista da História. O ente como tal em
um total aniquilamento. sua totalidade é phusis --- isso quer dizer que suâ Essenciali-
O grandioso principia grandiosâmente, conscrva cssa sua zaçáo e seu caráter consistem em ser o vigor clominante, que
condição pelo livre retôrno da grandeza e chega também, se é brota e permanece. Tal sentido se experim?nta antes de tudo
grandioso, grandiosarnente a seu fim. Foi o que sc dert com a naquilo qlre de certo modo se impõe da maneira mais imediata
filosofia dos gregos. Chegou a seu fim grandiosamente com e que veio a significar mais tarde a ph.Asis e.n sentido restrito:
Aristóteles. SÓ o entendimento vulgar e o homem mesquinhor ta physei onta, ta trthysika, o ente natural. Quando se inves-
pensam. que o grandioso, cuia duração ainda identificam com tiga a physis, i.é, quanclo se investiga o que seja o ente como
a eternidade, tem de durar sem fim. tal, entáo ta 'phAsei onta, dá"o antes de mais nads. o ponto de
Ao ente como tal em sua totalidade, chamavam-no os apoio. Mas de tal sorte que a investlgaçáo náo se deve deter
gregos ph7sis. De passagem, porém, deve-se acrescentar' que ne$se ou naquele domínio da natureza, sejam corpos sem vida,
iá dentro da filosofia grega se introduziu logo cedo umâ res- plantas ou animais. Deve ultrapassar por sôbre êles todos além
tricào <ia palavra, sem que, porém, srra significação originá- de ta phusika.
ria desaparecesse da experiência, do saber e atitude da filo- Em grego "por sôbre alguma coisa", "para além .de" se
-qofia grega. Assim em Aristóüeles ainda ressoa o conhecimento exprime pela preposiçá"o, meta. A investigaQáo filosófica do
dêsse sentido originário, quando fala dos fundamentos do ente ente como tal é assim meta ta phEsilca.Investiga algo que está
como tal (Cfr. Met. III, 1, 1003 a 27\ .
além do ente. É meta-física. Agora náo é de importância
Todavia essa restriçáo cla physis na direçáo do "físico" não seguir a história particular do nascimento e da significaçãn
se deu do modo que hoie imaginamos. Ao fisico opomos o da palavra.
"psíquico", o anímico, o animado, o vivente. Sem embar$o A questáo, "por que há simplesments 6 ente e náo antes
tudo isso, mesmo para os gregos posteriores, ainda pertencia à o Nada?", caracterizada por nós como sendo 3 primeira em
phasis. como contra-partida aparece, o que os gregos chama- dignidade, é pois a questáo metafisica fundamental. Metafísica
vam úIresis, posiçáo, estatuto, ou nontos, lei, regra no sentido é o nome para designar o centro <lecisivo e o núcleo de tôda
dos costumes. Mas os costumes náo constituem o moral mas filosofia.
se referem ao que afeta os usos, ao que se funda nos laços da lTudo isso se achâ exposto superficialmente, como con\ém
liberdade e em normas da tracliçáo; é o ethos, aquilo que diz à finalidade de uma introduçáo, e por conseguinte de modo
respeito à livre conduta e atitude, que concerne à configura- fundamentalmente ambíguo. Dc acôrdo com a explicaçáo,
ção do ser Histórico do homem e que entáo sob a influência
da phgsis significa o Ser do ente. Quando se trata de investigar
moral foi degradado ao domínio do ético ' peri phaseos, sôbre o Ser do ente, então o tratado sôbre a
Plrysis se restringe a partir de sua oposiçáo a techne - physis, a física em sentido antigo, iá está além de ta physíka,
que náo significa nem arte nem técnica e sim um saber' a além do ente. Já está no Ser. A "Física" determina assim desde
disposiçáo competente de instituições e planejamentos bem o princÍpio a Essencializaçáo e a História da meta-fÍsica.
como o domínio dos mesmos (Cf . Fed.ro de Platáo) ' A techne Mesmo na doutrina do Ser como sctus prrrüs (S. iomás de
é eriaçáo e construçáo, enquanto pro-duQáo (16) sapiente' (o Aquino) ou como conceito absolnto (Hegel) ou como eterno
16 4',t
retôr?Lo da nr.esnta Votttade de potência (Nictzst:lrr,),
flsica peuuanece sempie sem oscilações ,.Fisjr:a,, ir ,l{!ta_ Não r.rí:s[anl ]. r.;(,r pensarmos a ,.questão do Ser,, no
sentido
A questáo sôbre o Ser como tal possui, ,ontrt,t,un(,o, orrtra da questáo sôbre o Ser, como tal, será então claro para
toJo
aquêle que a pensar também, que à metafÍsica o
Essencialização e diferenLe pro-veniência.
TAL, flca oculto, permanece-lhe esquecido e de modo táo
SÀr, COMO
Sem dúvida, conüinuanclo_se a pensar rlentro dcl lrorizon_ de_
te da meta-Íísica e segundo sua índole, poderíamos considerar cisivo, q.e o próprio esqrrecimento do Ser, que é novamente
â questão sôbre o Ser, como tal, uma simples repetiçáo mecâ_ e.squecido, constitui o impulso desconhecido mas
constante da
nica da questáo sôbre o ente como tal. Nesse caso, a questão investigaçáo metafísica.
sôbre o Ser, como tal, seria apenas uma questâo transcenãenta1 se para se ürâter da questão do ser, em sentido i'deter-
embora de ordom superior. Com semelhante transformação ninado, os*oilie-se o nome .,rnetafísica,', entáo o tÍtulo
do da pre_
sentido da questão sôbre o ser, como tar, ba*a-se-the, ãntre- ;i:nte preieçáo írerrnanece ambiguo. pois com efeito dá a
tanto, o caminho para um desenvolvimento em conformidade parêncil., à prirneira vista. de ater_se a investigaçáo
ao hori_
com suas exigências. ..nte rln tlt!íe, i:úrnü ial, e,quanto, de fato, aspira desde sua
Certamente essa transformação é fácil de ocorrer, princi_ -}ritneira .Itase ii irllrapasar êsse setor, a .fim de viSualizar, de
palmente porque em "sein und zeit" se far, de inodo interrogarivô. um outro riomínio. Assim o titulo da pre_
um ,,horizonte
iranscendental". Todavia o "transcendentar", aí eniendido, náo iecáo é pois COflS("|ENTEMENTE ambíguo.
é o da consciência subjetiva, mas se determina pela tempora_ ,t qucsbão fundarnental, que se propõe a, preieçáo, não tem
lidade ekstático-existencial ilT) da existência humana a mesma ínrlole que a questáo condutora da metafÍsica. De
rDa-
sein). A transformação da questáo sôbre o Ser com6 tal reôrdo conl o ponto de partida de ,,Sein und Zeit', a preleção
tenrde
a identificar-se com a questáo sôbre o ente, como tal, princi_ investiga i:. "abertura do Ser', {Cfr. Sein und Zeit, p. 2ls e
palrnente porque a pro-veniência Essencial
da questão sôbre o )?s. ) Àberrrr_;:a siilnifica: re-veiaçáo clo que c esquecimento
ente, como tal, e com ela a Essencializaçáo da lo Ser l,ltl e es*ilnde somenüe por meio d"essa investigação
metafÍsrca
tinuam na obscuridade. A Essencialízaçáo cla metafísica con_ ';e iirirrrirr* a Essencializacd,o da Metafísica, até agora também
arras_
ta para o indeterminado tôda investigação, que se refira escondida.
ao t
Ser.
A "introduçáo à metafÍsica,,, aqui tentada, não perde de "Intloilucáo à metafísica" significa, portanto: condução a
'ilvestigar ;,r cirestão f
vista essa .rituaçáo confusa da ,,questáo do Ser,,. undamental . Mas questões e, muito
11{"11*:1 i:rc^stões f r.lndamentais náo se encontram
Na interpretação corrente .,questáo do Ser,, significa: in. táo fàcil-
inente como pedras e água. euestões não se dão à maneira de
vestigar o ente como tal (metafsiica) . Enquanto, pensada
partir de "Sein und Zelt.,, a,,questão do Ser,, significa a sapatos e roup{ls ou livros. euestões sãO e são apenas" en_
inves_ luanto se i"nvestie,:zrm realmente. A condrrcão I investigar a
tigar o Ser, s6rn6 tal. Êsse sentido do título é também mais
o l1i.'ci.i, '.,;, i;r;r:i.J1itfl nlrO Será. DfrrtantO, :rrn r:arninhar pafa
adequado tanto linguística como realmente; pois ,,questão
do Ser", na acepçáo da questáo metafÍsica sôbre
a aiglrffra. COiStt. rur, r:itá ,)rr §r] L.llcol11,ril (.ili iüÍt rrnl lugar. TrA_
rr ente, como
tal, nd,o INVESTIGA temàr,icamente o Ser, mas cleixa_o es_
1a-.;ít, :ri) ,*véi- ,;r. uma conclucào que ticve. .lntes de tuclo.
quecido. .'uscitar e consj,ituir a própria investigaçáo t)onduzir significa
Correspondentemente táo ambíguo, comc o título .,quesláo -:receder .::l-: ai,itr.rüi. de invesliSaeão t lr:rgcnde"s Vorangeheni.
do Ser", e falar-se de ,,esquecimento do Ser,, 1gsiny"igu.."_ ; irma invesligai:iiii prévia íVorlrage,_ Trt_li.a.,;c de uma con_
nheit). (18). A bom direito se assegura, que a metafísica in_ 'iução que. pr'rr +usr")ncia, náo âdmile concluzido§, euando algo
vestiga nlesrno o ser do ente, e por isso é uma manifesta .ie semelharrte cre,rre, por exernplo, urna esu.c,tra .filosófica" é
nes-
ciedade atribuir-lhe um esquecinlento do Ser. 1t:e náei se ,:ompri:{.'ndeu a lnvestigaçáo. Tais escoias só têm
tzáa ,1e :ier no ih:nínio do trabalho científico e profissional .
4B
49
Aqui tudo possui a sua jerarquia determinada. Um tal traba- "agir". Cfr. Sein und Zeit, § 44 e s 60. A re-ferêríbia (21) ao
lho também pertence, sem dúvida, e até necessàriamente à fi- Ser, porém, é o deixar. Que todo querer se deva fundar num
losoÍia, embora haja riesaparecido hoje em dia. Sem embargo, deixar, é algo, que causa estranheza ao intelecto. Cfr. 2 çsn-
a melhor competência profissional nunca substituirá com pro- ferência: Vom Wesen der Wahrheit, 1g30l .
priedade a fôrça do ver, do investigar e do dizer por si próprio.
Saber, porém, significa: poder manter-se na verdade.
"Por que há simplesmente o ente e náo antes o Nada?" Essa é a manifestação do ente. O saber é por conseguinte:
Tal é a questáo. Pronunciar o enunciado da questáo, mesmo poder estar na manifestaçáo do ente, suportá-la. possuir
no tom de voz interrogativo, ainda náo e investigar. É o que simples conhecimentos, por mais amplos que sejam, náo é
vemos já no simples fato de poclermos repetir várias vâzes se- saber. Mesmo em se tratantio cle conhecimentos ,,ligados à
guidas o enunciado da questão, sem que, com isso, se forme vida", pôsto que modelados pela mais imperiosa necessidade,
mais viva a atitude interrogativa. Muito ao contrário, o re- ainda assim sua posse náo é saber. euem traz consigo tais
petir do enunciado pode até trazer consigo um embotamentc conhecimentos e ainda se exercitou sm algumas técnicas de uso
da investigaÇáo. prático, ficará, sem embargo, desarmado cliante da realidade
Embora pois o enunciado da questão náo seja nem a ques- real, que sempre difere do que o cidadáo comum entende por
táo nem muito menos a sua investigação, todavia não se deve proximidade da vida e da realidade, e será necessàriamente
tomá-lo por simples forma de comunicação linguística, mais um tabaréu. E por que? Porque não possui saber, pois saber
ou menos no sentido de que o enunciado da questáo seja ape- significa: poder aTtreotder
nas uma expressáo "sôbre" uma questáo. Quando lhes falo:
.

"Por que há simplesmente o ente e náo antes o Na<là?", a in- O poder-aprender supõe o poder-investigar. Investigar é
tençáo dêsse perguntar e dizer não é comunicar-lhe, que agora o querer-saber esclarecido acima: a re-solução de abrir-se a
em mim se desenrola um processo interrogativo. De certo o um poder-suportar a manifestaçáo do ente. Visto que se trata
enunciado da questáo pode também ser encarado desta ma- para nós da investigaçáo da primeira questáo em dignidade,
ncira, mas entâo náo se atenüa precisamente para a investiga- tanto o querer como o saber sáo de índole particularmente ori^
cáo. Assim náo se chega a acompanhar a investigação nem a gindria. Por iss,o o enunciado da questd,o tanto menos traduzi-
investigar por si mesmo. Assim náo se desperta, de forma al- rá exaustivamente a questáo, mesmo se fôr dito de maneira
guma, uma atitude e rnuito menos um sentido de investigaçáo, autênticamente investigadora e ouvido de modo a acompanhar
que consisf,e num QtJEREI?-saber. O querer não é absoluta- a lnvestigação. A questáo soa em seu enunciado. Como toda-
mente um mero desejar e aspirar. Quem deseja saber, aparen- via nêle ela se enconi,ra também encerrada e envolvida, tem de
temente também investiga; mas náo vai além do pronunciar a ser primeiro clesenvolvida. A atitude de investigaçáo deve-se
questáo; Lermina justamente, quando a questáo começa. In- entáo esclarecer, assegurar e firmar pelo exercÍcio.
vestigar é querer-saber. Quem"quer, quem empenha tôda a Nossa primeira tarefa consiste, pois, em desdobrar a ques-
sua existência numa vontade, êsse esÚcÍ abertarnente re-solvido táo: "Por que há simplesmente o ente e náo antes o Nada?,,
(1). A decisão nada posterga, náo negaceia mas age a partir Em que direçáo se pod.erá f.azê-lo? Em primeiro lugar a ques-
do instante e sem cessar. 0'estar abertamente re-solvido não táo é acessÍvel em seu enunciado. Êle prop,orciona, por assim
consiste simplesmente em decidir-se â agir, mas é o princípio dizer, uma amostra sôbre a questáo. por isso sua formulaçáo
decisivo do agir, que antecipa e atravessa tôda ação. Querer é linguistica tem que ser correspondentemente ampla e pouco ri-
estar abertamente re-solvido [Reporta-se aqui a Essência do gorosa. Consideremos, sob êste ponto de vista, o enunciado de
querer à resoluçáo aberta. Â Essência, porém, dessa última re- nossa questáo. "por que há simples.mente o ente e náo antes
side no fato de a existência humana des-cobrir-se (20) à ilu- c Nada?". A frase contém um inciso. ,,por que há simples_
minaçáo do Scr e de modo algum numa potencializaçáo do mente o ente?" Com isso a questáo já está posta com proprie_

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Em fôrça de tôdas essas considerações agirÍamos bem, can-
dade. Pois à posiçáo de uma questão pertence: 1''t a indicaçáo celando clo enunciado de nossa questáo a Iocuçáo supérflua,
precisa do que se põe em questáo, i.é daquilo que se investiga, "e náo antes o Nada?" e lirnitanclo-o à forrnulação simples e
2.o a indicação daquilo em funçáo do qual se investiga o que rigorosa, "por que há simplesmente o ente?"
se póe em questáo, i.é aquilo pelo qual se investiga. Ora, em Nada a isso se oporia, se na Íormulaçáo da questão
nossa questáo se indica, com tÔda exatidáo, o que se investiga, ou simplesmente na sua investigaçáo, estivéssemos realmente
a saber o ente. Aquilo em funçáo do qual se investiga, aquilo táo livres e sem compr'omisso, como até agora terá parecido.
pelo que se investiga, é o por-quê, ou seja o fundamento. Logo, Na verdade, porém, ao invesligarmos a questáo, encontramo-
o que ainda segue no enunciado da questáo: "e náo antes o nos numa tradição. Com efeito a filosoÍia investigou sempre e
Nada?", é mais um apêndice, que numa linguagem introdutó- cada vez o fundamento do ente. Com essa questáo teve o seu
ria e pouco rigorosa se ajunta por si mesmo, com o qual nada princípio, nela terá seu fim, supoõto que chegue ao fim grân-
se acrescenba ao t€ma, seia aquilo que, seia aqutlo pelo que se diosamente e náo no estado de impotente decadência. Ora,
investiga. É um floreio de adÔrno. Até sem o apêndice, que desde o principio da questã,o sôbre o ente, que a acompanha a
só nasce da abundância de uut discurso impreciso, a questão questáo sôbre o náo-ente, sôbre o Nada. E isso náo apenas ex-
ganha muito mais em preci§ão e exatidáo: "Por que há sim- ternamente, como um fenÔmeno concomitante e acessório, mas
plesmente s ente?" O acréscimo, "e não anles o Nada?", náo a questáo sôbre o Nada se configura de acôrdo com a extensáo,
só, com vistas a uma formulaçáo rigorosa, se torna supérfluo, profundidade e originalidade correspondentes, com que se in-
como ainda mais, em razáo de náo dizer coisa alguma Pois vestiga a questáo sôbre o ente, e vice-versa. O modo de se in-
com efeito, o que se poderia ainda investigar no Nada? O vestigar o Nada pode valer como termÔmeiro e indicio do
?{ada é simplesmente nada. Aqui a investigacão iá náo tem modo de se investigar o ente.
nada mesmo o que procurar. Com a introduçáo Oo *u6', 6ntes Se se mediüa sôbre isso tudo, então a fórmula inicial da
de tudo, náo logrâmos o minimo que seja para o conhecimento questáo, "Porque há simplesmente o ente e náo antes o Nada?",
do ente. parece exprimir a questáo sôbre o ente de modo mais adequado
Quem fala do Nada, náo sabe o quc Iaz Quem diz algo clo do que a fórmula abreviada. O fato de introduzirmos a locução
].[aela, transforma-o, ao f azê-lo, cm alguma coisa ' Dizetldcl do Nada, náo é desleixo e redundância de estilo, como náo é
atgo, di-lo pois contra o qtle pensa. EIe se ccntra-diz a si uma invençáo nossa, mas apenas o respeito rigoroso pela,tra-
mesmo. Ora, um dizer, que se contradiz, insttge-se contra a cliçáo originária do sentido da questáo fundamental .
regra, fundamental de todo dizer' (logos); contra a "lógica"' Todavia falar do Nada continua a ser, em geral, repug-
Falar do Nada é ilógico. O homem, que f ala e pensâ de modo nante ao pensamento e destruidor, em particular. Como assim,
ilógieo, esta irernediàvelmente fora da ciência ' Quem dentro se tanto o cuidado em observar corretamente a regra funda-
da filosofia, onde a iógica tem a sua cidadela, fala do Nada, mental do pensamento, como o mêdo do niilismo, que deveriam
atinge-o a incriminaqáo de faltar contra a regra fundamental dissuadir rie falar do Nada, se lundassem ambos num equi-
ie todo pensamento, ainda mais duramente Um falar do voco? E assim é. Sem dúvida, o equívoco que aqui ocorre, náo
:.:{ada consta sempre de meras frases sem sent'itlt-i. :idei:rais, é casual . Basea-se numa incompreensão, de há muito reinante,
quem ieva o Nada a sério, coloca-se a favor do negativo' Fa- da questá'o sôbre o ente. E essa incompreensão provém de um
o espirito <le negaçáo e serve apenas âo esquecimento do ser, que mais e mais se consolida.
'orece evidenternente
aniquilamento. Falar do Nada náo sÓ é inteiramente contrário Tào reclondamente ainda náo foi decidido, que a lógica e
io pensamento, como solapa também iôda cultura e qualquer suas regras fundamentais possam servir de critério para a
jé. Ora, 'Jcsprezar o pensamento, em sua lei f undamental, questáo sôbre o ente, como tal. Poderia até dar-se o contrá-
:cmo destruir a vontade construtiva e a ftl, é puro niilismo'
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(pensa-se somenLe na poesia autêntica e de valor), em oposi-
rio: a saber, que tôda a lógica, que nos é oonhecida e tratadrr'
comoumpresentedocéu,sefundassenumadet'erminadarcs- çáo a tôda simples ciência, uma superioridade de espírito vi-
gorosa. Em razáo dessa superiori«lade o poeta fala sempre,
posta à questáo §ôbre o ente; assim poderia ocorrer, que todo
como se o ente se exprimisse e fÔsse interpelado pela vez pri-
parrru., que seguisse simplesmente as leis de pensamento da
meira. No poetar rlo poeta, como no pensar do filósofo de tal
ióglca tradicional, seria de antemáo incapaz de simplesmente
sorte se instaura um mundo, que qualquer coisa, seja uma
compreender por si mes[Io a questáo sôbre o enie e menos
ainda de desenvolvê-la realmente e levá-la a uma respostir' árvore, urna montanha, uma casa, o chilrear cie um pássaro,
geral a perde tôda monot,onia e vulgaridade.
Quando se invocam o princípio de contraCiQão e em
tógica, para provar que todo pensâr e falai do Nada é contra- Falar verdadeiramente do Nada ficará sempre algo de es-
ditório e por isso mesmo sem sentido, só se consegue, na ver- tranho. Nunca se deixará vulgarizar. Logo se dissolve, quan-
dade, uma aparên61a de rigor científico. Em tais casos a "Ló- do se põe no ácido barato e banal de uma sutileza meramente
gica" vale como unt tribunal, garantindo desd-e tÔtia a eterni- lógica. Por isso também jamais se poderá falar do Nada dire-
dade, de cuja cornpetôncia de ser a prirncira e últiir.ra iirslàn- tamente sem intermediários, como se descreve por exemplo
cia na administraçáo da iustiça nenhum homem razoávei na- uin quadro. r possÍvel porém frustrar a possibilidade de Íazê-lo.
turalmente duvidaria. Quem fala contra a lógica' torna-se. Permita-se, que cite aqui um trecho de uma das irltimas obras
portanto, tácita ou expressamente suspeito de arbltraricdade' do poeta Knut Hamsurn, "Após Anos-e Dias" (trad. alemã de
Faz-se então passar essa mera suspeita por'objeÇáo e pl'ova e i934, p . 464) . Tratâ-se de uma obra, que juntamente com "O
.se rtá por dispensado cle tôda reflexáo ulterior e pró1lria ' vagabundo do Campo" e "Augusto, o Navegador do mundo"
De fato náo é possível falar clo Nada e dêIe tratar, cotno constitui um todo " 'Após Anos e Dias" expõe os últimos anos
.se fôsse nma coisa, como a chuva lá fora ou uma montanha e o fim rie Augusto, que pcrsonifica a onipotência sem raÍzes-
ou simplesmente um obieto qtialquer. O Nada perlllanece, cm clo homern de hoje na forma, porém, de uma exisf,ência, que
princípio, inacessivel a tÔda ciência. Quem pretende falar ver- o extraordinário, por conser-
nã,o pôde percler as relações com
dadelramente do Nada, tem necessàriamente que deixar de ser var-se autêntica e superior em tôda a sua irnpotência deses-
científico. Isso só será uma grande perda, enquânto se fôr da perada. Em seus úlbimos dias Augusto vive solitário no cimo
opintáo, de que o pensar cientifico seja a única e a forma prÓ- de uma montanha. Diz o poeta: "Instala-se entre seus ouvidos
pria de pensamento rigoroso e de que sÔmente êle poCe e devt: e escuta o vazio verdadeiro. De todo curioso, uma alucinaçáo.
ser erigido em critério rlo pensament,o filosÓf ico. Entretanto No mar (antes Augusto havia viajado muito) se mexia (ao
as coisas e§táo ao inverso. Todo pensar científico ó quc é umr menos) alguma coisa. Havia um som, algo perceptível, um côro
formaderivadae,comotal,consolidadadepensamentofilo- de águas. Aqui, porém, o Nada sôbre nada. Náo hâ nada, nem
sófico. A filosofia nunca nasce da ciência nem pela ciência. sequer um buraeo. S(l se podc. balançar resignatlamente a
Tambémjamaissepoderáequipará-laàsciências.É-lhesantes cabeÇa".
anteposta e náo apenas "lÔgicamente" ou num quadro clo sis- Afinal com o Nada há de fato alguma coisa Ce especial .

temadasciêlrcias.Afilosofiasitua-senutlrdomirricenum Por isso retomemos o enunciado de nossa questáo para inves-


plano da existência espiritual inteiramente diverso Na mesma tigar profundamente e ver, se as palavras, "e não antes o
dimensáo da filosofia e de seu modo de pensâr sittra-se ape- Nada?" representam apenas um explgtivo insignificante ou se
nas a poesia. Entl'c"r,anto, pensar e poetar náo sáo por sua vez'
possui iealmente um sentido essencial na formulaçáo provi-
colsas iguais. Falar do Nada constituirá sempre para a ciência
sória da questáo.
um tormento e uma insensatez. Além do filósofo pode fazê-Io
Para êsse fim ateuro-nos primeiro ao enunciado abreviado,
ainda o poeta, ná.o certamente por haver na poesia' como crê o
em aparência mais simples e pretensamente mais rigoroso:
entendimento vulgar, menos rigor e sim por itlperar nela
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"Por que há simplesmenle o ente?" Ao investigarmos, a§sim, deve fundar o império do ente, como superaçáo do Nada. o
partimos do ente. Êsse é, é-nos dado, se nos depara e por isso fundamento investigado investiga-se entáo, enquanto funda-
mesmo está sempre em condiçõe§ de ser enc<intrado e nos é, até mento da decisã'o em prol do ente e contra o. Nada, ou dito com
certo ponto, conhecido. Cra dêsse ente que assim iá nos é dado, maior rigor, enquanto fundamento rla oscilaçáo do ente, que,
investigamos imediatamente por seu lundamento. A investi- em parte sendo, em parte náo sendo, no§ carrega e nos deixa,
o que Íaz com que nunca possamo§ pertencer inteiramente a
gaçáo avança diretamente para um fundamento Tal método
coisa alguma, nem mesmo a nós mesmos, não obstante seja a
não é, por assim dizer, senão a ampliaçáo e extensáo de um
existência ern cada caso minha (ie meines)
modo de proceder comumente exercido' Ern algum lugar de
.

um vinhedo aparece, por exemplo, a pulga de videira lncon- tA qualificaçáo, "em cada caso minha "significa: a exis-
testàvelmente, algo- de obietivamente dado (22) (Vorhande- tência nre foi outorgada, a fim de que meu próprio eu seja
ues). Pergunta.-se então: donde provém êsse fato? Onde está a existência. Existência, porém, cliz náo apenas o cuidado do
e qual é a razáo? De igual modo o ente em sua totalidade é ser do homem mas o cuidado do ser do ente, como tal, que
atgo de obietivamente dado. Pergurita-se pois: onde está e se re-.vela estàticamente no próprio cuidado. A existência é
qual é a razáo? Tal maneira de in'vestigar se apresenta na "em cada caso minha", isso náo quer dizer que seja posta por
forma sin€iela da pergunta" Por que há simplesmente o ente? mim nem que esteja isolada num eu separado. A eústência é
Onde está e qual é a sua razã'o? Tàcitamente se procura .um ELA MESIIIA a partir de sua REFERENCIA ESSENCIAL com o
outro ente superior. Todavia dêsse modo a questáo náo se es- Ser simplesmente. É o que significa a frase repetida com fre-
tende de forma alguma até o ente, como tal, em sua totalidade' qüência ent "Se.in unil Zeit": a existência pertence a compreen-
Se, porém, perguntamos a questáo no enunciado formula- sáo do Serl
do ao inÍcio: "Por que há §implesmente o ente e náo antes o Dêste modo se evidencia ,que as palavras, "e nâo antes o
Nada?", então o acréscimo impede que agitemos a questáo Nada?" náo sáo. cie fôrma alguma, um apêndice supérfluo da
imediatamente apenas no domínio do ente dado de antemão, questáo prÔpriamente dita, mas parte constitutiva e essencial
como algo de indiscutííel, e que, mal agitada, logo a prossiga- de todo o enunciado da questáo, que, em sua totalidade, ex-
mos, avançando em busca de uma razáo, que é um ente tam- prime uma questáo, de todo, diferente da que expressa a per-
bérrr. Ao invés disso se póe o ente em questão dentro da prÓ- gunta: Por que há o ente? Com nossa questão nos colocamos
prix possibilidade do não-ser. Dessa maneira o por-quê ad- de tal s,orte no domÍnio do ente, que êle perde tôda evidência
quire todo um outro poder, tôda uma outra acuidade de in- (23) (Selbstverstredlichkeit) CONIO ENTE. Pendulando entre
vestigaçáo. Por que se arrancou o ente à possibilidade do náo- os dois extremos da maior e suprema possibilidade, "ou ente ou
-ser? Por que não retorna sem mais e constantemente ao Nada", a própria questáo perde tôda base firme. Também a
Nada? Assim o ente já náo é o objetivamente dado, mas co- nossa existência, que investiga, entra em oscilaçáo e ne§sa
meça a oscilar, independente do fato de o conhecimento ou se sustenta e carrega a si mesma.
não com tôda certeza, de o apreendermos ou náo em tôda a Náo obstante, o ente náo se rnodifica por investigarmos.
sua extensão. Desde que o pomos em questão, é o ente, como Continua send'o o que é e tal como é. A investigaçáo é apenas
tal, qtte começa a oscilar. O arco dessa oscilação se estende um processo espiritual em nossa alma, que, como quer que se
até às raias extremas e máximas da possibilidade contrária, a clesenrole, não poderá nunca afetar o ente em si mesmo. Per-
saber até ao náo-ser e o Nada. Simultâneamertte se transfor- manece assim como se nos faz maniÍesto' E, entretanto, o ente
ma, de igual modo, a procura do por-quê. Já não se visa aduzir não pode despoiar-se do caráter questionável, que o torna digno
apenas uma razão explicativa também objetivamente daCa para de ser investigado, em razáo do qual poderia também IVÃO ser
o que é objetivamente dado. Proeura-§e ttm fundamento, que o que é e tal como é. Essa possibilidade náo a experimentamos,
5?
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corno algo, que acrescentamos ao ente com o pensament'o se- corrlo o grego lo.atl. O ente sigtliiica elir prilueiro luga!: aqlLilo,
náo, que o próprio enie a manifesta, i'é nela se manifesta, que em cacla caso é, assim no caso clo giz, essa mas§a branca,
como ente. A investigaçáo abre apenas o espaço para o enbe de forma determinada, leve e quebradiça. Em seguncio lugar,
poder revelar-se nessa sua investigabilidade (24) (Frag-wür- "o ente" significa, por dizê-lo assim, o que "faz" que o Inen-
digkeit) . clonado acima seja um ente e n:lo um náo-ente, aquilc que
.tinda é clemasiado pouco e muibo grotesco, o que sabemos no ente, quando o é, constitui o ser. Segundo essa dupia acep-
sôbre o processo de uma tal investigaçáo. Nela parecemos per- çáo da palavra, "o ente", o grego Ío orl indica muitas vêzes o
tencer totalmente a nós mesmos. E toclavla é a intsestigaçdo segundo significado, porlanto náo o ente em si mesmo, o que
d,essa questdn que nos põe a descoberto, posbo que ela se trans- é o ente, mas o fato de o ente ser, a elltidade, o ser-cnte, o
forme a si mesma questionando (o que bÔda questáo autêntica ser. Ao contrário, na primcira acepçáo, o ente designa tÔdas e
proporciona) e proiete por sôbre e através de tudo uma nova cada uma das coisas que sã'o, tudo que se refere a elas tnes-
dimensão. mas e náo à sua entidade, à ousicL.
Trata-se apenas de experimentâr as coisas, de qualquer A primeira acepção de to on significa ta ontrt (entla), a
vizinhança, tais quais sáo, sern nos deixarmos seduzir por teo- segunda, to einai (esse). Já enumeramos, o que, no pedaço de
rias apressadas. Êsse peclaço rle giz aqui é uma coise extensa, giz, é o ente. E o pudemo§ encontrar com relativa facilidade.
relativamente consistente, de determinada forma e cÔr branca, Aclemais pudemos ver fàcilmente, que 6 giz pode também não
e em tudo isso e eom tudo isso é ainda uma coisa para es- ser, que, em última análise, ná'o precisa estar aqui nem mes-
crever. Tão certo, corno lhe corresponde estar aqui, do mesmo mo simplesmente ser. Mas entáo, à diÍerença do que está no
rnodo lhe pertence poder náo estar aqui ou náo ter o tamanho ser, podendo poróm recair no náo-ser, à diferença, portanto,
que tern. Poder ser conduzido pelo quadr'o negro e gasto náo do ente, o que é entáo o ser? Será o ser a mesma coisa que o
é algo, que lhe acrescentamos apenas com o pensamento' Êle ente? Repetimos pois a pergunta novarnente. Mas, há pouco,
mesmo, como o ente que é, está nessa possibilidade, do con- náo enumeramos o ser. MencionaüIos apenas: massâ, branco,
tráriq náo seria um giz, qual instrumento para escrever na leye, de forma determinada, quebradiço. Onde 5s esgends sntáo
pedra. Corresp,ondentemente, todo ente traz consigo, de modo o ser? Sem dúvida terá êle, qlre pertencer ao giz, de vez que
diferente em cacla ca§o. uma tal possibilidade' Essa possibili- o giz é.
dade pertence ao giz. É êle que tem consigo mesmo determina- Com o ente nos deparamos ern üôda parte. Êle nos nodeia,
da possibilidade para determinado uso' Sem dúvida, na pro- nos leva e subju-ga, nos encanta e satisfaz, no§ eleva e decep-
cura dessas possibilidades estamos habituados e inclinados a ciona. Todavia em tudo isso, onde está e em que consiste o
clizer, que náo as vemos neur tocamos. É um prec'onceito ' Ser do ente? Poder-se-ia responcler: essa distinçáo, entre o
Afastá-lo pertence ao desenvolvimento da questáo. Por en-
quanto, porém, ela tem apenas de descobrir o ente em §ua ente e seu ser, pode ter sua importância linguística ou mesmo
semântica. Pode-se tealiza-la no simples pensamento, i.é re-
oscilaçáo entre o ser e o náo-ser. Reslstindo à suprema p'os-
presentá-la e entendê-la, §em que lhe corresponda no ente
sibilidade clo náo-ser, o ênte in-siste no ser, emborâ náo tenha
nunca ultrapassado e superado a possibilidade do náo-ser. algo, que seje ente. E mesmo assim, apenas pensada, é uma
Eis-nos falando de repente do ser e náo-ser do ente, sem rlistinçáo problemática, pois permânece selnpre obscuro' o que
havermos dito como, o que assim se denomina, se comporta se deva entender por "ser". Ademais basta conhecer o ente e
com o próprio cnte. Acaso serão a mesma coisa, o ente e seu assegurar o domÍnio sôbre êle. Pretender ainda distinguir-lhe
ser? Segundo essa distinçáo, 'o que é, por exemplo, nesse pe- o ser é algo artificial, que náo nos leva a nada'
daço cle giz o ente? Já a pergunta é ambigua, porque a pala- Sôbre essa pergunta favorita, do que se ganha com tal
vra "o ente" se porle entender de dois pontos de vista, tal distlnçáo, já fizemos algumas observações . (25\ Agora ilrle-

5B
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reSSa-nOS apenas nosso propósito. Perguntauros. "1r0r' quc ha
'talações. Por tôda parte encontraremos apenas entes e até
-simplesmente o ente e náo antes o Nada?" Na apar'ôrrcia, tam-
bém aqui, nos atemos exclusivamente ao ente e evitamos elo- dispostos numa ordem bem determinada. Mas onde esta o
cubrações vazias sôbre o ser. Todavia, o que investigamos pro- Ser dessa Escola Superior? Sem duvida ela é" O predio ri Se
priamente? Por que há o ente, como taMnvestigarnos pois o alguma coisa pertence a êsse ente, será o seu Ser, e :ráo l;bs-
fundamento de o ente ser, de ser aqurlo que é e não antes o tante náo o encontramos cientro do ente.
Nada. No fundo investigamos o ser. Mas como? Investigando Nem táo pouco consiste o Ser no fato de considerarmos o
o ser do ente. Perguntando ao ente por seu ser. ente. O edifÍcio está iá, lnesmo se náo o consideramos. Só
Se nos mantivermos deniro do rigor dessa questáo, ern poderemos depararmo-nos com êie, porque êle já "é". Àt1er-ri:,r"isi,
verdade já estaremos investigando, prêviamente, o ser em seu c Ser dêsse orédio náo p:rrece set' de forma algumá :r :rir :irnir.
fundamento, embora se tr:ate de urna investigacáo implícita e' coisa para toctros. Para nós, que o contetnplarnos ilu )lrr, pas-
ainda não se tenha decidido, se o ser não seria jâ em si mes- samos ao iado, ú difcrt;tie do que para os alunos. quu ijbl."io
mo fundamento e fundamento ba"stante. Pois. se pleiteamos sentados no interior. E nào só por o vereln cie cir:nt,rr:. ,,n:ts
para a questão do ser a primazia ern dignidade, será qne isso porque para êles o eclilÍcio é prÔpriamente ao.uiic u::tr: i e
poderá ocorrer, sem sabermos, o que há com o ser e como êle assirn como é. O Ser de t,ais edifÍcios se pode, por assim rÍizê-io,
se distingue do ente? Como poderíamos simplesmente procurar cheirar e, rnuitas vêzes, depois cle clecênios ainda se jhes r:on-
o fundamento para o ser do ente e muito menos ainda encon- serva o cheiro no nariz. O oriol nos dá o Sel dêsse ente^ de
trá-lo, sem termos concebido, entendiclo e aprendido suficien- modo muito mais imediato e verdadeiro, do que poderia trans-
temente o ser em si mesmo? Um tal propósito seria tão despro- uriti-lo qnalquer ci.escricào 9u inspecáo. Por ouir-o iado li petr-
vido de sentido, como se alguém quisesse averigua: a causa e sistência do edificio náo se apóia sôbre e,ssa ma[e-'ia odorante,
razáo de um incênclio, sem se importar conr sua origem, local que paira em algurÍr iugar.
e seu exame. O que há conr o Ser? Pode-se ver o §er'l Veillos r,r lttíe,
Assim a questão, "Por que há simplesmente o ente s n5a êsse giz;rqui. Àr:aso vernos o Ser. cr.rmo a côr, a luz. r) r'.*r,trrro?
antes o Nada?". nos obriga à questão preliminar, que a ante- Ou o ouvinros, cheii'ar}ios, saboieamos, tocamos? Ouvimos ;r
cede: o que hú com o Ser? motocicleta, seu bamiho peia rua. Ouvimos as gaiinhas sil-
Investigamos agora algo, que mal apreendemos, que para vestres passar ern arribaçào peia alta lioresta. PiÔpriamente
nós permanece um mero som verbal, e nos arrisca a tornat- ouvimos apenas o baruiho dc batel do motor; o ruidr:. rlue as
mo-nos vitimas, no desenrolar da investigaçáo, de um simples galinhas silve.stres razem. Ádtrtriets, ú mullu {ij.t'icii i: riiiii'. .ros
idolo de palavras. Por isso se torna tanto mais necessário es- ;usoiiLo descrevel d - uiu(J ?lru). polqur' ri,r. , .. .i"r, 1,ri, :ii()s
clarecer prêviamente, como está para conosco o Ser e a nossa cotnumenLe. Üom reiaçáo ao rjrrfiI]ies iuiii,, iruv]tilrr§ .irl|ilpre
eompreensão do Ser. Aqui é, antes de tudo, de importância ,Itois. Ouvimos a ave, quc 1'o:r, 'lDDUta rigolr-,santcttLr .ie uevir
.:i(iI'i ulllâ galinha srlveslre iliio t nrgo aurlivel, itigunta esDlrcrl)
. fazer, sempre de nôvo, a experiência de que nós não pódemos ie SOm, que se puciesse r':irli.rit lir.u'r[t cscaiit. E o mr';stttt):]r:*rri-:
if apreender em si mesmo e de modo imediato o Ser do ente, nem üoln os demais sentidos. I.rr:li:rri,rj rrrlu(lo, si:da. -rêino-io; .r,rlu
l[ no ente ou dentro do ente nem simplesmente em qrialquer mais, como eute de lal L,u,.lrr,ri laneirir. {,/ernos qut-.:rrn i: tii-
fl outro lugar.
ferente do outro. ir4m quc .'r'i u, i enl que ri:nsisle o ilÊr'?
Alguns exemplos nos háo de ajudar. Ali defronte, do outro
Iado da rua, está o prédio da Escola Superior. Algo que é. Temos de percorrer. ainda nlàis variadamente, o que Tcmos
Por fora podemos examiná-lo de todos os lados, por dentro ao nosso rertror e iembrar-,tos Co circulo rnais estreito e;nais
poderemos percorrê-lo todo, do poráo ao sótâo, registrando amplo que nos rodeia, :1o Aual nos encontramos, sai:eiidc; ou
tudo que se nos apresentar: corredores, escadas, salas e ins- sem saber, diàriamenLe e a {lâ{:ia hcra. Um círculo que '"rrârgà
continuamente seus limites. jlté lomper-se de repente.
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Uma grande tormcnta, que se levanla ttas rtttltttanhas "é", Tudo que rnencionamo§, seln clirvida "é" e todavia, ao que-
ou o que dá no mcsmo, "era" de noite. Etl qttc consiste o seu rcrmos apreender o Ser, occrre-nos -cenrpre como se pegássemos
Ser? no vazio. O Ser, que investiga1n(}:;. é quese como o Nada, em-
Unra cordilheira de montanhas, ao longo rlcltaixo tle um bora quiséssernos sempre reslslir c precavelmo-nos contra a
grandc cóu..., também "é". Em que cottsistc o st'tt St'r? Quân- atenqão de dizer qut'- tudo o clue "ó". NÃO E.
do e e quem êle se manifesta? Ao viajarrl,(', (ltt(' trtltrtit'lt a. pai- l\{as o Ser cor-rtjnua irrr}tossíveI de localizar, quase tanto
sagem ou ao camponês, que dcla e nela «:tlnsl,rrii sÍ'rr l,rabalho rluanto o Nada ou trestno irtteírcLmettte conlo o Nacle. Âssim a
diário,6u 26 rnstereologista, que deve rcdigir o bol't,irtr colll as palavra, "Ser" é, cle fato. âpcn:.rs unra paiavrl vrrzia. Não oiz
previsões .lp tempo? Quem dêsses aprcend0 o S('t'i) 'I\)dos e naCa de eÍetÍv<-1, palpávci, real . Sua significacão é um vapor
ncnhum. Ou acaso aquilo que êles apreendem nÍr cortlilheira imeal. Ào fim de contas Nietzsche tcm, pois, tôda razão, ao
de montanhas, debaixo de um largo céu, náo scjrr scttrur dcter- chamar êsses "conceitos suprernos" conlo Ser, "a riltirna fu-
minados aspectos dela, e náo a cordilhcira cm si trlt'snra, tal rnaça da realidade evaporante" (Crepirsculo dos deuses, VIII,
como ela "ó", quer dizer, não aprecnclcnr aclttilo t'ttt qtl() con- ?3). Quern ainda se disporia a cori'cr atrás do um tal vapor.
siste propriatnente o Ser dela? E qucrn ctlt,írt o :tprt'cndcria? cuja designaçáo verbal é o nome de um grande êrro! "De
Ou seria um contrasenso, contra o scllti(lo (io S('l', invcstigar fato, até agora nada teve um poder de persuasáo mais ingênuo
simplesmente, o que ela é em si por rletrás dlrrlttt'lcs:tspcctos? do que o êrro do Ser" (VIII, B0) .

Reside o Ser nos aspectos das coisas? um vapor e um êrro? O'que diz Nietzsctre aqui do
O portal de uma antiga igreja romana í'ttttt crtlrt'. Como Ser náo é uma observaçáo aciclental, lançada na embriaguês
c a quem se manifest2 g Ser? Ào perito tllrr lrlt,t', (lrr(' numa do trabalho preparatório de sua obra princip:I, nunca termi-
cxcursáo a visita e fotograla, ou ao abadc, (ltr('llor; tlias de nada. Trata-se da concepçáo do Ser, que o guia, desde os pri-
festa entra pelo portal, ern procissão com sctt.s tttort.it's, ou às meiros dias de seu esfôrço filosófico. É uma concepçáo, que
crianças, que, nos dias de veráo, brincam tt stt:t sotlrbra? O carrega e determina fundatnentalmente a sua filosofia. Essa
que há com rr Scr dêsse ente? ainda agora se tem preservado bern contra todos os torpes e
Ilrri Estado êle "é". Em que consisttl strtt St'ri) Estará néscios assédios da malta de escritores, que hoje sempre mais
-
no fato de a polícia prender um suspeito ou llo orrl,ro, de no proliferam em tôrno de Nietzsche. Infelizmente parece aiuda
ministério do Reich tantas ou quantas máqrtitras <lt: cserever rráo haver superado os piores abusos. Ao evocarmos Nietzsche
estarem batendo e recebendo os ditados dos sct:rt:t,át'ios de Es- aqui náo queremos ter nada a yer com tudo isso nem também
tado e conselheiros ministeriais? Ou o Estado "ó", na audiên- com uma cega heroicizaçio. A tarefa é demasiado decisiva e
cia do Führer com o Ministro do Exterior inglês? O I'lslltdo "é". sóbria, ao mesrno tempo, para fazê-io. Ela conslste no segu.in-
Mas onde se mete o Ser? Será que se esconde em alÍItttna parte? te: num ataque bem conduzido a Nietzsche propiciar um com-
f- A pintura de van Gog: um par de toscos sallatos campo- pleto desabrochar clo que foi por êle provocado. O Ser, um
i nêses, e nada mais. PrÔpriamente o quadro niro representa vapor, um êrro! Fôsse assim, a única conseqüência, que nos
1nada. Sem embargo, estamos iogo sozinhos crom o qrrc está ali, restaria, seria renunciarmos também à questáo, "por que hâ
I

i como se, numa tarCe iá adianl;ada de outono, voll,lisscmos can- simplesmente o ente e não antes o Nada?" Com efeito, o que
í': sado^s, de enxada na máo. do campo para casa ao âpa€iar-se o ainda pretenderia essa questâo, se aquilo, que ela pôe em ques-
último fogo das batatas. O que no quadro está scndo? A tela? táo, é apenas um vapor e um êrro?
' As pinceladas? As manchas da tinta? DÍz Nietzsche a Verdade? Ou será também êle apenas uma
Em tudo isso, que acabamos de mencionar, o que é o ser derradeira vítima de um longo error (26) e omissáo e COMO
do ente? Como nos encontramos e andamos pelo mundo afora, tal vítima, o testemunho desconhecido de uma nova neces-
r:om nossas idiotas presunções e espertezas! sidade?

62 63
sar tôda essa assombraçáo, como um Íantasma, a pergunta:
Reside no Ser Inesmo tÔda cssa cotrfusào? E liga-se à pró- para que? para onde? e o que agora?
pria palavra o fato de ficar ela tá'o vazia? Ou depcnde de nós
A decadência espiritual da terrx já foi táo longe, qire os
mesmos, de havermos decaído do Ser em nossÍI preocupaçáo e povos se vêem ameaçados de perder a última fôrça de espírito,
eaça do ente? Ou tudo isso náo está só em nós, os modernos, eapaz d,e os fazerem simplesmente ver e âvaliâr, como tal, a
nem também §ó em nossos antepassados, próximos e retnotos, decadêncla (entendida em su& relaçáo com o destino do Ser).
mas no qrte, desde o prirrcípio, perpas§â pela histriria do oci- Essa simples constataçáo náo tem nada a ver com pessimismo
dente? Um acontecimento, que os olhos de todos os historiado-
eultural nem tã,o pouco, como é óbvio, com um otimismo. Çom
res jamais atingiráo e que, no entânto. aconteceu onLcm, acon-
efeito o obscureclmento q-o-mundo, a fuga dos deuses, a des-
tece hoje e acontecerá amallhá? Como assim, se fôsse possivel
truição cla terra, â massificaçáo do honrem, a suspeita odiosa
que o homem, que os povos, em suas maiores atividades e afa-
contra tudo que é criador e livre, já atingtu, em torlo o orbe,
zeres, se ativessem ao ente e no entanto de há muito houves-
dimensões tais, que categorias táo pueris, como pessimismo e
sem decaido do Ser sem o saberem? Acaso nào seria êsse o
otimismo, de há muiüo se tornaram ridÍculas.
fundamento mais prolundo e poderoso de sna decadênt:ia? (Cfr.
Estamos entre tenazês. A Alemanha, estando no rrcio, su-
Sein und Zeit, § 38, eslrec. pP 179s).
porta a maior pressão das tenazes. É o povo que tem mais vi-
Tais sáo as questões, que í)qui levantamos nao acidental- zinhos e, dêsse modo, o mais ameaçado, mas, em tudo isso, é o
mente ou mesmo para o sentimento e â concepção dr'mundo. povo metafísico. Entretanto só poderá retirar para si dêsse
São questões, a que, nascida necessàriamen[c cir qut'st'lr.o prin- destino, de que estamos certos, uma missáo, se conseguir criar,
eipal, nos obriga a questão prévia: 'f oue há corn o St:r',)'Iaivez, etn si m,esmo, uma ressonância. uma possibilidade de ress.onân-
uma questáo sôbria. mas certamentc também uma quesuão de cia para êsse destino, concebendo sua üradiçâo de modo cria-
todo inútil . Aincia assim, u:n:la questdo. Á questáo: O Ser é dor. Isso implica e exige, que êsse povo ex-ponha Q7) Histõ-
uma simples palavra e sua significaqão um vâpor, orr constitui ricamente a si mesmo e a História do Ocidente, a partir do
o destino espiritual cio ocidente? cerne de seu acontecimento futuro, ao domÍnio originário das
Essa Europa, numa cegueira incurável selnprc a ponto de potências do Ser. Precisamente se a grande decisáo sôbre a
âpunhalar-se a si tnesma, se encontra llojc t:ntlc drtas grandes Europa náo seguir os caminhos da aniquilação, ela só poderá
1,enazes, iom il Ii,ússia de um lado e a Aln(lrica dc outro ' entáo seguir o caminho do desenvolvimento de novas fôrças
Rússia e .{méricir, consideradas metafisicamcnte' são ambas a espirituais-históricas a partir do centro.
Investigar: o que há com o Ser?
:ne,srna coisa: a ]tle§lna fúria sem i:onst)lrl illr' tccnir:» riesr:n- - náo significa nada
menos do que re-pettr (28) o princípio de nossa existência es-
ireada e rla organizacáo seln funclanreuto cio hometn normal'
plritual-Histórica, a Íim de transformá-Io num outro princípio.
Quando o mais aflrstado rinciro clo :lioho ',i'ict sitlo '":r;nquistado
lecnicarnente r: expio:adrl econômicalncttte: quando clttalqtlcr Isso é possÍvel. É até mesmo a forma matrlz de todo acontecer
'iuqar e a qualquelr tempo §3 tiver Hlstórico, por arrancar do econtecimento fundamental (Grund-
icontecimento em qualqtter
geschehnis). Um princípio, porém, náo se re-pete, voltando
iornado acessivei cottr qualquer rapidez;: quando um atentado para êle, como algo de outros tempos e hoje já conhecido, que
.'r. um Rei ns, França e unl concêrto sinfônico em Tóquio poder
meramente se deva imitar. Um princíplo se re-pete, delxan-
ser "vivido" sitauttâneamente; quancio tempo significar apenas do-se, que êle prlnciple de nôvo, ile nodo origind,rio, com tudo
::apidez, .lnstantaneidade e §imulLaneidade e o fempo, como o que um verdadeiro princípio traz consigo de estranho, obs-
.História, houvet' riesaparei:ido cia ex;stência de todos os povos; curo e incerto. Re-petiçáo, tal como a entendemos, será tudo,
quando o llugiii:si,;i ,'itier', como o grande homem de um povo; só nã,o, uma continuaçáo melhorada do que tem sido até hoje,
iluando as *lfrâ:; *:nr nlllhõcs dos comrcitls de massa forem um reallzada qom os melos de hoje.
',riunio. - entâo .iustarnente entáo colltin'üa âlnda a atraves-
65
$4
A questáo: O que Eá com s Ser?, acha-se tncluÍda, com"o além do arco de valldez dêsse concelto unlversalisslmo de "ser",
questão prévia, em no§sa questão condutora: "Por que há sim-
já náo há, no sentido rigoroso da palavra, nada, a partlr do
plesmente o ente e náo antes o Nada?". Ao propormo-nos qual pudesse ser ainda mais determinado. O concelüo de Ser
é de uma suprema universalidade. O que, ademais, corresponde
agora perseguir o que está em questão na questáo prévia, a
saber o §er, mostra-se logo a sentença de Nietzsche em §ua também a uma lei da lógica, que diz: quanto mals extenso
plena verdade. Pois, considerando devidamente, o que mais fôr a enverga,dura de um conceito e o que serla mals ex-
significa para nós o Ser do que um mero som verbal, uma tenso do que o conceito de "Ser"? - tanto mais lndeterml-
nado e vazio o seu oonteúdo. -
significaçáo indetermlnada, e táo incapaz de se pegar' como
o vapor? Sem dúvida Nietasche üomava o seu juízo num sen- Essas considerações sáo para todo homem que pensa nor-
tido puramente negativo. Para êle o "Ser" é uma ilusão, que mâlmente nós todos queremos ser homerrs normais ime-
nunca deveria ter ocorrido. O "Ser" indeterminado, flutuante, diatamente- e sem qualquer restriçáo convincente. A -questáo
como um vapor? De fato é assim. Mas náo nos queremos es- agora porém é a de saber, se a proposiçáo do Ser, como o con-
quivar a êsse fato. Ao contrário, devemos procurâr esclare- ceito mais unÍversal, atlnge-lhe a Essenclallzaçáo ou se náo a
cer-lhe a facticidade, para atingir o panorama de sua imensa deforma de antemão e tanto, a ponto de tornar, sem perspec-
importância. tiva, qualquer lnvestigação. A guestáo consiste precisamente
em saber, se o Ser pode Íaler apenas, como o conceito univer-
Com nossa investigaçáo penetramos numa palsagem, cuja
salísslmo, que se apresentâ, inevitàvelmente, em todos os con-
pressuposiçáo fundamental, para poder ficar nela, é reconquis-
ceitos particulares, ou se o Ser é de Essenciallzação totalmente
tar para a existência Histórica solidez de fundamento. Temos
de investigar, por que êsse fato de o "Ser" continuar para nós
diÍerente e assim, qualquer outra coisa, só náo o objeto de
uma "ontologia", suposto que se tome essa palavra no sentido
um vapor verbal, insiste preclsamente hoje? Se e por que iâ
tradicional.
vem persistindo de há muito? Temos de vir a saber, que êsse
fato náo é tão inocente como, à vista de sua prlmeira consta- O título "ontologia" cunhou-se sômente no século XVII.
taçáo, parece. Pois, em última análise, êle não reside em con- Deslgna a elaboraçáo da doutrina tradiciorial do ente numa
tinuar a palavra Ser para nós um som e seu significado um disciplina da filosofia e num membro do sistema filosófico. A
vapor, mas em termos nós decaído do que diz essa palavra e doutrina tradicional, porém, é a análise e sistematizaçáo aea-
em náo podermos reencontrá-lo de nôvo; é sÔmente por isso dêmica do que, para Platão e Arlstóteles e depois_para Kant,
e, por nenhuma outra tazáo, q:ule a palavra Ser já náo indica constituia wa QUESTÃO, embora já náo mais originária.
nada, que, ao querermos pegar, tudo se dissolve, como pôças Nesse sentido, ainda hoje, se emprega a palavra, "Ontologia".
de nuvens ao sol. Por ser assim, irusestigarnos o Ser. Elnaesti- Sob êsse título a filosofia empreende cada yez mais a constitui-
gamos, porque sabemos, que a verdade jamais caiu, de gtaça, ção e exposiçáo de uma matéria dentro de seu sistema. A pala-
no regaço de nenhum povo. O fato de também agora ainda vra "Ontologia" pode ser tomada também em "sentido amplis-
não se ter podido nem querido compreender essa questáo, em- slmo" "sem referência a correntes e tendências ontológicas"
bora se investigue, de modo ainda mais originário, isso náo (Cfr. Sein und Zeit, L927, p.11). Nesse caso "ontologia" significa
the tira nada de seu caráter inadiável. o esÍôrço de traduzir em linguagem o Ser mas através da ques-
De certo poder-se-ia aduzir novamente a ponderaçáo iá de táo, o que há com o Ser (náo apenas com o ente como tal). Até
há muito conhecida e aparentemente profunda e superlor: a agora, porém, essa questáo não encontrou repercussáo nem,
de que o "Ser" é o conceito mais universal. A envergadura de menos ainda, ressonância m&s se vlu, até mesmo, repeUda ex-
pressamente pelos diversos cÍrculos de eruditos da Íilosqfia
sua validez se estende a tudo e a cada coisa, até ao Nada, que,
enquanto pensado e dito, "é" também alguma coi§a ' Assim, acadêrnica, que se esforçam por uma onüologia em §entldo tra-

0?
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dlctonal. Por l§so serla conveniente renunclar no futuro ao ção com a quesüáo histórica sôbre o destino da terra mas, mui-
uso dos têrmos "ontologia", "ontológlco"' Modos de lnvestlga- to por longe, e de maneira muito mediata, de forma alguma,
ção, separados entre si por todo um mundo, como só
agora §e porém, a tal ponto, que a posiçáo fundamental e a atitude da
constata corn maior clateza, também não devem levar o mes- nossa lnvestigaçáo pudessem ser, imedlatamente, determinadas
mo nome. pela História do espÍrito da terra. E üodavia tal conexáo existe.
Inuestigamos a questâo: o que há com o Ser? Qual é o Visto que nosso propósito é pôr em movimento a investigaçáo
Sentido do Ser? IVãO para constituir uma ontologia de estllo da questáo prévia, vale agora mostrar, que, e em que medida a
investigação dessa questáo se movimenta direta e Íundamen-
tradicional nem táo pouco enumerar criticamente os erros dâs
tentativas anteriores nesse sentido. É algo totalmente diverso. talmente em meio à questáo decisiva da História. Para tal fim
Trata-se de enquadrar a existência Histórica do homem, o que
laz-se mister antecipar, na forma de uma afirmaçáo, uma
perspectiva essencial.
implicatambémnossaprópriaexistênciafutura,natotalidade
da História a nós destinada dentro do poder do Ser a ser des- Afirmávamos acima: a investigaçáo da questáo prévia e,
coberto originàriamente. Tudo isso naturalmente nos limltes com ela, a investigaçáo da questáo fundamental da metafísica
apenas da capacidade da filosofia. é uma investigaçáo inteiramente Histórica. Mas, dêste modo,
a metafísica e a filosofia simplesmente náo se converteriam
Da questáo fundamental d'a metafísica: "Por que há sim- numa ciência histórica? A historiogrefia pesrluisa c tempora,l"
plesmente o ente e náo antes o Nada?" extraímos a questd'o enquanto a filosofia investiga o que se situa. acima do tempc.
pr'éuia: o que há oom o Ser? A relação de ambas as questões A filosofia só é histórica, enquanto se realiza, como tôda obra
rtecessita de um esclarecimento, pôsto ser de índole tôda pró- do espírito, no curso do tempo. Mas, nesse sentido, a caracteri-
pria. Habitualmente, uma questão prévia se absolve autes e zaçáo da investigaçáo metafÍsica, como histórica, náo pode de-
fora da questáo principal, embora, em estrlta relaçáo a, ela' terminar a metafísica. Diz apenas algo de evidente. Por Ísso a
Questões filosóficas, porém, jamais poderáo ser' em
princípio, afirmação ou será insignificativa e supérflua ou então impos-
resolvidas no sentido de as podermos, algum dia, extinguir' sível, por confundir espécies de ciência, fundamentalmente di-
A questáo prévia nãn se acha aqui, de forma alguma, fora da ferentes: filosofia e historiografia.
qruitáo fundamental mas lhe constitui a fornalha ardente, a Sôbre isso deve-se dizer:
lareira de tôda a investigação. Isso quer dlzer: pâra a lnves-
tigaçáo da questáo fundamental, tudo depende de tomanmos' 1. MetafÍsica e filosofia, não sáo, de Íorma alguma. urna
investigando-lhe a questão préuia, a poslçáo fundamental de- ctência nem poderáo vir a sê-lo, pelo faüo de ser a sua inves-
clsiva e de alcançarmos e garantirmos a atitude nela e§sencial. tigaçáo fundamenialmente Histórica.
Por isso pusemos a questáo do §er, em conexo com o destino
da Europa, onde se decide o destino da tcrra, enquanto para 2. A historiografia, por seu lado, náo determina, por ser
a própria Europa nossa existência Histórica se demon§tr&, ciência, a referência originária com a llistória mas, ao con-
como o
centro. trário, sempre pressupõe Lal referência. E, sõmente, por essa
A questáo Perguntava: razáo, a historiografia pode desfigurar, interpretar errado e
O §er é uma simples palavra e seu slgnlflcado, um vapor degradar a um simples conhecimento de antiquariarlo a refe-
ou, o que se entende com a palavra "Ser", abarca o destlno es- rência com a História, que é, em si mesma, sempre Histórjca,
pirltual do ocidente? ou por outro lado, pode também oferecer à relaçáo com a His-
Para muitos ouvldos a questáo poderá soa'r de modo for- tória, já instituída, perspectivas essenciais e permitir experi-
poder-se-ta imaginar' mentar a História em sua constringência. Unra referência, His-
çado e exagerado; pois, quando muito
que a discussáo da questáo do Ser devesse ter também rela- tóriçs 6s nossa existência Histórica Çom a História psde tor-

68 69
(29) dc um conheclmento' Mas Mas ainda nc falta a perspectiva essencial de saber, em
nar-se obJeto e configuraçáo que medida essa investigaçáo, em si mesma Histórica, da ques-
iãã É..ri" sê-lo. Adem&ls, nem tôdas as reÍerênclas com a
e tão do Ser traz consigo uma correspondência intrinseca até
iirrto-J, pãot* vir a ser obJeto configuraçáo de ciêncla e'
nun- mesmo com a História Universal do mundo. .A.cima diziamos:
piã"it".ã"t", &s essenclais náo o podem' A hlstorlografia
sôbre a terra por tôda parte acontece um obscurecimento do
í"-poá..a lnstaurar a referêncla Hlstórica com a História. §ó mundo, cujos processos Essenciais sáo: a fuga dos deuses, a
páa'"ra cada vez llumlnar, justlÍicar critlcamente uma refe- destru.ição da terra, a massificaçáo do homem, a primazía da
rêncta Já instltuída, o que' sem dúvida, para a exlstêncla Hls- mediocridade.
tórlca de um povo consclente é uma necessldade esseneial. O que significa mundo, quando Íalamos de obscurecimento
Portanto náo se trata nem de algo apenas "útll" nem de al- do mundo? Mundo é sempre mundo espiritual . O anlmal não
guma colsa só "vantajosa"' Or&, de vez que sÔmente na filo-
itilerenga ile qualquer ciêncl'a - se edlflcam sempre
tem mundo nem ambiente mundano. Obscurecimento do
sofla
- à
as reÍerênclas esmncials com o ente, por lsso es§a referência
n:undo inclui em si uma DESPOTENCIAÇÃ,O DO ESPÍRITO,
sua dissoluçáo, destruiçáo, desvirtuamenüo e deturpaçáo. Tra-
pode, até deve ser para nós hoje uma referência origÍrÍàrla-
temos de esclarecer essa despotenciaçáo do espírito num de
mente Htstórlca. seus aspectos, no aspecto da deturpaçáo do espírito. Dizíamos:
Para se compreender nossa afirmaçáo, de que a lnvestiga- a Europa já entre tenazes, constituídas rlela Rssia e a Amé-
ção "metafísica" da questão prévia é inteiramente Histórica, rica, que metafisicamente, a saber com relaçáo a sua atitude
tleve-se conslderar, antes de tudo, o seguinte: História náo sig- (iiante do mundo espiritual e do espírito, sáo ambas a mesma
nlfica para nós o passado; pois êsse é justamente o que já coisa. A situaçáo da Europa é tanto mais perigosa, porquanto
náo acontece. Histórta também não é, e multo menos, o sim- a despontenciação do espírito provém dela própria e se con§-
ples presente, que também nunca acontece mas apenas "passa", tituiu definitivamente, embora já viesse sendo preparada
aparece e desaparece. História, entendida, como acontecer, é o antes -
na primeira metade do século 19, por sua própria
agir e sofrer pelo presente, determinado pelo futuro e que a§- -,
situaçáo espiritual. Entre nós aconteceu mais ou menos no
sume o pretérito vigente. O presente é precisamente o que, no tempo, que se costuma chamar brevemente "a queda do idea-
acontecer, desaParece. lismo alemáo". Essa fórmula é, por assim dizer, um escudo
A investigaçáo da questão metafÍslca fundamental é His- atrás do qual se protege e esconde a f.alta de espírito, que iá
tórica, porque desdobra o acontecer da existêncla humana em desponta, a dissoluçáo dos podêres espirituais, a recusa, de tôda
suas referências Essenclals, a saber com o ente, como tal na investigaçáo originária dos fundamentos e de qualquer depen-
totalidade, segundo posslbllldades imprescrutadas, l.é futuras dência dêles. Pois, com efeito, o que aconteceu náo foi a der-
(zu-küntte) (30) e asslm também as religa ao princípio de rocada do idealismo alemão mas sim a época já não era forte,
seu pretérito vlgente, dando-lhes, dêste modo, pêso e perspicá- o bastante, para se conservar à altura da grandeza, enverga-
cla no presente. Nessa investigação, nossa existência se inte- dura e originariedade daquele mundo espiritual . Já náo pos-
gra em sua História no pleno pentido da palavra e é chamada suía fôrças suficientes para realízít"-lo verdadeiramente, o que
á te. orn" consciência Histórlca ê uma decisáo dentro da His- sempre significa coisa muito diferente do que aplicar simples-
tórla. E lsso náo ocorre, como um corolário, no sentido de uma mente frases e princípios. A existência começou, entáo, a des-
medlda útll para a moralidade e concepção do mundo mas Es- lisar para um mundo §em a profundidade, que restitui e atri-
senclalmente no sentldo de ser a posição Íundamental e a ati- bui ao homem, o que lhe é essencial, e assim o constringe à
tude da lnvestlgação em si mesma, em sua Essencializaçáo, His- superioridade e o faz agir conr jerarquia. Tôdas as coisas es-
torica: está e se sustém no próprlo acontecer. Desenvolve-se a corregaram para um mesmo nível, para uma superficie que,
partlr e em função dêle. semelhante a um espelho oxidado, iá náo espelha, nada re-

?0
7l
flete. A dimensáo dominante tornou-se a da extensão e do qualquer dêsses casos o espÍrito, desvirtuado em inteligência,
número. Capacidade iá náo significa a potência e prodigali- se tolna a superestrutura impotente de uma outra coisa, que,
dade, advindas de uma alta superabundância e do domínio das por ser desprovida ou mesmo hostil ao espÍrito, se apresenta
fôrças, mas, do exercÍcio de uma rotina, suscetivel cle ser cntáo, como o real prôpriamente dito. Se, a par do marxismo
aprendida por todos e dependente §empre de certo suor e e§- na sua forma mais extrerna, se tem o espírito, como inteli-
Íôrço. Ora, tudo isso se intensificou, então, na América e na gência, entáo nada é mais justo do que dizer-se, em contra-
Rússia, chegando-se à padronizaçáo desmedida de uma série t
posiçáo, que ô espírito, enquanto inteligência, deve sempre
progressiva do sempre igual e equivalente, a ponto de o quan- permanecer, dentro da ordem da fôrças ativas da existência,
titativo se transformar numa qualidade própria. Desde, entáo, subordinado à capacidade de um corpo sadio e ao caráter.
vigora. o domínio da média do equivalente, que já náo é algo Entretanto, essa ordem deixa de ,ser verdadeira, tão logo se
sem importância e meramente vazio, mas a avalanche de uma conceba a Essencializaçáo do espírito em sua verdade. Com
fôrça, que, em s,eu ímpeto, destrói tôda ierarquia e todo mun- efeito tôda verdadeira fôrça e beleza do corpo, tôda segurança
clo espiritual e os faz passar por mentira. É a avalanche do e ousadia da espada como também tôda autenticidade e en-
que chamamos o demoniaco (no sentido de uma nialdacie des- genho do entendimenbo têm suas raízes no espírito e só experi-
truidora). Juntameníe com a desorientação e insegurança da mentam elevaçáo ou degradação numa eventual potência ou
Europâ, em si mesma e contra si mesma, hir várlos indícios tlo impotência do espírito. O espírito é sempre o fundament'r e o
surto dessa demonia. Um dêles é a despotenciação do espirito vigor, o prirneiro e o últirno e náo unr terceir,c fator apenas
no sentido de seu desvirtuamento. Urn acontecimento, ern cujo Índispensável.
centro, ainda hoje, nos debatemos. Vejarncs l:revtrni.r:níe êsse
ctesvirtuamento do espirito na perspectiva de quatro ân§ulos. 3. Logo que essa desfiguraçáo instrumental <lo espÍrito se
- a recâem
impõe, os podêres de todo aconfecer espiritual poesia e a
1. Decisi-vã é a ;ransforriaçáo do e ,'it"iui;' tr'r I'YTE"[-I- arte plástica, a constituiçáo do Estado e a religiáo
- cons-
GÊNCÍA: qual seia a simples habilidade or,r per'íciil i'rii cxâ'111€, no âmbitrr d.e uma nossivêl assisíência e planeiamenín
no cáiculo e na avaliaçáo das coisas dadas, com vistas a urna cientes, ao mesmo i;empc, em que sofrem urra disposiçao en-r
possível transformaçáo, reprodução e distribuiçáo erc mas§a, regiões " O mundc do espíri'co se transforma em euliura, em
snjeita em si mesma à possibilidade de um'.r organizaÇão. o que c,uja criaçáo e conservaçáo o indiviciuo prociira, âí--. §lesrno
não vale pâra o espíricc,. Tocio o literatisi;io e estetismo sáo l,ernpo, aperfeicoar-se a si lnesrrro. Ar; r'*tirir-.e eia r-:ulL*r'a. se
apenas umâ. conseqüência ulterior e uma áegenerescência dlo tornafil setores de afi::macão +: ativrriatie lrr.'rel ri;-' á.íl;iJ;'alll

espirito falsificado em inteligência. 0 ?nero engenho, o apenas corl a importância, que valenl, e§t&irctecem Dar'â. iii ine§jÍnÍr§
espirituoso, é aparência de espirito e a teniativa de esconder os seus critérios. Denominam-.sc o( critérios dessa validez de
a sua ausência,. produçáo e uso. valôres. Os valôres culturais só poriern ga-
lantir para si mesmos importância dentro de uma dada culru-
2. Cr esltiritc, assim falsificado em inteiigêncla, se de- ra, concentrando-se e limitando-se a si mesmos a sua pró*
grada aíÚ íes{,âla'i"para o papel de um instriilitettto;.. lll.:vl,"lo cie pria validez: poesia pela poesia, arte pela arte, ciência pela
outro, cujo mnnejc é suscetíve1 d* scl en::;''il''di: i: nprr'rrr<iido' ciência.
Âgora é indiferenle, se êsse serviÇo ela inltiigência se tlestina No caso da ciência que aqui na uuiversidade nos inte-
ou serve simplesmente à orclenar;áo raciorra' c expitcaçáo 'de -
lessa de modo particular pode-se constatar fàcihnente o
ttrdo que eventualmente iá é dado e pôsto icomo no positivis- - que até hoje, apesar de nruitas
estado dos últimos dez anos,
rno), ou ainda, se o serviço da inieligência sc' realiza na con-
cluçáo organizada da massa e da raça de ttin povo ' É que ern melhoras, ainda permanece inalterado. Quando ültimamente

72 73
duas concepções, aparentemente diversas de ciência parecem cultura. O espíriüo, como inteligência a serviço de um fim, e o
combater-se mütuamente, a saber, a ciência entendida, como espÍrito, como cultura, torna-se por fim peças de ornamentação
competência profissional, técnica e prática e a ciência inter- e aparelhagem que, entre muitas outras, se expõem püblica-
pretada, como valor culturat em si na realidade movem-se mente para se demonstrar qu.e ndo se deseja negar a eultu-
-
ambas na mesma rota de decadência de um desvirtuamento e ra nem se quer ser bárbaro. O comunismo russo, após uma
despontenciaçáo do espírito. Âpenas num ponto distlnguem-se atitude inicial puramente negatiya, logo passou a adotar tais
entre si, porquanto a coneepçáo técnico-prática da ciência, táticas propagandistas.
como especializaçáo, pode alardear a seu favor a vantagem de Contra êsse desvirtuamento múltÍplo do espírito caracte-
uma aberta e clara coerência dentro da situaçáo atual, en- rizamo-lhe a Essêncializaçá,o do seguinte modo (prefiro a for-
quanto a interpretaçáo reacionária, ültimamente de nôvo em mulaçáo feita em meu discurso reitoral, por se achar tudo re-
voga, ao entender a ciência, como um valor cultural, procura sumido numa forma concisa, própria para a ocasiáo): ..O es-
encobrir a impotência do espírito com uma espécie de mentira pírito náo é nem a sutileza vazia nem o jôgo sém compromis-
inconsciente. A confusão da falta de espírito pode estender- sos da engenhosidade nem táo pouco o exercício desmedido de
se mesmo até ao ponto de a interpretaçáo técnlco-prática da análises intelectuais nem mesmo a razáo universal. O espírito
ciência chegar à tazer profissáo de cultura e converter-se tam- é ex-posição sapiente, originàriamente disposta, (31) à Essen-
bém em. ciência, como valor culturai, de sorte que ambas as cializaçáo do Ser" (Discurso Reitoral, p. 13). Espirito é a po-
concepções se entendem muito bem entre si na mesmâ ausên- tenciaçáo das potências do ente, como tal na totalidade. Onde
cia de espÍrito. Se se pretende chamar de universidade essa domina o espírito, o ente se torna, como tal, sempre e cada
instituiçáo, que, do ponto de vista da doutrlna e investigaçáo, vez mais ente. Por isso investigar o ente como tal, na totali-
unifica as várias ciências especializadas, entáo tal intento é dade, a investigaçáo da questáo do Ser, constitui uma das
apenas um nome e iamais um poder espiritual constringente e condições fundamentais e essencis,is para despertar o espirito
originàriamente unificante. Âinda hoje vale da universidade e com êle o mundo originário da existência Histórica. para
alemá o que disse aqui em 1929, por ocasiáo de meu discurso refrear o perigo do obscurecimento do mundo e para assumir
inaugural: "Os dominios das ciências estão, por demais, sepa- a missão Histórica de nosso povo, que se acha no centro do
rados uns dos outros. O modo de tratar scus objetos é funda- Ocidente. Só nessas grandes linhas podemos esclarecer aqui,
mentalmente diferente entre si. trissa multidão esfacelada de que, e em que medida a investigaçáo da questáo do Ser é,
disciplinas se conserva ainda aglutinada apenas pela organi- em si mesma, inteirarnente Histórica, e que, por conseguinte, a
zaçá,o técníca das universidades c faculdades e mantém um questáo, se o Ser continua para nós um mero vapor ou se cons-
significado sÔmente em funçáo dos fins práticos das matérias ' titui o destino do Ocidente, é algo muito diferente de um exa-
Mas a implantaçáo das ciências no solo de seu vigor já fene- gêro e uma fôrça de expressão.
ceu" (Was ist Metaphysik, 1929, p. 8). A ciência em todos os
seus setores é hoje uma questáo técnica e prática de adquirir Se, portanto, a questáo do Ser possui êsse caráter Essen-
e transmitir conhecimentos. Dela, como ciência, náo poderá cial de uma decisáo, entáo devemos, antes de mais nada, levar
partir nunca um despertar do espírito. É 'de espírito que ela a sério aquilo que lhe confere sua imediata necessidade: q fato
própria necessita. de ser para nós o Ser efetivamente quase uma simples pala-
vra e seu significado, um vapor flutuante. Tal fato náo é
4. A última desfiguraçáo do espírito se funda nas falsi- simplesmente alguma coisa, diante da qual estamos, como algo
ficaçóes anteriores, que interpretam e representam o espírito, estranho; alguma coisa que apenas pudéssemos constatar, como
como inteligência, essa, como instrumento a servlço de um um dado, em sua presença objetiva. T?ata-se de algo em que
fim, e êsse, de parceria com â produtividade, como domÍnlo da nos achamos. É urn estado de nossa existência, embora náo

74 75
entendido, naturalmente, no sentido de uma qualidade, que gados agora, quando vamos explicar, em sua importâncla, o
pud,éssemos apresenüar psicolôgicamente. "Estado,, significa fato da evaporação do Ser, a partir de reflexões linguísticas.
aquÍ tôda a nossa constituiçáo, a maneira como nós mesmos
nos constituimos com referência ao Ser. Náo está em jôgo a
psicologia mas a nossa História numa acepçáo Essencial . euan-
do classificamos de um "fato", que o Ser seja para nós hoje NOTÀS
uma simples palavra e um vapor, trata-se de uma classifica-
r;ão muito prôvisória. Corn isso estabelecemos e configuramos (1) .EN?E-SEIENI?ES: Ente é um substantivo emtlito. tlerivado
trl,-"gn_s, entis_", par{icipio pres€nte tlo verbo,..esse (= ser). e do le-
}árriú
:lpenas o que ainda não foi, de modo algum, perlsado, parâ o orif,inâria cra "scns", conservada ainrla em.,prac-sens. ab-sens', e talvez
tamtétn ern "con-srns". Em porluguês o. vcrbo,-scr, é defectivo no paúi-
qual ainda náo temos um lugar, embora dê a aparência de ser clpio- presenle. Dai-a derivação dafornra erudiia, eirte. diretanrente Aã-sú
turn fenômeno dentro de nós homens, ,,em,, nós _ como se congênere latina. No uso da'-linguagem é urrr substantivo pnu"o iic[ú""iã,
substituido. quasc sctr)p11' pelo-_infiriitô substantivado, seL.^Assi,r niirÀneni
costuma e.gosta de dizer. tluase diz hoje "os cnles vivos" rnas "os ser.es vivos',. Mesnlo nâ filo-sofia
Írtê.Ileidrggari a.4istinção t'ntr.e ente e ser.não era ligorrrsa. X, ieii.,-e"ie
O fato particular de se constituir para nós o Ser numa pa- (Seiendes, significa turlo arluilo qrre sirlplesnrenle i,, indifuretrlc á seri
rnodo 1lróprio de sc,r. AssiD-r o horrrenr, as coisas, {)s Írcolltecilnonlos. as
lavra vazia e num vapor flutuante, pretende-se enquaclrâr no itléias, trrdo, até nresrrro o Nada, cnquant() e rrnr Natltr, súo entrs. ye.iu-se
Iato mais geral, de que muiías palavras, e justamente a Introduçôo, pá9. 10ss.
as
cssericiai;, ;e acham íto firêorllo crlso ou seja a linguagem sim- (2) EXISTÊ,NCIA-DÁSEIN: Com a palavra, exislência, traduzimos os dois
têrmos técnicos da F'ilosofia- de .Heirlegger, ..Dasein,, e .,Eiistenz;,. be;iÁ-
trtlesmerr.t, jL t:sba gâsíú" e abusaria 1,.:r., ti:reio rie cornunieação nam ambos, sob âspectos diferentes, o mod.o de ser especifico c exclusivo
inciispensável mas sem nobreza, apiicavel arbitàriarnenüe, ião do homem. Ncsse senlido só o homem existe. Dizer-se. Dfótanto. cue.le-
terminado ente nâo cxiste, significa tao sõmcnt",-qúã' fiáã--a'i'"si,rá""
indifei'en're corno os transportes públicos, como os boncles, em modo de ser próprio do homem. Vejâ-sq a Introduçáo, pág. 11ss " "
que qi;aiqiicr'urri sobe e desce. i\a linguageirn, loclo mundo es_ (3) §ER=S.E"IrIÍ: Ser, cscrilo sclr)pre com maiÍrscula, significa a diferencn
creve f: ialr dtsimpedri.lll e pri;lr,i:air.:rrnic seln nenhunr peri_ onlológ'ica, isto é a difcrcnça, coito tul, clltre o (tnt(, (. scil sor. \'e.iâ-se'â
Intrdoução, pá9. 11ss
:j-'al. lJ I i rr Í,
': ttt:t:L', 1:,:'!'tla\r:e. lit-ri:r,r.rLní.o potitiuissititos
a_peilD,s sã;, (4) áBSPÀUNG: Êsse substanlivo âlentão, traduz-se aqui pela locucào:
{)li Ç li,. (:, ,;'. elr: COndiçõeS it{j iriltlsrií*i11, em tOdO O seu 0.i. "salto em que se deixa pâra trás". O sribstântivo c fàrrrrárlo tlo rdrbo
úâh: : r;, ii;i tle deficieui;e g dggr.,illi r-i.,r_l* neii,sa r*i.,Lcàr: ill "V)ringen'l (= saltar, prlar) e da preposição "ab', (= de, desde, a pârtir
de, pera baixo). Em composição corn lertros essa prcDosição acresceirta a
e.xii:.i.,... .r:.,i l,irr",. a,,"_., -r_jt;:i{j..1.. sua conotação de rnovimento. Àssim "Àb-sprung" não dii sri o pulo, o
salto, inas um pulo e um salto, quc conota tanrbénr o Donto, dondc-o pulo
T'uC:ivia ;) vâ?lr(i cia palavra "Ser", $ desaparecimenlo com, parte, e que deixâ para trás.
pleto ce suà força significat,iva, náo ó âpenas urn caso par- (5) SALTO ORIGINÁRIO*UR-SPIIUNG: O prefixo. "Ur-" incitle sôbr.c o
radical da pâlavra, ressaltando-a como o princÍpio e fundaulento primor-
ticular cir, <iesgaste universâl cla iinguagem. É ao invés, a re- tlial Íla significação que e;prime. Âssirn, "Ur-Àprung" dcsignár o "salto,
que ó o princlpio c fundamento prinordial de todo saltar, é Dortâüto o
ferência cortada com o Ser, como tal, que constiiui o fundâ- "salto originârio".
mento nróprio de tôda essa nossa reiaqáo desvirtuada com a
(6) PÁS§ÁDO-PRESEN?E-DÁS GEiVE§ENE: He idegger distingle "die
Iingutr6rcm. Vergangenheit" e "rlie Gewesenheit" ou "das Geu'escne". "Vergangênhcit" é
o passado, enquanto passado, isto é, algo enquanto num dado rDomento foi
A:r organizações destinacias I puriÍicar o vernáculo e à presente mas depois deixou de ser simplesmente. Nesse scntidu o sono de
Âristóteles é hojq um presente passado, uma "Vergangenheit". "Das Ge-
defesa contra â crescente degradaçâo da liugua merecem aco- ryesene", porém, diz o passado, que aiuda se conservâ presente como pas-
lhida Todavia, com tais instituiçoes" âpenas se demonstra, sado. Assim, a filosofia de Âristótcles é um passado prcseltc, unr "Ge-
wesenes", pois se vcnl conservando até hoje na História da exislência do
corn maior claridada ainda, que já nár; se sabe. o que há com Ocidente.
a lingtreírrrtr-,. Ilr. ul],i ;,-ie o destino da linguagem Se funda (7) HIS1TttRIA-HISTORIOGRAFIA-GDSCHICIITE-HISTORIEt Em gcral r
ll;.,- r , : i ..[i i.iriti de utt: ]]{l uü ürit}.i. Lr Sef , a clifesíáo tlt; lingua alqmã têm duâs pâlâvrâs que se usam promlscnamenle, "Geschichte"
e "Historie". "Geschichte" provém do verbo, "geschehen" (= scontecer,
St::: ', , , .)i:,,(1.: ulr,i*ranreirt,e corn a qliestão da linguagem. dar-se, processar-se), e significa o conjunlo dos acontocimentol humanor
lls;:iyri t. ur-l1iro rtl&is elr: que uni a;a§O externo; Vermo-nos Qbri- no curso do tempo. "Historie", de origem gregq através do latirn, é a ciên-
cir da 'Geschichte!. Em sua filosofia Heidegger distinguc rigorosa4rentc

7S 77
as duâs palavres, e cnlcnde a pârtir de sua interprelaçeo-.dà História d.o (77) DKSTÁTICO.EXISTENQIAL=EXISTDNZIAL-EI{STATISCH, É ume tra-
§ã.,-;iG""it i"rrto" dialêticamente- como a iluminação dâ diferença ontoló- duçáo llteral dos dois momentos que constltueÍÍx a essencialização do ho-
ãi.,i n"t oodcr falar em "Geschichte" do ente e em "Geschichte" do Ser. mem. No peÊsamento de Heidegger o homem é um ente lnapelàvelmcnte
t."a"rúo'. iiHisloric" -"Gcschichte't
por historiografia e "Geschichtc" do cnte por his- "senslvcl", cujo modo de sqr é sempre tcmporalizado pelo tcmpo originá.-
io.ià-cãm minúscula e do Ser por História com maiúsculâ' rlo, quo é, por sua vez, uma iluminaçâo tlistória da Verdade do Ser. Ve-
Ja-se a Innlrdouçáo, pá9. 15ss.
í8)PRTNCIPIO-AN/-áNG:Osubstantivo,"Ànfang",dcrivâdodo.verbo
i;;fa-ú;;" 1= iniciar, começar, principiar), tem. naque ts'ilosofia Heidegge-
lão apenas ini-
(18) DSQUECIMENTO DO SER:SEINSIIERGESSENHEIT: Têrmo caracte-
.iuiiu-Í-"""üo técnico dq oriãem,-principio primeiro, rlstico da Filosofia Heideggeriâna. Exprime o espaço Históricr da existên-
ii, ãgrúã -." a conser"va ê iustenta cin seu vigor' .Corresponde €xa- cla ocldental, instaurado pela "dialética" da Verdade do Ser, enquanto pro-
lânre[lc âo "ói"u â
uue os grogos pellsavatn conl Pâlavra- "arche"' Como ent.por- csso de luz e sombra, de velar-se e de re-vclar.
i;;;ê;'"ã; üÀ-- ãai""tiró dtrivado.4c "piincipio", Iradtrzimo§ o adjotivo
-por "originário"'
Ãiá-a., "ânfánglich", (19) RE-SOLVIDO=EN?-SCEIOS,SEN.' O verbo, "ent-schlieben" significa
"decidir-se", "resolver-se". É um composto de "schliesscn" (- fechar, tran-
(9) DISCUÀSO SÔIiRE SEU LUGAR-DRrR?'BRUNG I O subslantivo' car) I "ent-schliessen" diz prôpriamente "dest-trancar". Heidegger pense €m
i ri.*i*"g" provóm do vcrbo "ere-tern", que por sua vez se deriva de tôda decisáo e resolução fundadâ numa atitude aberta, "destrâncada" dc
"O-f''-i= Í"gí.). O siÉnificado corente dêsse verbo é discutir' discorrer' recepção.
Hiià"rÀ"dá-ilã'sria-a?titação de "Orl" (= ltrgar) diz, no texlo' discutir o
luiar assinalado na c pelâ cxislência, (20) D.ES-COBRIR-SE=ENT-BORGENHEIT: Êsse substantivo alemão pro-
r,ém do verbo "ent-bergen" (= des-ocultar, des-velâr), que por sua vez sê
Í101 REvoI,tlcloNÁRt1S=LIMSETZENI,E.. Dssa tradução só corrcs.ponrle,
patavra: aquêre, quê
Ài-íc ià_" .,revolucionárjo" no scnIido climológ_ico. darevolvcnd,r Essencialização -da Verdade, enquanto movimento de re-velaçâc, des-cobri-
ii"íur.í o,,igi"àiiamente .ir.u iiiuoçeo da cxist-ência, a situaçâo mênto do er;te mediante a velação, o encobrlmento do Se,r. VcJa-se a Note
drda. 10 do Capltulo IV,
(11) DESLOCADO:VERRÜCKT: "Verrückt" é o.. participiq p?::3d-9^-g: (21) RL-FERÊNCIA=BEZIIG: "Bezug" não diz simplesmente rclação
'liâí.ufu."i". Àpeút ac pouco usado cm scll senti(lo DrÓDrio êsse verDo (Beiiehung), isto é, um nexo entre duas coisas coordenadâs. É o suporte
siqnifica "drslocâr", "nru.iái'á"..iuà- J"uiãot'; e.nr sentido-fig9l'd9'-,Tlil: da Verdadã do Ser na existência, que faz com que o homem existindo possâ
-irÀ,,õ'' pensâ. em ,P''TSlt:
i,JLo'ài'ileiiii,Io "doitlo". No lcxto Heidcgger lronl- reportar-se ao Ser.
f"cn"'". -scntitlo próprio "deslocar.to"-emhora intencione lâmbêm
'*."iial riãr*aãlde e.ií-i"únçaà irônica resulta do fâto de tcr (22\ OBJETIYAMENTE DADO=YORIIáNDENES: É um conccito tlpico da
;;il;"i; o em seu
ài"áiÍiiã""","ã-pãurrã dJ sentido ambífuo e pouco freqiicnte
uso Heideggcr. Semânticamente tratâ-se de um adjetivo .fomado do
Filosofie de*HandÉ-(=
próprio. substantivo a mão). Designâ o modo de §cr dâ coisa, enquan-
to é o que está diante da máo, como ob.ieto,
n2\ BATE-PAPO=GEREDE: A palavra alemã, "das Gerede" (= conYersa,
iÀiãtO"iol tcnr unr rnatiz pcjorativo de "conversa fiada". Preferimos a gÍria, (23) EVIDÊNCIÀ=SELBSTVERSTÂNDLICHKEIT: Uma patavrr de sentido
"bato-papo" 6m razão do carálcr plásticô dâ expressâo. peJoralivo, diz a cvi.dência aparentq. Literalmente ..Selbstverstiindtichkeit';
siglifica a propriedâde do quê se estende por si mesmo. Sendo totalmenie
(13) VIGOR DOMINANTE=WALTEN.' As palavras mais diflceis de tradu- diáfano.-em si dispcnsa qualquer esfôrço de pensânento para entender o
iii'sío "wattcn" c seus derivados. IJm si c em geral o verbo "walten" ex- seu sentido.
p"i*c o significado de "govornar", "dispor", "intpcrar", mâs com a cono-
íacáo tle "fôrça", "vigor";"dominio'. É o quc aparece em sells derivâdos: .24) IIiVESTIGABILIDADE-tr'RAG-WüRDIGI{EIT".. Palavra composta dc
;;àlã-Cervatt"'(: a Í0.çâ), ,.übcrwâltingcn" (=- predominar, sob.repuJSr), "fragen' (= pôI em questão, investigar, pergunlar) c "würdig,, (= digno,
-portug-uês,
""á"e";ârtige""' (= vioténtár). o vc,rbo "viBir", do la-tim, "vi- merecedor, que impõe algo como valcndo a pcna de). Na composiçáo iig-
q.iôr, é dcsusado., corrcnlc h-ojs ape-
a tràtlução ideal. Lrfclizmenic*vigo.r^", nifica o que por si mesmo é digno de ser lnvestigado, de ser pósto eú
"ã.iu-
;;; óm algumas formas, como "vigcnte", "vigência" Por isso t-ra- questão pqlo pensamento.
ã"ri-os '(valtcn" o seus dcrivadoí nrtma pCrifrasc. seNindo nos das for-
nras ainda cm uso. (25) Heidegger se refere a{ui às obscruações que fêz sôbre o significado
existeDcial da filosofia às págs. 45ss
(14) DDSTTNO= GESCIIICK: É um conceito importante na -ilterpretaçâo
Àãíá"eãe"i""ã ãu niito"iu. A tradução só- é- fiel, ie se tomar "destino" em (26) ER.ROR-IRRE.. É outro conceito caracterlstico da Filosofia lleidêgge-
;ã;".'"';ii,l;1t-oiógi"o. Pois o ve'rho, "schickêr", donde se foma "Ges- riana. "Irre" exprime o errar por entre o frenesi do ente e do ôntico sem
ãÀi"lcl^--*ie"ifi"á-:t-nviar", "mandar", "desti1ar". Heidegge-r corcebe pela
a. ne-r memória para o Ser.,Tal orrar, porém, é uma figura dâ própriâ Verdade
ã"JJú,iaã-iic."ie nà hlstó.ta, como uma missào_ encaminhada vicis- I
do Ser. A mitologia grega fala dos "erros de Hércules", pois é nesse sen-
;iirà;-ã; Íàraàae. É o que designâ a expressão: "Geschick des Seins" tido, que se emprega a palavra aqui.
= destino do Ser. (27) DXPONHA=AASSTDLLT: Tem aqui a conotaÇão dc "abrir-se", "en-
Gil PnlMü:lY,' Com essa pâlâvra lembra Heidegger que as tradu-ç-ões.la- treÍar-se" sem opor nenhuma resistência ou obstáculo desviriuante.
tlnás encanalam determinadá interprctação do quó o princípio da HistÓria
do Ocidente nos lcgou de originário. (28) RD-PARTIR-WIEDER-IIOLENI EÍn geral o verbo. "wiederholen" tern
a silnilicação de repetir no sentido de bisar, tornar a fazer a mesma coisa.
(16) PRO-DUÇÃO:HERVOR-BRINGUNG: À palavrâ é entendidá agui em É um composto de "holen" (= ir buscar, alcaDçâr), No texto Heldegger pro-
rentido etimológico o não, econômico. Composta do verbo' "duccre" cura ressaltar essa conotaçáo de "alcançat''.
(= levar) e da preposiçáo "pro-" (= diânte de, em frente de) produçío
ê a instauração ãe vigor, qué leve o modo dq scr de âlgum cntc pem a (29) CONFIGURAçÃO=AASGDBILDEIER ZUSTAND.' Essa expressio sig-
lrcnle dl pre.ença históricr. nifica prôpriamGutc "o estedo completrmentc fonnado e rcebedo".

't8 7g

I
il
(30) r'UTURAS-ZU-XüNFTE: Correntemente a palavra "Zukunft" designr
o futuro. Hcldgger, porém, pensa em sua origem do verbo "kommen" (vir,
cnegarr. É êsse o seJrtido, que se enquadra. na concepção do fttturo como
umà fâse da i-mbricaçáo tetuporal da existênciâ. Nesse sentido o futuro ó
o que há de rir, enviado pelo deslino da existência, que é sempre inJtau-
rado Hisloricantente. É o atl-vento, o por-\'ir.

SÔBRE A GRAMÁTICA E
EI'IMOLOGIA DA PALAVRA "SER"
Pôsto que par'â nós o Ser continua sendo umâ palavra
vazia de significaçáo flutuante, tentemos recuperar inteira-
mente ao rnenos êsse resto de relaçáo. Daí investigarmos antes
de tudo:

1. Que palavra é essa, ,,Ser,,, segundo a sua rnorfologia?


2. ü que nos diz a Íilologia, como a ciência da ltnguagem,
sôbre o significado originário dessa palavra?
Para cxprimi-lo de forma erudita, investigaremos 1. pela
gramática e 2. pela etimologia da palavra, Ser. (Sôbre todo
êsse capítulo cfr. âtualmente, Ernst Fraenkel, ,,O Ser e suas
modalidades", apâ,recido em "Lexis,, (Studien zur Sprachphilo-
sophie, §prachgeschichte und Begriffsforschung), editado por
Johann Lohmann Vol. If, 1949, pp. 149 ss).
A srlrmá.tiea) ders palavras não se ocupa sômente nem em
primeiri:, hrqar cor'r s, forma literal e fonética das palavras.
Toma ss eiemenios morfológicos, que as palavras âpresentam,
eomo indÍcações de determlnadas e diÍerentes direções de pos-
sÍveis significadcls Ê oomo indicios de suas possiveis inserções,
prelineadas pelos stg-nificados, numa proposiçáo, i. é numa malor
estrutura iinguístiaa. Os vocábulos "êle vai", "nós fôssemos",
''êles forârn", 'rvit,lo'. "indo", "ir", sáo modificaçóes da mesma
palavra, segundo determinadas direções de signiflcaçáo. Nós
as conhecemos pelqs títulos da gramática: indicaüivo presente,
80
8l
imperÍelto do subJuntlvo, perfeito, imperfelüo, particÍpio, lnfi- mos, na caracterlzação gramatlcal da palavra, a gramática tra_
nitivo. Entretanto, desde muito tempo, que tais títulos sáo dlclonal e suas formas que de lníclo é lnevltável _ deve_
apenas meios técnicos, por cuja indicação se procede mecâni- - o fundamental
mos fazê-lo com a ressalva de que tais formas
camente a análise da linguagem e a fixaçáo de suas regras. gramatÍcais sáo insuficientes para o nosso propósito. No curso
Precisamente, quando e onde surge uma referência mais ori- de nossas reflexões, essa radical insuficiência se demonstrará,
ginária com a linguagem. revela-se o que há de morto nessas numa forma gramatlcal de lmportância essenclal.
formas gramaticais, porquanto se fazem sentir, como meros Essa demonstração, porém, transcende de muito a slmplcr
mecanismos A linguagem e sua interpretaçáo se fossilizaram aparêncla de que se trata aqul de um melhoramento aa gra-
nessas formas rígidas, como numa rêde de aço. Já" nos estu- mátlca. Pois na verdade se trata de um esclareclmento er_
dos linguÍsticos, ôcos e sem espírito, do ginásio se convertern §encial com vistas à sua fundamental imbrlcação com a Ea-
para nós em cascas vazias, inteiramente incompreendides e .senclallzaçáo da linguagem. É o que se tem de levar sempre
incompreensíveis. em consideraçiao, a" fim de náo desfigurarmos as reflexões lin_
É mesmo bom, que os alunos, em vez disso, aprendam de guÍstlcas e gramaticâis, que seguiráo, no sentido de ninharias
seus mestres alguma coisa sôbre a história originária e pri- ôcas o Íora de propósito. perguntamos 1. pela gramática, 2.
mitlva dos germanos. Todavia tudo isso se afunda logo no pela etlmologia da palavra ,,ser',.
mesmo vazio, se náo se cohsegue transferir para a Escola, e
desde os fundamentos, o mundo do espírito, o que significa:
se náo se cria na Escola uma atmosfera de espírito, que subs- 1.
titua a científica. E para tanto o primeiro passo é uma re-
voluçáo real nas relações com a linguagem. Nesse sentido, A Gramdtica da palaura ,,Ser,'
porém, temos que revolucionar os professÕres, o que implica,
que primeiro as universidades se devem modilicar e compre- Que palavra é essa, ..o Ser,', segundo a sua morfologta? Ao
ender a sua tarefa, em lugar de estufar-se com banalidades. "ser" correspondem outras formas, como ,,o voar,', ,,o sonhar,,,
Já nem mesmo imaginamos que aquilo que sabemos bastante "o chorar" (1), etc. Tais formas linguisticas se comportam
e de há muito, poderia, sem embargo, ser diferente. Que essas na linguagem, como "o páo',, ,.a habitaçáo,, (2),,,a etva,,,.,a
formas gramaticais náo sáo algo, que, desde tôda eternidade, coisa". Náo obstante, logo descobrimos nas primeiras uma di_
dividem e regulam a linguagem. Ao contrário, nasceram de ferença. Podemos reduzi-las fàcilmente aos verbos, ,,voaf,,
uma interpretaçáo bem determinada da Língua Laüina e da "sonhar", "chorar" etc.., o que as segundas parecem náo per-
Grega. Sendo também um ente, a linguagem pode tornar-se mitir. É certo que há para ,,a habitação', a forma verbal .,ha-
acessivel e ser configurada de determinados modoq, apenas bitar": "êle habita no bosque,,. Todavia, quanto ao significado,
tanto uma como outra coisa dependem naturalmente, em su& a relação gramatlcal entre ,,a habttaçáo', e ,,habitar', é dife-
realizagáo e validez, da concepção fundamental do Ser, que rente da mesma relação entre ,,o sonhar,' (o sonho) e ,.sonhar,'.
lhes serve de guia. Por outro lado há formações verbais, que correspondem exa-
A determinaçáo da Essencializaçáo da linguagem, iá ató tamente às primeiras (o voar, o sonhar) e todavia possuem
rnesmo a sua §imples investigação, rege-se sempre pela pre- caráter e signiÍicaçáo idênticos a ,.o pão,,, .,a habttaçáo,'. por
compreensão dominante a respeito da essência do ente e da cxemplo: í'o embalxador deu um jantâr,,, ,.o soldado se co-
concepção de essência. Ora, essência e ser falam na linguagem' nhece no andar cadenclado,' (B). Nesses casos já náo atende-
sendo essa uma conexáo, que já désde âgora, quando investl- mos ao fato de pertencerem tals formas a um verbo. O verbo
gamos a palavra, "ser", cumpre ressaltar, Por lsso, ao utilizar- se fêz substantlvo, um nome, seguindo o caminho de uma

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forma determinada, que se denomina em ratim "modus in- Êsse tÍtulo latino prrocede, com todos os outros, do traba-
finitÍvus". lho de gramáticos gregos. Também aqui encontramos nova-
Nessas ssndições se encontra também a palavra "ser". mente o processo da tradução, mencionado na oi:ortunidade
Êsse substanitvo se reduz ao infinitivo, "ser", que pertence às da discussão sôbre a palavra phusis. Náo se trata de discorrer
formas: "tu és", "êle é", "nós éramos", "vós fostes". O "ser", agora com minúcias sôbre a origem da gramática entre os
como substantivo, proveio do verbo. Por isso se dii: a pala- gregos, sua adoçáo pelos romanos e transmissáo para a Idade
vra, "o ser" é- um "substantivo verbal". Com a indicaçáo 'dessa Média e Moderna. Embora coúheçamos muito detalhes de
forma gramatical termina geralmente a caractetízaçáo lin- todo o processo, ainda não conseguimos penetrar realmente
guística da palavra, "ser". Sáo coisas conhecidas e óbvias, as em acontecimento táo fundamental para a fundaçáo e carac-
que agora acabamos de mencionar' circunstanciadamente. Ou terizaçáo de todo o espírito ocidental. Falta aüé uma colocação
melhor, falemos com mais cautela: sáo distinções gramaticais suficiente do problema para uma tal reflexáo, que um dia
da linguagem corrente e desgastadas. Pois "óbvias" náo o sáo iá náo poderá ser evitada, por mais que se apresente à margem
cle maneira nenhuma. Por isso devemos examina/ as formas dos interêsses imediatos.
gramaticais em questáo (Verbo, Substantivo, Substantivaçáo O fato de a formaçáo da gramática ocidental se ter ori-
do Verbo, Infinitivo, Particípio) . ginado da reflexáo dos gregos sôbre a língua grega, confere-lhe
Vemos fàcilmente que, para a formaçáo da forma nomi- tôda a importância. Pois a Iíngua grega, medida pelas possibi-
nal, "o Ser", a forma prévia e decisiva é o infinitivo, "§er". lidades do pensamento, é, ao lado da alemá, a mais poderosa
A forma do verbo se transfere para a forma de um substanti- e a mais cheia de espírito.
vo. Verbo, Infinitivo, Substantivo sáo as três formas grama- Antes de tudo se deve meditar sôbre a circunstância de
ticais a partir das quais se determina o caráter nominal da que a distinção decisiva das formas fundamentais das pala-
palavra, "o Ser". Trata-se em primeiro lugar de se compre- vras (substantivo o yerbo, nom,en e Derburn) na forma grega
enderem em sua significaçáo tais formas gramaticais. Dentre de onoma e rhema se elaborou e fundamentou pela primeira
elas o Verbo e o Substantivo sáo as que na origem da gra- vez em conexão a mais íntima e imediata com a concepção g
mática ocidental se conheceram em primeiro lugar. Ademais interpretaçáo do Ser, que posteriormente se tornou normativa
ainda hoje valem como as formas fundamentais das palavras para todo o Ocidente. A conjugação íntima dêsses dois acon-
e da gramática. Assim com a questáo sôbre a essencializa(áo tecimentos ainda hoje nos é acessível, intacta e com plena
do Substantivo e do Verbo recaímos na questão sôbre a Essen- clareza de exposiçáo no diálogo, O SoÍista, de platáo. É certo
cializaçáo da linguagem como tal . Pois o problema, se a forma que os tÍtulos, ononxa e rherna, já eram conhecidos antes de
criginária da palavra ó o nome (substantivo) ou o verbo, coin- Piatáo. Todavia também entáo, como ainda para Platão, tra-
cide com a questáo sôbre o caráter originário de todo dizer e tava-se de títulos que designam qualquer emprêgo de pala-
falar. Essa por sua vez implica também a questão sôbre a ori- vras. Onoma significa duas coisas: a designaçáo linguística,
gem da linguagem. Aqui náo poderemos entrar logo nessa úl-
como tal, em oposição à pessoa ou coisa designada, e o pro-
tima. Temos que seguir um caminho de emergência. Restrin- nunciar de uma palavra, que mais tarde a gramática eonce-
gimo-nos primeiro àquelas formas gramaticais que serviram
beu, como rhema. Enquanto rhema sigtriflca, por sua \ez, a
para formar o substantivo verbal: os infinitivos (ir, vir, cair,
sentença, a oraçáo. Âssim rhetor é o oradoS, que náo só pro-
eantar, esperar, ser etc.) nuncia verbos mas também onomata, no sentido restrito de
O que significa infinitivo? É uma abreviação do têrmo com- substantivo.
pleto: modus infinititsus. O modo da ilimitação, da irrdetermi-
Êsse fato, de o âmbito abarcado pelo domínio de ambos
naçáo, a saber, na maneira como um verbo indica e exerce o§
préstimos e a direçáo de seu significado. os tÍtulos ser originàriamente o mesmo, é importante para a

85
M
termlnaçáo do slgnlflcado verbal. Qual será âgora e modêlo
nossa indicaçáo posterior de que a questáo, táo dlscutida na grego dessa dlstlnção? O que os gramâticos romanos designam
Íilologia, a ràspeiüo do que representa a Íorma originária da com a expressão pállda de modus, chamava-se entre os gregos
palavra,
-nenhuma, se o nomen ou o verbum, náo constitui, de maneira
egklisis,lnclinação para o lado. Essa palavra move-se na mes-
uma questáo autêntica. Êsse pseudo-problema sur-
giu sÕmente quando a gramática já se havia desenvolvido, e ma direçáo de signlflcads que uma outra palavra formal da
gramátlca grega. É-nos conhecida na traduçáo latina: püosis
não de ttma visão da Essenciallzagá.o da linguagem em si antes (casus), caso no sentido das variagões de um nome. Originà-
de ser dissecada Pela gramâtica.
rlamente púosis designa qualquer espécie de variação (declina-
Ambos os tÍtulos, onorna e rhern&, que designavam originà-
çáo) das palavras fundamentais da língua. Náo só a dos subs-
riamente todo falar, se restringem posteriormente' em seu
tantivos. Também a dos verb,os. Sômente depois de uma ela-
significado, e se tornam os títulos das duas primeiras classes
boraçáo mais precisa da diferença entre verbo e substantivo
dJ'palavras. Foi Platão quem apresentou, pela primeira Yez'
é que se lhes deslgnaram as variações correspondentes com tí-
noDiálogocitado(261ss)umaexplicaçáoejustificaçãndessa tulos distintos. Assim a variaçáo do nome chamou-se púosis
pa-
distinção. Êle paúe da caracterizaçáo geral das funções da (casus), a do verbo egklisis (declinatio).
iavra.-Em sua ácepçáo mais larga orlofiLa é deloma te ph'one
peri
ten ousian: manifestaçáo relativa à e dentro da esfera do ser Como entáo se chegou pela reflexáo sôbre a linguagem e
do ente. suas variações ao uso dêsses dois títulos, púosis e egklisis? ób-
No dominio do ente pode-se distinguir pragtna e praris ' viamente também a lÍngua passa por algo que é. É um ente
')ra,g'ma sáo as coisas de que nos ocupamos, de
que t" t1?!' entre os demais entes. Âssim na concepção e determinação da
em cada eventualidade. Praris é o agir e fazer' no sentido linguagem age a rnaneira como os gregos entendiam o ente
mais amplo, que inclui também a poiesis ' As palavras sáo do- cm seu ser. Sômente a partir dessa concepçáo pode-se com-
tarlas de dois gêneros (titton geno§ ' §lã"o d'eloma pragmatos preender aquêles tilulos, que, como modus e coslts de há muito
(onoma), manifestaçáo das coisas, e ileloma prareos (rhema) ' se fizeram gastos e insignificantes parz nós.
maniÍestaçãodeumfazer'Ondeocorreumplegma'§masym- No curso dessa preleção constantemente retornaremos à
ploke 0.,é uma composiçáo ou crase de ambos), há o logos concepção grega do Ser. Pois ela ainda é hoje, embora muito
(ao mesmo tempo)
et.acllistos te kai protós, o dizer mais breve e simplificada e desconhecida como tal, a concepçáo dominante
primeiro (próprio) . Todavia somente Aristóteles dá uma in- no Ocidente. E náo apenas nas doutrinas filosóficas. Também
ierpretaçáo metafísica mais clara do no sentido da pro- na eotidianidade de todos os dias. por isso vamos caractefizá"-
poSçao ónunciativa. Distingue 'ogos
ononl'ct, como sernantikon aneu la em seus traços fundamentais, discorrendo sôbre a reflexáo
chronou e rherna, como prossemainon chronon (De interpre- grega da linguagem.
tatione, c. 2-$. Es§a ooncepçáo da Essenciallzagá'o do logos É um caminho que escolhemos de propósito. Há de mostrar
totnou-sepadráoenormaparâaconstituiçáoposteriorda num exemplo que e quanto 3 interpretaçáo, concepçáo e expe-
lógica e giamática. E por mais que a interpretaçáo logo se riência da linguagem normativa para .o Ocidente nasceu e se
tenfra aegradado no acadêmico (4), o seu obieto manteve desenvolveu de uma compreensáo do Ser muito determinada.
gramá-
sempre uira importâncla normativa' Os manuais dos Os nomes, púosis e egklisis, significam cair, virar, perdendo
ticos gregos e latinos foram por mais de um milênio os textos
nada frágeis e in- o equilÍbrio, e inclinar-se. Incluem sempre um des-viar-se de
de eniino do ocidentc. Eram tempos êsses
um estado ereto e em pé. Êsse estar erguido sôbre si mesmo,
signiÍicantes. <r vir e permanecer num ÍaI estado é o que os gregos entendem
Estamos lnvestigando a fcrma verbal, que os latlnos cha-
por Ser. O que dessa maneira chega a um& consistência e as-
rnavam ínlintttttus. Já a expressáo negatlva, modus íz-Íinitlvus sim se torna conslstente em si mesmo, instala-se livremente e
verbi, alude à w nxoCw ftnltus, um mQdo de limltaçáo e de-
8?
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por si mesmo dentro da necessidade de seus limites, peras. O ozsio se emprega simultâneamente nesse sentido e no sentido
Iimitc náo é nada, que de fora sobrevém ao ente. Muito menos filosofico cla palavra. Algo se apresenta. Consisüe em si mes_
ainda, uma deficiência no sentido de uma restrição privativa. mo e assim se propõe. E. para os gregos ',Ser,' diz no funclo
O manter-se, que se contém nos limites, o ter-se seguro a si êsse estado de apresentação e presença. (Anwesenheit).
mesmo, aquilo no que se sustenta o consistente, é o ser do A filosotia grega não retornou mais a êsse fundamento do
ente. Faz com que o ente seja tal em distinçáo ao não-ente. Ser. Aquilo que encobre e protege. Ateve-se ao primeiro plano
Vir à consistência significa portanto: conquistar limites para do que está presente. À superfÍcie do presente na presÀrrçr.
si, de-limitar-se. DaÍ ser um caráter fundamental do ente o E o procurou considerar nas determinações mencionadas.
lelos, que náo diz nem finalidade nem meta ou alvo e sim Pelo que se acaba de dizer, entende-se com mais facilidade
"fim". Mas "fim" náo é entendido aqui no sentido negativo, a interpretaçáo grega do Ser, aduzida de início para se expli_
como se alguma coisa náo já continuasse e sim findasse e ces- car a palavra MetafÍsica: a percepçáo do Ser, como phV,sis.
sasse de todo. "tr'im" é conclusáo no sentido do grau supremo
DizÍamos então. Devemo-nos afastar completamente do con_
de plenitude. No sentido de per-feiçáo. Pois bem, limite e fim
ceito posterior de ..natureza,,. pois pftysis significa o surgir
constituem aquilo em que o ente principia a ser. Sáo os prin- emergente, que brota. O desabrochar e desprender_se que em
cípios do ser de um ente. Por aqui é de se entender o título si mesmo permanece. A partir de uma unidade originária se
supremo, qlue Aristóteles usa para Ser: entelecheia, i.é o man-
incluem e manifestam nesse vigor repouso e movimento. É a
ter-se a si mesmo na conclusáo (e limite) . O que a filosofia presença predominante, aincia não dominada pelo pensamento.
posterior e mais ainda a biologia fizeram do íttulo "entelé-
Nesse vigor {Walten) o presente se apresenta como ente. A
quia" (veja-se Leibniz) mostra o abandono total da dimensão
vigência de tal vigor só se instaura a partir do ocultamento.
em que estavam os gregos. O que se põe em seus lÍmites, inte-
Isso significa para os gregos: a aletheia (o des-çrcultamento)
grando-os em sua perfeiçáo e assim se mantém, possui forma,
se processa e acontece, quando o vigor se conquista a si mes_
morphe. A forma, entendida como os gregos, retira sua Essen-
mo como um mundo! Só através do mundo o ente faz ente.
cializaçáo de urn pôr-se-a-si-mesma-dentro-dos-limites (Sich-
indie-Grenze-stellen ) .
Heráclito diz (Frag. 53): polemos panton men pater esti,
panton de basileus, kui tous men theous eileire tous d.e anthro-
Do ponto de vista de um espectador o que é consistência pous, tous men doulous epoiese tous de eleutherous.
em si mesmo, torna-se o que se ex-põe. O que se oferece no
aspecto em que se apresenta. Os gregos chamam o aspecto de  dis-posiçáo (7) (Auseinandersetzung) é o que engendra
uma coisa eidos ol idea. No eidos opera originàriamente o que
(deixa surgir) todos (os presentes), oomo (também), o que
entendemos ao dizermos, que uma coisa tem uma fisionomia. conserva, mantendo-se em vigor em todos. Assim a uns dei-
Que pode deixar-se ver. Que está presente. A coisa "toma uma
xa-os aparecer, como deuses, a outros, como homens; a uns
posiçáo". (6). Comparece, i.é está presente no aparecimento ex-põe, como escravos, a outrrs, como livres.
qne faz de sua Essencialização. Tôdas essas determinações do O que Heráclito chama aqui polemos, é a dis-puta que vi-
Ser se fundam e se mantém reunidas no que, sem investiga- gora e impera antes de tudo que é divino e humano. Náo é de
rem o Sentido do Ser, os gregos experimentavam e chamavam forma alguma uma guerra nos moldes dos homens. O embate,
de ousia ou de maneira mais completa parousia. A falta de re- penpado por Heráclito, é o que faz com que e presente (das
flexáo costumeira traduz parousia por "substância" e assim náo Wesende) se des-dobra originàriamente em contrastes. É o
lhe atinge o sentido. Enr alemáo há uma expressão adequada que possibilita ocupar na presênça posiçáo, condiçáo e jerar-
para dizer parousia na palavra An-uesen. An-wesen signiflca quia. Nessa dis-posiçáo (Auseinandertreten) se manifestam
cortiço (Hofgut), uma propriedacle Íechada em si mesma de vácuos, distâncias e junturas. Na dis-posiçáo surge mundo.
uma fazenda (Bauerngut) . Ainda no tempo de Arlstoteles (A dis-posiçâo não separa nem táo pouco destrói a unidade.

88 89
Antes a institui. É princípio unificante. (Logos). Polemos e Sem dúvida o ente continua sendo. Sua aglomeraçáo é
logos sáo o mesmo). maior e mais larga do que nunca dantes! Mas o Ser se reti-
O embate, a que se alude aqui, é o combate originário. tou rlêle. O ente ainda conserva uma aparência de constânoia,
Pois é êle que faz com que nasgam, pela primeira vez, os com- por se haver tornado "objeto" de uma atividade sem fim e
batentes, como - combatentes. Náo se trata de uma simples rica de variações.
corrida entre quididades meramente dadas. (Vorhandenen). Os criadores são banidos da vida do povo e se vêem apenâs
O embate projeta e desenvolve o in-audito, o que até então l,olerados, como curiosidades marginais. Como ornamentos de
ainda náo fõi dito nem pensado. Os criadores, i.é os poetas, a.dôrno e extravagâncias, alheias à vida, O verdadeiro embate
pensadores e instauradores de Estado (§taatsmanner) supor- prima pela ausência, transferindo-se para a simples polêmica,
tam êsse embate. Ob-j.:tam (entgegenwerfen) contra o vigor para a agitaçáo e atividade do homem dentro do positivamente
predominante o bloco da obra e para dentro dessa encanalam dado. É a decadência que já se iniciou. pois entáo, mesmo se
(bannen) o mundo, que assim se manifesta. C'om as obras o uma época ainda procurírr manter o nível herdado e a digni-
vigor imperante obtém consistência, se consolida no que está dade de sua existência, o nÍvel já baixou. Um nÍvel só se man-
presente. Só entáo o ente vem a ser, como tal, como ente ' tém num processo contínuo de superaçã,o criadora.
Êsse vir-a-ser do munrlo (Weltwerden) é o que constitui prô- "Ser" significa pâra os gregos: a consistência (Stendigkeit)
priamente a História. O embate, como tal, náo aperras deixa num duplo sentido:
surgir mas também, e só êle, protege e conserÍa o ente em
sua consistência. I)e certo, onde se extingue o embate, iá o 1. O estar em si mesmo, enquanüo surgindo de si mesmo
ente náo desaparece, mas o mundo se retrai. O ente já náo se (physis)
afirma (i.é náo se conserva, como tal). Âi o ente é apenas
.

achado. Ttrrna-se um achado. O perfeito (das Vollendete) iá 2. O perdurar constante i. é permanente, como tal
não é o que se estabelece dentro de limites (i.é que alcança a (ousia) .
plenitude de sua forma) mas só o que está pronto e, como tal,
Náo-ser significa, por conseguinte: desistir, sair, dessa
à disposiçáo de todo mundo. É o obietivamente dado, onde sonsistência ernergente que surgâ: existasthai (: "Existência",
já não se instaura nenhum mundo. Ao invés, o homem põe e "existir") significa para os gregos precisamente náo-ser. A ir-
ctispõe do disponível. O ente se converte em obieto, seja para
reflexão e a vacnidade com que se usa hoje a palavra "exis-
a contemplaçáo (aspecto e imagem) seia para a açáo produ-
l,ivâ, como procluto e cálculo. O que instaura mundo originà- tência" e "existir" para designar o "ser", testifica, uma vez
mais, a alienaçáo frente ao Ser e a uma interpretaçáo originà-
riamente, a phusis, decai e degrada-se em modêlo de imitaçáo
riamente poderosa e determinada do mesmo.
e cópia. A natureza se transforma numa esfera especial, dis-
tinta da arte e de tudo que §e pode produzir e planificar. O Púosi.s e egklisis significam cair, inclinar-se. Náo dizem
soergrler-se originário, em si mesmo, das fôrças do vigor do- outra coisa senáo: sair da consistência, do estar erguido em si
minante, o phaínesthai, o apatecer no grande sentido da epi- mesmo, exprimindo um desvio de tal estado. Investigamos,
fanla de um mundo, torna-se visibilidade ostentável de croisas porque, na reflexáo sôbre a linguagem, se empregaram tusta-
objetivamente dadas. O olhar, a visáo, que numa perspicácia mente êsses dois nomes. Â significação das palavras ptosis e
originária perscrutava no vigor imperante o projeto e as§im egklisis pressupõe em si mesma a representaçáo de um esta-
perscrutando ex-punha a obra, se converte em §imples exa- do em pé, erecto. Dizíamos acima: os grupos concebem a lin-
me. Em revista e curiosidade. O aspecto é apenas o ótico ("O guagem, como algo que é, e, portanto, no sentido de sua com-
ôlho do mundo" (Das lVeltauge) de §choppenhauer -- o co- preensáo do §er. Ente é o consistente, o que, como tal, se
nhecer puro), apresenta, aparece. Êsse se oferece prevalentemente à vlsáo.

90 91
Voltemos à forma verbal, letainto. Ela manifesta uma Num sentido mais amplo, os gregps encâravam a linguagem
potkitia de direçõe-s significativas. Por isso se chama egklisis ôticamente, i.é a partir da escrita, na qual o falado obtém
paremphatikos, uma variaçáo que é capaz de fazer aparecer si- consis'tência. A linguagem está, i.é adquire permanência nas
multâneamente: pessoa, número, gênero, modo. Essa capacidade figuras escritas das palavras ditas. Nos sinais gráficos, nas
.qe funda no fato de a palavra ser palavra, enquanto faz apa-
letras, gramm,ata. Por isso é a gramática que apresenta a lin-
recer (d,eloun) . Se colocarmos ao lado da forma lerainto o guagem, como ente, como also que é. Enquanto pelo fluxo do
infinitivo legein, temos também rtma variaçáo da forma fun- discurso a linguagem eseorre para uma fluidez sem consistên-
clamental lego. Trata-se no entanto de uma egklisis que náo cia. Dêsse modo a doutrina da linguagem vem sendo interpre-
faz aparecer pessoa, número, e modo. Aqui demonsffa a egkli- tada gramaticalmente até nossos dias. Entretanto os gregos
sis uma deficiência em sua capacidade de fazer aparecer sig- sabiam também do caráter vr.rcal cla iinguagem, a phone. Fo-
nificaçóes. Daí chamar-§e essa forma verbal de egklisis a-pa- ram êles que fundaram a retórica e poética. (Sem em'oargo,
remph.cr.tikos. É a êsse título negativo que corresponde o nome tudo isso náo levou, por si rnesmo, a uma interpretação cor-
latino modus infinitivus. o significado da forma infinitiva náo respondente da Essencializaçáo da linguagern) .

está determinado e limitado aos aspectos de pessoa, número, A reflexáo normativa sôbre a linguagem permanece a in-
etc. A traduç'áo latina cle a-paretnphatikos pot in-finitus me- terpretação gramatical. O,ra ela descobre, entre os vocábulos
rece atençáo. Nela desaparece o momerto originàriamente e suas formas, uns que são desviações, variações de formas fun-
grego, que se refere ao aspecto e ao pôr-em-evidência daquilo damentais. A posiçáo tlásica do substantivo (nome) é cl nomi-
que está em si mesmo em pé e se inclina. O que permanece nativo singular: p.e. o kyklos." o círculo. A posiçáo básica do
determinante é a representaçáo meramente formal de limi- verbo é a primeira pessrla, dc; *iirgrilar do pr.esente do indica-
taçáo. tivo, p.e: Iego: digo. 0 in{inibi,ro é w m,odus »erb.i esiter:iai,
in- uwru tgklisis. De que eri;rer-lir, j ji ,,. iliri: t,erá de se clelerrninar
De certo há ainda principalmente no grego
- o do
- e e no pre§ente e, um infinitivo
finito no passivo, no médio agora. A rneihor maneira e atiavés de um exemplo. Uma
perfeito e futuro, de sorte que o infinitivo faz apârecer' ao forma do verbo mencionado,lego, é leÍainto: êles (as pessoas
menos, genus e tempu,s. Essa circunstância levou a muitas em questáo) poderiam ser ditos e chamados" p.ex. de traido-
discussões sôbre o infinitivo, de que aqui náo nos ocuparemos' res. Essa variaçáo consiste precisamente no seguinte: a formn
Só uma dificuldade nos interessa esclarecer agora' A forma in- derivada põe em evidêneia urna outra pessoa (B.a), rlrn outríl
finitiva, Iegein dizer, pode ser entendida de tal maneira que número (plural ao invés de singular), um outro gênero (pas..
já náo pensemos em genus e tempus, mas sÔmente no que o sivo e náo ativo) um outro temp,1 (aoristo em lugar do pre^
verbo simplesmente significa e faz aparecer. Nesse §entido a sente), um outro modo, em sentido estrito, (optativo e náo
designação grega originária corresponde, partrcularmente bem,
indicativo) . O que se desrgllÍ, com a palavra lex:aintü ,.Íio ;:
à essa circunstância. Pata o tÍtulo latino, o infinitivo é uma apresentarlo, como realmenlc rl:rdo, mas apenas como possrvel .

forma verbal, que, por assim dizer, separa, o que ela significa, Tudo isso a Íorma ,ienvlri"a. Ca paiavra faz também rom-
de tôoa relaçáo significativa determinada. O significado 'do in- parecer. Deixa ser também i]&t*.,reiido diretamente. Ora iazer
finitivo prescinde (ab-strai) de tôdas referências particulares. também comparecer, deixa.r tarrl',ir::: entender e ver outra *oisa,
Nessa aústraçáo o infinitivo só apresenta o que simplesmente nisso está a facr.rldade da, r:lk,llsd's" pcla qual a iralavr*.. que
concebentoscomnpalavraemsi.Porissoagramáticadehoje estava em pé, perde o etr-:iiíhriri e gr: in*iina pâr;1 1 -'11çls Por
diz que o infinitiro é "o concerto verbal abstrato"' Éle só con- rssc s'c chama eçkl.isis ;)&rrril.pha,tikos. A palavra qr:a.iiíi:*iirra,
cebe e apreende simplesmente e em geral, o que se concebe parernythaino, rJiz dr: irrcdo lulôulÍcü â atilude ;ii.;ncii;*r*ntaj
com a palavra. Designa táo sômente êsse conceito unlversal' dos gregos frente ao Ênte" tis:qur ü consistente.

92 93
Paremphaino se encontra em Platáo (Timeu 50e)
num Em alemão o inÍinitivo é a forma designativa do verbo. Na
contexto importante. Investiga-se a essencializaQáo do
devir forma verbal e no modo de significar rto inifinitivo há urna
daquilo que devém. Devir significa: Vir a ser' Platão distin- deficiência, uma Íalha. O infinitivo já náo faz aparc.:i.r o que
grr" t.ê, coisas: L. to gignomenon, o que devém; 2' to en o o verbo manifesta de outras :naneiras.
-gignetai, que isto é o meio em que se desen-
aquilo em devém, Também, na ordem do aparecimento históric I das Íôrmas
to aphonoioumenon, aqullo do qual o
,úuu o devlr; 3. hothen
que devém
verbais da linguagem, o infinitivo é um resultado posterior. E
que devém retira o molde da adequaçáo' Pois tudo muitÍssimo posterior. É o que se pode mostrar no infinitivo
á ,"* a ser alguma coisa, toma antecipadamente por mo- daquela palavra grega, cuja dignidade de investigaçáo (Frag_
dêlo de seu devir o que vem-a-ser' würdigkeit) motivou nossa discussáo. ,,Ser,, em greg.o é eini.i.
Para se esclarecer o significado de Ttaren'pha''tto deve-se sabemos que uma ríngua altamente culta se desenvorve do farar
considerar o item dois ' Aquilo em que uma coisa devém'
éo origirràriamente arraigado ao solo e à. história: clo falar dos
nenhuma pala-
que chamamos "espaqo". Os gregos nào possuem dialetos. Assim a linguagern de Home,.o é uma rnescla. de
vra para dizer "espaço". Isso náo é um acaso' Fizeram a ex- vários dialetos. Êsses conservam a forma ante..ior. da lingua-
periôncia do que é "espacial" náo a partir da ertensio mas do gem. Ora, na formaçáo do infinitivo, os rlialetcs gregos
nem ,.1i._
lugar (üopos) , como ch.ors. Chora náo significâ nent lugar tanciam muitÍssimo uns dos outr,os. Isso levou a inve.stigação
espaço e sim o que é tomado e ocrrpado pelo que está em
-si linguÍstica a f.azer precisan,ente da diferenÇa do infinrtivo
*ãr*o. 0lugar pertence à própria coisa em si mesma' A§ di- principal critério ,.para separar e agrupâr os dialetos,, (cfr.o
versas coisas, cada uma tem seu lugar próprio' Dentro
dêsse
Wackernagel, Vorlesungen üirer Syntax, I, 25?s)
"espaço" caracterizado pelo lugar, se coloca o Que
devém e .

e ' Para lsso No dialeto ático "ser" é einai, no arcádico, enai, rto lésbico
dêsse mesmo "espâço" local é retirado extraído
emmenai, no dórico, enten. Em latim ser é ésse, no osco ci
qualquer aspec-
ser possível, o "espaço" deve ser desprovido de ez,urn, no úmbrio é erom,. Em arnbas as línguas, oe rnodi
to que pudesse as§umir de outra parte' Com efeito se se que
as- Íiniti
já se haviam consolidado e eram patrimônio comum, enquanto
a qualquer uma das modalidades de aspecto a egklisis aparemphatikos ainda conservava suas pariicurari-
""*"ttturr"
nêle lngressam, náo poderia possibilitar' cle vez que recebe
em parte muito diversas' dades dialetais e oscilava entre elas. vemos nessa circunstân-
formas de essência em parte opostas cia um indÍcto de que no conjunto da linguagem o infinito
aparecer seu próP-ll9
a rcalizagáo perfeita 'do modêlá, deixando
osas melloi possui uma importância proeminente. A questáo agora cle
aspecto. Amorph,on on ekeinon apason ton iileon é
dechesthq.i poth,en; omoion gar on ton epeisionton tini ta tes saber, se êsse poder de persistência das formas do infinitivo
prclpan opot'elthoi dechomenon depende do fato de representarem uma forma verbal tardia e
enantias ta te tes attes physeos
opsin ' Aquilo em abstrata, ou de estar o infinitivo à base de tôdas as variações
kakos an aphomoioi ien autou' paremphainon do verbo. Por outro lado é justificada a advertência de se ficar
que as coisàs que devêm, sáo postas, náo Bode oferecer lT "-
dêsse lugar do Timeu de sobreaviso diante da forma do infinitivo, de vez que, clo
i""to " um viio próprio. (A indicaçáo
a compertinência (8) entre pc- ponto de vista gramatical, é justamente o infinitivo a forma
náo pretende apenas esclarecer
que transmite o mínimo da significação de um verbo.
,"*photno e o??, do comparecer e ser, como consistêncla' Vlsa
também aludir que pela filosoÍia ptatônica' isto é
na interpre- Todavia ainda náo terminamos de esclarecer totalmente a
prepara a transformaçáo da Essen- forma verbal de que tratamos, se se considera o modo em
tação do ser como id,ea., se
elallzaçáo do lugar Gopo$-e da chora no espaço determinado que costumamos falar de ,,ser',. Dizemos ,,o ser',. Êsse modo
aparta
pela extensão. Chorlo náo poderia signiÍicatj o que §e de falar resulta cle uma substantivaçáo do infinito, antepondo-
de torlo partlcular, o que se desvia para uma parte' a Ílm de lhe o artigo: to einai. Orlginàriamente o artigo é um pronome
admitir outra coisa e lhe dar lugar?) demonstrativo. Dtz que o que as-sim se mostra, está e é, por
preclsamente dêsse moão

9{ 95
Hoje porém vale o nós. Estamos na ,,época do nós,, em
assim dizer, por si mesmo. Na llnguagem, as denomlnações de- oposiçáo à época do eu. Nós somos. eual ser ev\ocamos nessa
monstrativas e indicativas desempenham sempre uma função proposlçáo? Também dizemos: as janelas sáo, as pedra são.
proeminente. Se dissermos apenâs "ser", fica, o que assim di- (9) Nós que reside nessa afirmaçáo uma sirn_
,"*o., mrrito indeterminado. Entretanto pela transformaçáo - somos.doSerá
ples constatação dado objetivo de uma pluralidade de eus?
linguÍstica do infinitivo num substantivo verbal como que se E o que hà com o "eu. era,' e ,,nós éramos,', com o ser no pas_
fixá o vazio, que iá se encontra no Ínfinitivo: 3§stn se põe "ser"' sado? Será que se nos foi embora? Ou será que náo somos
úomo um ob-ieto fixo. O substantivo "ser" supõe que aquilo' precisamente senáo o que fomos? por acaso náo chegamos a
riue dessa maneira se diz, "seja" por si mesmo' "O ser" tor- ser justamente aquilo que somos?
na-se agora alguma coisa que "é", quando rnanifestamente sÓ A consideraçáo das formas verbais DETERMINADáS do
r ente É'. náo o §er. Toclavia fôsse o ser, em si mesmo, algo' infinitivo "ser" produz o contrário de um esclarecimento do
quancio o ser-ente se nos oferece nos entes, me§mo quando não Ser. Além disso leva-nos a novas dificuldades. Comparemos o
que é no ente, então deveriamos encontrá-lo, principalmente infinitivo "dizer" e a sua forma funCamental ,,eu digo" com o
cluando o ser-ente se nos oferece nos entes, mesmo quando não infiniti'ro "ser" e sua forma fundamental "eu sou,'. ,,Ser,' (ggi6;
lhes benhamos apreendido com precisáo as propriedades espe- e "sou" (bip) mostram-se como vocábulos de radical diferente.
cíficas. Dessas diferem, por sua vez, as formas do passado .,era,' e
Ainda poderemos estranhar que o ser seja uma palavra "sldo" (war e gewesen). (10) É a questáo sôbre as diferentes
táo vazia, se iá a sua forma verbai assenta num esvaziamento raízes da palavra "ser".
e na aparente fixaçáo dêsse vazio? Essa palavra "ser" se cons-
tituipranósnumaadvertência.Náonoscleixemosatrairpelo
extremo vazio cla forma de um substantivo verbal nem táo' 2.
pouco nos emalhemos na abstraçáo do infinitivo "ser" ' Já que
pretendemos passar para o "ser" por através da linguagem' A Etimologia da palaar& ,,ser"
atenhamo-nq5 antes às formas: "eu sau", "tu és""'ête' ela' ista
é',r,,nóS SO%OS etC., r,e1t efL,,, "tlóS érUtnOS", "êles JOfAm" etC. Em primeiro lugar se trata de referir brevemente, o que a
Todavia com isso a nossa eompreensáo, do que signific2 "ser"' filologia sabe a respeito das raízes que aparecem nas varia-
e em que está a sua essência, ern nacla se esclarece' Ao con- Qões do verbo "ser". Os conhecimentos atuais, a êsse respeito,
tráriol Basta fazermos só uma tentativa! não sáo de forma alguma definitivos. Não tanto, porque pode-
Dizemos: "eu sou". Nessa acepçáo, qualquer um só
pode
riam advir novos fatos, mas por se ter de aguardar ainda,
i]izer ser de si mesmo: o meu sel . Em que consiste êsse meu que o sabido até agora seJa examinado com novos olhos e
ser e onde se eseonde? Aparentemcnte dizê*lo é para nós muito numa investlgaçáo mals autêntica. Tôda a gama de variações
Íácil, de vez que, de nenhum outro ente, estamos Láo pertr: do verbo "ser" é determinarla por três raízes diversas.
,:ornu clo ente, que somos nÓs mesmos' Pois ná'o somos nenhum As cluas primeiras sáo indo-germânicas e ocorrem também
dcls outros. Todo outro ente tamhém e já "é"' ainda quando nas palavras gregas e latinas para ,,ser,,.
'nós náo sejamos. Em aparência táo próximos do ente que nós
mesmos somos, náo podemos estar corn relaçáo a nenhum 1. A raiz mais antiga e própria é "es"; em sânscrito csus,
nem poderemos dizer' sentido próprio'
outro. Até mesmo 'sem
já pelo a vida, o vivente, que por si mesmo está em si mesmo, anda e
rlue estejamos próximos clo ente, qne nós mesmos somos' pára: o que tem consistência própria. Aqui pertencem as
aqui vale: nin-
simples fato de o sermos" E lodavia também formas verbais sânscritas, "esmi, esl, esti, asmi,'. Em grego
guém está mais distante cle si mesmo do.que êIe próprio' Tão
correspondem-lhes eimi e einai em latim, esurn e esse. For-
eiistante, como o eu está do tu, no "tu és" '
97
96
mam um conjunto: sun, (latim), sind e sein (alemáo) . Ê de Oomo e em que concordam as três raizes indlcadas? O que
se notar, que o "isÍ" permanece desde o comêço em tôdas as traz e conduz a saga (11) do Ser? Em que se funda o noiso
lÍnguas indo-germânicas (estin, est -. .) dizer do §er por através de tôdas as suas variaç6es linguÍsti_
cas? A compreensáo do Ser e o dizer do Ser sáo amtlos a mesma
2. A outra raiz indo-germânica é bhü, bheu. A. ela per- coisa ou náo? Como vigora e está presente na, saga, do Ser a
tence o gtego, phuo surgir, vigorar, imperar, chegar, por si distinção entre Ser e ente? por mais valiosas que sejam as
mesmo, a por-se, a estar de pé e permanecer nessa posiçáo. constatações cla filologia, elas não podem basüar. pois é depols
Bhü f.oí interpretado até agora, de acôrdo com a concepçáo delas que comega a investigação.
corrente e superficial de phvsis e phvein como natureza e como
crescer. De acôrdo com uma interpretaçáo mais originária, Temos uma cadela de questões a formular:
proveniente de uma discussáo com o princípio da filosofia gre-
ga, revela-se o "crescer", como o surgir, que, por §ua vez, é
determinado pelo aparecer e apresentar-se (estar presente).
1. Que espécie de ,.abstração', estêve em Jôgo na forma_
çáo da palavra .,ser"?
ültimamente se põe a raiz pha em conexo com pha. A pltvsis
seria assim o que surge para a luz, phgein, luzir, brilhar e por
conseguinte aparecer (Cfr. Zeitschrift Íür vergleichende Spra-
2. Será que aqui se pode mesmo ialar em abstraçáor
chforschung, Bd. 59).
Da mesma raiz é o perfeito latino: fui, fuo; como também 3. Qual é pois a stgniÍicaçáo abstrata, que restou?
o alemão "bin", bist, wir birn, ihr btrt (os dois últimos extin-
tos no séc. XIV). Mais tempo'durou, ao lado de "bin e bist", . 4. A ocorrência, que aqui se manifesta _ a saber, que
slgnificações diversas, equivalentes a experiênci"", ,u
que permaneceram, o imperativo "bís" (bis mein l4leib, sê mi-
zem na flexáo de urn verbo e que verbo! _ poderá tal "or,."uii_
nha mulher!). ocorrên_
cia ser expllcada, dizendo-se simplesmente que algo se perdeu?
no âmbito de flexão De uma simples perda náo se origina nada e muiüo menos
3. A terceira raiz aparece apenas
ainda alguma coisa, que uniflque e reúna na unidade de
do verbo germânico "sein" (ser) : zpes, sânscrito: 11gs'4mi' get- seu
mano: uesan -= habitar, permanecer cleter-se; a oes perten- significaclo coisas originàriamente diversas.
eem V estia, V astg, V esta, oestibulurn. Dai se formou no alemáo :
"ge'u)esen"., como ainda: 7l)a,8, TDar' es west, ttsesen. O particí- 5. Qual poderá ter sido a significaçáo fundamental con_
pio wesencl se conserva ainda em an-tt)esend, ub-wesend- O dutora, que servlu de guia à unificaçáo aqui dada?
substantivo wesen náo significa originàriamente "o que é", a
guid.d,it,as, mas o perdurar, enquanto presente. a presença e au' 6. Qual a direçáo de significado, que s€ conserva através
sência. O "lens" do latim "7)rae'8ens", "ab-lens" se perdeu. de tôda a reuniáo de tal união?
Será que a expressáo latina "d.ii consentes" significa os deuses
conjuntamente presentes? 7. Serâ que não se deve libertar a Histórla interna da
Das três raízes retiramos as três significações, indicadas etimologia dessa palavra, .,ser',, da de qualquer outro vocábulo,
logo no principio: viver, surgir, permanecer. A filologia a§ es- cuia etimologia se investiga? Tal libertaçáo não se torna uma
tabelece. Estabelece também que hoie desapareceram, de sorte necessidade principalmente quando se considera, que já as
que restou e se conservou apenas um significado abstrato, sigrtificaçôes de suas raÍzes (vlver, surgir, habitar) não refe-
"ser". Sem embargo, é entáo que surge uma questáo decísiva: rem nem revelam minúcias inslgnificantes?

98 09
8. Poderá ser, em si, completo e originário o Sentido do tramos, assim, uma explicaçáo suficiente para o fato, donde
Ser, que, em razáo de uma interpretaçáo apenas lógico-grama- partimos, i.é para o fato de ser a palavra,,ser,,vazia e de
tical, se nos apre§enta "abstrato" e por is§o mesmo derivador slgnlficaçáo flutuante.

9. Será que isso se poderá mostrar a pattir da Essencia-


lizaçío da linguagem, concebida de modo suficientemente ori- NOTÀiJ
ginário?
(l) Na lradução.trocalnos os exemplos do texto de Heideg[cr, porque seus
Como a questáo fundamental da metafísica, investigamos: .urrespordentes literais ern portugrrês nâo cvide,ciam õüc'o-ãi,i", iã_
:ende.erplicar. No texlo original -os exemplos sào: .,das
"Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?" Nessa " ô;i,,.;--i=-o;;-
rtar), "das.Fâllen" (- o caii),..das Trâuiren" (= o sonhary. Sub;titui;;i
questáo fundamental iá opera a questáo prévia: O que há com rs dois primeiros por,,o voar', e.,o chorar" iespectivamei.te
o Ser? !2)naTrocamoa novamente o exemplo do original pela mesma razão exnos-
ta nota anterior. O exemplo dado por Helaeggei é ,.das Haus;;
O que entendemos com as palavras "ser", "o ser"? Na ten- ('ujo
'erbo
derisado .,casar,,-não corrc'sponde qdâirto aoiignifiãàao=;-";;. ," ,r""üó
"hausen" (= morar)
tativa de uma resposta logo nos vemos em perplexiclade ' Como
alemão
que procurâmos apreender o inapreensivel. E no entanto con- (3) O_ exemplo, do original é ,,êle nrorreu dc unr ntal incurável',. Outra
'roca dL exemplo pelo mesmo motivo.
tinuamente somos tocados pelos entes, dêles dependemos e (4) O ACADÊ,LIICO-DAS SCHLTLMÀSSIGE.. O acadêmico diz ( cnsino csle-
sabemos, que nós mesmo§ somos "entes". notipado das escolas e academias da antigiiidade posteiio;.
Para nós o "Ser" só vale como um som verbal, como um ,5) SIMPLIFICADO-VERFLACIIT'.. O têr:mo alenrão é mais ptástico do qr*
o. Dorluguês. 'Yerflacht,' derivg-sc rle ..f lach"
têrmo gasto. Já que sÓ isso aincla nos resta, devemos entáo. ;'ica "arrasado", "aplanatlo", ..achâlado". = plâno, cfrato', iaso,- " *ig-"-il
tentar apreender, ao meno§, êsse último resto de posse. Por _(6r TOMA IlM.q ?OSIÇÃo:SfiZ?': É urna locucão dificil dc lraduzir. Ten-
isso investigamos a questáo: como se comporüa a palaura, "o lamos lazê-lo por meio de unra prrifrasc.
ser"? (71 DIS-P0SIÇÃU=AUSETNANI,ERSETZT'IT'C: TTAdUZiN)OS
"dis-posrçâo", auas p.iãvras.-'àr"irra.r','' COrr. A MESM8
..Auseinanderserzung,'
Reslrondemos a essa questáo em duas vias, que nos condu- .oalavra
"Ârsoinandertreren '. amhas sad - c.ompóstás - ão'"ni*r-o pref e
der" 1= um fora do outr_o),, o radicai, ixo. .,auseinan-
ziram à gramática e à etimologia da palavra. Reunamos agora (- anda.r para frente, marchart, orrlrá'vez pô.t-, ,,'r.* vez é o verbo ..lrelen,,
.."etrc.,.
o resultado dessa dupla discussáo da plavra "ser": rocor)' Amhas as eomnosições'aizem asilmé'o'reito (= Dôr. co_
rentes, r. sair resDcctivA-enti, pôi,,--'to.ã"ãà íb'aspectos
;i,i.;, q*e
i,", irãuão"'àiiã-
'tuzir, ser'indo-nós do pr.ocuramos tra_
gramatical da morfologia da palavra """iiào'e'a""ãri"ãI"ài"-,"àãi,\ a" paravrn rris-posição.
1. A consideração 'u) coMPER'rINÉNCra-zusaNilENGEIrc.rtíFIT..
deu o seguinte resultado: os moclos determinados da signifi- !o 'adr'érbio, "z.ssammon'j t= .-.iu,rtã,i"iit"i 'á'a" subsranlivo formarlo
;;;ü":t;;hôe;;11,.i:
l= porte,cert, signiÍicando destarlc"r.ãriuão-â"'duu"
caçáo da palavra já náo chegam a ter validez no infinitivo mas tencerem em conjunto uma -t-ã- o,, mais coisas per_
palalt !r "compertinência". a outrà, {.io }1ür."_o. exl)rimir cont a
desaparecem. A substantivaçáo do infinito fixa e objetiva com-
pletamente êsse desaparecimento. A palavra §e torna um nome (9) Im alemão as formas
presenir -da primeira e telc€ira pcssoa do Dlur.al do
do indieativo do verbo,'?scin'; (serl :."i"*a.i'ãâ-".ii|
que designa algo indeterminado. íruo se diz: "Die Steine .sind', (- as peaiãi-;dr)""'*.i;.i;-;;;a,:'i]
"á"'iáe"t'iããi, irà.J
(10) Ern alemão as fomas d_o imp_erfeito do indicativo ",iâil
2. A do sentido da palavra
consideraçáo etimológica fome.do particÍpio passado. do veiUà,-:."-.;il; il'se.l diferen. e subiuntivo e a
ramente das outràs fôrmas, tenao iiao'oeriiãarÀ au-áútir";;à'i"ri:';,"";;:;- morfolôpi_
chegou a estabelecer: o que hoje e desde de há multo evocâ- ures. Êsse radicat não apaiec-e n" üito;;; dr;itiirri,,:l"ir"ã""';;;_i"iffi,;:
mos com o nome "§er", é, segundo o significado, uma fusáo (11)_.SáGá-SAGE: A palavra alemã, ,.Sage" dot.ir.a_se
do vcrbo ..salcn,,
niveladora de três significações de raízes diversas. Em sentido
próprlo e de modo determinante, nenhuma delas prevalece no E"L"üqiiliJsHlff
mesma pa.la\ra,',a saga',.Ts;"i";';".i;iX;'*,1,U;'i*:i:;Jl'r;áí'"-"q"'f ;*!:
com.o seflundo se'ntido"da pálã.:rà ãi",ià ü;iã.r;";
signiticado do nome. Essa fusáo e aquêle desaparecimento con- emprerla-lhe um sentido téenico significanaoãÀ-a'palayra..Sufe',.
cri4inário do Ser. que constitui à-?!prç" ;;'qiie .-n'ri"g.*gc*-:à ;s".";;;;.-
o-rrr",
vergem entre sl. Na coniugaçáo dêsses dois processos encon- .,2a. c mesmo sicnificeÍro e ionieriáo'"a'ii"ãüiai, li ;;üPg""p;i".;;';;;-
trrguêsa, "sag6", -
100
101
ilt

A QUESTÃO SÔBRE A
ESSENCIALIZAÇÃO DO SER

Investigamos a palavra .,ser" para penetrarmos no


fato
em aprêço e o colocarmos no lugar que Ihe pertence. pois
não querÍamos aceitá-ro às cegas, comô admitimos o fato
de
que há gato e cachorro.
euerÍamos tomar uma atitude frente
a êle. E o querÍamos mesmo com o risco de um tal ,,euerer,,
parecer oIstinaçáo e alheiamento do mundo, que,
agarrado a
anáIlses de meros vocábulos, julga real o irreal
e extràvagante.
Queríamos iluminar por dentro o fato. como resurtado dêsse
esfôrço, constatamos que a linguagem forma, em
seu processo
linguístico, "infinitivos", por ex., ;.ser,,, que, com
o tempo, se
t-ransÍormou no significado gasto e indeterminado
da palavra.
É de fato assim mesmo. Ao invés de lograrmos
uma
por dentro do fato, juxtapusemos_lhe ou pospusernos_lhe iluminação
um
outro da história da lÍngua.
Se nos voltássemos agora sôbre êsses fatos da história
cla
lÍngua a fim de investigarmos, por que sáo assim, co*o
tudo o que, talvez, ainda pudéssemos aduzir para explicá_los, "ar,
longe de esclarecê-los, os tornaria apenas mais obscuros.
O
fato. pois, de estarmos diante da palavra ..ser,, na
situaçáo em
que estamos, só confirma a sua iniludível facticidade.
E a êsse
ponto já chegamos desde muito tempo. Nisso se basela po_
a
sição corrente da Íilosofia, que de antemão explica: a palavra
"ser" possui a significaçáo mais vazia de conteúdo e por Ísso
mesmo a mais extensa envergadura. O que se pensa com
e
palavra "ser", o seu conteúdo, é por isso de máxima
universa_
lidade, o genus. O ,.ens in genere,,, como diz a antiga ontologla,

103
pode-se, de certo, explicar (1) .
Por outro lado, náo é menos constataçáo pretensamente cientÍfica de que tudo, que entáo
certo, que nêle náo há nada mais que buscar. Pretender-se experimentamos, não passa de sensações, e nós náo conseguire-
ligar a essa palavra vazla até mesmo a questáo decisiva da mos sair de nosso corpo, do qual depende sempre tudo que
metafísica, nada mais significa senáo uma total confusáo. enumeramos. Queremos, de antemáo, tazet notar, que essas
Aqui só há uma possibilidade: reconhecer o mencionado fato consideraÇões, que tão gratuita e fàcilmente se dão ares pro-
da vacuidade da palavra e deixá-lo assim em paz. E agora, fundamente crÍticos e superiores, são completamente destituí-
poderemos fazê-lo aparentemente com a consciência tanto das de crÍtica.
mais tranqüila, posto que foi cientificamente explicado pela Ao invés, DEIXAMOS o ente assim, como, na vida diária e
história da própria linguagem. nas grandes horas e instantes, nos comprime e agride, exalta e
Portanto, afastemo-nos do esquema vazio dessa palavra deprime. Deixamos todo enie ser, como é. Todavia, para man-
"ser"! Todavia, para onde ir? A resposta não pode ser difÍcil. termo-nos no vórtice de nosso ser Histórico, (geschichiliches
No máximo só poderemos estranhar termo-nos detido, por tanto Dan-sein), assim como naturalmente somos sem sutileza algu-
tempo e em tantos pormenores, g. palavra "ser"! Afastemo-no§' ma, para deixarmos o ente ser sempre o ente, que é, devemos
pois, dessa palavra ttazia e universal e atenhamo-nos às sin- saber, de antemáo, o que significa: "é" e 1,ser".
gularidacles dos domínios particulares do ente em si mesmo. Como então poderíamos constatar, que um pretenso ente,
Para isso dispomos imediatamente de uma multidão de coisas. em dado lugar e tempo, nâo é, se náo soubéssemos, de ante-
Em primeiro lugar, das coisas palpáveis, de tudo que temos, a máo, distinguir claramente entre Ser e não-Ser? Como pode-
tôda hora, ao alcance das máos, instrumentos, veÍculos, etc. ríamos realizar essa distinçáo nítida, se de modo igualmente
Caso êsses entes singulares se nos afigurem demasiado cotidia- nÍtido e determinado náo soubéssemos, o que significa em si
nos, não suficientemente grãfinos e condizentes com "metafí- mesmo aquilo que se distingue na distinçáo, qual seja, não-ser
sica", poder-nos-iamos ater à natureza, que nos cerca, a terra, e ser? Como o ente poderia sempre e cada vez ser para nós um
o mar, as montanha§, os rios, as florestas, e os diversos entes ente, se náo iá entendêssemos "ser,, e ,,não-ser',?
singulares, que contém: árvores, pássaros e insetos, hervas e
Ora constantemente se nos deparam entes. Distinguimo_
pedras. Se pretendermos coisas grandes, a terra está bem pró-
Ios de acôrdo com o seu ser. De um moCo ou de outro julga*
xima. Ente do mesmo modo, como o cume mais próximo, é a mos sôbre ser e não-ser. Sabemos, portanto, univocamente, o
lua, que surge por detrás, ou um planêta. Ente é a multidáo e que significa "ser". A afirmaçáo, de que essa palavra é vazia
o acotovelar-se dos homens numa rua movimentada. Entes e indeterminada, seria apenas um modo de falar superficial e
somos nós mesmos. Entes, os japonêses. Entes, as fugas de
um engano.
Bach. Ente, a catedral de Estrasburgo. Entes sáo os hinos de
Helderlin. Entes, os criminosos. Entes, os loucos de um ma- Com tais reflexões caímos numa situaçáo extremamente
nicômio. ambígua. No comêço constatamos: a palavra ,,ser,, náo nos
Entes, os há por tôda parte e sempre à vontade. Certa- diz nada de determinado. E em nada nos enganamos a nós
mesmos. Achamos e continuamos também agora a achar: ,,ser,'
mente. Mas, donde sabemo§, que tudo is§o, que indicamos e
enumeramos, corn tanta segurança, é sempre e cada vez tlm tem uma significaçáo flutuante, indeterminacla. De outro lado
ente? A pergunta parece insensata, pois com efeito podemos
a consideraçáo, que acabamos de realizar, nos convence de que
distinguimos o "ser" clara e seguramente do náo-ser.
constatar, sem possibilidade 'de engano para qualquer homem
normal, que tudo isso é ente. (E para tanto nem é mesmo Para orentarmo-nos aqui, temos que considerar o seguinte:
necessário usar têrmos exÓticos para a linguagem eorrente, de certo, se pod"e duvidar, que, em algum tempo e lugar, um
eomo "ente" e "o ente") . Náo pretendemos pôr em dúvida, que ente partciular seja ou náo seja. Se a janela ali, por exemplo,
todos êsses entes sejam, fundamentando a nossa dúvlda na que certamente é um ente, esteja ou não esteja fechada.

r04 105
Sôbre isso nos poderemos enganar. Todavia já para isso poder seja ouvindo-a no som da voz ou vendo-a nos caracteres es-
ser posto simplesmente em dúvida, deve-nos palrar, anteclpa- critos, ela sempre se nos apresenta diferente da seqüência de
damente, no espÍrito, a distinçáo determinada entre ser e sons ou letras, "abrakadabra". Essa também é uma série cle
náo-ser. Que o ser seja diferente do não-ser, disso não duvl- sons, mas logo dizemos, que é sem sentido, embora, como fór-
damos nesse caso. mula mágica, possa ter o seu sentido. Dêsse modo, porém, o
Assim a palavra "ser', é indeterminada em sua significa- Ser náo é sem sentido. Igualmente, escrito ou visto, o,,ser,'
ção e, entretanto, nós a entendemos sempre determinada- é logo rliferente de "kzomil". Também essa forma escrita é
mente. "Ser" se mostra pois como algo inteiramente indeter- uma sucessáo de letras, mas que não nos permite pensar nada.
minado, totalmente determinado. De acôrdõ corn â lógica cor- Uma palavra vazía náo há. O que há é uma palavra, em si
rente, apresenta-se aqui uma manifesta contradição. Ora, algo, cheia de conteúdo mas que se desgastou. O nome..Ser,, conser-
que se contrad,iz, não pode ser. Náo há um círculo de quatro va sua fôrça denominativa. Âquela norma:,,afastemo-nos
ângulos. E, sem embargo, há essa contradiçáo: o Ser como dessa palavra vazia, "ser" e atenham-nos aos entes particula-
algo determinado, inteiramente indeterminado. Se náo nos ilu-
res"!, náo constitui apenas uma inclicação precipitada mas al-
d,irmos e nos muitos negócios e ocupações do dia tivermos um tamente contestável . Reflitamos tudo, ainda uma vez, num
instante de tempo para reflexáo, veremos, qne estamos bem exemplo, que, como todo exemplo, aduzido no âmbito de nossa
investigação, nunca esclarecerá em todo 6 seu alcance todo o
dentro no meio dessa contradiçáo. Êsse nosso estar na contra-
estado da questáo, e por isso rnesmo fica sujeito a reservas.
diçáo é tão real como mal poderia ser outra coisa que assim
denominamos, mais real do que cachorro e gâto, automóvel e Pomos para exemplo no lugar do conceito universal ,,ser,',
jornal. a. representação universal ,'árvore',. Ora, ao termos de dizer
e definir, o que é a essência da árvore, afastamo-nos de sua
O fato de ser para nós o ser uma palavra vazia, adquire lepresentaçáo universal e nos dirigimos para as espécies par_
de repente todo um outro viso. por fim começamos a suspel- ticulares de árvore e seus exemplares individuais. Trata-se de
tar da vacuidade afirmada dessa palavra. Ao refletirmos mais um procedimento tão óbvio, que quase nos acanhamos de ain_
de perto, termina por se estabelecer, que, em todo o desapare- da mencioná-lo. Entretanto, a coisa não é tão simples assim.
cimento, confusáo e universalidade de seu significado, entende- Como poderÍamos simplesmente encontrar o táo invocado par-
mos com a palavra ser algo de determinado. Tal determinado, ticular, as árvores singulares, COMO TAIS, i.é, como árvore;
r.r é em tais condições e tão único em sua espécie, que temos
eomo poderÍamos até mesmo procurar simplesmente o que se-
âté de dizer: ria, como árvore, se já náo nos guiasse, como um farol, a
O Ser, que convém a qualquer ente e assim se dispersa, no idéia, do que é simplesmente uma árvore? Se essa idéia universal
corriqueiro, é o que há simplesmente de mais sui generis (ein- de árvore fôsse táo indeterminada e confusa, que náo nos pu-
zigartig) desse prestar indícios seguros para a procura e busca, poderia
Tudo o mais, todo e qualquer ente, mesmo sendo único, então acontecer, que, em lugar de árvores, apresentássemos
pode ainda ser comparado com outro."A sua determinabilldade automóveis ou coelhos, como casos particulares, como exempla-
cresce até em funçáo dessas possibilidades, numa múltipla in- res de árvore. Se é certo, que, para uma determinaQáo mais
determinação. O Ser, ao contrárion náo se pode comparar com precisa da variedade rta essência de árvore, devemos percorrer
nada. Para êle, o outro só é o Nada. E aqui náo há nada par& i,. singular, será, ao menos, iguahnente certo, que um descobri-
comparar. §e, portanto, o ser representa, o que há de mai§ inento da variedade essencial e da essência só se poderá exer-
único e rlcterminado, entáo também a palavra ,,ser', nfr,g ps6s- cer e progredir, quanto mais originàriamente nos representar-
rá ser vazia. E de fato nunca ê vazia. Uma comparação nos mos e soubermos a essência universal de ,,árvore, o que sig-
eonvencerá fàcilrnente dlsso. Ao perceber:nos a palavra .,ser',, nlÍica aqul a essência do ,,vegetal ',e isso importa na essên-

r06 107
Frente ao fato de nos ser o significado da palavra, ,,ser,',
cia" do ser vivo "e da "vidâ". PoderÍamos registrar milhares e um vapor indeterminado, está êsse outro fato de o sempre en-
milhares de árvores, se náo nos iluminasse prêviamente, se não tendermos e distinguirmos com certeza do não-ser. Mas êsse
se determinasse com clareza crescente a partir dc si mesmo e último náo é um segundo fato. Constituem ambos entre si uma
de seu fundamento essencial um saber sôbre a ARVORIDADE, única unidade. Essa unidade perdeu para nós o caráter de
que se fôsse desdobrando progressivamenüe, tudo aquilo seria fato. Não a encontramos absolutamente entre outras coisas
uma emprêsa frÍvola, em que, por causa de tantas árvores, já dadas objetivamente (vorhanden), colno algo também dado
náo verÍamos-a árvore. olojetivamente (vorhanden) . pressentimos, ao contrário, que
Quanto, porém, ao significarlo universal ,,ser,,, poder-se-ia algo acontece com o que, até agora, só temos apreendido, como
objetar que, tratando-se precisamente do que há de mais geral, um fato. E acontece de uma maneira, que exorbita do âmbito
já náo é possível ascenrler para algo superior e mais alto. de qualquer outra ocorrência (Vorkommnis) .
Tratando-se do conceito supremo mais universal o convite de Sem ernbargo, antes de procurarmos apreender, em sua
aplicar-se a seus "inferiores" para superar-lhe o vazio, não é só verclade, o que ocorre com êsse fato, tentemos ainda, e pela
recomendável como também a única saída possível. últinra vez, [omá-lo, como algo conhecido e banal . Suponha-
Por mais contundente que essa observação possa parecer, mos, que êsse fato simplesmente náo exista. Admitamos, que
náo é, sem embargo, vefdadeira. Citemos duas razões: não haja essa significação indeterminada, e que não entenda-
mos sempre, o que'ser" significa. O que ocorreria nesse caso?
1. r simplesmente contestável, que a universalidade do Ser Apenas um nome e urn verbo de menos em nossa linguagem?
seja a do gênero (Genus). Já Aristóteles pressentiu essa pro- De forma alguma. Jd nd,o haueria simplesmente linguagem al-
blematicidade. Em conseqüência, é contestável, que o ente sin- gunxa. O ente já não se nos manifestaria, conLo tal, em pala-
gular possa servir de exemplo do ser, como êsse carvalho serve l,ras. Já náo haveria nem quem nem o que se pudesse lalar
cie exemplo para a árvore em geral,,. É problemático, que os e dizer. Pois dizer e evocar o ente, como tal, inclui ern si com-
modos do Ser (Ser como Natureza, Ser como História) repre- preender de antemáo o ente, como ente, i.é o seu ser. Suposto
sentem "espécies" do gênero ,,Ser,,. que simplesmente não compreendêssemos o Ser, suposto que a
palavra, "ser", náo tivese nem mesmo aquela significaçáo flu-
2. A palavra, "ser,, é, de fato, um nome universal e, apa_ tuante, entáo já náo haveria nenhuma palavra. Nós mesmos
rentemente, uma palavra entre outras. Tal aparência, enire- nunca poderíamos ser aquêles que Íalam. Já, náo poderíamos
tanüo, engana. O nome e o seu denominado -sáo únicos. por ser aquilo que somos. Pois ser homem significa ser um ente
isso todo esfôrço de imaginá-lo por meio de exemplos é, no que fala. O homem só pode ser aquêle, que fala.'sim" e "náo",
fundo, errado e justamente no sentido de que todo, exemplo por ser no fundo de sua Essencializaçáo, um falante, o falante.
náo prova demais e sim de menos. Assim, quando acima se É essa a sua grandeza e, ao mesmo tempo, a sua miséria. É o
lembrou a necessidade de têrmos de antemáo que saber, o que que o distingue da pedra, do vegetal, do animal mas também
significa "árvore", para podermos procurar e encontrar as es- dos deuses. Ainda que tivéssemos mil olhos e mil ouvidos, mil
pécies particulares de árvore e seus exemplares individuais, o máos e mil outros sentidos e órgáos, se, porém, a nossa Essen-
mesmo vale e com maior razâo pars" o Ser. A necessidade de cializaçáo não con-sistisse no poder da linguagem, permane-
já entendermos a palavra "ser", é suprema e incomparável. cer-nos-ia fechado e vendado todo ente: o ente, que nós mes-
Âssim não se segue da "universalidade,, do ,,Ser', com relação mos somos, náo menos <1o que o ente, que nós mesmos náo
a todo ente, que nos aÍastemos, o mais depressa possível, dela e somo§.
nos voltemos para o particular; antes se depreende o contrário, Assim, do que fica dito até agora, se evidencia o seguinte:
a saber, que nos atenhamos a ela, transformemos em saber & ao classificarmos, de início, como um fato, ser (primeiro sem
especificidade dêsse uome e sua denominação.
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nome) para nós o Ser uma palavra vazla de slgnlficaçáo Ílu- O que compreendemos, o que se nos manlfesta, de algum modo,
tuante, des-classicamo-lo e, des-classificando, o de-gradamos na compreensáo, dêle dizemos, que tem um sentido. O Ser,
em sua própria eminência. Na realidade, porém, a compreen- porquanto é simplesmente compreendido, tem um sentido.
são do Ser, embora indeterminada, possui para a nossa exis- Fazet a experiência e conceber o Ser, como o que mais é digno
tência a suprema eminência, porquanto aí vai e se afirma o de ser posto em questáo (das Fragwürdigste), inquirir, por-
poder, no qual se funda simplesmente a possibilidade essen- tanto. o Ser prôpriamente, náo significa outra coisa do que in_
cial de nossa existência. Náo se trata de um fato entre outros vestigar o sentido do Ser.
faüos e sim de algo, que, em, razáo de sua eminência, exige a No Tratado "Ser e Tempo,, a questáo sôbre o Sentido do
maior consideraçáo, suposto naturalmente, que nossa existên- Ser é posta e desenvolvida pela primeira yez na história da fi-
cia, que sempÍe é Histórica, náo nos seja indiferente. E ainda losofia, COMO QUESTÃO, prôpriamente dita. Nêle também se
assim, mesmo pâra. a existência nos ser indiferentê, temos que cliz e fundamenta detalhadamente o que se entende por Sen-
compreender o Ser. Sem essa compreensáo nem poderemos tido (a saber a manifestaçáo do Ser e náo apenas do ente
dizer "náo" à existência. como tal, cfr. Sein und Zeit, s§ 2,44, 56).
Sômente, dignificando em sua eminência, essa proeminên- Por que já não podemos chamar de um fato, o que agora
cia da compreensáo do Ser, preservamo-la, como eminente. mencionamos? Por que essa designaçáo de fato era, desde o
Mas de que modo poderemos dignificar essa eminência? Colho inÍcio, enganadora? porque a nossa compreensáo do Ser não
mantê-la em sua dignidade? se dá simplesmente em nossa existência, como, por exemplo, o
fsso náo se encontra ao arbítrio de nossa vontade! fato de possuirmos lóbulos auriculares dêsse ou daquele feitio.
Em razâo de a compreensáo do Ser flutuar, às mais das O pavilhão auditivo, ao invés de lóbulos, poderia ser feito de
vêzes, num significado indeterminado e permanecer, no entan- ouüra forma. Ora, que compreendemos o Ser, não é apenas real
üo, certa e determinada em nosso saber a seu respeito; em mas também necessário. Sem essa abertura do Ser náo pÕde_
tazã"o de continuar, em tôda a sua eminência, obscura e con- rÍamos, de forma alguma, ser ,,homens,'. eue o sejamos, náo é,
fusa, velada e oculta, deve ser revelada, esclarecida e desoculta- sem dúvida, absolutamente necessário. De per si subsiste a
d,a. O que só poderá ocorrer, inquirindo essa compreensão do possibilidade de o homem simplesmente não ser. Houve até
Ser que, de início, tomamos apenas, como um fato
-
de colocá-la em questáo. -, a fim um tempo em que o homem nã.o era. euer dizer, rigorosamente
falando, náo podemos dizer, houve um tempo em que o homem
A investigaçâo é a maneira autêntica, adequada e única náo ER,A. Em todo tempo o homem era, é e será, porque o
de se dignificar o que, por sua suprema eminência, detém, em tempo só se temporaliza (zeitigt), enquanto o homem é. Não
seu poder, a nossa existência. Essa compreensáo do Ser e, mais houve tempo algum em que o homem náo fôsse, não porque
ainda, o Ser mesmo constitui, portanto, o que há de mais o homem seja desde tôda e por tôda a eternidade, mas porque
digno de .ser posto em questáo (das Fragwürdigste) (2) em tempo náo é eternidade, porque tempo só se temporaliza num
tôda investigagáo. A autenticidade de nossa investigaçáo se tempo, entenctido como existência Histórica do lr.rmem. Se,
mede assim, quanto mais imediata e diretamente nos manti- porém, o homem está na existência, é uma condiçâo necessá-
vermos fiéis ao que é mais digno de ser investigado, a saber, ria que êle possa estar presente ao Ser (da-sein), i.é que êle
ao fato de que o Ser é para nós a compreensáo (das Verstan- compreenda o Ser. Enquanto isso fôr necessário, o homem será
ctene) inteiramente indeterminada e, ao mesmo tempo, suma- também Histôricamente real. por isso sempre compreendemos
mente deterrninada. o Ser, e náo apenas, corno lrcderia parecer, de início, no modo
Compreendemos a palavra "Ser" e com ela tôdas as suas de seu significado verbal flutuante. A determinaçáo, em que
variações, ainda que tal en'1p"1s.nsão pareÇa indeterminada. lhe compreendemos o significado indeterminado, pode-se, ao

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contrárÍo, delimitar univocamente (eindeutigl, e não só, como dlrlge. IVdo parte do §er para o que, na srza manifestação, é
algo acessório, mâs, como a determinação, que, ,cem o saber- dlgno de ser pôsto em questáo (das Fragwürdigste). pôsto que
mos, nos domina desde o fundamento de nosso §et, Para mo§- a slgnificaçáo e o conceito, .,ser',, possuem a máxima univeria_
trá-lo, partimos novamenüe da palavra, "ser". Deve-se ressal- lidade, a metafÍsica como .,física', já não pode, para uma de_
tar, porém, que, de acôrdo com a questão conduüora da meta- terminaçáo maior, alçar-se mais alto. Assim resta_lhe apenas
física, exposta no primeiro capÍtulo, a palavra, "ser" se em- rim caminho: descer do universal para o ente singular. Dêsse
prega aqw numa tal envergaduru, que seu arco só eneontra modo se enche o vazio do conceito de ser a partir do ente.
limites no Nada. Tudo, que náo seja simplesmente nada, e Ora, a indicaçáo de ,,afastar-se db Ser e voltar-se para o ente
até mesmo o Nada, "pertence" ao Ser. singular", revela-se, sem saber como, uma burla de si mesma.
Com efeito, o táo invocado ente singular só se nos poderá
Nas reflexóes precedentes demos um passo decisivo. Num abrir e manilestar, corno tal, se, prêviamente, já c.ompreender_
curso de preleções tudo depende de tais pa§sos. Perguntas oca- mos e na medida em que prêviamente compreendermos o Ser
sionais, que me foram feitas acêrca do curso, denotam repeti- na suo Essenclalizaçõo.
damente, que os senhores, em geral, sempre me ouvem na dl-
Essa Essencializaçáo já se iluminou, embora ainda náo te_
reçáo errada e se atêm a detalhes particulares. É certo, que, nha sido investigada (embora AINDA permaneça isenta de in-
nos cursos das ciências, interessa tambérn o nexo e â estrutura vestigação) .
interna. IVIas para as ciência's êsse nexo se determina imedia- Lembremos âgora a pergunta levantada de início: Será
tamente a partir do objeto, que, de alguma maneira, é sempre o §er apenas uma palavra vazia? Ou será êle, e a inyesti_
objetivamente daclo. Na filosofia, ao contrário, o obieto não gaçáo da questão do ser, o destino da História espiritual
apenas náo e objetivamente dado, como nem há sitnplesmente clo
Ocidente?
objeto algum. A filosofia é o processar-se de um aconteci-
mento (Geschehnis), que sempre de nôvo, deve apreender para
Será o Ser sômente a última fumaça de uma reali<lade
que se evapora, frente à qual a única atitude seria a de dei_
sj mesma o Ser (no manifestar-se, que êle faz de si mesmo e
que a êle pertence) . SÔmente no processo dêsse acontecimento xá-la evaporar-se com indiferença? Ou Será êle o mais digno
(Geschehen) se abre a verdade filosófica. Por isso torna-se de ser pôsto em questáo?
Nessas interrogações damos o passo decisivo, que nos faz
indispensável e decisiva aqui a re-petiçáo e cotn-petiçáo (Nach-
pâssar de um fato indiferente e do pretenso vazio de significa_
und Mitvollzug) (3) dos diversos passos dados no processo
mencionado. ção da palavra "ser', para o acontecimento mais digno cle ser
pôsto e'.m questáo (das fragwürdigste Geschehnis), qual seJa
Que passo demos? Que passo temos de dar sempre de de o Ser se abrir e manifestar necessàriamenüe em nossa com-
nôvo? preensáo.
Em primeiro lugar evidenciamos o seguinte: A palavra, O simples fato aparentemente inabalável, em que cegamen-
"ser", tem uma significaçáo flutuante. Equivale quase que a te se funda â metafísica, está abalado.
uma palavra vazia. A discussáo mais acurada dêsse fato reve- Até agora procuramos apreender na questão sôbre o Ser,
lou que a flutuaçáo do significatlo da palavra encontra sua ex- principalmente, a palavra em sua forma e significaçáo. Oia,
plicaçáo 1. no desaparecimento constitutivo do infintivo; 2' mostramos, que a questão sôbre o Ser náo é uma questão de
na confusão, em que se fundem tôdas as três signiflcações ori- gramáticx e etimologia. Se, náo obstante, ainda agora volta-
glnárias dos étimos. mos a partir cla palavra, é que a linguagem deve ter, aqui e
A seguir caracterizamos o fato assim explicado, como o sempre, uma importância tôda particular.
ponto de partida inabalável de tôda investigaçáo tradiclonal Geralmente na linguagem, a palavra vale como uma ex_
da metafísica sôbre o "ser". Ela parte do ente e para o ente se pressáo secundária que acompanha as vivêrrcias. porquanto

tt2 113
nas vivências se vivern coisa§ e plroce§sos, serve-lhe§ â linguâ- Disso se segue, que, na palavra ,,ser,, 96 suas variações
gern de expressáo mediata, por assim dizer, de repro[ução do c em tudo que se acha na sua esfera verbal, palavra e stÀni_
ente vivido. A palavra "relógio" por ex., possibilita uma trí- ficado mantém uma ligaçáo mais originária ãom o qr'ru ão*
piice distinção, bem conhecida: 1. quanto à forma que se pode êle se pensa, e vice versa. O Ser, em si mesmo, está ordenado
ouvir e ver; 2. quanto ao significado, que com ela se pensa; e referido à palavra de modo muito diferente e bem mais es-
3. quanto à coisa: um relógio, êsse relógio. O primeiro as- sencial do que qualquer ente.
pecto é uma indieaçáo do segundo e êsse a desginação do ter-
ceiro. Do mesmo modo, presumimos nós, podemos distinguir, A PALAVRA "SER", EM CADA T]MA
DE SUAS VARIA-
quanto à palavra "ser", g1 folma, o significaCo e a coisa. E ÇÕES, SE COM?ORTA COMnEspErTo Ao sER EM Sr MESMO
náo é difícil de ver, que, enquanüo permanecermos na forma PON ELA EVOCADO DE UM MODO ESSENCIALMENTE
DI-
VERSO DO QUE TODOS OS OUTROS SUBSTANTIVOS
da palavra e em seu significado, ainda náo chegamos, com a E VER_
nossa questáo sôbre o Ser, até a coisa mesma. Quiséssemos pre-
BOS DA LTNç\IAGEM COM fuELAÇÃO AO ENTE NÊLES
EVOCADO.
tender, haverrnos já apreendido a coisa mesma, i.é, o Ser, me-
tiiante a explicaçáo cla palavra e seu signiflcado, seria um êrro Retroativamente daí resulta, que âs explicações já dadas
demasiado evidente. Náo devemos c.ometê-lo. Seria proceder, sôbre a palavra ,,ser,' têm outro alcance e importânciâ
do que
como alguém, que tentasse estabelecer t) investigar os movi- outras quaisquer discussões sôbre palavras e expressões linguís_
mentos do éter, da matéria, os processos atômicos, empreen- ticas a respeito de qualquer coisa. Ora, se também
aqui,lra_
dendo discussões gramaticais sôbre os vocábulos "éter", e "áto- tando-se da palavra, ..ser,,, há uma conexáo originalíssimà
gene) entre palavra, significação e iurei_
mo", em lugar de empreender os necessários experimentos o Ser em si mesmo, embora
físicos. por assim dizer, falte a coisa, náo devemos, por
pensar, que, a partir da caracterizaçáo
outro lado,
Portanto, tenha a palavra "ser" um significado indetermi- do signiflcado da pala_
vra, Já se pudesse como que desdobrar a Essencializaçáo
nado ou determinado ou, como se mostrou, ambos ao mesmo do Ser.
tempo, trata-se de chegar à coisa em si mesma, ultrapassando - Após essa consideraçáo intercalada sôbre a pecuriaridade,
todo o plano das significações. No entanto, será o Ser, por eom que a questão sôbre o Ser se vincula intimàmente
vestigaçáo sôbre a palavra, retomamos novameute
à in_
acaso, uma coisa, como relógio, casa ou um ente qualquer? nossa investigaçáo. Trata-se de se mostrar, que
a march.a de
Já nos deparamos muitas vêzes e já estranhamos bastante, que dida nossa compreensáo do ser possui uma
e em que me-
o Ser náo é nada de ente nem entidade constitutiva de algum pria e tem a sua orientaçáo dispãsta pelo determinaçáo pró-
ente. O §er do edifício lá defronte náo é TAMBEIIt alguma Ser mesmo. ao pu._
tirmos agora de um modo de dizer do Ser, uma vez que
coisa nern da MESMA espécie que o telhado e o poráo. À pala- de
certa maneira a isso somos obrigados sempre e essencialmente,
vra, por conseguinte, e à significação "Ser" não corresponde é-que tentamos e procuramos atender ao ser em si
coisa alguma. dlto naquele modo. Escolhemos um modo de dizer simptes, mesmn,
DaÍ, porém, náo se poderá deduzir', que o Ser consista ape- corrente e quâse descuidado, no qual o Ser se ciiz numa
nas na palavra e sei.l significado. A significaçáo da palavra forma
verbal, cujo uso é tão freqüente que mal o notamos.
náo constitui, como significaçáo, a essência do Ser. Isso sig- Dizemos: ,,Deus é". ,,A terra é,'. ,,A conferêncla é na salà
nificalia: o Ser do ente, por ex. daquele ediÍícto, consiste numa de aula". "Êste homem é da Suábia", ,,A taça é de prBta,,. ..O
ll
significaçáo verbal. O que seria manifestamente um disparate. eamponês está no campo,,. ,,O livro é dêIe,, (4.) ,.Êle
Ao lnvés, coÍÍl 3 palavra "ser", com o seu significado, através tl morte". "Vermelho é Backbord,'. .,A miséria da fome está da
é
dêle pensamos no Ser em si mesmo, só que êle rráo é uma coisa, na
R-uss-ia". "O inimigo está de retirada',. .,O pulgáo
está nos vi_
se entendermos por coisa um ente qualquer. ;l
nhedos". "O cão está no Jardim',. ,,Sôbre toAos ãs ctmos paz;.
é
ir
114
I 115
i
í
Cada vez se pensa o "é" dlferentemênte. Disso nos pode- gestiva, de que
mos persuadir, sem dificuldade, principãlmente se tomarmos o Ser é uma palavra yazia, demonstra uma
vez mais, e de modo aind.a mais penetrante, a sua inverdade.
êsse modo de dizer assim como realmente se dá, ou seja náo
como simples proposições nem como exemplos isolaclos de uma Mas poder-se-ia objetar agora _ de fato o ,,é,, se
gramática mas como pronunciados a partir de determinada tende numa- multiplicidade en_
de modos. Entretanto, isso náo re_
situação, tarefa e disposição afetiva. side de forma alguma no "é" em si mas táo sômente no
con-
"Deus é": quer dizer: "E REALMENTE EXISTENIE (GE- teúdo objetivo diverso cras afirmações que por êle se referem
GENWÂRTIG) . "A terra é": quer dizer: a experimentamos e
em cada caso a entes diferentes: Deus, terra, taça,
camponês,
pensamos, como CON§TANTEMENTE DADA (vorhanden); "A Iivro, miséria da fome, serenidade nos curnes- Sômente po.quu
conferência é na sala de aula"; significa: TEM LUGAR. "Éste o "é" permanece indeterminado em si mesmo e vazio em
sua
homem é da Suábia"; diz; PROVÉM DE LÃ. ".A. taça é de significação, pode prestar-se a emprêgo tão rrêterogãn;;-"
deüerminar e encher ,.segundo os casos,,. A variedade
;;
prata"; significa: E FEITA DE. "O camponês está no campo" men_
significa: TRANSFERIU SUA ESTADA PARA O CAMPO, AÍ cionada de significações determinadas prova, portanto, justa_
SE DETÉM "O livro é dêle" significa: ELE LHE PERTENCE A mente o contrário do que deveria demonstrar.-só proporcrona
ELE. "Êie é da morte" (5) significa: ELE SUCUMBIÜ À uma prova craríssima de que o ser deve ser indeterminado
a
MORTE. "Vermelho é backbord" significa: ESTa PoR. "O cáo Íim de poder ser determinável.
está no jardim" significa: ANDA POn LÁ. "Sôbre todos os O que se deve dizer a isso? Chegamos agora ao domínio cle
eimos é serenidade" significa o que??? Significará o "é" nesses uma questão decisiva. será que o "é" se diversifica em razáo
verso§: a serenidade se encontra, é dada, tem lugar, se detém? clo conteúdo das proposições qne, cad,a vez, se lhe atribuem,
Nada disso serve aqui. E entretanto é o mesmo simples "é". quer dizer, em razáo dos diversos setores a que
elas se referem,
Ou significa o verso: Sôbre todos os cimos REINA serenidao-e, ou será que ',é,, o Ser _ encobre em si mesmo uma pleni_
como numa classe de aula reina silêncio? Também náo lOu -
tude, cujo desdobramento nos possibilita o acesso à diversi-
talvez: sôbre todos os cimos jaz ou vigora a serenidade? Isso dade dos entes no MODO em que êles sáo em cada caso?
É
seria melhor, mas também essa descriçáo não é adequada. uma questáo que a€fora apenas levantamos. pois ainda náo es_
"Sôbre todos os cimos é serenidade". O "é" náo se deixa tamos suficientemente preparados para desenvolvê_la mais.
circunscrever e continua um simples "é"! dito naqueles poucos O que, porém, náo se pode negar e queremos ressaltar agora
versos, que Goethe escreveu a lápis no untbral da janela de é apenas o seguin[e: o ,,é,, denota, no dizer, uma variedade
um casebre de madeira em Kickelhalhn perto de Ilmenau (cfr. rica de significações. Sempre dizemos ..é,, numa dessas signi_
a carta de Zelter de 4 de setembro de 1831). É estranho va- ficações sem têrmos expressamente necessidade, seja antes ou
cilarmos e hesitarmos com a circunscriçâo e terminarmos por depois, de empreendermos uma interpretaçáo particqlar do ..é,,
abandoná-la completamente, não porque a sua compreensáo ou mesmo de refletirmos sôbre o sentido do Ser. No dizer o,,é,,
fôsse demasiado complicada e difícil, e sim porque o verso rros vem simplesmente ao encontro, entendido ora de uma
é táo simples. Nêle o "é" se diz de modo ainda mais simples e ora
de ouüra maneira. sem embargo a varledade de suas signifi_
próprio do que qualquer outro "é", que continuamente se mis- cações não é unra variedade qualquer. É o que agora veremos.
tura, sem o percerbermos, nos modos de falar e dizer de todo
dia. Enumeramos pela ordem as diversas significações, inter-
pretadas medÍante as descrições acirna. O Ser evocado no ,.ê',
Como quer que seja a interpretaçáo de cada exemplo, os
significa: "realmente existente,,,,,constantemente dado,,,,,ter
modos de dizer do "é", acima mencionados, revelam clara-
mente uma coisa: no "é" o Ser se nos abre e manifesta numa
Iugar", "provir", "consistir de,,, ,,morar,,, .,pertencer,,, ,,su-
multiplicidade de modos. A afirmaçáo, à primeira vista su- cumbir"- "estar por", "encontrar-se,,,,.reinar,,,,.surgir,,,,,apre-
§entar-se". É difÍcil, talvez até impossível, pôr opor-se a sua
116
It?
EssencializaçÉo, abstrair um slgnificado @mum'
como conceito NoT!S
e§-
g"rretiao universal, sob o qnal se pudessem subordinar' como (1\ D,XPLICAR-IIINWEISEN: O rerbo alemào de per si não significe
plicar..Diz aponas "indicar',,...apontar". ex-
pecies, os modos mencionados do "é" ' Náo obstante' atra- dizer.é
EntretÀntá, o quc HriO'àgg""-qü;,
seguinte: sendo- máxiúa a universalidaaó ao'corc"itõ-ãt-'"ei]'i
determi- -o
elrrcidacão de seu conteüdg,
oO. O" todos êles, perpassa um traço homogeneamente d3 vez que todo conceitoconceito já lio,!.ode
sq.vir-s-e àe nentruni áúü";;;;itr;
inctúi.e prássupõe ; có;;;it;- *,1;;;íÊ;;;
..ser',, segundo um de-
nado. Indica êle a compreensáo do verbo .lo ser g 0
_.r0, "9. Lque
_.t0,
Jldactc.
JldaclC.
gue
'I'rat.que
se poderá-
Doderá fazer,
poderá_iazer,.
não será
explicaçáo não
al explicacáO
é sa-"-úíeiiii.íli.-ã'i,ai]àã'iff§:i
sômeite expl;c*ihe ; ;Ai_i,i'üriiiii.'"'l:
será uma
uma denrônsirqeÃn
demonstração, mo"
mas rrrnô
uma ihri^-^Ã^
terminado horizonte, a partir do qual ela se enche de conteúdo: inaicáçaã.
_)) . -(t- {)yD IIl, DE frtAIS DIGNq DE SDR posTo EM
a saber a delimitaçáo do Sentirto do' "§er" dentro do âmbito
,
- eUESTÃO=DAS
üJt_D_IGs_rE j ve j s::e^ s_ô_bl_e_ eslq r: - "
! ry{qqâ o ã r.rorã z a' à À- ó;;:
e',R Á G_It.
(Anwesentreit) a riç a 1e u t r v o L LZ u G-:- -o lubs-
de: apresentação (Gegenwartlgkeit) e presença t . R E p ET r Ç,1 o - N Ac H v o L- Lz u G, co M_p
(3 -
' !anlivo alemâo, "vollzug" significâ "exerctcio] cx.cucão. reatizfcao""- -frãi-
de consistência (Bestehen) e subsistêncla (Bestand), estadia deÍger.aJunta a êsse substanti\.o düas preposições: ..nachi' (= aepbis, após)
e "mil" (= Juntamente com, eonr). súrgein aisim os dois suustãntivos'-ãá
(Aufenthalt) e a-parecer (Vor-kommen) ' texto com _que caracteriza o ún-ico modd de corrpr.ecnsào e iiii"-r-iiã"cü e.i
r,losofia. Para se €ntendqr ve-rdadeiramente o pràcesso de
Tudo isso acena nâ direçáo daquilo com que nos deparamos losóficâ não basta tomar-conhecinlento, Ier ou' oiryir. a uma úilãã" ;i-
,lsso próprio ato de reflexáo exerçamos conjuntarente"""ãiiaiiá-'iiiJ.À
lla primeira caracterizaçáo da experiência e interpretaçáo 'r'e,lo, e. refaçam.os.depois o mesmo caminho percorrido. rssa, aúai iãáias
de, e-\r'c-lcio conjunto e de que refaz
o;;;;o-;";l_
r:regadoSer.Senosativermosàinterpretaçãousualdoin- -csfôrço dL nôvo, cxpr imem_se nos
srbsl-a)tivos, "Mitvorrzug o Nachvbrzirg" respecliyamente. piccuramãi ira-
,::niiivo, o verbo "§er" retira então o seu sentido do caráter illrzi-ru' no texlo côm.)s derivados porÍrrgrrêsns do verbo Ialino..oetere"
'=.. !r husc-ar.,- procurhr. atingir, p5fei.çar-só por atcançarl, iiôã-_pãúiáã,,
rnrtário e determinado do horizonte, que guia a compreensáo ' e "'Re-petição".
rtm §inte§e: uós compreendemos entáo o substantivo verbal í,{) "i) LMO É DÊLtr}":.Em alcrnão a idóia dc.,pertencer'' se pode expri-
rnir com o verbo, "sein" (= ser), pondo-se a coisa Dertencid, ilo ;omilã-
''er" pelo infinitivo, o qual, por sua vez, se reporta sempre ao rvo t c srrje_ito,-.a quern ela pertencc, no dâtivo: assim,.o livro me pei-
tcnce" Ie pocle rlizer: " las Buch ist tnir" (= o livro é a miDr). É um'dos
á" e a variedade por êle exposta. A forma verbal singular e srntid.r. rio verbo ser. }r,m português ocorre â mesma coisa, apenas usamos
; verlrn "ser" numa outra construçâo: o livro é riêle...O lívrô é de mim",
le[erminada , "é", à TERCEIRA PESSOÁ DO SINGULAR DO IN- nào sc diz. Como o exr.mplo dadó no tcxto é da Drimeira p"s"oã,
ilros prra a terceira na tradução, -uá..i
i\lüATM PRESENTE, possui aqui uma proeminência' Náo
compreendemo§ o "ser" com relaçáo ao "tu és", "vós sois", "eu li) ft'c é da mortc" = "er ist des Todes": Essa exDressáo idiomática sic-
llií ica tle estâ condonado a morrer, é um homern morto. Ne lamente evf-
sou" ou "êIes seriam", embora tôdas essas formas expressem d.nc u um outro significado do verbo, ser.
também e, do mesmo moclo que o "é", variações verbais
do
"ser" Por outro lado, sem o querer e qua§e como se náo fôsse
possíveldeoutramaneira,explicamosoinfinitivo"ser"apartir
do "é".
que
Por conseguinte o "ser" possui a significaçáo indicada'
recorda a concepçáo grega da Essencializaçã'o do Ser' uma de-
terminaçáo, portanto, que náo nos caiu por acaso do céu' mas
que, desde milênios, vem dominando a nossa existência Histó-
rica. Com um só golpe, pois, o nosso esfôrço em determinar a
.,ser" se transforma expressamente na-
significaçáo verbal do
qúto qrr" é realmente: numa reÍlexão sôbre a proveniência
de nossa HIS'TÓEIA OCULTA' A questáo: o que há com o
Ser?
se deve manter a si me§ma dentro da História do Ser' a Íim de
poder desdobrar e «)n§ervar sua própria importància Histórica '
Por isso nos atemos uma vez mais ao dlzer do Ser'

118 119
IV

A DELTMTTAÇÃO DO SER

rdssim como encontramos no "é" um modo corriqueiro cle


dizer "ser" assim também, na evocaçáo do nome, "ser',, nos de-
paramos com modos de dizer, já transformados em fórmulas:
Ser e Vir a Ser, Ser e Âparência, Ser e Pensar, Ser e Dever.
Ao dizermos "ser", sentimo-ncs quase que compelidos por
uma fôrça (Zwang) a dizer Ser e... Êsse ,,e,, náo significa
apenas que ajuntamos e acrescentamos incidentalmente uma
outta coisa. Adicionamos ao "ser,, algo, do qual êle se distingue:
S,er e nd,o... Ao mesmo tempo pensamos com êsses títulos-fór-
mulas em alguma coisa, que, como distinta do Ser, lhe pertence
de cerüo modo, embora apenas, como uma olttra coisa.
.{té agora, o curso de nossa investigaçáo náo só desbravou
o terreno. De inÍcio, a questáo em si, a questáo fundamental da
meta-física, compreendemo-la, como uma coisa que nos advém.
e provém de alguma parte. Entretanto, progressivamente ela
se nos foi revelando no que possui de digno de ser investigado
(Fragwiirdigkeit). Agora se mostra mais e mais, como o ÍBn
damento oculto de nossa existência Histórica. Ésse fundamento
ainda se mantém, e principalmente, quando sôbre êle, como por
sôbre um abismo (Abgrund) levemente encoberto, nos move-
mos para cá e para lá e empreendemos um mundo de coisas.
Vamos discutir agora as distinçóes do Ser frente a outra\
coisa. Faremos, entáo, a expetiência, de que o Ser, ao con-
tário da opiniáo corrente, náo é, de modo nenhum, uma pa-
lavra vazia. É determinado de tantas rnaneira,s, que mal po-
demos conservar suficientemente tôd'a a sua determinaçáo. Isso
não basta. Essa experiência ainda terá que desenvolyer-se até

tzl
ao ponto de transformar-se numa experiência fundamental até essencialmente para êsse comêço. Correspondendo à sua
(Grunderfahrung) de nossa existência futura. Â fim de, desde História, é a mais intrincada e a mais problemática em sua
o inicio, podermos acompanhar na maneira devida a reali- pretensáo. (Por isso constitui para nós a mais digna de ser
zaçáo das distinçóes, damos logo os seguintes pontos de re- posta em questáo (die fragwürdigste).
ferência: A quarta distinçáo (Ser e Dever) pertence, inteiramente,
à Época Moderna, de vez que, só muito remotamente, se mo-
1. O Ser, que se delimita frente a outra coisa, se deter- dela na caracterizaçiao do on, como q,g&thon. Desde o fim do
rnina com essa delimitaçáo. século XVIII determina uma das posições predominantes do
espÍrito moderno frente ao ente simplesmente.
2. A delimitaçáo se processa de acôrdo com quatro aspec-
tos reiacionados entre si. Por conseguinte, a delimitaçáo do Ser
ou terá de se ramificar ou de se elevar ou de se rebaixar.
7 . Uma investigaçáo originária da questáo do §er, que
compreendeu a tarefa de um desenvolvimento da verdade da
Essencializaçáo do Ser, tem que expor-se a si mesma, com
3. As distinções náo sáo, de forma alguma, obra do acaso. vistas a uma de-cisão, aos podêres encobertos nessas distinções,
O que nelas se mantém numa divisáo, impele, originàriamente,
a conjugar-se, de vez gue se pertencem uma a outra. Daí te- e as reconduzir à sua própria verdade.
rem uma necessidade própria e específica. Tudo isso, que agora observamos preliminarmente, deve-se
ter sempre em mente nas seguintes reflexões.
4. lts contra-irosiçôes, que, à primeira vista, dáo aparên-
cia de fórmulas, não surgiram em ocasiões quaisquer nem en-
traram na linguagem, por assim dizer, como moqos de falar.
@iginaram-se em estreita conexáo com aquela constituiçáo do 1.
§er, cuja manitestação se tornou normativa para à História do
Oeidente" Frincipiaram com o principio da investigaçáo fi- SereViraSer
losófica.
Essa separaçáo e contra-posição está no princÍpio da in-
5. As distinçóes náo dominaram apenas a filosofia oci-
vestigaçáo do Ser. Também hoje ainda é a mais corrente de-
dental . Impregnam todo saber, dizer e fazer do Ocidente mes-
limitação do Ser por outra coisa. É que ela se impõe imedia-
rno quando náo se exprimem especificamente ou nessas pa- tamente (einleuchten), por fôrça de uma representagáo do Ser,
lavras. já petrificada em evidência natural. O que vem a ser, ainda
6. A sucessáo mencionada dos titulos já oferece um in- náo é. O que é, já náo necessita de vir a ser. O que "é", o
dício da ordem de sua contextura essencial e da seqüência ente, já deixou atrás de si todo vir a ser, de vez que já veio e
Histórica de sua constituiçáo. (1) pôde vir a ser. O que, em sentido próprio, "é", resiste a todo
As duas distinções, citadas em primeiro lugar, (Ser e Vir o impacto do Vir a ser.
â ser, Ser e Aparência) já se configuraram no princípio da Com perspicácia longemirante e de acôrdo com a tarefa
filosofia grega. Com serem a§ mais antigas, sáo também as em si, Parmênides, cuja época recai na transição do VI para o
rnais correntes. v século, ex-pôs, pensando poêticamente (dichtend-denkend)
A terceira distinçã,o (Ser e Pensar), náo menos prelineadas (2),, o Ser do ente em contraste com o Vir a ser. Seu "Poe-
no princípio do que as duas primeiras, foi desenvolvida declsi- ma" (3) (Lehrgedicht) nos foi transmitido apenas em Írag-
vamente pela filosofia de Ptatdo e Aristóteles' Todavla só atln- mentos extensos e essenciais. Aqui mencionaremos apenas uns
giu sua fóição prOpria no comêço da Era Moderna. Contrlbulu versos (Fragmento VIII, 1-8) :

122 129
mênides a de Heráclito. Dêsse último se diz proceder uma sen-
rnonos d'eti mythos hodoio/ leipetai os estin: tautei tença muitas vêzes citada: panta rhei, tudo está fluindo. As-
d'epi semq.t'eq.si/ potld, mall, os ageneton eo?L kai sim, náo há Ser. Tudo "é" vir a ser.
anolethron estin, esti gar oulomeles te kai atremes Acha-se até em perfeita ordem, que surjam tais contrastes:
eil'ateleston, oude pot'en oud'estai, epei enun estin âqui Ser, ali vir a ser. Pois entáo se poderá documentar, desde
oÍnou pan,/ en, sYneches:/. o comêço d,a filosofia, o que se diz ocorrer em todo o decurso
§ó resta a Saga (§age) do caminho, de sua história: que lá onde um filósofo diz A, outro diz B e
(onde se-manifesta), o que há com o Ser; nêle (caminho), enquanüo êsse diz A, aquêle diz B. Assim, quando se assegura,
mostrando-o (Ser), há muitas coisas: que, na História da Filosofia, todos os pensadores disseram
Como o Ser (é) sem nascer nem perecer, fundamentalmente a mesma coisa, apõe-se à compreensáo vul-
consistindo completamente sõzinho gar uma exigência estranha. Para que ,entáo, serviria a His-
e em si mesmo sem estremecimento e sem necessitar em tória da Filosofia Ociclental, táo rica rle formas e tão compli-
absoluto de aperfeiçoamenüo. eada, se todos dizem o mesmo? Bastaria entáo uma filosofia.
Nem táo pouco foi antes como também náo será depois; Tudo já foi dito. Todavia êsse "o mesmo" tem por verdade
pois, como presença, é tuclo simultâneamente: único, uni- interior a riqueza inexgotável do que todos os dias é como se
dade unificante, tôsse o primeiro dia.
reunindo a si mesmo em si mesmo a partir de si mesmo Herd.clito, a quem se atribui, em ab€rta oposiçáo a Parmê-
(cheio cle fôrça de presença (Gegenwartigkeit), é unl- nides, a doutrina do vir a ser, diz, na verdade, o mesmo que
ficador) . êsse último. Êle náo seria um dos maiores dos grandes gregos,
se tivesse dito outra coisa. Apenas não se poderá interpretar-
Essas poucas palavras se encontram diante de nós como es- lhe a doutrina do vir a ser segundo as idéias de um Darwinista
tátuas gregas da época antiga (Frühzeit). O que ainda pos- do século XIX. Sem embargo, a exposiçáo posterior da con-
suímos do Poema de Parmênides, pode-se reunir num caderno traposiçáo do Sêr e Vir a ser nullca mais repousou, táo ünica-
Íino. Derroga, entretanto, bibliotecas inteiras de filosofia na mente em si mesma, como no dizer de Parmênides. Nesses
pretensiosa necessidade de sua existência. Quem conhecer as grandes tempos o dizer do ser do ente traz consigo mesmo a
coordenadas dêsse dizer pensante, perderá, como cidadáo de Essencializaçáo oculta do Ser, de que fala. Nessa necessidade
hoje, todo prazer de escrever livros. Histórica se encontra o mistério da grandeza. Por razões, que
seráo esclarecidas a seguir, limitamos a discussáo dessa prirnei-
O que se diz aí do Ser, sáo semata. Náo são sinais do Ser ra diferença entre "ser e Vir a Ser" às indicações daclas.
nem preclicados. É algo que, a respeito do Ser, mostra-o em si
mesmo a partir'dêle mesmo. Em tal modo de considerar, de-
vemos afastar do Ser todo aspecto de nascer e perecer etc'
Devemos des-considerar no sentido ativo <ie: considerando o ,
Ser, banir da consideraçáo, essas coisas. Exclui-las' O que se
mantém afastado pelo a- e ouCe, náo é de acôrdo com o Ser'
O seu acorde é outro. Ser e Aparência
De tuclo isso depreendemos: Ser se mostra a êsse dizer de A separaçáo entre §cr e .dparência é táo antiga, quanto a
Parmênides, como a própria solidez (Gediegenheit) do consis- primeira. Essa equivalência de originalidade entre ambas as
tente, concentrada em si mesma, não atingida por nenhuma clistinçóes (Ser e Vir a ser, Ser e Aparência) indica uma pro-
inconstância nem mudança. Ainda hoie se costuma contrapor, funda conexão entre elas, que, ainda hoje permanece escon-
nas exposições do início da filosofia, a essa doutrina de Par-
125
t24
dida. É que a segunda (Ser e Âparência) ainda não pôde ser leto alamano conhece a palavra ,,Scheinholz,,, madeira brl_
desdobrada em seu conteúdo autêntico. Para tanto se laz ne- lhante, l.é uma madeira que reluz na escuridão. D;r;e;;;j
cessárlo compreendê-la originàriamente, i.é de modo grego. O sentações dos santos conhecemos a auréola (6), o anel ae
tuz
que náo é fácil para nós modernos, imbuídos de equívocos epis- que brilha em tôrno da cabeça. Mas também conhecemos
os
temológicos e dificeis de evocar a simplicidade do que é es- santos aparêntes (Scheinheiligen), aquêles que- parecem santos
sencial. E sempre que conseguimos fazê-lo, é, às mais das e náo o sáo. Encontramos combates aparentes (scheingefecht),
vêzes. de maneira vazia. ou seja algo que simula um combate. Ao brilhar (scheint), o
sol parece (scheint) mover-se ao redor da terra. O fato de a
À primelia vista, parece uma, clistinção clara. Ser e Apa- hla, que brilha (scheint), medir clois pés de diâmetro é algo
rêneia: o rea; enl d,istinçáo e conttaposiçáo ao irreal; o autên- que só aparece assim (scheint), é apenas uma aparência.
tico oposto ao inautêntico. Nessa interpretaçáo se insinua uma En_
contramos aqui duas espécies de aparência e aparecer. Não
avaliaçáo qr.le dá preferência ao Ser. Dizemos aparência e apa-
se trata de simples juxta-posigáo duma ao lado da outra, mas
rente, como dizemos permanência e permanente (4) . Multas de uma subordinaÇáo: uma é a derivada da outra. Assim o
vêzes se reduz a distingáo entre Ser e Aparência à primeira
sol só pode proporcionar a aparênoia de mover-se ao redor da
entre Ser e Vif a ser. Frente ao Ser, como o constante em si, terra, porque aparece em seu brilho, (scheint), i.é porque bri_
o aparente é o que surge, em dado momento, para de nôvo lha e ao brilhar aparece (erscheint), i.é chega a aparecer (zum
desaparecer mansamente e sem constância nenhuma.
Vorschein kommt) . No brilhar- do sol, como emissáo de luz e
,4. distinção entre Ser e Aparência nos é corriqueira. É até raios, aindâ experimentamos irradiaçáo de calor, de sorte que
urna das moedas gastas que, na superficialidade da vida co- o sol brilha significa: mostra-se e aquece. O britho das luzes,
tidiana, passâmos, sem exame, de máo em máo. Quando muito, que fornra o espiendor da auréola, fàz aparecer, como santo,
usamo-la, como exortaçáo moral e regra de vida no sentido de quem a traz.
evitar as aparências e aspirar a ser: "mais vale ser do que Cbnslderando, com mais rigor, encontramos três rnodos de
parecer" aparência (Schein) . L. a aparência, como esplenclor e brilho
Apesar de tôda essa evidência e famiiiaridade não atina- (7); e. a aparência e o aparecer, como o aparecimento (Ers-
mos, como precisamente Ser e Aparência vieram originària- cheinen) e a presença, a que alguma coisa chega; 3. a aparên-
mente a separar-se. Uma separação indica uma uniáo. Em cia, como ilusào. A simples aparência, que uma coisa dá. Ao
que consiste ela? Antes de tudo se trata de compreender a uni- mesmo tempo, torna-se ciaro, que a ,,aparência',, mencionada
dade escondida de Ser e Aparência. Já náo a entendemos mais, em segundo lugar, a saber o aparecer no sentido de mostrar-se,
poryue decaÍmos cls, distinçáo original, que eresceu HistÔrica- convém tanto à aparência no sentido de esplendor e brilho,
mente e hoje já náo fazemos outra coisa senáo transmiti-la como à mera aparência. E lhes convém náo como uma pro-
adiante como algo pôsto em circulaçáo em algum tempo e priedacie qualquer mas, como o funclamento d.e sua possibili-
lugar. dade. Â Essencializaçáo da aparência está no aparecer. É o
Uma vez mais, para compreendermos essa distinçáo, temos mostrar-sc, o apresentar-se, {Dar-stellen), o estar presente
que retornar ao princípio. (An-stehen), (8), o subsistir numa presença (Vor-liegen) . As-
Se nos afastarmos devidamente da irreflexão e do palavró- sim o livro, há tanto esperado, aparece âgora, isso significa:
rio fácil, ainda poderemos encontrar em nós mesmos um in- agora êle snbsisie numa presença (vorliegt) . Está presente,
dicio que nos seÍvirá de guia para compreender a distinçáo. como um dado objetivo (rrorhanden) e por isso mesmo pode
Dizemos "brilhar" (5) e conhecemos a chuva e o brilhar do ser adquirido. Ao dizermos: a lua aparece (brilha), isso não
sol (Sonnenschein). O sol brilha. Descrevemos: "o quarto es- significa apenas: ela espalha urn brilho, uma certa claridade,
tava pàlidamente iluminado pelo brilho de uma vela". O dia- mas também: está no céu, está presente, é. As esttêlas apare-

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cem em seu brilho, diz: luzindo, elas estão presentes. .dparên- Com isso a idéia tão difundida, de que a filosofia grega, à
cia indica aqui exatamente o mesmo que ser (O verso de §olo: diferença do subJetivismo moderno, ensinara,,,realisticamente,,,
ssteres men amphi kulail. selannqn. . . e a poesia de Matthias um Ser objetivo em si mesmo, desmorona-se como um castelo
Claud.ius: "Cantar uma cançá,o de ninar à luz da lua (Monds- de cartas. Essa idéia corrente se apóia numa compreensáo
chein) ", oferecem uma ocasiáo propícia para se refletir sôbre muito superficÍal. Devemos deixar de laclo títulos, como ,,sub-
Ser e Aparência) . letivo" e "objetivo", ,,realÍsta', e ,,idealista',!
Se levarmos na devida consideraçáo, o que Íica dito, en- Agora trata-se à base da concepção mais adequada do Ser,
contraremos a íntima conexáo entre Ser e Aparência. Mas só tal como os gregos o entenderam, de dar o passo decisivo, que
a apreencleremos integralmente, se entendermos o "Ser" de nos abrjrá o interior da conexáo íntima entre o Ser e Aparên-
modo correspondentemente originário, i.é grego. Já o sabemos: eia. Trata-se de proporcionar a visão de um contexto, que é
para os gregos o Ser se revela como pltEsis. O vigor imperante originária e ünicamente grego, mas que, nem por isso, deixou
(Walten) que, brotando, permanece, é, ao mesmo tempo, e, em cle ter conseqüências próprias e peculiares para o espÍrito do
si mesmo, o âparecimento que aparece. Os radicais das duas Ocidente. O Ser se Essencializa como physis. O vigor impe-
palavras, phu e pha evocam a me§ma coisa. PhAeiz, o bro-
tar, que repousa em -si mesmo, é phainesthai luzir, mostrar-se,
rante, que surge e brota, é aparecer. Êsse apresenta. Tudo isso
lmplica: o Ser, aparecer, deixa sair da dimensão do velado, do
aparecer. o que dos determinados traços do Ser aduzimos até coberto. Enquanto o ente é, como tal, instaura-se e se instala
agora, mais a modo de uma enumeraçáo, o que concluimos da na dimensáo do re-uelado, do des-coberto (LO) (Unverborge-
alusáo a Parmênides, tudo isso iá nos proporcioía uma certa
compreensáo da palavra grega fundamental para designar o
nheit). Sem pensar traduzirnos i. é interpretamos mal, essa
pa,lavra por "verdae1e". É certo que, atualmente, aos poucos se
Ser.
eomeça a traduzir a palavra grega de morlo literal . Isso não
Seria muito instrutivo esclarecer ainda a fôrça evocativa
adianta muito, se logo depois se entende "verdade", num sen-
dessa palavra, partindo da grancle poesia dos gregos. Aqui sirva
tido bem diverso e náo grego, e se põe por baixo da palavra
apenas a indicaçáo de que, por ex., para Píndaro apllva corrs'
grega. Pois a Essencialização grega da verd.ade só é possível
titui a determinaçáo fundamental da existência: to ile phya
em uniáo com a Essencializaçáo grega do Ser, concebido como
kratiston &pan: o que é a partir e pela phya é, em sentido physis. Em razáo dessa contextura original de Essencializaçao
absoluto, o mais poderoso ,01 . Ix, 100); phua diz aquilo que
entre p/rgsis e aletheia, podem dizer os gregos: O ente, en-
alguém é prôpriamente e de modo originário; o que já está se quanto ente, é verdadeiro. O verdadeiro é, como tal, ente. O
essencializando (das schon Ge-Wesende) (9) em Cistinçáo ao
que quer dizer: O que se mostra no vlgor imperante, está na
conjunto de afazeres e atividades (Gémachte e Getue) poste-
dimensão do re-velado, des-coberto. (Unverborgenen). O des-
riormente obtidos e forçados. O Ser é a determinação funda-
coberto, o re-velado, como tal, chega a sua consistência no (ao)
mental do nobre e elevado (i.é daquilo que possui, em seu ser'
uma alta proveniência e nela se funda) . Â êsse respeito mostrar-se. A verdade come re-velaçáo (Un-verborgenheit)
nâo é um acréscimo ao Ser.
criou Píndaro as palavras: Genoi oios essi mathon (Pyth.' II'
?2): "queiras mostrar-te como aquêle que és, aprendendo". O A aerdade pertence à. Essencio,lizaçdo do.Ser. Ser ente im-
estar em si mesmo náo significa, para os grego§, outra coisa plica: apresentar-se, surgir, aparecendo, propor-se, ex-por al-
do que o estar-presente (Da-stehen), o estar à luz (Im-Licht- guma coisa. Nã,o-ser, ao invés, significa: afastar-se da apariçâo
-stehen) . Ser significa aparecef mas náo no sentido, de que o (aparecimento), da presença (Anwesenheit) . Na Essencializa-
a,parecer seja qpalquer coisa de suplementar, que, às vêzes, qáo do aparecimento sq inchri o surgir e o sair, o para frente
acresce ao Ser. Náo. O Ser vige e se Essencializa, como àpa- (Hin) e o para trás (Her), no autêntico s,entido de-monstra-
recer. tivo. Assim o Ser se dispersa na multidáo do ente. Êsse se
t28 129
lmpóe, em tôda parte, como o mai§ próximo e de cada momenüo encobre em seu aspecto (Aussehen) (11) (eldos, id.ea) . Vma
(Jeweiliges) . Enquanto aparece, o ente se dá. Adqulre um as- cldade oÍerece uma vlsta grandiosa. A vista, que um ente tem
pecto de consideraçáo, dokei. Dora significa êsse aspecto, qual em si e que por isso pode oferecer de sl mesmo, pode ser en-
seja, a consideraçáo, em que alguém se encontra' Caso o as- carada dêste ou daquele ponto rle vista. De acôrdo com a dl-
peôto, du acôrdo com o que nêle se apresenta, fôr extraordlná'- versldade do ponto de vista varia a vlsta que assim se oÍerece.
rlo, doxa significa, entáo, glória e fama. Na teologia helenística Por lsso a vista em perspectiva é sempre também uma visão,
e no Nôvo Testamento ilota theou é a glória Dei, a glória de i.é, uma vista que nós temos e condicionamos. Na experiêncla
Deus. IvÍagnificar (rühmen), prestar e demonstrar consideragão e atividade com o ente, formamos constantemente visóes de seu
stgniÍica para os grego§: por à luz e assim dar consistência, aspecto. Muitas vêzes tais visões se Íormam sem que exami-
ser. A fama náo é alguma coisa, que alguém recebe ou náo, nemos cuidadosamente as coisas em si mesmas. por êsse ou
de quebra. É o modo de ser supremo. Para os modernos a Íama aquêle meio, por essa ou aquela razáo chegamos a uma vl$,o
de há muito que se tornou apenas celebridade. Àlgo de muito sôbre determinada coisa. Formamos uma oplniáo a seu re§-
duvldoso: uma promoçáo, que a imprensa e o rá'dio lançam G peito. Pode ocorrer que a visáo, que nos parece, o nosso pare-
propagam agitadamente quase o contrário de ser. Para Pín- cer, náo encontre base na própria coisa. Trata-se de simples
-
daro magniÍicar 7ühmez) constitui a Essencializaçáo da poesla' parecer de uma visão. De uma suposição. Supomos alguma
Poetar significa: por à luz. Isso náo implica que a represen- colsa dessa ou daquela maneira. Emitimos uma mera opinláo.
taçáo da luz desempenhe um papel especial. Diz apenas que Supor é em grego dechesthdi (Todo supor está sempre relacio-
êle pensa e poeta como grego, lsto é, está na E§sencializaçlo nado com o que subministra o aparecer) . A d,oxa no senüdo
grega do Ser. do que se supõe dessa ou .daquela maneira, é a opiniãn.
Trata-se de se mostrar que e de que modo para os gregos Estamos aonde querÍamos chegar. posto que o Ser, physts,
Aparecer pertence ao Ser. Ou mais precisamente: que e de consiste no aparecer, no oferecer aspectos, encontra-se essen-
que moclo o Ser tem sua Essencializaçáo também no Âparecer' cialmente e portanto necessária e constantemente na possibl-
i o qou ficou esclarecido na §uprema possibilÍdade do ser hu- lidade de apresentar qm aspecto que justamente encobre e oculta
mano, tal como os gregos a configuraram nâ fama e no m&g- o que o ente é na verdade, isto é, n(r, dimensdo d,o re-pelado e
des-coberto (Unverborgenheit). Essa vlsta, em que o ente vem
nlÍlcar (afamaf). Fama é ilota. Dokeo significa: eu me mostro,
apareço, entro na luz. O que aqui se experimenta mais pela a estar, é aparência no sentido de simples aparentar. Onde há
vlsta e visão, a saber o aspecto de consideraçáo, em que alguém re-velaçáo, des-cobrimento (Unverborgenheit) do ente, há
re encontra, a outra palavra grega para dizer fama, kleos, et,;t'- também a possibilidade da aparência (Schein). E oncle o ente
cara nrais do ponto de vista do ouvir e propagar (Geher und aparece e assim se mantém firme por muito tempo, a aparên-
RuÍen). Assim a fama é o renome em que alguém se acha' cia pode desfazer-se e desmanchar-se.
Heráclito diz (Frag. 29)'. areuntai gar en anti apanton oi Com o rrome, doÍ.a, se evoca algo complexo: 1. Consldera-
anstoi,kleosaenaonthneton,oidepolloikekorentalokospet çáo, como fama, 2. Consideraçáo, como o mero aspecto, que
ktenea: "Ântes de tudo o mais escolhem uma coisa os mals alguma colsa oferece, 3. Consideraçáo como: simples parecer
nobres: a fama que permanece constante frente ao que morre' asslm, "a aparência", somo simples aparência, 4. Parecer, que
A multidáo está saciada, como o gado". alguém Íorm&, optntáo .Essa polivalência de stgniÍicados não é
Sem embargo em tudo isso se insinua uma limitaçáo, que lmpreclsáo negligente de linguagem. É o jôgo profundamente
revela a coisa em si mesma na plenitude de sua Essenclaliza- Íundado na sabedoria madura de uma grande língua, que gusr-
çá,a. Dora é a consideração em que alguém se
encontra' no da e protege, na palavra, traços Essenciais do Ser. Para, desde
sentldo mais amplo. A conslderação, que todo ente eneerra c o prlncíplo, se ter clareaa, cumpre evitarmos tomar a aperên-

130 131
cla e talseá,-la como algo apenas "lmaglnado" e "subjetlvo". desvirtua. Por isso diz Nietzsehe com razão que o Cristianismo
Pelo contrárlo: visto que o aparecer perterice ao próprio ente, é Platonismo para o povo.
por isso lhe pertence também a aparência. Ao contrário, a grande época da existência grega foi uma
Pensemos no sol. Diàriamente êle nasce e se põe. Só pou- única auto-aÍirmaçáo criadora na turbulência do jôgo de tensão
quissimos astrônomos, físicos e filósofos e êsses ainda assim muiüo intrincada entre as potências, Ser e Aparência. (Sôbre
-
apenas em razão de uma atitude especial mais ou meno§ cor- o nexo essencial e originário entre a existência do homem, o
rente fazem imediatamente uma outra experiência dêsse Ser, como tal, e a verdade no sentido de re-velaçáo (Unver_
fato, a- saber como movimento da terra em redor do scll. Sem borgenheit) e a náo-verctad,e, como velação (encobrimento)
embargo, a aparência em que estáo o sol e a terra, por exemplo cfr. Sein und Zeit, §§ 44 e 68).
a aurora da paisagem, o mar no arrebol, a noite, constitui uma A unidade e o conflito entre o ser e a Aparêucia exercem
apariçáo (Erscheinen). Essa aparência náo é um nacla' Táo originàriamente no pensamento dos primeiros pensadores
pouco é destituída de verdade. Nem mesmo, e de maneira al- gregos uma fôrça poderosa. Todavia é nas tragédias gregas que
guma, a simples aparência de um estado de coisas, que na tudo isso vai receber a exposiçáo mais alta e pura. pensemos
natureza, se comporta de per si de modo diferente. Essa apa- no Éd,ipo Rei de Sófocles. Édipo, de inÍcio salvador e senhor
rência é Histórica e História, revelada e fundada na poesia e da Cidade, no esplendor da fama e da graça dos deuses, vai
linguagem (§age) . Assim um domínio essencial de nosso sendo deslocado dessa aparência (Schein), que não constitui
mundo. de forma alguma um parecer meramente subjetivo de ÉCipo a
seu respeito mas a atmosfera, em que aparece a sua existência,
Só a gaiatice arrogente de todo epÍgono e esgotado (Müd-
gewordener) crê poder desfazer-se do poder Histórico da apa- até que se dê a re-velação (Unverborgenheit) de seu ser, como
rência, declarando-a "subietiva", embora seia altamente "pro- assassino do pai e desrepeitador da mãe. O caminho que vai
daquele comêço de glória até êsse fim de horror, é um único
blemática" a essência dessa "subietividade". Outra é a expe-
rlência grega dêsse poder da aparência. Sempre de nôvo ti- embate entre a aparência (Schein) (velamento e dissimulação)
veram que arrancar o Ser à aparência e protegê-lo contra ela e a re-velação (o Ser) . À Çidade está velado e oculto o as_
(O §er se Essencializa a partir da re-velaçáo (Un-verbor- sassino do entáo rei Laio. Com a paixão, de quem está na
genheit). evidência do esplendor e é grego, empenha-se Édipo em des-
cobrir êsse velado e oculto. passo a passo, tern que por-se a
ünicamente por subsistirem ao embate entre Ser e Apa- si mesmo a clescoberto. Re-velaçáo que só pôde suportar, per-
rência extraíram do ente o ser, conduzindo o ente à consistên-
Íurando-se os olhos. Afastando-se de tôda luz. Fazendo cair
cia e re-velaçáo (Unverborgenheit): os deuses e o Estado, o
sôbre si o véu da noite. Ofuscado e encoberto pela cegueira
templo e a tragédia, a competiçáo e a filosofia' Mas tudo isso põe-se a abrir tôdas as portas, a fim de aparecer ao povo como
edificaram no meio da aparência, cercado§ por ela, levando-a
aquêle que êle é mesmo.
a sério, conhecendo-lhe o poder' Apenas entre os sofistas e em
Platáo, a aparência se viu declarada §imples aparêncla e assim Náo devemos ver em rdipo apenas o homem decaÍclo. De-
íebaixada. Concomitantemente o Ser §e desloca, como idea, vemos apreender nêle a forma da existência grega, na qual a
para um lugar supra-sensível. O hiato, chorlsmos, se abriu paixáo fundamental dos gregos galga o seu grau mais alto e
entre o ente aper.-as aparente aqui em baixo e o Ser real em mais brutal: a paixáo de.des-vendar o Ser. paixáo do com-
bate pelo Ser em si mesmo. Na poesia: .,num azul amável
^A,
algum lugar lá encima. O hiato em que depols se instaura a
doutrina do Cristianismo, transformando o inferior no criado e Íloresce. .." Hq,lderlin diz estas palavras videntes: ,,O rei Édi-
o superior no Criador e, com as próprias armas gregas, assim po talvez tenha um ôlho demais". Êsse ôlho demais é a condi-
transformadas, se opõe à antiguidade (como o paganismo) e e çáo fundamental de tôda grande investigação, de todo grande

r32 133
saber e também seu único fundamento metafíslco. Essa paixáo Quem pois, que homem traz consigo mais da
eonstitui todo o saber e tôda ciência dos gregos. existêncla disciplinada e ajustada do que quem
Quando hoje se recomenda à ciência por-§e ao serviço do está na aparência para depois aparecendo
povo, trata-se de uma exigência lmperiosa e digna de ser le- declinar? - -
vada em consideraçáo. Todavia é uma exigêncla,, que exige
pouco demais e náo atinge o que prôpriamente se devia exigir ' (a saber: declinar do estado de consis-
A vontade oculta de uma transfiguraçáo do ente na manifes- tir de pé em si mesmo) .
taçáo da exi§tência requer muito mais. Para se obter uma
mudança da ciêncla, isso significa,, antes tudo, o saber origi- Ao emlarecer a essência do infinitivo falou-se daquelas
nárlo, para isso necessita a nossa existênpia de todo um outro palavras, que representam uma egklisis, um declinar, uma
aprofundamento metafísico. É indispensável instaurar e con§- queda (casus). É uma modalidade do Ser, entendido êsse, como
tituir verdadeiramente uma nova atitude fundamental para o que está em posiçáo vertical, ereto em si mesmo. Ambas
com o Ser do ente em sua totalidade. as derivações do Ser adquirem sua determlnaçáo a parilr do
próprio Ser, concebido como a consistência do que está na
A nossa referência atual para com tudo que signiÍica Ser, luz, i.é do aparecer.
Verdade e Aparêncla, é, de há muito táo confusa, táo sem fun-
damento e paixáo, que mesmo na interpretaçáo e apropriação Agora deve ter Íicado mais clam: ao próprio Ser, enquanto
da poesia grega só pressentimos um mÍnimo do poder que êsse aparecer, pertence a aparência (Schein). O Ser, como apa-
dizer poético desempenhava na prÓpria existência grega' A úl- rência, náo é menos poderoso do que o Ser, como rervelaçáo
tima intepretação de Sófocles (1933), que devemos a Carlos e des-cobrimento (Unverborgenheit) . A aparência (Schein) se
Relnharilt, está essencialmente muito mais próxima da exis- processa no próprio ente com êle mesmo. Ora, a aparêncta
tência e do ser dos gregos, porque Reinhardt vê e investiga o não só laz aparecer o ente, tal como êle prõpriamente náo é,
acontecimenüo trágico a partir das referências fundamentais náo apenas dissimula o ente, do qual é aparência, mas tam-
do Ser, da Re-evelaçáo e da Aparôncia. Muito embora ainda bém se encobre a si mesma, como aparência, posto que se
influam subjetivismos e psicologismos modernos, constitui uma mostra como Ser. E é exatamente por isso, por dissimular es-
grandlosa contribulçáo para a interpretação de Édlpo Rei, como senclalmente a si mesma, ao encobrir e dissimular o ente, quc
"a tragédia da aparência. dizemos com razáo: as aparências enganam. Tal engano re-
Termino aqui essas indicações sôbre a configuração poética side na própria aparência em si mesma. Sômente porque a
do embate entre Ser e Aparência, edificada pelos gregos, com aparência já engana em si mesma, pode ela enganar o homem
a citaçío de uma passagem de Édipo Itei de Sófocles, que no§ c assim levá-lo a uma ilusáo. Mas o iludir-se é apenas um,
dará ocasiáo, sem Íorçar em nada o texto, de restâbelecer o entre muitos outros modos, em que o homem se move no trí-
rrexo entre nossa caracterizaçáo pÍovisória do Ser greg§, en- plice munclo de Ser, R,e-velagão e Aparência.
tendido no sentldo de consistêncla, e a caracterizaçáo agora Para dizê-lo asrsim: o espaço, que se expande dentro tlos
alcançada do Ser, como apaBecer. limites, descritos por Ser, Re-velaçáo e Apar§ncia, é o que en-
Os poucos versos do último côro da Tragédia (vv. 1189ss) tendo por error (L2) Urre) , Aparência, engano, ilusáo, error
dizem: estáo entre si em determinadas relações de essencializaçáo e
Tls go,r tls aner Pleon processo. Tais relações foram táo falsamente interpretadas pela
tos euilalmonlas pherel psicologia e gnoseologia, que hoje mal as podemos experimentar
c tossounton oson dokeln e reconhecer com a devida clareza, como potências da exis-
kal dorant' dpok$nal? tência coüidlana,
1s{ 135
Em primeiro lugar tratava-se de esclarecer como - à O desbi'avar rtrais arrtigo dêsses três caminhos nos con-
base da interpretaçáo grega do Ser, concebido como pfu3lsis, e serva a tradiçáo na filosofia de Parmênides, rlo Poema já ci-
só a partir d.essa base pertencem necessàriamente ao Ser tado. Determinaremos os três caminhos, indicando alguns frag-
-
üanto a Verd,ad.e no sentido de re-velaçáo, como a Aparêncla, mentos do Poema. Náo é possível dar aqui uma interpretacão
no sentido de determinado modo de aparecer, do mostrar-sb completa.
que §urge.
Dado que Ser e Aparência se pertencem mütuamente e O Fragmento 4 diz na traduçáo:
nessa mútua pertinência se implicam um ao outro, essa im-
plicaçáo recíproca instaura sempre a troca de um pelo outro e' "Ei.s o que eu digo: presta tôda a consideraçáo à pa-
por conseguinte, uma constante confusáo e a possibilidade de lavra, que ouves sôbre
engano e equivocaçáo. Por isso, no princÍpio da filosofia, i.é.' Quais caminhos se há de ter em mira, como os únicos
na primeira manifestaçáo do Ser do ente, o esfôrço principal próprios de uma investigação.
tlo pensamento teve cte convergir para disciplinar a necessidade O primeiro: como o Ser é (o que o Ser) e também
do Ser na Áparência. Pata distinguir o Ser da Aparência. Essa quáo impossÍvel, o Náo-ser.
tarefa exige, por sua vez, dar a primazia à verdade, entendida A senCa de uma confiança fundada é seguir a re-vela-
.como des-cobrimento, frente ao encobrimento (Verborgenheit) .
çáo (Unverborgenheit) .

Ao re-velar-se frente ao velar-se, concebido como vendar e dis- O segundo: Como não é e também, quáo necessário ré)
simular. Devendo o Ser diferençar-se do outro e fixar-se, como o não-ser. Êsse, pr:rtanto, segundo te revelo, é uma.
p@sis, opera-se a distinçáo entre Ser e Náo-ser e, ao mesmo vereda, que náo se pode em absoluto interpelar, pois
tempo também entre Náo-ser e Aparência. Ambas e§sas dls- nem podes travar conhecimento com o náo-ser, de vez
tlnções náo coincidem. que não é de tornar-se acessÍvel,
Dado ser essa a situaçáo de Ser, Re-velação, Aparência e nem podes indicá-lo com palavras".
Náo-ser, três caminhos se tornam necessários para o homem,
que manifestando-se, se atém a si mesmo no meio do Ser, e a ,{.qui se separam claramente, antes de tudo, dois caminhos:
partir dessa atitude, se comporta dêsse ou daquele modo com o
ente. Para assumir a sua existência na claridade do Ser, o l. O caminho pâra o ser é simultàneamente o caminho
homem deve primeiro dar consistência ao Ser; segund'o, man- para a Re-velaçáo. Êsse caminho é inevitável.
tê-lo na e contra a t{parência e terceiro, arrancar, ao me§mo
t.empo, o Ser e a Aparência ao abismo do Náo-ser. 2. O caminho para o náo-ser, embora náo possa ser per-
O homem tem que distinguir êsses três caminhos e se de- corrido, têm por isso mesmo que se conhecer como um canti-
cidir de acôrdo com êles e frente a êles. No principio da fi- nho inviável e precisamente no tocante ao fato de ser o cami-
losofia pensar é abrir e desbravar êsses três caminhos. Distln- nho que leva ao não-ser. Êsse fragmento nos dá também o tes-
guindo-o, o homem se põe na encruzilhada dêles, e por conse- temunho mais antigo na filosofia, de que, juntamente com o
guinte, em constante re-soluçáo (Ent-scheidung). Es§a re-so- caminho do Ser, cleve ser pensado também e em si mesrro
(eigens) o caminho do náo-ser. Assim constitui um desconhe-
luçáo é o princípio da HistórÍa. Nela e só nela se decide até
sôbre os detrses (oonseqiientemente, re-soluçáo (Ent-scheidung) cimento da questáo do Ser voltar as costas ao Nada, assegu-
náo stgnifica aqui juízo e escolha do homem ma§ uma §o- rando que o Nada maniÍestamente náo é. (O fato, de o Na<la
lução no sentido de separaÇáo (Scheldung) na contextura do nâo ser algo de ente, de forma alguma exclui, que êle perten-
§er Re-velação, Aparência e Náo-ser). ç&, a seu modo, ao Ser) ,

r36 137
Sem embargo, na reÍlexáo sôbre o sentido dos dols cami- "...Faz-se necessáro fazer com que experimentes (tu que
nhos menclonaclos se inclui a discussão com um terceiro, que, agora encetas o caminho para o Ser) tudo: tanto no co-
de um modo todo próprio, val de encontro ao primeiro. O ter- ração firme da re-velagáo de beleza esférica, como tam-
ceiro, que, de um modo todo próprio, vai 'de encontrs ao prl- bém as opinióes dos homens, que nâo possuem confiança
meiro. O terceiro caminho parece com o primeiro e todavla alguma no que é re-velado.
náo conduz ao Ser. Daí suscitar a apdrência de ser êle apenas Em tudo isso, deves também aprender, como se mantém o
um caminho para o náo-ser no sentido do Nada. que aparece, atravessando, à sua manelra, tudo com seu
O fragmeirto 6 mantém, primeiro, rigidamente separados os brilho (scheinmessg), completando assim a perfeiçáo de
dois caminhos expostos no Frag. 4, o para o §er e o para o tudo. "
Nada. Mas, ao mesmo tempo, expõe um ter,ceiro caminho, con-
traposto ao segundo, que é inacessível e por isso mesmo estérll, O terceiro caminho é o da aparência, de tal modo que
uma vez que se dirige ao Nada: nêle a aparência é experimentadà, conlo pertencente ao Ser.
Para os gregos as palavras citadas tinham uma fôrça contun-
"Faz-se mister tanüo da posiçáo coletora (sammelndes dente, originária. Ser e Verdade haurem a sua Essencializaçáo
Hinstellen) como da percepçáo: o ente em seu ser. da physis. O mostrar-se do que aparece, pertence imediata-
Pols o ente tem ser; O náo-ser náo tem neníhum "é"; ad- mente ao Ser e, no Íundo, náo lhe perteqce. PoÍ isso o apa-
virto-te a anotares isso: recer tem que ser exposto também como simples aparência, e
Antes de tudo te afastes dêsse caminho de lnvestigaçáo. isso sempre de-novo.
Mas também dêsse outro, que, evidentemente, se prepa-
ram para sl os homens, que não sabem, os bicéfalos, pois Os três caminhos proporcionam uma indicação em si
o náo-saber-orientar-se constitui para êles o critério de unitária:
sua compreensáo errante; êles sáo jogados de lá para cá, O caminho para o Ser é inevitâvel .
surdos e cegos, tontos; a geraçáo dos que náo distinguem, O caminho para o Nada é inacessível
tem por princípio que o que é dado e o que náo é dado
.

(Vorhandene e Nichtvorhandene) sáo e náo são a mesma


O caminho para a aparên,cia é sempre acessivel e fre-
qüentado, mas evitável
coisa. Para êles a senda segue, em tudo, direções con-
.

trárlas".
Um homem verdadeiramente sábio náo é aquêle que per-
segue cegamente uma verclade. É sômente aquêle que conhece
O caminho agora mencionado é o caminho da doco no constantemente todos os três caminhos, o do Ser, o do não-ser
sentldo da aparência. Nêle o ente se deixa ver ora de uma e o da aparência. Um saber superior e todo saber é superiori-
maneira ora de outra. Aqui reinam sempre e apenas opinlões.
dade, só é concedido àquele que experimentou o Ímpeto alado
Os homens pulam de uma opiniáo para outra num constante
do camiqho para o Ser. Que náo estranhou o espanto do se-
vaivém. Assim confundem entre si Ser e Aparência. Tal ca-
gundo caminho para o abismo do Nada. E que aceitou, como
minho é insistentemente freqüentado, de sorte que os homens
constante necessidade, o terceiro caminho, o da aparêncla.
se perdem inteiramente 4êle.
Tanto mais se torna necessário, conhecê-lo como tal, d A êsse saber pertence o que os gregos chamaram, em sua
Íim de que o Ser se desvende na aparência e contra a apa- grande época: tolma: ousar, numa conjuntura com o §er, o
rência. Náo-ser e a Aparência, i"é. assumir a existêncla sôbre si, le-
Asslm encontramos a lndicaçáo dêsse terceiro camlnho ê vendo-a à re-solugáo entre Ser, Náo-ser e Aparência. A partlr
sua coordenação com o primeiro no fragmento 1 vv. 28-32: dessa poslçáo Íundamental frente ao Ser, diz um de seus

138 139
maicres lloetas, Píndaro Ncmea, III, ?0)'. ett de 1rcira telos lado, ovir a ser, con,cebido, conro "brotar", pertence à pltysis.
diaphainetai "na ousada experimentação no meio do ente se Se entendermos ambos de modo grego, i.é o vir a ser, como
mostra diáfana a plenitude, a perfeição de contornos do que chegar-à-pÍesença e o sair dela, e o Ser, como a presença,
se elevou e chegou à consistência, i.é o Ser. que surge e aparece, o Náo-ser, como a ausência, então a re-
Aqui Íala a mesma posição ftrndamental, que se evidencia ferência recíproca de emergir e submergir, de surgir e ocultar-
na palavra já,citada de Herdclito sôbre o polentos. A dis-posi- se é o aparecer, o Ser mesmo. Como o vir a ser é a aparência
ção, dis-sociaçáo de um do outro (Aus-einanderstzung), i.é não do Ser, assim também a aparência, como aparecer, é o vir a
a mera querela e dissensã.o, mas a dis-puta do que é disputável, ser do ser.
põe, em seus limites e em evidência, o essencial e o náo-essen.. Já por aqui vemos, que náo nos é possível, sem mais nem
cial, o elevado e o baixo. menos, reduzir a, diferença entre Ser e Aparência à separaçáo
Inexgotável para a admiraçáo náo é apenas a segurança entre Ser e Vir a Ser, e vice-vers4. Assim tem que permanecer
madura dessa atitude fundamental para eom o Ser mas ainda ainda aberta a questáo das relações entre ambas as distinções.
a riqueza de sua formaçáo em palavra e em mármore! A resposta dependerá da originarieda<le, amplitude e solidez da
Finalizamos a explicação da oposiçáo e, ao mesmo tempo, fundamentaçáo daquilo em que se Éssencializa o ser do ente.
da uniclade Ce Ser e Aparência com uma palavra de Herdclito A filosofia, também no principio, náo se ateve a §entença§ si11-
(Frag. 123): physis kryptesthai philei o Ser (o aparecer que gulares. Por certo, as exposições posteriore5 de sua História
surge, emergente) tem, em si, a inclinaçáo para oclrtar-se. suscitam essa aparência. Pois elas são doxográficas, i.é uma
Porque Ser significa: aparecer emergente, sair do encobrirnen- descriçáo das opinióes e pareceres dos grandes pensadores.
to, por isso pertence-lhe Essencialmente o encobrimento, a pro- Toclavia quem os perscruta e examina à cata de opinióes e
veniência dêle. Tal proveniência reside na Essencialização do pontos de vista, pode ficar certo de começar e andar errado
Ser. Do gue aparece! como tal . Para ela o Ser está sempre antes mesmo de chegar a algum resultado, i.é de arraniar
inclinado a voltar seja no grande silêncio do obscurecimento, título ou etiqueta para uma filosofia. Pela separaçáo entre os
seja na superficial dissimulação da camuflagem. A proximi- grandes poderes, Ser e Vir a Ser, Ser e Aparência, lutaram o
dade imediata. de physis e kryptesthai revela simultâneamente pensam.ento e a existência dos gregos. Essa dis-puta teve que
a intimidade de Ser e Aparência como o seu embate. desenvolver, numa forma determinada, as relaçóes entre Pensar
Se entendermos o título "Ser e Aparência" na fôrça intac- e Ser. Isso significa: já e4tre os grêgos sê prepara também a
ta da separaçáo, que, no prin,cÍpio, os gregos conquistaram, náo conflguração da terceira diferença.
só se compreenderá a distinçáo e delimitaçáo do Ser frente à
Aparência como também sua pertinência Íntima à separaçáo
entre'Ser e Vir a Ser". O que se detém no vir a ser, já náo é,
por um lado, o Nada, mas, por outro, também ainda náo é, o 3
que está destinado a ser. Segundo essa dualidade de "náo
mais "e "ainda náo" permanece c vir a ser saturado de náo- SER E PENSAR
ser. Sem embargo, o vir a ser náo é um puro Nada. É unr
"náo mais isso" e um "ainda náo aquilo" e assim constante- Já muitas vêzes se Íêz referência ao predomínio normativo
mente um outro. Por isso se deixa ver ora de um ora de na existência ocidental da diferença entre "Ser e Pensar". Sua
outro modo. Apresenta unr aspecto, em si mesmo, inconstante. predominância deve estar fundada na sua própria essenciali-
zaçá"o. Naquilo, pelo que ela §e separa das duas primeiras e da
Assim considerado, o vir a ser é uma aparência do ser.
quarta. Por isso desejamos assinalar, já desde o início, a sua
Na erplicaçáo do princípio sôbre o ser do ente tanto o vir
peculiarirlade. Em primeiro lugar, comparemo-la com as duas
a §er como a aperência têm que conürapor-se ao §er. Por outro
141
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conslderadas anteriormente. Nessas o que se distlnguia do Ser, rente, um slgniflcado bem preclso. fsso signiflca, que o Ser
nos vinha ao encontro a partir do próprio ente. Encontra- mesmo é entendido sempre de modo determlnado. Asslm de-
mo-lo no domÍnio do ente. Nào apenas o vir a ser, como tam- terminado, é-nos sempre manifesto. Tôda compreensáo, toda-
bém a aparência nos ocorrem no ente como tal (Veja-se o sol via, como uma espécie fundamental de manifestaçáo tem que
que nasce e se põe, o bastáo, tantas vêzes lembrado, que mer- se mover sempre num determinado ângulo de visáo (Blick'-
gulhado nágua aparece quebrado, e muitos outros congêneres). bahn) . Uma coisa qualquer, por exemplo, um relógio, perma-
Vir a Ser e Aparecer estáo com o ser do ente, por dizê-lo asslm, necer-nos-á oculüo naquilo que é, enquanto prêviamente, náo
no mesmo plano. soubermos o que é tempo, cálculo e mediçáo de tempo. O ân-
gulo visual da úsão Já deve estar antecipadamente aberto.
Quanto à distinção, Ser e Pensan, porém, o que se distingue
do Ser, o pensar, não sômente pelo conteúdo, mas também pelo Por isso o chamamos o ângulo de pré-visáo (Vorblic'kbahn), e
sentido da contraposiçáo, se diferencia essencialmente tanto "perspectiva". Destarte se mostrará que o Ser náo apenas não
do Vir a ser, como da Aparência. OPensar se contrapõe aro Ser é entendido de modo indeterminado como também que e com-
de tal modo, que o Ser se lhe a-presenta (vor-gestellt) (13) e preensáo determinada do Ser move-se em si mesma num ân-
assim se lhe opõe como o que se lança contra (Gegen-s- gulo de visáo já pre-determinado.
tand) (14). Êsse náo era o caso das duas distinções anteriores. O mover-se para lá e para cá, o deslizar e agitar-se nesse
E essa é também a razáo pela qual tal üstinçáo chegou a âqgulo já se tornou parte de nossa carne e de nossro sangue, a
prevalecer. Essa pre-potência advem-lhe do fato de não se pôr ponto de nem o conhecermos, de nem mesmo o levarmos em
-clmplesmente entre as três outras mas de colocá-las tôdas consideraçáo e entendermos a questdo sôbre êle. A submersáo
diante de si e, colocando-as diante de si (vor-sich-stellend), (para não dizer o estar perdido) na pre-visáo e perspectiva que
por assim dizer as deslocar. Assim o pensar náo é apenas o conduz e dirige tôda a nossa compreensão do ser é tanto
membro de uma distinçáo, de certo modo, ãiferente mas se mais poderosa, e, ao mesmo tempo, oculta, porquanto - também
torna o fundamento e a base a partir da qual se dectde sôbre os gregos náo a esclareceram, como tal, e nem o podiam fazer
o que se coí$rapõe, e isso a tal ponto de o Ser, como tal, ser por razões fundamentais (náo por qualquer fracasso). Entre-
interpretado a partir do pensar. tanto, na constituigáo e no estabelecimento dêsse ângulo de
Nesse sentido deve-se apreciar a lmportância que, preclsa- pre-visáo, em que se movia já a compreensáo grega do Ser,
rnente no oontexto de nossa tarefa, convém à distinção entre paúicipa essencialmente o desenvolvimento da distinçáo entre
Ser e Pensar. Pois, no fundo, inrvestigamos o que há com o Ser e Pensar.
Ser. Como e a partir de onde o Ser é levado a suster-se em Náo obstante náo a colocamos no primeiro mas no ter-
sua Essencializaçáo. É entendido, compreenüdo e constituído, ceiro lugar. Primeiramente tentaremos explicá-Ia em seu con-
como normativo. teúdo como fizemos com as anteriores.
Na dlstinçáo, em aparência, indiferente erltre Ser e Pensar Iniciamos, novamente, caraaterizando aquilo que agora se
é de se ver aquela posição fundamental do espírito do Ocl- contrapóe ao §er.
dente, em que se concentra prôpriamente o nosso ataque. Ela O que significa pensar? Diz-se: "o homem pensa e Deus
só pode ser superada origindrianl,ente, l.é de tal sorte que a dlrlge" (15). Pensar significa aqui: planejar, idear isso ou
sua verdade originária seja lndicada em seus próprlos itmlter aquilo; pensar em alguma coisa (auf dieses und jenes denken)
e assim novamente Íundada. diz: preterrder, ex" pensar em viajar; "pensar no mal" slg-
Do ponto atual da mancha de nossa lnvestlgaçáo nos é nlfica tef em mira; pensar em alguém indica: náo esquecer,
possÍvel «lescortinar um outro aspecto. Já expllcamos antes, nesse caso, pensar significa: recordar, rememorar, lerabrar-se.
que a palavra, "Ser", possul, em contraste com a opinláo cor- Usamos & expressão: êle pensa, no sentido de imaglnar. Quan-

t42 1{S
do alguém dÍz: eu penso que vai dar certo, quer dlzer: assim
todo modo de cornportar-se sempre nos referimos ao ente, náo
me parece, sou «lêsse parecer, na minha opiniáo. pensa.r num
exclusivamente no pensar. Disso náo há dúvida. Todavia a dis-
sentido reforçado significa: refletir sôbre alguma coisa: uma
tinçáo, "Ser e pensar',, indica algo mais essencial do que apenas
situaçáo, um plano, um acontecimento. .,pensar,, vale também,
r:omo tÍtulo do trabalho e da obra uma relação com o ente. Essa distinção surge de uma corres_
d,aqueles que chamamos pondência intrínseca e originária do que nera se distingue
"pensadores". É certo que, à diferença dos animais, todos os e
homens pensam, mas nem todo homem é um pensador. §epara, com o Ser em si mesmo. O Titulo ,,Ser e pensar,, evo,ca
O que inferimos dêsse uso da linguagem? O pensar tanto uma distinçáo, que é como exigida pelo próprio Ser.
se refere ao futuro como ao passado como ao presente. Essa correspondência Íntima do pensar com o Ser, em todo
O pensar
põe alguma coisa rliante de nós, a_presenta (vor_stellenl caso, náo resulta rlo que aduzimos até agora para caracterizar
a-presentar parte sempre de nós. Trata_se de um livre pôr e
. Tal o pensamento. E por que não? porque ainda não logramos urn
dispor de nossa parte, mas náo arbitrário e sim dependente. conceito suficiente do pensar. Onde, porém, poderemos obtê_lo?
Dependente do fato de, pela a-presentação considerarmos Fazemos tal pergunta, como se não houvesse, desde muitos
e
examinarmos o apresentado, analisando_o, decompondo_o séculos, nenhuma .,Lógica',! É a ciência do pensar, a doutrina
e re_
compondo-o de nôvo. pensando, náo só, porém, nos a_presenta_ das regras do pensamento e das formas do seu conteúdo.
mos alguma coisa, a partir de nós mesmos, nem apenas Constitui, ademais, rlentro da filosofia, a ciência e disci_
a ana_
lisamos por analisar, mas seguimos reflexivamente plina, em que os pontos de vista e as correntes das diyersas
o apresen_
tado. Náo o admitimos simplesmente segundo nos agrade, mas concepções de mundo náo clesempenham quase nenhum ou
nos pomos a caminho para, como se diz, perseguir â mesmo nenhum papel. Como se isso ainda não bastasse, ainda
coisa.
Então sabemos como ela se encontra em si mesma. Fazemos é a Lógica uma ciência segura e drgr\a de tôda a confiança.
dela um conceito. procuramos o unlversal. De há muito que vem ensinando a mesma coisa. Sem dúvida
Dos caracteres mencionados, que constituem o que uns transformam a eonstruçáo e seqüência das diversas dou_
se cos_
tuma chamar ,,pensar,,, destacamos três: trinas tradicionais, outros deixam cair isso ou aquilo ou intro_
duzem apêndices gnoseológicos ou fundam tudo na psicologia.
1. O a-presentar ,,a partir de nós mesmos,,, como um Todavia, no seu todo, impera uma concord.ância feliz. Â lógica
comportamento livre. nos dispensa do esfôrço de têrmos de investigar circunstancial-
mente a essencializaçáo d,o pensar.
2. O a-presentar entendiclo como uma sÍntese analitica. Não obstante, temos ainda uma pergunta. O que significa
"Lógica"? O título é uma expressáo abreviada de logike episte_
3. A apreensão a-presentativa.do universal. me, ciência do logos. E iogos significa aqui enunciado, proposi-
gã,o. É, todavia, a lógica deve ser a doutrina do pensarl ppr
De acôrdo com a esfera, em que se move êsse a_prêsentar, que, entáo, é a ciência da proposição?
segundo o grau da liberdade, @nforme a precisáo e segurança
da análise, consoante o alcance da apreensáo, o perrú" ,e"á Por que o pensâr se determina a partir do enunciado?
superficial ou profundo, vàzio ou rico de conteúdo, facultaflvo Isso não se entende, de forma alguma, por si mesmo. Acima
explicamos o "pensar', sem precisar referi-lo à proposiçáo e,ao
ou constringente, jocoso ou sério.
discurso. Dêsse modo, a reflexão sôbre a essencialização do
Todavia ainda náo podemos compreender, porque o pensâr pensar se torna de natureza tôda especial, se ela se efetua
cieva alcançar aquela posição fundamental frente ao Ser, que nos
moldes de uma reflexáo sôbre o Lógos e se Íaz lógica,, ,,A lógica,,
indicamos acima. Pensar constitui, ao lado de d.esejar, quui",
e o "lógico" nã,o constituem sem mais nem menos, nem como
e sentir, uma de nossas faculdades. Em tôda faculdade e em se não houvesse outra possibilidade, os modos exelusivos d"
144
145
tôda deterrninaçào do pensar. Por outro lado, não fol um mero
acâso o fato de a doutrina do pensar haver chegado a ser a conürário. É a lógica que necessita de expltcaçáo e fundamen_
"Lógic8,". taçáo, qo tocante à sua própria origem e ao d.ireito de sua pre_
lensão de ser a interpretaçáo normativa do pensar. Não nos
Como quer que seja, o reeurso à lógica, com o fim dc ocupa aqui a origem histórica da Lógica, como disciplina aca_
delimitar a essencializaçáo do pensar, já se torna uma emprêsa dêmica, nem o seu desenvolvimento ern particular. Ao invós,
problemática pelo simples Íato de a lógica, como tal, e náo
t,emos que considerar as seguintes questões:
&penas algu_mas de suas dorrtrinas e teorias particulares, aer
algo por demais questionável. (Fragwürdiges). Por isso a "Ló-
gica" tem de se pôr em aspas. fsso, porém, náo sig.rrirfica ne- 1. Por que teve que nâscer na Escola platônlca algo assim
nhuma pretensáo de querermos negar o que é "lógico" (no sen- como a "Lógica"?
tido de pensaclo corretamente) . Â serviço do próprio pensar Por que a doutrina sôbre o pensar se tornou uma teo_
procuramos iograr justamente aquilo, a partir do quaX a Essen- ria sôbre o logos no sentido da enunciaçáo (propo_
cializaçáo do pensar se determins., a aletheia e a physis, o sição) ?

Ser" corno re-velação, aquilo que se perdeu ':lrecisamente com a Em que se funda, desde entáo, o poderio sempre cres_
logica. cente do Lógico, que, por Íim, terminou por expressar_
se na seguinte frase de Hegel: .,O LógÍco (é)
Desde quando existe a lógica, que ainda hoje determina a forrna.
absoluta da verdade e muito mais que isso, a verdade
todo o nosso pensar e dizer e, desde cedo, veln condeterminan- pura em si mesma,, (Enciclopédia, § 19, Obras
do essenciairnente a concepção gramatical da língua e com isso Com-
pletas, t. VI, 2»? A êsse poderio do Lógico
a posiçáo fundamental do Ocidente frente à linguagem? Desde ponde o fato de Hegel chamar conscientemente
corres_
quando se iniciou a formaçáo da lógica? Desde quando a fl- de .Ld_
gica a doutrina, que, em geral, se denominava ..Meta_
losoÍie grega entrou em seu fim, convertendo-se numa atri-
física". Pois sua ,.Ciência da Lógica,, nada tem yer
buiçáo das escolas, da organizaçáo e da técnica. Isso se deu,
com um manual de lógica comum.
a
quando o eon, o Ser <io ente, aparece, como idéia, e, como tal,
se tornou o "ob-jeto" da episteme. A lógica se originou no cír-
Em Latim pensar é intelligere. É coisa do intelectus.
eulo das atividades didáticas das escolas platônico-aristótell-
Quando lutamos contra o intelectualismo, devemos entáo, para
eas. É uma invenção dos mestres de escol*., nãü dos Íilósofos. lutar reaimente, conhecer o adversário. Isso significa
E sempre que os fiiósofos dela se ocuparâm, fizeram-no por que o intelectualismo é apenas um rebento saber
preocupações mais originárias e náo no inierêsse da lógica. ,rÃu o."o.rá.r-
Nem mesmo é fruto do acaso, que os grandes e decisivos es-
"
cia moderna e muito precária, de uma proemiência
longamente
preparada e edificada com os recursos
forços, no sentido da superaçáo da lóglca tradicional, tenhem da metafísica ocidental.
Eliminar as excrescências do interectuarismo moderno é tareÍa
sido realizados por três Íilósofos alemães € pelos maiores entre
importante. Nem por isso, todavia, sua posição se deixa,
êles: por Leibniz, Kant e Hegel. no
mínimo que seja, abalar. Náo é nem tocada. Ào contrário, per_
Como exposiçáo da estrutula Íormal do pensar e o e!ta- siste até o perigo de recairem no Intelectualismo justamãnfo
belecimento de suas regras, a lógica só pôde surgir depols quc aquêles que o pretendem combater. Uma luta,
jó se havia concretizada a disttnçáo entre Ser e Pensar, c dc derna, contra o intelectualismo de hoje Íaz com que
sômente mo_
acôrdo com uma vlsão partlcular e numa determinada me- sores do uso devldo do intelecto tradicional surjam
os deÍên_
nelra. Por lsso, em sl mesme e em sua Hlstória, a lóglca nunol com apa-
rência de direito. Náo são, sem dúvlda, lnteleótualistas,
poderá dar uma expUcaçáo suÍlclente sôbre e Essenciallzação
porém, de igual orlgem. Essa reaçáo do 1ã,
da dlstlngáo entre Ser e Pensar nem sôbre a sua orlgem' âo espÍrito eortru o qr"
aconteceu até agora,
- a qual provém, em parte, de ume ln3r_
146
r47
razáo. Enquanto formos dessa opiniáo e adotarmos, ademais, a
cia natural, em parte de um impulso consciente - converte-se concepção clo logos da lógica posterior, como a medida e escala
agora no terreno propício para reaçáo política' A desfiguraçáo para sua interpretação, entáo só chegaremos a absurdos na
dã pensar e o abuso do pensamento desfigurado só poderáo tentativa de tornar novamente acessível o princípio da filosofia
ser superados por um pensar autêntico e orÍgnário, e por nada grega. Além disso, nessa maneira de pensar, nunca se poderá
mais. TJma nova instauraçáo dêsse último exige, antes de tudo, esclarecer: 1. por que o logos pôde ser separado do Ser do
o regresso à questáo sôbre a referência essencial do Pensar ente; 2. por que êsse logos teve que determinar a essencializa-
oom o Ser. O que equivale a desdobrar e desenvolver a ques-
ção do pensar e opô-lo ao Ser.
táo clo Ser como tal. Superaçáo da Lógica tradicional náo sig- Vamos logo ao decisivo e investiguemos: o que significa
gnifica abrogar o pensar e instituir o domínio do sentimento logos e legein, se náo significam pensar? Logos significa a Fa-
puro. Significa um pensar mais originário, mai5 rigoroso, per- lavra, o discurso e legein. signiÍica falar. Diâ-logo é o colóquio,
tencente a,0 Ser. monó-logo, o solilóquio. Náo obstante, orignàriamente, Iogos
,Após essa catacterizaçáo geral da distinçáo de Ser e Pensar não significa discnrs,o nem dizer algum. Essa palavra náo
passamos a investigar mais determinadamente: possui, em seu significado, nenhuma referência imediata à lin-
guagem. Lego,legein, em latim legere, é a mesma palavra como
1. Como se Essencializa a unidade originária de Ser e a alemâ, "lesen" (ler) (16): Ehren lesen (colher espigas), Ífole
Pensar, como unidade de phusis e logos? Iesen ( juntar lenha) , die Weinlese (a vindímia) , d.ie Auslese
2. Como se dá a separaçáo originária de logos e phvsis? (seleçáo) "Ein Buch lesen" (ler um livro) é apenas ttm de-
3. Como se chega ao surgÍr e aparecer do logos2 rivado de "lesen", em sentido próprio. Lesen significa pôr uma
4. Como o logos (o "Iógico") chega a ser a essencializa'
coisa ao lado de outra, juntá-las num conjunto, numa síntese;
çáo do pensar? coligir, reunir. Coligindo, colhendo, ao mesmo tempo se sele-
5. De que modo êsse logos, entendido como razáo e inte-
ciona, se distingue e separa uma coisa da outra. Nesse sentido
lecto, chegou a dominar o Ser no princípio da filoso-
fia grega? usam os matemáticos gregos a palavra Logos. Uma coleçáo
numismática náo é um simples amontoado de moedas aiunta-
das de quaiquer maneira. Na expresáo "Analogia" (correspon-
Deacôrdocomoscritériosdeorientaçáoacimareferidos dência - Entsprechung) encontramos até juntas ambas as
(pgs. 154ss), seguiremos a distinçáo entre Ser e Pensar em sua
significações: a orÍginár'ia de "relaçáo" (Verhaltnis), "referên-
oiigu* Histórica, o que significa, essen'cial ' Atemo-nos a que o ,cia "(Beziehung) e a de "linguagem", "fala", embora com a
,"pãru.-r" de Ser e Pen§ar, para ser intrínseco e necessário' palavra "correspondência (Entsprechung) mal pensemos em
tem que fundaÍ-se numa compertinência origÍnária do que se
separa. Assim nossa questáo sôbre a origem da distinçáo é' ao "falar" (1?) . "Analôgicamente, também os gregos náo pensa-
*ãt*o tempo e antes de tudo, a questáo sôbre a compertinên- vam, com a palavra logos necessàriamente em "discur§o" e
cia Essencial do Pensar ao Ser. "dlzer".
IIistÔricamente pergunta a questáo: o que se passa com Para dar um exemplo da significaçáo originária de legein,
essa compertinência no princípio normativo da filosofia
oci- como "coligir", serYe uma passagem de Homero, Odisséia,
denfal? Como nêle se entende o pensar? Pode-nos dar um in- XXIV, 106. Trata-se do encontro, no mundo subtérreo (18) dos
dÍcio o fato de a doutrina grega sôbre o pensar ser uma dou- pretendentes mortos, com Agamenon. Êsise os reconhece e a§-
trina sôbre o logos, "lógica". De fâto, deparamo-nos com uma sim lhes fala:
conexáo originária entre Ser, physis, e logos' Apenas temos
de Anfimedáo, por quais caminhos mergulhastes na escuridáo
livrar-n)os de julgar que logos e legein originárla e prÔpria- da terra, todos vós distintos e da mesma idade? Dificilmente'
mente náo signifiquem outra coisa do que pensar' intelecto e
149
148
procurando-se numa Pólis, se poderia reunir (lexatntd homens tnolir um mundo en*elhecido e construir um verdaci.eirernente
táo nobles". nôvo, i.é Histórico, temos que conhecer a tradiçáo. E temos
Aristóteles diz na FÍsica VII l, 252a 13: üacis d.e pasa logos qne saber mais, i.é de modo mais rigoroso e constringente
"tôda ordem, porém, possui o caráter de feunião". que
do
tôdas as épocàs anteriores e revoruções passadas. só o mais
Torlavia aincla náo estamos investigando, como a palavra radical saber Histórico nos põe diante do que há de descomunar
logos passa. do significado originário, que nada tem a ver, de em nossa tarefa, e nos preserva de uma nova irrupçáo
inÍclo, com linguagem, palavra ou discurso, para o significado de sim_
ples reposição e estéril imitação.
de dizer e disôurso. Recordamos apenas, que o têrmo logos Iniciamos a demonstraçáo do nexo intrinseco entre logos
mesmo multo tempo depois de significar discurso e enunciaçáo, phAsis, existente no princípio da filosofia
e
alnda conservou sua significaçáo originária, indicando "a rela- lnterpretação de Heráclito.
ocidental, com uma
ção de uma coisa com ouüra".
Mesmo refletindo sôbre o significado fundamental de logos, No decurso da ilistória ocidental Herácrito é aquêre dentre
os mais antigos pensadores gregos, que foi mais
como reuniáo, reunir, pouco é o que ganhamos para o esclare- compleüamente
falsificado numa interpretaçáo não grega. por outro
cimento da questáo: em, que medida o Ser e o Lógos sáo, para larlo, Íoi
quem deu, nos tempos modernos e contemporâneos,
os grego§, numa unidade origlnária, a mesma coisa, a ponto de' os impulsos
posteriormente, poderem e, por razões determinadas, deverem mais vigorosos pâra a reabertura do mundo prôpriament" gr"go.
separar-se? É assim que os doi:,r amigos, Heget e He.ltlerlin estáo,
cad,a um
a seu modo, na grí,lrde e fecunda esteira de Heráclito, com
 alusáo ao significado fundamental de lógos só nos poderá a
diferença, porém, r:r, Hegel olhar para trás e Íechar um
tiar um indÍcio, se iá tivermos compreendido o que "Ser" diz cicro,
Helderlin olhar par,;r Í'rente e abrir outro ciclo. Outra ainda
para os gregos: physis. Não apenas, em geral, nos esforçamos
é a atiüude de Nieta::che lrente a Heráclito. Com efeito,
pcr compreender o Ser, entendido de modo grego, mas pelas Nietzs_
che se tornou uma ,rítima da oposiçáo corrente mas Íalsa de
dlÍerenciaçóes imediatamente anteriores do Ser frente ao Vir
Parmênicles e lÍeráclÍto. É essa uma das razões
& ser e à Aparência cirtun§creYemos de modo §empre mals claro essenciais, por_
qrie a metafÍsica de Nietasche náo chegou até questáo
o significado de Ser. a a"ãi.i-
va, muito embora tenha Nietzsche compreendido a aurora
Na suposiçáo de nunca perdermos, imediatamente de vista tôda a existência grega de um modo, que só foi superado por.
de
o que ficou dito acima, dizemos que o Ser como plr.Usis é o vigor Heelderlin.
imperante, que surge. Em oposiçáo ao vir a ser, mostra-se,
como a consistência, a pre§ença constante. Em oposiçáo à apa- A modificação do significado de Heráclito se proc.essou
com
rêncla, se afirma, como o aparecer, como a pre§ença manifesta. o Cristianismo. Já os padres da Igreja primitiva
a iniciaram.
rlegel ainda está nessa rinha. A doutrina de
O que tem a ver o logos (reuniáo) com o Ser interpretado? Heráclito do Logos
é considerada precursora do /ogos de que trata
Ântes, porém, deve-se investigar, se, no princípio da filosofia o Nôvo Testa_
mento, o Prólogo do Evangelho de são João. O Lógos
grega, se pode documentar uma tal conexáo entre Ser e Lógos? é Cristo.
Ora, de vez que já Heráclito também fata do Lógos, os gregos
Fiealmente se pode. Atemo-nos, novamente, aos dois pertsadores chegaram até às portas da Verdade.{.bsoluta, da
normativos, Partmênides e Heráclito, e procuramos uma vez verdade reve_
lada d,o Cristianismo. Assim, num livro, que me chegou
rnais, descobrir a entrada no mundo grego, cuias coordenadas úItimos dias, pode-se ler o seguinte: ,,Com a aparição
nos
que distorcidas e deslocadas, entulha- real da
Íundamentais
das e encobertas- aindacarregam o no§so mundo. Reitero no- Verdade, em forma divina e humana, se
confirmou o conheci_
mento filosófico dos pensad,ores gregos acerca
-
vamente a necessidade de se inculcar §empre de nôvo: por- Lógos sôbre todo ente. nssa ratúicãÇáo
do domÍnio do
que Justamente nos atrevemos à grande e longa missáo de de- e confirmaçáo funda
o caráter clássieo da fitosofia grega,,.
150
151
De acôrdo com essa concepção da história, táo comum, os tando lerrnido, r'cúr-re (die gesamn-renlnde Gesammeltheit), o
gregos sáo os clássicos da filosofia, porque ainda náo eram teó- reunificante originário (das ursprünglich Sammelnde) Logos,
logos cristáos plenamente amadurecidos. Todavia o que há portanto, náo significa nem sentido nem palavra, nem doufri-
com Heráclito, como precur§or do Evangelista S. Joáo, veremos na nem mesmo "sentido de uma doutrina", mas significa a
mais adiante depois de ouvirmos Heráclito mesmo. unidade de reuniáo constante e, em si mesma, imperante, que
Comeqamos com dois fragmentos, nos quais Heráclito trata é a que reúne em sentÍdo originário.
€xpressamente do Lógos. De propósito detxamos sem traduzir Sem dúvida, o contexto do Fragmento 1 parece sugerir
a palavra Lógos para lhe obtermos a significação do próprio uma interpretaçáo do Iogos, no sentido de palavra e discurso
eontexto. e até parece exigi-la, como a única possÍvel, posto que se alude
ao "ouvir" dos homens. Há mesmo um fragmento em que tal
Fragmento 1. "Enquanto, porém, o LÓgos permanece nexo entre Lógos e "ouvir" se exprime diretamente:
constante, os homens gesticulam e se agitam, como quem náo
compreendeu (argnetoi./, tanto antes, como depois de haverem "Se náo me tendes ouvido a mim mas o Lógos, entáo é
ouvido. Conr efeito, tudo chega a §er ente' conforme e em vir- sábio tiizer-se, portanto; "u,nt é tudo" (Fragmento 50)
tude dêsse Lógos; entretanto, êles (os homens) §e assemelham
.

àqueles, que, sem saber, nunca ousaram alguma coi§a, embora Aqui o Lógos c concebido corno algo que po<le ser ''ouvido".
tentem Íazê-lo, tanto em palavras, como em obras iguais às Que ouüra coisa, portanto, poderia significar essa palavra, se-
que levo a cabo. discernindo (explicando) qualquer coisa katq náo pronunciamento, discurso, palavra, principalmente se se
phlisis, segutrdo o Ser, e esclarecendo o modo, em que §e con- leva em conta que, na época de Heráclito, Iekein já era usado
duzem as coisas. Aros outros homens, porém, (os outros ho- com o significado d'e dizer e falar?
mens, como êles todos sáo, oi ptolloi) lhes permanece oculto o
rlue fazem prôpriamente, quando estáo acordado§, as§im como E o que diz o próprio Heráclito (Fragment,o 73) :

se lhes volüa a esconder depois também aquilo que fizeram du- "Náo se deve agir e falar como no sono".
rante o sono". Nesse caso, usado em oposição a poiebt, legein nâo pode
Fragmento 2: "Por isso se faz mister seguir, i.é ater-se, significar outra coisa do que dizer, falar. Náo obstante, nas
ao que, no ente, está junto (Zu§ammen); enquanto, porém, o passagens decisivas acima (Fragmentos L e 2) logos náo signi-
Lógos se essencializa como o que, no ente, está junto (als dieses fica discurso e palavra. O Fragmento 50, que parece falar es-
Zusammen), a multidão vive, como se cada qual tivesse seu pecialinente ern favor de lógos, como fala, nos dá, corretamente
próprio entendimento (sentido) ". interpretado, unra indicaçáo para compreenclermos ,ogos «le um
O que inferimos dêsses dois fragmentos? ponto de vista totalmente diferente.
Do Lógos se diz: 1. que lhe pertence a constância, o per- Para se ver e entender com clareza o que significa logos
manecer: 2. que êle se essencializa, como o que está iunto no uo sentido de "reuniáo constante", temos que apreender com
ente, o conjunto do ente, o unificante; 3. tudo que acontece, maior precisáo o contexto dos Fragmentos citados em primeiro
i.ó que chega a ser, dá-se segundo e em virtude dêsse conjunto Iugar.
constante; êsse é o vigor imperante. Os homens estáo diante do Jogos, como quem náo o com-
O que aqui se diz do lógos corresponde exatamente ao sig- preende (axynetoi.). Essa palavra, Heráclito a usa frequente-
nificado próprio da plavra: coleçáo, reuniáo (Sammlung) . As- mente (Cfr. principalmente o Fragmento 341 . Trata-se da
sim como a palavra alemá "Sammlung" diz 1. o reunir (das negaqáo de sunhienti, que significa "ajuntar"; axUnetoi'. os
Sammeln) e 2. o que está reunido (die Gesapmeltheit), tam- hqmens são tais, que não ajuutam..., mas náo ajuntam o quê?
bém logos significa aqui a unidade de reunláo, i.é, o que, e§- O logos, aquilo, que 6td, constarltemetúe junto, a unidade de

152 153
reuniáo (die Gesamrnelteitl . Os homens petmanecem sempre mas lorrge. Em que os homens se acham na maioria das vêzes,
aquêles, gue não ajuntam, que náo com-preendem, não ,p.*"r_ e de que, não obstante, se encontram distantes? É o que diz
dem numa unidade, independente de ainda náo terem ou já o Fragmento 34:
terem ouvido. A proposiçáo seguinte diz o que se tem em men_
te. Os h,omens não chegam até ao logos, embora o tentem com "pois àquilo com que êles, às rnais das vêzes, se entretêm
palavras, epe&. Sem dúvida que aqui se alude a palavra e fala, continuamente, ao logos, a êle lhe voltam as costas, e aqui_
lras justanrente para rlistingui-las, até mesmo opô_las aa logos. lo com que se deparam diàriamente, lhes aparece estranho,'.
Heráclito quer'dizer: os homens ouvem e ouvem por certo pa_
làvras. Nesse ouvir, porém, não podem auscultar i.é seguir *qrito O logos, é aquilo com que os homens estáo continuamente
que não é audÍ.rel, como as palavras, o que náo e do qual também sempre distam. Sáo presentes ausentcs e,
é Jata algurna e
sim o logos. Corretamente entendido, o Fragmento 50 prova exa_ assim, os arynetoi, os que não compreendem. Em que consiste,
tamente o contrário cio que dêle gerarmente se 1ê. pois diz: náo portanto, o náo-com-preender, o náo pod.er com_preender dos
deveis ficar presos as palavras mas perceber o logos. posto que homens, que, embora ouvindo palavras, náo apreendem o logos?
logos e legein já signifi,cam então fara e dizer, embora nao Junto s, que, e longe de que estão sempre os homens? Conti_
jam a Essencialização do Lógos, por isso togos, é contraposto ie- nuamente lidam com o Ser e, sem embargo, o Ser lhes é estra_
aqui às epea, a fala. Correspondentemente, se opõe também nho. Com o Ser têm de haver-se sempre, porquanto, con;tan_
ao
simples ouvir t: ao ouvir por aí (H@eren und Herumhoeren) o temente, se comportam e relacionam com o ente" É-lhes, en_
arrtêulico ou.,,i:. qile ó ai;scultar, seguir e ser obed,iente ao que lretanto, estranho o Ser, enquanto dêle se apartarn, por não o
s€, ouve illcerig-sein) (19) . ü simples ouvir se di§persa apreenclerem e sim pensarem, que o ente é sirnplesmente ente
e des_ apenas e nada mais. De certo, estáo acordados (com relacãir
trói no que se pensa e se diz, no ouvir dizer, na doxa, na apa_
rência. O auscultar. autêntico, porém, náo tem nada a ver com âo erlte) e, no entanto, o Ser lhes pernianece oculto. I)ormerrr
oreliras e palavreaclos rl1as segue aquilo que o Logos é: a uni_ e ató uresmo o que então fazem, se lhes escapa. Àfanain_sc
dade de reunido do ente em si ?,,esmn (die Gesammeltheit des com ente e têm o mais palpável (das handgreiflichste) pelo que
Seienden selbst). Ouvir verdadeirantente só podemos, quando se deve compreender (das Zu-begreifende). E assim cada um
já prestamos ouviCo, i.é quando somos obediente ao que ouvi_ tem sempre o que lhe é mais próximo e apreensível . Um sc
1-.os (herigsein) . Essa obediência, entretanto, nada tem atém a lsso, outro àquilo, e o serrtido de cada qual sempre está
a ver absorvido pelo que lhe é próprio, é sempre o (senüido do pró-
i'irm lóbuios auriculares. euem nd,o lôr obediente, estará, de
irntemão, igualmente distante e excluido do logos, por mais prio e particuar" (Eigen-sinn) (20) . Ésse os impede de ter
que possa ter or,r não ter ouvido antes com as orelhas. Aquêles, senstbilidade para o que está reunido em si (das in sich Ge-
que só "ouvem", porque esticam as orelhas para tudo e divul_ sammelte) . Tira-Ihes a possibilidade de serem obedientes e.
gam o qrie assim ouviram, sáo e pcrmanecem awnetoi, os que assim, de ouvirem.
nâo corn-preenciein. O Fragmento 34 nos diz de que espécie Logos é a reuniáo (Sammlung) constante, a unidade de
sáo êsses ouvintes: reuniáo, consistente em si mesma, do ente (die in sich stehende
Gesammeltheit cles Seienden), i.é o Ser. Por isso katd tôn ló-
"os que náo julgam juutar o conjunto constante sáo gon e katd physin do Fragmento 1 significam o mesmo" Phvsis
ou_
vintes que equivalem a surdos,,. elogos sáo a mesma coisa. Í,ógos caracterjza o Ser de um pon-
to de vista nôvo e antigo, ao mesmo tempo: o que é ente, o que
Cuvem, de cerüo, palavras e discursos e, náo obstante, per_ é consistente e estável, acha-se reuniclo em si mesmo por si
manecem trancados ao que deviam ouvir. O provérbio dá tes_ meslno, e se mantém nessa reuniáo. C eon, o ente, é, em sua
temunho do que realmente são: presentes ausentes. Estão Iá, essencializaçáo, tUnon, presença reunida. Xvnon náo significa

154 155
o "universal" mas o que reúne tqdo em si e o mantém junto. a partlr de uma posiçáo fundamental para com o Ser, readqui-
Um tal Íunon é, segundo o Fragmento 114, o nornos para a rida originàriamente.
potis, a legislaçáo (legislar entendido aqui como reunir), a es- Finalizamos a earacterizaçáo da Essencializaçáo do Logos,
trutura interior (das innere Gefüge) d'a polis, náo um univer- que Heráclito pensa, assinalando dois pontos, que ainrla náo
sal, náo algo, que flutua sôbre tudo e ninguém apreende, mas Ioram explicados:
a unidade originàriamente unificante do que tende a separar-
se (Auseinanderstrebende). O sentido do próprio e particular 1. O dizer e ouvir só sáo justos, quando se orientam, prê-
(Eigen-sin) , idia phronesis, que se tranca ao logos, se atém viamente, e em si mesmos, pelo Ser, o Lógos. SÔmente onde
apenas a um ou outro aspecto, pensando encontrar aí o ver- êsse se manifesta, a voz chega s, ser palavra ' SÔmente, quando
dadeiro. O Fragmento 103 diz: "o ponto inicial e o ponto final, se percebe o Ser do ente, que se re-vela, o simples ouvir por aí
reunid,os em si, sáo um e o mesn1o na linha circular". Náo (hermhceren) se converte etn auscultar. Enquanto aquêles que
teria sentido querer entender nessa passagem xunon, como o não apreendem Zogos, akous(ti ouk epistamenon oud'eipein:
"universal". "náo sáo capazes de ouvir nem também de dizer" (frag' 19).
Para os que só têm sentido para o próprio e particular (die Náo conseguem dar à existência solidez dentro do Ser do ente.
Eigen-sinnigen), a vida é sÔmente vida. À morte é, para êles, Só aquêles, que podem fazê-lo, dominam a palavra, os poetas
morte e mais nada. Na realidade, porém, o ser da vida é, ao e os pensadores. Os demais cambaleiam apenas no círculo do
mesmo tempo, morte. Tudo, que começa a viver, já começa sentido do próprio e da incompreensáo. Só deixarn valer o que
t,ambém a morrer, a caminhar para a morte, de sorte que a lhes vem ao encontro, o que os lisonieia e thes é conhecido.
morte é também vida. No Fragmento 8 diz Heráclito: "o que §áo como cachorros: kvnes gar kai ba,ueousin on &n me gignos-
se contrapóe, carregâ-se, mütuamente, um e outro num vaivém kousi.' pois o cachorro também ladra aos que náo conhece'
(hinüber und herüber), reune-se por si mesmo"' O que tende (Frag. 9?). São ásininos "Onozts sErmat'.o,n elesthai ntallon e
a opor-se, é a unid'ade de reuniáo, logos. O Ser de todo ente chrUson", os jumentos preferem feno ao ouno" (Frag. 9) . Em
é o que mais aparece, i.é o mais belo, o que, em si mesmo, tôda a parte se afanam continuamente ,com o ente, enquanto o
é o mais ,consistente. Para os gregos "beleza" é disciplina Ser lhes permanece oculto. O Ser náo se pode pegar e tocar,
(BÉndigung). A reunião daquilo que mais tende a opor-se, é nem ouvir com ⧠orelhas nem cheirar' É algo inteiramente
polemos, o embate, entendido no sentido explicado do processo diverso de um mero vapor e fumaça: "ei panta ta onta kapnos
de por-se um fora do outro (Auseinander-setzung). Para nós, genoito, rhines an diagnoein: "se todos os entes se dissolvessem
(desfizessem) em fumo, as narinas seriarn o que os distingui-
modernos, o belo é, ao contrário, o que alivia tensóes, descansa
e tranquiliza e por isso algo destinado ao prazer e gôzo. Assim, riam e perceberiam" (Frag. 7) .
a arte é algo do domÍnio das confeitarias. Na essencializaçáo
nao Íaz nenhuma diferença, sc o gôzo artístico §erve para §a- 2. Posto que o Ser, entendido como Lógos, é reuniáo ori-
ginária e náo amonüoamento e entulho, em que tudo valeria
tisfazer o sentido apurado do especialista e esteta, ou para a
igualmente tanto e táo pouco convém e the pertence emi-
elevaçáo moral do espírito. Para os gregos on e kalon, dizem
nência e predominio. Para se -poder re-velar, tem que possuir
a mesma coisa (Vigor da presença (Anwesen) é puro aparecer).
e conservar em si mesmo umâ posição preeminente. O fato de
A estética pensa de outra maneira. Ela é táo antiga como a Heráctito falar da multidáo, como de cachorros e jumentos, ca-
lógica. Para ela arte é a expressáo do belo, entendido como racteriza essa posiçáo. Ela pertence essencialmente à existên-
aquilo que agrada por clar prazer. De fato, porém, a arte é eia grega. Quando hoje se é partidârio, às vêzes com dema-
a abertura do Ser do ente. Devemo§ dar um nôvo conteúdo à siado fervor, da Polis dos gregos, náo se deveria subestimar êsse
palavra, "arte" e àquilo que ela significa. Um nôvo conteúdo,
lado, do contrário o conceito de Polis se torna fàcilmente ino-
156 1â?
cente e sentimental. c erninente é o rnais forte. por isso o Agora é a ocasiâo de voltar à questao sôb'e o concelto
cris-
Ser, o Lógos, entendido, como a harmonia reunida, não é fàcil_ tão de lógo.s, especialmente, o d,o Nôvo Testamento. para
uma
mente e de modo igual acessível a todo mundo mas oculto, em exposiçá,o mais exata, cleveríamos distinguir entre
os sinóticos
contra-posição àquele acôrdo, que significa nivelamento, ani_ e São João. Em prin,cipio, porém, pocte_se dizer: no
Nôvo Tes_
guilamento de tensões, igualdacle: harmonia aphanes praneres tamento Lógos náo significa, desde logo, como em Heráclito,
o
kreitton: "a harmonia que náo se mostra (imediatamente e sem Ser do ente, a unidade <Je reuniáo do que tende a
opor_.ce, mas
tnais) é mais poderosa do que o que (sempre) se mostra,, entende significar um ente particurar, o Filho de
oãus. ú cr..
rFrag. 54) no papel de Med,iador entre Deus.e os homens. Essa represen_
Justamente por ser lógos, harmonla, aletheia, phgsis, phai_ tação do Lógos do Nôvo Testamento é a mesma da filosofia
da
nesthai" o Ser náo se mostra de ouaiquer maneira. O verda_ religião dos judeus. que Firáo consüruiu. Em suâ d,outrina
da
deiro nào é para todo mundo. mas sÕmente para os fortes. Fol CriaÇão atribui êIe ao Lógos a determinaçáo de mesites,
de me_
em consideraçáo a essa superioridade e ocultamento do Ser que cliador. Em que medida é êle togos? Fors na trartr,lcão gr.ega,
do
foram ditas aquelas palavras estranhas, que, por parecerem tão Anüigo Tstamento (A Sepüuaginta) lo(ras é o rrülnr. porn
, pu-
pouco gregas, üestimunham justamente a Essencializaçáo da lavra, e palavra n.cl sentido preciso r1e orcler:1"
manciamento: " oi
experiência grega do Ser do qnte: ,,all, osper sarnta, eikei ke- deku, logoi são os rlez rnandamentos de
Deus {o Decálogo). As.
chymenon o katlistos kosnlos": mas como um monte de estêrco sim /ogos significa; kerA*, aggelos, o mensageiro,
que transrnite ordens e mandamentos; -'tri o envlado.
conf,usamente entulhado, é o mundo mals belo,, (Frag.
124) . palavra da Cruz. Ora, a mensagem d.a
Jogo; ,tâ",:""'-{
;íurmq, é o conceito op«:stç a loçyos: o simples
amontoado Cruz é o próprio Cristo;"
frente ao que se sustern,ern sua consistência; o entulho êle é o Logos da salvaçáo. da Vida Eterna, Iógos
frente eoes. Um muu_
à unldade de reuniáo, o oafi-ser íLriV_sein) frente o Ser. do separa tudo isso de Heráclito
h exposrçáo comunt e corl,crrr,e c1a fiiosofia cie Heráclito a Tentamos expor a com_pertinência essenci al d.e physis
e
rssume nas paiavras: panta rttei: ,,tudo fIui,,. /ogos com o propósito de compreencler por
Coso provenham essa unidarle a ne_
de Heraclito tais paiavras, entáo elas náo querem cessidade e possibllirlacle inürínseca d,a dlstinçáo.
dizer: tudo
uma simples troca e muciança, qire se proeessa progressiva_é -. Todavia, agora lrente à caracterizaçáo do Logos de Herá_
mente, pura inconstância, mas que a totalidade do clito quase que se vê alguérn tentado ,
oüj"tnr o Logos perten_
ente se acha ce essencialmente, de modo táo íntimo, ao Ser, que
arrojacla, eni seu ser, de uma oposiçâo à outra
numa oscilaçáo
constanle; que o Ser é a uniciade de reunião dessa inteiramente questionável, como poderá ,rur.". dessa se torna
inquietação unidade
que se coni,r.;põe. e mesmidade de phEsis e lógos a contra_posição do
Logos, cÀo
Ao conceber a significação fundamental de logos, como pensar, ao Ser. De certo, temos aqui
uma questão. Na ver_
reunião e unidade de reuniáo, deye_se estabelecer ti*u. o dade, rrma questão, que, de forma algunra, pretendemos
subes_
seguinte: " tlmar, embora grande seja a tentação. Mas agora só podemos
 reuniáo nunca é uma simples dizer o seguinte: se a unidad.e de pDysis e logos é táo
acumulaçáo e amontoa_ originá_
rnento. EIa mantém numa correspondência, o que tende a des_ ria, também a sua distinção deve ser [ambém correspondente-
pregar-se e contrapor-se. Náo permite desfazer-se na mente originárla. Se, ademais, essa d,istinção entre Ser pen-
dispersão e
e no slmples amontoado. Enterldido como retensáo, o sar e diferente e se opõe de maneira diferente clas anüeriores.
lógos
tem o caráter do vigor que domtna penetrando (Durchwalten), é porque aqui o separar-se tem um outro caráter. por lsso,
em
da phvsisr, O que, assim, é flominado, a reuniáo náo o deixa comespondência ao modo em que afastamos a interpretaçáo
do
rlissolver-se numa vazia inércia d.e contrastes e sim, partir lrigos de tôclas as deturpações ulteriores e a procuramos
a preender a partir da Essenciallzaçáo da physis,
com_
de sua uniáo, retém o que tende a opor-se no máximo rlgor asslm também
cle sua tensáo. temos de procrlrar cornpreender agora êsse a_contecimento da

159
separação de phUsis e lógos de manelra puramente grega, i.é exprime em duas formulaçôes e que o Fragmento
a partir da physis e do 7ó9os. Pois quanto à questão sôbre o formula: to gar uuto noein estin te kai einai. Oe moOo5 assim
gros_
separar-se e a oposição de physis e lógos, Ser e Pensar, estamos seiro e de acôrdo com um hábito de há muito corriqueirJ,
sujeitos, quase de um modo mais direto e tenaz, ao perigo das diz
a traduçáo: .,o pensar e o Ser, porém, sáo o mesmo,,.
falsificações modernas do que na interpretação de sua unidade. guraçâo dessa frase, táo citada, de A desfi_
um modo não grego mal é
Até que ponto? menor do que a falsificaçáo da doutrin a do tógos de
Heráclito.
Ao determinarmos a contra-posiçáo de Ser e Pensar, mo- Entende-se noein, como pensar, e p€nsar, como atividade
vemo-nos nüm esquema corrente. O Ser é o objetivo, o objeto. do sujeito. O pensar do sujeito determina, o que
é o Ser. E
C) Pensar é r: subjetiv'o, o sujeito. A relação do Pensar com o Ser não é outra coisa do que o pensado pelo pensar.
Ora, visto
Ser é a do objeto com o sujeito. Os gregos, assim se crê, por ser o Pensar uma atividade subjetiva, e devendo ser,
segundo
ainda não esüarem formaclos suficientemente em questões Parmênldes, ser e pensar a mesma coisa, tudo se
torna subje_
gnoseológicas, pensaram essa relaçáo de um modo muito pri-. tivo. Não há nenhum ente em si. Uma tal doutrina, asslm se
mitivo. Destarte na contra-posiçáo de Ser e Pensar náo se en- cotrta, se acha em Kant e no idealismo alemão.
No fundo par_
contra nada, que exija reflexão. E toclavia temos que inoes- mênides já lhes precedeu às doutrinas. por isso parmênides
é
tigar. louvado por ê.sse feiüo progressista principalmente em
compara_
O que é êsse processo imposto pela própria essencialização ção com Aristóteles, um pensador grego posterior. fm oposiçáo
da separaçáo entre phgsis e lógos? para evidenciá-lo, temos ao idealismo de platão, defendeu Arrstóteres o realismo
e vate,
que conceber, com maior rigor, do que até agora, a unidade e assim, como o precursor da fdade Média.
correspondência entre ph.ysis e logos. É o que tentaremos, re_ Essa concepção corrente d.eve ser mencionada aqui de modo
correndo a Parmênides. E o fazemos de propósito, uma vez que especial. Não apenas porque causa confusão em tôdàs as expo-
a opinião corrente entende, que a doutrina do Logos, como quer s.ições históricas da filosofia grega, não só porque a própria
que se interprete, é uma particularidade da fllosofia de He_ Íilosofia moderna interpretou a sua história anterior nesse
rdclito. sen-
tido, mas principalmenüe por se haver tornado realmente difÍcil
Permênides compartilha, com Heráclito, da mesma posiçáo. para nós, em razáo da predominância dessas opiniões,
com_
Onde mais poderiam estar êsses dois pensadores gregos, os ins- preender devi<i'amente a verdade daquela frase
originàriamente
tauradores da d,imensão de todos os pensadores, senáo no Ser grcga (nrgriechisch) de parmênides. sômente quando
o con-
do ente? Também para Parmênides o Ser é o en, xynecltes, o seguirmos, poderemos medir e avaliar, que profunda transÍor_
vigor imperante (Walten), que se contém em si mesmo, mou- maçã,o se processou na História espiritual e isso significa
na
non, o único, que unifica, orllon,, o que se mantém completa- História própriamente dita do Ocidente e náo apenas, desde os
mente pleno (vollstrendige), que se mostra constante, através tempos modernos, mas desde os últimos tempos da antiguidade
do qual brilha constantemente a aparência do um e do múltiplo. e do aparecimento do Cristianismo.
Por isso o caminho inevitável do Ser conduz por através da re- To ga rauto noein te kai einai. para se entender essa frase
velaçáo (Unverborgenheit), e permanece sempre um caminho faz-se mlster saber três coisas:
tríplice.
Todavia, onde se fala em Parmênides do lógos? Onde se 1. O que signiflca to auto e te kai?
trata do que agora procuramos, da separaçáo do Ser e do Ló-
gos? Se acharmos algo a êsse respeito em Parmênides, será, 2. O que signif ica noetn?
então, ao que parece, exatamente o contrário de uma separação.
Fbi-nos transmitida pela tradiçáo uma frase, que Parmênides 3. O que stgnifica ainai?
160
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Sôbre o que se pergunt'a em terc'eiro lugar, parece Já es- acontece, como pertencenüe a êsse vigor do Ser, a percepçáo, o
tarmos suÍicientemente lnformados pelo que se disse, anterlor- por-se em posição receptora daqullo que está em sl mesmo cons-
mente, da phUsis. a noein, mencionado em segundo lugar, é, tante e se mostra.
porém, obscuro principalmente se náo traduzirmos êsse verbo Com uma precisáo ainda maior diz permênides a mesma
diretamente por "pensar" e o determinarmos, no sentldo íla Írase no Fragmento 8,v.34: tauton d'esti noein te kai ouneken
lógica, como a pred,icaçáo analíüica. jVoeín signiÍica perceber, esti noerna".' o mesmo é. a percepçáo e aquilo em virtude do
no7ts, a percepçáo, e num duplo sentido conexo entre sl. D€ qual a percepçáo se dá". A percepçáo se dá em virtude do Ser.
um lado perceber (vernehmen) diz ad-mitir (hin-nehmen), Ora êsse só se Essencializa, como aparecer, entra apenas em
deixar chegar, a saber, aquilo que se mostfa, que âparece. De des-velamento, quando se dá revelaçáo, quando se dá um abrlr-
outro lado peiceber (vernehmen) (21) diz ouvir em depoi- se e manifestar-se. Nessas duas formulações a, Írase de par_
mento uma testemunha, fazê-la comparecer e constatar o ocor- mênides nos proporciona uma visáo, ainda mais originária, da
rido, estabelecendo o que há com o Íato. Nesse duplo sentido Essencializaçáo da phUsis. A ela pertence petcepção: o vlgor
percepçáo signiflca o deixar chegar alguém, de sorte que náo se lmperante da ph7sis é também o vigor imperante da percepçáo.
aceita simplesmente mas se prepara para o que se mostra, uma
posiçáo receptiva (Aufnahmestellung), pretendem, entáo, rece-
Em primeira aproximaçáo a frase nada diz do homem, e
sobretudo do homem, como sujeito, e absolutamente nada de
ber o inimigo, que se lhes aproxima, e resebê-lo de modo a, pelo
um sujeito, que reduz üodo o objetivo a algo meramente sub_
menos, detê-lo (zum Stehen bringen). (22) Êsse deüer recep- jetivo. De tudo isso diz justamente o contrário: o Ser vlgora,
tivo (wum-stehen-brigen) daqullo que aparece, é o que slgnl- e porque e na medida em que vigora e aparece, dá_se neces_
f.ica noein. Dêsse percêber afirma a Írase de Parmênides que
sàriamente con1, a aparência também a percepçáo. Se, porém,
é o mesm.o que o Ser. Com isso chegamos à explicaçáo do que
no dar-se (Geschehnis) dessa aparência e percepção, o homem
se perguntava, em primeiro lugar: o que significa to auto, o
mesmo?
deve participar, êsse terá também de ser, deverá também per_
tencer ao Ser. A essencializaçdo e o modo de ser d.o homem só
o que é o mesmo que outro, vale, para nós, como lgual, se pode, entõo, determinar a. p&rtir d,a Essenciatizaçdo d.o Ser.
como uma e a mesma coisa. Em que sentido de unidade se
pensa o um do mesmo? Determiná-lo náo está ao sabor de nosso Dado que, porém,.o aparecer pertence ao Ser, entendido,
arbÍtrio. Ao contrário, agora, quando se trata do dizer do como phlsis, o homem deve, como ente, pertencer a tal apa-
"Ser", d€ve-se entender a unidade no sentido em que Parmênl- recer. Por sua vez, visto que o ser homem constitui, manifes-
des pensa com a palavra "en". lá sabemos que, ness€ caso, a tamente, um ser próprio e peculiar no meio do ente em sua
unidade nunca é a vazia indiferença do igual (Elnerleitheit); totalidade, segue-se que a peculiaridadle do ser do homem surge
não é a mesmidade, entendida, como mera equi-valéhcla do seu modo próprio e específico de I pertencer ao Ser, como
(Gleich-eültigkeit). Unidade é o pertencer ,daquilo que tencle aparecer lmperante e vigente. Enquanto, porém, a êsse apa-
a opor-se, a um único coniunto. Êsse é o que une originàrla- recer pertence percepçáo, o perceber recepüor, daquilo que se
mente. mostra, poder-se-á pressupor, que é a partir daí, que se deter-
Por que diz Parmênides Úe koi2 Porque Pensar e Ser estão mina a essencialização do ser homeúr. Por isso, tratancto-se da
unidos no sentido do que tende a opor-se, i.é são o me§mo co???o lnterpretação daquela frase de Parmênides, náo podemos proce-
pertencentes um ao outro num único coniunto. Como havemos der intr,oduzlndo na interpretaçáo uma concepçáo do ser do
de compreender isso? Partamos do Ser que se nos foi esclare- homem posterior ou até moderna. Ao contrário, a Írase por sl
cido, como ph.ysis, de vários aspectos. Ser diz estar na luz, apa- mesma nos deve dar a indicaçáo, de conto, seguindo-a, l.é se-
recer, entrar na revelação e des-cobrimento (Unverborgenheit). guindo a Essencializaçáo do Ser, se determina a essenciallzaçáo
Onde tal acontece, i.é onde o Ser impera, lá também impera e do homem.

L82 163
Segunclo a frase de Heráclito só se exibe (eCeire - se mos- A percepçáo e o que Parmênides diz dela, não constitui uma
tra), quem é o homem no polentos, no separar-se de deuses e faculdade do homem, já determinado em si. A percepçáo é um
homens, no acontecer da irrupçáo do próprio Ser. Quem é o acontecimento, em que o homem, nêle acontecendo, entra no
homem, não está escrito no céu para os filósofos. Aqui vale, acontecer Histórico como o ente que é, isso quer dizer no sen-
ao invés, o seguinte: tido literal da palavra, em que o homem mesmo chega ao ser.
A per,cepçáo náo é um modo de comportar-se, que o ho-
' 1. A determinaçáo da essencializaçáo do homem nunca é nrem p,ossui, como uma propriedade. Muito pelo contrário: a
uma resposta, mas e-qsencialmente uma questáo. percepÇáo é o acontecimento, que possui o homem. por isso
se fala sempre de noein simplesmente, de percepçáo. O que se
2. A investigaçá,o dessa questáo e sua de,cisáo é Histórica, realiza nessa sentença, náo é nada menos do que o apareci-
náo apenas de modo geral, mas é a essencializaqáo do mento (In-Erscheinung treten) consciente do homem como
acontecer Histórico. Histórico (guardiáo do Ser) . A sentença é táo decisivamente
a deterrninação do ser do homem normativa para o Ocidente,
3. A questáo sôbre quem é o homem, deve ser selnpre co- c.omo uma caracterizaçáo da Essencializaçá"o do Ser. Na corres-
locada em conexáo essencial com a questão sôbre o que pondência de Ser e essencializaçáo do homem se esclarece o
há com o Ser. A questáo sôbre o homem não é uma separar-se de ambos. Na distinçáo ,.Ser e pensar',, de há muito
questáo antropológica mas uma questão Histôricamente esvaziada, desarraigada e empalidecida, já náo poderemos re-
meta-física. conhecer-lhe, a origem, a menos que retornemos ao seu prin-
eípio.
lEssa questáo náo pode ser invesüigada suficientemente na A modalidade e o sentido da oposiçáo entre Ser e Pensar
esfera da meta-fisica, tradicional, que, em sua essencializaçáo só é assim tão particular, porque aqui o homem encara o Ser.
permanece sempre "física"l . Tal acontecimento é o aparecimento consciente do homern, co_
Assim o que se chama nous e noein na frase de Parmênides, rno Histórico. Sõmente depois de ter sido eonhecido como um
náo podemos desfigurar com urn conceiüo de homem que nós tal ente, é que êle foi "definido" num conceito, a saber, como
mesmos trazemos para a interpretaçáo. Devemos antes fazer zoott, lógon echon, animal rationale, animal racional . Nessa de-
a experiência de que o ser do homem só se determina a partir finiçáo do homem se apresenta r» lógos, mas de :ums, lorma
do acontecimento da correspondência essencial entre o Ser e a inteiramente irreconhecível e numa vizinhança rnuito estranha.
Percepçáo. Essa definiçáo do homem é, no fundo, zoológica. A zaon
E o que é o homem nesse vigor de Ser e Percepção? O ini- cle semelhante zoologia permane,ce questionável em muitos pon-
cio do Fragmento 6, que já conhecemos, nos dá a resposta: tos. E, entretanto, foi dentro dos limites dessc delinição que
"chre to legein te noein t'eon. erneno)í: o legein é hecessário a doutrina ocidental do homem, tôds, psicologia, ética, gnoseo-
tanto quanto a percepçáo, a saber, o ente em seu Ser". Iogia e antropologia, se edificou. De há muito, nos debatemos
O noein, ainda náo poclemos conceber aqui simplesmente numa mistura confusa de representações e conceitos extraídos
eomo Pensar. Nem basta também entendê-lo, como percepçáo, dessas disciplinas.
sê e enquanto tomarruos "percepçáo", nesciamente e, de modo Ora, visto que a definiçáo do homem, que suporta e car-
corrente, como uma faculclade, como um modo de comportar-se rega tudo isso, mesmo sem falar de suas interpretações poste-
do homem e do homem assim como nos figuramos de acôrdo riores, já é uma decadência, por isso náo conseguimos ver nada,
com uma biologia e psicologia ou gnoseoologia vazia e pálida. enquanto pensarmos e investigarmos, sob o ângulo de visão por
E é o que ocorre até mesmo quando náo nos referimos expres- ela aberto, o que Se dia e se processa na sentença de parmê-
samente a tais representações. nldes.

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A representaçáo corrente do homem, em tôdas as suas va- 2. A inverstigaçáo dessa questáo é Histórica no sentido
riantes, constitui, apenas um impecilho, que nos veda o acesso originário, segundo o qual é essa investigaçáo, que ins-
ao espaço, em que, no princípio, se dâ e se mantém o apareci- taura pela l.a vez o aoontecer Histórico.
mento da essencializaçã"o do homem. O outro impecilho reside
no fato de nos permanecer estranha até a questáo sôbre o 3. E é assim, porque a questáo, o que é o homem, ió poae
homem.
ser investigada dentro da questáo sôbre o Ser.
Por certo-que há agora livros com o titulo: "O que é o
4. Sômente, quando o Ser se abre na investigação, pro-
homem?" Todavia a questáo figura apenas nas letras da capa. cessa-se o acontecer Histórico e, com isso, aquêle ser do
Náo se investiga e, de forma alguma, por se haver esquecido a
homem em virtude do qual êle se atreve a uma disputa
investigaçáo no meio de tantos livros a escrever, mas por já
com o ente como tal.
se ter uma resposta à questão, e uma resposta em que se diz que
náo se deve invesüigar. Que alguém creia nas proposições, que 5. Tal disputa, que se mantém numa atitude de investiga-
definem o Dogma da lgreja Católica, é uma questão individual, çã"o, taz o homem retornar ao ente que êle mesmo é e
que aqui náo se discute. Que, porém, alguém ponha na caFa deve ser.
de seus livros a questáo: O que é o hotnem?, embora nd,o a
investigue, porque náo quer e náo pode, é uma maneira de 6. §ômente numa investigaçáo Histórica o homem chega
proceder, que, de antemáo, já perdeu todo direito de ser leva,da a si mesmo e é uma pessoa (Selbst) (23) .
a sério. E que entáo o Jornal de Frankfurt ainda elogie um tal
livro, em que só se pergun,ta na capa, dizendo-o "extraordiná- À personalidade do homem significa: o homem é chamado
rio, grandioso e corajoso", revela, até ao mais cego, aonde a transformar em História o Ser, que se lhe abre e manifesta,
estamos. e dar-se a si mesmo no espaço assim aberto consistência. per-
Por que mencionamos aqui coisas desconexas com a inter- sonalidade náo diz que o homem é, em primeiro lugar e antes de
pretacáo da Sentença de Parrnênides? Essa espécie de litera- tudo, um "eu" ou um indivÍduo singular. personalidade é táo
tura é, de fato, em si mesma, sem importância e significaçáo. pouco um "eu" e um indivíduo singular, quão pouco é um .,nós',
O que, porém, náo carece de importância é o estado entrevado e uma comunidade.
de tôda paixáo de investigar de que sofremos já desde tanto
tempo. Tal estado acarreta consigo, que todos os critérios e 7. Por ser, enquanto Histórico, êle mesmo, a questáo sô-
atitudes se confundem e a maioria já náo sabe, onde e entre bre o seu ser especÍfico tem de se transformar da for-
que se deve decldir, caso se deva coniugar-§e com a grandeza ma: "o que é o homem? na forma: ..quem é o homem?,,
da vontade Histórica o rigor e a originalidade do sober His-
tórico. Indicações, como essas, só mostram, quáo longe de nós O que a sentença d,e Parmênides exprime, é uma deterrni-
se acha I investigaçáo de uma questáo, entendida, como acon- naçõ,o da essencialização do homern a partir ila Essencialização
tecimento fund,amental do ser Histórico. Já perdemos até a d,o Ser em si nesmo.
compreensão e sensibilidade da questáo. Por isso para a re-
Ílexáo do que se vai seguir, damos os pontios essenciais de Todavia ainda náo sabemos, como se determina nesse caso
referência: a essencializaçáo do homem. Até agora tratou-se apenas de
delimitar o espaç1o no qual se exprime a sentença e, exprimin-
1. A deüerminação da essencialidade do homem nunca é do-se, o abre e desdobra. Essa indicaçáo geraf, entretanto ain-
resposta mas essencialmentc questão. da náo é suficiente para livra.r-nos das representações coÍr€[-

r66 16?
tes do homem e do modo de sua determinaçáo conceitual. A A sentença só se tornou o pri,cípio condutor da Filosofia
compreensáo «la sentença exige, pelo menos, que tenhamos uma Ocidental por náo se tê-la mais compreendido, uma vez que a
idéia positiva cla existência e do ser grego, a fim «te podermos sua verdade originária náo pôcie ser conservada. o afastàr-se
apreender-lhe a verdade. da verdade cia ;sentença já se iniciou entre os próprios gregos
I)a sentença de Heráclito, já tantas vêzes mencionada, sa_ lc,go depois de parmênirles. Verdades origináriÀs àe.r.
bemos, que só no polemos, na dis-posiçáo (Auseinader_setzung) envergadura só se poderáo conservar na medida em que
ír"ã u
(do Ser) se processa e acontece a separaçã,o cons_
de deuses e de frá_ tantemente se desdobram e desenvolvem «!e modo ainda
mens. Só êsse- embate eideire, mostro' faz aparecer e surgir em mais
originário. Nunca, por simples aplicaçáo ou meno reeurso e
seu ser deuses e homens. euem é o homem, não chegaremos apelaçáo. O que é originárie só permanece e continua originá_
a saber por meio de uma definiçáo erudita. Só o sabemos, rio, enquanto gozar e possuir sempre a possibilidade de
ser
quando o homem entra numa posição de disputa com o ente, aquilo que é: origem, entendida como originar_se a partir
<la
tentando pôr o ente em seu lugar, i.é colocá-lo dentro dos limi_ re-velação de sua Essencialização. Tentemos readquirir
tes e da forma, o que significa, projetando algo de nôvo (ainda dade originária da sentença. A primeira indicaçáo
a ver_
náo presente), i.é lrcetando originàriamente, fundando poêti_ interpretamos de um outro modo, temos com a de que a
eamente.
traduçáà. a
sentença náo diz: "pensar e Ser são o mesmo,,,
mas: ..percep_
O pensar de parmênides e Heráclito ainda é poético, o qne Ção e Ser pertencem conjuntamente numa reciprocidade,,.
significa aqui: ainda é filosófico e não científico. posto que Todavia, o que significa isso?
nesse pensar poetante, a proeminência cabe ao pensar, a re_ De qualquer modo a sentença evoca o homem. por isso é
flexão sôbre o ser do hômem adquire uma orientaçáo e uma quase inevitável que logo se lhe introduza
medida tôda sua. para se iluminar suficientemente êsse pensar a representação cor_
rente do homem. Assim se falsifica a essencializaçáo do
poético por meio de seu reverso, que lhe pertence intrinseca- ho_
rnem, experimentada de modo grego, seja no sentido
mente, e preparar assim a sua compreensáo, investigaremos clo con_
ceito cristão moderno, seja no sentido de uma mescra
âgora um poetar pensante dos gregos, e precisamente aquêle, vazia e
pálida de ambos.
em que se instaura prôpriamente o §er e a existência (corres- Entretanto, essa falsificaçáo do homem por meio de uma
pondente) dos gregos: a tragéclia. representaçáo nd,o grega, é o mal menor.
O funesto prôpria_
Procurarnos entender 3 separação de ,.ser,, e ,,pensar', em mente consiste em não se atingir fundamentalmente -verdade
a
sua origem. Trata-se do título com que se designa a atitude da sentença.
Íundamental do espÍrito ocidental. pelo âmbito do pensar e da Com efeito, na sentença se realiza a, primeira determinacác
razáo se determina o Ser. É o que continua a ocorrer ainda ciecisiva do ser do homem. por isso nao iO devemos
quando o espírito do O'cidente .se esquiva a uma simples predo_ afastar da
interpretação essa ou aquela idéia de hornem, mas,
minància da razáo, procurando 6 ..irracional,, e buscando o qualquer uma. Temos que tentar ouvir apenas que
em geràI,
"alógico".
o na sen_
tença se diz.
Perseguindo a origem da separaçáo de srir e pensar, en- Por outro lado, visto que náo apenas náo somos experi_
contramos a sentença de parmênides: Ío gar auto noein estin mentados em tal ouvir, mas temos sempre os ouvidos cheios
te kq,i einai. De acôrdo com a tradução e interpretaçáo corren- do
que nos impede de ouvir corretamente, tivemos de
mencionar,
tes, isso significa: Pen-car e Ser sáo o mesmo. mais a modo de enumeraçáo, as condições de uma investigação
Podemos chamar essa sentença o princípio condutor (Leit- autêntica sôbre quem é o homern.
satz) da Filosofia Ocidental mp< com a ressalva da seguinte Como a determinação pensante do ser do homem, realizada
observação: por Parmênides, é, de imediato, de acessg
difícil e estranha,
168
169
buscaremos ajuda e indicações numa configuraçáo poética do Garboso muito embora, porque domina, mais do que o
ser do homem dos gregos. Iesperado,
Leiamos o primeiro Côro de Antígona de SóÍacles a habilidade inventiva, cai muitas vêzes aüé na perver-
(v. 332-275) . Ouçamos primeiro a palavra grega, a fim de lsldade,
termos no ouvido algo de seu som. A traduçáo diz: outras saem-lhe bem nobres empresas.
"Muitas sáo as coisas estranhas, nada, porém, Por entre as leis da terra e a con-juntura ex-conjurada
há de mais estranho clo que o homem. IPeIos
Parte sôbre as espumas da préia-mar deuses anda êle. Ao sobrepujar o lugar, o perde, a au-
no meio da tempestade do inverno sulino Idácia
e crrza as montanhas de vagas, que abrem abismos de
o faz favorecer o não-ser contra o ser.
Iraiva.
Extenua a infatigabilidade indestrutÍvel da Aquêle, que põe isso em obras,
mais sublime das deusas, a Terra, não se torne familiar de minha lareira
revolvendo-a ano após ano, nem táo pouco o meu saber compartilhe comigo o seu
arrastando com cavalos para lá e para cá os arados. ldesvairar-se" "

Sempre astuto, o homem A interpretaçáo, que se segue, será forçosamente ineficiente,


enreda o bando dos pássaros em revoada já pelo simples fato de não poder ser construíd'a a partir de
e caça os animais da selva e os agitados moradores do todo o textô da tragédia e muito menos ainda de todo o con-
Imar. texto da obra do poeta. Nem se tratará da escolha das varian-
Com astúcia domina o animal, que pernoita e anda pelos tes e das modificações introduzidas no texto. A interpretaçáo
Imontes, se desenvolve em três passos, nos quais per-correremos, cada
subjuga o dorso de ásperas crinas do corsel vez sob ponto de vista diferenbe, todo cl canúo.
e põe o jugo das cangas de madeira ao touro náo domes- No primeiro passo, destacaremos prõpriamente o que cons-
lticadc. titui a fôrça interna do poema e que por conseguinte também
atravessa e dá consistência à configuraçáo lingu.istiea do todo.
A si mesmo encontrou tanüo no soar da palavra No segundo passo seguiremos a seqüência de estroies e an-
e na comprensáo, que, com a rapidez do vento, tudo tistrofes bem como demarcaremos os limites de todo o domínio
labarca, que o poema instaura e revela.
como no denôdo, com que domina as cidades.
No terceiro passo tentaremos tomar pé no meio clo todo
Igualmente pensou, como escapar aos dardos do clima para avaliar, quem é o homem segundo êsse dizer poético.
bem [como
às inclemências do frio. Primeiro passo. Buscamos o que carrega e impregna o
todo. Prôpriamente náo preeisamos procurá-lo. Três coisas,
Pondo-se a caminho em tôda parte, desprovido de expe- por três vêzes, como um choque repetido, nos abala e, de ante-
Iriênsia máo, esfrangalha todos os critérios das perguntas e determina-
e em aporia, chega êle ao Nada. ções cotidianas.
A morte é a única agressáo, de que náo se pode defender
por nenhuma fuga, embora consiga esquivar-se hàbil- A primeira é o início: polla ta d,eita.
lmente "Muitas sáo as coisas estranhas, nacla porém
às penas da enfermidade . há de mais estranho do que o homem".
170
Nesses dois primeiros versos já, de antemáo, se esboça üudo lência mais instaura o vigor da violência. (Gewalt-tatig), en_
aquilo que, durante todo o canto, procura-se-á alcançar nos cluanto o emprêgo de violência c.onstitui a feiçáo fundamental,
vários versos e esculpir na estrutura das palavras. Dito com nào de seu agir, mas de sua existência. A palavra,,.instaurar
urna palavra: o homem é to deinotaton o que há de mais es- o vigor da violência" damos aqui um sentido essencial, que em
trant,o. Êsse clizer concebe o homem pelos limites supremos e princÍpio ttanscende q significado corrente segundo o qual in_
pelos abismos mais surpreendentes de seu ser. Essa surpresa dica, às mais das vêzes, arbítrio e crueldade. Âssim a violência
e finitude nunca se üornaráo visíveis aos olhos de uma mera cio vigor é oonsiderada dentro de um âmbito em que o critério
constataçáo e descriçáo do que é objetivamente dado (Vorhan- da existência é dado pelo acôrclo e contrato de equiparaçáo e
denes), ainda que fôssem mil os olhos que quisessem encontrar mútua assistência e, em conseqüência, se despreza, necessâria_
no homem estados e propriedades. Tal ser só se revela e se mente, tôda e qualq'er violência, como simples perturbacáo e
abre a um projeto poéüico-pensante. Náo se enoontra nada violação.
de uma clescriÇáo de exemplares humanos, dados objetivamente,
Como vigor imperante, o ente em sua totalidade é o que
nem tão pouco uma exaltação ridiculamente cega da essência impõe o vigor, que subjuga (das üloerwzeltigende) , o d.einon no
do homem cle baixo pera cima. A partir de um ressentimento primeiro sentido. O homem, porém, é d.einon uma vez, por_
insatisfeito, que procura agarrâ-se a uma importância, cuja quanto permanece ex-posto a êsse vigor imposto, visto que per-
ausência se ressente. Nada da sobr.anceria de uma personali- tence em sua essencializaçáo ao Ser; outra vez, é d,einon, por
dade. Entre os gregos náo há ainda personalidade (por isso
ser o que instaura o vigor da violência no sentido indicado em
Lambém narÍa de super-pessoal (über-persenlich) . O homem
segundo lugar. (Êle colige o vigor imperante da violência e
é to deinotaton, o que há cr.e mais estranho no estranho. A permite manifestar-se) . A instauraçáo do vigor náo é uma ati_
palavra grega Ceino?r, como e nossa traduçáo, necessitam aqui
nma explicaqão prévia. Essa só poderá ser dada a partir de vidade a mais e ao lado de outras, mas o homem é essa ins-
tauração no sentido de que, no fundo e em sua existência, deixa
uma previisão inexpressa de todo o canto, que é a única coisa
que dá uma interpretaçáo adequada para os dois primeiros ver-
imperar o vigor, usando de violência contra a imposição e o
jrrgo do próprio vigor (gegen das überwaltigende) . Destarte,
sos. Â palavra gtega dei.no" é ambígua: oscila naquela estra-
nha ambigüid,ade, com que o dizer dos gregos percorria as dis- por ser duplamente dei.non num sentido originàriamente uni-
posições contraoostas do Ser (die gegenwendigen Aus-einan- tário, o homem é to Ceinotaton, o mas vigoroso: o que instaura
der-setzungen des Seins) .
vigor no meio do vignr que impõe o seu jugo (gewalt-tatig
Uma vez d.einon significa o terrÍvel, náo porém os peque- innitten <les überwaeltigenden).
t;os temores e, muito mellos ainda, possui aquela significaçáo Mas, por que entáo traduzimos deinon por 'iestranho"? Não
decadente, néscia e inútil, em que se usa hoje a palavra, quando foi certamente para encobrir e climinuir o sentido do vigorante,
se diz "terrivelmente belo". Deinon é o terrÍvel no sentido do do que impõe o jugo cle seu vigor, nem também da existência
vigor predominante (überwaltigendes Walten), que provoca, vigorosa. Muito pelo contrário. Posto que o d.einon se diz, no
simultaneamente e de mo«lo igual, tanto o terror do pânico, a mais alto grau de potenciaçáo e conjugaçáo, clo ser do homem,
verdacieira angústia, como o temor concentraclo, quieto, gue vi- por isso a essencializaçá"o do ser assim determinado tem que
hra em si mesmo. A violência predominante é o caráter essen- tornar-se logo visivel numa perspecüiva clecisiva. Todavia essa
cial do próprio vigor que impera (Walten) . Onde êsse irrompe, caracterizaçáo do vigente e vigorante, como o estranho, náo
pode reter em si o seu poder subjugador. Todavia náo se torna, será uma determinaqáo suplementar e supletiva, a saber, conr
por isso, mais inofensivo e sim ainda mais terrÍvel e distante. vistas à, açáo que sôbre nós exercc o vigor, enquanto se trata
Outra vez, deinon significa o vigoroso no sentido daquele precisamente de ,compreender o deino'tl, como e naquilo que êle
que usa o vigor da violência. Que náo apenas dispõe de vio- é em si mesmo? Mas nós aqui náo entendemos "estranho" no.
172 1?3
sentldo de uma impressáo causada em nossos estados emo_ em tudo lsso o que há de mals estranho porque, estando cm
cionais. todos os caminhos em aporia, sem saída alguma, se ach& cx_
"Estranho" entendemos como o que sai e se retira do ..fa- pulso de qualquer referência. Se lhe corta tôda a llgaçáo com
miliar" (das Heimliche) i.é daquilo que nos é caseiro, Íntimo, o famlliar. A atê, a ruína e a desgraça, vêm sôbre êle. pres_
habitual, ná,o ameaçado. O estranho náo nos deixa esüar em §entimos agora em que medida êsse po:ntoporos &poros contém
casa. Nisso reside o vigor que se impõe e subjuga (das (über- uma interpretaçáo do d,einotaton.
wreltigende) . O homem é o que há de mais estranho, náo só A interpretaçáo se completa na terceira palavra proemi-
porque conduz o seu ser no meio do estranho, assim entendido,
nente do verso 370: hypsipolis apolis. Essa palavra é Íormada
mas por afastar-se e sair dos limites, que constituem, em prl_ do mesmo modo da anterior p&ntoporos ctporos e se insere como
meÍro lugar e às mais clas vêzes, a sua paisagem caseira e ha- ela no meio da antÍstrofe. Náo obstante se refere a uma outra
bitual, por transpor como o que instaura vigor, as raias do Ía- dirnensáo do ente. Náo se evoca o poros mas a polis. Náo se
miliar e se aventurar justarnente na direçáo do estranho no tndicam todos os caminhos do domínio do ente mas o íunda-
sentido do vigor que se impõe. mento e lugar da existência humana. O ponto de convergên-
Para se avaliar, porém, em bodo o seu alcance e importân- cia e cruzamento de todos os caminhos, a polis. Traduz-se polis
cia, essa palavra sôbre o homem, temos também de levar em por Estado e Cidade-Estado. Essa traduçáo náo atinge o sen-
conta, que ela não pretende atribuir-lhe simplesmente uma tido pleno da palavra. Polis quer dizer a localidade, a dimen-
propriedade especial, como se o homem, além de ser o que há são (Da), em que, como tal, a existência (Dasein) expande seu
de mais estranho ainda fôsse outras coisas. Ela cliz, ao con- acontecer histórico. A polis é o lugar histórico, o espaço no qual,
trário, que ser o mais e§tranho é o feilio fundamental da Es- a partir do qual e para o qual acontece a hisüória. A essa di-
sencializaçáo o homem, no qual se inscrevem cada vez, sempre mensáo histórica pertencem os deuses, os templos, os sacerdo-
e necessàriamente todos os demais traços e caracteres. A afir- tes, as festas, os jogos, os poetas, os pensadores, os governantes,
maçáo, " o homem é o que há de mais "estranho", dá a defl- o conselho dos anciáos, a assembléia do povo, o exército dos
nição prôpriamente grega do homem. Só atingiremos comple- guerreiros, os navios. Tudo isso não pertÉnce à polis, náo é
tamente o acontecer dessa estranheza na medida em que tam- "politico" por assumir uma relação com um homem de Estado,
bém fizermos experiência do poder da aparência e do combate com um general, ou com os negócios do govêrno. Âo contrário
com ela, como pertencente à essencializaçáo da existência. tudo aquilo é "político", isto é, está na dimensáo do acontecer
Depois dos primeiros versos e com relaçáo a êles, a segunda hlstórico enquanto por exemplo os poeta.s sá,o sõmente mas en-
palavra, que tudo fundamenta e impregna, se acha expressa no táo realmente poetas. Quanclo os pensadores sáo sõmente mas
verso 360. E o meio da segunda estrofe: pantoporos aporos então realmente pensadores. Quando os sacerdotes sáo sõrnen-
ep'ouden erch,etai: "Pondo-se a caminho por tôda a parte, des- úe mas entáo realmente sacerdotes, sendo os governantes sô-
provido de experiência e em aporia, chega êle ao Nada',. As mente, mas e'ntáo realmente governantes . Sã,o, porém, signi-
palavras mais importantes sá"o pantoporos aporos. A palavra fica aqui: como os que instauram vigof e se tornam, assim, emi-
poros significa: travessia por... passagem paraj .. caminho. nentes no ser Histórico como criadores e instauradores. Emi-
Por tôcla a parte o homern se abre caminhos. Atreve-se em nentes na dimensáo da História sáo, ao mesmo tempo, apolis,
todos os setores do ente, do vigor imperante que se impõe. E sem cidade e lugar, solitários, estranhos, aporeticos (sem saída)
por isso se vê lançado fora de todo caminho. Sômente dôste no meio do ente em sua totalidade, sem constituiçáo e limites,
modo se abre tôda a estranheza daquele que e o que há de mais sem estrutura e dispositivos (Fug), de vez qve, conto criadores,
estranho. Náo apena5 p3f experimentar em tôda a sua estra- são êles que devem entáo fundar e instaurar tudo isso.
nheza c ente na totalidade. Náo só porque nela rompe, como O primeiro passo nos mostra assim as linhas mestras (Au-
aquêle que instaura o vigor, o que the é familiar. Êle se torna friss) da Essencializaçáo do que há de mais estranho, os do-
r74 u5
mínios e a extensáo de seu império e de seu destino. Voltamos da tranqüilidade de uma grânde riqueza tesouros lnexgotávels,
agora ac início e tentamos o segundo passo <la interpretação. que excedem quarquer generosidade. Nesse
vigor imperante rr-
O segundo posso. Seguimos agora à luz do que ficou dito, rompe o instaurador. Ano após ano o interrompe com arados
it seqüência das estrofes e auscultamos, como se desdobra e de- e impele a Infatigável no borborinho de seu esfôrço. O mar,
senvolve o ser do homem que consiste em ser o que há de mais â terra, a erupçáo, o transtôrno, tudo isso é enfeixado em si
estranho. Temos de prestar atençáo no seguinte: se se entende peTo kai do verso JJ4, ao qtral corresponde
e como se entende o deinon no primeiro sentido, se aparece o úe no verso 3Bg.
e
Ouçamos, agora, a antÍstrofe. Evoca os bandos de pássa_
como â.parecê o deinon, no segundo sentido, se e como se e<li_ ros nos ares, os animais das águas, os touros e cavalos
fiea dentro da relação recÍproca de ambos os sentidos o ser do das mon_
gue há de mais estranho, em sua forma essencial . tanhas. Os seres vivos se movem dentro de si e de
seu meio.
Embora, transbordando continuamente sôbre si mesmos,
A primeira estr,ofe evoca o mar e a terra, ,cada um, a seu renovem em formas sempre novas, permanecem,
se
modo, um vigor que impera e impõe o seu jugo (ateinon) . A todavia, numa
unica trll}:la. pela qual conhecem o lugar por onde
evocação do mar e da terra náo toma naturalmente ambos em andam e
onde pernoitam. Como sêres vivos, se ãncaixam
sua simples acepcáo geográfica e geológica, tal como hoje se perante do mar e da terra. Nessa
no vigor lm_
nos apresentam a nós modernos, para a seguir retocá_los e vida que se Oarurr.oü-u* ri
mesma, desabituada em selr círculo, estrutura
natizá-Ios corn alguns sentimentos mesquinhos e passageiros. lança o homem os seus laços e as suas rêdes.
e forO"_"rrtá,
Árranca_a
"Mas" é aqui evocado como pela primeira vez e em suas vagas sua ordem e tranca em cercados e currais, submetendo_ade
invernais, em que êle rasga constantemente suas profundezas jugo. Lá, irrupçáo e desmoita. Aqui a
aprisionamento e sub-
rnais profundas e se arrasta até elas. Logo imediatamente após jugação.
a sentença principal e conclutora do início, o canto começa Agora, antes de passar à segund,a estrofe e sua antístrofe,
abruptamente com touto kai poliou. Canba o abrir-se caminho faz-se necessário intercalar uma aduertência, para pôr
sôbre a face sem fundamento das ondas, o abandonar a terra. côbro a
uma interpr,etaçáo falsa de todo o poema. Um.perigo sugestivo
fjrme. Tal emprôsa náo se dá no espêlho sereno de águas re- e me§mo corrente para o homem moderno. Já jndicamos
antes,
Iuzentes lnas nâ tempestade encapelada do inverno. O modo de que não se trata, no poema, de uma
descrição e caracterizaçáo
dizer dessa partida se encaixa tão perfeitamente no movimento dos diversos domÍnios e d.a concluta do homem, qual ente
cle cadência da estrutura da palavra e do verso, como o chorei
dado
entre outros entes. Trata-se do projeto poéticó de seu ser,
do verso 336 se põe exatamente no ponto em que a métrica edificado segundo suas possibilidades e seus limites supremos.
nruda bruscamente: chorei: êle abanrlona o lugar, êle se vai Com isso já se previne contra outra opiniáo, segundo a quat
e se aventura na prepotência da maré de um mar sem lugares. o
poema narraria a evoluçáo do homem desde caçador
Na estrutura dêsses versos a palavra chorei se ergue como uma o selva_
gem e habitante de árvore até o construtor de
coluna grega. cidades e curtu-
ras. São representações da etnografia e psicologia dos primi_
Implieada nrrma unidade com essa erupção (largada) vigo- tivos, que nascem da falsa tran.sposiçáo de uma ciência
natural,
rosa no vigor imperioso do ma.r, está a irrupçáo, de modo algum, já em si mesma não verdadeira, parâ o ser do homem. O êrro
pacífica no império indestrutível da terra. Observemos bem: a fundamental, que serve de base a tais modos de pensar, con_
terra é chamada aqui a mais exselsa clas divindades. O vigor siste em se crer que o princípio do acontecer Histórico deve
instaurador do homem turba o repouso do crescimento, da nu- ser primitivo, atrazado, acanhado e débil . Na verdade, porém,
triçáo e geraçáo da Infatigável. Aqui, o vigor imperioso náo se dá o contrário. O princípio é o que há de mais estranho e
t'eina na selvageria, que se devora a si mesma, e sim como poderoso. O que lhe sucede, não é progresso e evoluçáo
mas
aquilo que ,sem esfôrço e fadiga, sazona e prodigaliza,, tomando aplanamento no sentido cle simples propagaçáo e alargàmento.
1?6
t77
É a imposslbilidade de retet e conservar o princípio. É sinr- Imediatamente so se dão e oferecem ao homem em seu modo
pliÍicação inofensiva e exorbitância do princípio, que o defor- de ser náo essenclal (unwesen) e assim o mantém fora de sua
ma em grandeza no sentido de quantidade puramente numé- essencializaçáo. Desta sorte o que, para êle, tem a aparêncla
rica e grandeza de massa. O que há de mais estranho é o que <le ser o mais próximo e imedlatamente dado, é_lhe no tundo
é, por guardar, em si, um princípio, em que tudo prorrompe ainda mals distante; o seu vigor o domina ainda mais do que
conjuntamente de uma superabundância e plenitude num vigor o mar e a terra.
gue se impõe e se destina a predominar.
Náo se poder explicar que um tal princípio náo constitui ne- Quão distante o homem se acha de sua própria essencla_
llzuçáo, mostra a opinião que f.az de sl mesmo, como quem In_
nhuma deficiência e fracasso de nosso conhecimento .drr acon-
ventou e pôde inventar s linguagem e a compreensáo, as edl_
tecer Histórico. Na compreensão do caráter misterioso dêsse
princípio reside, ao contrário, a autenticidade e a grandeza de ficações e a poesia.
um conhecimento Histórico. Saber algo de uma História ori_ Como poderla o homem jamais inventar o vlgor que o lm_
pregna, em razáo do qual êle pode ser slmplesmente homem?
ginária não consiste em remover a poeira do primitivo nem em
Pensando que o poeta atrlbui aqul ao homem a lnvençáo de
colecionar esqueletos. Não é ciência natural nem pela metade
aoisas tais, como edificações e linguagem, esquecemos total_
nem por inteiro e sim, no caso de ser alguma coisa, Mitologia.
mente de que nesse poema se trata do vigor que subjuga, (d.el_
A primeiia estrofe e antÍstrofe evocam o mar, a terra e o non) , do estranho. A palavra ediilaxato náo slgntflcr,
.qou
animal, como o vigor que se impóe dominante, o qual aquêle, o
que instaura o vigor, deixa manifestar-se em todo o vigor da
homem inventou, mas que êle se encontrou no vigor, que do_
mina e subjuga, e só aqui encontrou a si mesmo, a ,.be", a
sua fôrÇa prevalente (übergewalt).
Íôrça de quem instaura êsse vigor. Segundo o que antecede, o
Considerada externamente, a segunda estrofe passa de uma "a sl mesmo', significa.também aquilo que irrompe e arroteia,
descrição do mar, da terra, rlos animais para a catacterízaç:ao que aprislona e submete a jugo.
Co homem. Náo obstante, asslm ,como, na primeira estrofe e
antístrofe, não se falava apenas da natureza no sentido estrito,
É êsse lrromper e arrotear, êsse aprislonar e domar que
constituem, em si mesmos, a abertura, o espaço livre que re_
assim também náo se fala na segunda ünicamente do homem.
vela o ente como mat, como tetta, comg animal. Irrupçáo e
Antes pelo contrário, o que será evocado agora, a lingua- arroteamento só aconteoem quando o poder da linguagãm, da
gem, a compreensão a disposição afetiva (Stimmungy e4), a compreensáo, da disposição afetiva e da edificaçáo sáo
paixão e a edificaçáo, náo pertencem menos à lôrça do vigor dts_
ciplinados na instauraçáo de vigor (Gewalt_tafiàfeit)
imperante do que o mar, a terra, o animal. A diferença reside . Êsse
vlgor de instauração do dizer poético, do projeto do pensador,
apenas no modo do vigor. Os últimos exercem o seu vigor,
das estruturas de construçáo, da criação polÍtica náo é
c,ircundando e carregando, constringindo e estimulando o ho_ uma
atividade ou atuação de faculdad"s qoà o homem possul,
mem, enquanto o vigor dos primeiros o impregna e perpassa, mas
um sujeitar e dispor das fôrças do vigor em virtudó das quais
como aquilo que o homem, como o ente que é, tem de assumir
o ente se abre e manifesta como tal, ao inserir_se e instau_
em seu §er. raÍ-se nêle o homem. Essa abertura e maniíestaçáo do
Ésse vigor que se exerce impregnando, nada perde de sua ente
constitut o vigor, que o homem tem de disciplinar, para, ins_
fôrça subjugante, pelo fato de o homem tomá-lo imediatamente taurando vlgor, ser entáo êle mesmo no meio do
em seu poder e usá:lo, como tal. Dessa Íorma o estranho da para ser Histórlco. O que, aqui nessa segunda estroÍe,ente, l.é
linguagem, das paixões se ocr:lta, ,como aquilo no qual o ho- se en_
tende por d,einon, náo se deve falsear intàrpretando
mem, como homem Histórico, está disposto, parecendo_lhe muito como uma
invençáo ou slmples faculdade ou propriedade do
embora ser êle quem dispõe. A estranheza dêsses podêres re_ homem.
O uso da fôrça e vigor na linguagem, na compreensão, na
side precisamente em sua aparente familiaridade e facilidade.
formaçáo e edificação cria também (o qr:e sempre significa:
178
170
Com a evocaçã,o désse vigor estranho que se impõe, a morte,
pro-duz) a lnstauragáo vigorosa que abre caminhos no ente
c projeto poético do ser e da essencializagáo do homem
circunstante. Só quando hovermos entendido isso, é que com- belece seus próprios limites.
esta_
preenderemos o caráter estranho (Unheimlichkeit) de tôda ins-
tauraçáo de vigor. Pois o homem, sempre em tÔda parte a ca- Com efeito, a segunda antÍstrofe já náo traz mais outros
poderes. Recolhe tudo que já foi dito em sua Íntima
minho, náo se vê em aporia e sem saída no sentido externo de unidade.
esbarar em barreiras de fora, que o impeçam de continuar
A estrofe final reconduz tudo a seu princípio fundamental .
Ora de acôrdo com o que ressaltamos no primeiro passo, o prin_
adiante. Diante de obstáculos externos êle pode sempre con- cÍpio fundamental do que prôpriamente se tem a dizer (do
tinuar num indefinido "e assim adiante". A aporia consiste, deinotaton) consiste precisamente na referência recÍpnoca do
ao invés, no fato de êle ser sempre reconduzido aos cami- duplo significa<Jo de d,einon. Em conformidade, a estrofe final
nhos por êle mesmo abertos, aferrando-ss 2 s€üs percur§os, evoca em sua recapitulaçáo três coisas:
er\redando-se no já percorrido, traçando nessa rêde o círculo
de seu mundo, emarantrando-§e com a aparência e trancan- 1. O vigor, o império vigoroso, no qual se move a açáo
do-se assim ao Ser. Dessa forma êle se agita numa atividade instauradora de vigor do homem, constitui todo o
âmbito áas
febril, virando-se e revirando-se dentro de seu próprio círculo. maquinações, to machanoen, q.oe lhe sã,o confiadas.
Não to_
Tudo que se opor à êsse círculo, poderá excluir do raio de sua mamos a palavra .,maquinação" em sentido pejorativo. por
ela
atividade. Tô«la habilidade que nêle se enquadrar, poderá apli- entendemos algo de essencial que se nos apresenta na pala_
cá-la em seu devido lugar. A instauraçáo do vigor, que abre vra grega techne. Techne náo significa nem arte nem nàriti-
originàriarnente os caminhos, engendra entáo em si mesma a dade nem de certo técnica no sentido moderno. Traduzimos
própria ausência de sua essencializaçáo (Unwesen) na ativi- techne por "saber,,, mas isso precisa de uma explicação. Saber
dade febril de uma múltipla aplicaçáo de habilidade§. Essa náo significa aqui o resultado de simples constatações a res_
peito de dados objetivos (vorhandenes) antes desconhecidos.
náo é, em si mesma, outra coisa do que aporia (Ausweglosig-
keit), como ausência de saÍdas e a tal ponto que ela se tranca a Tais conhecimentos sáo sempre algo apenas acessório, muito
embora indispensável para o saber. Êsse, no sentido autên_
si mesma o caminho de uma reflexáo sôbre a aparência, em ticrr da techne é precisamente um ver, que ultrapassa o que é
que ela Própria se agita.
dado de modo objetivo (Vorhandenes) e assim se torna prin_
' Só trá" uma coiso em que a instauração do vigor fracassa cÍpio e origem (anfrenglich) de permanência e consistêncta
imediatamente. É a morte. EIa completa (überendet) tôda (stendig) . Essa uttravisáo opera, de modo cliverso, por
e ca_
completaçã.o (Vollendung), ela limita tôda timitaçáo. Aqui minhos e domÍnios diferentes põe em açáo prêviamentã o que
não há irrupçáo e arroteamento, nem aprisionamento e suiei- confere ao que já é dado de modo objetivo, seu devido direilo,
çáo- Todavia êsse estranho (Unheimliche) que, de moclo com- sua possÍvel determinaçáo e com isso seus limites. Saber é o
pleto e absoluto, está fora de tuclo que é familiar, náo é um poder de pôr o Ser em açáo como um tal ou qual ente.
Os
acontecimento especial, que deve ser ryrencionado entre os de- greeps chamavam de modo especial techne a arte
em sentido
rnais, por se clar também no fim. Ftente à morte o homem próprio e a obra d'arte, porque é a arte que, do modo mals
náo se sente numa aporia sem §aídas âpena§ quando tem de imediato, erige e ,esculpe em algo, que está presente (Anwe_
morrer, mas eonstantemente e de modo essencial. Enquanto o senden) (a obra), o Ser, i.é, o aparecer, que se apresenta em
fromem é, encontra-se na aporia da morte' Assim a eústência,
si mesmo. A obra d'arte náo é, em primeiro lugar, obra, por-
quanto é confeccionada, é Íeita, mas porque opera (25) o ser
como o lugar do Ser (Da-sein) constitui o próprio a'contecer
em um ente. Operar significa aqui pôr em obra, na qual, como
do estranho (Ésse acontecer deve ser instituÍdo para nós de no gue aparece, chega a brilhar a physis, o brotar lr-nperante,
modo originário, como existência) .

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que vlgora. Pela obra d'arte, como o Ser que é, tudo, que apa- contraposição consiste antes em a techne irromper contra a
rece e pode ser encontrado, é conÍirmado, torna-se intelegível, dike, que, por sua vez, enguanto conjuntura, dispõe de tôda
acessÍvel e compreensível como ente ou nã,o-ente. techne. Essa recíproca contraposlçáo é. Mas é apenas, en-
quanto o que há de mais estranho, o ser do homem, acontece,
Vlsto que a arte erige e Íaz aparecer, num sentido acentua-
do, o Ser, como ente, na obra, a arte vale, a bom direito, como i.é se essencializa, como acontecer Histórico.
o poder-pôr em obra, simplesmente dito, como techne. O poder-
pôr em obra-é um operar maniÍestativo do Ser no ente. -q 3. O princípio fundamental do iteinotaúoz reside na re_
saber consiste nesse abrir e manter aberto reflexivo e operante.
ferência recíproca do duplo significado de ileinon. O sapiente
A paixã,o do saber está em investigar questões. Por ser um lança-se dentro da conjuntura, rasga (,,rasgo',
no enüe, mas nunca consegue dominar o vigor que = Riss) o Ser
tal saber é que a arte é techne, e não, por pertencerem, à sua se impóe e
predomina. Por isso é lançado pendularnrente entre con;untura
eÍetivação, habilidades "técnlcas, lnstrumentos e materlais de
ordem que articuls _ desoÍdem que
obras. -desarticula - e des-conjuntura
entre o nobre e o vil. Tôda disciplina, (Ban_
Assim a techne caracteriza o d,einon, a instauraçáo de vigor digung) que-,instaura vigor, da violênaia vigorante (Gewalti-
em seu princÍpio fundamental. Pois a instauraçáo de vigor é gen), ou é triunfo ou derrota. Âmbos, tanto o triunfo como a
o uso vigoroso da fôrça contra o que se impõe de m'odo sub- derrota, arrancam, cada um a seu modo, do que é familiar, e
jugante: a conquista, pela luta do saber, do Ser antes tran-
desenvolvem, cle maneiras diferentes, a periculosidade oo Ser
cado e escondido no que aparece, como ente.
conquistado ou perdido. Ambos estão circundados, diferente_
mente, pela ameaça da ruina. euem insÍoura vigor, o criador
2. Do mesmo modo c"omo d,einon, enquanto instauraçáo de que alcança o náo-dito, que irrompe no não_pensado, que
vigor imperante, reúne e concentra §ua Es§encializaçáo na pa- con_
quista o náo-acontecido e faz aparecer o náo-visto, um tal
lavra grega fundamental, techne, assim também aparece o instaurador de vigor está sempre em risoo (tólma v. 3?1).
deinon enquanto o vigor que se impóe e subjuga, na outra pa-
Aventurando-se a sujeitar o Ser, tem que arriscar os impa,ctos
lavra fundamental grega d,ike. Traduzimo-la como jttntura. do náo-ente, me kalon, os descalabros, as inconsistênclas, as
(fug) . Entendemos juntura primeiro no sentido de junta e cles-conjunturas e des-estruturações. euando mais eievados
artlculação; em segundo lugar, como disposiçáo, como a des- fôrem os cimos da existência Histórica, tanto mais profundo e
tinaçáo e indicaçáo que o vigor, que se impõe e predomina, dá largo o abismo para uma precipitação repentina no náo_Histó_
à sua lmpostção e preclomínio; e, por fim, como a conjuntura rico, que só se arrasta num borborinho sem saídas ê, âv nl,esrrro
dlspositlva, que força a inserçáo e o enquadramento. tempo, destituÍdo de lugares.
Traduzida por "justiça" e entendida e§sa no sentido jurídico Chegados ao finr do segundo passo, poderÍamos perguntar,
e moral, a palavra d.ihe petde todo o seu conteúdo metafísico o que ainda resta para.um terceiro.
Íundamental. O mesmo vale da interpretação da dike como O terceiro pa.sso. No primeino passo se destacou a verdade
norma. Em todos os seus dominios e podêres, o vigor que se decisiva do canto. O segundo passo nos levou através de todos
lmpõe e subjuga, é conjuntura. o Ser, a pbgsis, como vigor im- os domínios essenciais da fôrça do vigor e de sua instaura-
p€ra,nte, é unidade originária de reunião, lógos, é conjuntura ção. A estrofe final reúne na unidade de um rasgo o üodo
dlsposltlva, dike. do canto na essencializaçáo do que há de mais estranho. É
Destarte o d,einon, enquanto o vigor, que se impóe e pfe- que ficaram ainda algumas particularidaries a considerar e
domina, d,ike, e o d,einon, enquanto a instauraçáo da Íôrça do esclarecer mais de perto. Isso, porém, daria lugar para um
vigot, techne, se contrapóem um ao outro, náo, porém, como apêndice ao que já se disse, nunca porém para um nôvo passo
duas colsas objetlvamente dadas (vorhandene Dinge). Essa de lnterpretaçáo. Se pretenilóssonnot limitar-nos apenas eo
182 183
que se diz imediaüa e diretamente no poema, estaria realmente vigor que impera e predomina, exige (braucht) e precisa, eomo
terminada a interpretação. Entretanto, ela se encontra ainda tal, para aparecer ira Íôrça de seu vigor, dum espaço aberto de
no inÍcio. A interpretação, pràpriamente dita, deve mostrar maniÍestaçáo. Compreendido a partir dessa necessidade neces-
aquilo que já náo se acha nas palavras apesar de também se sitada pelo próprio Ser, a, essencializaçáo do homem se nos abre
achar dito. Para isso ela deve usar neeessàriamente da fôrça e revela em seu ser. A Existência (Da-sein) do hom,em Histó-
do vigor. O que há de próprio no poema é de se procurar lá rico significa: ser pôsto como brecha em que, com seu apare-
on.de uma interpretaçáo cientÍfica já náo encontra mais nada cimento, irrompe a supremacia vigorosa do Ser, a fim de que
e ferra tudo que fica fora de seu cercado, com a marca de essa mesma brecha se abata e se quebre no próprio Ser.
não-científico.
O que há de mais estranho (o homem) é aquilo que êle é,
Aqui, porém, quando nos temos de cingir a um canto por, no fundo, só cultivar e proteger o familiar, para dêle se
- da obra só nos poderemos atrever a
desgarrado do resto arrancar, deixando irromper o vigor cuja fôrça o subjuga. É
-
dar êsse terceiro passo num aspecto delimitado, de acôrdo com o próprio Ser que lança o homem na rota dêsse rasgo (Fortriss),
nossa finalidade ãqui e ainda assim apenas uns poucos movi- que o constringe a lançar-se para além de si mesmo, alongan-
mentos. Recordando o que ficou dito no primeiro passo, ini- do-se até ao Ser, com o fim de o pôr em obra, e dêsse modo,
ciamos exatamente naquilo que, no segundo, resultou da ex- manter aberto e manifesto o ente em sua totalidade. por isso,
plicaçáo da estrofe finall. quem instaura vigor, náo conhece, nem bondade nem favore-
O d,einotaton do d,einon, o que há de mais estranho no es- cimento (no sentido comum); desconhe,ce todo apaziguamenüo
tranho, está na referência mútua e contrastante de dike e e satisfaçáo logrados com sucessos ou prestígio ou sua con-
tech,ne. O mais estranho náo é o grau superlativo, i.é a gra- firmação. Aquêle. que instaura vigor e assim cria, só vê, err,
duaçáo mais elevada, do estranho. É, segundo a sua especifi- tudo isso, simples aparência de perfeiçáo e plenitude. Aparên-
caçáo, o que há de único e sui generis no estranho. No con- cia essa, que êle menospreza. Na vontade do inaudito desde-
braste recíproco entre o vigor prepotente do ente em sua nha e recusa qualquer auxílio. A decadência signÍfica para êle
totalidade e a instauraçáo de vigor da existência se opera a afirmaçáo mais profunda e ampla do vigor prepotenüe, que
a possibilidade de uma precipitaçáo no que náo tem saÍda se impõe e subjuga. No fracasso da obra realizada, naquele
nem lugar: a possibilidade da ruina. Essa, porém, e a sua saber, de que ela é uma desor<lem (Unfug) um sornra (um
possibilidade náo surgem apenas no final, quando o homem, monte de estêrco), o homern abandona e entrega o vigor que
que instaura o vigor, náo consegue êxito e falha em alguma impera, a seu próprio princípio articulador (Fug. ) Tudo isso,
atividade instauradora particular. A ruina impera vigorosa- porém. náo na forma de "vivências psÍquicas", nas quais a
mente e espera, em princípio e desde o fundo, no contraste alma do criador se debate e enrola; e muito menos ainda, na
recíproco entre a fôrça do vigor, que se impóe e subjuga, e a Íorma de complexos de inferioridade mas ünicamente no modo
instauraçáo vigorosa de sua violência. A instauraçáo de vigor próprio do operar, do pôr em obra. É pela obra que o vigor
contra a supremacia do Ser que impóe o seu vigor, tem que que predomina, o Ser, se afirma e confirma como acontecer
se abater contra essa supremacia, de vez que o Ser vigora Histórico.
eomo o que Essencializa, como pltysis, vigor imperante, que Como a brecha para a abertura e manifestaçáo do Ser,
surge. pôsto em obra no ente, a existência do homem Histórico, é um
Essa necessidade de abater-se, porém, só pode subsistir, en- in-cid,ente: a incidência, em que surgem, de repente, as fôrças
quanto o que se 'deve abater, é necessitado numa tal existên- da supremacia desencadeada do Ser e se põem à obra, como
cia (Da-sein). Ora o homem é necessitado numa tal exis- apontecer Histórico. Êsse caráter repentino e únioo da exis-
+ôncia (Da'sein), é lançado na necessidade dêsse ser, porque o tência, os gregos pressentiram profundamente. Nesse pressen-
184 l8ã
slmento foram constrangidos pelo próprio Ser, que se lhes abriu Mas o que tem a ver tndo isso com a sentença de Parmê-
e manifestou como phusis, logos e dike. Só náo se pode pensar, nidos? Êsse nada dlz sôbre a estranheza. Quase que, com ex-
que êles tenham tomado para si a pretensáo de forjar a cultu- cessiva sobriedade, afirma apenas a compertinência, a corres-
ra do Ocidente nos milênios posteriores. Êles conquistaram, pondência de Percepção e Ser. Foi investigando o que é essa cor-
para si mesmos, as condições fundam€ntais de verdadetra respondência, que nos desviamos para uma intrepretação de §ó-
grandeza Histórica, ünicamente porque na necessidade exclu- Íocles. E o que nos adiantou ela? Náo a poderemos transferlr
siva e única de sua existência souberam usar apenas da violên- simplesmente para dentlo da interpretação de Parmênides! De
cia do vigor e dêsse modo, longe de afastar a necessidade, sou- certo que náo. Todavia nos devemos recordar do coner«o ori-
beram fortalecê-la e potenciá-la. ginárto de essencialização entre o dizer poético e o dizer penr
A essencialização do Ser do homem, assim experimentada saíte, principalmdnte quando se trata, como nesse caso, dd
e reposta poêticamente ,em seu fundamento, permanecerá tran- fuídaçáo e instituiçáo origlnárta por meio do pensar e poetar
cada em seu caráter de mistério à compreensáo, caso essa re- da existência Históriea de um povo.'Ademais, além dessa re-
correr, apressadamente, a qualquer apreciação. laçáo de essencialização geral, encontramos, num e noutro, urn
traço bem determinado, que tem conteúdo comum ei.r-r ambos.
A avaliaçáo do ser do homem, como audácia e superiori-
dade orgulhosa, arranca-o da necessidade de sua essenciali- No segundo passo. quando se tratou de resumir as caracte-
zaçá.o: a de ser in-eidência. Tais apreciações supõem ser o risticas da segunda estrofe, ressaltamos, de propósito, a refe-
rência recíproca entte dike, e techne. Dike é a con-juntura
homem algo de objetivamente dado, transportam-no para um
espaço vazio e 6 medem e avaliam, segundo uma escala de va-
vigorosamente predominante. Techne é a instauração de vigor
lôres estabelecida e trazida de fora. A, essa mesma espécie de do saber. A referência recíproca de ambas constitui o aconte-
incompreensão pertence também a opiniáo, segundo a qual o cimenüo do estranho.
clizer do poeta é prôpriamente um repúdio implícito e náo pro- Afirmamos agora: a com-pertinência e correspondência re..
nunciado de um tal ser do homem. É uma recomendaçáo ve- cíproca de noein (percepçáo) e einai (Ser), que evoca a sen-
lada de uma modéstia sem vigor algum, que se contenta com tença de Parmênides, náo é outra coisa do que aquela refe-
o cuidado de uma comodidade tranqüila e impertubuável . Essa rência recíproca. Se se mostra isso, entáo fica comprovada a
opinião poder-se-ia até julgar confirmada em sua justeza pela aÍirmaçáo anterior de que é essa senterça Ce Parmênides que,
eonclusáo do canto. por prlmeiro, delimita a essencializaçáo do ser do homem e
não chega a falar do homernriocasionalmente, de alguma pers-
üm tat ente (tal no sentido do que há de mais estranho) pectlva.
se deve manter afastado do lar e entretenimento do poeta.
Essas palavras finais do Côro, entretanto, não contradizem o Para provar essa nossa afirmaçao faremos primeiro duas
que antes disse sôbre o ser do homem. Ao voltar-se para o considerações mais gerais, A seguir tentaremos uma inter-
que há de mais estranho, o Côro cliz que êsse modo de ser zdo
pretaçáo particular da sentença.
é o modo de ser cotidiano. TaI existência náo poderá ser lida Na reÍerência reciprroca de d,ike e techne, evocada poàtica-
e encontrada nos hábitos e costumes de qualquer comporta- mente, dike equivale ao Ser do ente em §ua totalidade' Ja
mento e oonduta. Essas palavras finais sáo táo pou'co de admi- antes de Sófocles encontramos, no pen§ar dos gregos, êsse em-
rar, que nos deveríamos admirar, se elas faltassem. Em sua prêgo da palavra. A sentença mais antiga, que nos foi trans-
atitude deÍensiva são a confirmaçáo imediata e completa do mltlda pela tradiçãc, a sentença de Anar'irna.ndro. loío clo Ser
caráter estranho da essencializagã"o do homem. Nessa sua con- em conexáo essencial com dike.
clusáo o dizer do canto volta a mover-se dentro de seu prin- fgualmente Herd.clito evoca a dike quando esi,abelece algo
elplo. cssenclal do Ser. Assim o Fragmento 80 comeqa: cidenai cle

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chre ton polernon conta &Anon kai d,iken erin... "mistér se Por isso procurâremos agora colocar em sua verdadeira luz
faz ter em vista, que o des-dobrar-se se Essencializa ajuntando a sobriedade do pensar. É o que nos proporciona uma inter-
num conjunto, e a con-juntura (se Essencializa), contrastan- pretaçáo particular da sentença de Parmênides. Fica de ante-
do..." Dike, coma con-juntura, que dispõe, pertence ao des- máo acertaclo: se se conseguir mostrar, que, em sua conexáo
abrochar, que contrasta, segnndo o que a physis, surgindo, deixa essencial com o Ser, dike, a percepçáo é o que necessita de vio-
aparecer, (apresentar-se), o que aparece, e ássim se Essen- lência para instaurar o vigor, e é, assim, como tal instauraeáo,
cia]rza, como Ser (Cfr. Fragmentos 23 e 28) . uma carência (Not), e como carência, só se poderá manter e
E, por fim, o próprio ParmêniCes continua sendo uma tes- subsistir na necessidade (26) de um combate (no sentido de pó-
temunha decisiva do emprêgo, que fazem os pensadores gregos lernos e éris); e se, ademais, no curso dessa demonstraçáo, se
da palavra dike no dizer do Ser. Para êle d.ike é a deusa. fizer ver, que a percepçáo está numa conexáo expressa com o
Guarda as chaves, que abrem e fecham as portas do dia e da Lógos e que êsse Lógos se mostra, como o fundamento do ser
noite, o que quer dizer, dos caminhos do Ser (que se des-ven- do homem, então a nossa afirmaçáo, de que a sentença do
da), da Aparência (que se dissimula) e do Nada (que se tranca). pensador e o dizer do poeta são intrinsecamente afins, estará
fsso significa: o ente só se abre e manifesta, quando se pre- fundamentada.
serva e oonserva a con-juntura do Ser. Çomo dike, o Ser é a
chave do ente em sua articulação. Êsse sentido d,e dike se pode Três coisas, portanto, é o que temos de mostrar:
apreender ineqüvocamente dos trinta versos vigorosos de in-
troduçáo do Poema de Parmênides, que nos foram conservados 1. A percepção náo é um mero dado psíquico (Vorgang)
completos. Vê-se assim claramente, que o dizer do Ser tanto o mas uma re-soluqáo.
da poesia como o do pensar, evocam-no, i.é instauram e deli-
miiam o Ser com a mesma palavra, dike. 2. A percepçáo possui uma comunidade interna de essen-
cializaçáo com o Lógos. Êsse é para ela uma neces-
O outro ponto, que se pode aduzir de modo geral, para
comprovar nossa afirmaçáo, é o seguinte. Antes já se indicou sidade (Not).
a maneira pela qual, na percepçáo entendida como apresenta-
çáo acolhedora, se abre e manifesta o ente, @mo tal, que,
3. O Lógos institui e funda a Essencializaçáo da lingua-
gem. Como tal, é um embate e o fundamento fundan-
destarte, advém a um estado de re-velaçáo e des-cobrimento
(Unverborgenheit) . O embate da techne cont12 a ilike cons- te da existência Histórica do homem no meio do ente
em sua totalidade.
titui para o poeta o acontecimento pelo qual o homem deixa
de ser familiar, perde a intimidade de seu lar. É nessa expul-
sáo do que lhe é íntimo, que se abre e des-venda, como tal, o Sôbre 1. Ainda náo se concebe suficientemente a Essen-
cializaçáo do noein, a percepçáo, se ap€nas se procura evitar
que lhe é familiar. E, ao mesmo tempo e sômente dêsse modo
eonfundi-la com a atividade de pensar e com a de julgar. A
se lhe abre e mânifesta, como tal, o que lhe é alheio, o vigor, percepçáo, enquanto a tomada de uma posiçáo acolhedora, no
que predomina. É, portanto, no acontecer do que é estranho,
sentido antes explicado, frente ao aparecimento do ente, náo é
que se abre e expande o ente em sua totalidade. Essa abertura
senão o colocar-se sui generis num caminho especial. Nisso
e expansáo é o acontecer da re-velaçáo, que outra coisa náo é se inclui, que a percepçáo é a travessia, a passagem através do
senáo o acontecimento da estranheza. cruzamenüo dos três caminhos. Ora, ela só poderá sê-lo, se fôr
De certo, objetar-se-á, isso vale do que diz o poeta. Mas é fundamentalmente re-soluçdo pelo Ser contra o Nada e com
precisamente essa estranheza que não se encontra na sentença isso dis-puta com a Âparência. Êsse re-solver essencial, porém,
sóbria de Parmênid.es. tem que usar de violência, em sua execução e exercÍcio, contra
188
189
caso, em carência (Noü) e se separa do Lógos, como unldade
o perigo sempre lmlnente de eniedar-se no cotidlano e habl-
cle reuniáo do Ser @hysi$. O Lógos, enquanto reuniáo, como
tual. A instauração violenta de vigor do lançar-se re-soluto no
camlnho para o Ser do ente arranca o homem da intimidade e o reunir-se e concentrar-se do homenr na con_juntura, põe,
pela .primeira vez, o ser do homem em sua essencializaçáo e o
Íamtliaridade, com o que lhe é próximo e usual.
expÕe, assim, ao que náo lhe é familiar, de vez que o familiar
Só quando concebermos a percepçáo no sentido dêsse lan-
qar-se, estaremos protegidos contra o extravio de falsiÍicá-la é dominado pela aparência do habitual, corriqueiro e super_
como um comportamento qualquer <1o homem, como um uso, ficial.
que se entende por si mesmo, cle suas faculdades espirituais ou Resta ainda investigar, porque o tegein.é mencionado antes
até mesmo, como um fato psÍqulco que ocasionalmente tam- do noein. A resposta é a seguinte: é do legein que a noeht
bém se dá. Na realidade, ao lnvés, a percepçáo se logra e corl- re,cebe e adquire a sua Essencializaçáo como percepçáo que
quista @bgerungen) à atividade rotineira e em luta contra ela. reúne e recolhe.
Sua compertinência e oorrespondência ao Ser do ente náo A determinaçáo da essencializagáo do ser do homem, que se
srlrge por si mesma. A destgnaçáo dessa correspondência náo é realiza aqui, no princípio da filosofia ocidental, náo se efetua,
a simples constataçáo de um fato mas evoca e aponta àquela estabelecendo-se propriedades de qualquer tipo que seJam, no
luta. A sobriedade da sentença é uma sobriedade do pensar, ser vivo, "homem", em distinçáo e à diferença de outros sêres
para a qual o rigor do eoncelto, que percebe, constitul â forma vivos. O ser do homem se rletermina a partlr de uma refe_
fundamental do que ai é apreendido. rência com o ente, como tal em sua totalidade. .A. essencicttiz,ct-
Sóbre 2. Aduzimos antes o Fragtnento 6, para eviden- çd.o do homem mostra-se aqui como a referêncla, que abre e
ciar a distlnçáo enüre sl dos três camlnhos. Postergamos, entáo, manifesta ao homem o Ser. O ser do homem enquanto carên_
conscientemente uma interpretaçáo mais pormenorizada do prl- cle (Not) de percepçáo e reuniáo, é o encarecimento da liber-
meiro verso. Entrementes lemos e auscultamo-lo de um outro dade de assumir a techne, o pôr em obra do ser mediante o
modo: ch,re to legein te noein t'eon emnxen.s.l'. "Para o conslstir saber. É assim que acontece História.
reuniclo, como para o perceber Íaz-se necessário (not tut) Que Da Essencializaçáo do logos, entendido como reuniáo, se
o ente (seJa) ser". Vemos aqru'l noein mencionado conjunta- segue e resulta uma conseqüência essencial para o caráter do
rnente com legein, percepçáo com Lógos. Além disso, no início legein.. Pôsto que o legein, como um tal recolher, depende da
clo verso, se põe, de modo repentino e abrupto, o chre. "Mister unidade originária de reunião do Ser, e visto que, por outro
ó percepção e lógos". Juntamente com a percepçáo se evoca o lado, Ser significa chegar à revelaçáo (Unverborgenheit), por
legein,,como aconteclmento do mesmo caráter. E até legein é isso a reuniáo e o recolher do legein possui o caráter funda-
nomeado primeiro. Lógos náo pode slgnificar aqui a unidade mental de abrir e manifestar. Dêsse mod.o legein entra em
de reuniáo, como con-juntura do Ser mas deve, juntamente claro e agudo contraste com cobrir e ocultar.
com a percepÇáo, ter o sentldo da lnstauraçáo violenta de vigor
É o que se comprova, de moclo direto e inequívoco, c\om uma
em virtude «la qual o Ser é recolhldo em sua unidade de reu-
sentença de Herd,cllto. O Fragmento g3 díz: ,,O domina.dor,
nláo. Pertencendo à percepçáA; é necessárla a reuniáo, e ambas
cuja profecia se dá em Delfos, oute legei oute kryptei, nem
têm que acontecer "em vlrtude do Ser". Reuniáo significa nesse reúne nem oculta, alla semainei, dá indícios,'. Reunir está aqui
ca,so: prender-§e, no meio da dlspersáo, ao in-consistente, pren-
em oposição a ocultar. É nesse caso, des-oculüar, manifestar.
der-se, novamente, a partir da confusáo, à aparêncla. Essa
reuniáo, todavla, por ser alnda uma aversão de, só poderá ser Pode-se levantar, agora, a questáo simples: donde poderá
reallzada e exer'clda por fôrça daquela reuniáo que, enquanto ter recebido a palavra legein, reunir, o significado de manl-
conversáo p&ra, consuma e produz o recolhimento 'do ente na festar (des-ocultar) em oposiçáo a ocultar, senão em razáo de
unldade de reunlãp de seu ser. Asslm o Lógos entra' nesge sua referência essencial com o lógos no sentido de physis? O

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vigor imperânte, que, surgindo, se mostra, é a re-velaçá,o, De homem no Ser. Nessa irrupção a linguagem, enquanto conver_
acôrdo com essa referência legein signiÍica: pro-duzir, no sen- sáo do Ser em palavra, era poesia (Dichtung) . A linguagem é a
üido de ex-por o desvelado, como tal, o ente em sua re-vela- yesia originária (Ur-DichtunB), em que um povo poetizq, o
Ser. fnversamente vale: a grande poesia, pela qual um povo
ção. Assim náo só em Herdclito mas ainda em Platã.o, lógos entra na História, inicia a configuração de sua linguagern.
üem o caráter do deloun, de manifestaçáo. Aristóteles caracte-
Os gregos criaram e experimentaram tal poesia atravéi rle
riza o legein do lógos como apophainesthai, i.é como conduzir e
Hometo. A linguagem se manifestou à existência grega, como
levar a most-rar-se (Cfr. Sein und Zeit § 7 e § 44). Essa carac- irrupçáo no Ser, como cónfiguraçáo re-veladora. do ente.
terizaçáo de legein, como des-cobrir e manifestar, é um teste-
munho tanto mais forte em favor da originariedade dessa de- Que a linguagem seja logos, reuniáo, náo é, em si, de forma
terminação, porquanto justamente com Platd.o e Aristóteles, âlguma, uma evidência imediata. Náo obstante, entendemos
já se inicia a decadência dessa determinaçáo de lógos, pela essa interpretação da linguagem, como lógos, a partir do prin-
qual a lógica se tornou possível. Desde entáo, i.é desde de cÍpio da existência Histórica dos gregos, a pariir da dir,eçáo
dois nrilênios, essas relações enlre lógos, aletheia, physis, noein fnndamental em que se lhes manifestou e abriu o ser e em que
e idea foram escondidas e encobertas pela incompreensão. êles o erigiram na consistência do ente.
No princípio, poróm, se passa o seguinte: o lógos, como
A partir do impacto direto do vigor predominante a pa_
lavra, ou seja o nolnear, repõe o ente, que se abre e manifesta,
reuniáo re-velante na qual o Ser é con-juntura no sentido da
em seu ser, o retém e conservâ nessa abertura, delimitaçáo e
physis, se torna a necessidade da essencializaçáo do homem
consistência. Não é o nomear, que, posteriormente, vem eon_
Histórico. Daqui basta apenas um passo para se comprêender, ferir a um ente, já de outro modo manifesto, uma desi§naçáo,
como o lógos assim entendido, determina a essencializaçáo da
um sinal chamado palavra. Muito pelo contário, a palavra desce
linguagem e chega a ser o nome do cliscurso. O ser do homem, da altura de sua originária instauraçáo violenta de viger, en_
em sua essencialização Histórica, i.é em sua essencializaçâo quanto abertura e manifestaçáo clo Ser, e se transforma em
que instaura o acontecer Histórico, é logos reuniáo e percepçáo
simples sinal, de tal s,orte que êsse se antepõe entáo ao ente.
rlo ser do ente: i.é, aquêle acontecer do que há de mais e§- No dizer originário, porém, o ser d.o ente se abre e revela na
tranho, em que, p.ela instauraçáo violenta, o vigor, que pre- articulaçáo de sua unidade de reuniáo. Essa abertura e reve_
domina, ,chega a aparecer e erigir-se em consistência. Ora, no
laçáo se recolhe e reúne no segundo sentido, pelo qual a pa-
Canto do Côro da "Antígone" de Sófocles, auscultamos, que, lavra conserva s recolhido originàrimente e assim instaura ,o
juntamente com a irupçáo no Ser, se dá o prender-se e en-
contrar-se na palavra: acontece a linguagem.
vigor do exercício o que impera e domina, a phrsis. O homem
somo o que está e se instaura no logos, na reuniáo, é o coletor
Ao investigar a essencializaçáo. da linguagem surge sempre (Sammler). Assume e exerce a instauração vigorosa. O im$f_
a questão sôbre a sua origem. Por caminhos escusos procura-se rio do que predomina e impõe seu vigor.
uma resposta. A primeira resposta decisiva à questáo sôbre a
Por outro lado já sabemos que essa instauraçáo de vigor
origem da linguagem encontramos também aqui. Essa origem é o que há de mais estranho. 'Em virtude do tolma, da audá-
fica sempre mistério. Náo, porém, porque os homens, àté àgota, cia, o homem chega necessàriamenüe tanto ao baixo e úl corno
náo tenham sido suficientemente sabidos e sim porque tôda
ao elevado e nobre. Onde a linguagem fala como reuniáo vio-
sabedoria e sutileza têm tomado sempre o caminho errado,
lenta do vigor, como eontenção do que predomina e vigora, como
antes mesmo de se estenderem. O caráter de mistério pertenee
conservaçáo, aí e só aÍ há necessàriamentc dissoluçáo e perda.
à própria Essencializaçáo da origem da linguagem. Isso sig- Por isso a linguagem é em seu acontecer palavreado (Gerede).
nifica, que a tinguagem só pode ter principiado I partir do
Em lugar de abertura e manifestaçáo do Ser, o seu eneobri-
vigor prepotente, que impera, e do estranho, na irrupçáo do

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192
mento e ocultaçáo. Ao invés d,' recolhimento na articulaçào e língua. Decide-te antes separando, colocando dian-
conjuntura, a dispersáo e dissiiração na des-juntura e des-or'- te de ti,recolhi.do numa unidade, a indicaçáo do
dem. É que o logos, ccmo lingrragem náo se Íaz por si mesmo. conflito múltiplo que te proponho,'.
O legein é carência (Not): c/lre to legain é carência a percepção
tlo ser do ente. (Donde encârcce a cerência?) Nesse lugar Zogos se acha em estreita ligaçáo com krtneln,
eindir no sentido de de-ciCir no exercício da concentraçdo sôbre
Sôbre 3. De vez que a Essencializaçáo da linguagem se a unidade de reuniáo do Ser. O "ler,, seletíuo fundamenta e
acha no recolhimento da unidade de reunião do Ser, só chegará sustenta a perseguiçáo do Ser e a recusa da Aparêncla. Nô
à verdade na sua forma de discurso (Rede) cotidiano, se o eonteúdo significativo de krinein ecoam e repercutem os s€-
dizer e ou'/ir se relaclonarem e dependerem do lógo.s. como a guintes significados: eseolher, selecionar, critério determinante
unidacl.e de rettniáo dentro do Sentido do Ser. Pois é no Ser e de jerarquia.
em sua articulaçáo que o ente é de modo origináiio e clecisivo Por essa tríplice indicação a interpretaçáo ilumina a sen-
já de antemão um legotnenon, i.é recolhiclo, ciito e pronunciado. tenÇa a ponto de se tornar claro, que parmêni7,es realmente
. Só agora compreendcremos todo o contexto em que se insere trata também do Togos em perspectivas essenclais. O lógos ê
aquela sentença rle Parmênides, segundo a qual a percepçáo ttma carência (Not) e, ern si mesmo, carece de vigor violento
acontece em virtude do Ser. para defender-se do verbalismo e da dissipaçáo. Como legetn,
Apassagem VIII, 34-36 diz: o lógos vai de en:onfro à. phUsis. Nessa .diversificação (Ausel-
"Sáo em si pertencentes e correspondentes entre si a per- nandertreten'l o tógos, como acuntecirnento da reuniáo, se torna
cepçáo e aquilo em virtude do qual a percepçáo acontece. Com o fundamento que funda o ser do homem. DaÍ pudermos
efeito sem o ente, en1 que já foi pronunciado (o Ser), náo en- dizer: na sentença se realiza, pela primeira vez, a determt-
contrarás (alcançarás) a percepçáo". A referência ao logos, naçáo decisiva d,a essencializaçáo do homem. Ser homem sig-
como physis, converte o legein em reuniáo perceptiva e a per- rriflca: assumir a reuniáo, a percepçáo recolhedora do ser do
cepçáo em percepçáo reunitiva. Por isso o legein parâ perma- ente, o opera!: no sentido de f'ôr cientemente em obra e apa-
necer reunido deve afastar-se do que é mero palavreado, fala- rição e, dêsse moCo, etercer o uigor (verwalten) da re-velaçáo
tório e facilidade verbal. Assim encontramos em Parmênides e eonserad,-lo (bewahren) contra o encobrimento e a ocupação.
uma oposiçáo rig'orosa entre logos e glossa (Frag. VII, v. 3ss) '
Destarte, já no prineípio da filosofia ocidental, se vê, como
A passagem corresponde ao início do Fragmento 6. em que com
relaçáo à tomada do primeiro caminho inevitável para o Ser, a qucstão do Ser inclui necessàriamente a fundamentação da
existência.
se diz que se torna necessário concentrar-se no ser do ente.
Agora se trata de <lar algumas indicações sôbre o percurso do Essa implicaçáo e conexo entre Ser e Existência (como
terceiro caminho ptara a Aparência. Êsse conduz através do também e sua. investrgeqáo) náo se atinge, de forma algu-
ente, que está sempre numa aparência. É o caminho mais ma, com indicações e recursos a questões gnoseológÍcas nem
comumente freqüentado. Por isso o homem avisado tem que igualmente com a constataçáo externa, de que tôda concepção
retirar-se constantemente dêle e empenhar-se no legein e noein do Ser depende de uma concepçáo da existência (Se a questáo
do ser do ente: do Ser procura náo só o ser do ente mas o Ser mesmo em s?&t
Essencialização, necessita, entáo, de maneira completa e ex-
"e o hábito táo destro náo te deve de forma alguma pressa de uma fundamentação da existência calcada nessa
forçar em direçáo dêsse caminho. questáo, à qual se deu por essa necessidade, e só por lsso, o
Pois tu te perderias a ti mesmo num olhar qrre náo nome de "ontologia fundamental", cf.r. Seln und Zeit, lntro*
vê e num ouvir ensurdececlor e na facilidade da duçáo).

194 105
Essa abertura e manifstaçáo originária da essencialização Sem dúvida, o abandono do comum e corrente e o retorno
do ser do homem, chamamo-la de ilecisioa. Todavia náo foi à interpretação, que se põe a si mesma em questão, é um salto
conservada e manüida, como o grande princípio. Teve, ao con- (Sprung). Ora, saltar só pode, quem toma o impulso devido.
trário, por conseqüência ooisa muito cliferente: a definiçáo do E é nesse impulso que tudo se decide. Pois êle significa, que
homem, como animal racional, posteriormente corrente no Oci- voltamos realmente a irusestigar', de mesmo, as questões. E é
dente e hoje ainda náo abalada na opiniáo e atitude dominan- no mover-se das questões, que se criam as perspectivas. O que,
te. No sentido de tornar visível a distância dessa definiçáo todavia, não se processa numa arbitrariedade dissoluta e muit.o
frente à abertura da originária essencializaçáo do ser humano, menos com apoio em algum sistertra, canonizado em ). orrna e
vamos confrontar em duas fórmulas s princípio e o fim. O sim numa e a partir de uma necessidade Histórica, a partir de
fim se apresenta na fórmula: anthropos- zoon lógon echon: o uma carência (Not) da existência Históriea.
homenr. o auimirl, que tem por dote a razáo. O princípio, to- Legein e noein, reuniáo e percepção, sáo uma carência
mamo-lo nnma fórmula plasmada livremente mas que resume (Not) e uma instauração violenta de vigor contra a prepoên-
nossa interpretaçáo: phusis -lógos anthropott echon: o Ser, o cia vigorante, mas sempre também ern f auor dessa prepotência.
aparecer predominante do vigor, encarece a reuniáo, que tem Assim os que instauram violentamente o vigor, teráo sempre
em seu poder e fundamenta o ser do homem. que hesitar, de espanto, em usar da violência instauradora e,
Ld., no fim, ainda há um resto da implicaçáo e nexo entre sem embargo, não poderáo esquivar-se e evitá-la. Nessa hesi-
lógos e ser humano, toclavia o lógos de há muito que se alienou taÇío e nesse querei sobrepujar há de surgir, por instantes, â
(verausserlicht) como faculdade do entendimento e da tazáo. possibilidade de que a sujeiçã,o do vigor prepotente será então
Essa faculdade se funda em si mesma sôbre o dado objetivo de conquistada ctra maneira mais completa e segura, se simples-
uma espécie particular de sêres vivos, sÔbre o zoo1t beltiston, mente se deixar o Ser, o vigor imperante, que brota e em
o animal mais excelente (Xenofonte) . si mesmo se essencializa,- como lógos, como a unidade de reu-
Aqui, no princípio, ao eontrário, o ser humano se funda niáo do que se defronl;a, no e encoberto (Verbor-
- deoculto
genheit) e, destarte, fracassar.
na abertura e manifestaçáo do ser do ente ' certo modo, tôda possibili-
Na perspecbiva de definicr-res correntes e predominanües, na dade de aparecimento e manifestaçáo. À instauraçáo de vigor,
perspectiva, i.é, da metafísica, gnosoelogia, antropologia e éti- do que há de mais estranho, pertence tal temeridade (que, na
ca modernas e atuais, determinada5 pelo cristianismo, a nossa verdade, é o ma,ior reconhecimento) ; qual seja: dominar o
interpretaçáo da sentença terá que aparecer necessàriamente vigor imperante, que aparece na recusa de tôda a sua abertura
como uma modifieaçáo arbitrária de seu significado, como umâ e manifestação, e ser-Ihe superior, mantendo trancada à vio-
intro-duçáo de algo, que uma "interpretaçáo exata" nunca po- Iência todo poderosa de seu vigor o lugar de aparecimento.
derá constatar. É exato. Para a opiniáo comum e hodierna' A recusa ao Ser dessa abertura não significa, porém, para
d,e fato, o que deixamos dito é apenas um resultado da violên-
a existência outra coisa do que abandonar a sua essen,ciali-
cia e unilateralidacle, já proverbiais, dos métodos e processos
zaçáo. E isso exig,e apostatar do Ser ou também nunca ehegar
poder e a entrar na existência. É o qlre novamente Sólocles exprime
hermenêuticos de Heidegger. Todavia é o caso de se
num Côro da Tragédia "Édipo em Colona, v. 1224s: me phynai
dever perguntar: Qual interpretação é a verdadeira, aquela
que simplesmente aceita a perspectiva de sua compreensáo' por
ton apanta ni ko, longoTr": nunca haver entrada na existência
já se eneontrar nela, e se lhe afigurar evidente e comum' ou triunfa sôbre a unidade de reunião do ente em sua totalidade".
Não ter assunririo nuncâ a existência me phgttei se diz do
então essa outra, que põe em questáo, desde seus fundamentos'
homem, como aquêle que está recolhido com a physis essen-
a perspectiva habitual, por ser possivel e real, que tal perspec- cialmente. como o sea coletor (Sammler) . Aqui se usa physis,
tivã não permita, de fortna alguma, a visáo do que se tem ph?Jndi do ser do hornem e lógos no sentido de Heráclito, como
'de ver?

1i I
196
a conjuntura vigente do ente na sua totalidade. Essas pala- dêle, a ponto de fazer de si mesmo (como razáo) o tribunal
vras poéticas exprimem a referência mais íntima da existên- que julga sôbre o Ser e de assumir e regular a determinaçáo
cla com o Ser e sua aberturâ, enquanto chama de náo-exis- do Ser do ente.
tência a maior distância e afastamento do Ser. É aqui que se A isso chega só e exclusivamente, quando abandona a sua
mostra e ostenta a possibilidade mais estranha da existência: a essencializaçáo originária, en,oobrindo e transformando o sen-
de rumper, na suprema instauraçáo de violência contra si tido clo Ser como phvsis. Em conseqüência, se muda a exis-
mesma, a prepotência vigorosa do Ser; A existência náo tem tência do homem. O fim lento dessa História, dentro do qu_al
essa possibilidade, como uma saÍda vazia, mas é essa possibili- nos achamos, desCe inuito tempo, é o predomíni,o do pensar,
dade, enquanto existe. Pois em tôda instauraçáo violenta de como ratio (como entenrlimento tanto, quanto como razáo)
vlgor ela tem, como existência, de romper-se e quebrar-se no sôbre o Ser do ente. É a partir daqui que se inicia o jôgo de
Ser. levezanlentô recÍproco entre,,racionalisrno e iiracionalismo",
Parece pessimismo. E todavia seria errôneo rotular a exis- que até agora ainda se está jogando com todos os d,isfarces
têncla grega de pessimista. Náo porque os gregos fôssem, no pn;sírreis e com o:s tÍiulos mais contraditórios. O irracionglismo
fundo, otimistas mas porque tais avaliações simplesmente não é, apenas, a fraqueza manifestada e o completo fracasso do
otingem a existência grega. Os gregos erâm, sem dúvida, mais t'acionalismo e, por isso mesmo, em si, um racionalismo. Ir-
pessimistas do que poderá sê-lo qualquer pessimista. Mas tam- racionalismo é rirna saída do racionalismo, que não nos conduz
bém eram mais otimistas do que qualquer otimista. É que a rr liberdade e sirn nêle ainda inais nos enleia, por srrcitar a
sua existência Histórica ainda se situa aquem de todo pes- aparêneia de estai êle superado por um simples ,,uão". Ao
simlsmo e de qualquer otimismo. Ambas apreciações, já de contrário, é, então, que êle se torna mais perigoso, porque con_
antemáo, consideram a existência, igualmente, como um ne- tinua o se,.i jô":o iinperturbado e às escondidas.
gócio, seja mau ou bom. Ésse modo de ver o mundo se ex-
prlme na conhecida frase de Schopenhauer: "A vida é um. ne- Não pertence à tarefa dessa preleçáo expor a história in-
gócio, que náo cobre os seus gastos". Tal frase não é verdadei-
lerna em quc se configurou o predomínio do pensar (como
raLio da lógiea) sôbre o Ser Co ente. Prescin<lincio das próprias
ra poÍque "a vida "termina mesmo por cobrir os seus gastos, iiificuldacies, tal exposição lrerrnaneceria sem qualquer eficácia
mas porque a vida (como existência) simplesmente náo é ne- Histórica, enquanto nós mesmos náo tiverraos despcrtado as
góclo, embora, desde séculos, que se haja üornado. E é, por fôrças de uma investrgação própria, a partir e em prol de nossa
isso também, que a existência grega nos é tão exótica e es- Hi.stória em seu momento atual.
ürangeira.
Não obstante, é necessário mostrar ainda, como se chegou,
A náo-existência constitui a maior vitória sôbre o Sei. em razáo da diversificaçáo originária de tógos e physis, àquela
Existtr é a. aarência constante de derrota e ressurgimento cia apostasia do tógos, que sc tornou, entáo, ponto de partida para
instauração violenta de vigor contra o Ser e de tal moolo que a edificação do predomínio da razáe.
rr violêneia toCo vigorosa, do Ser violenta (em sentido liter:al) ,
Essa aposi,ilsia do lógos e â sua pre-paraçáo para o tribunal
com seu vigor, a existência, forçando-a a que seja o lugar cle de julgamento do Ser se dá ainda dentro da filosofia grega.
seu aparecimenl,o; â cerca e impregna de vigor e assim a detém Determina até o seu fim. Só cónsegniremos instaurar vigorosa-
e conserva no ser. t:rente o vig_or da filosofia grega, como o princípio da filosofia
Dá-se e se processa uma separa"çáo e diversificaçáo de lógos
ocidental, na medida em que coinpreendermos simultâneamente
e physis. Isso, porém, ainda não significa uma apostasia do
êsse princípio em seu fim priàcipiativo, originário. Pois Íol
lógos. O que quer dizer: o lógos ainda náo se contrapõe de tal
êsse fim, e só êle, que se tornou para os tempos posteriores o
sorte ao §er'clo ente nem surge ainda d.e tal m,aneiro defronte
"princípio" e isso de tal modo que encobriu, ao mesmo tempo, o
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princípio originário, principiativo. Todavia êsse fim princi- A palavra, ideo signiÍica o visto no visivel. o viso que al-
piativo e originário do grande principio, a ÍilosoÍia de Pla.tão guma coisa oferece. O que se oferece, é o aspecto (Aussehen),
e Aristóteles, continua sendo grande, mesmo se subtrairmos e eidos, do que vem ao encontro. O aspecto cle uma coisa cons-
descontannos a grandeza de sua expansáo ocidental. titui aquilo em que ela, como dizemos, se lt!:)s apresenta, se nos
fnvestigamos agora: Como se d.eu a apostasia e a prima- pro-põe e, como tal, está diante de nós; é aquilo em que e
sia do lógos frente ao Ser? Como se processou a configuraçáo como tal, ela está presente (an-west), o que significa aqui,
decisiva da separaçáo de Ser e Pensar? Também essa História para os gregos, aquilo em que e como tal, ela é. Tal estar é a
aqui só pode ser rabiscada em poucos traços gross'iros. consistência do que surgiu e brotou a partir de si mesmo: é a
r--onsistência da phvsis. Por outro lado, êsse estar-presente do
Partimos do fim e perguntamos. consistente é, ao mesmo tempo, consideracio a partir do ho-
mem, o proscênio do que se apresenta (an-west) a partir de
1. Como aparece a relaçáo entre lógos e phusis no fim si mesmo; é o perceptível No aspecto, o piesente, o ente, se
cla filosofia grega em Platd.o e AristÓteles? Como se entende faz presente em suâ qualidade e modalidacie. r percebido e
aqui a ph7sis? Que figura e papel assume o lógos? a,ssumiclo. Está na posse de um tomar. É o que se tem nessa
posse. É a presença (An-wesen) disponível do presente: ozsio.
2. Como se chegou ao Íim? Onde reside o fundamento Dêsse modo ousia pode significar ambas as coisas: presença
prôpriamente dito da mudanca e transformaÇão? de um presente e o presente na quididade de seu aspecto.
E aqui que se oculta e esconde a origem da distinção sub-
Sôbre 1.No fim surge, como nome normativo e predomi- seqüente de essentia e existentia. (Se porém se toma a dis-
nante clo Ser, a palavra id,ea, eidos, "idéia" Desde entáo a in- tlnçáo coriiqueira de existência e essentia, por assim dizer ce-
terpretaçáo do Ser, como idéia, domina todo o pensar ociden- gamente, da tradiçáo, nllnca se poderá entender, como e em
tal, por através da história de suas transformações, até os dias que medida existentia e essentia com sua distinçáo se separam
de hoje. Nessa proveniência está também fundado o fato cle do ser do ente, para caraeterizá-lo. Se, no entanto, conceber-
que, na conclusáo grandiosa e final da primeira etapa do pen- mos a idea [o aspectol cortuo p|'ese?tça, entáo essa se mostra,
samento ocidental
- a saber
no sistema de Hegel
- a reali-
dade do real, o ser em sentido absoluto, foi concebido como
como consistência num duplo sentido. Pois no aspecto, se en-
contra, de um lado, o estar-fora-a-partir-da-re-velaçáo (das
"Idéia" e assim expressamente chamado. Todavia o que sig- Heraus-stehen-aus-der-Unverborgenheit), o simples estitt.. De
niÍica. ter Platáo Ínterpretado a physis como idea? outro lado, no aspecto se inostra o que nêle se apresenta, o Úi
Já na primeira caractefizaçá"o introduiória da experiência estin\
grega do Ser foram enumerados, entre outros, os títulos idea' Assim a idéia conslitui o Ser do ente. IdetL e eidos se em-
eiilos. Ao depararmo-nos diretamente com a filosofia de Hegel pregam aqui num sentido mais amplo, náo só para o que se
ou com a de qualquer outro pensador moderno ou com a Es- vê eom os olhos do corpo, mas para tudo que se pode perceber.
colástica Medieval ou até mesmo, ao encontrarmos, em qualquer O que um ente é reside em seu aspe'cto, o qual, por sua vez,
parte, o emprêgo do nome "idéia" para o Ser, temos que con- apresenta (deixa faeer-se presenle) êsse "o que", i.é a qui-
tessar, para náo nos iludirmos a nós mesmos, que não compre' clidade.
end,emos nad.a com os recursos das representações ca;rentes. Mas, já nos teremos perguntado a nós tnesmos, essa inter-
Ao contrário, compreendemos tal fato, quando provirnos dct pretação rio Ser, como idea, náo será, então, auténticamente
princípio da filosofia grega. Poderemo§, então. n.redir iogo a grega? Ela se segue, com irrecusável necessidade. do fato de o
distância entre a interpretaQão do Ser, corlo physis e a inter- Ser ter sido experimentado como physis, colno vigor que brota
pretação do Ser como iCea. e surge, como aparecer, como estar-à-luz. Que outra coisa

200 201
--T-_-

llrostra, no §eu aparecirnento, aquilo que aparece, senáo o e no sentido prôpriamente dito, ocupa o espaço, erigindo-se
seu aspecto Em que medida essa interpretação do Ser como numa consistência recolhida; o cronquista, como 9 que assim
iCea se pode aÍastar e distanciar ainda d,a phEsis? Não estará consiste; se cria para si espaço, opera tudo, que lhe pertence,
com tôda razáo a tradição da Íilosofia grega, quand,o, por sem ser reproduzido. O aparecer, no segundo sentido, surge e
tantos séculos, a vem considerando à luz d,a filosofia platônica? se apresenta de uru espaço já pronto e constituído e é visto
A interpreüação do Ser como idea por pto,tã,o significa táo poueo pela visão dentro das dimensões já estruturadas dêsse espaço.
um afastameqto e menos ainda uma decadência do princípio, O viso, que a coisa faz e apresenta, é que se torna o decisivo
que se deve até dizer que ela, ao fundamentá-lo na ,,teoria das e náo a coisa em si mesma. O aparecer, no primeiro sentido,
idéias", o apreende, de um modo mais desenvolto e preciso. é o que, pela primeira vez, rasga e abre, i.é instaura espaço. O
Platão é a consumaçáo do princípio. aparecer no, seguudo sentido, dá apenas os contôrnos e as di_
De fato não se poderá negar, qne a interpretação clo Ser, mensões d,o espaço já aberto.
como ideq, resulte e provenha da experiência fundamentat do Náo obstante, não já diz a, sentença de parmênides, que Ser
Ser, como ph,Asis. Trata-se, como dizemos, de uma conseqüên. e Percepçáo se pertencem recipro,camente, portanto, o visto e
cia necessária. da essencializaçáo do Ser, como o &parecer no,s- o ver? ôbviamente, o que é visto, um visto pertence a toclo
cenüe. Nisso não vai nada de afastamento ou mesmo de deca- ver, disso, porém, não se .segue, que só o ser-visto, como tal,
dência do princípio. Certameute que náo! possa e deva determinar sôzinho a presença (Anwesen) do que
Se, porém, o que é uma conseqüência essencial, fôr ele- ci .risto. E e justamente a sentença de parmênides que
vado à condição de Essencializaçáo e passar, assim, a ocupar diz, que o Sei náo deve ser compreendido a partir da percep_
o lugar da Essencializagáo, o que se há de pensar entáo? Então Qáo, i.é só e apenas, como o percebido, mas é a percepção quc
se instaura a decadência, que, por sua vez, frutificará conse- é em virtude e por graça do Ser. A percepQão deve abrir e
qüências particulares. É o que aconteceu. O decisivo náo é manifestar o ente d,e tal maneira, a ponto de repor o ente
ter sido caraclerizada a phusís como idea mas a idea se haver em seu Ser, de tomá-lo em funçáo do fato d,e que êle e de
epresentado e imposto como a interpretação única e normativa como ê[e se apresenta. por outro lado, na interpretaçáo clo
clo Ser.
Ser, com,o idea n-ao apenas uma conseqüência da Essencializa_
Poder-se-á avaliar fàcilmente a distância que medeia entre qáo se desvirtua na própria Essencializaçáo como ta.mbénr o
r.mbas as interpretações, considerando-se a diversiclade de pers- que assim se desvirtua, ainda é falsificado, e novamente dentro
pectivas, em que se movem ambâs as d,eterminaçóes <io Ser,
do curso ,cla experiência e interpretaçáo grega.
como pfuysis e id.ea. Physis é o vigor imperante que sllrge, o
estar-em-si-mesmo, é a consistência. Idea é o aspecto, enten- A icléia constitui, como aspecto clo ente, aquilo qae êsse é.
dido como o que é visto; é uma determinaçáo do consistente, A quid'idade, a "essência,, nesse sentido, i. é o oonceito cle es_
enquanto e só enquanto êle vem ao e de encontro a uma visão. .sência, torna-se igualmente anrbíguo:
Mas a phgsis, enquanto vigor nascente, já é tambérn um apa-
recer. Realmente. Apenas aparecer tem dois sentidos. Uma a) um ente se essencializa, vige e vigora, evoca e aclquire
vez significa o erigir-se (si,ch-zum-Stand-bringen) na unidade o que lhe pertence, i.é tambénr e justameirte o conflito;
de reuniáo, que recoihe e assim consiste. Outra vez, porém, b) um ente se apresenta eomo êste e aquêle; possui tal
significa oferecer para a visáo uur frontispício (Vorderflreche), determinaçáo quiditativa.
uma superfície, um aspecto, que já se sustém num estado de
eonsistência. Como na üransforrnação cla pllysjs na idéia, o ti esti.rt \a
Consiclerada a partir da noçáo de espaço, a distinção entre quididade) surge.e como dêle se distingui o hoti es.tin (.o fata
os dois aparecer é a seguinte: o aparecer, no primeiro sentido cle ser) i.é a ptoveniên,cia essencial da distinçáo de essentia

202 203
e existentia, a isso já se fêz aiusáo, embora disso aqui náo se degladar nos níveis baixos. Porlemos avaliar-lhe a altura pelo
trate (Foi objeto cle uma preleção inédita do semestre de verâo seguinte. A grande época da existência grega é táo grande,
em 1927). em si mesrna â única clássica, que cria até as condições meta-
Táo logo, porém, a Essencializaçáo do Ser se acha na qui- fisicas da possibilidade de todo classicismo. Nos conceitos fun-
rjidade (Idéia), essa, como o ser do ente, se torna também o danrentais de idea, pq.radeigma, hontoiosis e mimesis iá se
que há de mais ente no ente. É, assim, o ente prÔpriamente acha presignada a metafísica do classicismo. Platd,o aincla náo
dito, orzúos o11.; O Ser, como idéia, se converte entáo no ent'e e rrrn classicista, pela simples razáo de ainda náo poder sê-lo.
prôpriamente, e o ente mesmo, o que antes imperava no vigor, Êle é o clássico do classicismo. A transformaçáo do Ser em
degrada-se, no que Platáo chama nte on, no que prÔpriament.e idea provoca uma das formas essenciais de movimento, em que
nã'o devia ser e também prôpriamente náo é. Pois êle desfigura se move o acontecer Histórico do Ocidente e náo apenas o de
semple a idéia, o puro aspecto, ao realizá-la, configurando-a sua arte.
na matéria. Por seu turno, a id'ea se torna o paradeigma, o Trata-se agora rie se indicar o que, em correspondência a
paradigma, a figura exemplar. Assitn :r idéia se converte ne- essa transformaçáo, acontece com o lógos. A abertura e mâ-
cessàriamente em ideal . O exemplo, que se configura segundo nifestaçáo do ente se dá no lógos, entendido, como reuniác.
a figura exemplar, náo "é", em senticlo próprio, mas tem ape- Essa se processa originàriamente na linguagem. Por isso o
nas parte no Ser, methetis. Ràsga-§e e se estabelece o charis- kígos se torna a determinaçáo normativa da essencialização
ln,os, o abismo entre a idéia, como c ente prôpriamente, a fi- do discurso. A linguagem §uarda e conserva, no que se pro-
gurâ exemplar e originaúa, e o náo-ente prÔpriamente, o nunciâ, se diz e se pode sempre de nôvo dizer, o ente resp€cti-
exemplo configurado e irnitado. vamente aberto e manifesto. O que se diz, pode ser redito e
O aparecer re'cebe entáo da Idéia um outro sentido. O dito adiante. A verdade assim retida e conservada se espalha,
que aparece, a aparência, iá náo é a phAsis, o vigor imperante e de tal modo, que o ente originàriamente aberto e manifes-
rlue surge, nem também o mostiar-se do aspecto. Aparência é tado na reuniáo nem sempre é experimentado, como tal, de
agora o surgir da cópia, do exemplo. Enquanto nunca atinge a modo próprlo. No que se diz adiante, a verdade como que se
sua Íigura exemplar e originária, o que aparece é uma sim.ples dissocia do ente. Isso pode ir táo longe, que o redizer se con-
aparência, prôpriamente um parecer, o que significa um defeito verte num mero recitar, na glosso. Tudo que se exprime e
e deficiência. E agora qlre se separâm on e plruinomeilott. enuncia, se acha constantemente nesse perigo (cfr. Sein und
Nessa separação radica uma conseqüência essencial . Visto Zeit, §44b).
que a idéia é o ente prÔpriamente e o modêlo exemplar, tôcla Por isso a decisáo acêrca do verdadeiro se exercc agora
abertura e manifestaçáo do ente tem que procurar igualar-se numa disputa entre o dizer correto'e o mero recitar. O lógos,
ao exemplar originário, deve adequar-se ao modêlo, confor- no senticlo de dizer e enunciar, torna-se, o âmbito e o lugar
nlar-se à forma da idéia. A verdade da phAsis, a aletheia, en- em que se decide sôbre a verdade, o que signifi'ca. originària-
Lenclida colno a le-velaçáo vigente no rrigor imperante do qtie mente, sôbre a re-velaçáo do ente e com isso sôbre o Ser do
hrota, torna-sc homoiosis e ntimesis conveniência, adequaçáo. ente. No princípio, entendido, como reuniá'o, o Lógos é o acon-
um regular-se com. converte-se em correçâo (Richtigkeit) da tecer da re-velaçáo, nela se funda e a ela serve. Agora, ao
r,isào, cla perccl:cão. couro representaçáo. contrário, entendido, como enunciado, o Lógos se torna o lugar
Se compreendermos devidamente tudo isso, iá náo havemos da verdade, no sentido da oorreçáo. Chega-se à frase de Á/js-
dc querer negar, que, com a interpretaçáo do Ser'como idéia, se t<iteles segundo a qual, como enunciado, o LÓgos é o que pode
interpõe um abismo frente ao princípio originário' Ao faiar- ser verdadeiro ou falso. Originàriamente concebida, como re-
mos aqui de "decadência", é de se advertir que tal decadência velaçáo, um processo do ente vigente em si mesmo, e disposta e
aincla se consel'va, apesar d'e tudo, num nível elevado, sem se exencida pela reuniáo, a verdade se converte agora numa pro-

244 205
priedade do Logos. Transformada em pi'opriedade do enunciir- O Logos, phasis, a dicçáo rro sentido de enunciado, decide
do, a verdacle não só desloea o seu lugar. Muda também c1e de maneira tão originária sôbre o ser do ente, que tôcla vez
essencialização. Considerada a partir do enunciado só se atinge que uma dicçáo está contra outra, sempre que há contra-dição,
o verdadeiro, quando o enunciar se atém aquilo sôbre que untiphasis, o que se contra-diz náo pode ser. Enquanto ao
enuncia; quando o enunciado se regula pelo ente. A verdaCe contrário o que náo se contra-diz, é ao mencs possível quanto a
é a correção rlo trogos. Dessa forma o Lógos se livra da «le- .seu ser. Â antiga questão disputaria, se o princípio de contra.-
tenção originá-ria dentro do acontecimento da re-velaçáo, para" dição possui em Aristóteles um sentido "onüológico" ou "ló-
ir partir e em funçáo de si mesmo, decidir sôbre a verdade e o gico", é uma pseudo-questão, de vez que para o Estagirita
ente. E náo só sôlore o ente mas mesmo até sôbre o Ser. Logos ainda náo há nem "lógica" nem "ontologia". Tanto uma como
é agora legein ti. kata tinos, dizer uma coisa de outra. Â,quilo a outra só nasceram do solo da filosofia aris.totética. O prin-
do que se diz alguma coisa, constitui e que está à base do cípio de contradiçáo tem mais um sentido "ontológico', por
enunciado, o seu substrato, h,gpoke;menon (subjectum) . Con- ser a lei fundamental do Lógos, por' ser um princÍpio .,Iógico".
siderado a partir do Logos, entendido .como o que se tornou A superação do princÍpio cle contradiçáo na Dialética de Hegel
independente e autônomo no enunciado, o Ser se apresenta e náo é em princípio uma superaÇão do predomínio d,o Lógos.
se dá, como tal sub-strato. (Essa determinaçáo do Ser, como a É apenas o. sua mar.:ma potenciaçdo. (O fato de Hegel inti-
idéia, está já prelineada, no tocante à sua possibilidade, na tular a metafÍsica prôpriamente dita, i.é a ..FÍsica', com o
phEsls. Pois sõmente o vigor imperante, que surge, pode, en- nome de "Lógica" faz-nos evocar tanto o Lóqos no senticlo dcr
quanto preseuça, deterrqinar-se e transformar-se em aspecto Iugar das categorias como o Lógos d.a physis originária) .
e sub-strato). Na forma de enunciado o Lógos tornou-se em si mesmo
O sub-strato pode ser apresentado no enunciado numa va- algo objetivamente dad,o. Êsse dado é algo manuseável, que
riedade de modos: pode ser exposto, como constituido dessa ou se pode manejar, para obter e assegurar a verdaCe, entendida
daquela maneira, com êsse ou aquêle tamanho, dotado dessas como correçáo. Daí se considerar tal manejo na conqrrista da
ou rlaquelas relações. 6ra ser-c'onstituÍdo. ser-grande e ser- verdade como um instrumento , orgq,non, e se procurar torná-lo
relacionado sáo determinações rlo Ser. Como, porém, enquan- manejável de maneira correta e justa. O que se faz tanto mais
to modos de enunciar, se extraem e colhem do Lógos, e como premente e urgente quanto mais decididamente a transforme_
enunciar em grego é kategorein, chamam-se as determinaçóes çáo da physis em eidos e do lógos ern categorio vai excluindo
do ser do ente de kategoriai, categorias. É êsse o motivo porque a abertura e manifestaçáo originárias do ser do ente. O ver-
a doutrina do Ser e das determinações do ente, como tal, ve:o dadeiro, concebido como o corret,o, se vai clifundindo e alar-
â ser a doutrina, que investiga as categorias e sua estrutura. gando por meio das discussões, do ensino e das prescrieões.
A meta de tôda ontologia é a teoria das categorias. Êsse fato Disso o Lógos deveria ser o instrumento e já estar pronto à
de serem os caracteres essenciais do ser, categorias, vale hoje mão. Soa a hora do nascimento da lógica.
e já desde muito, como qualquer coisa de evidente, que se Náo scm razáo a filosofia anüiga reuniu os tiatados de
entende por si mesmo. No fundo, porém, é algo exótico e pe- Âristóteles, que se referem ao Lógos, sob o título d,e Organon.
regrino. Êle só se poclerá mesmo entender, se compreenCermos É que nêIes a lógica já se encontra con:luÍda e teiminada ein
e concebermos o fato e a medida, em que o Logos, tomado como seus caracteres fundamentais. Assim dois milênios depois po-
enunciado, não só se diversifica mas também se corúrapõe a rlerá I{ant dizer no prólogo da 2.a Ediçáo da CrÍti.ca cla Razão
physis e, ao mesmo tempo, surge e se impõe, como o domínlo Pura, que "desde Aristóteles" a lógica "náo pôde dar nem um
decisivo, que chega a ser o lugar originário das determinaqões passo para trás" mas "até agora também náo conseguiu ainda
do ser. dar nem um passo para frente e segundo tudo indica parece

200 207

]L
ferência esteja primeira e prôpriamente oculta e escondida na
já estar conclttÍda e completa". Nár: só parece. Está mesmo. essencializaçáo da phusis. De que espécie, porém, é essa re-
Pois, apesar de Kant e Hegel, a lógica iá náo deu nenhum ferência? É o que veremos destacando o segundo ponto.
passo a mais na direçáo d.e sua Essencializaçáo originária. n
que o único passo ainda possÍvel é atrancâ-la (a saber en- b) A transfomaçáo sempre se processa no sentid.o .de que
quanto perspectiva normativa da interpretaçáo do Ser) de a essencialização originária da verdade, a qletheia (re-velação),
tanto do ponto rie vista da idéia como do enunciado, se muda
seus gonzos clesde sea tundamento.
em correqão. A re-velação portanto, é o interior, i.é. a refe-
Consideremos ainda numa visáo cle conjunto o que se disse rência vigente e imperante entre pleysis e tógos no sentido ori-
sôbre p/r.gsis e lógos: a phAsis se converte em idea (pa,radeig' ginário. O vigor imperante se essencializa, como o surgir na
ma), a verdade, em correçáo . O lógos se faz enunciado, o lugar re-velaçáo. Ora percepçáo e reunião constituem o exercício,
cla vcrdade, enquanto correçáo, a origem das categorias, o prin-
que aÊre e manifesta a re-velaçáo para o ente. Assim 2 trans-
cípio fundamental das possibilidades do Ser. "Idéia" e "catego- formaçáo de phgsis e lógos em idéia e enunciado tem seu fun-
lia" serão no futrrro os dois tituios a que se submeter:á o pensar damento interno numa mudança 'da Essencializaçáo d.a ver-
o fazer e o julgar, tôda a existência do O'cidente. A transfor- dacle, como re-velaçáo para a verdade como correçáo.
mação de physis e lógos e com isso a transformaçáo de suas
::eferências recíprocas é uma decadência do princípi'o origi- E que a essencialÍzação cla verdade náo podia ser mantida
nário e principiativo. A filosofia grega chega, assim, a predo- e conservarla na originalidade do princípio. Ruiu a re-velaÇáo,
minar no Ocidente náo a partir de seu princípio originário mas
o espaço instaurado para o aparecimento do ente. "ldéia,, e
"enunciado", ousia e kategoria se salvaram, como frangalhos
a partir do firn de sen. princípio, que em Hegel atingiu a sua dessa ruina. De vez que nem o ente nem a reuniáo poderam
grandiosa e definitiva plenitude. A História autêntica náo ter-
ser conservados e concebirlos a partir da re-velaçáo, só res-
mina, náo vai a fundo, cessando e extinguindo-se simplesmente
tava ainda zrzo possibilidade: o que se desconjuntara e jazia
como o animal . História só vai a fundo, acontecendo Histàri-
cqmente. {2) epenas como dado objetivo, só poderia, por sua vez, entrar
numa relacáo entre si, se tivesse também em si mesma o ca-
Mas o que aconteceu, o que t,eve de acontecer para se che- ráter de dado objetivo. Um Lógos, objetivamente d,ado, se tem
gar a êsse fim do princÍpio da Íilosofia grega, para se chegar de conformar com um .outro dado objetivo, o ente, como seu
a essa transformaçáo de phAsis e iógos? Estamos na segunda objeto e se regular por êle. Sem dúvida ainda se mantém e
questáo.
conserva um último brilho e lampejo da Essencializaçáo ori-
SÔbre 2 Na transformaçáo descrita é de se considerar ginária d,a o,letlleiq,. (O dado objetivo se antepõe tão neces-
duas coisas. sàriamente à re-velaçáo como o enunciado re-presentativo ir
il Essa transformaçáo se instaurana essencializaçáo de precede) . Não obstante, a aparência ainda restante da aletheict
phusis e lógos, ou mais exatamente, numa collseqüência desse já náo possui mais a fôrça de suporte e expansáo para ser o
essencializaçáo, e de tal sorte que, o que (em seu aparecer) Íundamento determinante da essencialízagáo da verdade. Já
aparece, ostenta um aspecto, e o que se diz, cai logo para o nào o é n3m nun:a mais o será. Ao contrário. Desde que a
domínio do discurso enunciativo. Assim, a transformaçáo náo idéia e categoria impuseram o seu predomínio, em váo se es-
advém do exterior mas do "interior". O que, porém significa força a filosofia por explicar, por todos os meios possíveis e
aqui "lnterior"? Náo estáo em questáo a phusis de per si e o imçiossÍveis, a relaçáo entre o enunciado (Pensar) e o ser.
tógos de per si. Com Parmênides vimos que ambos se comper- E sáo baldados os seus esforcos, porque nêles a questáo do Ser
tencem essencialmente. É a própria referência dêles que cons- não é novamente reposta em seu fundamento nutrÍcio para, â,
titui o fundamento sustentador e imperante de sua essenciali- partir daÍ, se desenvolver e desdobrar.
zacào, o seu "interior", muito embora o fundamento de§sâ re-
209
208
A ruina da re-velaçáo, como chamamos brevemeute aquêle enunciados e propalados em sucessivos pronunciamentos, Assim
aconüecimento, náo provém, entretanto, de uma mera deficiên- a dor,q, é uma espécie de Lógos. Os pareceres dominantes obs-
cia, de um já náo poder suportar a tareÍa, que, com essa Es- truem a visáo sôlrre o ente. Â êsse se rouba a possibilidade de
sencializaçáo, foi conferida à guarda do homem Histórico. A acceder, a partir de si mesmo em seu aparecimento, à percep-
razáo da ruina está, em primeiro lugar, na grandeza do próprio çáo. A visáo a nós comumente accessível se dis-torce e per-
principio e em sua Essencializaçáo. ("Ruina" e "decadência" verte em opiniáo e parecer. Dêsse modo o predomÍnio dos pa-
só se apresentam numa luz negativa para uma exposiçáo su- receres e das opiniões per-verte e d.is-torce o ente.
perficial). O princípio, por ser principiativo e originante, deve, "Dis-torcer e per-verter uma coisa,, chamam os greS:os pseu-
de ccrto moclo, rleixar-se a si mesmo para trás de si. (É assim desthai. A luta pela re-velaçáo do enbe, aletheio, se torna,
que êle se esconde a si mesmo, sempre e necessàriamente, mas assim, a luta contru o pseud,os, a per-versáo e dis-torção. Ora
tal esconder-se náo é um Nada) . Táo imediatamente, como a essencializaçáo da luta implica a dependência de quem luta,
principia, o princípio nunca poderá conservar êsse seu prin- do seu adversário, indiferente se o vence ou por êle é vencldo.
cipiar assim como devia ser ,conservado, i.é, re-petindo-se em Por ser a luta contra a inverdade uma luta contra o pseudos,
sua originalidade de modo ainda mais originário. Por isso, só a luta pela verdade devém inversamente, do ponto de vista do
.se pode tratar devidamente do principio e da ruina da verdade, pseudos combatido, uma luta pelo a-pseudes, pelo não-per-
Íruma re-cuperação que o pensa. Â carência do Ser e a gran- vertido, pelo não-d,istorcido.
deza de seu princípio náo é objeto de um6 constataçáo, ex-
Com isso põe-se em perigo a experiência da verdade, como
::licação e valoração simplesmente histórica. O que não exclui
,nas, antes, inclui e exige, que o processo dessa ruina seja evi-
re-velaçáo. É que o náo-distorcido e náo-pervertldo só se atfur-
ge e logra, virando-se a percepçáo e apreensáo, sem distorsão
denciado, na medida do possível, em seu curso histórico. Aqui,
alguma, diretamente para o ente, i. é regulando-se por êle. O
no deeurso dessas prelecóes, nos clevemos ater apenas a uma
indicaçáo de importância decisiva.
caminho para a verdade, concebida @mo correção, acha-se,
destarte, aberto.
De Heracl.ito e ParmêniCes aprendemos que a re-velaçáo Êsse acontecimento da transformaçáo da re-velação peta
do ente náo é simplesmente um dado objetivo. A revelação só dis-torçáo em náo-distorçáo e dessa em correçáo deve ser con-
§e processa, operada pela obra: pela obra da palavra na poesia,
pela obra da peclra no templo e na estátua, pela obra da pa-
siderado conjuntamente com a transf,ormaçáo da ph9sis em
idea, do iogos, como reuniáo, no Zogos, como enrulclado. No
lavra no pensamento, pela obra da polís, como o lugar da His- fundo disso tndo se elab,ora, entáo, para o próprio §er, aquela
üória, que tudo lsso funda e protege. ("Obra" é de se entender interpretaçáo definitiva, que a palavra ozsia solidifica e con-
aqui sempre no sentido grego de ergon, conforrne anterior- solida. Ela pensa o Ser no sentido da apresentaçáo constante,
mente fol explicado, como o presente pôsto em estado de re-
de objetividade dada (Vorhandenheit). Em conseqüência, o
velaçáo). O de-bate da re-velaçáo do ente e, com isso, do ente, em sentido próprio, é entáo o sempre-ente, aei ozr. Cons-
próprio Ser na obra, que, já em si mesmo, se processa e ocorre,
tantemente presente, porém, é aquilo a que, de antemáo, em
eomo um constante combate, é sempre um embate contra a
tôda aprensáo e elaboraçáo temos sempre de recorrer e retor-
velaçáo, o encobrimento, contra a aparência.
nar, o modêlo, a idea. Constantemente presente é aquilo a que
 aparência, doxa, náo é uma coiss Ir lado do Ser e da em todo lógos, (enunciar), temos sempre de remontar como o
revelaçáo, mas pertence sempre a essa. Todavia a dorq, é substrato já, desde sempre, subjacente, o hypokeimeaoz, sub-
sempre ambigua. Significa tanto o viso, em que uma coisa se jectum. Do ponto de vista d,a physis, do surgir e nascer, o
cferece, como a opiniáo, o parecer, que os homens têm sôbre substrato já sempre subjacente é o proteron, o anterior, o a
ela. A existência humana se aüém a êsses pareceres. Sáo priori.

210 217
Essa determinaçáo do ser do ente caractetiza a maneira Resta ainda ver, como se concebem agora a partir da
em que o ente se contrapõe a todo apreender e enunciar. O ousia, como o tÍtulo ora normativo <lo Ser, as distinçóes antes
hVpokeimenon é o precursor da interpretaçáo posterior do ente, discutidas: Ser e Vir a Ser, Ser e Aaparêncio. Lembrémos por
como objeto. A percepçán, o noein, é absorvido pelo Logos no rneio de um esquema as distinções em questáo:
sentido de enunciado. E assim se chega àquela percepçáo que,
ao determinar algo como algo, percebe (durch-vernimmt) por
através do quq lhe vem ao encontro, diqnoeisthai. Essa percep-
ção predicativa por através d.e, Cianoia, é a determinaçáo es-
sencial do entendimento, no sentido da representaçáo judica-
tiva. A percepçáo torna-se entendimento, a percepçáo se faz 1
razáo.
+
O Cristianismo transformou o ser do ente em ser criado.
Pensar e saber vieram a distinguir-se da fé (Fides) . Com issc Pensar
não se imped.iu que surgisse o racionalismo e irracionalisno,
mas, ao contrário, se preparou e fortaleceu.
Por ser o ente uma criatura de Deus, i.é algo de racional- O que está defronte, como oposição ao Vir a ser, é o cons_
mente pre-concebido, por isso, táo logo se desfaz a relaçáo tantemente permanente. O que se acha defronte como oposi_
errtre criatura e Criador e a tazáo humana predomina e se ção à simples Aparência, é o que se vê prôpriamente, a id,ea.
impõe, como absoluta, o ser do ente terá que poder ser pensado Como o ontos on, a idéia é o que, constantemente, permanece
no pensamento puro da matemática. o ser assim calculável e frente à aparência inconstante. Todavia, tanto o Vir a ser como
;;ôsüo no dominio do cálculo torna o ente apto a ser dominado a Aparência náo se determinam apenas a partir da oasio. pois
pela técnica moderna matemàticamente estruturada, que se a ousia obteve, por sua vez, a partir da referência ao Logos h.
rlistingue Essencialmettte de todo uso de instrumentos até então
determinação decisiva de juÍzo enunciativo, a Cianoia. É, por
conhecido.
isso que Vir a ser e Aparência se determinam também pela
Ente é sômente aquilo que corretamente pen§ado resiste a
um pensar correüo, perspectiva do pensar.
O tÍtulo principal, o que quer dizer, a interpretaçáo rlor- Consicleraclo do ponto de yista do pensar jud,icativo, que
mativa do ser do ente. ó a ousia. Como conceito Íilosófico, sig- sempre parte de algo permanente, o Vir a ser se apresenta e
nifica oasia apresentaçáo consistente (Anwesenheit) . Na épo- âparece, como náo permanência. Em primeiro lugar, se mostra
ca, em- que essa palavra já havia alcançado o título de con- essa impermanência, do que é objetivamente dado, como uma
ceito dominante na filosofia, conserva ainda o seu significadc
originário: hyparchousa ousia (Isócraúes) significa o estado de náo permanência no mesmo lugar. O Vir a ser apare,ce então
posse objetivamente dado. Todavia mesmo essa significaçáo como mudança de lugar, phorc, transporte. A mudança de
fundamental de ousia e a direçáo da interpretaçáo do Ser por luga.;: torna-se a manifestaçáo decisiva e normativa no movi-
ela abeÉa não se pôde inanter: Logo começou a transformaçáo menÍio, em cuja luz se deve conceber todo Vir a ser. Com o
da ousia em substância. É êsse o senticlo corrente de orzsio na surto do predomínio do pensar, no sentido do racionalismo
Idade Média e Moderna até hoje. A partir do conceito de matemático moderno, náo se reconhece nenhuma outra Íorma
substância qual o conceito de funçáo é apenas uma sub- de Vir a ser do que a do môvimento no sentido da mudança
- do
esPécie matemática interpreta retrospectivamente a Fi- de lugar. Onde aparecem outras manifestações e fenômenos
losofia Grega, o que,- nosefundo, significa : se falsifica. cinéticos, procura-se aprendê-los a partir da mudança de lugar.

ztz ,rà
De acôrdo com a lndicaçáo de nosso esquema essa separa-
Essa, o rnovimento etn si mesntô, se concebe, por sua vez, üni-
Qáo segue numa outra direçáo. A separaçáo Ser e pensar estâ"
§ desenhada para baixo. Isso quer mostrar que o pensar é o
camente, pela velocidade: c: Descartes, o in§taurador fundamento que sustenta e determina o Ser. O desenho, porém,
t da separação de §er e Deaer se dirige para cima. Com isso se
na filosofia dêsse modo de pensar, ridlculariza na XII.a de suas quer indlcar o seguinte: Âssim como o Ser é fundado pelo
Regulae qualquer outro conceito de movimento. pensar,, assim também é coroado pelo dever. O que significa:
Assim coriT o o Vir a ser, enr correspondência com a ousia,
o Ser já não é mais o decisivo e a norma. Todavla êle náo é
a. idéia, o moclêlo? Mas justamente por seu caráter de modôlo
se determina a partir do pensar (calcular), assim também a
também as idéas já náo são mais o decisivo e normativo. É
outra distinçáo d.o Ser, s, Aparência. Â Aparência é o ineorreto' que entendlda como o que dá o aspecto e, assim, de certa ma-
O fundamento da Aparência acha-se na dis-torçáo do pen§ar' neira, é um ente (on), a idéia requer, por sua vez, enquanto
A aparência se torna simplesmente uma mera incorreçáo ou ente, 2 determinaçáo de seu ser, i.é exige também un1, aspecto.
falstdade lógica. Daí entáo poderemos avaliar integralmente, A idéia das ldéias, a suprema idéia, é para platão a id.ea tou
o quo signlfica a contraposiqáo do Pensar ao Ser: o pensar ogathou, a idéia do Bem.
estende o seu predominio (quanto à determinaçáo essenciai O "Bem" náo significa aqui o moralmente ordenado mas
normatlva) sôbre o Ser e, ao mesmo tempo, sôbre o que se o que é como deve ser (das Wackere), que produz e pode pro-
eontrapõe ao Ser. Tal predomínio se alonga e ptogtide ainda rluzir aquilo que é devido. O agathon constitui o normativo
mals. Pois, no momento, em que o Logos, no sentido de enun- como tal, aquilo que confere ao ser a faculdacl.e de vigir e vi-
ciado, assume o predomínio sôbre o Ser, em que o Ser é ex- gorar, como idéia, como modêlo. O que confere tal faculdade,
perlmentado .e concebido, como oasia, ser objetivamente dado, é o que faculta em senürdo originárlo. Enquanto, porém, as
propara-se tarnbérn a separaçáo entre Ser e Dever' O esquema idéias constituem o Ser, oasio, a idea tou agathou, a idéia su-
das limitações do Ser se apresenta entáo do seguinte modo: prema, está epeikeina tes ousias, além e acima do S€r. Assim o
Ser mr:smo não, por certo, simplesmenüe, rnas Ço?rro ideia, chega
Dever a contrapor-se a urnâ outra coisa, e a algo, de que êle rnesmo,
o Ser, fica dependendo. A idéia suprema é o exemplar origÍnâ-
rio de todos o5 exemplarss.
Agora já náo é neeessária uma discussáo muito extensâ
t para se demonstrar em pormenores, como também nessa se-
paraçáo o que se separa do Ser, o I)ever Ser, náo advém e se
Vir a Ser <=- Ser Aparência ajunta ao Ser de fora, de qualquer outra parte. Na interpre-
taçáo determinada como idéia, o Ser mesmo traz consigo a re-
I
ferência com o que é modelar (Vorbild-hafte) e deve ser. Na
I
medida em que o Ser mesmo se afirma e impõe em seu caráter
+ de ldéla, na mesma medlda êle compele também a reparar o
seu rebalxamento assim verlficado. O que, porém, só poderá
4. ocorrer, pondo-se algo acína do §er, algo que o ser alnda náo
é rnais que cada vez d,eue ser.
Pensar
Tratava-se aqul de pôr em evidência a origem essencial da
disttnção entre Ser e Dever ou, o que, no fundo, vem dar no
Ser e Deoer
218
2t*
mesmo, o principio Histórico dessa distinçáo. Náo se procura tôdas as esferas do ente, i.é do objetivamente dado, os valô-
aqui a História de seu desenvolvimento e de suas variações. res sáo o normativo. A História náo é outra coisa do que a
Apenas queremos mencionar uma coisa essencirLl . Em tôdas realizaeáo de valôres.
as determinações do Ser e das distinções menci'onadas é de ser Platd.o concebeu o Ser, como idéia. A idéia é modêlo e,
ter sempre em vista: porque o Ser é originàriamente phusis, como tal, também normativa. O que será mais sugestivo do que
vigor imperante, que brota e desdobra, êle se apresenta e expõe se compreender, entáo, as Idéias de platd,o no sentido de valô-
a si mesmo como eid.os e idea. A explicaçáo nunca se apóia res e interpretar o ser do ente a parüir do que vale?
exclusivamente nem em primeira linha, na interpretaçáo dada Os valôres valem. Todavia essa validez faz pensar em de-
pela filosofia. masia no valer para um sujeito. Para garantir ainda mais o
Ficou explicado, que o Dever Ser aparece como contrapo- Dever §er, elevado a valôres, atribui-se aos valôres um certo
siçáo ao Ser, logo que êsse se determina como idéia. Ora, com ser. Ser não significa aqui, no fund,o, outra coisa do que pre-
tal determinaçáo, o pen§ar, entendido como Lógos enunciativo senea do objetivarnente dado. Apenas os valôres náo sáo um
e prectricativo (rtiategesthai), entta a desempenhar um papel dado objetivo üáo grosseiro e palpável como o sáo mesas e ca-
decisivo e normativo. E táo logo, nos tempos modernos, êsse deiras. Com o ser dos valôres a confusão e desraigamento atin-
pensar, enquanto razáo independente e posta em si mesma, gem seu grau mais alto. Visto que a expressáo ,,valor', se apre-
predomina, prepara-se a constituiçáo prôpriamente dita da senta a pouco e pouco desgastada, principalmente porque de-
ctistinçáo entre Ser e Dever Ser. Um processo, que se completa sempenha também um papel nâ Economia, chamam-se agora
com Kant. Para êle o enüe é a natureza no sentido do que se os valôres de "totalidades". Com êsse título, porém, só as letras
pode determinar e se determina no pensamento físico-matemá- foram trocadas. De fato, nessas totalidades, se torna antes
tico. À natureza, determinada pela razão e como razáo, se con- evidente, o que elas sáo, no fundo, a saber, parcialidades. O,ra,
trapõe o imperativo categórico. Muiüas vêzes o proptio Kant no domínio, do que é Essencial, as parcialidades, as coisas pela
o chama o Dever Ser e o faz, enquanto o imperativo se refere metade, sáo sempre muito mais funesüas do que o táo temido
ao simplesmente ente no sentido de natureza insüintiva . Fichte Nada. No atro de 1928 apareceu uma bibliografia completa do
faz expressamente da oposiçáo de Ser e Dever Ser a articula- conceito de valor. Primeira Parte. Reúne 661 escritos sôbre
çáo fundamental de todo o seu sistema. No decurso do século o conceito de valor. É de se presumir que entrementes êsse
19, o ente no sentido de Kant, o que é experimentávêl para as número se tenha elevado a mil . Tudo isso se chama de filo-
ciências naturais às quais se vêrn aiuntar entáo às ciências his- sofia. O que hoje se apresenta, como filosofia do Nacional So-
tóricas e econômicas, predomina incontestàvelmente. Pelo cialismo que porém náo tem nada a ver com a verdade e
predomínio do ente, o Dever Ser se sente ameaçado em sua grandeza interior dêsse movimento (a saber com o encontro
funçáo cle norma. E reagiu para afirmar-se em sua exigência. entre a técnica determinada planetàriamente e o homem mo-
Para isso teve que tentar fundar-se a si mesmo. O que quer derno) -- Íaz suas pescas nessas águas turvas dos .,valôres,'
afirmar-se, impondo-se, como um dever, tem que se credenciar e das "üotalidades".
e legitimar para tal, a partir de si mesmo. TÔda pretensáo de Quão üenaz, entretanto, o pensamento do valor se consoli-
devei ser só se pode impor, como tal, na medida em que dou e firmou no século 1g, vê-se do fato de o próprio Nietzsche,
irôpõe a sua pretensáo, por si mesmo, na medida em que traz e justamente êle, haver pensado inteiramente dentro da pers-
e é em si um oalor. Os valÔres em si t,ornam-se entáo o fun- pectiva de uma representaçáo do valor. O subtÍtulo de sua
damento do Dever Ser. Visto, porém, se contraporem ao ser obra principal planejada, "Vontade de Potência", diz "Tenta-
do eníe, entendido como o que é fato, os valÔres mesmos nã.o tiva de uma inversáo de todos os valôres". O livro terceiro da
podem ser. Por isso se cl,iz: os valÔres náo sáo, êl'es valem. Para obra se intitula: "Tentativa de uma nova posiçáo do valor". O
216
emaranhar-se na conÍusão da idéia de valor, a inconrpreensáo (6) AURúoLA-TTDTLIGDNSCHETN.' a pâravrâ aremã pam
de sua proveniência questionável é a razío de Nietzsche náo esplcndor, isto é-, o clrcuro de ruz aô r6tlor aa caÀcça'ao" d.izer auréola ou
ta de "scheinen": Heiligenschein, tradução titerat: iiitÍã ãã-iá"rit"".
""otã*,ãco-"i"ãi
haver atingido o cerne próprio da filosofia. Mas mesmo que
(71 APARÊNCI.,. CoM() ESpLDry.qOR. E BRTLEO:SCTIDTN
alguém o alcançe no futuro hoje nós só poderemos pre- UND LEUCHTEÀ,.. É a trad.uçãJ ti-t"rã]. olr.ià#â'r'te , pur"r* ALS ,LANZ
parar-lhe o caminho -
não porlerá evitar também um ema- -aparênciâ" não tem o senticro'de t.ittro portuguêsa,
e e"p-r*-aã., como & aremã..schein._
-
ranhar-se, apenas será um outro. É que ninguém consegue (8, E§z'áà PITESENTE-r{N-STEIiEÀ'.'o vcrbo,
"ân-steheD,, tem muiros sig-
nr'ica'dos. o sentido enrnregado no lexto pnie"i'u-nr*
pular a sua próprla sombra. locuçáo "cstar presente"i mernor expresso pelr

(0, O QLtE JÁ ESru sÉ ESSENCTALTZANDO=DAS SCãON GE-WESE\\DE:


o verbo "rvcsen" é arcaic.o em alemão. uú-ie apõnas argu*"ã-íáiããi
Il palâ\'145, como "gcuescn".. (= sido.l,,.atr-u'esend'i "^
(= ausentei .."._*e"àãa,;
"= pr(.sento,, ..rtas \vr.sen.' (a profrieáade, -a-esJênciat. ãiál n"ia"J]II-,,
rernlrortuziu
-,a ringuagcnr da fiiosofia. coúo tomo itciii"ã-ãu'""ü'ffi'J""I
nrenr.r), sig.ifi('u a dinàirrica_pera q*âr um enle chega
NOTA§ cra na existência humana. Essa <iinâmica é sempre ao vrgor dc sua essên-
rri"taiúÀã"iã-riiiiü-
radâ pcia da verdade do Ser. pâra eôrlmi"-iãà;-;;';"i;;-,ü;"
exist(,ncial 'icissitrrdc
usillllos lla lra<lução rrm neologismo, -..essencializr..1--ã;;;i;-
íl) CONST:ITUIçÃ0=PRrGUIíG: 0 scntido imcdiato do verbo "pregcn", I ização".
rlonde provém o substantivo 'Pregung", é cnnhar, grâyâr, impriúir.- Em (10) DInÍENSÃO DO RD-VEr.AI)O, DO DES_CORERTO=UNVFRBORGE-
sentido Íigurado, porém, se diz de qualquer processo de formação. Aqui
so rcfere âo processo hlstórieo da formação das distinções entre ser e vir .1.9-r,:iti;;"Á-tã aó-Íiâiáásser .sôbre a Essenciau-
Y3::,
a ser, sér e aparêncla, etc. Por lsso usamos na treduqão a palavra consli-
trr i ção.
zâçao
"* *^lj.1T,,lip.i^":
-da
o.sco.nder,
verdade aouo \ãi.
rcr. ai,,ííi;;_;;";;
Lonrpo(lsc
pruteger), qlrc por sua vez do verho.,D(.H,qn,, 1= ft.*i"ffnt
ü1"r,ã":i,1".X1.,'",:"1:"
do ,,dei ;"ç-
rleriva ão
pôr a cuDro.
Berg',, 1=*-...-i,iiài
iX",''l*ff;."1"'l:o"Il;.1l"" l.?I^.:'+ 1ç1"à t=---.-_".lriài]
Anligam('nlc as cidaries,'r'ilas c -""-' o-s so -.ãa.':gp;'
noinàJà.r''.."*ãdiii"o*o-
nr.r riãà rãil' o^
o o' ã
c^nÁ i^ ;"#
p"e'ã;" ,.*
I lt ".:
mont*onde se escondianr os - :.. _l 9'
i
(2, PEf{§ÁNDo POÊTICAMENTE-DE!iKEND-DICHTEND: A conJunçào tesóuios á-""i'"ri'aà.."ãi;rl-ü1,.;ã"";ít;t",,i'.1
dêsses dois verbos,
verbos, "denkeni'1= (= pcnsâr) e "dichten"
"dicht€n" (poetar
(poetar.)possuetrl
)nõssuenr :i.9,':ilj,l],*."-i"lll:9"i,.-9"..1qJc1-99rina<ras c [1r,,à"ái ili,j'-i"rii,1àã] ""üIi-
om Heidegger um significado profúndo e gssencial. Num'corno no outro ÁL.r_ (rrz rstàr lra.a () tnonle 4.{üüü,";iil;fi""
escon(lcr, glardâr """';,i'i'#":1';.;flT;
e assim cãr
comportamento do homem a esscncialização originária é a mcsma. Às pa-
lavras portuguêses, "poesiâ", "poetar", ''poqta" traduzem mal o que Hei-
Í:","111,_."1":::-p.1,.i..:.tItr"li,_i,:{;
os lo-souros para si contra -. -pâra
u.piltiagem Aos inimírt-Às. ..veire"geii;6"1
l:T:rjl,Il'..99.]'hjEnll: crr.là pa'iticrpi,,-r;n.;,i;i.",,..çp11,,,is,.,...".1 jiH*i
degger qucr dizer com "Dichtung" (poesia), "Dichlen" (poetâr). "Dichter" i!H'"I.[*::;;tl's$r*rBllf
,j::?,:,,p"::.1o9_:.T,;^":l;:Í;* ir,*1*lJrrii?"i;'Ii",:f
;.ffi;"."iil;á,:silir i
"r'erborgen"- "Unvcr-
iHir:: Do par-
dc "bergerr".
"l,$i,
gen hei t',, quc d z . d,ráád-
(poetal. Em tôdas elas êlq se reporta à dimensão originária expressa, dr -â ;fi ;ã"l. u,ii,'..Hll_
";iã,;r ft ; "# " ;ilX,jjl"TJilll.
arguura maneira, ra palavra alemã "dichtcn". Etimolôgicamente "dichten" ;
^

tcm o sentido dc "colher", "ajuntar", "concqntrar", "reunir". Assinr o ad-


i
Nessc nrovrrnento de encohrir pa-r:a- _"";õ;-';;
frolc6cr pi,,,.r, i",.t"gg"r, (le acordo c,,rn
letlvo "dicht" significa "concentmdo", "denso", "compacto"; "auf etws r.t palvar grcgr,..atóth'ãia';,i-aiiiái.-i"r'da
da verdâíiê â';tL,?,',:
rrn sa. ^,.-
drclrlcn", srgnificr "concrDtrar-se ern &lgruna coisa" tt por cosneguinte "me-
1-clr]To.logia
I"":,#;À?Í,i I1,",* *if:.::lg*i;::3','i;á,;',";';X'f+:.li,'.i:
se encobró a_ si irresr,a'liar protesor t' rctcrar . ã"to Ê:UT'i:
<lilar", "pensar ncla". Refletindo nessâ direção chegar-se-á a comprender ;1!J?;,'T; i.";j,jli;-,i'ã"lara inslaura. ";';;i;'"ü:
originàriam_ente a rrisrOrtã.-lin
ô sentido de frasc tle Nietzschq de que os pensarlores (Denker) e poetas ortêr ,rizpr
quer c^di,hi^ ,,,i
dizer', sr(.ndo ..., ..,i1-llJ.:i^l
i'i"r""ii"a"i ãi,"'ià"iiriâiiiii.á'iil"f;ãil;"í-"liá?rl,Í; '"à-rl
(Dichter) moranl em monlanhas vizinhas mâs separadâs". Para Hei(legger [icar t conslruir a srra extstenciã.'
pcnsàr e poelar, pensamerrto e poesia são a rnesura coisa (dâs Selb€) senl (llt
serem iguais (das Gliche). Trata-se aqui da dialéticâ rle identidade e .ISPECTO-1.ItS.sBrrDN.. .,Aspr:cto,. -i,rnjltiilà"
só lre(luz fielnrerrtq ..Âussehen,,. sa
tliferença, ovocadâ por Halderlin na fraSe: "enquanto estílo em pé, perma- d(rlí' hfâstânnos rlrrirrqrre r
ncccm. separndos os troncos vizinhos". Aqui se aprofunda a observação aci- ilo rrodo fenourr.n,rlógico. conotaçho
isto
i"-o cntendemros totarmentc
'cãmo--i.i_"'..tni"yf
propriô ser dâqlrilo o quc pertcnco -é qlre provêm drr
nra referida de Nietzsche, Eyidontemente, unra nota de pâgina não é o lu- o uifà"rn.'-"" ".tacão
Bar dc se discutir a dialética de identidadc i, (liferetrcâ entr{' pensâr e 1l2t URII()R=IILRE.. Sôtrrc cssa tradução rcja-se
poetar. Podc-se apenas sugerir o problema. a Nola 26 do Cap. I.
(3) POEMA-LEHRGEDICHT: A tradução ds "Lehrgedicht" é feita pàlida- tÍ3r Á-PRESEÀf.{Ã*V()R-STELLETV.. () r.er.ho.,.vor-stellcrr,, pcissui
mcntê nôr poema didático". "Lhr- venr de ..lehren" = ensinar, e ..Gedtchl" mrnio do pensamcnto o signiiicaãã'-i"'ir"p.ir1"r.rY'. -conceher no do-
ó o poema, O problema quq se esco[de nessa trâdução superficial, fol suge- Pârtr Heidcggcr êssc
,lo p(.nsamrnto, Por éisso í"niiãã-i"i."a.)iâà'ÉãrT inrerDrctacãoumâ iíráie.r
melarsiea
rldo rnurto precàrlamente na Nota anterior Do que se refere a poemâ, a " serve-se do vêrbo..i,orstellen,, em slla aceDcão
,rriginâria rlq ..fazer presonte-,' ;upi"-r""iri",llr"i"'au...
"Gedicht". No tocante a "ensinar-, "lqhren", vé1a-se o último livro de
Ueidegger, "Dle F'mge nach dem Ding" 1" Questão sôbre a Coisa), pp. 53ss.
(14) O QUE SE Z.{ÀçÁ CONTRA-qEãEiy-STáÀ'D.. ..Gegenstand,.
pgl{f:-9b-i"19-g um conceiro r,,naame"-rai rre -ài,iiiiiãI"a"'";;i;iij é otrteto.
(4) "COMO DIZD,MOS PERII ÁNENTE D PERMA!\IÊNCIA". Heidegger dlz no .91,T::-
rrqaoe, nerdogger scDara os. componqntes da palavra
origlnal, "Wundqr" (= mllagre) e *'underbar" (= milâgroso, maravilhoso). para lnaicnr quãi
lÍodificamos o exemplo porque em portrtgrtês não corresponde ao que sc eslá tomando no senfldo etirnolóftico, qrre túáiii.ir"os eom lrma circunlí,.
pretende exprlmlr. crrçíro.

(5) BRILHAR=SCHBINETV.' O verbo alemáo, "scholnen" signiflca "brilhar", (l5) .Ê essa a lonrra alemã (tc provérblo,.,o homrll põc t Deus dispôe,'.
'parecer",'aparecer". Em português nãc lemos um verbo só, que reúna essas
1rês slgnificeções. tt6) LESÊN-I.ER: -{ pallrvra poúrrgrrêsa. ,.lcr.. tr.m osso mesma oridem-
conlÍ, se pod? veriÍicar em,.colhorJ,,'.seleçã,r", ..crrlecão.., rte.
2r8
2r0
i17) COÀÃESPONDÉÀCll:ENT§PRECHUNG: Hciclegâer traduz analogi&
(onr "Enlsprechung" (= correspondência), que é uIn compôsto de "sprechen"
(fâlÂr). V
(18) MIINDO SUBTÉRREO=UIiTERWELT: Dentro da concepÇão cscatoló-
gica dos gregos, após a morte as almas descianr para o Hades, o mun(lo
situado em baixo da tera.
(19) SI9L OBEDIENTE .10 QUE SD OUVE=HORIG SEINr O vertro "hôren"
irgnifica: "ortvir". Dêle sc forma o adjetivo "húerig", que qlle prôpriamente diz
ouvinte, mas se trata dc'unl otlYinte táo concenlrado Do ouve' guc se-
gllq e obedcce o ouvitlo.
(20) O SENTIDO DO PRÓPRIO E P^IRTICLrL.IR-D,IGETV§'INN..; Na.linsua-
gem corrente significa "Eigensinn": "obstinação", -"pertinácia"'.-"teimosia",
'i'arrricÍlo". Heitti'gser pensã aqui na ohstinaçào dos quc só lêm §entida
paà o quc thes é próprio : pai'trcttlar. -É essa a obstinâ(ào expressa ^tin,o
[ogi"r-e'rte pela pàlaira: ei{cn-(- próprio), Sinn (sentido). ' CONC LU SÀO
(21) PERCEBIIE.:VERNEHIIBN: Em porttrguês o terbo percctrer ná,r lern
êsse sonlido do verbo alenúo. Pusenlo-nos em questão através da investigaçáo das quatro
(22) DETER'ZU\ STEÍIEN BRINGEN: 'Dr:lct" traduz nral a locuçâo alt- distincões, Ser e Vir ct Ser, Ser e Aparêncid, Ser e Pensar, Ser e
mã, "zum Stehen bringcn". Essâ significa prôpriamente "levar alguém a
rstar parado ert pê". Deuer Ser. A discussáo foi introduzida e conduzida por sete
(23) PES^S0á:,SELASI: À palavra alemã., "selbst", pode ser advérbio ou pontos de referência. A princípio parecia que se tratava apena.l
adjetivo, significandot "cm pessoa", "ent si mesmo". ou "mesmo". ÍIeideg de um exercício de pensamento, da distinção de títulos reuni-
ger suDstantiva essa palâyta parâ exprimir o ser do honeln. Êle não usr
âs palavras" "pessoa-', "Dersónalidâde" por serem conceitos próprios da dos arbitràriamente.
irterpretação mêtârisicâ do homem. À falta dq melhor trâdução conserla
mos a palavra, "pessoa" entrc aspâs. Agora os repetimos na mesma formulacão. Assim veremos
(24) DISPOSIçíO AFBTIVA=STIMMUNG: Trata-se de um conccilo futrda-
mentâl de todo o pensalnento de, Hcidegger desdc "Sein und Zeit. O ter-se
â medida em que, o que ficou dito, manteve a ciireção indi-
entendido e interprelatlo "Stimmung" no sentido correntc da palavra lev,ru cada por êsses pont,os de referência e atingiu o que se tratava
muitos, a par de oulras incomprepnsões, a fazerem do pcnsamento dt: Hei-
rlescer umã filosofia
tlegger'umà filosofiâ irraci
irracionâlista,a, poúânto uma .manifeslaçáo-
Doúânto _uma dâ rnctaf-i-
mânifestacáo dâ,- rnctafi- de ver.
irdál "Sti-nr,,ng" quor dizer zer comutncntc: "tlisposição", "tôíus', "humor"
comuniente: "di
"emotivitiade", "âfetação", todos, conceitos irrÍ
irracionais, como se dizeur. Ma:
Mas
êsse é o espaço dc superficie da palavra. Não é nêle gue se move o
mento rle Líeiáegger, cuja origiialidadg
LÍeiãegger,-- cirja é a originariedade. "Stimmtln
origiialidade. -é
o persa
"Stintmttngi'
ng" Yen
1. Nas distinções mencionadas o Ser. se deiimita frente a
do vcrbo "stimmen", que significa: "fazer ouvir a stla voz contra ou a
r'enr
uma outra coisa e já adquire assim ?ressa de-marcacáo de li-
portanto,
favor", -"harrnonizaC'. "volar";
-"harrnoíiz4C', significa também: "afinar" (p- ex. rrm instru- iilit-.s de-limitante urna determinaçáo.
nrntoi,
nronlo). "aóordãy-se". É êssc o sentido originário, donde, Dr(l-
"acordar-se". pr(l-
cede, como signifieações derivadas, tanto o sentido de "disposicão", "enrrr
como o sentido dc "votar". É a acepçâo prirttária
tividade", "afótividade"
de "afinar", *harnronizar", "acordar", que Heidegger Hei tem em mentc com a 2. A delinritaçáo se processa de acôrdo com quatro aspec-
pâlâ\'ra "Slimnrung". Traduzirno-lâ com a locução, "disposição afctiva-'.
Dalâyra "Stimmung". tos recÍproca e simult'âneamente correlacionados entre si. Con-
Essa tradução só não trairá o pensame,nto, se fôr entendida no sentírlo eti-
nrolóqico de strâs pâlavrâs. scqüentemente a determinaçáo do Ser se deve ou ramificar ou
elevar correspondentemente.
a
(25) OPERAR=ER-WIRI(I9Àr: Cômr no texto original sc tlsa o vcrbo "cr
-wirkcn" no sentido de "ins Werk setzen", assim tambóm na tradução o
verbo "operar" torrr o sentido de "pôr" em obr.r", rcrrortando-se à sua ori'
gem latina na palavra "oprrs, operis" (: a obra). 3. As disbinções náo sáo de forma alguma obra do acaso.
(26) NECESSID,{DE=NOTV'ENDIGKEI?j Heidegger Dcrrsâ aqui â paÍâvm O que nelas se mantém separado, compele originàriamente a
"Nots'endigkeit" (= necessidâdc) dentro do e.spaço semântito aberto pelr,
sentido dos dois radicais de que é composta: Not (: falta. catência) c uma unidade, utlta vez que se pertencerll entre si. por isso as
"wcnden" (volver-se, virar, debàtor-se em voltas e revoltas)- A constringên- distlncões possuem uma necessidade tôda própfia.
cia aqul reinantc é o virar-se e tevirar-sc o revolvcr-sc na dimensão in9-
laurada petro vigor de uma carência. É êsse exatamcnte o espâÇo (lc signl-
fr'cação originâria da palavra portuguêsa "necessi.iade".
4. As contraposiçóes, que, à ,primeira vista, dào a apir-
rência de fórmulas, náo surgiram, por isso, em ocasióes quais-

2.20 221
quer nem entraram para a linguagem, por as§im dizer, como Fragwürdigste) . O Ser e a compreensáo do Ser jÍL nã\o são um
modos de falar. Originaram-se em estreita conexáo com a cons- Íato objetivamente dado (vorhanden) . O Ser é o aconteci-
tituiçáo do Ser, que se tornou normativa para o Ocidente. Prin- mento fundamental, em cujo único fundamento pode surgir e
cipiaram com o principio da investigação filosófica. acontecer a existência Histórica no meio do ente aberüo e re-
velado em sua toüalidade.
5. Essas disüinções, porém, náo dominaram âpenas a fi- Mas êsse fnndamento, que é o que há de mais digno de
Iosofia ocidental. Elas impregnam todo saber, fazer e dizer. ser investigado -
da existência Histórica, só o poderemos ex-
mesmo quanclo náo se acham expresses s-specificamente ou perimentar em -sua dignidade e excelência, pondo-o em ques-
com essas palavras. tão. Por isso levantamos a questão prévia: o que há com o Ser?
Âs indicações do emprêgo corrente, mas complexo, do ,,é',
6. A sucessão mencionada dos titulos já dá um indÍcio nos convenceram ser um êrro falar de indeterminaçáo e va_
da ordem de sua contextura essencial e da seqüência Históriea cuidade do Ser. É a "é", que determina o sentido e o conteúdo
de sua constituição (Prregung) .
do infinitivo "ser", e náo ao contrário. Agora poderemos com-
preender por que lem que ser assim. O,,é'' funciona e vale,
7. rJma inaestignçd.o originária da questão do Ser, que eomo Cópula, como .,palavra de ligaçáo', (Kant) no enunciado.
,rornpreendeu a tarefa de um desenvolvimento da Verdade da Ê êsse que contém 't "é". Ora, uma vez que o enunciado, o logos
rlssencialização do Ser, tem que expor-se a si mesma, para uma entendido como kategoria, se tornou o tribunal de julgamento
l::-eisáo, aos podêres encobertos nessas distinções e os recoll- do Ser, é êle que Cetermina o Ser a partir de seu .íé', corres_
dtrzir à sua própria verdade. pondente.
O Ser do qual f,artimos, como de um tÍtulo vazio, deve ter.
Tudo que. nesses pontos, antes só fôra afirmado, foi-nos em contraste com e;isa aparência, um significado determinado.
pôsto ante os olhos, fite?i,os o que se d.iz no último ponto. É A determinaçáo do Ser foi eviclenciada pela discussão das
que de saída continha apenas uma exigência. Para concluir. quatro distinÇões:
iaz-se mister m'ostrar, até que ponto e em que medida essa exi - Em oposição ao Vir a Ser, o Ser é o permanente.
gência se justifica e seu desenvolvimento se torna necessário. Em oposição à Aparência, o Ser é o modêlo permanente. o
Essa de-monsüração só é exequÍvel, se simultâneamente se sempre igual a sl mesmo.
atravessa numa visáo penetrante o todo ciessa Inúrodução a Em oposiçáo ao Pensar, o Ser é o substrat,o objetivamente
Metalísica. dado (Vorhanden).
Tudo foi colocado e girou em tÔrno da questáo fundamen- Em oposiçáo ao Dever Ser, o Ser é o que pre-jaz (Vorlie-
tal, enunciada no início. "Por que há simplesmente o ente e gende), como o que é devido, ainda náo,ou já realizarlo.
não antes o Nada?" Já a prirneira tentativa de desclobrar e Permanência, Igualdade sempre constante, Objetividacte
desenvolver essa questão fundamental nos forçou e obrigou à dada, Pre-jacência, tudo isso é no fundo uma mesma coisa:
questáo prévia: O que há simplesmente com o Ser? presença constante, on, covLo ousl&.
Essa determinaçáo do Ser náo é casual. Provém da inter-
De inÍcio "ser" nos apareceu, como uma palavra vazia de
pretação, de que depen<Ie, por intermódio de seu grande prin-
significação flutuante. Que assim é, apareceu-nos, como um
cípio entre os gregos, a nossa existência Histórica. Determinar
fato, que pode ser constatado entre outros fatos. Por fim.
porém, o que parecia destituído de qualquer necessidade de ser
o Ser náo é simples questáo de definir o significado de uma pa-
lavra. Constitui o poder, que ainda hoje carrega e domina úódos
rnvestigado e mesmo incapaz de sê-Io, mostrou-se, como o que é
as ?zoss(zs referências com o ente em sua totalidade, com o Vir
lttais digno d.e ser pôsto ern questdo 'nunl& inües[;-gq,çã,o (das a ser, c.om a Âparência, com o Pensar e Dever.
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A questáo sôbre o que há com o Ser, se mostra, ao mesmo Ota, se tudo que, nes§as separações, se contra-põe ao Ser,
tempo, como a questão sôbre o que se passa com a nossa exis- náo é um nada, é por ser, em, si rÍLesrno, urn ente, até mesmo
tência na História, a saber, se estamos firmemente irnplantailos mais ente do que aquilo que §e considera ente de acôrdo com
ou se co,nlbaleamos na História. Considerando metafisicamen- a determlnaçáo essencial de-limitada do Ser. Mas entáo, em
1.e, nos cqmbaleamos. É que, por tôda parte, nos encaminhamos que sentido de Ser é ente o que vem a ser, o que aparece, o
no meio do ente, mas já náo sabemos, o que há com o Ser. pensar e o dever? Em todo caso não será no sentido do Ser
Nem mesmo sabemos, ao certo, que já náo o sabemos. Mesmo ccntra o qual êles se distinguem Ora êsse §entido de Ser é o
quando no§ as§eguramo§ un§ aos outros, que náo estamos corrente desde antigamente.
cambaleando, aindaassim cambaleamos. E continuamos â cam- Logo o conceito tle. Ser até então logrado ndo basta nem
balear, quando ültimamente se faz um esfôrço no sentido de consegue euoca,r tudo aquilo qTLe "é".
mostrar, que a questáo do Ser só traz confusáo, só age destruti- Por isso temos que fazer novamente a experiência do Ser
vamente, é niilismo. (Essa falsificaçã"o, que, desde o apareci- desde o fundamento e em tôda a amplidáo possível de sua Es-
menüo do Existencialismo, se vem novamente instaurando, só é sencialização, se quisermos pôr em obra HistÔricamente a nossa
rlova para quem náo tem nenhuma noçáo da questão do Ser). existência Histórica. Na sua múltipla contextura, os podêre§,
i\,Ias onde é que reside mesmo e opera o Niilismo? Lá, que se contra-põem ao Ser, as distinções, determinam, domi-
onde se aferra e agarra ao ente corriqueiro e se pensa'que nam e impregnam a nos§a existência e a mantém dentro da
basta, como se tem feito até agora, tomar o ente assim como confusão do "ser". Pela investigaçáo originária das quatro dis-
tem sido. Dêsse modo, porém ,se repele a questáo do Ser e se tinções se nos torna evidente, que o Ser, por elas circunscrito,
trata o Ser como um Nihil, um Nada, o que, sem dúvida, de se deve transformar no círculo circunscrevente e no funda-
certo modo, êle também é, enquanto se essencializa. Ocupar-se mento do ente. Á distinçáo originária, cuia intimidade e sepa-
e aÍanar-se táo só do ente, esquecendo o Ser, eis o Niilismo. raçáo originárias 'carrega a História, é a distinçáo entre Ser
e ente.
mo, que Nietzsche expôs no primeiro livro da "Vontade de Po- Mas como terá ela de processar-§e? Onde a filosofia poderá
tência". empenhar-se para pensá-la? Não se deve discutir sôbre em-
Agora, na questáo do Ser chegar expressamente até às penho, mas repeti-lo em sua execuçáo. Pois já foi eÍecutado e
ralas do Nada e ii-rclui-lo na investigaçáo clo Ser é, oo contrdrio, exercido pela necessidade de seu princípio, ao qual estamos su-
o primeiro e o único passo fecundo para uma verdadeira su- leitos. Náo foi por nada, que, na discussáo das quatro distin-
ções, nos demoramos desproporcionalmente na distinçáo
de Ser
peraçáo do Niilismo.
e Pensar. É ela que, ainda hoje, constitui o fundamento, que
Que, porérn, tenhamos de estender tdo longe a questão do suporta tôda determinaçáo do Ser. Guiado pelo Zógos no sen-
Ser, entendido, c,omo o que h.á de mais digno de ser investi- tldo de enunciado, o pensar.proporciona e mantém a perspec-
gado, é o que nos revela a discússáo das quatro distinções.
tiva em que se considera o ser.
Aquilo, contra o qual o ser se delimita o Vir a §er, a Apa-
rência. o Pensar, o Dever náo é algo-de simplesmente pen- Por i§so.para §e abrir e fundar o Ser mesmo em sua ori-
sado, algo engendrado pelo - pensar. Trata-se de fôrças e po- ginária distinção do ente, faz-se necessária a abertura de uma
perspectiva originária. A origem da separaçáo entre Ser e
dêres, que d,ominam e enfeitiçam, com seu vigor, o ente, a sua
Peniar, a separaçáo entre Percepçáo e Ser, nos mostra que náo
abertura e configuração, a sua reclusáo e deformaçáo. O Vir
se trata de nada menos do que de uma determinaçáo do ser do
a ser, será que é um nada? A Aparência, será que é um nada?
homem, que procede da Essencializaç-ao do Ser (physis) a ser
O Pensar, será que é um.nada? O Dever, será que é um nada?
De forma alguma. aberta.
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/. iiuestáo sôbre a Essencialização do Ser se abotoa e de algum modo, presente, oasio úis. É o que se exprlme no fato
vincula à questão sôbre quern é o homem. A determinação da de o tempo ter sido apreendido a partir do "agrora", conlo o que
esseneializaçáo do homem, que aqui carece, náo é, entr:etanto, cada vez e só está presente. O passado é o "náo-mais-agora", o
tarefa de uma ântrcpologia flutuanüe no ar, que, no fundo, se futuro o "ainda-não-agora". O Ser, no sentido do que é obie-
representa o homem, como a Zoologia se representa o animal. tivamente dado (presença), subministrou a perspectiva para a
Em sua perspectiva e em seu alcance a questáo sôbre o ser do determinaçáo do tempo. E assim o tempo náo chega a ser a
homem é determinada erclusioarnente pela questáo do ,Ser. Nela perspectiva, que prôpriamente se seguiu na interpretaçáo do
há de se conceber e fundamentar a essencializaeáo do horhem §er.
segundo a indicaçáo oculüa no princípio, como o lugar, de que Em üal reflexão, "Ser e Tempo" náo significa um livro, mas
earece o Ser para a sua abertura. O homem é a estância (sis- uma tarefa e um êmpenho impÔsto. O que, nessa tarefa e in-
tência) em si mesma aberta (ex.) Nela o ente in-siste e se cumbência, prÔpriamente se impõe, é Aquilo, que nÓs náo
põe em obra. Daí dizermos: o ser do homem é, no sentido ri- sabemos. É Aquilo, que na medida em que o sabemos autên-
goroso da palavra a "ex-sistência" (Dasein). É na essenciali- ticamente, â saber enquanto tarefa e empenho impôsto, sempre
zação da ex-sistência entendida, como tal estância da aber- só o sabemos inuestigand.o.
tura do Ser, qrre se deve fundar originàriamente a perspectiva Saber investigar significa saber esperar, mesmo que seia
para a abertura do Ser. durante tôda uma vida. Numa época, porém, em que só é
TôcIa a concepção e tradiQáo ocidental do Ser, e portanto reai o que vai de pre§sa e se pocle pegar com âmbâs as máos,
üambém a referência fundamental com o Ser ainda hoje do- tem-se a investigação por "alheada da realidad'e", por aigo que
minante, se resume e reúne no título" Ser e Fensar. nãrr vale a pena ter-se em conta de numerár'io. Mas o Essencia-
§er e ?empo, porém, é um titulo, que náo se pode equi- lizante não é o número e sim o tempo certo, i. é o rnomento
parar, ,;re forma aiguma, às distinÇões oiscutidas. Aponta plra azado, a duração devida.
urnâ {:limensáo de investigação totalmente diferente.
Nelc a palavra, "pensar", não é simplesmente substituíti.a "Pois odeia
pela palâvra, "tempo". Desde o seu fundamento a essenciali- O Deus sensato
zação do tempo é determinada segundo outras perspectivas e Crescimento intemPestivo" .

dentro ünicamente do âmbito da questão do Ser.


Hcederlin, Ps rnetivo dos Titãs"
Mas por que justamente tempo? Porque, no princípio da (rv, 218) .
Filosofia Ocidental, a perspectiva que guia e conduz a abertura
do Ser, é o tempo. Mas ó-é de tal modo, que permaneceu e teve
de permanecer, como perspectiva, oculto. Quando no firn a
odsia se converte no conceito Iundamental do Ser e Ser sig-
nifica, entáo, presença constante, que outra coisa poderia ainda
fundamentar, de modo náo des-coberto e náo re-velado, a es-
sencializaçáo da constância e a essencializaçáo da presença do
qrre o tempo? Esse "tempo", porém, ainda náo Íoi des-dobrado
e des-envolvido em sua essencializaçã"o nem poderá sê-lo (no
terreno e na perspectiva da "Física"). Pois, quando, no fim da
Filosofia Grega, se intrroduziu com Aristóteles a reflexáo sôbre
a essencializaçào do tempo, teve êle de ser tomado como algo,
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INDICE

ITINERÁRIO DO PENSAMENTO DE HEIDEGGER, .... " 9

INTRODUÇÃO À METAFÍSICÀ 30

I
A QUESTÃO F'UNDAMENTÂL DÂ METATÍSICA ........ 31

II
SÔBRE A GRAMÁTICA E ETIMOLOGIA DA PALA-
VRA "SER"

III
A QUESTÃO SôBRE A ESSENCTALTZAÇÃO DO SER .... 101

IV
A DELIMITAÇÃO DO SER . ........ 119

v
coNcLUSÃO . .. 219

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