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MÓDULO

FILOSOFIA DA
EDUCAÇÃO

Universidade Pedagógica

Moçambique
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Todos os direitos reservados

Ficha técnica

Autor: Ezio Lorenzo Bono e Cássamo Ussene Mussagy

Título: Filosofia da Educação

Revisão linguística:

Edição: UniSaF Editora. UP – Maxixe/UniSaF

N° de Registo:

Arranjo gráfico: UniSaF Editora – UP – Maxixe/UniSaF

Coordenação:CEAD – Maxixe/UniSaF

Ano: Abril de 2015

Tiragem:
Agradecimentos
A todos os meus estudantes de Filosofia da Educação, que ao longo destes anos
participaram com paciência e com interesse das aulas e me enriqueceram com suas
preciosas contribuições.

Agradeço também aos meus assistentes, Dr. Ricardo Pita e Dr.ª Cristina Scuderi e
Dr. Cássamo Ussene Mussagy pela colaboração na elaboração da parte histórica.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO i

ÍNDICE

Conteúdo

Visão geral 1

Benvindo ao Módulo “Filosofia da Educação” ..............................................................1


Objectivos do Módulo ...................................................................................................2
Quem deveria estudar este módulo .............................................................................3
Como está estruturado este módulo ............................................................................4
Ícones de actividade .....................................................................................................5
Habilidades de estudo ..................................................................................................5
Precisa de apoio? .........................................................................................................5
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) ...........................................................................6
Avaliação ......................................................................................................................6

Unidade I – Parte Sistemática 7

O QUE É “FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO” .....................................................................7

Introdução ....................................................................................................................7

Lição n˚ 1 9

As Tarefas da “Filosofia da Educação” ........................................................................9

Introdução ....................................................................................................................9

Sumário ......................................................................................................................12
Exercícios ...................................................................................................................13

Lição n˚ 2 15

OS “AMBITOS” DA FDE.............................................................................................15
Introdução ..................................................................................................................15
Sumário ......................................................................................................................17
Exercícios ...................................................................................................................17

Lição n˚ 3 18

CORRENTES TEÓRICAS NA EDUCAÇÃO ..............................................................18

Introdução ..................................................................................................................18
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ii

Sumário ......................................................................................................................23
Exercícios ...................................................................................................................24

Lição n˚ 4 25

A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA PÓS-MODERNIDADE .......................................25

Introdução ..................................................................................................................25

Sumário ......................................................................................................................28
Exercícios ...................................................................................................................29

Lição n˚ 5 30

NOVAS TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO NO TERCEIRO MILÊNIO..........................30

Introdução ..................................................................................................................30

Sumário ......................................................................................................................33
Exercícios ...................................................................................................................34

Lição n˚ 6 35

PISTAS PARA A PESQUISA TEÓRICO-PEDAGÓGICA ..........................................35

Introdução ..................................................................................................................35

Sumário ......................................................................................................................38
Exercícios ...................................................................................................................39

Lição n˚ 7 40

TEORIA PEDAGÓGICA E FORMAÇÃO DOS DOCENTES ......................................40

Introdução ..................................................................................................................40

Sumário ......................................................................................................................42
Exercícios ...................................................................................................................42

Lição n˚ 8 43

AS PALAVRAS CHAVES DO DISCURSO TEÓRICO-PEDAGÓGICO .....................43

Introdução ..................................................................................................................43
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO iii

Sumário ......................................................................................................................52
Exercícios ...................................................................................................................52

Bibliografia Básica da Unidade I 52


Unidade II – Parte histórica 54

HISTÓRIA DO PENSAMENTO EDUCACIONAL .......................................................54

Introdução ..................................................................................................................54

Lição n˚ 1 57

O PENSAMENTO EDUCACIONAL NA ANTIGUIDADE ............................................57

Introdução ..................................................................................................................57

Sumário ......................................................................................................................71
Exercícios ...................................................................................................................71

Lição n˚ 2 73

PENSAMENTO EDUCACIONAL MEDIEVAL ............................................................73

Introdução ..................................................................................................................73

Sumário ......................................................................................................................79
Exercícios ...................................................................................................................79

Lição n˚ 3 80

PENSAMENTO EDUCACIONAL NA IDADE MODERNA ..........................................80

Introdução ..................................................................................................................80

Sumário ......................................................................................................................86
Exercícios ...................................................................................................................96

Lição n˚ 4 97

PENSAMENTO EDUCACIONAL NA ERA CONTEMPORÂNEA ...............................97

Introdução ..................................................................................................................97
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO iv

Sumário ....................................................................................................................107
Exercícios .................................................................................................................108

Bibliografia Básica Unidade II 109


Unidade III – Parte temática 110

TEMAS DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ................................................................110

Introdução ................................................................................................................110

Lição n˚ 1 111

OS FINS DA EDUCAÇÃO ........................................................................................111

Introdução ................................................................................................................111

Sumário ....................................................................................................................116
Exercícios .................................................................................................................117

Lição n˚ 2 119

EDUCAR NO MUNDO FUTURO. ............................................................................119


GLOCALIZAÇÃO: ENTRE GLOBALIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO ............................119

Introdução ................................................................................................................119

Sumário ....................................................................................................................126
Exercícios .................................................................................................................127

Lição n˚ 3 128

AVALIAR A TODOS, AVALIAR A CADA UM. ..........................................................128

UMA PERSPECTIVA PEDAGÓGICA ......................................................................128


Introdução ................................................................................................................128

Sumário ....................................................................................................................136
Exercícios .................................................................................................................137

Lição n˚ 4 138

METODOLOGIA E COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA ...............................................138

Introdução ................................................................................................................138
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO v

Sumário ....................................................................................................................147
Exercícios .................................................................................................................148

Lição n˚ 5 149

UNIVERSIDADE DE QUALIDADE ...........................................................................149

Introdução ................................................................................................................149

Sumário ....................................................................................................................155
Exercícios .................................................................................................................156

Lição n˚ 6 157

PROCESSO DE BOLONHA ....................................................................................157

Introdução ................................................................................................................157

Sumário ....................................................................................................................165
Exercícios .................................................................................................................165

Lição n˚ 7 166

OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NO CONTEXTO


MOÇAMBICANO ......................................................................................................166

Introdução ................................................................................................................166

Sumário ....................................................................................................................173
Exercícios .................................................................................................................173

Lição n˚ 8 174

FORMAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL EM


MOÇAMBIQUE.........................................................................................................174

FORMAÇÃO DE IGUAL DIGNIDADE ......................................................................174


Introdução ................................................................................................................174

Sumário ....................................................................................................................182
Exercícios .................................................................................................................183

Lição n˚ 9 (opcional) 184

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DAS UNIVERSIDADES CATÓLICAS .......................184

“EX CORDE ECCLESIAE” .......................................................................................184


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO vi

Introdução ................................................................................................................184

Sumário ....................................................................................................................190
Exercícios .................................................................................................................191

Bibliografia Básica Unidade III 192


Unidade IV - Parte contextual 193

A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EM ÁFRICA ...........................................................193

Introdução ................................................................................................................193

Lição n˚ 1 196

HORTON, BLYDEN e NYERERE ............................................................................196

Introdução ................................................................................................................196

Sumário ....................................................................................................................203
Exercícios .................................................................................................................203

Lição n˚ 2 205

A EDUCAÇÃO BANTU NA ÁFRICA DO SUL ..........................................................205

Introdução ................................................................................................................205

Sumário ....................................................................................................................210
Exercícios .................................................................................................................210

Lição n˚ 3 211

A EDUCAÇÃO TRADICIONAL EM MOÇAMBIQUE ................................................211

Introdução ................................................................................................................211

Sumário ....................................................................................................................216
Exercícios .................................................................................................................217

Lição n˚ 4 218

SEVERINO ELIAS NGOENHA ................................................................................218

Introdução ................................................................................................................218
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO vii

Sumário ....................................................................................................................224
Exercícios .................................................................................................................225

Lição n˚ 5 226

JOSÉ PAOLINO CASTIANO ....................................................................................226

Introdução ................................................................................................................226

Sumário ....................................................................................................................234
Exercícios .................................................................................................................235

Lição n˚ 6 236

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO AFRICANA: “MUNTUISMO”......................................236

PARA UM PERSONALISMO AFRICANO ................................................................236


Introdução ................................................................................................................236

Sumário ....................................................................................................................246
Exercícios .................................................................................................................246
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 1

Visão Geral

Benvindo ao Módulo “Filosofia da


Educação”

O módulo de Filosofia da Educação visa introduzir o


estudante à compreensão da natureza desta disciplina a fim
de capacitá-lo à reflexão crítica sobre a educação.

Por "Filosofia de Educação" de facto se entende a reflexão


crítica (Filosofia) sobre a Educação.

Antigamente a FdE era identificada com a pedagogia geral,


(ou melhor, com a parte mais formal da pedagogia).
Actualmente a FdE é uma disciplina mais transversal entre
os vários saberes da educação. É propriamente o momento
auto-reflexivo da pedagogia, que se concentra sobre a lógica
do discurso educativo e sobre o sentido da educação. A
FdE "é chamada a ajudar-nos a descobrir um sentido que
nos livre do absurdo" ("O conceito de FdE" , em Dicionário
de FdE, Porto Editora, 2006).

A Filosofia, no contexto da pós-modernidade em que


vivemos, para muitos não tem mais uma tarefa "fundativa"
como antigamente, mas tem uma tarefa de "interpretar"
(hermenêutica) e "racionalizar" as experiências e relativos
saberes. A filosofia perdeu a sua hegemonia sobre as
ciências: não é mais uma ciência total mas é mais pluralista
e especializada (Cfr. Cambi, 2008, pp.3-24).

A nosso modo de ver devemos porém evitar o risco de cair


no relativismo, e recuperar o valor clássico da filosofia.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 2

A FdE estuda os fins da educação, os meios, as estratégias,


os papéis e as componentes da educação.

Esta cadeira é um pilar norteador para a reflexão acerca da


prática docente, pois abraçando a história da FdE,
acompanha todas as mudanças, todas as reflexões
(pertinentes) que se deram ao longo do tempo, para melhor
adequar os fins, objectivos e estratégias da educação hoje.

Por via disso, a cadeira de FdE é pertinente para toda a


formação docente e devia ser implementada em todos
cursos de ensino para formação de professores.

Objectivos do Módulo
Quando terminar o módulo de Filosofia da Educação o
estudante deverá ser capaz de:

• Definir o que é FdE e explicar as suas tarefas;


• Compreender as metodologias e as limitações da
FdE;
• Identificar os âmbitos da FdE;
Objectivos • Reconhecer as correntes teóricas da Pedagogia;
• Discutir o pensamento histórico educacional;
• Dominar a história da filosofia de educação;
• Entender as palavras-chave do discurso teórico
pedagógico;
• Compreender os critérios que ditam a universidade de
qualidade.
• Analisar os fins e objectivos da educação africana,
particularmente moçambicana.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 3

• Conhecer a temática relativa ao "Processo de


Bolonha".
• Conhecer a Filosofia da Educação das Universidades
Católicas (as primeiras universidades fundadas no
mundo);
• Conhecer os desafios da formação de professores no
contexto moçambicano;
• Dominar o pensamento africano sobre a educação;
• Investigar os fracassos da educação colonial;
• Conhecer a proposta da Filosofia Africana
Contemporânea chamada de "Muntuismo".

Quem deveria estudar este


módulo
O módulo Filosofia da Educação foi concebido para todos
aqueles que estão inscritos no Curso de Licenciatura em
Ensino Básico e AGE à distância, oferecido pela
Universidade Pedagógica. São estudantes que possuem a
12ª classe ou equivalente.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 4

Como está estruturado este


módulo
Todos os módulos dos cursos da Universidade Pedagógica
encontram-se estruturados da seguinte maneira:

Páginas introdutórias

Ø Um índice completo.
Ø Uma visão geral detalhada do curso/módulo, resumindo
os aspectos-chave que você precisa conhecer para
completar o estudo. Recomendamos vivamente que leia
esta secção com atenção antes de começar o seu
estudo.

Conteúdo do módulo

O curso está estruturado em unidades. Cada unidade


incluirá uma introdução, objectivos da unidade,
conteúdo da unidade incluindo actividades de
aprendizagem, um sumário da unidade e uma ou mais
actividades para auto-avaliação.
Outros recursos

Para quem esteja interessado em aprender mais,


apresentamos uma lista de recursos adicionais para você
explorar. Estes recursos podem incluir livros, artigos ou sites
na internet.

Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação

As tarefas de avaliação para este módulo encontram-se no


final de cada unidade. No final de cada lição são
apresentadas tarefas de auto-avaliação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 5

Ícones de actividade
Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones
nas margens das folhas. Estes ícones servem para
identificar diferentes partes do processo de aprendizagem.
Podem indicar uma parcela específica de texto, uma nova
actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo
Caro estudante!

Para tirar maior proveito deste módulo deverá efectuar uma


leitura cuidadosa da informação que se lhe apresenta. Para
o efeito, no fim de cada lição apresenta-se uma sugestão de
livros para leitura complementar.

Uma pergunta bem compreendida representa meia resposta,


por isso, antes de resolver qualquer tarefa ou problema, o
estudante deve certificar-se de que compreendeu a questão
colocada.

Deve fazer, sempre que possível, uma sistematização das


ideias apresentadas em cada lição.

Precisa de apoio?
Caso enfrente alguma dúvida ao longo do curso, pode
contar, para além da ajuda do tutor de especialidade, com a
ajuda do tutor local. O tutor de especialidade encontrar-se-á
com os estudantes para duas aulas ao longo do semestre.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 6

Assim, as dúvidas que surgirem da primeira aula podem ser


colocadas no segundo encontro.

Para as questões mais prementes, os estudantes podem


entrar em contacto com o tutor de especialidade, enviando
questões por e-mail. Na mensagem, o estudante deverá
identificar-se (nome, curso, centro de recurso), identificar a
unidade/lição que está na origem do problema e em seguida
colocar a questão de forma simples e clara.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)


A avaliação será contínua e sistemática. No final de cada
unidade temática encontrará uma série de perguntas que
poderão servir para a sua auto-avaliação.

Em caso de recomendar-se trabalhos de pesquisas, apela-


se o estudante a evitar todas as formas de plágio, sendo por
isso, necessário que faça referência às obras consultadas.

Uma leitura constante deste módulo e da bibliografia


complementar patente no final de cada unidade temática é
fundamental para o sucesso do seu processo de
aprendizagem.

Avaliação
Os elementos de avaliação dos estudantes serão obtidos a
partir da participação destes nas aulas, realização das
actividades de reflexão, bem como dos testes e outras
modalidades previstas no Regulamento Académico da UP.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 7

Unidade I– Parte Sistemática


O QUE É “FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO”

Introdução
O que é “Filosofia da Educação”?

Existem várias definições de “Filosofia da Educação”


(FdE), mas entre todas preferimos a mais fiel aos termos em
causa:
Reflexão crítica (Filosofia) sobre os processos
educativos (Educação).
A FdE mesmo sendo uma disciplina ligada às
disciplinas pedagógicas, é um saber independente.
Poderíamos dizer que a FdE quer fundar criticamente
(racionalmente) a pedagogia, pois indaga analiticamente e
criticamente os aspectos fundativos e formais da pedagogia:
o discurso; o tipo de rigor; a escala de valores. Deste modo
a FdE leva a pedagogia ao seu ponto mais alto, o da crítica.

A FdE é correlata à pedagogia geral: funda


epistemologicamente e ontologicamente os processos
formativos. Dito em outras palavras mais simples: a
pedagogia é o momento prático no processo educativo e a
FdE o momento teórico.

Esta mostra os condicionamentos ideológicos que


estão por trás das políticas educativas, redefine o estatuto
lógico-conceptual (epistemologia), o horizonte teleológico-
valorial (axiologia), a linguagem, a relação com os outros
saberes.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 8

É um discurso reflexivo sobre os grandes temas da


pedagogia geral: estuda os fins da educação; os meios; as
estratégias, os papéis; as componentes, etc. Tem o papel de
coordenar as diferentes ciências da educação: um papel de
síntese.

Em linhas gerais, definimos a FdE como pesquisa


teórico-pedagógica sobre a educação.

Ao terminar esta unidade será capaz de:

• Definir o que é “Filosofia da Educação” e justificar cada


uma das partes que compõe esta definição;
• Adquirir uma compreensão da natureza desta disciplina a
Objectivos fim de alcançar uma capacidade de fazer uma reflexão
crítica sobre a educação.
• Conhecer as tarefas da FdE;
• Distinguir os vários métodos da FdE;
• Identificar os âmbitos da FdE;
• Conhecer os problemas actuais da FdE.

Terminologia Filosofia, educação, reflexão crítica, pedagogia geral,


formação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 9

Lição n˚ 1
As Tarefas e Métodos da
“Filosofia da Educação”

Introdução
Nesta primeira lição vamos investigar quais são as
tarefas principais da FdE. Sendo a FdE uma disciplina muito
ampla e com um estatuto epistemológico não ainda bem
definido, inevitavelmente as tarefas que são atribuídas à
esta disciplina são inúmeras.

A FdE é um suporte na reflexão sobre os


pressupostos educativos. Através desta, é possível
acompanhar todas as mudanças que ocorrem nas
sociedades ao longo do tempo, de modo a saber adequar a
educação às exigências da sociedade.

Ao completar esta lição, você será capaz de:

• Indicar as tarefas principais da FdE;


• Explicitar de forma específica em que consiste cada
uma destas tarefas;
Objectivos • Identificar os métodos da FdE;
• Distinguir a função de cada método na FdE;

Terminologia
Linguagem, Função crítica, Fins da educação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 10

AS TAREFAS DA “FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO”

1. Esclarecer a linguagem dos discursos educativos,


analisando textos sobre a educação, a fim de mostra a
cientificidade e pertinência de tais discursos.

2. Função de coordenação crítica entre as várias disciplinas


sobre a educação (função de sínteses);

3. Responder acerca o sentido da educação, o que ela


ultimamente é e significa, como e para quê educar e o que
fazer em educação (estuda os fins da educação).

A FdE apresenta dois limites (ou aporias):

1) por uma lado a Filosofia quer buscar a verdade e os


fundamentos da educação, mas por outro lado a época
contemporânea nega à filosofia a capacidade de
fundamentar e buscar a verdade.

2) a filosofia por sua natureza está relacionada à


universalidade ou aos princípios universais enquanto que a
FdE tem como base a experiencia prática da educação o
contexto cultural e histórico.

Mais do que Filosofia da Educação devemos falar de


Filosofias da Educação, pois existem vários métodos:

Método fenomenológico: dos dados empíricos extrai


estruturas essenciais, o sentido dos fenómenos e dos
processos educativos.

Método dialéctico: releva as tensões e complexidade da


educação. Visões não definitivas mas sempre abertas.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 11

Método hermenêutico: que interpreta o “texto” dos


processos históricos vitais. Na pedagogia se parte dos factos
educativos para chegar, considerando as expectativas e
preconceitos, a uma nova compreensão da situação
educativa.

Todos estes métodos em comum têm a ideia de que a


teorese filosófico-pedagógica é fundamentalmente uma
praxeologia: parte do concreto e volta a ele com propostas
de soluções depois de uma reflexão. Isso em conformidade
com a tradição que sempre considerou a actividade teorico-
pedagógica como uma forma de filosofia pratica, ou seja
como uma teorese que ilumina e da as razões à acção e
intervenção educativa concreta. (Nanni, 2007, p.15)1

Mais do que FdE deveríamos falar de Filosofia


das ciências educativas. Para alguns não é necessária uma
disciplina específica para tratar estes temas. A FdE deveria
investigar os problemas teóricos da educação segundo as
modalidades próprias da filosofia. Diferentemente das outras
disciplinas das Ciências da Educação, a FdE privilegia o
momento analítico-interpretativo do conhecer. Releva as
tendências, as orientações inovadoras da educação, as
consequências de algumas decisões e estratégias
educativas ou de certas expressões pedagógicas (Nanni,

1 NB. É necessário porém não reduzir toda a reflexão sobre a educação à filosofia, pois existem outras fontes: é
preciso superar o rigorismo teórico da filosofia: FdE mais do que uma disciplina particular é uma atitude, um
modo particular de enfrentar os problemas educativos. Contenutisticamente FdE seria uma série de temas
filosóficos que têm um interesse preciso para com a pedagogia (por ex. a relação factos e valores; ciência e
filosofia; homem e mundo: a liberdade humana, etc.).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 12

2007, p.17). Momento prévio às disciplinas metodológicas-


projectuais (metodologia, didáctica, docimologia, etc.).

O discurso epistemológico se torna momento crítico e


justificativo “obrigado” para superar o nível da opinião
privada ou ideologia. Sem este rigor, cada um poderia falar o
que quiser sobre a educação, sem nenhuma cientificidade.

A pesquisa do sentido da educação hoje (FdE) segue


prevalentemente duas tradições:

1) a forma laica da pesquisa histórico–hermenêutica ou


crítico-radical.

2) a tradição filosófica cristã (“filosofar na fé” E. Gilson), que


tenta equacionar a razão com a fé (João Paulo II na
encíclica Fides et ratio de 1998, fé e razão são as duas asas
com que o espírito se enaltece na contemplação da verdade,
e impele a pergunta sobre o senso das coisas e a existência
do homem. (cfr. também G.Marcel).

Sumário
A FdE apresenta três tarefas importantes: esclarecer a
linguagem, enquanto analisa os textos sobre a educação;
fazer um discurso sintético sobre a educação; e define os
fins da educação. Na tentativa de zelar pelas suas tarefas na
educação, a Filosofia se vê limitada por dois motivos: o
primeiro está no facto de esta procurar a verdade na
educação, enquanto a pós-modernidade havia anunciado a
não existência da verdade; o segundo está no facto de a
Filosofia visar os princípios universais mas na realidade a
FdE está ligada aos contextos histórico-culturais
particulares.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 13

Os métodos mais importantes que os filósofos usam na


educação são: fenomenológico, hermenêutico e dialéctico.

Exercícios
1. Indique as principais tarefas da FdE.
2. Através das tarefas que a FdE possui, distingue um
filósofo da educação, com um simples pedagogo.
Auto-avaliação 3. “Mais do que Filosofia da Educação devemos falar de
Filosofias da educação”. Justifique.
4. Discuta porquê não se pode reduzir toda reflexão
sobre a educação à Filosofia.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 15

Lição n˚ 2
OS “ÂMBITOS” DA FDE

Introdução

Nesta lição abordaremos conteúdos relacionados com os


âmbitos da FdE.

A FdE é um dos saberes da educação, mas que diz respeito


à toda pedagogia geral, pois, os seus temas são gerais
tratados em modo crítico (filosófico). É um saber reflexivo e
meta-reflexivo sobre a pedagogia. Somente a filosofia
garante a criticidade (a cientificidade), com argumentações
válidas para todos.

Para chegar à raiz do educar, a FdE parte de três âmbitos:


epistémico, axiológico e ontológico.

Ao terminar esta lição, o estudante deve ser capaz de:

• Conhecer os âmbitos da FdE;


• Distinguir os âmbitos da FdE;
Objectivos
• Compreender o papel da FdE

Terminologia
Epistemologia, Axiologia, Ontologia.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 16

OS ÂMBITOS DA FILOSOFIA DE EDUCAÇÃO

A FdE tem uma dimensão radical (porque sempre visa os


pricípios e fundamentos) e uma transversal (porque
trespassa várias ciências da educação). A FdE quer chegar
à raiz do educar.

A FdE tem três âmbitos:

1) Epistémico (por epistemologia se entende 1. Teoria do


conhecimento ou gnoseologia; 2.Filosofia da ciência): O
discurso epistemológico é o momento crítico e justificativo
obrigado para dar cientificidade ao discurso educativo,
superando assim o nível da opinião arbitrária, privada ou
ideológica.

2) Axiológico: (por axiologia se entende a “ciência dos


valores” fundados metafisicamente). Sem axiologia não há
pedagogia, pois a pedagogia vive de objectivos, projectos
(acompanha a política, ideologias, poder sociais, etc.) e
educa a determinados valores.

Ma como escolher os valores em educação? Escolhendo


aqueles mais em sintonia com a pedagogia e a sua vocação
como saber/agir (ex. liberdade e empenho; igualdade,
responsabilidade, comunidade, etc.) vigiando para que não
sejam vazios nem utópicos.

3) Ontológico: (por ontologia se entende a “ciência do ser”


ou Filosofia prima, metafísica geral). Mesmo não sendo mais
“fundativa”, a filosofia exerce sempre uma função crítica.
Não é mais geral mas regional (não mais apriorística e
racionalista-dedutiva, mas histórico-empírica).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 17

Axiologia e ontologia andam junto pois o ser da educação é


sempre preponderantemente um ser axiológico).2

Sumário
A FdE tem um papel radical, porque visa princípios e
fundamentos e transversal porque atravessa várias ciências
de educação. Os âmbitos da FdE são: epistémico, enquanto
reflecte sobre o saber; axiológico, pois a pedagogia se funda
em valores; Ontológico, enquanto fundamenta criticamente a
educação.

Exercícios
1. Porquê podemos avançar que a FdE tem um papel
transversal?
2. Identifique os âmbitos da FdE.
Auto-avaliação 3. Caracterize cada um deles.
4. “Sem axiologia (valores) não há pedagogia”. Comente a
afirmação.

2 Alguns autores indica um quarto âmbito, chamado de Ensaístico (por Ensaio se entende um breve texto
flexível que expõe ideias e reflexões sobre determinados temas, sem demonstrações científicas). A FdE recorre
aos Ensaios em quanto permitem uma pesquisa aberta, variegada, pluralista, não sistemática, fragmentária e
fragmentada cujo objectivo não é demonstrar mas compreender, com uma atenção estética que está aberta à
verdade. Na verdade a pedagogia não fez grande recurso “Ensaios” preferindo meios mais “pesados” como o
tratado ou o manual. O Ensaio tem a vantagem de ser mais imediato e de juntar o localismo do problema e a
universalidade da problematização. Cfr. Cambi, 20088, pp.25-45.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 18

Lição n˚ 3
CORRENTES TEÓRICAS NA
EDUCAÇÃO
Introdução

Nesta lição vamos fazer uma introdução às principais


correntes teóricas na educação. Existem multiplicidade de
consciencialização, formas e fontes. Muitas visões globais
da educação são veiculadas pelas grandes religiões. Outras
teorias pedagógicas se encontram nas teorias de várias
ciências (psicologia, sociologia, etc.) e de ideologias
(socialista, laica, democrática, etc.).

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Identificar as principais correntes teóricas na


educação;
• Distinguir a corrente emancipadora da libertadora;
Objectivos • Identificar o contributo da corrente personalista na
educação.

Terminologia Iluminismo, Marxismo, Personalismo, Liberalismo.


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 19

CORRENTES TEÓRICAS NA EDUCAÇÃO

1. ENDEREÇO NEO-ILUMINISTA LAICISTA.

No ocidente depois da 2ª Guerra Mundial impõe-se o


American style (way) of life. Também os modelos educativos
e escolares ocidentais seguem a educação e escola dos
EUA. A inspiração é a pedagogia deweyana e a
modernidade iluminista. Por isso chama-se endereço neo-
iluminista e laicista (pois nega qualquer referência religiosa
ou ideológica, e se distancia do personalismo cristão e do
neo-marxismo).

As ideias principais:

1) educação é principalmente educação à razão, história,


ciência...; 2) educação ao senso crítico; 3) educação é
essencialmente educação científica (e tecnológica); 4) visa-
se a reforma social e desenvolvimento democrático. Quadro
de fundo é o naturalismo, imanentismo sem aberturas à
transcendência.

2. ENDEREÇO MARXISTA.

Depois da guerra havia um debate sobre a


possibilidade da existência de uma pedagogia marxista. As
linhas principais desta pedagogia são: 1) Educação
essencialmente politécnica; 2) educação como obra
industrial na luta contra os instintos e natureza a fim de
dominá-los; 3) ênfase do colectivo.

3. ENDEREÇO PERSONALISTA.

O Personalismo é uma corrente filosófica (iniciada por


E. Mounier) que tem no centro a pessoa, ou seja considera a
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 20

pessoa comoprincípio ontológico fundamental. É uma


corrente de inspiração cristã.

Os puilares sobre os quais se assenta o personalismo são:


Pessoa, Comunidade, Deus.

As linhas principais na educação: 1) Educação para


promover a pessoa e comunidades de pessoas; 2) habilita o
sujeito a dirigir o próprio movimento de personalização; 3)
educação não é vazio a preencher mas suscitar a pessoa; 4)
centralidade do educando no processo educativo (“não é o
aluno que deve adaptar-se à escola, mas é a escola que
deve adaptar-se ao aluno); 5) adesão à pedagogia das
“escolas novas”; 6) formação integral da pessoa: não só
ciência e técnica, mas formação humana, moral, artística,
espiritual, física, etc…); 7) centralidade educativa da família,
8) laicidade e pluralismo (se relacionar com as várias
agências educativas presente no território)

Diante do relativismo e das mudanças, o personalismo


apela aos valores tradicionais clássicos. Educação para
preparar à vida e ao uso da razão, graças à aprendizagem
de verdades e valores perenes e daquilo que é
essencialmente humano. Afinar os métodos e disciplina
mental com aprendizagem de matérias logicamente
organizadas.

4. HISTORICISMO PEDAGÓGICO

Para esta corrente, o homem realiza-se na história e o


mundo e a história são a totalidade e o horizonte de senso
do homem: tudo é histórico. Temos aqui uma secularização
e laicização da visão do mundo. Esta corrente, mesmo que
terminou com a segunda guerra mundial, está ainda muito
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 21

difundida como mentalidade e incide ainda hoje na instrução


escolástica.3

5. CORRENTE EMANCIPADORA E NEO-RADICAL.

Para esta corrente emancipadora (ligada à “nova


esquerda”) a educação, se não quer ser coercitiva e
impositiva de modelos sociais dominantes, deve ser anti-
autoritária e libertadora das alienações dos povos. O neo-
radicalismo quer revolucionar a vida quotidiana e lutar pelos
direitos civis, e satisfazer as necessidades do homem. A
educação pode ter sentido somente se lutar para este fim,
contra o endoutrinamento, autoritarismo, conformismo,
injustiças e deve sensibilizar para o senso crítico. Mais que
educação devemos falar de convite à auto-direcção.

6.PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO

Trata-se de perspectivas libertadoras vindas do


“terceiro mundo” (ou “países em via de desenvolvimento”). A
PdL mais importante é a de Paulo Freire (1921-1997) com a
sua “pedagogia dos oprimidos”. Freire vai além dos
extremismos da luta de classe, pois o oprimido liberto pode
tornar-se o novo opressor: além da revolução política urge
aquela pedagógica. Freire propõe de superar uma educação
“bancária”4 e propõe uma pedagogia problematizante que
junta alfabetização com a consciencialização. Privilegia as
estratégias da educação comunitária, dialógica, propositiva,
onde mais que educadores temos animadores, visando uma
“civilização do amor”. Emergem aqui como Freire mistura

3 Contra as ideias do historicismo levantaram-se as vozes de Popper (1902-1994) e de Fukuyama (“O fim da
história”).
4 Por “Educação Bancária” freire entende uma educação onde o professor sabe tudo e o aluno não sabe nada e
vai na escola para receber algo (assim como se vai no banco para receber dinheiro).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 22

posições marxistas com as humanistas e personalistas


cristãs. Lema dele é “Ninguém, educa ninguém. Ninguém se
educa sozinho. Os homens se educam em comunhão”.

7. CORRENTE TECNOLÓGICA FUNCIONALISTA.

Visa mais o desenvolvimento da mente, da formação


das inteligências do que as actividades e interesses do
estudante e da sua socialização.5 Os riscos que comporta
esta corrente são de uma ciberneutização e
computadorização da existência e da educação. Dá-se mais
importância às estruturas sócio-económicas-culturais do que
aos indivíduos, e o paradigma quase exclusivo para a
educação é o do desenvolvimento económico-produtivo
(formação profissional) mais do que o desenvolvimento
humano da pessoa.

8. CORRENTES E MODELOS TEÓRICOS-PEDAGÓGICOS


NA CRISE DA MODERNIDADE

Nos últimos decénios a visão ocidental-moderna foi


muito criticada. A escola de Francoforte denunciou a eclipse
da razão e a redução da humanidade à uma só dimensão
(sócio-económica-política). Por parte religiosa se denuncia o
reducionismo imanentista e o materialismo economicista de
fundo que visam só o utilitarismo negando cada referência
espiritual aberta à transcendência e ao desejo do totalmente
outro.

5 Emerge claramente aqui o influxo da cibernética, telemática e das ciências da informação.


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 23

Se fala de ocaso ou fim da modernidade, ou pós-


modernidade, ou regurgitação pré-moderna, ou segunda
modernidade, (ou modernidade tardia): os seja, crise dos
valores da modernidade.

Neste contexto, a pedagogia deve abrir-se ao


multiculturalismo e à informatização. Os discursos sobre os
modelos teóricos se abrem ao diálogo interdisciplinar. Se
buscam os “universais” pedagógicos-educativos-formativos
que possam dar um sentido às práticas educativas e
formativas, recorrendo à reflexão hermenêutica para
individuar as boas práticas pedagógicas, sem perder de vista
o “todo” e o “inteiro” da formação, aprendizagem, instrução e
educação.6

Sumário
Existem várias correntes que discutem o problema
“educação” todas representadas por ideologia (religiosa,
científica, psicológica, sociológica, trabalhista…). Enquanto a
corrente neo-iluminista laicista nega qualquer vínculo
religioso à educação, a personalista tem no centro a pessoa,
na perspectiva cristã. Por sua vez as correntes
emancipadoras e neo-radicais lutam contra as injustiças e
autoritarismo a que o homem está sujeito. A Pedagogia da

6 Existem outros endereços teóricos de crescimento humano que servem para sistematizar (visões unitárias) e
para a confrontação. Um modelo é um constructo lógico-linguístico que sistematiza os dados relevados na
experiência ao redor de uma teoria (com o risco da simplificação da complexidade da realidade). Consegue um
pluralismo de modelos (isso é algo de aceite) dependendo dos vários pontos de vista. Por isso se trata de
modelos sempre criticáveis (para que não produzam “perversidades” tornando-se totalitaristas). Este
pluralismo porém, se de um lado evita os totalistarismo, não deve esquecer a necessidade da busca de pontos
em comuns: buscar o que une, respeitando o que divide. Para este trabalho é necessária uma clara e sólida
filosofia da educação (e para os crentes, uma teologia da educação). (Cfr. Nanni, 2007, 50)
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 24

libertação pretende libertar a classe oprimida: a libertação


parte da superação da educação bancária (reprodutora) que
considera o aluno como desprovido de conhecimento, para
uma educação problematizadora, que visa consciencializar o
aluno e torná-lo activo na educação.

Exercícios

1. Indique pelo menos três (3) correntes teóricas na


pedagogia.
2. Diferencia a corrente neo-iluminista da personalista.
Auto-avaliação 3. Qual é o ponto de convergência e divergência entre
a corrente emancipadora e libertadora.
4. Qual deve ser o caminho que a pedagogia deve
seguir frente ao fim da modernidade (a crise dos
valores na modernidade)?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 25

Lição n˚ 4
A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
NA PÓS- MODERNIDADE

Introdução

Nesta lição abordamos a pesquisa teórico-pedagógica


da (FdE) na pós-modernidade.

As novidades dos anos ’90 são: sociedade pós-


industrial (informatização); exaltação da racionalidade
tecnológica; complexificação e diferenciação da sociedade,
ou seja multiplicação dos centros de poder e crescimento
das multinacionais, homologação das classes médias
mesmo tendo uma diferenciação; pluralismo cultural e
nivelamento; flexibilidade na existência.

Ao terminar este esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Conhecer o impacto da pós-modernidade na educação;


• Identificar as influências das novas tecnologias na
educação;
Objectivos • Compreender as novas formas de educação trazidas
pelas tecnologias.

Pós-modernidade, Biotecnologias, Ciência, Tecnologia.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 26

PÓS-MODERNIDADE

A pós-modernidade é caracterizada como uma “nova


modernidade planetária da sociedade da informação”, com o
avanço das biotecnologias (cyborg). Por isso alguns
caracterizam este período como “modernidade avançada”,
“hiper-modernidade” ou “segunda modernidade”. A nova
cultura (pós-moderna) porém mais de que a “racionalidade
lógico-científica” (como fazia a moderna) se orienta também
à sensibilidade, emotividade, fantasia, intuição.

Nesta época há uma multiplicação das “visões do


mundo” (“weltanschauungen”): nenhuma visao pode impor-
se como a mais verdadeira ma somente deve procurar de
conseguir mais consensos.7

Abrem-se novos cenários: internacionalização


das empresas e mundialização do mercado; o poder
económico se concentra em poucas mãos; o mercado
influencia a política e reduz a soberania nacional (ou as
produções “doc”: denominações de origem controladas, é o
marco que caracteriza produtos locais de excelência). Como
consequências temos um nivelamento das diversidades,
mais homologação cultural e erosão das especificidades
nacionais; perca de identidade e aumento das patologias de
inseguranças (o “homo oeconomicus” é sempre em “up
date”).

7 Habermas, defensor da modernidade, acusa esta corrente de ser reaccionárias, pré-modernas.


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 27

Este homem deve acentuar a capacidade de


concorrência, funcionalidade, competência e eficiência,
conjugando isso com uma maior consciencialização,
capacidade de pensamento crítico, do sentido e das
virtudes, da colaboração e da solidariedade.

Há um maior desenvolvimento científico-tecnológico:


informática; telemática: se fala hoje de “Sociedade do
conhecimento”. Se impõe o problema da “digital divide”.8
Nascem novas profissões. Há uma “intelectualização” do
trabalho, flexibilidade, mobilidade ocupacional, polivalência
da cultura profissional. A “new economy” é uma economia da
flexibilidade (sociedade pós-industrial).9 O “virtual” se impõe
sobre o “real” (Tv, internet…) - nova consciência dos direitos
humanos; novas formas de religiosidade (ex. new age,
seitas, exoterismo...): “mestiçagem” não só genética, mas
também étnica, cultural, religiosa. Há uma “secularização
religiosa”, não conseguinte ao triunfo das ciências e
técnicas, mas ao entregar-se das mentes e corações ao
consumismo, bem-estar, diversão. No mesmo tempo
assistimos a uma volta do “sacro”, novas formas de
religiosidade “neo-pagãs”.

Urge um diálogo intercultural sem cair no relativismo


cultural e valorial. Ao pensamento analítico, lógico e
demonstrativo (científico), se contrapõe um pensamento
mais narrativo, mais expositivo, autobiográfico, explorativo,
com uma visão mais “hermenêutica”.

Aumenta a defesa dos direitos humanos, civis e políticos.

8 A “divisão digital” entre o mundo rico que desenvolve tecnologias digitais sempre mais avançadas, e o mundo
pobre que ficam sempre por atrás.
9 Para esta economia não existem mais trabalhos fixos ou direitos dos trabalhadores, mas trabalhos flexíveis
conforme as necessidades do mercado.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 28

Diante desta Globalização podemos abrir-nos ou


fechar-nos.

A globalização mostrou os limites da cultura ocidental


(a “nudez do rei ocidental”), a sua pretensão de totalidade. A
modernidade “sólida” desmoronou: agora temos uma
modernidade “líquida” ou “fluida” (Bauman), de
improvisação, confusão, fragmentação...

Diante da “globalização” e da “localização” se impõe a


“glocalização”: conjugação entre a dimensão mundialista e
localista.

Sumário
Os impactos trazidos pela pós-modernidade se repercutiram
também na educação. Essa repercussão tem o seu lado
positivo e negativo. De positivo podemos salientar o facto de
aumentar os centro de pesquisa de informações, onde os
estudantes para além das obras físicas como única fonte de
pesquisa do saber, passam a consultar manuais digitais ou
fazer pesquisas na internet e se comunicar com vários
outros estudantes de outras comunidades estudantis, podem
visitar muitos sites e muitas escolas (virtuais). Todavia, de
negativo salienta-se o risco de provocar a perca da
identidade de alguns povos, o desenraizamento cultural e
fragmentação devido à abundância de informação, o que
requer uma boa gestão pelo estudante.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 29

Exercícios

1. O que entende por Pós-modernidade?


2. Como é que surge a Pós-modernidade?
3. Qual é o impacto da pós-modernidade na educação?
Auto-avaliação 4. Que saída adoptar frente a crise trazida pela pós-
modernidade?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 30

Lição n˚ 5
NOVAS TENDÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO NO TERCEIRO MILÉNIO

Introdução

Nesta lição vamos frisar as novas tendências da


educação no terceiro milénio, concretamente a visão que se
tem sobre a educação nesta época e os seus efeitos.
Através dessas tendências, a educação é vista como
um instrumento indispensável para o desenvolvimento de
um país, para a promoção da paz, liberdade e justiça social.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Identificar a confiança depositada à educação


actualmente.
• Compreender o problema central da pesquisa
Objectivos pedagógica.
• Conhecer as grandes linhas educacionais
internacionais.

.
Terminologia
Sociedade, liberdade, formação da Personalidade.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 31

AS NOVAS TENDÊNCIAS

Estímulos novos para a pesquisa teórico-pedagógica


vêm das novas tendências dentro da educação.
Existe uma renovada confiança na educação, como
meio precioso e indispensável que poderá permitir o alcance
dos ideais de paz, liberdade e justiça social. (Cfr. Na
educação um tesouro, Delors, 1997). A educação como
meio para combater a pobreza absoluta, a exclusão, conflito
entre os povos, guerras, etc., em fim a escola é considerada
o meio insubstituível do desenvolvimento pessoal e da
inserção social do indivíduo.
E a educação não se reduz somente à escola, família,
igreja ou associações, mas também na vida social, nas ruas,
no desporto, na diversão, na Internet, nos eventos ordinários
ou extraordinários… Tudo isso é chamado de “escola
paralela”. Além dos educadores tradicionais temos os ídolos
dos jovens, os heróis, os cantores, chefes de partidos, etc…
Nascem também novos perfis educativos (educador
profissional, perito em processos formativos, pedagogista
prático, orientador, tutor…).

Educação não é mais só transmissão de saberes mas


é um momento de personalização.

Na Europa há cinco (5) objectivos da educação: 1.


estimular a aquisição de novos conhecimentos; 2. aproximar
a escola à empresa; 3. lutar contra a exclusão; 4. promover
o conhecimento de três línguas europeias; 5. colocar no
mesmo plano investimentos materiais e os formativos.

O relatório Reiffers apela a cultivar ambições que vão


além de uma perspectiva somente utilitarista e visar a
realização da pessoa.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 32

O relatório Delors perspectiva uma educação global


que tem como objectivos educativos (4 pilares): 1. aprender
a conhecer (saber: uma sólida base cultural); 2. aprender a
fazer (sólida competência); 3. aprender a ser (capacidades
humanas pessoais: saber ser conscientes, livres,
responsáveis, laboriosos, eficientes e eficazes); 4. aprender
a viver junto com os outros (viver junto com os outros de
maneira democrática, digna, empenhada, participativa,
colaborativa e solidária). Outro dado adquirido é da urgência
da formação permanente.

Todos os grandes modelos educativos se


reencontram em dois modelos fundamentais: 1. um mais
cognitivo-tecnológico; 2. um outro mais neohumanista-
solidal. Ambos querem conjugar instrução e formação com o
desenvolvimento pessoal e social, dentro da democracia e
respeito dos direitos humanos. Todos visam um sistema
formativo integrado, que envolve não somente a escola, mas
todas as realidades educativas presentes no território, dando
vida assim a uma “sociedade educadora”. A mesma escola é
vista hoje como comunidade educativa. O docente é visto
como mediador e estimulador da aprendizagem: ele fica
como chave fundamental do inteiro sistema escolar.

A universidade é sempre mais de “massa” e não mais


elitista, humanista e académica. Problema principal é a
formação dos formadores e de uma sólida, pertinente e
adequada cultura educativa (paidéia).

Problema central da pesquisa pedagógica é a


educação das pessoas: mais do que as competências do
próprio papel (finalizado à produção) no fim se exigem
competências humanas mais gerais que permitam viver a
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 33

vida em modo digno e humanamente realizado. Formar uma


pessoa capaz de relação, diálogo, transcendência e de
escolha que exige a assunção de uma responsabilidade das
consequências das próprias opções. A responsabilidade
(com a atenção a todos) é um dos fins educativos mais
excelentes: educação à legalidade, ao “mundialismo”, à
cooperação, ao desenvolvimento, ao ecumenismo, à
intercultura, à paz… Além dos conhecimentos válidos só
dentro da própria nação, se busca competências humanas
internacionalmente reconhecidas. Trata-se de uma
“pedagogia da viagem” para o homem de hoje (“homo
viator”) que sabe orientar-se e orientar ao longo da sua
viagem. “Mas se abre o caminho se há uma meta; se inicia a
caminhada se a viagem e a peregrinação valem a pena. Por
isso a pesquisa teórico-pedagógica, hoje mais do que
ontem, deve lutar para a verdade e deve empenhar-se na
busca do sentito” (Nanni, 2007, p. 85).

Sumário
As novas tendências da educação no terceiro milénio trazem
novos desafios à educação, esta deixa de ser vista como um
meio de transmissão de conhecimentos, e passa a
transmissão de valores, onde educamos para a paz, para a
liberdade e para a justiça social. A função de exercer a
educação não só é atribuída à escola, família ou instituições
religiosas, mas também surgem novos centros e meios
educativos, que exercem a função de educar. É o caso da:
sociedade, rua, entre amigos, nos jardins, etc., através dos
vários órgãos de comunicação, da internet, da televisão, etc.
Os jovens não aprendem só com o professor, aliás, o
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 34

professor não ensina o saber, mas sim compartilha com o


alunos e junto aprendem, um aprende quando ensina e outro
ensina quando aprende. O professor é visto como um
mediador importante na educação, sem esquecer que os
alunos aprendem também com os seus prórpios ídolos, que
podem ser cantores, heróis, actores, atletas, etc.

Exercícios
1. Qual é a confiança que as novas tendências dão à
educação?
2. No terceiro milénio, a educação não se reduz
Auto-avaliação somente a escola. Concorda? Justifique.
3. “Educação não é mais só transmissão de saberes
mas é um momento de personalização”. Comente.
4. Quais são as grandes linhas educativas do Relatório
Delors?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 35

Lição n˚ 6
PISTAS PARA A PESQUISA
TEÓRICO-PEDAGÓGICA

Introdução

Na lição anterior preocupamo-nos em compreender as


novas tendências da educação no terceiro milénio, mas
nesta lição a preocupação está ligada ao encaminhamento
às pistas para a pesquisa teórico-pedagógica.

A filosofia em geral, e hoje a filosofia da educação foram


historicamente e ficam o órgão da pesquisa por excelência,
como a via mais comum para indagar sobre a problemática
de natureza teórica subjacente à prática educativa.

Ao terminar este esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Conhecer os sectores da pesquisa teórico-


pedagógica.
• Identificar a via mais comum para indagar
Objectivos sobre a problemática da educação.
• Compreender as pistas para a pesquisa
teórico-pedagógica.

Terminologia
Pesquisa, teoria, abertura.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 36

PISTAS PARA A PESQUISA TEÓRICO-PEDAGÓGICA

“A filosofia em geral e hoje a filosofia da educação


foram historicamente e ficam o órgão da pesquisa por
excelência” (Nanni, 2007, 87), a via mais comum para
indagar sobre a problemática de natureza teórica subjacente
à prática educativa, seja para definir o campo das disciplinas
pedagógicas, seja para avaliar a “cientificidade” do discurso
pedagógico e ver a sua concretização.

Por conhecimento científico se entende um nível de


elaboração conhecível que seja lógica, argumentada,
enquadrada e correctamente exprimida numa linguagem
inter-subjectivamente compreensível; se interroga sobre os
factos e avança hipóteses de explicação ou tenta elaborar
uma explicação racional, rigorosa e compartilhada de factos,
eventos, pessoas e coisas.

Desde os meados de 1800 aos meados de 1900 a


reflexão sobre a ciência (epistemologia) era entendida em
termos positivistas, onde somente as disciplinas físicas,
biológicas e matemáticas eram consideradas as únicas que
podiam conhecer a realidade.

No nosso tempo historiadores e críticos da ciência


sublinham a importância da dimensão vital, humana e
histórica da ciência. Do rígido objectivismo e empirismo se
passa a consideram mais a complexidade dos problemas, o
envolvimento subjectivo em cada observação e elaboração
cognitiva, passando a outros métodos de observação como
a comparação sócio-histórico, etc.: um novo modo de fazer
ciência como o construtivismo e a hermenêutica (círculo
hermenêutico de Gadamer).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 37

Por teoria se entende uma reflexão global sobre todas


as realidades, e não somente uma abstracção ou
intelectualismo contrário à praxis. Nestes últimos tempos,
parece voltar o interesse para a teoria na sociedade.
Também nos mass-mídia é requerida frequentemente uma
“consultação filosófica”. Assim também na escola. O mesmo
acontece na pedagogia, com a reflexão teórico-
10
pedagógica.

Pistas para a pesquisa:

A pesquisa na FdE pode ser desenvolvida por vários


caminhos:

1) Estudo da problemática relativa a natureza da FdE


(âmbitos, tarefas, dimensões, objectivos…). Se trata da
parte sistemática.

2) Análise dos “conceitos-chave”; das categorias de fundo;


palavra à moda (ex. currículo, comunidade educativa, etc.).

10 Neste campo a pesquisa teórico-pedagógica visa quatro sectores: 1) a educação, formação, aprendizagem,
didáctica, para mostrar os problemas e os aspectos teóricos e valoriais; 2) o discurso pedagógico, ou seja a
pesquisa epistemológica-pedagógica; 3) crítica da “paidéia” tradicional e moderna diante da complexidade da
sociedade, da globalização e da mundialização do mercado; 4) a relação entre o fazer e o agir na educação (em
seguida à irrupção da inovação tecnológica e informática, telemática, robótica, bio-tecnologia que estimulam
novas metodologias e didácticas).
Existem muita diversificação e pluralismo. Por exemplo entre os analistas (mundo anglo saxone que privilegia
métodos e temáticas analíticas, linguísticas e epistemológicas) e continentais (que privilegiam a hermenêutica
dos fenómenos e processos que consideram o património histórico-cultural adquirido) (Nanni, 2007, 94). Na
pesquisa teórica contemporânea existe sempre uma dimensão de contextualização e de subjectivismo.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 38

3) Paralelamente ver as monografias dos autores, escolas,


endereços teóricos gerais, correntes, limitando-se sempre à
problemática teórico-pedagógica;

4) Fazer indagações teóricas sobre problemáticas


educativas comuns face às transformações culturais e
históricas (família, ideia de homem, princípios
deontológicos). Se trata da parte temática.

5) Indagação crítica de categorias ou tendências epocais


que influenciam a concepção educativa (ex. subjectivismo
moderno, racionalidade moderna e pós-moderna, etc.). Se
trata da parte histórica.

6) Estudo das teorias educacionais típicas das várias regiões


do mundo (por ex. a FdE africana, asiática, etc.). Se trata da
parte contextual.

Estas são pistas, pois a pesquisa é um campo aberto,


ligadas a condições espaço-temporais.

Sumário
Para concretizar as tarefas da FdE é preciso fazer uma
pesquisa por excelência, assim como para indagar sobre os
processos educativos. Para tal, há vários campos de
pesquisa: análise dos conceitos-chave, dos autores e obras,
das correntes teóricas, dos períodos históricos e dos
contextos educativos regionais.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 39

Exercícios

1. Quais são os sectores da pesquisa teórico-


pedagógica?
2. Em que consiste a parte sistemática?
3. Em que consiste a parte contextual?
Auto-avaliação
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 40

Lição n˚ 7
TEORIA PEDAGÓGICA
E FORMAÇÃO DOS DOCENTES

Introdução

Nesta lição, vamos procurar reflectir em torno da teoria


pedagógica e formação de docentes.

Os cursos e seminários de reciclagem oferecidos aos


docentes, visam prevalentemente a didáctica e metodologias
de ensino, e não a reflexão teórica sobre o que é educar.
Assim sendo, é preciso introduzir os docentes a uma
pesquisa teórica sobre o agir educativo para torner-se
“docentes reflexivos”.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Identificar o processo que torna os docentes


reflexivos;
• Conhecer os motivos da complexidade da sociedade
Objectivos actual;
• Analisar a pertinência da filosofia na acção educativa
didáctica.

Terminologia
o Filosofia, reciclagem, didáctica, reflexão.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 41

TEORIA PEDAGÓGICA E FORMAÇÃO DOS


DOCENTES

Os cursos de reciclagem geralmente visam a


didáctica, ao passo que é bom relacionar a pesquisa teórico-
pedagógica com a formação dos docentes para conseguir
ter “docentes reflexivos”.11 O tema da educação antigamente
era tratado pela filosofia. Em seguida se formou o corpo das
disciplinas de “ciências da educação” que porém ficam
isoladas entre eles e não sistematizadas. Mas estas
disciplinas estão com muitas limitações (geralmente sem
uma pesquisa teórica de referência). È muito necessária
uma autêntica filosofia da acção educativa-didáctica, que
possa ser utilizada na formação dos docentes, dirigentes
escolares, pais e agentes sociais.

Esta preocupação teórica deve considerar a


complexidade da sociedade actual: 1. As mudanças
estruturais e profundas inovações técnicas, 2. O Pluralismo;
3. O multiculturalismo e a globalização; 4. O subjectivismo,
o relativismo, o “presentismo” e o niilismo. Tudo isso influi na
pesquisa teórico-prática. A filosofia então pode pensar mais
além, ao inteiro, e não somente deduzir ou reelaborar quanto
se aprendeu. Este olhar filosófico deve abrir para a não
exaustividade de toda forma de conhecimento e abrir assim
ao projecto e inventiva artística (próprio da prática
pedagógica) além daquilo que só é útil, eficiente e eficaz. A
educação não pode ser reduzida às categorias em que a se

11 “O sentido e a utilidade de uma boa teoria pedagógica não sempre aparecem como evidentes a ainda hoje
nem sempre são reconhecidos na educação e pedagogia” (Nanni, 2007, 101).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 42

quer integrar mas abrir-se à dimensão transcendental ínsita


no agir humano e mais ainda naquele educativo. Isto
significa estimular mais ainda a pesquisa, na busca dos
fundamentos e dos sentidos últimos do agir humano. Assim
podemos colher melhor a alteridade e o “mistério” pessoal
dos alunos e colegas com que trabalhamos. Educar para a
busca da verdade e do sentido (pelo menos algumas
partículas).

Sumário
Os cursos de reciclagem oferecidos dos professores, não só
deviam olhar a vertente didáctica, mas também a pesquisa
teórico-pedagógica, de modo a tornar os docentes reflexivos.
Através da filosofia, que tem um olhar mais além, uma visão
transcendental, podemos articular as complexidades da
sociedade actual na educação. Esta não vai simplesmente
repetir o que se aprendeu, mas sim vai estimular a pesquisa
de modo a abrir caminho a uma pesquisa na busca dos
fundamentos e do sentido último do agir humano.

Exercícios

1. Qual é o processo que se deve adoptar na


reciclagem dos docentes, para torna-los reflexivos?
2. Identifica o impacto da complexidade da sociedade
Auto-avaliação actual na educação.
3. “È muito necessária uma autêntica filosofia da acção
educativa-didáctica, que possa ser utilizada na
formação dos docentes, dirigentes escolares, pais e
agentes sociais”. Comente a afirmação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 43

Lição n˚ 8
AS PALAVRAS CHAVES DO DISCURSO
TEÓRICO-PEDAGÓGICO

Introdução
Uma das tarefas da Filosofia da Educação é a de
esclarecer as palavras-chave do discurso pedagógico.

É importante que todas as palavras-chaves do


discurso teórico pedagógico sejam claras tanto para o
professor, quanto para o aluno, de modo que não se
trabalhe com conceitos que sejam obscuros ou equívocos,
para não dificultar a aprendizagem.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de

: • Identificar e distinguir as palavras-chave do

Objectivos discurso teórico-pedagógico;


• Elaborar reflexões sobre a educação com uma
linguagem apropriada.

Aprendizagem, educação, ensino, valores, liberdade, cultura,


Terminologia ciência, formação, teoria, comunicação, relação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 44

AS PALAVRAS-CHAVES DO DISCURSO TEÓRICO-


PEDAGÓGICO

PRAXE: um agir humano de transformação do real


conforme a um projecto (conjugação entre prática e teoria).
Depois de Marx se acentua o agir social (transformação
humana do real), ou “práticas sociais”: fazer/operar conforme
modelos sociais para alcançar objectivos socialmente
compartilhados. Entre elas as práticas educativas e
formativas.

TEORIA: visão unitária e global da realidade em geral


o de alguns aspectos (p.ex. a educação). Diferentemente
das científicas, as teorias filosóficas têm a pretensão
(contestada por muitos) de ser “especulativas” ou seja de
espelhar a realidade. Para Kant a prática sem teoria é cega
e a teoria sem prática é vazia. A conexão praxe-teoria
monstra em educação que se trata de uma praxe intencional
(visa fins), social, um evento, para produzir “formação”.

CULTURA: conjunto de ideias, valores, modelos


comportamentais e técnicas expressivas de um grupo
histórico. As culturas permitem “ler” a vida natural e humana
a um nível de geralização (impossível individualmente);
ampliar os horizontes até o passado; encontrar significados
e valores na busca de sentido; organizar e consolidar a
mente humana; abrir à formação global da pessoa e a
competências para a vida profissional.

IDEOLOGIA: concepção do mundo e da vida


unificada ao redor de um valor central (ex. liberdade para o
liberalismo, etc.) a fim de recolher consensos e eficácia
política. Depois de Marx se tornou algo de negativo: suporto
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 45

ideal do poder dominante.

CIÊNCIA: em termo comum ciência é um saber


fundado sobre o controle empírico, logicamente reconstruído
e matematicamente exprimido; em sentido mais largo se
entende todo o saber crítico consciente e justificado
(provado com argumentos controláveis e verificáveis ou
falsificáveis). Normalmente se distingue entre ciências
formais (matemática, lógica, estatística, etc.); ciências da
natureza; ciências humanas e sociais (ou do espírito).

As ciências estão organizadas em disciplinas:


disciplina é um saber organizado rigorosamente com 1) um
objecto material (o que se estuda); 2) objecto formal (ponto
de vista com que se estuda o objecto); 3) técnicas e
métodos; 4) grau de desenvolvimento histórico; 5)
background “ideológico” (visão geral que está na base); 6)
personalidade ou grupos-escolas; 7) contexto histórico-
social-económico-político e contribuições dadas para a
pesquisa e seu desenvolvimento científico e tecnológico a
nível nacional e internacional.

PEDAGOGIA E CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO: a


definição de “guia da criança” está superada. Geralmente se
entende qualquer reflexão/pesquisa sobre a educação. A
nível cultural se põe na área humanística. A nível científico é
uma das ciências humanas que estuda a educação.

VERDADE: no sentido positivista verdade é a ordem


lógica entre os conceitos, ou uso recto das regras, técnicas,
instrumentos operativos do conhecimento. Neste sentido
somente o conhecimento científico poderia produzir
afirmações verdadeiras a respeito da vida. Mas na realidade
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 46

não é assim. Há verdades que não podem ser alcançadas


pela pesquisa científica. Verdade é qualidade da vida
pessoal e da existência, um modo humano de encarar a
realidade. Verdade é aquilo que dá sentido à existência
humana e a fundamenta.

VALORES: do grego axía = preço, custo (axiologia).


Este termo aplicado à moral significa a qualidade de uma
pessoa ou coisa, a sua dignidade. Há valores em si,
abstractos (ex. amizade, amor, justiças...); como realidades
concretas (os bens); como aspiração ao que é bom..(ideais);
sistema de valores de um povo...(valores culturais); etc.

VIDA HUMANA: é algo que excede a vida vegetativa


e animal, pois diz respeito à pessoa com a sua inteligência,
consciência, liberdade.

DESENVOLVIMENTO: no começo o ser humano é


incapaz de subsistir sozinho, por isso é um ser em
desenvolvimento. A pedagogia se ocupa do
desenvolvimento pessoal nas suas diferentes dimensões:
físico, psíquico, intelectual, moral, estético, religioso... nas
várias faixas etárias.

Factores de desenvolvimento: 1. Herança; 2.


Ambiente (cultura, bens...); 3. Ajuda ou obstáculos por parte
dos outros ou sociedade; 4. Inteiração dinâmica com o
ambiente no tempo (experiência).

EDUCABILIDADE: se entende aqueles aspectos da


existência do sujeito que precisam de uma intervenção
externa para desenvolver-se em modo “optimal”. Seria o
campo de acção da actividade do educador.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 47

APRENDIZAGEM: capacidade de mudanças estáveis


da personalidade graças à interacção com o ambiente
(cultura) num trabalho de reelaboração da experiência.

FORMAÇÃO: imagem integral completa, de um ser


que chega à sua maturidade. Por formar se entende na
origem “plasmar” (dar “forma”), depois adequar à cultura
local (paidéia); processo de desenvolvimento profissional
(“bildung”); aquisição de competências para desenvolver um
papel social ou profissional (“training”); geralmente:
qualificação humana da vida e do desenvolvimento a todo
nível.

Resultado esperado é a construção de uma


personalidade humanamente capaz de ser consciente, livre,
responsável e solidária.

EDUCAÇÃO: ajuda (individual ou social) para a


promoção da qualidade da vida pessoal e comunitária,
centrada na personalidade em formação, para alcançar uma
capacidade de consciência, liberdade, responsabilidade e
solidariedade. A etimologia é incerta: criar (educare) ou
extrair (educere) ou seja, como operação maiêutica para
desenvolver as qualidades de uma pessoa.

SOCIALIZAÇÃO: aquisição dos comportamentos que


visam uma progressiva participação à vida social por parte
do indivíduo. É educação social.

INCULTURAÇÃO: a socialização na antropologia


cultural é chamada de inculturação. É o conjunto dos
processos de aquisição da cultura por parte de indivíduos ou
como sistema de transmissão de cultura por parte do grupo.
(Na teologia cristã se entende o processo de evangelização,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 48

ou seja a incarnação do Evangelho dentro de uma cultura).

INSTRUÇÃO: actividade consciente e


sistematicamente organizada que visa a aprendizagem da
cultura e o desenvolvimento intelectual seja através do
ensino que da auto-aprendizagem. Isto leva a uma
transformação individual, social, ambiental e histórica.

COMPETÊNCIAS: aquilo que permite um agir, um


operar, um produzir, um fazer, válido, eficiente e eficaz,
graças a um saber, um saber fazer e um saber trabalhar e
colaborar com outros, peritos ou não peritos. Esta ênfase
sobre as competências é criticada por muitos pedagogos
porque: 1) frisa mais a formação prática, o agir eficiente,
mais do que o ser, a contemplação, reduzindo assim a
aprendizagem à funcionalidade económica e ao
“eficientísmo” produtivo e social; 2) é um termo tirado do
mundo do trabalho e aplicado à educação, carente por isso
de um estatuto epistemológico.

RELAÇÃO: a educação é uma relação educativa


(para a tradição era considerada um acidente –eu sujeito do
‘800-; e considerada essencial para o ‘900 –
intersubjectividade, diálogo, encontro, comunicação-). Cada
ser se constitui sempre a partir de uma relação: intra-
pessoal, inter-pessoal, inter-geracional, com os objectos, as
instituições (família, Igreja, sociedade), as culturas; relações
internacionais.

COMUNICAÇÃO: do latim com-munus, compartilhar


uma tarefa, uma palavra. Na comunicação temos também
reconstrução de significados, por isso se deve prestar
atenção não só à sintaxe, mas também à semântica, à
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 49

pragmática, à hermenêutica.

SUBJECTIVIDADE PESSOAL: por pessoa referimo-


nos à capacidade radical de autonomia, liberdade,
responsabilidade, auto-transcendência que se desenvolveu
especialmente no pensamento ocidental cristão. É um ser-
em-si não reduzível a objecto por ninguém, aberto aos
outros, ser de comunhão com o mundo, os outros, Deus.

LIBERDADE: ausência de constrições, capacidade


racional e prática de decidir. Torna a acção do homem uma
acção humana, sem a qual seriam sub-humanas. Para S.
Agostinho a liberdade maioré a liberdade para algo:
liberdade para o bem, para o valor. É um acto pessoal e
social.

EMANCIPAÇÃO: no campo educativo significa o


processo de libertação dos condicionamentos subjectivos,
estruturais e institucionais, e aquisição de autonomia
pessoal. (É a categoria chave da pedagogia da “nova
esquerda” dos anos ’70).

LIBERTAÇÃO: perspectiva não finalística ou


“bancária” (Freire) da educação, mas “problematizadora” e
libertadora para superar o fatalismo (e “mudismo”), e tomar
consciência da própria e comum condição de vida visando a
“civilização do amor”. A diferença da emancipação
(ocidental, subjectiva, anti-autoritária) a pedagogia da
libertação é popular, democrática, projectada a um
desenvolvimento solidário e comunitário.

AUTO-REALIZAÇÃO: pleno desenvolvimento de si e


das próprias potencialidades para alcançar a qualidade de
vida desejável para a maioria das pessoas. É querer superar
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 50

a desumanização e a desindividualização da vida, cuidando


porém de não cair no narcisismo e culto de si sobre todas as
coisas (religião do “eu”).

PROCESSO EDUCATIVO: a relação educativa é um


processo, tem dimensão temporal com intervenções
apropriadas, coerentes, eficientes, eficazes e válidas. Com o
termo processo se entende uma sequência de actos
orientados a um objectivo, actividade racionalmente
organizada, gradual e cíclica, conforme um plano
preestabelecido, compartilhado e suficientemente claro.
Assim podemos falar de projectualidade, currículum, planos
de estudo que devem ser colectivos mas também
personalizados.

EDUCAÇÃO INTENCIONAL / EDUCAÇÃO


FUNCIONAL: educação intencional são actos educativos
que visam um processo educativo, ao passo que a educação
funcional são todas as influências (imprevistas) positivas ou
negativas que incidem na formação da personalidade.12

EDUCAÇÃO FORMAL: actualmente substitui a


“educação intencional”.

EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL: intencional mas não


metódica (ex. na família).

EDUCAÇÃO INFORMAL: ocasional, contextual,


espontânea (ex. mass-mídia, jogo, diversão...).

EDUCAÇÃO MATERIAL: assunção crítica da cultura

12 Em sociologia e em Claparéde, esta educação funcional é algo de intencional.


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 51

e seus conteúdos de verdade e valor.

EDUCAÇÃO FORMAL: formação das capacidades,


instrumentos, técnicas, programas (quase prescindindo ou
sem enfatizar os conteúdos).

- Os neo-iluministas, laicistas etc... preferem a educação


formal, pois considera a outra como endoutrinamento.

- Os “perenialistas”, católicos, etc... preferem a educação


material, pois consideram que a cultura, a verdade e os
valores formem a pessoa.

AUTO-EDUCAÇÃO: quem decide sozinho sobre o


desenvolvimento da sua pessoa

HÉTERO-EDUCAÇÃO: indica a ajuda de outros para


a própria educação. Geralmente esta precede e gera a auto-
educação.

EDUCAÇÃO NEGATIVA: não fazer nada para educar


a pessoa mas deixá-la livre de crescer espontaneamente.

EDUCAÇÃO POSITIVA: Intervir na educação


“positivamente” ou seja “pondo” prémios, castigos,
prescrições, admonições, etc.

EDUCAÇÃO DIRECTIVA: ênfase do papel de guia e


organizador do educador nos processos de aprendizagem e
desenvolvimento pessoal.

EDUCAÇÃO NÃO-DIRECTIVA: A liderança da


educação é confiada ao mesmo educando ou ao grupo de
aprendizagem. O educador só é um conselheiro perito, que
estimula, acompanha, etc.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 52

Sumário
As palavras-chave do discurso teórico-pedagógico ajudam-
nos a compreender melhor o discurso pedagógico, o que
pode facilitar a assimilação dos conteúdos abordados.
Conhecer as palavras-chaves é um grande passo para
conhecer os textos e compreende-los com facilidade. Pois,
somente quem sabe do que se trata pode perceber o que se
pretende abordar, ao invés de abordar temas com conceitos
desconhecidos por parte do próprio educando.

Exercícios

1. Indique 3 palavras-chaves que considera mais


importante e explique o porque desta escolha.
2. Diferencie a educação da auto-educação;
Auto-avaliação educação negativa da positiva e educação
directiva da não directiva.
3. Estabeleça a diferença que existe entre a
educacao formal, informal e não-formal.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA DA UNIDADE I

BERTUGNO Maria Elisabetta, Un itinerário di Filosofia


dell’Educazione, Laterza, Bari, 2004
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 53

CAMBI Franco, Manuale di Filosofia dell’Educazione, Editori


Laterza, Roma, 2000

DALLE FRATTE Gino, Questioni di epistemologia


pedagógica e di Filosofia dell’Educazione, Armando Editore,
Roma, 2004

DE KONINCK Thomas, Filosofia da Educação. Ensaio sobre


o devir humano,Paulus, São Paulo, 2007

DIAS DE CARVALHO Adalberto (coord.), Dicionário de


Filosofia da Educação, Porto Editora, Porto, 2006

GARRIDO PIMENTA Selma e DE ALMEIDA Maria Isabel


(org.), Pedagogia universitária. Caminhos para a formação
de Professores, Cortez Editora, São Paulo, 2011

MARIANI Alessandro, Elementi di Filosofia dell’Educazione,


Carocci Editore, Roma, 2006

NANNI Carlo, Introduzione alla Filosofia dell’Educazione.


Professione Pedagogista teórico?, LAS, Roma, 2007
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 54

Unidade II – Parte Histórica


HISTÓRIA DO PENSAMENTO
EDUCACIONAL

Introdução
Na segunda unidade do módulo propomo-nos uma
breve introdução à história da Filosofia da Educação. Como
tal, dentro deste módulo vamos dar um breve olhar sobre os
pensamentos educacionais de alguns filósofos desde a
antiguidade até aos nossos dias.

De uma forma sumária procuraremos trazer a tona a


visão dos grandes filósofos de cada período (antiguidade,
Idade média, moderna e contemporânea), com grande
enfoque para a visão que estes tem sobre a educação no
seu tempo, o conceito de educação que eles trazem, os
objectivos da educação de acordo com as exigências da
sociedade e os fins da educação que eles propõem.

Atendendo e considerando que em cada período


histórico existem vários teóricos que se dedicaram à reflexão
da educação, a nossa selecção dos mesmos obedeceu ao
programa estabelecido e também a uma selecção pessoal
aliada à pertinência das ideias.

Ao terminar esta unidade o estudante será capaz de:


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 55

• Conhecer os propósitos educacionais de cada período


histórico;
Objectivos
• Distinguir a visão de cada autor sobre a educação;
• Relacionar os objectivos educacionais de alguns autores;
• Fazer uma ligação entre os pressupostos educativos
vigentes actualmente com todo o percurso que esta
tomou;
• Identificar os fins da educação na antiguidade, idade
média, modernidade e contemporaneidade.

Terminologia Educação, Família, Imitação, Igreja, Estado, Liberdade, Vida,


Autonomia.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 57

Lição n˚ 1
O PENSAMENTO
EDUCACIONAL NA
ANTIGUIDADE

Introdução

Considerando a Grécia como berço da civilização


Ocidental, se justifica que comecemos nossas reflexões, a
partir da contribuição dos gregos na área da Educação, mais
especificamente, no âmbito dos ideais de formação humana.

A contribuição dos Gregos foi de vital importância.


Actualmente se tem ressuscitado as suas ideias por meio de
alguns filósofos ou pedagogos contemporâneos.

Ao terminar esta lição, o estudante deve ser capaz de:

• Distinguir a educação espartana da ateniense.


• Explicar a ideia de educação em Sócrates.
• Desenvolver a educação em Platão.
Objectivos • Conceitualizar a educação em Aristóteles.

Educação, conhecer, ideias, imitação.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 58

O PENSAMENTO EDUCACIONAL NA ANTIGUIDADE

Enquanto no período oriental13 a educação tinha


como principal característica, a tentativa de conservar e
repetir o passado, iliminando a parte individual do homem,
na educação grega verifica-se o contrário, isto é, há mais
oportunidade para o desenvolvimento individual.

Como resultado dessa característica -


desenvolvimento individual -, surge uma nova forma de
educação, a educação liberal, que é uma educação digna do
homem livre, que o habilita a tirar proveito da sua liberdade
ou dela fazer uso (Piletti e Piletti, 2006: 27).

Na Grécia encontrávamos duas cidades/estado, que


representavam dois modelos de educação diferente: a
Esparta e Atenas.

A educação espartana (750-600 a.C.)

A partir do século IX, o Estado espartano passou a


manter o maior controle governamental sobre a educação,
pois este percebeu a importância do Estado na educação.
Por via disso, a sociedade inteira se transformou numa
escola, em que todo o membro adulto tinha a obrigação de
participar, como um importante dever de cidadania, na
educação da juventude (Ibid: 29).

O objectivo da educação espartana era de formar


cidadãos patriotas, obedientes e militarmente eficientes, ou

13
Período posterior à comunidade primitiva, que se deu por dois motivos:
substituição da organização genética da sociedade por uma organização
política e também através da formação de uma linguagem escrita e de
uma literatura. É este o período que se desenvolveu a educação
chinesa, hindu e judaica.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 59

seja, homens militarmente e fisicamente bons. Por via disso,


dava a cada indivíduo um nível de perfeição física, coragem
e hábito de obediência às leis que o tornasse um soldado
ideal. E dessa maneira o homem espartano passou a ser um
modelo de bravura, vigor e tenacidade (Idem).

Devido a esse objectivo educacional, a cidade de


Esparta acumulou vários êxitos militares, pois outras cidades
priorizavam a formação intelectual, como a arte, a literatura
e a filosofia e não a vertente física militar, isto que contribuiu
para que Esparta não registasse um esplendor intelectual.

A educação espartana dividia-se em várias fases,


tendo em conta a idade do aluno:

Até aos sete anos de idade o menino ficava sob os


cuidados directos de sua mãe, de quem recebia um treino
rigoroso. Depois era tirado do lar e colocado em casernas
públicas custeadas pelo Estado. Nessas casernas os
meninos comiam em mesas comuns, ajudavam no
fortalecimento do alimento necessário, caçavam os animais
selvagens e participavam de danças corais. Todo o resto do
seu tempo era gasto com exercícios de ginástica, que
constituíam o elemento principal de sua educação.

Dos dezoito aos vinte anos o jovem dedicava-se ao


estudo das armas e das manobras militares. Dos vinte aos
trinta anos seu treino era na guerra ou, nos intervalos de
paz, praticando às custas dos ilotas14. E com trita anos o
jovem tornava-se maior de idade e continuava a dedicar seu

14
Servos que moravam em habitações humildes (choupanas) e feitas de
madeira ou ramos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 60

tempo integralmente a serviço do Estado, seja nas guerras


ou nos treinamentos necessários.

A partir desta repartição se pode perceber que a ideia


principal era, geralmente, formar homens militarmente bons,
para participar em qualquer conflito militar.

A educação ateniense (600-450 a.C.)

Atenas é uma outra grande cidade grega, que tinha


um modelo de educação oposto ao de Esparta, pois,
enquanto Esparta deu muita importância à Educação física a
serviço da guerra para manter o Estado, Atenas priorisou a
formação completa do homem, porém, uma formação mais
intelectual (alma) do que física (corpo).

Os motivos que levaram os atenienses a adoptar essa


forma de educação (intelectual) foram: (1) de um lado, a
nova maneira de compreender a estrutura e finalidades do
Estado, onde viam o Estado como um meio de assegurar a
liberdade pessoal, criando as condições vantajosas para sua
educação. O Estado nunca coage a juventude à instrução e
sim encarrega as classes sociais na formação das gerações,
e os pais tinham a obrigação de cuidar que seus filhos se
preparassem eficazmente para a vida, mas dentro de um
ambiente de liberdade; (2) de outro lado, a própria vocação
cultural de Atenas, tão flexível à revolução da ciência e da
Filosofia ocorrida no século VI a.C., e que de modo tão
natural elevou o nível intelectual de seus cidadãos,
convertendo-a no centro da cultura helénica (Piletti e Piletti,
30).

Tal como em Esparta, em Atenas a educação até os


primeiros sete anos estava ao encargo da família, porém,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 61

não tinha um carácter tão elevando como em Esparta, pois,


aqui, geralmente, a criança era entregue aos cuidados de
amas15 e escravos, enquanto as mães espartanas eram
famosas em toda Grécia pelo elevado nível de treino físico e
moral que davam às suas crianças. Logo que o menino
ateniense deixava os cuidados da ama, era entregue aos
cuidados de um pedagogo, e este último podia ser um
escravo ou um servo a quem os atenienses confiavam as
crianças, eis a razão da palavra Pedagogia (de pais, paidós
= crianças; agein = conduzir) designa em sua origem o
condutor de meninos; por isso eram chamados de
pedagogos os escravos encarregados de guiar as crianças
às escolas (Idem).

As escolas em que os meninos atenienses


frequentavam, eram geralmente duas: escola de música ou
escola de ginástica ou palestra.

Na Guerra do Peloponeso16 (431-300), Atenas perdeu


a sua posição de esplendor e o controle do mundo helénico,
e isso, veio demonstrar as deficiências do seu sistema de
educação (intelectual) e ressaltar a educação espartana que
visava a uma formação físico militar.

Por via disso, surge uma oportunidade aos filósofos


gregos de reformularem as teorias de educação, mas com
isso nasce um outro problema: o conflito entre a nova e a
velha educação grega.

15
Mulher que amamenta criança alheia.
16
Conflito entre Atenas e Esparta, devido ao crescimento do poder
ateniense, tendo provocado um certo medo aos espartanos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 62

De uma forma ordeira, vamos analisar a visão


educacional dos grandes filósofos da antiguidade grega:
Sócrates, Platão e Aristóteles.

Sócrates: conheça-te a ti mesmo

Sócrates (470-399 a. C.) foi o primeiro filósofo a


definir o problema do conflito entre a velha e a nova
educação grega, entre o interesse social e individual.

Para Piletti e Piletti (ibid: 32) o ponto de partida de


Sócrates é o princípio básico da doutrina sofista: “O homem
é a medida de todas as coisas”. Este, parte do princípio que
se o homem é a medida de todas as coisas, então a primeira
obrigação de todo homem é procurar conhecer-se a si
mesmo.

O homem conhece-si na consciência individual, logo,


é na consciência individual, que se deve procurar os
elementos determinantes da finalidade da vida e da
educação e por sua vez a consciência individual deveria
deixar de fundar-se em simples opiniões para guiar-se por
ideias de valor universal e aceite por todos.

Para Sócrates o fim da educação não era o de dar


informações superficiais, brilhantes e sem base como os
sofistas, mas sim, o de ministrar o saber ao indivíduo, pelo
desenvolvimento do seu poder de pensamento. “Todo
indivíduo tem em si mesmo a capacidade de conhecer e
apreciar tais verdades como as de fidelidade, honestidade,
verdade, honra, amizade, sabedoria, virtude, ou pode
adquirir essa capacidade” (Ibid: 33).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 63

Sócrates estava interessado no conhecimento


derivado da própria experiência, o qual constituía base da
boa conduta.

Enquanto ensinava, Sócrates procurava demonstrar


que toda acção virtuosa tem como base o conhecimento das
verdades universais e a obrigação de cada um, era de
adquirir a capacidade de formular tais verdades.

O método utilizado para chegar a tais verdades,


consistia em fazer perguntas para obter, dessa forma, as
opiniões do interlocutor (Ironia), depois, através de outras
perguntas, levava o interlocutor a descobrir por si mesmo a
contradição e o absurdo das opiniões apresentadas
(maiêutica = parto; arte de fazer nascer as ideias).

Atribui-se a Sócrates uma ideia particular de ensino:


aquela que é baseada em perguntas, e não envolve
transferência directa de informação, mas prefere dar ao
aluno a oportunidade de chegar à verdade sozinho.

Sócrates defende a ideia de educação como voltando


a alma em direcção à verdade, mas isso é inteiramente
compatível com a ideia de aprender como busca, e
principalmente serve para enfatizar a ideia de que existem
verdades por aí esperando ser descobertas.

Este grande filósofo considera que se punir não ajuda


muito à criança, também não lhes ajuda a recompensa, pois
não existe nada que substitua, excepto a curto prazo, o
raciocinar com elas, explicando por que o que queremos que
façam é bom para elas (se de facto for).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 64

Para Piletti e Piletti (p.33) as principais contribuições


de Sócrates para a educação são as seguintes:

ü O conhecimento possui um valor prático ou moral, isto


é, um valor de natureza universal e não individualista;
ü O processo objectivo para obter-se conhecimento é o
de conversação; o subjectivo é o de reflexão e
organização da própria experiência;
ü A educação tem por objectivo imediato o
desenvolvimento da capacidade de pensar, não
apenas de ministrar conhecimentos.

Platão: o mundo das ideias

Platão (428-348 a. C.) concordou com Sócrates sobre


a necessidade de se procurar uma nova base moral para a
vida; e concordou também que essa nova base deveria se
encontrar em ideias e na verdade universal.

Sobre o método, Platão aceitou e desenvolveu a


dialéctica de Sócrates, que ele passa a definir como sendo
um “contínuo discurso consigo mesmo”. Por via disso, a
educação seria um processo do próprio educando, mediante
o qual são dadas à luz as ideias que fecundam sua alma.

Para Platão, a educação consiste na actividade que


cada homem desenvolve para conquistar as ideias e viver de
acordo com elas. Neste caso, o conhecimento não é algo
externo ao homem, este é interno e aparece mediante o
esforço da alma para apoderar-se da verdade.

O objectivo da educação superior, da qual a


matemática e a dialéctica são os componentes principais,
não é, para Platão, o amontoado de informações, o
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 65

conhecimento pelo conhecimento ou aquisição de


habilidades práticas, mas a reorientação da mente partindo
de um tipo de entardecer para a verdadeira luz do dia.

O papel do educador consiste em promover no


educando o processo de interiorização, graças ao qual ele
pode sentir a presença das ideias. A realidade para Platão,
nada mais é do que a ideia que se realiza ou actualiza.

O despertar para o mundo das ideias é um processo


gradual. Na educação deve-se levar em conta tanto o corpo
como o espírito. Os exercícios corporais, a cultura estética e
moral, e a formação científica e filosófica devem constituir o
conteúdo da educação. A boa educação é a que dá ao corpo
e à alma toda a beleza, toda a perfeição de que são capazes
(Piletti e Piletti, 2006: 34).

A diferença que existe entre Platão e Sócrates, no


que concerne ao alvo do conhecimento é: para Sócrates
todos têm a capacidade para adquirir conhecimentos,
enquanto para Platão apenas algumas pessoas a possuem
essa capacidade.

No seu plano ideal de educação, Platão retomou a um


governo aristocrático de natureza Socialista. Nessa república
ideal os filósofos eram os governadores, pois somente o
filósofo é que conhece o bem supremo e só ele pode
determinar em que extensão a existência fenoménica se
aproxima da ideia e atinge assim o bem (Idem).

Aristóteles: a educação a partir da imitação


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 66

A visão de Aristóteles (384-322 a. C.) era bastante


diferente da de Sócrates e Platão. Ora vejamos: enquanto
para os dois filósofos a posse do conhecimento pelo
indivíduo é uma virtude, para Aristóteles a virtude está na
conquista da felicidade e do bem.

A virtude não consiste no simples conhecimento do


bem, mas na sua conquista. E o bem, na sua integridade,
resume-se em bem ser e bem fazer. O bem ser é um bem
do intelecto, ligado intimamente à posse da verdade
universal da escola platónica. O bem fazer é o bem da acção
adquirido através do hábito, e representa o aspecto social do
ideal aristotélico. E consiste no funcionamento, na vida
social, das ideias ou princípio de conduta de validez
universal (Piletti e Piletti, p.35).

Para Aristóteles, a felicidade é um bem supremo e


consiste em realizar o que é específico ao homem, isto é, a
razão. Através do uso da razão, o homem pode realizar
plenamente diversos aspectos ligados a saúde, fortuna,
situação social, justiça.

O conceito de educação em Aristóteles, parte da ideia


de imitação, esta que nos animais é apenas uma
capacidade, no homem se converte em uma arte, a arte de
imitar. O homem se educa na medida em que copia a forma
de vida dos adultos. Ele se educa porque actualiza suas
energias. Segundo a doutrina da potência e do acto de
Aristóteles, o educando é potencialmente um sábio e, com a
educação, ele actualiza (converte em acto) o que é
susceptível de desenvolver (Idem).

Os factores da educação humana em Aristóteles são


os seguintes: as disposições naturais (natura); os meios
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 67

para aprender (ars) e a prática ou hábito para afirmar o


assimilado (exercitatio).

Por via disso, o processo de ensino deve


corresponder ao seguinte plano metodológico:

I. O mestre deve, em primeiro lugar, expor a matéria do


conhecimento;
II. Em seguida tem de cuidar que se imprima ou retenha
o exposto na mente do aluno;
III. Por fim, tem de buscar que o educando relacione as
diversas representações mediante o exercício.

Aristóteles via o mundo como um lugar dinâmico onde


tudo está continuamente evoluindo de acordo com um
objectivo interior. Toda a matéria tem um potencial que se
empenha em levar a efeito e, em termos de educação, o
objectivo é ajudar a desenvolver as potencialidades da
criança na direcção do que mais lhe for conveniente.

O verdadeiro desenvolvimento do novo conhecimento


ocorre geralmente por indução e o processo de
aprendizagem é o de construir na mente uma imagem da
realidade que corresponda ao mundo real (lá fora).

O papel do professor é auxiliar a criança a organizar


o vasto leque de experiências empíricas, ajudar a construir
alguma estrutura para todos esses elementos díspares.

Como Platão, Aristóteles acreditava que o Estado


devia ter controle completo sobre a educação e usá-la para
preparar o tipo de cidadão desejável para as suas
necessidades. Também como Platão, estava apenas
interessado na educação do cidadão livre grego, os
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 68

trabalhadores e escravos só precisavam de treinamento


básico para seus futuros empregos.

Até aos 7 anos seria um programa de treinamento


físico e de carácter. De 7 até a puberdade e depois até 21
anos é o período do controle da educação por parte do
Estado. As disciplinas básicas deveriam ser: ginástica,
leitura, desenho e música, tendo Aristóteles se estendido
mais sobre o valor da educação musical. Esse estágio
prepara o cidadão para o último estágio da educação, que é
o estágio superior, que dura por toda vida e se estende para
fora do âmbito escolar. Este último estágio é o período da
educação liberal, pois, liberta a mente da ignorância e é
também a educação adequada para homens livres. Os
temas a serem estudados nesse período são: matemática,
lógica, metafísica, ética, política, estética, música, poesia,
retórica, física e biologia.

A Educação Romana

Enquanto os gregos julgavam e mediam todas as


coisas pelo padrão da racionalidade, da harmonia ou da
proporção, os romanos tinham uma mentalidade prática e
procuravam alcançar os resultados concretos adaptando os
meios aos fins. Estes últimos julgavam tudo pelo critério da
utilidade ou da eficácia. Por conseguinte, os romanos
sempre consideravam os gregos como um povo visionário e
ineficiente, enquanto os gregos consideravam os romanos
como bárbaros sólidos, com força de carácter e valor militar,
mas incapazes de apreciar os aspectos superiores da vida.

A educação romana tinha como centro a família e


visava a formação do carácter moral das pessoas. O pai era
o principal responsável pela educação dos filhos, mas o
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 69

carácter prático do povo romano atribui especial importância


à mulher nessa tarefa e em outras relacionadas com o lar.

Assim como pensava Aristóteles e como acontecia na


comunidade primitiva, a característica fundamental da
educação romana é a imitação. O jovem romano tinha de
se tornar piedoso, respeitoso, corajoso, varonil, prudente,
honesto pela imitação de seu pai e de outros romanos cujo
heroísmo merecera ser consagrado pelas lendas e histórias
do país. Esses heróis eram homens reais que andavam nas
ruas de Roma.

O método da educação romana era característico da


educação prática, aprendia-se fazendo a coisa que se tinha
de fazer, ou seja, estes rejeitavam, como sinais de
afeminação, o treino ginástico, a dança, a música, a
literatura, enfim todos os meios educativos utilizados pelos
gregos; e promovia-se o desenvolvimento físico nos campos
marciais e no acampamento, e por meio de exercícios
militares completados pela prática real da participação na
vida rural. De qualquer forma a educação dos meninos era
feita ou por um aprendizado dos ofícios de soldado, de
agricultor, de estadista, ou pela participação directa nas
actividades que lhes seriam requeridas como cidadãos.

A educação romana de 753-250 a.C. era tida como


primitiva, pois, o lar era a única escola, onde, bem cedo o
menino tornava-se o companheiro de seu pai nos negócios
públicos e privados, na rua, no Fórum e no acampamento.
Dava-se maior importância à educação moral.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 70

Somente durante os anos 250 a.C17. é que


começaram a surgir escolas elementares, que passaram a
ministrar os rudimentos das artes de ler, escrever e contar.
Estas escolas eram conhecidas como ludi, (Lat. = jogo,
divertimento ou brinquedo). Receberam esse nome porque a
instrução nas artes de ler e calcular representava uma
“diversão” quando comparada com a educação no lar. O
mestre dessas escolas tinha o nome de ludi-magister.

Para alguns teóricos, a educação romana divide-se


em dois períodos, antes e depois da conquista grega pelos
romanos. Durante o primeiro período, os conteúdos da
educação romana era a aprendizagem prática para os
deveres da vida agrícola e pastoril, isto porque os romanos
formavam uma comunidade camponesa. A aprendizagem
tinha, assim, um sentido inteiramente familiar. O lugar da
escola era ocupado pelo lar. A educação dava grande
importância à moral do lar, bem como à legal e social.
Assim, a característica fundamental do método da educação
romana era a imitação.

No segundo período, dado apôs invasão helénica,


caracteriza-se pela sistematização da educação escolar.
Este período coincidiu com a expansão romana para fora da
península romana. Começaram as traduções do grego para
o latim com publicações introduzidas nas escolas romanas,
o acolhimento das escolas de retórica e o envio de jovens à
Grécia para estudos de retórica. A cultura e a literatura
grega seduziram as classes superiores, não se estenderam
às grandes massas populacionais. Para essa classe
privilegiada, fundaram-se bibliotecas e universidades. Mas

17
Sob influência dos gregos, qua nessa altura era colónia romana.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 71

gradualmente estas influências foram se perdendo e a


educação se tornou formal e irreal.

Sumário
A educação grega deu mais oportunidade ao
desenvolvimento individual. E por consequência disso, surge
um novo conceito na educação, que hoje denominamos
liberal. Os ideais gregos são: liberdade política e moral;
desenvolvimento intelectual; racionalidade. Na Grécia
encontrávamos duas grandes cidades: Esparta e Atenas. O
ideal da educação espartana era a formação física e a
ateniense a formação completa da personalidade (física e
intelectual). Para Sócrates é na consciência individual que
se deve procurar os elementos determinantes da finalidade
da vida e da educação; para Platão na educação deve-se
levar em conta tanto o corpo como o espírito; e Aristóteles
desenvolve o seu conceito de educação partindo da ideia de
imitação, onde se imita os heróis, os sábios da cidade. A
educação romana divide-se em dois períodos: o primeiro
que se deu antes da conquista da Grécia, preconizava uma
educação familiar e o segundo após a conquista da Grécia
uma educação elementar.

Exercícios

1. Qual é a principal característica da educação grega?


2. O que deferência a educação ateniense da educação
espartana?
3. Quais são as principais contribuições de Sócrates para a
Auto-avaliação educação?
4. Qual é a principal característica do pensamento de Platão
e Aristóteles?
5. Qual é o papel da família na educação romana?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 73

Lição n˚ 2
PENSAMENTO
EDUCACIONAL MEDIEVAL

Introdução
A educação neste período teve como ponto de partida
a doutrina da Igreja. O elemento intelectual foi substituído
em muitos casos pela instrução e prática de culto.

Nas suas diversas modalidades, a educação era uma


espécie de preparação para um Estado futuro e esse estado
futuro era a “outra vida”. A concepção da educação se
opunha ao conceito liberal e individualista dos gregos, e ao
conceito de educação prática e social dos romanos, e
passou a dar maior importância ao aspecto moral.

Ao terminar esta lição, o estudante deve ser capaz de:

• Identificar o papel do cristianismo na educação


medieval.
• Compreender o papel do professor no ensino segundo
Objectivos Santo Agostinho.
• Analisar os factores que estão na origem das
universidades neste período.

Cristianismo, educação-moral, universidade, Deus.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 74

PENSAMENTO EDUCACIONAL MEDIEVAL

As invasões bárbaras comprometeram a educação no


período medieval. Sua restauração só foi possível após a
queda do Império do Ocidente e o controle político de Carlos
Magno em 800 d.C. Com o domínio do Cristianismo, a
educação tomou novos rumos e a instrução da doutrina da
Igreja e a prática do culto substituíram em muitos casos o
elemento intelectual. Uma disciplina rígida de conduta
substituiu o treino físico e retórico.

O Cristianismo ofereceu soluções para o problema


social e educativo grego, aplicando o princípio de amor ou
caridade cristã, em que se harmonizavam o indivíduo e os
factores sociais. Nos primeiros momentos do Cristianismo, a
educação esteve reduzida ao ensino catequista,
convertendo-se no mais importante centro de cultura
religiosa e sacerdotal da época.

Em seguida, surgiram as escolas episcopais, sendo a


mais famosa a de Santo Agostinho (354 - 430 d.C.), bispo de
Hipona, da qual fazia parte o ensino de teologia e serviço
eclesiástico. Após as invasões bárbaras, surgiram as
escolas paroquiais ou presbitérias, as escolas das igrejas
rurais. O objectivo dessas escolas era ensinar os salmos e
as lições bíblicas aos jovens.

Santo Agostinho

Influenciado pelo Neo-Platonismo e pelo Estoicismo,


a sua pedagogia teve um acentuado valor na formação
humanística e na formação ascética. Segundo ele, os
homens devem aspirar o reino dos valores éticos, aos quais
podem ascender também os ignorantes e humildes que
tenham pureza no coração, amor e boa vontade.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 75

Agostinho escreveu uma importante obra pedagógica


(de magistro) na qual fala do processo de ensino dentro de
uma visão platónica. Diz que o órgão de todo aprendizado é
o logos ou mestre-interior (auto-educação), que actua por
iluminação divina, servindo-se das palavras e sinais como
meios de comunicação. A teoria da iluminação, porém não
se ajusta com a ideia platónica de reminiscência, pois, para
o cristianismo, a alma não preexiste ao corpo.

Para Agostinho a livre curiosidade tem maior poder de


estimular a aprendizagem do que a coerção rigorosa. O
professor não deve falar ao aluno como se este não
soubesse nada, mas sim falar como se estivesse lembrando-
o do que já sabia, pois o aluno pode já estar educado em
outros assuntos e ter familiaridade com passagens das
Escrituras.

As dificuldades dos alunos não devem ser afastadas,


mas sim discutias e sanadas de uma forma modesta ou
numa conversa despretensiosa.

Para o aluno atingir um conhecimento intelectual,


precisa duma luz interior e, para tanto, o professor é apenas
o instrumento ocasional. O aluno é ensinado pelas próprias
coisas, à medida que Deus as revela em seu interior.

O professor precisa tomar distância da situação do


aluno e oferecer estímulo, porém, não simplesmente
transferindo informações de sua mente para a mente de
quem está ensinando, mais que isso, o aluno deve ser
encorajado a usar potencialidades interiores com relação
àquilo que lhe está sendo passado, tem de tomar a si o que
lhe é transmitido.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 76

As primeiras escolas cristãs visavam reformar a moral


do mundo, os que se convertiam à religião cristã passavam
por um período inicial de preparação, durante o qual
recebiam instrução na doutrina cristã. Os recém-convertidos,
antes de serem admitidos como membros efectivos da
Igreja, eram chamados de catecúmenos, e as escolas onde
recebiam instrução, de catecumenatos.

Com o tempo, tais escolas passaram a ser


organizadas pelos bispos com o intuito de preparar o clero
para as igrejas que estavam sob sua direcção. Passaram,
então, a ser denominadas escolas das catedrais, por
estarem localizadas no edifício da catedral.

Nesta época, surge um conceito muito importante:


monaquismo. Monaquismo significa “a organização de
homens que fizeram votos especiais de vida religiosa e
vivem de acordo com regras que determinam a conduta nos
seus menores detalhes”.

O estudo nos mosteiros ocupava um papel


preponderante. São Bento (fundador da ordem dos
Beneditino) e São Basílio determinaram que, cada religioso
deveria ter sete horas por dia de trabalho, que poderia ser
manual ou literário. O mesmo religioso deveria dedicar de
duas a cinco horas de leitura por dia.

A partir deste regime laboral imposto pelos monges, a


educação ficou beneficiada, pois, houve: surgimento das
escolas para preparação dos jovens aceitos para a vida
monástica, cópia e conservação dos livros, o estudo da
literatura, formação de um ambiente favorável ao estudo e à
reflexão.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 77

Os mosteiros eram as únicas instituições de ensino


da época, neles preparavam os únicos sábios e estudiosos;
eram os únicos centros de pesquisa, as únicas casas
editoras para a multiplicação dos livros e as únicas
bibliotecas para a conservação do saber.

No campo educacional, o trabalho dos monges foi


muito importante, pois através da cópia dos manuscritos,
muitas das obras do passado não chegariam até então.

O outro tipo de educação vigente nessa época, é a


educação escolástica, que visava desenvolver o poder de
formular as crenças num sistema lógico, ou seja, visava
apoiar a fé na razão, procurando acabar com todas as
dúvidas e controvérsias através da argumentação. A fórmula
científica valorizada era a lógica dedutiva, por isso, esta é
definida, frequentemente, como a união das crenças cristãs
com a lógica aristotélica.

São Tomás de Aquino

Segundo este filósofo-educador, pertencente ao


período escolástico, só Deus é o verdadeiro agente da
educação, da mesma forma que só Deus é a causa principal
do ensino, pois que, a doutrina que o mestre procura
comunicar, não pode ser compreendida pelo aluno senão
em virtude da luz da razão que Deus infunde na sua mente.

Sobre o ensino, Aquino insiste na participação que o


educando deve ter em sua formação física e espiritual. Este
admite juntamente com Santo Agostinho que Deus é o
verdadeiro mestre que ensina dentro da nossa alma, porém
sublinha a necessidade de uma ajuda exterior.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 78

Deus nos infunde no entendimento os princípios


fundamentais, contudo, as aplicações desses princípios, as
deduções que deles se originam, são obra humana e da
experiência. No educando o saber está contido só
potencialmente, o mestre ajuda-o, leva-o a actualizá-lo, não
no sentido de que se opere sua alma como causa final, isto
é, como modelo que o discípulo tende a realizar.

Neste período, mais ou menos no século XIII, surgem


e desenvolvem as primeiras universidades, pelas seguintes
circunstâncias:

Ø O desenvolvimento interno das escolas monásticas e


escolas das catedrais;
Ø O vigoroso influxo da ciência e da teologia;
Ø O desenvolvimento do comércio e o crescimento das
cidades, que estimularam o interesse pelo ensino;
Ø O movimento das cruzadas, que tirou a sociedade
europeia do seu isolamento.

As novas instituições de ensino designavam-se


primariamente de studuim generale (instituição geral) e não
local, para todos os estudantes preparados, sem distinção
de raça e nacionalidade. O studuim generaleem sua origem
podia ensinar e cultivar um ramo de saber, podia, por
exemplo, ensinar só Direito ou só Filosofia.

Nos finais do século XIV, o nome studium generale foi


substituído pelo de universitas, que era uma instituição
docente e de investigação, dedicada, com liberdade de
mestres e alunos, a todos os ramos do saber.

Supõe-se que a universidade de Nápoles tenha sido a


primeira que consagrou professores e alunos organizados
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 79

por secções nas quatro grandes divisões do conhecimento


daquela época: Teologia, Direito, Medicina e Filosofia.

Eis exemplos de outras universidades mais


importantes: Bolonha e Paris (fundadas pelo papa daquela
época) , Oxford, Viena e Salamanca. Foi a grande influência
das universidades que na Idade Média surgiram as
organizações puramente democráticas.

Sumário
A educação no período medieval teve como ponto de partida
a doutrina da Igreja. Com o cristianismo na educação passa-
se a dar maior importância ao aspecto moral, baseando-se
na ideia de caridade cristã ou amor. Com o cristianismo
surge um novo tipo histórico de educação, com novas
normas para a vida e comportamento humanos. As
universidades surgiram com o nome inicial de studium
generale e posteriormente esse nome foi substituído pelo de
universitas literarum. Para Agostinho a educação se dá
através da iluminação divina, onde o professor aparece
como um simples mediador. Para Tomás de Aquino Deus é
a luz que ilumina o ensino, mas também precisamos de uma
ajuda exterior para esse conhecimento se revelar.

Exercícios

1. Quais são as principais inovações trazidas pelo ideal


educativo do cristianismo
2. Como se caracteriza a visão pedagógica de santo
Agostinho e sua obra De magistro?
3. Qual é a visão de Tomás de Aquino sobre o ensino?
4. Quais são as principais circunstâncias que
determinaram o surgimento e desenvolvimento das
universidades europeias no século XIII?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 80

Lição n˚ 3
PENSAMENTO
EDUCACIONAL NA IDADE
MODERNA

Introdução
Neste período, a educação é subdividida basicamente
em dois períodos: a era do renascimento que vai do século
XV ao século XVI e do século XVI ao século XVIII.

O Renascimento propunha restaurar as formas e


ideias de Antiguidade clássica. As consequências destes
novos interesses foi a exaltação dos estudos dos clássicos e
a busca de uma nova educação, que se opunha ao velho e
pretensioso programa escolástico e passa a promover o
ideal da nova vida.

Ao terminar esta lição, o estudante deve ser capaz de:

• Compreender as implicações pedagógicas do


renascimento e seus representantes;
• Analisar as principais contribuições de Rosseau e
Objectivos Coménius na educação.
• Conhecer as novas ideias acerca da educação
influenciadas por Rosseau durante o Séc. XIX.

Renascimento, Estado, Liberdade, Felicidade.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 81

PENSAMENTO EDUCACIONAL NA IDADE MODERNA

O período de renascimento

O termo Renascimento surge para designar o período


de transição da Idade Média para a Idade Moderna. No
Renascimento, foram revividos todos aqueles intelectuais da
antiguidade (Sócrates, Platão, Aristóteles, etc.)
desaparecidos no período medieval por causa das
sucessivas invasões barbáricas. Eis alguns dos
acontecimentos chaves da época: a decadência da
Escolástica; a descoberta das obras da antiguidade, até
então desconhecidas ou conhecidas apenas em traduções
imperfeitas; a descoberta da imprensa por Gutenberg, em
1445, na Alemanha; a tomada de Constantinopla pelos
Turcos, o enriquecimento da Europa e a protecção
dispensada às artes e às letras pelos príncipes e homens de
fortuna. Mas qual foi a influência destes factos para a
educação?

Resultou na reformulação dos ideais e dos conteúdos


educacionais. Toda acção educativa deveria esforçar-se
para traduzir o estilo de vida individual e social. Educação
baseava-se na literatura antiga, que visava tornar os
educandos perfeitos, o que significava Latinizados.

Os interesses da educação no renascimento estão


centrados, portanto, nos propósitos, nas actividades
específicas da humanidade, e a literatura dos gregos e
romanos era apenas um meio para a compreensão de tais
actividades. Por isso, o aprendizado da língua e da literatura
dos gregos e romanos torna-se o problema pedagógico mais
importante.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 82

Quanto ao conteúdo, era a educação humanista


constituída, principalmente, dos estudos linguísticos
baseados nas antiguidades clássicas, consubstanciados na
Filologia, a nova ciência que foi um produto da época e cujo
estudo deveria conduzir à eloquência. Alguns educadores
humanistas que mais se destacaram foram Vitorino da Feltre
(1372-1446), Michel de Montaigne (1533-1592) e Erasmo de
Rotterdam (1467-1536).

Para além do já conhecido, o surgimento da Reforma


Protestante encabeçadas por Martinho Lutero que
descentralizou o poder da Igreja modificou o ensino, dando
ênfase à missão educativa do Estado e a obrigatoriedade
escolar.

Victorino da Feltre (1378-1446)

Este autor criou uma escola da qual deu o nome de


Casa Giocosa (casa alegre), para diferenciá-la das escolas
medievais, que eram rígidas e austeras.

A Casa Giocosa preocupava-se, acima de tudo, com


a formação integral do homem; procurava educar
harmonicamente os jovens através da educação física,
equitação, salto, corrida, esgrima e guerra simulada. No
plano de ensino, colocava no centro as artes liberais;
ensinava os jovens literatura e história de Roma, em vez de
meras fórmulas linguísticas (Piletti e Piletti, 2006: 65).

Uma das frases célebres de Feltre é: “quero ensinar


os jovens a pensar e não a delirar”. Afirmava também que, o
ensino deveria ser gradual e de acordo com o
desenvolvimento psíquico do aluno, e transcorrer num
ambiente de alegria e satisfação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 83

Essa ideia pedagógica de Feltre foi a primeira


tentativa, na Itália, de criar uma escola à margem das
organizações religiosas, e dessa escola surtiram bons
resultados, pois dela, “saíram humanistas, chefes de Estado,
eclécticos, filósofos, educadores, juristas, poetas”.

Michel de Montaigne (1533-1592)

Para Montaigne, a educação de seu tempo era


livresca, cheia de pedantismo, desligada da vida e propensa
a punir as crianças com castigos.

O ideal educativo de Montaigne é o homem para o


mundo. Por isso, a educação deve formar o homem
completo, de corpo e alma. É preciso educar o juízo do
aluno, ao invés de encher-lhe a cabeça com palavras, para
tanto, o professor, ao invés de dizer tudo ao aluno, deve
mostrar-lhe as coisas, torná-las agradáveis para que
aprenda a discernir e a escolher por si mesmo. Algumas
vezes o professor deverá abrir-lhe o caminho; outras vezes
procurará que a criança se esforce por abri-lo. O professor
não deve ser o único a falar. Deve, também, ouvir seus
alunos.

Montaigne continua, dando conselho aos professores,


alegando que estes não devem limitar-se a indagar aos
alunos somente sobre os dados da lição, deve indagá-lo,
principalmente, sobre o sentido e a substância, julgando o
proveito que tirou, não pelo testemunho da vida; o professor
deve procurar que o seu discípulo aprenda, se possível,
aplique a cem usos, para ver se o aplica bem e se o
compreendeu, pois, é indício certo de que o estômago não
desempenhou bem as funções quando devolve os alimentos
no mesmo estado em que as recebe. Com isso queria
combater a educação reprodutora.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 84

Os discípulos devem reconhecer ideias e


conhecimentos dos demais, não para reproduzi-los como os
recebem, mas para transformá-los e fundi-los em obra
própria.

Programa de Estudos: recomenda o conhecimento da


natureza, da língua materna, da História que é um espelho
onde é preciso olhar para conhecer-nos bem.

Métodos de Ensino: ele reprova os educadores que


consideram seus alunos como sujeitos passivos aos quais
se tenha que transmitir os conhecimentos como ideias já
feitas. E recomenda que se procure estimular a actividade
espontânea dos meninos e jovens (métodos activos),
mediante a observação directa da natureza e do juízo
autónomos da razão. Essa metodologia suscita na criança
ou jovem, curiosidade por todas as coisas que vê ao seu
redor.

Martinho Lutero (1483-1546)

Para Lutero, a educação deveria se libertar das


amarras que a prendiam à Igreja e subordinar-se ao Estado.
Só assim o ensino poderia atingir todo o povo, nobres e
plebeus, ricos e pobres, meninos e meninas. Nesse sentido,
cabe ao Estado, tornar a frequência à escola obrigatória e
cuidar para que todos os seus súbditos cumprissem a
obrigação de enviar seus filhos à escola.

O currículo proposto por Lutero para as escolas


protestantes continuava dando preponderância ao grego e
ao latim. Entretanto, acrescentou a língua hebraica, incluiu a
lógica e as matemáticas e deu grande ênfase à ciência, à
música e à ginástica.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 85

Como reacção ao sistema educacional de Lutero, a


Igreja Católica criou novas ordens religiosas, que dessem
especial atenção ao ensino. A principal delas foi a
companhia de Jesus, que passou a ter grande influência
sobre a educação da juventude. As ordens religiosas
controlavam a educação dos países católicos até o início do
século XIX.

O objectivo principal da ordem era a educação de


líderes, tendo, portanto pouco interesse pela educação
elementar. Os jesuítas dedicaram-se de modo especial a
dois tipos de escolas: os colégios inferiores ou ginásios e os
colégios superiores, que correspondiam às universidades e
aos seminários teológicos.

Os factores que ditaram o sucesso da educação


jesuíta são: perfeita organização, cuidado e preparação dos
professores e os métodos de ensino.

O método de ensino tinha a principal característica a


revisão frequente da matéria: no início de cada semana
fazia-se a revisão da matéria do dia anterior; no fim de cada
semana também havia uma revisão geral; e no fim do ano
todo o trabalho anual era revisado.

Diante de todos os factos acima arrolados, percebe-


se que as grandes transformações que ocorreram na
passagem da Idade Média para a Idade Moderna (grandes
navegações, surgimento dos Estados nacionais, Reforma
protestante, desenvolvimento da burguesia e do capitalismo)
fortaleceram o movimento no sentido de que a autoridade da
Igreja ficasse restrita aos assuntos religiosos, deixando de
controlar a política, a economia, a ciência e a educação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 86

O Pensamento Pedagógico Moderno

João Amós Comênio (1592-1670)

Coménio foi sem dúvida o mais importante pensador


educacional do século XVII. As suas principais ideias
educacionais estão contidas em sua obra: Didáctica Magna.
Onde propõe um método universal de ensinar tudo a todos e
ensinar com certeza de que vai alcançar bons resultados;
ensinar sem nenhum aborrecimento tanto para os alunos e
quanto os próprios professores, mas antes, com sumo
prazer para uns e para outros. E ensinar solidamente e não
superficialmente e apenas com palavras, mas
encaminhando os alunos para uma verdadeira instrução,
para bons costumes e para a piedade sincera. Nesta obra
interessa-nos absorver quatros aspectos: a finalidade da
educação, o conteúdo da educação, o método e a
organização das escolas.

A finalidade da Educação: o fim e de ajudar a


alcançar o último fim do homem, que é a felicidade eterna
com Deus. Por conseguinte, tal fim não seria alcançado
através da destruição dos desejos naturais, instintos e
emoções, como até então vinha sendo feito, mas em
consonância com a natureza. O fim religioso seria
conseguido pelo conhecimento de si mesmo, que inclui o
conhecimento de todas as coisas. O conhecimento, a virtude
e a piedade são os fins da educação. O conhecimento leva à
virtude e esta à piedade.

O conteúdo da educação: é possível ensinar tudo a


todos. Mas, não seria possível nem útil o conhecimento de
todas as coisas e de todas as artes. Entretanto, pretende-se
apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos,
as razões e os objectivos de todas as principais coisas, das
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 87

que existem na natureza como das que se fabricam, pois


somos colocados no mundo não somente como
espectadores, mas também como actores.

O método: recebeu influência de Bacon e procurou


adoptar um método que estivesse de acordo com a
natureza, procurando aplicar ao ensino o método indutivo. A
partir da sua experiência como professor, chegou a nove
princípios metodológicos, que constituem notável mudança
nos processos educativos:

I. Aquilo que é para ser aprendido deve ser ensinado,


isto é, o objecto ou ideia apresentada directamente à
criança e não por meio de sua forma ou símbolo;
II. Tudo que se ensina deve ser ensinado tendo em vista
a sua aplicação prática na vida diária e a sua utilidade
específica;
III. Tudo que se ensina deve ser ensinado abertamente e
não de modo obscuro e complicado;
IV. Tudo que se ensina deve ser ensinado com referência
à sua verdadeira natureza e origem, quer dizer,
através das suas causas;
V. Para se aprender qualquer coisa deve-se primeiro
explicar os seus princípios gerais. Os detalhes serão
considerados depois e só depois;
VI. Todas as partes de um símbolo (ou matéria),mesmo a
menor, sem uma única excepção, devem ser
aprendidas na sua respectiva ordem, posição e
relação com os demais;
VII. Todas as coisas devem ser ensinadas na sua devida
ordem e nunca mais de uma só vez;
VIII. Não devemos deixar nenhum assunto antes de vê-lo
completamente compreendido;
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 88

IX. Devem-se acentuar as diferenças que existem entre


as coisas, a fim de que qualquer conhecimento delas
possa ser claro e distinto.

A organização das escolas: a organização que


Coménios propôs só poderia entrar em prática dos séculos
depois e se organiza da seguinte forma: escola da infância
ou escola maternal; depois segue-se a escola vernácula
(uma espécie de substituição do ginásio para aqueles que
não podem prosseguir os estudos em nível superior); depois
vinha a escola latina, que era o verdadeiro ginásio, que era
seguida pela universidade. Como continuação desta,
Coménius propunha o Colégio da Luz, uma instituição
dedicada ao estudo científico de todo e qualquer assunto.

Jean Jacques Rousseau (1712-1778)

A influência de Rousseau no campo educacional


deveu-se principalmente ao seu livro Emílio. Nele descreve a
educação de uma criança que é retirada da influência dos
pais e das escolas, isolada da sociedade e entregue a um
professor ideal que a educa segundo os padrões da
natureza e em contacto permanente com esta.

A natureza de que ele fala abrange tanto os instintos


naturais, as emoções primitivas, as primeiras impressões
dos indivíduos, quanto tudo o que não é humano, como os
animais, as plantas, os fenómenos e os elementos físicos
(água, terra, etc.), em contacto com os quais deve ser feita a
educação (Piletti e Piletti, 2006: 89).

Rousseau nega as ideias vigentes na ‘época,


segundo as quais a natureza humana seria essencialmente
má, já que o homem nasce com o pecado original, e cabe à
educação, principalmente a religiosidade, destruir a natureza
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 89

original e substitui-la por outra modelada pela sociedade. E


vem propor um princípio, que é o fio vermelho do seu
pensamento: tudo é bom ao sair das mãos do autor da
natureza; mas tudo se degenera nas mãos do homem.

A partir do seu princípio, Rousseau considera que


toda a educação deveria seguir o livre desenvolvimento da
própria natureza da criança, de suas inclinações naturais.

A primeira educação que a criança deve ter, deve ser


puramente negativa, em que consistirá em proteger o
coração contra o vício e o espírito de erro e não em ensinar
os princípios da virtude ou da verdade. A educação negativa
é a que tende a aperfeiçoar os órgãos do corpo, a que
exercita os sentidos, que são o caminho para a razão. A
criança ainda não está em condições de compreender a
verdade, de reconhecer e amar a bondade. Por isso deve
apenas ser preparada para tanto através da educação
negativa, que é a protecção contra o vício e o erro, que é o
aperfeiçoamento dos órgãos e o exercício adequado dos
sentidos.

A educação de um a cinco anos: aqui a criança deve


ser livre na escolha de seus brinquedos, nos seus desejos,
não pode ter a vida fechada e nem deve ser punida antes
que esta conheça os motivos da punição. Sendo livre, a
criança se tornará forte, implicará um corpo obediente e
protegido contra o vício.

A educação de cinco a doze anos: neste período a


educação deve ser negativa e a educação moral deve ser
consequência natural do desenvolvimento da criança. Não
se deve forçar ou modelar o espírito da criança através de
imposição de ideias que ela não entende. Não é necessário
ensinar a criança a ler, não se deve lhe transmitir
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 90

conhecimentos, mas treinar os seus sentidos através do


contacto íntimo com as forcas e fenómenos da natureza.
Dessa forma a criança vai julgar, prever e raciocinar as
coisas que se relacionam com ela.

A educação de doze a quinze anos: nesta fase o


adolescente adquire conhecimentos, através da curiosidade
e a ânsia de conhecer que vem dos desejos naturais. A
aprendizagem de um ofício tem muitas vantagens sociais e
ajuda na educação.

A educação de quinze a vinte anos: este é o período


que se educa o coração para a vida comum e as relações
sociais. É o período em que se desenvolve as noções de
bem e do mal: dos primeiros movimentos do coração,
surgem as primeiras manifestações da consciência e dos
primeiros sentimentos de amor e de ódio decorrem as
primeiras noções de bem e do mal. É ainda neste período da
educação religiosa.

As principais contribuições de Rosseau, que


influenciaram toda a educação posterior foram: a educação
natural; a educação como processo; a simplificação do
processo educativo; e a importância da criança.

A educação Natural: ocorre por meio da acção dos


instintos e das forcas naturais e não por imposições
externas. Esta acompanha e respeita o desenvolvimento
natural da criança, estudando matérias da sua faixa etária e
não dos adultos.

A educação como processo: a educação é um


processo contínuo que dura por toda vida, por isso, não se
deve fazer a criança infeliz hoje em nome de um futuro
incerto.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 91

A simplificação do processo educativo: em contacto


com a natureza, a educação deve ocorrer de maneira
simples e feliz. Primeiro estudar as coisas demonstráveis
(Geografia: rios, mares, chuvas; Botânica: plantas) e só no
último período de desenvolvimento as coisas que exigem
leitura.

A importância das crianças: a educação deve ser


vista a partir da perspectiva da criança, isto é, da sua
natureza, dos seus instintos, das suas capacidades e
tendências, em oposição aos padrões e normas impostos
pela sociedade.

Durante o século XIX, surgiram novas ideias acerca da


educação, influenciadas pelas propostas de Rousseau.

Johann Heirinch Pestalozzi (1746-1827)

As principais obras de Pestalozzi foram: Leonardo e


Gertrudes (1781) e Como Gertrudes ensina seus filhos
(1801).

Pestalozzi bebeu muito a filosofia de educação de


Rousseau e tentou a desenvolver e colocar em prática em
seu próprio filho.

Na sua primeira obra, Pestalozzi descreve a vida


simples do povo rural e as grandes mudanças ali verificadas
pela inteligência de Gertrudes, uma simples mulher que
conquista todos os vizinhos e reforma toda a aldeia através
da educação. Na segunda obra, procura determinar que
conhecimentos e que habilidades práticas eram necessárias
para a criança e como deveriam ser ensinados.

Pestalozzi encarava a educação, a ser promovida


naturalmente segundo o desenvolvimento das crianças,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 92

como o principal meio de reforma social. Para ele, a


educação consistia no desenvolvimento moral, mental e
físico da natureza da criança, permitindo ao povo a
superação de sua ignorância, imundice e miséria.

O currículo adoptado dava ênfase na actividade dos


alunos: apresentava-se no início objectos simples para
chegar aos mais complexos; partia-se do conhecido para o
desconhecido, do concreto para o abstracto, do particular
para o geral.

Os princípios gerais dos métodos propostos por


Pestalozzi são:

Ø A observação ou percepção sensorial (intuição) é a base


da instrução;
Ø A linguagem deve estar sempre ligada à observação
(intuição), isto é, ao objecto ou conteúdo;
Ø A época de aprender não é época de julgamento crítica;
Ø Em qualquer ramo, o ensino deve começar pelos
elementos mais simples e proceder gradualmente de
acordo com o desenvolvimento da criança, isto é, em
ordem psicológica;
Ø Tempo suficiente deve ser consagrado a cada ponto do
ensino, a fim de assegurar o domínio completo dele pelo
aluno;
Ø O ensino deve ter por alvo o desenvolvimento e não a
exposição dogmática;
Ø O mestre deve respeitar a individualidade do aluno;
Ø O fim principal do ensino elementar não é ministrar
conhecimentos e talento ao aluno, mas sim desenvolver
e aumentar os poderes da sua inteligência;
Ø O saber deve corresponder ao poder e a aprendizagem à
conquista de técnicas;
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 93

Ø As relações entre o professor e o aluno, especialmente


em disciplina, devem ser baseadas e reguladas pelo
amor;
Ø A instrução deve estar subordinada ao fim mais elevado
da educação.

Johann Friedrich Herbart (1776-1841)

Herbart veio aprofundar as propostas de Pestalozzi,


mas dando-lhe um cunho muito mais teórico.

Para Herbart, a instrução como mera informação não


é educativa. Só é educativa a instrução que modifica os
grupos de ideias já possuídas pelo espírito, levando-as
formar uma nova unidade ou uma série de unidades
harmoniosas, que determinam a conduta.

A educação só é possível na medida em que se


desperta o interesse os alunos pelas matérias escolares. E
esse interesse só pode ser desesperado pela selecção
adequada dos conteúdos de instrução e pela utilização de
métodos condizentes com o desenvolvimento psicológico do
aluno.

Como teórico da educação defendeu a ideia de que o


objectivo da pedagogia é o desenvolvimento do carácter
moral. O ensino deve fundamentar-se na aplicação dos
conhecimentos da psicologia. Criou o sistema que
denominou “instrução educativa”. Esse sistema propõe um
ensino que, através de situações sucessivas e bem
reguladas pelo mestre, fortalece a inteligência e, pelo cultivo
dela, forma a vontade e o carácter. Herbart sugeriu que cada
lição obedece-se a fases estabelecidas ou passos formais.
Seriam eles: o da clareza da apresentação dos elementos
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 94

sensíveis de cada assunto; o de associação; o de


sistematização; e, por fim, o de aplicação.

Conteúdos: os estudos deveriam ser unificados,


correlacionados, a partir da própria história da humanidade.
Na medida em que o desenvolvimento do individuo
recapitula, até certo ponto, o desenvolvimento da
humanidade. Começando pelos factos mais simples e
evoluindo progressivamente para os mais complexos.

Métodos: o método geral de instrução abrange uma


série de passos, determinadas não pelo material a ser
estudado, mas pelo interesse da criança. As actividades
básicas, a observação, a expectativa, a solicitação e a
acção, correspondendo aos passos da instrução: clareza,
associação, sistema e método, que constituem as regras de
exposição da lição.

Herbart dá grande importância à instrução e à técnica


de ensino, sem as quais não há educação: a instrução
formará o círculo do pensamento, e a educação o carácter.
A última não é nada sem a primeira. Aqui está contido o total
da minha pedagogia.

Friedrich Froebel (1782-1852)

Enquanto Herbart deu mais importância à instrução e


ao professorado, Froebel enfatizou a importância da criança,
destacando suas actividades estimuladas e dirigidas.

A grande contribuição de Froebel à educação reside


em seus estudos e aplicações práticas acerca dos jardins de
infância, dos quais é considerado o iniciador. E também à
propaganda a respeito da importância da educação durante
os primeiros anos da vida infantil (Piletti e Piletti, 2006: 102).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 95

A escola, para Froebel, é o lugar onde a criança deve


aprender as coisas importantes da vida, os elementos
essenciais da verdade, da justiça, da personalidade livre, da
responsabilidade, da iniciativa, das relações causais e outras
semelhantes, não as estudando, mas vivendo-as.

Partindo dos interesses e tendências inatos da


criança para a acção, o jardim de infância deve ajudar os
alunos a expressarem-se e a desenvolverem-se, baseando-
se na auto-actividade. A aquisição de conhecimentos está
em segundo plano, subordinado ao crescimento através da
actividade.

A educação infantil tem como formas de expressão de


sentimentos e ideias o gesto, o canto e a linguagem. As
ideias são dadas, o pensamento estimulado, a imaginação
avivada, as mãos e os olhos treinados, os músculos
coordenados, e a natureza moral fortalecida pelo esforço
para realizar, em forma concreta e objectiva, os motivos
superiores e os sentimentos despertados.

Sumário
O Renascimento visava a recuperação dos ideais da
antiguidade clássica e no campo educacional tinha como
interesse a exalação dos estudos clássicos e a busca de
uma nova educação que não esteja subordinada aos ideais
religiosos. Dentre os vários representantes do renascimento
encontra-se Feltre que defende o ensino como um sistema
gradual que deve acompanhar o desenvolvimento psíquico
do aluno e que este ocorra num ambiente de alegria e
satisfação. Lutero é um fervoroso protestante e advogava
que a educação deveria se libertar da Igreja e passar para
as mãos do Estado. Rousseau propôs uma educação que
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 96

fosse de acordo com a natureza, com as inclinações naturais


do indivíduo e nas diversas fases do seu desenvolvimento.
Pestalozzi entendia a educação como principal meio de
reforma social, desde que respeitasse a natureza e o
desenvolvimento do aluno; Herbart foi mais teórico e deu
enfâse à importância da instrução bem organizada para a
educação do carácter; e Froebel defendeu a importância da
auto-actividade, a partir dos interesses e tendências das
crianças, em Jardim de infância.

Exercícios
1. Indique as consequências educacionais do
renascimento.
2. Qual é o ideal educativo e o método de ensino
Auto-avaliação proposto por Montaigne?
3. Quais são as finalidades e os conteúdos de educação
para Comenius?
4. Descreva as principais contribuições de Rosseau para
a educação.
5. Indique os princípios gerais metodológicos proposto
por Pestalozzi.
6. Qual é a importância da instrução para Herbart?
7. Como deve ser o jardim de infância para Froebel?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 97

Lição n˚ 4
PENSAMENTO
EDUCACIONAL NA ERA
CONTEMPORÂNEA

Introdução

O grande movimento educacional contemporâneo


relaciona-se com o pensamento pedagógico da Escola
Nova. Este é um movimento de renovação educacional.
Dentre vários pensadores educacionais deste período
falaremos de John Dewey, o famoso pedagogo e
pragmatista norte-americano, e de outros pensadores como
Whitehead, Maria Montessori e Paulo Freire.

Ao terminar esta lição, o estudante deve ser capaz de:

• Conhecer o contributo educacional de Whitehead.

• Identificar os aspectos do processo educativo em Dewey.

Objectivos • Analisar a importância do ambiente escolar e dos materiais


didácticos no PEA em Maria Montesori.

Terminologia: Democracia, Liberdade, auto-educação, arte.


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 98

O PENSAMENTO EDUCACIONAL NA ERA


CONTEMPORÂNEA

Importantes transformações marcaram o início da


Idade Contemporânea: a Revolução Industrial; o surgimento
das ciências humanas; o nascimento de uma nova classe
social formado pelos trabalhadores assalariados: o
proletariado; a separação entre o Estado e a Igreja e mais.

O século XX foi marcado também por avanços


tecnológicos, guerras e revoluções. Reflectindo as marchas
e contramarchas de um mundo perplexo ante os avanços na
Medicina e em outras ciências e os avanços da indústria de
guerra, numerosos educadores procuram introduzir ideias e
técnicas que tornem o processo educativo mais eficiente e
mais realizador para o ser humano.

A escola viu-se colocada no centro de um vasto


movimento de ideias e de propostas de reforma, visando a
torná-la mais adequada aos novos tempos e às novas
realidades.

Neste período começam a surgir ideias que colocam o


aluno no centro do ensino e que o mesmo ensino deve
reflectir no contexto do mesmo aluno; surgem também
incentivos para a prática de métodos activos, onde o aluno
deixa de ser um mero ouvinte do professor e passa a ter
uma participação activa na sala de aulas, pesquisando e
procurando respostas aos problemas que atravessa. Logo, o
professor deixa de ser visto como um mero transmissor de
conhecimentos acabados, mas sim como um auxiliar ou um
orientador do aluno.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 99

Com a urbanização acelerada, surge nova


expectativa em relação á educação, pois a complexidade
maior do trabalho exige melhor qualificação da mão-de-obra.

O Estado estabelece a escola elementar, universal,


leiga, gratuita e obrigatória; houve uma reorganização da
escola secundária em clássica e propedêutica para elite, e
técnica para formação do trabalhador.

O Ensino universitário é ampliado e reformulado e


surgem escolas politécnicas. Surgem as ciências humanas
enquanto área de estudo, em especial a Psicologia. Surgem
as escolas normais para preparação ao magistério.

Alfred North Whitehead (1861-1947)

O Texto de Whitehead sobre a educação mais


conhecido é The Aims of Education, colectânea de palestras
proferidas entre 1912 a 1928.

Para Whitehead a educação é o guia do indivíduo em


direcção à compreensão da arte da vida; e por arte da vida
quer dizer a conquista mais completa de variadas
actividades, expressando as potencialidades daquele ser
vivente dentro de seu efectivo meio ambiente. Essa
completude de realização envolve um sentido artístico,
subordinado às possibilidades da personalidade indivisível
mais baixas às mais elevadas. Ciência, arte, religião,
moralidade elevam-se desse sentido de valor dentro da
estrutura do ser. Cada indivíduo abraça uma aventura da
existência e a arte é o guia dessa aventura.

Este autor defende que a educação deve ser útil: a


educação é a aquisição da arte de utilizar os conhecimentos.
É uma arte muito difícil de se transmitir.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 100

Whitehead defendia uma preocupação contras ideias


inertes (que ano tem actividade), isto é, ideias que são
meramente recebidas pela mente sem serem utilizadas, ou
testadas em novas combinações. Para se precaver dessas
ideias, há dois mandamentos educacionais: “não ensine
temas demais; e o que ensinar, ensine minuciosamente”.

Com relação ao ensino em si, dizia que o principal


objectivo do professor universitário deve ser mostrar-se com
seu verdadeiro carácter, isto é, como um homem ignorante
pensando, utilizando activamente sua pequena porção de
conhecimento. Em certo sentido, o conhecimento encolhe à
medida de que a sabedoria cresce: porque os detalhes são
absorvidos pelos princípios.

Whitehead afirma existir um ritmo de educação que


se desdobrava em três partes no desenvolvimento do
aprendiz e em ciclos mais curtos na apresentação das
lições: até a idade de 13 ou 14 anos há um estágio
romântico, que é no começo, apreensão da novidade vivida
com possibilidade meio expostas, meio ocultas; de 14 a 18 é
o estágio de precisão, onde a exactidão da formulação
torna-se importante, quando adquirimos factos numa ordem
sistemática; e de 18 a 22 é o estágio da generalização, que
é a síntese ou fruição de ideias organizadas em classes.

Cada lição deveria formar uma repetição do ciclo,


onde os alunos deveriam ser estimulados a repetir os
estágios de novo e de novo, como se se tratasse da
dialéctica hegeliana (tese, antítese e síntese).

Whitehead era um professor de matemática que


estava preocupado com questões educacionais. Aspirava
tornar a matemática mais significativa, interessante e
desafiadora para os estudantes; estava convencido de que o
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 101

conhecimento acontece pela interacção quando o aluno


aplica ou testa o conhecimento, o aprendizado não acontece
quando o professor entrega ao aluno um fragmento de
informação (uma ideia inerte).

Este afirmava frequentemente ser mais importante


mostrar-se interessante do que estar efectivamente correto.
A educação só nos tornava massantes e desinteressantes,
quando não atingíamos os objectivos dela. Insistia muito na
imaginação como motor da educação e no novo espírito
científico.

Em seu livro A ciência e o mundo moderno mostrou


profundo interesse pelo progresso da ciência, concluindo
que a ciência podia auxiliar o progresso da educação.
Segundo ele, nenhum aluno poderia terminar o segundo
grau ou a universidade sem dominar o método científico e
sem conhecer a história da ciência.

John Dewey (1859-1952) e a educação pela acção

Dewey preocupou-se com o lado prático, pragmático


da educação, principalmente com a adequação desta ao
meio e à evolução social. Para ele, a educação não só deve
adequar-se ao mundo em que se verifica, como também é o
factor de progresso desse mundo, pois, o professor ao
ensinar não só educa indivíduos, mas contribui para formar
uma vida social justa.

Para Dewey, educação era acção. Desse modo, o


aspecto instrucional da educação ficava relegado a um
segundo plano. A escola não deveria preparar para a vida,
pois a escola deveria ser a própria vida.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 102

O processo educativo tem dois aspectos: um


psicológico, que consiste na exteriorização das
potencialidades dos alunos; e o outro social, que consiste
em preparar o indivíduo para as tarefas que desempenhará
na sociedade.

Cabe à escola tentar harmonizar os dois aspectos,


tendo em vista que as potencialidades do aluno só
encontram significado dentro de um ambiente social.

A escola deve preparar a criança para a vida futura, e


prepara-la para a vida futura significa fazê-la dona de si;
significa educá-la de modo que consiga rapidamente o
governo completo e rápido de todas as suas capacidades;
que seu olho, seu ouvido e sua mão possam ser
instrumentos de mando sempre ágeis; que seu juízo seja
capaz de avaliar as condições nos quais deve trabalhar e as
forcas que deve colocar em movimento para poder actuar
económica e eficazmente. Para alcançar essa adaptação, a
educação deve se converter em termos psicológicos, isto é,
deve ter constantemente em conta as faculdades, os gostos
e os interesses próprios dos indivíduos.

Maria Montessori (1870-1952) e a pedagogia científica

Montessori foi uma médica italiana que trabalhava na


recuperação de crianças anormais, utilizando materiais
educativos. Devido a bons resultados alcançados nessa
metodologia decidiu aplica-la nas crianças normais, tendo
aberto a primeira Casa dei bambini, para crianças em idade
pré-escolar que não tinham com quem ficar durante o dia.

Maria Montessori concebe a educação como auto-educação,


como um processo espontâneo através do qual desenvolve-
se na alma da criança o homem que lá estava adormecido.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 103

O fundamental para a auto-educação é proporcionar à


criança um ambiente livre de obstáculos não-naturais e
enriquecido com materiais adequados. A professora tem de
ver-se substituída pelo material didáctico que corrige, por si
mesmo os erros e permite que a criança se eduque a si
mesma.

Na “Casa dei bambini” tudo tem a dimensão da


própria criança: mesas, cadeiras, estantes, banheiros,
armários, etc., são feitas em tamanho pequeno, de forma a
permitir às crianças enorme liberdade de locomoção e de
domínio sobre o ambiente. Os materiais de estudo são ricos
e variados: caixas de vários tamanhos, cubos, prismas,
sólidos de diversas formas para serem encaixados em
aberturas especiais, botões para abotoar e desabotoar,
superfície ásperas e lisas de várias graduações, cartões
coloridos, etc., tais matérias servem, antes de tudo, para
educar os sentidos, que são a base do juízo e do raciocínio.

A professora é chamada directora, pois não ensina,


mas apenas dirige a actividade, interferindo o mínimo
possível. Se uma criança perturba, a directora limita-se a
colocá-la numa mesa a parte; se outra não consegue
realizar a actividade, ou a ajuda ou a convida a escolher
outro material, etc.

Paulo Freire (1921-1990) e pedagogia de libertação

Freire durante o seu percurso em meio aos oprimidos


do mundo, conhecendo seu modo de pensar, seu nível de
consciência e condições de lidar com a realidade aponta-nos
alguns caminhos que podem ser trilhados no sentido de
discutir uma proposta educacional voltada à emancipação
humana.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 104

O pensamento de Freire enquadra-se na corrente


pedagógica de educação Libertadora, marcada pela
preocupação com a efectivação de um processo educativo
que além de promover o acesso aos conhecimentos
humanos acumulados, propicia a libertação da consciência
humana. Este buscou conceber um processo educativo em
condições de promover a libertação da consciência e
emancipação do sujeito humano, diferente daquele que ao
domesticar cria uma falsa realidade, uma falsa crença aos
olhos dos que se tornam objectos.

Ao acompanhar o desenvolvimento educacional da


classe trabalhadora e do próprio sistema educacional como
um todo, além da conduta social, dos trabalhadores,
constantemente moldada e naturalizada pelo sistema
capitalista, através da média principalmente, Paulo Freire
constata a necessidade de uma transformação nas práticas
sociais visando uma nova perspectiva de consciência que
possibilitasse discutir a ordem social na qual se encontra
inserido o sujeito e ao mesmo tempo promover o
rompimento de padrões mentais incutidos pela ideologia
dominante. Pois o que se percebe, muitas vezes, é uma
apatia colectiva diante dos acontecimentos quando tantos
assistem emudecidos e ignorantes o cerceamento de seus
direitos, na medida em que “a conduta do oprimido é, por
excelência, um comportamento prescrito, ou seja, ela
reflecte, na essência, a orientação do opressor.

A característica presente no modelo de educação


bancaria fazem com que se entenda o educando como um
mero depósito de conhecimento e informações, porém,
Freire propõe que a educação deveria estimular a libertação
da consciência para o desenvolvimento da potencialidade
criativa e emancipação do sujeito.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 105

Nesse sentido, Paulo Freire acreditava que a


transformação da realidade se dará a partir da tomada de
consciência da real condição material de exploração à qual
os sujeitos humanos trabalhadores estão submetidos. Ao
dar-se conta que sua exploração é antiética o sujeito poderá
construir a força necessária para promover a mudança.
Porque antes da libertação da consciência a visão do sujeito
oprimido é individualista, por causa de sua identificação com
o opressor: não têm consciência de si mesmos enquanto
pessoas, enquanto membros de uma classe oprimida.

Desse modo, os fundamentos da educação


problematizadora pensada por Freire têm por objectivo
esclarecer o educando de seu papel no mundo e leva-lo a
perceber a presença da opressão para que possa lutar
contra ela.

A práxis é de fundamental importância na


metodologia de Freire, pois no processo de acção-reflexão-
acção o educando conscientiza-se, liberta-se e produz o
conhecimento, partindo da análise crítica da realidade
existencial, podendo, desse modo, tomar decisões, para as
acções transformadoras necessárias na sociedade.

Durante esse processo educativo o educando


desenvolve uma consciência histórica, tornando-se criador
da cultura e responsável pela escolha e construção do
próprio destino.

A categoria pedagógica da “conscientização”, criada


por ele, visando, através da educação, a formação da
autonomia intelectual do cidadão para intervir sobre a
realidade. Por isso, para ele, a educação não é neutra. É
sempre um acto político.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 106

A libertação autêntica, que é a humanização em


processo, não é uma coisa que se deposita nos homens.
Não é uma palavra a mais, oca, mitificante, é práxis, que
implica na acção e na reflexão dos homens sobre o mundo
para transformá-lo.

A educação que se impõe aos que verdadeiramente


se comprometem com a libertação não pode fundar-se
numa compreensão dos homens como seres vazios a quem
o mundo encha de conteúdos; não pode basear-se numa
consciência especializada, mecanicistamente
compartimentada, mas nos homens como corpos
conscientes e na consciência como consciência
intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de
conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas
relações com o mundo.

Neste sentido, a educação libertadora


problematizadora, já não pode ser o acto de depositar ou
narrar, transferir, transmitir conhecimentos e valores aos
educandos, meros pacientes à maneira da educação
bancaria, mas um acto cognoscente, uma educação
problematizadora.

Desta maneira, o educador já não é o que apenas


educa, mas o que, enquanto educa, é educado em diálogo
com o educando que, ao ser educado, também educa.
Assim, ambos se tornam sujeitos do processo em que
crescem juntos e em que os argumentos da autoridade já
não valem. É a partir do diálogo que há comunicação e sem
esta não há verdadeira educação.

Para Freire caberia à educação problematizadora um


importante papel: o de esclarecer e auxiliar na libertação da
consciência humana, para que o sujeito tenha condições de
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 107

assumir sua condição ontológica e social de modo a


contribuir para a transformação da realidade.

Sumário
As várias transformações verificadas na passagem da Idade
Moderna à Contemporânea levaram numerosos educadores
a propor a mudança da escola e a da educação, com base
em duas ideias centrais: o aluno como centro e sujeito da
própria educação; e os métodos activos, em que o próprio
aluno constrói o conhecimento. Whitehead discutiu a
educação sob ponto de vista prático, aquela que vai guiar o
indivíduo à arte, a arte da vida nesse caso; Dewey propôs
uma educação não só adequada ao mundo actual, mas que
fosse factor de progressão e de acção social concreta no
mundo; Maria Montessori, propôs a reconstrução, na escola,
de um mundo adaptado à criança, em que tudo tivesse as
dimensões da criança e no qual ela pudesse de numerosos
materiais didácticos que lhe possibilitassem educar-se a si
mesma; Freire propôs uma educação libertadora ao povo
oprimido, o primeiro passo para a concretização desse
modelo de educação é a abandonar a educação bancária, a
qual transforma os homens em “vasilhames”, em
“recipientes”, a serem “preenchidos” e buscar uma educação
dos homens por meio da conscientização, da desalienação e
da problematização, visando libertá-los da opressão a que
estavam submetidos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 108

Exercícios

1. Quais são os princípios básicos da educação


contemporânea?
2. Qual é o fim da educação para Whitehead?
Auto-avaliação 3. Quais são as funções da educação em Dewey?
4. Qual é a importância do ambiente escolar e dos
materiais didácticos em Maria Montessori?
5. Qual é a finalidade da educação libertadora de Paulo
Freire?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 109

BIBLIOGRAFIA BÁSICA UNIDADE II


AMADO, Casimiro M. Martins. História da Pedagogia e da
Educação. Univ. de Évora, 2007

ARANHA, M. L. de A. e M. H. P. Filosofando: Introdução à


Filosofia. 2ed. São Paulo: Moderna, 1993.

DE OLIVERIRA, Paulo Eduardo (org.). Filosofia e Educação.


Aproximações e Convergências. Curitiba: Círculo de Estudos
Bandeirantes, 2012.

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GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. Brasil

JÚNIOR, Manuel Alexandre. Paradigmas de educação na


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LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da


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antiguidade aos nossos dias. 12ed. Brasil: Cortez, 2006.

PALMER, Joy A..50 Grandes Educadores. Brasil: Editora


Contexto, 2005

PILETTI Nelson e PILETTI Cláudio. História da Educação.


7ed. São Paulo: Editora Ática, 2006.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 110

Unidade III – Parte Temática


ALGUNS GRANDES TEMAS DA
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Introdução
Nesta unidade teremos a oportunidade de discutir
alguns grandes temas sobre umas problemáticas da
pesquisa teórico-pedagógica (FdE).

Dentre os grandes e vários temas realca-se a questão


dos fins da educação, educar no mundo futuro: entre a
globalização e a localização; avaliar a todos e avaliar cada
um; Universidade de qualidade; Processo de Bolonha; os
desafios da Formação dos professores no contexto
Moçambicano; a Filosofia de Educação das Universidades
Católicas “Ex Corde Ecclesiae”, entre outros.

Ao terminar esta unidade será capaz de:

• Compreender os fins da educação.


• Analisar o processo de Bolonha.
• Conhecer os desafios da formação dos professores
Objectivos Moçambicanos.
• Perceber a FdE nas Universidades Católicas.

• Saber como educar no mundo futuro.

Fim, qualidade, desafios, Bolonha, Formação, Metodologia,


Terminologia Competência.

.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 111

Lição n˚ 1
OS FINS DA EDUCAÇÃO

Introdução

A interrogação sobre os fins da educação é


própria da disciplina “Filosofia da Educação” ou, em outras
palavras, da “Teleologia da Educação”. Esta questão é
movida pela pergunta fundamental: educar para quê?

A reflexão sobre os fins da educação deve conjugar-


se com os seguintes termos: fim, sentido, valor, ética, ideal,
conduta moral, transcendência, Deus.

Ao completar esta lição, você será capaz de:

• Analisar os fins/objectivos da educação;


• Conhecer os termos a que se deve conjugar na
reflexão sobre os fins da educação.
Objectivos

Fim, Objectivo, Formação integral, Plenitude do Homem.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 112

OS FINS DA EDUCAÇÃO

Interrogar-se sobre os fins da Educação significa


afirmar a necessidade de objectivos a serem alcançados
com a educação; significa afirmar a necessidade de um
sentido, de uma verdade, numa época, como a nossa, que
decretou o fim da verdade abandonando o homem ao
irracional ou à emoção.18 A nossa época foi definida como à
do “deserto ontológico”, do “eclipse da razão”19 entendida
como deseducação a pensar autonomamente, aos valores, à
afectividade. As ideologias substituem a racionalidade do
indivíduo (idealismo, marxismo...); a ciência não cuida dos
problemas últimos e supremos, não tem nada a dizer a
respeito da “miséria da nossa vida” e do sentido ou não
sentido da existência humana.20 A ciência não se preocupa
com a verdade mas somente com o que é útil, agora e aqui,
colocando em discussão as dimensões transcendentais da
vida. Deste modo operou-se uma horizontalização da
existência e um fechamento dos horizontes da liberdade e
da verdade dentro da angústia da vida empírica.

Consegue uma “crise dos fins” que é sintoma da crise


da ética e da tentativa de anular a metafísica.21 A
racionalidade é reduzida à sua expressão matemática.

18
Nesta lição nos referimos directamente a um pedagogista italiano, Giuseppe
Vico, da corrente personalista. VICO G., Os fins da educação, ed. La Scuola,
Brescia, 1985.

19
VICO G., o.c., p. 13

20
Idem, p. 22

21
Idem, p. 25
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 113

Com a “morte de Deus” (veja os filósofos da suspeita)


tudo se torna possível, e de facto tudo foi possível.

A pedagogia, diante do fim das ideologias (como


também dos colonialismos) não soube propor-se com ideias
fortes acerca da relação verdade-liberdade, mas ficou vítima
da ignorância dos fins, ou na falsa ideia dos fins. Assim
aconteceu que, depois da 2ª guerra mundial, se passou das
ditaduras ao consumismo. Criou-se uma sociedade pobre de
horizontes de sentido, ou com horizontes pequenos,
entregue, muito cedo, ao partitocratismo. E a educação não
soube opor nada ao marxismo, capitalismo, tecnicismo,
partitocratismo: só silêncio. A crise foi ética. Mas se a ciência
não soube propor grandes ideais e valores, há a esperança
que o homem possa retomar a direcção do seu destino
através uma “ética da mudança” que possa superar os
preconceitos do pós-moderno e limitar o domínio e a
violência da técnica.22 A racionalidade deve voltar a ser
crítica, superar o cepticismo para encontrar novas razões.
Do mesmo modo a pedagogia deve saber apresentar novos
projectos educativos movidos por fortes ideais. Isto comporta
a consciencialização do que em pedagogia não é possível
uma solução só lógico-racional, pois sempre haverá uma
incerteza a respeito dos planos e projectos. É necessária
uma entrega ao ser fundante e finalizante.

Volta de novo a questão dos fins (ponto central da filosofia


da Educação). A crise dos fins é ligada à crise de
educadores os quais não são movidos por ideais fortes; não
se interrogam seriamente sobre a questão do “porque viver”
e não têm nada de que vália verdadeiramente a pena de

22
Idem, p. 41
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 114

entregar a sua existência. O homem acostumou-se a viver


“prescindindo de...” (...de Deus, do ser,...), contribuindo
assim ao obnubilamento da verdade e da busca da verdade,
contentando-se de “verdades” e liberdades efémeras.

Trata-se de uma liberdade que deve ser libertada.

É possível uma educação “prescindindo de...”?


Em nome de um laicismo, ecumenismo ou pluralismo,
devemos sacrificar o que diz respeito à verdade mais
profunda do homem?23 A “deseducação global” (com o seu
silêncio sobre a verdade) levou o homem a uma ignorância
macroscópica.24 Como se pode educar os jovens com o
silêncio sobre aquilo que é mais importante para a sua vida?

Já foi dito que há falta de educadores, mas o que


significa ser educador? Giuseppe Vico pergunta, quem é o
educador autêntico? É antes de mais nada uma
testemunha da verdade. Uma “consciência antecipadora”
que encontra no seu completamento as premissas da
plenitude da sua humanidade. Alguém que tem um fim a
perseguir. Alguém que acredita na força revolucionária ínsita
na ideia de “pessoa”.25 O educador deve levar a

23
G.Vico pergunta se A “paideia cristã” deve calar diante de um pseudo-
ecumenismo?

24
VICO G., o.c., p. 69

25
Para Vico, a ideia de pessoa encontra o seu paradigma na encarnação de Deus.
Vico se pergunta: para onde foi a educação cristã? Se encontra ainda hoje a
tentar de educar a geração de jovens condenados pelos adultos a viver
prescindindo de Deus, da tradição, dos fortes ideais, do sentido da vida.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 115

redescobrir o amor para a verdade e a educação à


sabedoria.26 Ser educador é educar à verdade, educar à vida
no espírito (se não se educa à verdade, se educa somente à
mentira); é educar ao amor para o bem, o verdadeiro, a
beleza (Bonum, Verum et Pulchrum). É educar os jovens a
libertar-se da invasão das ideologias promovendo os
instrumentos racionais “meta-ideológicos”.27

A força dos ideais do personalismo dentro da


sociedade actual está na afirmação da primazia da
educação; na defesa das normas universais; na busca
contínua da verdade que justifica e dá sentido à existência
humana; na experiência de Deus que se deixa encontrar.
Tudo isso pode ser resumido na obra da “formação integral”
da pessoa. É este o fim da educação: a formação integral
da pessoa que envolve todas as dimensões do ser
humano. Formação integral comporta também uma visão
unitária da realidade; um raciocínio inclusivo e não exclusivo,
capaz de dialogar com todos os homens (de qualquer
religião) que estão em busca da verdade. Pluralismo não
deve significar vazio de conteúdos em nome de uma
convivência pobre de fins.

Na perspectiva personalista, a pedagogia deve


pensar a si mesma como “teleologia pedagógica” que se
fundamenta sobre uma antropologia teísta sem cair no
fundamentalismo religioso.28

26
Idem, p. 77

27
Idem, p. 91

28
Idem, p. 106
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 116

E a ciência? Ela pode dizer algo sobre o


desenvolvimento do educando, mas nada sobre a sua
essência mais profunda. A reflexão sobre os fins da
educação deve conjugar-se com os seguintes termos: fim,
sentido, valor, ética, ideal, conduta moral, transcendência,
Deus. A educação opera assim um desmascaramento da
mentira e da banalidade para educar à autenticidade. A
educação visa: a plenitude do homem; a socialização; a
reinterpretação da tradição, o alcance do Bem (felicidade); a
aquisição das virtudes.

É preciso recuperar a ideia forte da necessidade de


projectos educativos orientados a um fim, que é a revelação
da verdade de cada pessoa humana: aos fins podemos e
nos devemos educar.

A teleologia pedagógica entra necessariamente em


diálogo com uma fé (religiosa ou laica). A filosofia, a partir
mesmo dos seus alvores, é uma Filosofia da Educação,
porque desde sempre a filosofia está em busca da verdade!

Sumário
A educação deve ter como fim, a formação integral da
pessoa, que envolve todas as dimensões do ser humano.
Formação integral comporta também uma visão unitária da
realidade; um raciocínio inclusivo e não exclusivo, capaz de
dialogar com todos os homens (de qualquer religião) que
estão em busca da verdade. A educação visa: a plenitude do
homem; a socialização; a reinterpretação da tradição, ao
alcance do Bem e da felicidade; a aquisição das virtudes. O
Educador é antes de mais nada um testemunha da verdade.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 117

Exercícios
1. Qual é o fim principal da Educação, na perspectiva
acima indicada?
2. Identifique os termos a que se deve conjugar na
Auto-avaliação reflexão sobre os fins da educação.
3. Que tipo de pedagogia Vico propõe?
4. Quem é educador autentico para Vico?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 119

Lição n˚ 2
EDUCAR NO MUNDO FUTURO.
GLOCALIZAÇÃO: ENTRE GLOBALIZAÇÃO E
LOCALIZAÇÃO

Introdução
Na lição anterior discutimos sobre os fins da
educação. Agora a preocupação é como tender a esse
fim no mundo futuro. E como valorizar o saber local frente
à globalização. A resposta é a glocalização, ou seja um
mundo globalizado na solidariedade, onde se parte da
pessoa para construir a unidade com todos os outros.

Ao terminar esta lição, o estudante deve ser capaz de:

• Conhecer a oposição entre a globalização e a


localização;
• Reflectir o fenómeno globalização na educação;
Objectivos
• Compreender a equação: globalização + localização =
glocalização.

Globalização, localização, glocalização, pessoa.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 120

GLOCALIZAÇÃO

O fenómeno da globalização, típico do nosso


tempo, que já tocou os âmbitos da economia e da cultura,
toca necessariamente o mundo da educação. Se por
anos a reflexão pedagógica era apanágio somente do
ocidente, graças à explosão dos mass-mídia e da
comunicação planetária, o debate enriqueceu-se com a
irrupção de culturas, tradições e práticas educativas
diferentes do ocidente.

Este processo de globalização incentivou,


paradoxalmente, o seu contrário, ou seja o processo de
localização, onde se impõe a reivindicação de identidades
particulares que, no intento de fugir ao nivelamento das
culturas (aldeia global), geram a “tribalização” do mundo.
Mesmo sendo estes dois processos diametralmente
opostos, têm em comum a mesma incapacidade de uma
autêntica relação com o outro, com as consequências no
primeiro caso (globalização) de um universalismo
abstracto com sujeitos desenraizados, e no segundo
(localização) um particularismo que exclui o outro até
chegar ao fenómeno da “limpeza étnica”, ou seja a
eliminação de quem é “diferente”. 29

Afinal qual será o futuro: globalização ou


localização? Nenhum dos dois, mas será a “glocalização”,
ou seja um mundo globalizado na solidariedade, onde se
parte da pessoa para construir a unidade com todos os
outros.

29
Cfr. CHIOSSO G. (ed), Elementi di Pedagogia, editrice La Scuola,
Brescia, 2002, p.226-227
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 121

O documento internacional sobre a educação da


Unesco de 1996 (J.Delors) indica como problemas da
educação para o terceiro milénio a dialéctica entre global
e local, universal e singular, tradição e modernidade,
dimensão material e dimensão espiritual.30 Em modo
especial esta última relação (material/espiritual) leva a
uma revisão dos fins da educação que até hoje
privilegiaram mais o conhecimento técnico e não os
valores da pessoa.

O documento insiste sobre a importância da


dimensão espiritual para as jovens gerações, abrir para
os mistérios do universo, da vida, do nascimento do ser
humano, etc. Daí a necessidade de uma reformulação
dos programas educativos que olhem para o todo e não
somente para as partes. Este é o problema típico da
filosofia da educação, que se interroga sobre os fins da
educação. Mas para indicar os fins da educação é
necessário conhecer qual é a ideia de homem subjacente
(antropologia) e consequentemente qual tipo de
sociedade (ética social). São estes os pressupostos de
toda filosofia da educação: educar a quem e para que?

Qual é a ideia de homem subjacente? As inúmeras


antropologias filosóficas indicam a dificuldade de uma
concepção comum e a complexidade do ser humano.
Para não perder-se na confusão acerca da ideia de
homem, poderá servir como estrada magna a assunção
da figura do homem que emerge da carta do Direitos

30
Dialéctica (tensão) que reconcilia três forças: competição que fornece
os incentivos; colaboração que fortalece; solidariedade que une. Ibidem.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 122

Humanos. Mas esta carta é universal? Nem todos estão


de acordo pois se apresentam dois problemas: do
fundamento dos direitos e da relação entre direitos
individuais e colectivos.

1. Qual é o fundamento dos direitos universais? Para


muitos o fundamento destes valores da liberdade,
igualdade, solidariedade (ou fraternidade) é auto-
referencial (o homem e a razão); para muitos outros é
etero-referencial (Ser Superior).
2. O segundo problema diz respeito aos “direitos dos
povos” que pisam os “direitos do indivíduo” gerando o
totalitarismo. Entre estes direitos deve haver
complementaridade: em caso de conflito deve-se repartir
do homem.

O Estudo dos sistemas educativos dos outros


continentes, permite compreender melhor o próprio
sistema educativo.

No OCIDENTE (norte-atlântico) o objectivo da


educação é a promoção dos direitos do indivíduo (basta
olhar na parte histórica os pedagogos desta área).

Na AMÉRICA LATINA o objectivo da educação é


a formação do cidadão (relação com a sociedade), num
contexto sociopolítico muito complexo. A pedagogia da
libertação tem mesmo come objectivo a
consciencialização do homem para que se torne sujeito
da própria autolibertação.

Na ASIA o objectivo da educação é o alcance do


equilíbrio, da harmonia com os outros homens, com o
cosmo e com o Transcendente. O acto educativo faz viver
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 123

a união com o universo.31 Tagore afirma que pode


educar somente quem sabe amar e sabe descobrir as
próprias raízes culturais.

Os estudiosos do sucesso económico do Japão


encontraram o secreto deste sucesso não na organização
económica e gestional, mas na educação moral e na
dimensão cultural: importância dos valores espirituais no
desenvolvimento das sociedades contemporâneas (que
somente pensam na ciência e tecnologia); formação
espiritual e moral dos jovens; qualidade da vida escolar
(atmosfera da escola; estilo de educação, qualidade da
relação entre os estudantes; docentes e estudantes;
docentes, etc.). Síntese entre filosofia e pragmatismo.

Na ÁFRICA: a ideia de homem subjacente é de um


ser em relação com as coisas, com os homens vivos e
mortos, e com Deus. O aforismo que define o homem
africano é o famoso de Mbiti: I am becaus we are…

Em MOÇAMBIQUE: para o Prof. Doutor José


Paulino Castiano “ainda não se equacionou o estatuto
axiológico da educação em Moçambique, ou seja, que
valores estão por trás dos esforços da educação para
todos”.32 Para ele o desafio para responder à questão
“educar para que?” passa por equacionar três momentos
do estatuto axiológico da educação:

1. Globalidade. O valor do multi(inter)culturalismo


que exige uma ética global. Para Castiano precisa não

31
Cfr. Idem, p. 249
32
CASTIANO J.P., As transformações da educação em Moçambique,
em O pós-colonialismo na África lusófona. O Moçambique
contemporâneo, Harmattan Itália, Torino, 2006, p. 171
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 124

fugir mas entrar com pés firmes na globalidade, como


africanos e como moçambicanos. Conferir dimensão
global à educação moçambicana exige uma vigilância
contra o imperialismo cultural.
2. Africanidade, ou seja a condição de existência do
africano na história moderna. Ser africano não é ter pele
negra mas ser solidários com a condição do negro
africano (há negros que não são solidários). Os valores e
saberes ancestrais deveriam entrar no curriculum.
3. Moçambicanidade: que não significa mistura e
nivelamento das culturas particulares (como fez o
colonialismo e o regime marxista-leninista). Para que haja
unidade deve-se preservar as diferências.

Severino Ngoenha vê o grande problema da


educação em Moçambique na dialéctica entre tradição e
modernidade e propõe uma educação para Moçambique
baseada nas línguas nativas; uma educação para a
responsabilidade, mais comprometida com o
desenvolvimento da Nação (atenção ao Mundo e ao
Moçambique).33 Para Ngoenha as Universidades devem
ser centros de investigação. Mas quais são os
pressupostos educativos destas Universidades?

Na nossa opinião, uma educação autêntica deve


visar a formação integral da pessoa. Acreditamos nos
ideais da corrente do personalismo, mais precisamente
do personalismo africano, que visa a busca da

33
Cfr. NGOENHA S.E., Estatuto e axiologia da educação, Livreria
Universitária UEM, Maputo, 2000
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 125

autenticidade africana diante do desafio do terceiro


milénio.

Os pontos ideais a serem alcançados são:

1. Primazia da pessoa: atenção a cada um, propondo


caminhos formativos personalizados.
2. Inserção dentro do território segundo o princípio de
subsidiariedade com o estado, promovendo a
responsabilidade dos entes públicos e da sociedade civil.
Contribuir para a construção de uma “Sociedade
Educadora” onde todos os agentes educativos trabalham
em união para os mesmos valores.
3. Superação do modelo educativo ocidental que
privilegiou mais a “horizontalização” técnica (causalidade
instrumental, “como”) do que a causalidade eficiente
(“porque”), criando assim uma dicotomia entre fenómenos
naturais e espirituais. É necessário abrir-se a outras
visões originais. Por exemplo em África onde a dimensão
religiosa é tão forte, como excluir o estudo do fenómeno
espiritual nas universidades e nas escolas em geral?
Quem afirma que a ciência é laica afirma algo de
preconceituoso pois a ciência é ciência, e diz respeito a
tudo, também ao fenómeno religioso. Existe um laicismo
medíocre que quer fazer calar o religioso. Parece que na
educação não deve entrar a política nem a religião. Por
nossa parte achamos que aquilo que não deve entrar na
Educação é o partidarismo político e o proselitismo
religioso. A educação não pode preterir da formação
política e espiritual do homem, pois seria preterir a
mesma natureza do homem.
4. Educar ao pluri-multi-inter-culturalismo (direito a
existirem, integração). Educar à acolhida do outro (Cfr.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 126

Lévinas, Dussel). Procurar valores comuns para construir


um único mundo (e não terceiros mundos) para todos,
onde cada um pode desenvolver as suas potencialidades.

Acolher então os desafios positivos da


globalização e localização, superando os limites do
nivelamento e da tribalização, para alcançar uma
“glocalização”.

Sumário
Diante do processo da globalização, que deixando de
lado os seus aspectos positivos, provoca o desenraizamento
cultural, o nivelamento das culturas e gera a tribalização do
mundo, a educação também fica afectada, onde surge uma
necessidade de adequar a educação local à globalização.
Na tentativa de conhecer o futuro, se deve ser a
globalização ou localização, a resposta é que nem um nem
outro, mas sim a glocalização, ou seja um mundo
globalizado na solidariedade, onde se parte da pessoa para
construir a unidade com todos os outros. Devemos acolher
os desafios positivos da globalização e da localização,
superando os seus limites para alcançar uma glocalização.
Somente assim alcançaremos uma educação autêntica,
aquela que visa a formação integral da pessoa.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 127

Exercícios

1. Indique os três momentos do estatuto axiológico


da educação segundo Prof. Castiano e em que
consistem.
Auto-avaliação 2. Quais são os valores e os limites da Globalização
e Localização?
3. Qual deve ser a saída da educação no mundo
futuro?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 128

Lição n˚ 3
AVALIAR A TODOS,
AVALIAR A CADA UM.
UMA PERSPECTIVA PEDAGÓGICA

Introdução

Nesta lição tratamos da questão da avaliação do


ponto de vista teórico (a docimologia é propriamente o
estudo científico da avaliação escolar): não queremos dar
aqui soluções práticas ao problema da avaliação, mas
somente sugerir reflexões que nos permitam depois
deduzir práticas pedagógicas.34

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Compreender os dois empobrecimentos a evitar na


educação.
Objectivos • Analisar os princípios que norteiam a passagem do
estatalismo à autonomia dos estabelecimentos de
ensino.
• Identificar as limitações dos testes de avaliação.

34
Para esta nossa reflexão nos inspiramos ao pedagogo, Giuseppe Bertagna, e à
sua obra “Avaliar todos, avaliar cada um. Uma perspectiva pedagógica” (Ed.La
Scuola, Brescia, 2004).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 129

Avaliar, nivelamento, competência, standard, personalidade.


Terminologia

AVALIAR A TODOS, AVALIAR A CADA UM

Introduzimos este tema com o conto do mito de Procusto.

Procusto35 era um bandido grego que tinha uma casa ao longo


de um caminho onde passavam muitos viajantes. A mitologia
conta que ele convidava os viajantes a dormir na sua casa,
numa cama de ferro de um determinado tamanho. Se os
hospedes eram demasiadamente altos, Procusto amputava-
lhes os pês e a cabeça para ajustá-los à cama. Se os hóspedes
eram pequenos, Procusto os esticava até conseguir o mesmo
tamanho da cama. Naturalmente ninguem sobrevivia pois
nenhuma vítima se ajustava exactamente ao tamanho da
cama.

Como termina a história de Procusto veremos na conclusão


desta lição.

A simbologia da “cama de Procusto” (ou de Damastes) é


geralmente usada como metáfora da imposição de um “padrão
único” em vários campos de conhecimentos, do único modelo
de educação igual para todos e do único modelo de avaliação.
Em nome da igualdade ou da objectividade, ou mesmo para o
nobre objectivo de educar, se quer educar a todos do mesmo

35
Do termo grego Προκρούστης, Prokroustês, que significa "o
estirador"; Procusto era a alcunha deste homem cujo nome
verdadeiro era Damastes ou Polipimon.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 130

modo como se todos devem caber na mesma “cama”. E quem


não couber? E quem não quiser caber? São problemas abertos
que se apresentam ao educador no acto da avaliação.

O ideal seria “cada um na própria cama”, ou uma educação


personalizada. Neste caso não deve ser o estudante que deve
adaptar-se à escola, ma é a escola que deve adaptar-se a cada
estudante, para que cada um possa dar o máximo de si. O
risco é que possa acontecer o contrário, ou seja que cada um
ponte a dar o mínimo de si mesmo assim que o resultado seja
ainda pior em relação ao anterior, com um conseguente
empobrecimento educativo e cultural de todos. É isso que
tenteremos de analisar.

Primeira premissa (óbvia?) é que educar não é


avaliar.

Segunda premissa é a afirmação (óbvia?) que


existe uma diferença enorme entre as pessoas, e isso
pedagogicamente exige uma diferenciação do ensino e
consequentemente dos critérios de avaliação.

Terceira premissa é que devemos partir da pessoa


singular (homem) para depois raciocinar sobre todas as
pessoas (sociedade, humanidade).

É necessário evitar dois empobrecimentos: o


empobrecimento de todos os quais seriam privados da
contribuição de cada um (pois ponto de partida da teoria
é a empiria: não se pode deduzir o homem da
humanidade); e o empobrecimento de cada um, reduzido
à educação de todos (reduzir o intelecto dos estudantes o
torna mesmo mais reduzido: efeito Pigmalião).

Mas é necessário ter standards de avaliação?


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 131

Sim, mas somente se estabelecidos a posteriori, pois se


decididos a priori teremos como consequências:

1. Um nivelamento dos resultados sobre valores médios,


prejudicando assim os fortes (que poderiam dar muito
mais) e o fracos (que poderiam dar algo de diferente
daquilo preestabelecido);

2. A substituição da centralidade da pessoa com as metas


a serem alcançadas (o programa se torneria mais
importante das pessoas a serem educadas);

3. A estandardização das actividades educativas (tudo


igual para todos, sem nenhuma criatividade).

Os dois valores antinómicos a serem


equacionados são a educação pessoal de cada um e a
educação média de todos e igual para todos, pois se é
verdade que não há educação sem personalização, assim
não há educação sem universalização e socialização.

Esta antinomia poderá ser governada com a


distinção pedagógica entre as categorias da
capacidade/competência (que diz respeito à pessoa, o
“cada um”) e dos conhecimentos/habilidades (que
envolve o “todos”).

Um modelo de sistema educativo nacional deve


proporcionar a passagem do estatalismo à autonomia dos
estabelecimentos de ensino, baseando-se sobre 4
princípios.

1. Princípio da subsidiariedade: se baseia sobre a


centralidade da pessoa: valorização da identidade de
cada um; planos dos estudos personalizados. Este
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 132

princípio de subsidiariedade pressupõe a confiança no


estudante.

É necessária a passagem do mono-centrismo estatal ao


poli-centrismo institucional, pois a pessoa cresce junto a
várias entidades educativas (sociais) como; a família, as
instituições escolásticas, os entes locais, associações, as
igrejas... Daqui podemos afirmar que a educação não é
só do Estado mas da República, que inclui todas estas
entidades educativas.

2. Princípio de equidade: é necessário evitar a


fragmentação do sistema de ensino nacional, pois iria
criar escolas de primeiras e segundas categorias. Cabe
ao governo ditar as normas gerais da educação e os
níveis essenciais das prestações; instituir um sistema
nacional de avaliação e fiscalizar: garantir o direito à
instrução a todos os cidadãos.

3. Princípio de solidariedade: solidariedade entre as


pessoas e entre as instituições, onde quem tem mais dá
aos que têm menos, e todos cooperam para o bem
comum.

4. Princípio de responsabilidade: a ajuda maior que se


pode dar a um ente administrativo ou grupo social é
entregar a eles a solução dos seu próprios problemas,
deixar que eles assumam as suas responsabilidades. A
coisa pior seria considerá-los incapazes de resolver os
seus problemas. Apesar de algumas caídas, eles
aprenderão, finalmente, a caminhar.

O Estado deve indicar os standards obrigatórios de


prestação de serviço profissional que as escolas e
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 133

docentes devem garantir, e não standards mínimos (ou


médios) de aprendizagem que os estudantes devem
alcançar em todas as escolas das nações. Estes últimos
objectivos devem ser decididos pelas escolas autónomas
e pelos docentes, a fim de desenvolver ao máximo as
capacidades de cada estudante. Escolas e docentes
deverão prestar conta das decisões tomadas.

O sistema de avaliação nacional não tem a tarefa


de avaliar os estudantes individuais, mas recolher dados
objectivos para estatísticas nacionais, a fim de orientar as
políticas educativas e as escolas.

Aos docentes cabe avaliar a existências de


competências extra-escolares ou informais, definir os
standards que depois serão controlados e garantidos
pelas instituições escolásticas.

Nesta altura podem apresentar-se algumas


preocupações: e se os objectivos indicados pelos
docentes fossem de baixo nível? Não há demasiada
confiança nos docentes e nas escolas? Estes não
deveriam simplesmente inventar modos criativos para
alcançar standards fixados pelo estado? O estado
forneceria os “fins” e os docentes/escolas os “meios”?
Mas se estes últimos são considerados incapazes de
indicarem os fins, como serão capazes de fornecerem os
meios?

O sucesso de uma instituição está na confiança


recíproca: não é considerando os outros incapazes que
eles se tornam capazes, mas ao contrário (Pigmalião).
Escolas e docentes não têm condições para fazer este
trabalho? Então há necessidade de suportes, de maior
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 134

formação dos docentes. Os docentes e escolas devem


poder avaliar não com critérios elaborados por outros mas
com critérios elaborados e pensados também por eles
mesmos.

Mas aquilo que é personalizado não pode (ou é


difícil) ser avaliado?

Como avaliar as competências? Elas não são algo


de místico e inefável mas algo de observável. As
competências poderão serem certificadas com um
instrumento narrativo como o “Portfólio das competências
pessoais”. Cada estudante deve ter o seu Portfólio onde
são avaliadas as aprendizagens (standard de
conhecimentos alcançados); a avaliação dos
comportamentos através da observação, os colóquios,
narrações...); a avaliação das competências
(reconhecimento público por parte de peritos ou
testemunhas das competências adquiridas).

Este Portfólio não é um contentor desorganizado,


mas pode ter uma versão maior (com toda a
documentação sobre as competências e a história do
aluno) a ser entregue cada ano à família; e uma menor,
como síntese a ser guardada no arquivo da escola.

Devemos lembrar a combinação das duas lógicas.


Da autonomia das instituições e da unidade do quadro
nacional que impeça a fragmentação e permite uma
mobilização dos estudantes. Trata-se de duas lógicas
incompatíveis? È melhor privilegiar só uma das duas?
Problemática aberta.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 135

A avaliação das aprendizagens externa é


quantificável, aquela interna não, é só qualificável. Os
conhecimentos/habilidades podem ser avaliados
objectivamente ao passo que as competências pessoais
são mais difíceis a serem avaliadas: é problemático
mesmo só falar de standard e níveis de aprendizagem.

Podemos avançar umas críticas sobre os testes de


avaliação: estes se limitam à compreensão de textos
escritos; o tipo de compreensão é só lógica e abstracta:
avaliam somente as habilidades quantificáveis. Quem é
hábil em compreender estes textos, não necessariamente
é uma pessoa competente, pois as competências exigem
respostas abertas e não fechadas (competente é quem
sabe encontrar outras respostas aos problemas ou
situações que aparecem). Este modelo metrológico é
incapaz de considerar as competências; serão um
espelho deformado pois monstra só as habilidades e não
as competências. Este modelo leva as escolas a visar
somente o alcance do standard das habilidades e não os
fins da educação; assim como pensar que importantes
são somente algumas disciplinas cognitivas-lógicas
(quanto-frénicas) e não as expressivas, artes,
comportamentos morais, etc.

Mas quem certifica? Os docentes, mas também as


famílias e outros actores sociais e profissionalizantes.

Falar de competências é falar de problemas a


serem resolvidos continuamente: partir de problemas e
usar as disciplinas para resolvê-los e não o contrário e
inventar depois problemas como meros exercícios
aplicativos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 136

A certificação das competências deve ser algo de


transferível e confrontável, por isso é necessário que haja
uma matriz única de referência para as certificações das
competências.

O problema é que quem indica os standards, quem


certifica, quem fiscaliza e quem garantem estes
conhecimentos e competências adquiridas é sempre o
mesmo estado: a introdução das autonomias das escolas
quebra este monopólio do estado.

Em fim: qual foi a conclusão da história de Procusto?

A mitologia nos conta que Procusto continuou por muito tempo


nesta sua prática assassina até que um dia foi capturado pelo
heroi ateniense Teseu. O heroi forçou Procusto a deitar na mesma
cama de ferro que usava para as suas vítimas. Procusto porém
era demasiadamente alto e não cabia na cama. Foi assim que
Teseu lhe cortou os pês e a cabeça, até que finalmente também
Procusto, como todas as suas vítimas, coube perfeitamente na
cama.

Sumário
A avaliação é concebida duma maneira errada que
acaba provocando um nivelamento nas capacidades dos
estudantes: aqueles que podem dar mais são limitados e os
outros que podem dar menos são excluídos. Isso é
provocado quando se coloca um padrão apriori, ou seja,
quando se concebe um modelo de avaliação sem conhecer
quem estamos a avaliar. Cabe aos docentes estabelecer o
tipo de avaliação ao qual submeter os seus estudantes,
depois de te-los conhecidos. Nesse caso ele poderá avaliar
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 137

a todos e a cada um, de acordo com as competências e


capacidades de cada estudante. Cada estabelecimento de
ensino deve gozar de uma autonomia para preparar os seus
conteúdos, metodologias e avaliações, tendo como suporte
a subsidiariedade, a equidade, a solidariedade e a
responsabilidade, onde os objectivos a serem alcançados,
devem ser idealizados pela escola e pelos docentes.

Exercícios
1. “Avaliar a todos, avaliar a cada um”. Que
aprendizado tira da afirmação?
2. Porquê é necessário ter um standard aposterioiri e
Auto-avaliação não apriori da avaliação?
3. Quais são e em que consistem os princípios que
proporcionam a passagem do estatalismo à
autonomia dos estabelecimentos de ensino?
4. Qual é a crítica que se faz aos testes de avaliação?
5. Como se pode avaliar e certificar as competências
dos estudantes?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 138

Lição n˚ 4
METODOLOGIA E COMPETÊNCIA
PEDAGÓGICA

Introdução
Na continuação da nossa pesquisa teórico-
pedagógica perguntamo-nos: o que significa para nós
educar? Estamos a educar para que? Qual é o tipo de
doutor que queremos preparar? Quais as competências que
o nosso doutor deve adquirir? Etc.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Analisar os diversos modos de pensar a finalidade da


educação.
• Compreender as Metodologias Pedagógicas.
Objectivos • Identificar a pertinência da competência pedagógica
para os professores.

Terminologia • Metodologia pedagógica, Competência pedagógica,


vocação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 139

METODOLOGIA E COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA

Como vimos nas lições anteriores, educar é


proporcionar uma formação integral ao educando. Visar a
formação integral significa visar uma “forma” particular, ou
melhor “dar-se uma forma”, a própria “forma”. Os fins
educativos então não são metas a serem alcançadas, mas
oferecimento dos elementos necessários para que a pessoa
possa dar-se a sua “forma”. Não basta conhecer os fins,
precisa que estes fins tomem uma “forma”. Para que isso
aconteça precisa uma relação interpessoal
(formador/formando) qualificada. Até podemos dizer que o
alcance dos fins depende em boa parte de educadores
capazes de relações interactivas.

Já dissemos na outra ocasião que os fins dependem


de uma antropologia subjacente e da relação do homem
com a sociedade, cultura, política e religião. Por isso existem
diferentes modos de pensar a finalidade da educação. Entre
eles:

- O Socialismo educativo vê o homem em forte relação


funcional com a vida social, política e económica, assim que
a educação identifica-se com os processos de socialização.
O homem educado é aquele que opera para o bem da
sociedade, da pátria, do trabalho, do desenvolvimento. Este
socialismo gerou porém também os totalitarismos
ideológicos, os nacionalismos (isso acontece quando se
quer realizar o Absoluto aqui na terra, e si acaba por
absolutizar o chefe, o partido, o mito), e os
fundamentalismos (religiosos) que não dão espaços às
iniciativas individuais.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 140

- O Naturalismo vê o homem como fruto do caso (acaso) e


como uma partícula da evolução do universo, por isso pode
ser estudado em todas as suas partes (trata-se de uma
antropologia de tipo empirista). O que diferencia o homem
dos outros seres é a complexidade das suas operações
mentais. Homem educado é aquele que aprende a integrar-
se no ambiente físico e na cultura em que se encontra a
viver.

- O “Individualismo” (“fragmentismo” pós-moderno) vê o


homem não mais “socializado” ou “naturalizado”, mas o
homem que “cuida de si” antes de todo o resto, através das
“tecnologias do si”: meditação, memorização, exame de
consciência, actividade física, regimes, amizades... O
homem educado é aquele que tem uma boa relação consigo
mesmo (estetismo, narcisismo, mundanismo...).

QUAL “FORMA” DAR-SE?

Entre estas correntes, qual rumo escolher? O fim


social é muito redutivo (esquece todo o mundo interior do
indivíduo). Também o fim natural, que exalta a capacidade
lógico-racional do homem, é muito redutivo: de facto, o que
sabe/pode dizer a racionalidade empírica sozinha acerca
das paixões, pulsões, instintos fortes como o amor, o ódio,
etc.? E por fim o “Individualismo”, mesmo valorizando mais
a subjectividade em relação aos dois precedentes, sofre de
fortes limites tais como: elitismo narcisista; individualismo;
desenraizamento da história e da sociedade; relativismo.

àComo superar estes limites? Referendo-nos a algo que


não seja somente submisso aos particularismos, mas
orientado ao sentido, aos valores (universais) do homem.
Uma projecção pedagógica deve considerar seja o concreto
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 141

particular que o valor universal. Além dos paradigmas vistos


acima (insuficientes) urge a necessidade da elaboração de
novos paradigmas mais abrangentes e capazes de sínteses.

à Então, se o fim da educação é a “formação integral”,


como se configura esta “forma”? 1. Antes de mais nada
reconhecendo e afirmando a unicidade de cada homem:
cada homem tem o seu rosto único (Lévinas) que deve ser
reconhecido e que o abre ao Absoluto e Transcendente. 2.
Um rosto como abertura ao outro respeitando-o na sua
alteridade. A “forma” então se configura no agir responsável
(consigo mesmo e com o outro). Neste caso quem é o
homem educado? É o homem virtuoso, responsável, que
reconhece aos outros a sua dignidade, conforme à grande
tradição da filosofia ética (Agostinho; S.Tomás; Rosmini,
Apel, Jonas, Lévinas, Ricoeur). Para não cair no moralismo:
fim da educação não é o exercício das virtudes, mas a
capacidade de viver segundo virtude. Este projecto dever se
apresentado não como constrição mas como ocasião,
possibilidade.

à Será que indicar um modelo é uma acção anti-pedagógica


pelo facto que limitaria a liberdade individual? È esta uma
preocupação não motivada, pois indicar um modelo não
significa dar uma ideia fechada a ser colocada em prática
mas indicar um ideal, que possa orientar a trans-“formação”
da identidade do sujeito humano. Este ideal é algo sempre
aberto, porque tomar “forma” é um processo contínuo:
educar é um processo não feito uma vez para sempre, mas
algo sempre a fazer.

à Como o homem pode conseguir a sua “forma”?


Realizando as tarefas da verdade, justiça, liberdade. O
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 142

homem neste processo de “tomar a sua forma” torna-se um


homem verdadeiro (com amor para a verdade), justo
(empenhado pela justiça) e livre (autónomo e responsável):
ou seja um homem integral.

à Qual itinerário a seguir para alcançar esta forma? Precisa


interrogar o sujeito para que seja “capaz” de querer esta
“forma” e de escolhê-la (educação do carácter). Para fazer
isso é necessário um modelo: o exemplo de quem já fez esta
opção, de quem foi capaz de decidir-se para o bem
verdadeiro-justo-livre e testemunha esta opção como sua
própria “forma”.

PEDAGOGIA COMO PRÁTICA DO “DAR-SE FORMA”.

A pedagogia se assenta sobre uma dúplice verdade:

1. Direito à educação para as jovens gerações


2. Dever de educar por parte das gerações adultas

Não se trata de duas verdades pacíficas e realizadas: basta


ver quantas crianças e jovens não têm a “cura” educativa da
qual têm direito.

Há quem pode achar que cuidar de alguém é


condicionar a sua liberdade. Mas existe uma liberdade
absoluta? As tradições e culturas são um limite ou uma
possibilidade?

O que importa é que as intervenções educativas


sejam propositivas e argumentadas, nunca constritivas. Um
modelo pode ser acolhido ou refutado: o “nada” educativo só
fica um “nada” e com “nada” não se persegue nenhuma
“forma” (se não mesmo a forma do “nada”).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 143

Com a proposta deste modelo o educando pode


construir o seu projecto (que é sempre um evento pessoal,
uma conquista pessoal): isso não é algo de automático mas
depende da “cura educativa” dos educadores, do encontro
com outras pessoas e com experiências adultas
significativas. A construção de um projecto então não é algo
de planificado e programado mas fruto de uma
relação/evento interpessoal sempre aberta, onde o educador
ajuda o educando a dar-se a sua própria “forma”.36

METODOLOGIA PEDAGÓGICA.

È necessário um projecto educativo para não expor-


se sempre a numerosas tentativas, ou a soluções imediatas.
Projectar é escolher (é bom rever de vez em quando as
próprias opções, para não cair nos “habitualismos” e
dogmatismos).

à Como conciliar programação e liberdade?

Já existem vários modelos de


programação/projecção. Entre eles: 1. o modelo Clássico:
linear ou directivo; 2. Modelo Participativo.

Mas na nossa época da razão débil (onde não temos


mais nenhuma certeza absoluta) podemos somente traçar
uma programação débil (ou “pós-programação”). Cada
programação deve considerar que haverá sempre uma

36
(Cfr. Chiosso G. (ed.), Elementi di pedagogia, La Scuola, Brescia, 2002, pp.
83-120).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 144

margem de incerteza e de risco. Mas é sempre coisa melhor


programar ao em vez de deixar tudo à improvisação.

Na educação não bastam as boas intenções: precisa


explicitar o projecto. Para fazer isso podemos assentar-nos
sobre as rochas da Pesquisa-Acção, onde o momento
teórico interage com o momento prático: fazer pesquisa no
entanto que se opera na realidade.

àMas partir de onde? Existem vários métodos.

O método clássico das três mediações (sócio-


analítica, hermenêutica e prática, ou mais simplesmente:
ver-julgar-agir): é sempre o mais válido. Outros usam este
método com “variantes”, por exemplo: Ideia Geral,
Recognição, Plano Geral, Realização, Avaliação (mas todos
estes elementos podem-se resumir sempre com a
metodologia a “clássica” do “Look, Think and Act”).

Outro método é o do Cooperative Learning


(aprendizagem cooperativa), ou seja uma modalidade de
aprendizagem que se realiza através da cooperação com
outros colegas da turma (utilizando pequenos grupos de 3/4
pessoas). Entre os alunos deve haver: interdependência
positiva (cada um deve ter a sua tarefa que depois será
colocada em comum para um único resultado final);
Responsabilidade individual e de grupo (para quem ninguém
explore o trabalho do outro); Interacção construtiva (cada um
pode/deve encontrar no colega quem o ajuda a superar as
dificuldades); Habilidades sociais (não basta formar um
grupo, mas adquirir capacidades comunicativas e afectivas:
onde há uma relação interpessoal mais significativa, há mais
aprendizagem, pois as teorias não influenciam tanto como a
qualidade das relações); Avaliação de grupo (o grupo deve
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 145

saber avaliar o seu trabalho, para melhorar o seu


desempenho futuro).

Outro método é o Autobiográfico: projectar a


existência interpretando a experiência. Trata-se de conciliar
a unicidade de cada um (com as suas exigência e
necessidades), com a pesquisa de um percurso educativo
comum (nb. também a pesquisa pode ser uma relação entre
as pessoas): come afirma Montaigne “chaque homme porte
la forme entière de l’humaine condition”.37 Cada um deve
produzir a sua autobiografia (por escrito, oralmente ou com a
arte) e não mais refazer-se aos modelos alheios.38

COMPETÊNCIA PEDAGÓGICA (Profissionalidade


educativa).

O evento educativo está estritamente ligado à


dimensão da projecção. Sendo este um processo complexo,
se exigem pessoas competentes, capazes de assumir a cura
e as relações qualificadas (chega de improvisações e
voluntarismo).

Por competência se entende geralmente a


capacidade de orientar-se num determinado campo, dominá-
lo e geri-lo. Competência é domínio adquirido na própria
área que possibilita a avaliação e julgamento dentro do

37
“chaque homme porte la forme entière de l’humaine condition”.

38
(Cfr. Chiosso G. (ed.), Elementi di pedagogia, La Scuola, Brescia, 2002, pp.
121-180).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 146

próprio campo. Esta capacidade é validada pelo


reconhecimento de uma autoridade competente.

No campo do trabalho o termo competência substituiu


o de “qualificação”: capacidade de adaptar-se a novas
situações (flexibilidade, requalificação).

A ideia de competência é muito complexa, por isso


existem várias interpretações (síntese entre saber, saber
fazer e saber ser; entre know-that e know-how, know-why e
know-where). Mas concordamos que preparar ao exercício
da competência profissional não é somente fornecer knows,
mas alimentar a vontade, o empenho a construir uma
profissionalidade sempre mais competente, crítica e
“propositiva” dentro no contexto em que se opera.

A este fim lançamos a proposta aos nossos docentes


(na verdade, mais do que uma proposta) para cada um
tornar-se competente numa determinada área, através da
autoformação especialista numa determinada matéria para
adquirir a profissionalidade e tornar-se ponto de referência
neste sector.

O profissional é aquele que sabe renovar-se nos


vários momentos da sua vida profissional, e não docente
estático que só repete sempre aquilo que produziu no
começo. Renovar-se continuamente para saber enfrentar
sempre as novidades e os imprevistos.39

39
Há docentes que se vantam ter 10, 20, 30 anos de experiência na docência. Na
realidade muitos deles têm somente 1 ano de experiência repetido 10, 20, 30
vezes!
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 147

Para definir o campo da própria competência o


elemento fundamental é a vocação: qualidade do ser,
motivações a agir, ideais pessoais. A profissionalidade
emerge da conjugação entre os saberes (knows), aptidões
(disposição) e vocações (opção: para desenvolver as
aptidões, aumentar o saber). A identidade profissional se
identifica assim com a realização pessoal.

Enfim, a qualidade profissional reenvia à qualidade da


pessoa: subjectividade e competência se encontram no
terreno da deontologia profissional.40

Os pontos essenciais do código deontológico:41

1. Formação contínua
2. Deveres com o educando
3. Responsabilidade com os colegas
4. Melhorar a qualidade da instituição
5. Relação com a família do educando
6. Relação com o território
7. Empenho político (em defesa dos mais fracos)

Sumário
O fim da educação deve olhar ao tipo de homem que
pretende educar, deve olhar para a sociedade, a política e a
religião. Todavia, a educação deve ter como fim a formação
integral do homem, esta formação integral deve abrir espaço
para que o homem reconheça o outro como homem. A
formação integral vai dotar o homem de liberdade,
responsabilidade, autonomia e justica. Nas metodologias

40
Cfr. Chiosso G. (ed.), Elementi di pedagogia, o.c., pp. 181-215.

41
Idem, p.216-218).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 148

existem o método clássico; a aprendizagem cooperativa


entre colegas da turma; e autobiográfico. Os professores
devem se tornar competentes numa determinada área, para
se tornar especialista e ponto de referência da mesma;
devem actualizar sempre os seus os conteúdos a leccionar e
não parar no tempo, mas sim acompanhar a evolução.

Exercícios

1. Indique os diversos modos de pensar as


finalidades da educação.
2. Indique as metodologias pedagógicas discutidas.
Auto-avaliação 3. Qual é o elemento fundamental para definir a
competência pedagógica.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 149

Lição n˚ 5
UNIVERSIDADE DE
QUALIDADE (UQ)

Introdução
Com este termo « Universidade de Qualidade »
entende-se o alcance de um standard de qualidade
internacional avaliado com critérios objectivos e comuns.

Procurar qualidade numa universidade é analisar os


vários componentes desta, deste os recursos humanos, até
ao currículo, ou seja, olhar para os docentes, estudantes e o
plano de estudo, que deve ser de standard universal.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Saber o que se entende por Universidade de


Qualidade.
• Conhecer as pontes que ditam a qualidade de uma
Objectivos universidade.
• Compararas características de uma universidade de
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 150

qualidade com as universidades do país.

Terminologia Universidade, qualidade, autonomia, internacionalização,


docentes e estudantes.

UNIVERSIDADE DE QUALIDADE

1. QUALIDADE DOS DOCENTES

O ponto de partida está na convicção de que uma


Universidade de Qualidade depende principalmente da
qualidade dos seus docentes.

Geralmente os docentes de uma Universidade se


dividem em três tarefas principais, nomeadamente:
1. Administração ; 2. Didáctica ; 3.Pesquisa.

Alguns docentes desenvolvem uma, ou duas, ou três


destas tarefas, mas pode acontecer também que alguns não
desenvolvem nenhuma das três (caso dos Administradores
que não administram ; “ensinadores” que não ensinam ;
pesquisadores que não pesquisam).

Supérfluo dizer que o ideal é que cada docente possa


exercer somente uma destas actividades, ou, na pior das
hipóteses, duas, conforme às suas capacidades e
preferências.

A maioria dos docentes está empenhada na didáctica.


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 151

Mas se o principal objectivo de uma universidade é de


produzir conhecimento, e não principalmente « transmitir »
conhecimentos, significa que a tarefa principal da
Universidade é fazer pesquisas científicas. A excelência de
uma universidade depende essencialmente da sua pesquisa
científica. Consequentemente, onde haverá uma boa
pesquisa, haverá também uma boa didáctica.

Uma figura principal da Universidade deve ser o


« professor de pesquisa », com tarefas didácticas muito
limitadas ou de tipo especialista.

A pesquisa deve ser um direito e um dever dos


docentes. O governo deve permitir e retribuir aos docentes
além das horas para a didáctica, horas para desenvolver
actividades de pesquisa (a serem avaliadas). Estes
pesquisadores deverão receber mais estímulos do que os
“ensinadores”, pois se estes últimos ganham mais do que os
pesquisadores, seria um desincentivo à pesquisa.

O tempo do planeamento das aulas deveria ser em


qualquer modo conferido e avaliado.

Enfim, uma Universidade deve saber/poder premiar


os docentes que têm mais mérito.

à Como aumentar a qualidade dos futuros professores?


Com uma maior atenção na selecção e admissão dos
candidatos na universidade (eles serão os professores do
futuro):

1. Precisa avaliar se os que querem ingressar nos


estudos superiores possuem os instrumentos
intelectuais e os conhecimentos suficientes.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 152

2. Quem não tiver estes instrumentos deverá ser


orientado a cursos de recuperação das dívidas
formativas ou de integração dos conhecimentos
(inclusive os que acedem sem ter concorrido!).
3. Se as vagas forem superiores aos candidatos (e
ninguém ficar de fora, mesmo com pré-requisitos
insuficientes), todos deverão “pagar” as suas dívidas
formativas com percursos integrativos.
4. Neste sentido são importantes os cursos
propedêuticos para o acesso à universidade. Os
mesmos docentes universitários podem colaborar
com os docentes da Escola Secundária para
trabalharem juntos a fim de fornecer aos estudantes
os requisitos necessários para aceder à universidade.
As mesmas dívidas formativas podem ser “pagas”
com cursos oferecidos por docentes da Universidade
e da Escola Secundária.
5. Quer quiser escolher a carreira de docente, deve ter
vocação para ensinar, paixão.

Além disso:

A. Os docentes devem predispor planos de estudos


personalizados: não ensinar sempre as mesmas
coisas, da mesma maneira, às mesmas pessoas, com
as mesmas relações, etc., mas personalizar a
aprendizagem de cada um.
B. Os docentes devem valorizar os técnicos das várias
áreas que possam cooperar para a formação dos
estudantes.
C. Precisa individuar entre os docentes a figura do
coordenador tutor, que é garante do
acompanhamento personalizado de estudantes e
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 153

grupos de estudantes e seus pais: “Se torna o


ombudsman (ouvidor ou providor) do princípio
pedagógico que quer que seja a escola a adaptar-se
aos estudantes e não os estudantes às escolas”
(Bertagna, 308), se ocupa das Práticas Pedagógicas
e do Portfólio das competências, acompanha os
estudantes nos estágios e tirocínios formativos de
alternância escola/trabalho, e instaura as relações
das escolas com as empresas.
D. Personalização não significa atomização. A escola
não é um supermercado onde cada um pega o que
quiser individualmente. A experiência do grupo e da
classe é fundamental para a educação da pessoa:
mesmo que já sabe tudo (devido a condições sociais
e familiares excecionais) deve fazer a experiencia
comunitária de partilha, convivência com a diferenças.

2. « GOVERNANCE »: AUTONOMIA E AVALIAÇÃO

A estrutura do governo de uma Universidade deve ser


simples e eficiente, necessariamente de tipo hierárquico,
mas fundado sobre a participação democrática,
responsabilidade individual e competências nas funções.
Cada organismo deve ter as suas responsabilidades e um
único ponto de referência.

A Universidade deve gozar de uma autonomia que


permita fazer as suas opções estratégicas, sem depender de
pressões políticas ou sociais. Precisa de autonomia para :

- Preparar os programas e planos de estudos

- Recrutar docentes qualificados a nível nacional e


internacional
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 154

- Distribuir os recursos, premiando mais os pesquisadores


do que os “ensinadores”.

Ao Governo da Universidade cabe como uma das


tarefas principais, a avaliação geral e pontual da
Universidade, especialmente verificar pontualmente a
preparação dos professores. Isso pode efectuar-se (quando
a dimensão da Universidade for maior) através de
observatórios da didáctica e observatórios da pesquisa
(auditorias internas e externas).

3.DIMENSÕES DA UNIVERSIDADE

Se para uma Universidade ter muitos cursos se torna


um valor (pluri-disciplinariedade), isso não deve causar uma
dimensão excessiva da mesma, porque tornaria o governo e
a administração menos eficientes, não permitiria a criação
da comunidade académica adequada.

Os índicadores qualitativos dizem respeito às relações :

Docentes/estudantes

Espaços/docentes

Espaços/estudantes

Financiamentos/estudantes

Financiamentos/docentes

Custos/benefícios

4.INTERNACIONALIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE

Uma Universidade de Qualidade deve adequar os


seus planos de estudo ao standard internacional, para
permitir uma mobilidade dos docentes e estudantes,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 155

(circulação ou mercado das inteligências) e uma


inteligibilidade maior dos graus académicos alcançados (veja
a este respeito a lição sobre o Processo de Bolonha).

Favorecer uma política de internacionalização, criando


cursos de especialização (ou masters, ou doutoramento)
abertos a estudantes estrangeiros (leccionados em inglês ?).

5. OS ESTUDANTES

Os estudantes, destinatários da Universidade, devem


ingressar através de uma selecção séria : a possibilidade de
ingressar deve ser oferecida a todos, mas depois quem
entrará de facto, deve ser pelos seus méritos.

A Universidade (especialmente a privada) não deveria


deixar-se condicionar das necessidades numéricas.

Os estudantes, especialmente os mais pobres, devem


receber condições mais favoráveis para estudar (bolsas,
empréstimos, lares, etc).

Sumário
É de qualidade a universidade que possui um padrão
universal e reconhecido internacionalmente. Os pontos que
ditam esta qualidade são: primeiro a qualidade dos
docentes, que é ditada pela pesquisa, pois, onde haverá
uma boa pesquisa, haverá também uma boa didáctica; a
autonomia e a avaliação, onde a Universidade deve ser
autónoma ao preparar os seus programas e planos de
estudos e recrutar os seus docentes sem nenhuma pressão
política ou social e nenhum pré-conceito partidário; a
universidade deve proporcionar um ambiente de paz entre
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 156

os estudantes /docentes, entre a direcção/docentes e deve


haver financiamento para os docentes e estudantes; deve
adequar os seus planos de estudos ao padrão universal
(internacionalização) e deve permitir rigorosidade na
selecção dos estudantes.

Exercícios

1. Quais são as bases que ditam a qualidade de uma


universidade e em que consistem?
2. Como se pode aumentar a qualidade dos futuros
Auto-avaliação
docentes (estudantes universitários)?
3. O que se intende por internacionalização da
Universidade?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 157

Lição n˚ 6
PROCESSO DE BOLONHA

Introdução

O “Bolonha Process” é uma Declaração assinada em


1999 em Bolonha pelos ministros da Educação de 29 países
Europeus, que visa a construção da Área Europeia de
Ensino Superior. Este objectivo se concretiza nestes pontos:

• INTELLIGIBILIDAE E MOBILIDADE: perseguir uma maior


uniformização possível a um standard internacional dos
cursos universitários, que permita uma maior
inteligibilidade e comparação no exterior dos graus
académicos aqui conferidos, favorecendo assim uma maior
mobilidade para o trabalho, ou para a continuação dos
estudos especializados, no exterior.

• Elaboração de novos ordenamentos e de uma nova


“arquitectura” do percurso universitário.

• Introdução do sistema de Créditos Formativos


Universitários

• Introdução da Classes de Licenciaturas.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 158

• Conhecer os objectivos que norteiam o Processo de


Bolonha;
• Analisar as principais novidades trazidas pelo Bolonha
Objectivos Process;
• Discutir a nova articulação do percurso de estudo;
• Compreender os Créditos Formativos Universitários
(CFU);
• Conhecer as vantagens e desvantagens do Processo
de Bolonha para um estudante Africano,
comparativamente com um Europeu.

Terminologia Processo de Bolonha, CFU, Licenciatura, Master e


Doutoramento.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 159

1) NOVA ARTICULAÇÃO DO PERCURSO DE


ESTUDO

Nas Universidades moçambicanas, a duração dos


cursos para a Licenciatura, é maior em relação ao standard
internacional. De facto, além da duração mínima de quatro
anos para a licenciatura, o estudante universitário
moçambicano deve redigir uma tese final empenhativa, que
exige muito tempo, assim que para muitos, os quatro anos
para a licenciatura se tornam cinco, ao passo que os seus
colegas de outros países concluem no mesmo tempo não só
a licenciatura (L1) mas também a Licenciatura de
Especialização (L2) ou Mestrado. Neste modo os estudantes
moçambicanos são penalizados em relação aos colegas do
resto do mundo, e a adopção dos 4 anos para a licenciatura
irá travar a mobilidade dos estudantes estrangeiros para o
Moçambique, pois isso implicaria mais tempo de estudo.

O Bolonha Process auspicia a nova estrutura do


“3/4+2+3/4”, ou seja:

3/4 anos para a “Licenciatura” (L1 = Licenciatura de Primeiro


nível);

+ 2 anos para a “Licenciatura de Especialização” (L2 =


Licenciatura de Segundo nível, ou “Mestrado”);

+ 3/4 anos para o Doutoramento.

Licenciatura (L1 = Licenciatura de Primeiro nível):

Acede-se depois da 12ª classe (ou equivalente) e é


obrigatória para passar à Licenciatura de 2° nível
(Licenciatura Especializada ou Mestrado).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 160

Requerimentos:
- Três (ou quatro) anos de estudo
- adquisição de 180 créditos (ver mais a frente o
parágrafo dos CFU)
- o estudo de pelo menos uma língua estrangeira.

Conferimentos:
- Competências de base
- Figura profissional básica para inserção no mundo do
trabalho
- Habilitação para o acesso ao Máster de 1° nível e à
Licenciatura de Especialização (Mestrado).

Licenciatura de Especialização (ou Mestrado) (L2):


Acede-se depois da Licenciatura (L1). É obrigatória para
passar aos níveis seguintes.

Requerimentos:

- dois anos de estudo (mais os três/quatro anos da L1)


- aquisição de 120 créditos (mais os 180 créditos da
L1). No caso a L2 não pertencer à mesma classe da
L1, o estudante será devedor de mais créditos
(“dívidas formativas”).
- o estudo de uma segunda língua estrangeira.

Conferimentos:

- Competências especializadas
- Figura profissional especializada para inserção no
mundo do trabalho
- Habilitação para o acesso ao Máster de 2° nível e ao
Doutoramento
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 161

A Arquitectura internacional prevê também o conferimento


de “Masters”, precisamente o Máster de 1° nível e o Máster
de 2° nível:

Máster de 1° nível (M1): Acede-se depois da


Licenciatura (L1).

Requerimentos:
- um ano de estudo (mais os três/quatro anos da L1)
- aquisição de 60 créditos (mais os 180 créditos da L1).

Conferimentos:
- Conhecimentos e habilidades profissionais de nível
técnico-operativo.

Máster de 2° nível (M2): Acede-se depois da Licenciatura


de Especialização (Mestrado) (L2).

Requerimentos:

- um ano de estudo (depois da L2)


- aquisição de 60 créditos (mais os 300 créditos da
L1+L2).

Conferimentos:

- Aperfeiçoamento da formação e aquisição de


ulteriores competências de nível de projectação úteis
no mundo do trabalho

O último grau académico será o Doutoramento com a


duração de três ou quatro anos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 162

2. CRÉDITOS FORMATIVOS UNIVERSITÁRIOS (CFU)

Todo grau académico é medido através de um


sistema de medida internacional chamado “crédito formativo
universitário” (CFU) ou ECTS (European Credit Transfer and
Accumulation System).

Cada exame vale um determinado número de CFU (a não


ser confundido com a nota do exame).

Cada CFU corresponde a 25 horas de trabalho por parte do


estudante. Mais ou menos a metade deste tempo deverá ser
reservado ao estudo pessoal ou a actividades formativas
individuais; a outra metade deverá ser dedicada à frequência
às aulas, seminários, laboratórios, etc.

Cada exame poderá ser a suma de vários ensinamentos


chamados de módulos: neste caso a nota final do exame
poderá ser atribuída só depois do alcance dos créditos
requeridos para tal curso.

Os votos são expressos com valores em percentagem de


100% (Nb. As notas dadas aos estudantes africanos são
penalizantes, pois ninguém aparece com nota máxima).

Cada ano o estudante deve alcançar no mínimo 60 créditos,


correspondente a 1.500 horas anuais de trabalho, entre
aulas, estudo individual actividades formativas, etc.

As formas de avaliações possíveis:

- provas periódicas dos conteúdos durante o curso


- avaliar de novo, ao longo dos anos, matérias já
avaliadas anteriormente
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 163

- exigir o alcance de determinados créditos em tempos


determinados
- atribuir créditos às actividades culturais certificadas
ou a serem testadas pela mesma Universidade: ex.
Cursos de Informática, línguas estrangeiras, cursos
no Conservatório de Música, etc.

3. CLASSES DE LICENCIATURA

Adopção de um sistema de catalogação dos vários


cursos de Licenciatura (L1) e dos vários cursos de
Licenciatura de Especialização (Mestrado) (L2) em “Classes
de Licenciatura” e em “Classes de Licenciatura de
Especialização (Mestrado)” respectivamente.

Cada Classe agrupa cursos de licenciatura do mesmo


nível, que têm os mesmos objectivos formativos qualificantes
e consequentes actividades formativas.

Cada Classe tem um determinado ordenamento


didáctico com a indicação de objectivos formativos, das
áreas disciplinares e dos relativos créditos.

A adopção deste sistema de Classes permite uma


maior inteligibilidade no exterior, dos títulos conseguidos
favorecendo uma melhor integração nos níveis seguintes.

Por exemplo, no Diploma de Licenciatura (L1) de um


estudante que concluiu o Curso de licenciatura em Ensino
de Português, estará escrito: Licenciado em “Ensino de
Português”. Licenciatura pertencente à Classe de “Letras”.

(Cada Curso de Licenciatura (L1 e L2) poderá


compreender várias curricula: depois do primeiro ano
comum, se poderá seguir em seguida outros programas
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 164

segundo os próprios objectivos formativos. O total dos CFU


dos diferentes curricula é sempre o mesmo.

PROBLEMAS ABERTOS:

- Em Moçambique o estudante deve frequentar mínimo


quatro anos (mas só uma minoria consegue em quatro anos)
para licenciatura; mais dois anos (mas ninguém conseguem
terminar em dois anos) para o Mestrado e mais quatro o
cinco anos para o Doutoramento!

Porque aqui os estudantes devem estudar mais anos


em relação aos colegas dos outros países? A desculpa é
que na África não existem os mesmos meios que existem na
Europa: na realidade, quando os estudantes têm acesso a
Internet e aos serviços bibliográficos digitais, todos (em
qualquer lugar do mundo) têm as mesmas oportunidades. A
diferença será ditada do maior o menor desempenho por
parte do estudante.

- Em Moçambique o Mestrado administrado em dois anos,


na realidade correspondem a um ano (pois geralmente se dá
um modulo de duas semanas uma vez por mês). Na Europa
o mestrado é dado em dois anos de leccionação.

- O maior número de anos de estudo desestimula a vinda em


Moçambique de estudantes estrangeiros.

-Adoptar este sistema do Bolonha Process, favorece a


mobilidade de estudantes não só para o exterior mas
também no interior (como são difíceis as transferências de
estudantes entre as universidades moçambicanas).

-Este sistema permite uma maior flexibilidade e autonomia


dos Institutos de Ensino Superior no reconhecimento de
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 165

títulos de outras Universidades, assim como o


reconhecimento de cursos não universitários, ou habilidades
alcançada ao longo da vida (e certificadas pela
universidade).

Sumário
Um dos objectivos que norteia o Processo de Bolonha
é o de criar uma maior uniformização possível a um standard
internacional dos cursos universitários. E trouxe como
novidade a duração do curso de Licenciatura em 3/4 anos +
2 de Mestrado e + 3/4 de Doutoramento, ou seja
(3/4+2+3/4). O sistema usado em Moçambique é penalizante
para os estudantes, pois estes levam muito tempo a estudar
comparativamente com os estudantes europeus que
somente levam 3 anos para adquiri o nível de licenciado e
com o número de anos que os estudantes moçambicanos
levam para fazer a licenciatura, estes fazem o mestrado. Por
via disso, os estudantes europeus pouco tem aderido aos
estudos universitários em África pois poderão levar mais
tempo comparativamente a Europa. Outra vantagem do
Bolonha Process é a mobilidade de estudantes e a
introdução do sistema de créditos.

Exercícios

1. Qual é a novidade que o Processo de Bolonha


trouxe?
2. Em que aspectos os estudantes africanos saem a
Auto-avaliação
perder comparando aos europeus/
3. Quantas horas de trabalho vale 1 crédito formativo?
4. O que se entende por “Classes de licenciatura”?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 166

Lição n˚ 7
OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
DOS PROFESSORES NO
CONTEXTO MOÇAMBICANO

Introdução
A formação de professores é condicionada pelo
standard que o Estado define, e por sua vez a Universidade
vai formar o professor de acordo com o modelo indicado
pelo Estado.

São vários os desafios que aparecem na formação


dos professores, desde os fins da educação até a a
partidarizacao do sistema educativo.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Conhecer os pressupostos que deve nortear os planos


e estratégias, assim com a formação dos professores;
• Analisar os princípios que norteiam a passagem do
Objectivos estatalismo à autonomia dos estabelecimentos de
ensino;
• Identificar os perigos da partidarização da função
pública e especialmente da educação.

Partidarização, autonomia, educação, formação.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 167

O DESAFIO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO


CONTEXTO MOÇAMBICANO

Os principais desafios dizem respeito aos pressupostos que


guiam as universidades para a construção curricular de
formação de professores para o Ensino Secundário Geral e
Ensino Técnico Profissional; aos desafios e perspectivas
para um ensino secundário relevante, sustentável e que
responda às principais necessidades das comunidades e do
país nas condições actuais de desenvolvimento.

Tentaremos alguma reflexões teóricas sobre estes


temas.

Una boa prática, é sustentada por uma boa teoria. A


tarefa de uma Universidade é antes de mais nada reflectir
sobre as ideias de base que possam nortear depois as
opções mais úteis para as práticas educativas.

A Filosofia da Educação nos ajuda neste sentido


porque coloca as questões fundamentais sobre a educação,
não somente no que diz respeito à fundamentação
epistemológica mas principalmente no que diz respeito aos
fins da educação.42

42
Aconselhamos a visão do vídeo Another brick in the Wall (dos Pink Floyd),
pois nos indica uma “Filosofia da educação” (no sentido negativo) bem clara:

- Educação como nivelamento (tijolos todos iguais);

- Despersonalização (a criança que quer diferenciar-se, ser poeta, é


ridicularizada; as crianças tem máscaras, não são permitidas ter a sua
personalidade);
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 168

Observação preliminar:

- Em Moçambique nestes últimos anos houve grandes


avanços do MINED na elaboração dos planos curriculares e
estratégias para o ESG e ETP (Ensino Secundário Geral e
Ensino Técnico Profissional).

- Grandes avanços da Universidade (pelo menos falo da UP


à qual pertenço), na formação dos docentes com a
implementação dos cursos de Ensino de… e das Ciências
da Educação.

O primeiro princípio que gostaríamos colocar é o


seguinte: cabe ao estado indicar os standards mínimos
comuns a nível nacional mas cabe à Universidade na sua
autonomia científica e pedagógica formar os professores em
modo personalizado, no respeito dos standards indicados
pelo estado.

Os pressupostos que deve nortear seja os planos e


estratégias, assim com a formação dos professores:

1º pressuposto: O FIM DA EDUCAÇÃO

À pergunta sobre o fim da educação, ou mais


precisamente da Escola, geralmente se responde em termos
“utilitaristas”: fornecer competências, inserir no mundo do
trabalho, capacitar pessoas para transformar a sociedade,
veicular as ideologias do regime no governo, etc…
esquecendo que o fim principal da educação, e por isso
também da escola, é a formação da pessoa humana,
desenvolver ao máximo as suas capacidades de pensar,
fazer, relacionar-se com os outros, cooperar com os outros,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 169

distinguir o que é bom e o que é mal, alcançar os valores


universais, defender os direitos humanos, lutar pela justiça e
liberdade de todos os seres humanos, reflectir sobre o
sentido da própria vida e do mundo. Em síntese: a formação
integral da pessoa!43

Fim primário da educação é a pessoa humana, não o


estado, a pátria, o partido, a sociedade, a economia, etc.
Estes últimos irão beneficiar num segundo tempo, pois se
tivermos pessoas melhores, teremos um estado, pátria,
partido, sociedade, economia melhores. (Lyotard,na sua “A
condição pós-moderna” nos alerta que a educação é refém
da economia e do poder).

A educação deve ser inclusiva (e não elitista,


exclusiva) onde todas as pessoas humanas devem ser
valorizadas ao máximo, sem excluir nenhuma. Em nome da
sociedade, ou de ideais comunitaristas não se pode/deve
sacrificar nem sequer uma só pessoa.

O capital mais precioso que o país tem é o capital


humano: são os milhões de crianças e jovens nos quais o
país deve investir para o crescimento humano de cada um
deles e consequentemente para o desenvolvimento social e
também económico do inteiro país.

2º pressuposto: FORMAÇÃO DE IGUAL DIGNIDADE

Todas as propostas formativas têm igual dignidade.


Diante das três grandes correntes educativas (neo-clássicas,

43
(Cfr. O paradigma UE cit. em Bertagna: 44 e a Carta da CEM “Repensar a
educação em Moçambique” 20/05/2011).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 170

neo-iluministas e socialistas/católicas), mesmo sendo as


segundas e as terceiras viradas mais para as
ciências/técnicas e ao trabalho, na realidade se impôs na
mentalidade comum as propostas formativas neo-clássicas,
virada mais ao ensino geral e culturas clássicas-literárias,
consideradas mais nobres, ao passo que as outras foram
consideradas de segunda categoria. Acontece assim que
também em Moçambique o Ensino Geral ocupa o primeiro
lugar na formação da nossa juventude e as outras
formações mais técnico-profissionais são consideradas
menores. Um problema em Moçambique é que muitos
(demais) seguem o ESG e ainda poucos o ETP: o ideal seria
o 30-40% no ESG e 60-70% no ETP.

Geralmente se pensa que quem não consegue


estudar deve fazer cursos de profissionalização. A
diferenciação de formação não implica hierarquização
qualitativa entre elas.

- Há igual valor e dignidade entre ESG e ETP

- Deve haver possibilidade da passagem de um sistema ao


outro

- Ambos os percursos habilitam ao acesso à universidade,


embora se pode pensar uma outra alta formação depois do
ETP que não seja só universitária (mas de igual dignidade à
universitária).

3º pressuposto: DO ESTATALISMO À AUTONOMIA :

É necessária a passagem na educação do


centralismo (estatalismo) à subsidiariedade; de um ministério
todo poderoso e omnipresente, à autonomia das instituições
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 171

escolares que devem ser consideradas capazes de criar e


gerir os processos educativos, e não ser meras executoras
das directrizes ditadas do alto.

Um modelo de sistema educativo nacional deve


proporcionar a passagem do estatalismo à autonomia dos
estabelecimentos de ensino, baseando-se sobre 4
princípios.

1. Princípio da subsidiariedade: se baseia sobre a


centralidade da pessoa: valorização da identidade de cada
um; planos dos estudos personalizados. Este princípio de
subsidiariedade pressupõe a confiança no estudante.

É necessária a passagem do mono-centrismo estatal


ao poli-centrismo institucional, pois a pessoa cresce junto a
várias entidades educativas (sociais) como; a família, as
instituições escolásticas, os entes locais, associações, as
igrejas... Daqui podemos afirmar que a educação não é só
do estado mas da República, que inclui todas estas
entidades educativas.

2. Princípio de equidade: é necessário evitar a fragmentação


do sistema de ensino nacional, pois iria criar escolas de
primeiras e segundas categorias. Cabe ao governo ditar as
normas gerais da educação e os níveis essenciais das
prestações; instituir um sistema nacional de avaliação e
fiscalizar: garantir o direito à instrução a todos os cidadãos.

3. Princípio de solidariedade: solidariedade entre as pessoas


e entre as instituições, onde quem tem mais dá aos que têm
menos, e todos cooperam para o bem comum.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 172

4. Princípio de responsabilidade: a ajuda maior que se pode


dar a um ente administrativo ou grupo social é entregar a
eles a solução dos seu próprios problemas, deixar que eles
assumam as suas responsabilidades. A coisa pior seria
considerá-los incapazes de resolver os seus problemas.
Apesar de algumas caídas, eles aprenderão, finalmente, a
caminhar.

4º pressuposto: EDUCAÇÃO APARTIDÁRIA.

As políticas educativas não devem ser reféns de um


governo ou do partitocratismo, mas apartidárias, se não
acontece que a cada mudança de governo mudam as
políticas educativas e cada novo governo se preocupa em
desmantelar as reformas da escola que o governo anterior
promulgou (como por exemplo na Itália: Reforma Berlinguer,
Reforma Moratti, boicotadas). Com grave dano à educação.
A educação não é uma fortaleza a conquistar para poder
conquistar o poder.

No caso Moçambique, a Conferência dos Bispos


Católicos Moçambicanos, mesmo reconhecendo os grandes
avanços operados pelo partido no poder dentro da
sociedade moçambicana, alerta porém sobre o perigo da
partitocratização da função pública, e especialmente da
escola. O risco qual pode ser? Que se por acaso um dia
ganhar o poder um outro partido, este poderá querer
“destruir” tudo aquilo que o partido anterior fez, com
consequências graves para a educação e a sociedade. Por
isso é necessário o envolvimento de todas as forças
políticas e sociais para que cooperem na elaboração das
reformas no mundo da escola, reformas que permanecem
válidas, apesar das mudanças dos regimes políticos.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 173

Sumário
A formação de professores é condicionada pelos
seguintes pressupostos: a educação deve ter como fim a
formação integral colocando no centro a pessoa; deve haver
uma formação de igual dignidade entre o Ensino Secundário
Geral e o Ensino Técnico Profissional; as políticas
educativas não devem estar ligadas a um partido, mas sim a
todas as forcas políticas e sócias e que estas devem
participar na reforma e elaboração dos programas e
currículos.

Exercícios

1. Marque com V a afirmação Verdadeira e F a


afirmação Falsa.
a) O Fim da educação deve ser o útil, o prático.
Auto-avaliação b) A educação deve ser inclusiva, onde todas as
pessoas são valorizadas.
c) Em Moçambique o ETP ocupa mais espaço que o
ESG.
d) As instituições escolares devem ser autónomas e
não simplesmente seguir todos os pressupostos
vindos a nível central.
e) A educação deve se identificar com um partido, ou
seja, deve ser partidária, para melhor desenhar os
seus programas.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 174

Lição n˚ 8
FORMAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO
TÉCNICO-PROFISSIONAL EM
MOÇAMBIQUE
FORMAÇÃO DE IGUAL DIGNIDADE

Introdução

Na lição anterior, discutimos o desafio da formação de


professores no contexto moçambicano e um dos
pressupostos levantados foi a formação de igual dignidade
entre o ESG e o ETP.
Esta lição é dedicada somente a análise da Formação
Geral (ESG) e a formação técnico-profissional (ETP). Para
que essas duas formações sejam de igual dignidade uma
deve incluir sempre a outra.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Conhecer os requisitos para que haja uma formação


de igual dignidade;
• Perceber o impacto da formação de igual dignidade;
Objectivos • Saber a condição para que haja a possibilidade da
alternância escola/trabalho.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 175

Terminologia
• Ensino Secundário Geral, Ensino Técnico
Profissional, Pessoa, Trabalho, Teoria e Prática.

FORMAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO TÉCNICO-


PROFISSIONAL EM MOÇAMBIQUE

FORMAÇÃO DE IGUAL DIGNIDADE

Para que haja igualdade de dignidade entre o Ensino


Secundário Geral e a Formação Técnico-Profissional é
necessário de um lado que a Formação Geral tenha uma
parte de formação profissionalizante44 e do outro lado uma
Formação Profissional que inclua uma Formação Geral
(como de facto consta no currículo). Formação Técnico-
Profissional de facto não deve visar somente a introdução do
estudante no mundo do trabalho, mas também formá-lo
como pessoa. Será que para ser um bom electricista ou
mecânico basta só saber manusear os instrumentos
necessários? Eles não têm direito de conhecer a literatura, a
história e outras disciplinas que tornam o homem mais
humano? No mesmo tempo, um estudante do ESG para
formar-se como pessoa, basta que saiba tudo das disciplinas
teórica e pode não saber fazer nada de concreto? No ESG
deve existir também uma Formação Técnico-Profissional, e

44
(cfr. Estratégia do ESG 2009-2015 vii, 10)
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 176

vice-versa, com uma alternância estudo-trabalho para


ambas, onde, naturalmente na Formação Geral haverá uma
acentuação da parte teórica, e na Formação Profissional una
acentuação da parte prática. O trabalho manual também é
formativo e humanizador, e se torna ocasião de acréscimo
das competências intelectuais, morais, sociais, motórias,
estéticas, civis de cada pessoa.45 Deste modo podemos falar
de um “único sistema formativo/educativo unitário” onde de
um lado temos a “Ensino Secundário Geral
Profissionalizante” e do outro lado a “Formação Profissional
e Geral” (mais ou menos correspondente àquela já existente
no Sistema de Ensino Nacional), colocando ambas no
mesmo nível de valor e com a mesma dignidade, mas sem
confundi-las entre elas.

Para que haja a possibilidade da alternância


escola/trabalho, é necessária uma autonomia dos
estabelecimentos de ensino que sejam mais ligados ao
território e às profissões locais. No caso contrário teríamos
muitos formados que irão trabalhar no próprio território mas
não na área em que se formaram.

No mesmo tempo a formação não deve ser pensada


exclusivamente em base à demanda do mercado, pois este
muda continuamente e pensa somente ao ‘profit’: a escola
se encontraria a formar competências que uma vez
formuladas num currículo já ficam ultrapassadas. As
formações que devemos perseguir “para responder às
demandas do trabalho, estão sempre menos ligadas aos
elementos técnico-especialísticos, elementos certificáveis

45
(Cfr. Bertagna G., o.c., p. 25).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 177

quantitativamente, mas estão sempre mais abertas às


dimensões educativas e culturais gerais da pessoa, como as
dimensões criativas ou relacionais, de problem solving e,
especialmente, de problem raising (fazer emergir um
problema onde os outros veem somente uma tarefa a
desenvolver). Nestas condições, a ambição de construir um
sistema de instrução condicionado pelas saídas do mercado
resulta não somente epistemologicamente e
pedagogicamente, ma sociologicamente e economicamente
errada”.46

Se é o mercado a ditar a escolha das formações


(modelo “demandista”), isso vai ter consequências sociais,
pedagógicas e morais inaceitáveis. As empresas não podem
ser auto-referenciais, mas estão em diálogo aberto com a
escola e a sociedade: é a qualidade da oferta que deve
determinar também a qualidade da demanda (modelo
“interactivo” entre desenvolvimento económico e formação).
Não existe somente a lei do profit, mas também do bem
comum e do bem da pessoa: não se pode formar pessoas
sobre algo que elas não compartilham ou consideram sem
sentido.

Fazer o bem da pessoa humana coincide também


com uma maior produção. Entre o modelo “demandista” e o
modelo “interactivo” nós propomos o modelo “personalista”
que considera como prius ontológico não a ocupação, o
mundo, a demanda do mercado, mas a pessoa .47 Jacques

46
Idem, p. 41

47
Idem, p. 47
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 178

Maritain distingue entre a figura do indivíduo que é


determinado pelo desenvolvimento e a figura da pessoa que
é o ponto de referência do desenvolvimento. A pessoa é tal
se é livre diante das coisas, o indivíduo ao contrário é
necessariamente condicionado pelas coisas. (Os submissos
a um trabalho esclavagista ou desumanizante são pessoas
ou indivíduos?). O desenvolvimento económico deve estar
submisso ao desenvolvimento da pessoa humana, isso para
evitar que o desenvolvimento vá contra o homem e o
escravize (precisa pensar numa redução do horário de
trabalho para que o homem possa dedicar-se também a
outras actividades como o voluntariado, hobbies, artes,
educação, política, etc… Nb. Um tempo liberado para
humanizar-se sempre mais e não para achar formas de
ganhar outro dinheiro).

Este modelo “personalista” é extensivo a todo tipo de


formação (geral, profissional…). Saber e fazer andam junto:
não se deve pensar antes em instruir (teoria) e depois formar
(fazer) porque pensar e fazer cooperam para a humanização
da pessoa. Por isso é necessária uma alternância
escola/trabalho para todos. Isso permite uma aproximação
de todos à importância do trabalho manual, estimula o
desabrochar de nova criatividade, inovação,
desenvolvimento… Os estudantes não devem considerar
menos “nobre” o trabalho manual. Acontece o paradoxo de
que muitos preferem fazer trabalhos mais “nobres” e menos
pagos do que trabalhos manuais mais pagos mas
considerados inferiores. Não existe profissão superior ou
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 179

inferior, mas honestas ou desonestas.48 É por isso


necessário rever a quantidade e qualidade da educação de
todos e de cada um.

Para que haja um desenvolvimento económico todos


devem produzir mais e melhor. E para fazer isso as pessoas
devem ser “bem educadas”, precisa investir no “capital
humano”. Educar não só à técnica mas também à
criatividade; não só ao saber mas também ao fazer pois
como dizia A. Smith “a inteligência das pessoas depende
geralmente daquilo que fazem”;49 não só ao conhecido mas
às novidades e a saber enfrentar o imprevisto; não só à
individualidade de cada um mas também à cooperação e
solidariedade. Todos e cada um! Se excluir ninguém.

Todos, e não somente os jovens, devem reinventar-


se, reeducar-se, requalificar-se. Ninguém deve pensar de ter
dado já o suficiente. Todos (e a todas as idades) devem ter
acesso a novas aprendizagens, não só informais mas
também formais (lifelong learning).50

48
Por exemplo, houve o caso de um professor que ganhava mais como pintor de
casas do que como docente, mas escondia aos colegas esta outra profissão
porque era considerada inferior. Cfr. Bertagna, o.c., pp. 97-98.

49
Idem, p. 79

50
Se um licenciado, depois de um ano da sua formação, não estuda mais, fica
desactualizado; se ficar 5 anos sem estudar é como se nunca tivesse ido à
Universidade!
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 180

É necessário superar a ideia muito difundida no país,


que quem estuda não deve fazer trabalhos manuais, e quem
trabalha não precisa estudar. Quem trabalha não pensa e
quem pensa não trabalha? Muitos escolhem de ir trabalhar
porque não querem estudar. Deste modo o trabalho é
considerado algo de inferior, reservado àqueles que não
conseguem estudar. No Moçambique muitos querem uma
profissão onde não se deve sujar as mãos, todos querem
trabalhos de escritório… Esta é uma mentalidade errada que
deve ser superada já na formação dos professores.

Assim como deve ser superada a mentalidade dos


dois tempos: antes se estuda e depois se trabalha (e não se
estuda mais). Se opera assim uma separação entre teoria e
prática, como se fossem duas coisas opostas. Mas a
reflexão é mais eficaz no entanto que se age: o trabalho
favorece o desenvolvimento das competências intelectuais,
morais, sociais, operativa, motórias e estética de cada um.51
Um trabalho que melhora a aprendizagem beneficia com
inovações a empresa em que se trabalha. Por isso não
trabalhos genéricos mas relacionados com os estudos (Ex.
Secção de letras: livrarias, bibliotecas, casas editoras,
turismo arqueológico ou artísticos, feiras de livros e de arte,
exposições, etc.; Secção de Ciências: laboratórios, viveiros,
feiras das ciências, invenções, etc.; Ensino Técnico –
profissional: as várias empresas e oficinas de artesanato
como serralharias, carpintarias, electricidade, mecânicas,
etc..).

51
Idem, p. 109
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 181

A alternância escola/trabalho pode ser feita com estas


modalidades:

1. Laboratórios: ambiente protegido e simulado, situado


dentro da escola (onde pode desenvolver pesquisas
encomendadas pelas empresas) ou na mesma
empresa ou instituições presentes no território (ONG,
Centro Juvenis, Clubes, Paróquias, Associações,
etc.). Estes laboratórios, especialmente na escola
primária, permitem descobrir e incentivar talentos
artísticos, musicais, criativos… que se bem orientados
poderão desenvolver em modo excelente.
2. Estágios: experiências de observação participativa
nas áreas da própria formação. Se trata de
experiências preparadas, monitoradas e avaliadas.
3. Tirocínio: trabalhos concretos dos estudantes, sempre
acompanhados por um tutor da empresa e por um
tutor da escola, que permitem a adquisição de
competências. Se deve premiar as empresas que
oferecem disponibilidade para estágios e tirocínio
através de incentivos ou de-fiscalização, pois elas
contribuem com o estado na tarefa de formar as
jovens gerações
4. A última modalidade é do trabalho no sentido estrito a
ser exercido depois de ter adquirido as competências
necessárias, e até pode ser regulado por um contrato
salarial, mas com um horário não integral, para
permitir a alternância com os estudos.

A universidade deve prestar atenção à alternância


estudo/trabalho.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 182

Também na preparação dos docentes: uma coisa é


saber, outra coisa é ensinar. A UP é mestra neste aspecto.
Com as práticas pedagógicas ao longo dos 4 anos de estudo
ajudam o futuro professor a inserir-se gradualmente no
mundo do ensino e da escola (sem querer ser polémico nem
querendo ofender a ninguém: há uma grande diferença entre
os docentes formados num curso de “ensino de…” ou na
UP, daqueles que só tem formação disciplinar e não
pedagógica).

NB. Cabe à Universidade a formação não só


disciplinar mas também das habilidades de leccionação, pois
teoria e prática fazem parte do mesmo processo formativo.

O factor vocacional é fundamental na profissão de


docente.

O docente deve ser formado também para lidar com


necessidades educativas especiais (handicaps…).

Sumário
A formação de igual dignidade entre o Ensino
Secundário Geral e a Formação Técnico-Profissional implica
que, de um lado a Formação Geral tenha uma parte de
Formação Profissionalizante e por sua vez a Formação
Profissionalizante tenha uma parte do Ensino Geral, assim
chegaríamos a um único sistema formativo ou educativo
unitário que de um lado temos a “Ensino Secundário Geral
Profissionalizante” e do outro a “Formação Profissional e
Geral, colocados ao mesmo pé de igualdade, onde o ESG
dá mais enfâse à teoria e o ETP à prática. A inclusão de
uma na outra vai permitir que os estudantes do ESG
aprendam a fazer alguma coisa e os estudantes do ETP não
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 183

só estejam preparados tecnicamente ao mercado do


trabalho, mas também humanamente. Em Moçambique se
deve superar duas mentalidades: aquele que prioriza o
trabalho em escritórios que os manuais (mecânica,
carpintaria) e a outra que olha a escola como meio para
encontrar trabalho e consequentemente a pessoa estuda
para trabalhar e quando trabalha não estuda. Os
estabelecimentos de ensino devem olhar para o território e
as profissões locais, de modo a evitar o perigo de formarem
pessoas que depois vão trabalhar em outras áreas
diferentes das da sua formação.

Exercícios

1. Qual é a saída para existir uma formação de igual


dignidade entre o ESG e o ETP?
2. O que é necessário para que haja a possibilidade da
Auto-avaliação
alternância escola/trabalho?
3. O modelo “personalista” é extensivo a todo tipo de
formação (geral, profissional…). Justifique.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 184

Lição n˚ 9 (apêndice)
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DAS
UNIVERSIDADES CATÓLICAS
“EX CORDE ECCLESIAE”

Introdução
É notório que as Universidades no mundo nasceram
dentro da Igreja Católica (“Ex corde Ecclesiae”) e por isso
achamos importante ver quais são os princípios que
norteiam a Filosofia da educação das Universidades
Católicas. Tais princípios estão contidos no documento “Ex
corde Ecclesiae” de João Paulo II, que é indicado como
“Magna Carta” para as Universidades Católicas no mundo.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Conhecer a vocação da Universitas magistrorum et


scholarium.
• Analisar a tarefa privilegiada da Universidade
Objectivos Católica.
• Discutir o objectivo da Universidade católica no
mundo.
• Identificar as características essências de uma
Universidade Católica.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 185

• Universidade Católica, Ex Corde Ecclesiale, Igreja,


Terminologia Bem, Verdade.

“EX CORDE ECCLESIAE”

1. NASCIDA DO CORAÇÃO DA IGREJA, a Universidade


Católica insere-se no sulco da tradição que remonta à
própria origem da Universidade como instituição, e revelou-
se sempre um centro incomparável de criatividade e de
irradiação do saber para o bem da humanidade. Pela sua
vocação a Universitas magistrorum et scholarium consagra-
se à investigação, ao ensino e à formação dos estudantes,
livremente reunidos com os seus mestres no mesmo amor
do saber. Ela compartilha com todas as outras
Universidades aquele gaudium de veritate, tão caro a St.o
Agostinho, isto é, a alegria de procurar a verdade, de
descobri-la e de comunicá-la em todos os campos do
conhecimento. A sua tarefa privilegiada é « unificar
existencialmente no trabalho intelectual duas ordens de
realidade que muito frequentemente se tende a opor como
se fossem antitéticas: a investigação da verdade e a certeza
de conhecer já a fonte da verdade ».

[...]

12. Toda a Universidade Católica, enquanto Universidade, é


uma comunidade académica que, dum modo rigoroso e
crítico, contribui para a defesa e desenvolvimento da
dignidade humana e para a herança cultural mediante a
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 186

investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às


comunidades locais, nacionais e internacionais. Ela goza
daquela autonomia institucional que é necessária para
cumprir as suas funções com eficácia, e garante aos seus
membros a liberdade académica na salvaguarda dos direitos
do indivíduo e da comunidade no âmbito das exigências da
verdade e do bem comum.

13. Uma vez que o objectivo de uma Universidade católica é


garantir em forma institucional uma presença cristã no
mundo universitário perante os grandes problemas da
sociedade e da cultura, ela deve possuir, enquanto católica,
as seguintes características essenciais:

1. uma inspiração cristã não só dos indivíduos, mas também


da Comunidade universitária enquanto tal;

2. uma reflexão incessante, à luz da fé católica, sobre o


tesouro crescente do conhecimento humano, ao qual
procura dar um contributo mediante as próprias
investigações;

3. a fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada


pela Igreja;

4. o empenho institucional ao serviço do povo de Deus e da


família humana no seu itinerário rumo àquele objectivo
transcendente que dá significado à vida.

14. « À luz destas quatro características, é evidente que


para além do ensino, da investigação e dos serviços comuns
a todas as Universidades, uma Universidade Católica, em
virtude do empenho institucional, traz à sua missão a
inspiração e a luz da mensagem cristã. Numa Universidade
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 187

Católica, portanto, os ideais, as atitudes e os princípios


católicos impregnam e modelam as actividades
universitárias de acordo com a natureza e a autonomia
próprias de tais actividades. Numa palavra, sendo ao mesmo
tempo Universidade e Católica, ela deve ser juntamente uma
comunidade de estudiosos, que representam diversos
campos do conhecimento humano, e uma instituição
académica, na qual o cristianismo está presente dum modo
vital ».

15. A Universidade Católica, portanto, é o lugar onde os


estudiosos examinam a fundo a realidade com os métodos
próprios de cada disciplina académica, e deste modo
contribuem para o enriquecimento do tesouro dos
conhecimentos humanos.

Cada disciplina vem estudada dum modo sistemático, as


várias disciplinas são levadas depois ao diálogo entre elas
com a finalidade dum enriquecimento recíproco.

Tal investigação, para além de ajudar homens e mulheres na


perseguição constante da verdade, proporciona um
testemunho eficaz, hoje tão necessário, da confiança que a
Igreja tem no valor intrínseco da ciência e da investigação.
Numa Universidade Católica, a investigação compreende
necessariamente: a) perseguir uma integração do
conhecimento; b) o diálogo entre a fé e a razão; c) uma
preocupação ética; e d) uma perspectiva teológica.

16. A integração do conhecimento é um processo


susceptível de ser sempre aperfeiçoado. Além disso, o
incremento do saber no nosso tempo, ao qual se junta o
fraccionamento crescente do conhecimento no seio de cada
uma das disciplinas académicas, torna tal tarefa cada vez
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 188

mais difícil. Mas uma Universidade, e especialmente uma


Universidade Católica, « deve ser uma 'unidade viva' de
organismos voltados para a investigação da verdade... É
necessário, portanto, promover tal síntese superior do saber,
a única que poderá apagar aquela sede de verdade
profundamente inscrita no coração do homem ». Guiados
pelas contribuições específicas da filosofia e da teologia, os
estudiosos universitários deverão empenhar-se num esforço
constante no sentido de determinar a relativa colocação e o
significado de cada uma das diversas disciplinas no quadro
duma visão da pessoa humana e do mundo iluminada pelo
Evangelho e, portanto, pela fé em Cristo, Logos, como
centro da criação e da história humana.

17. Ao promover esta integração, a Universidade Católica


deve empenhar-se, mais especificamente, no diálogo entre
fé e razão, de modo a poder ver-se mais profundamente
como fé e razão se encontram na única verdade.
Conservando embora cada disciplina académica a sua
integridade e os próprios métodos, este diálogo põe em
evidência que a « investigação metódica em todo o campo
do saber, se conduzida de modo verdadeiramente científico
e segundo as leis morais, nunca pode encontrar-se em
contraste objectivo com a fé. As coisas terrenas e as
realidades da fé têm, com efeito, origem no mesmo Deus ».
A interacção vital dos dois níveis distintos de conhecimento
da única verdade conduz a um amor maior pela mesma
verdade e contribui para uma compreensão mais ampla do
significado da vida humana e do fim da criação.

18. Dado que o saber deve servir a pessoa humana, numa


Universidade Católica a investigação vem sempre efectuada
com a preocupação das implicações éticas e morais, ínsitas
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 189

tanto nos seus métodos como nas suas descobertas.


Embora inerente a toda a investigação, esta preocupação é
particularmente urgente no campo da investigação científica
e tecnológica. « É essencial convencermo-nos da prioridade
da ética sobre a técnica, do primado da pessoa sobre as
coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria. A
causa do homem só será servida se o conhecimento estiver
unido à consciência. Os homens da ciência só ajudarão
realmente a humanidade se conservarem o sentido da
transcendência do homem sobre o mundo e de Deus sobre
o homem ».

19. A teologia desempenha um papel particularmente


importante na investigação duma síntese do saber, bem
como no diálogo entre fé e razão. Além disso, ela dá um
contributo a todas as outras disciplinas na sua investigação
de significado, ajudando-as não só a examinar o modo como
as suas descobertas influirão sobre as pessoas e sobre a
sociedade, mas também fornecendo uma perspectiva e uma
orientação que não estão contidas nas suas metodologias.
Por seu lado, a interacção com as outras disciplinas e as
suas descobertas enriquece a teologia, oferecendo-lhe uma
melhor compreensão do mundo de hoje e tornando a
investigação teológica mais adaptada às exigências de hoje.
Dada a importância específica da teologia entre as
disciplinas académicas, cada Universidade deverá ter uma
Faculdade ou, ao menos, uma cátedra de teologia.

20. Dada a relação íntima entre investigação e ensino,


convém que as exigências da investigação, acima indicadas,
influam sobre todo o ensino.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 190

Enquanto cada disciplina é ensinada de modo sistemático e


de acordo com métodos próprios, a interdisciplinaridade,
sustentada pelo contributo da filosofia e da teologia, ajuda os
estudantes a adquirir uma visão orgânica da realidade e a
desenvolver um desejo incessante de progresso intelectual.
Depois, na comunicação do saber coloca-se em ressalto o
facto de a razão humana na sua reflexão se abrir a
interrogações cada vez mais vastas e de a resposta
completa a elas provir do Alto através da fé. Além disso, as
implicações morais, inerentes a cada disciplina, são
examinadas como parte integrante do ensino da mesma
disciplina; isto para que todo o processo educativo seja
dirigido definitivamente para o progresso integral da pessoa.
Enfim, a teologia católica, ensinada em plena fidelidade à
Escritura, à Tradição e ao Magistério da Igreja,
proporcionará um claro conhecimento dos princípios do
Evangelho, o qual enriquecerá o significado da vida humana
e lhe conferirá uma dignidade nova.

Mediante a investigação e o ensino os estudantes sejam


formados nas várias disciplinas de maneira a tornarem-se
verdadeiramente competentes no sector específico, a que se
dedicarão ao serviço da sociedade e da Igreja, mas ao
mesmo tempo sejam também preparados para testemunhar
a sua fé perante o mundo.

Sumário
A Universidade católica nasce do coração da Igreja, e
pela sua vocação, consagra-se à investigação, ao ensino e à
formação dos estudantes. Uma das características
essências de uma universidade de católica é o facto de ela
ter uma inspiração e fidelidade à mensagem cristã tal como
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 191

é apresentada pela Igreja, não só dos indivíduos, mas


também da Comunidade universitária enquanto tal. Nesta
Universidade, a investigação compreende necessariamente:
perseguir uma integração do conhecimento; o diálogo entre
a fé e a razão; uma preocupação ética; e uma perspectiva
teológica. Em virtude do empenho institucional esta
Universidade traz à sua missão a inspiração e a luz da
mensagem cristã.

Exercícios

1. Em que documento estão contidos os princípios


que norteiam uma Universidade Católica?
2. Indique os objectivos e características de uma
Auto-avaliação Universidade católica.
3. Qual é a missão de uma Universidade Católica?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 192

BIBLIOGRAFIA BÁSICA UNIDADE III

BERTAGNA Giuseppe, Valutare tutti valutare ciascuno,


Brescia, La Scuola, 2004, 240 p.

CHIOSSO G. (ed), Elementi di Pedagogia, editrice La


Scuola, Brescia, 2002.

VICO Giuseppe, I fini dell’educazione, Brescia, La Scuola,


1985.

BERTAGNA G., Pensiero manuale. La scommessa di un


sistema educativo di istruzione e di formazione di pari
dignitá, Rubettino, Catanzaro, 2006.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 193

Unidade IV- Parte contextual


A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EM
ÁFRICA

Introdução

Estas reflexões foram tiradas do curso de Filosofia da


Educação de José Paulino Castiano na UP (a.a. 2003-
2004)

Na África temos duas vertentes do pensamento sobre a


educação:

1) Africanista: construi a educação na base dos valores


tradicionais africanos (tradição): africanização da
educação, educação afrocéntrica. Asante: A ideia
afrocéntrica. Se rejeita tudo o que vem da Europa
(Edward W. Blyden).
2) Universalista em relação à escola (modernizadores):
não se questiona o paradigma moderno universal de
educação, mas como melhor contextualizá-lo. (James
Horton).

Em Moçambique, a filosofia educacional tem duas


vertentes:

1) quantidade da educação (número de escolas,


educação para todos, distribuição da rede escolar…).
Aqui não se questiona se é boa ou não esta
educação, mas “quando chega até nós?”
2) qualidade da educação oferecida por estas escolas:
alguém liga qualidade à melhor formação dos
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 194

professores, diminuição do número de alunos por


turma…; outros querem que se parte com a
aprendizagem da língua local. Qual é a instância que
vai validar os conhecimentos? Quem legitimaria os
curriculum?

Há vários que questionam as bases epistemológicas do


ensino.

Na Libéria e Serra Leão, no início do séc. XX , nascem


pensadores como Horton, Blyden… que influenciaram
todo o debate sobre a modernização ou africanização da
educação. Porque nestes países? Porque aí regressaram
os negros americanos e abriu-se uma porta na expansão
da civilização ocidental do ensino para a África. O
segundo motivo é que estes dois países tornaram-se
palco de 3 culturas diferentes: islâmica (Árabe), cristão-
ocidental (Inglês e Francês), tradições africanas (línguas
próprias). A cultura cristã e em parte a islâmica eram
vistas como superiores às tradições. Há uma influência
dos estudos antropológicos, literaturas, arte e viagens
exploratórias das “sociedades geográficas” que
alimentaram um sentido de inferioridade dos africanos
(Mudimbe nas suas obras: A invenção da África e A ideia
da África mostra como aconteceu este processo de
inferiorização).

A educação vem concebida como:

1. desenvolvimento económico: aprender ofícios, etc…


2. instrumento de luta contra a discriminação racial
3. afirmação da identidade
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 195

A Libéria se torna centro de debate. O primeiro centro de


formação de professores surgiu em Serra Leão em 1827,
e no 1845 a primeira escola secundária. As escolas
estavam filiadas às universidades europeias
(particularmente Inglaterra).

Ao terminar esta unidade, o estudante será capaz de:

• Analisar as principais ideias educacionais de Horton,


Bleyden e Nyerere;
• Identificar os antecedentes que ditaram o surgimento
da Educação Bantu.
Objectivos • Conhecer as características e objectivos da educação
tradicional.
• Conhecer a concepção que Ngoenha tem sobre a
educação.

• Distinguir o objectivo da educação da Missão Suíça,


da educação Portuguesa colonial
• Compreender o objectivo da educação no período
colonial.

• Analisar as aporias da educação em Moçambique.

• Discutir as Escolas em África e a educação para


todos.

• Analisar a ideia da Filosofia Africana Contemporânea


(Muntuismo).

África, educação, colónia, tradição, Horton, Bleyden,


Nyerere, Ngoenha, Castiano, Muntuismo, Personalismo.
Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 196

Lição n˚ 1
HORTON, BLYDEN e
NYERERE

Introdução
Nesta nossa primeira lição, da parte contextual vamos
analisar a visão educacional de Horton, Blyden e Nyerere.
Cada ponto de vista que um desses autores trazem teve
alguma motivação extra para tal e sempre procuram dar
respostas a alguns problemas da sua época. Para Horton a
educação deve ser financiada pelo estado; Blyden quer usar
a educação para libertar os africanos do colonialismo e
Nyerere quer ensinar para melhorar o povo e as escolas
deviam ser pequenas comunidades ujamaá.

Ao completar esta lição, você será capaz de:

• Analisar as principais ideias educacional de Horton;


• Conhecer o papel da educação em Blyden;
• Conhecer as mudanças curriculares implementadas
Objectivos por Nyerere;
• Saber como deve ser organizada a escola em
Nyerere.

Educação, Libertação, Estado, Comunidade, ujamaá.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 197

vt JAMES HORTON (1835-1883)

Estudou numa escola missionária em Free Town e


depois foi para a Inglaterra estudar medicina (para ser
enviado na guerra, pois os médicos brancos não queriam ir
para a guerra).

Horton sustenta que a educação deve ser estatal: o


estado deve providenciar e financiar as actividades da
educação. A educação deve ser também secular e não só
missionária. As escolas missionárias tinham que seguir o
curriculum da escola do estado.

Luta para uma escolaridade obrigatória para todas as


crianças de 7 a 14 anos, e também a rapariga deve ser
beneficiada. Administrativamente falava em “distritos
educacionais”: proporcionar o número de escolas com o
número da povoação.

A administração escolar deve ser centralizada num


único sistema em que haja uniformidade em termos de
disciplina, mesmos conteúdos, mesmo métodos e
avaliações: isso para garantir a igualdade de oportunidades.

A formação dos professores devia ser estatal e


central (para todo o país): deviam ser bem formados e ter
bons salários.

A expansão quantitativa da escola deve ser numa


forma pragmática: não fechar as escolas missionárias mas a
pouco a pouco secularizá-las.

As línguas: divide o ensino das línguas em duas


partes: as línguas africanas devem ser escritas e depois
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 198

passar para as escolas. O inglês permanece como língua


diplomática. Era favorável ao ensino do árabe.

Universidades de Horton.

A África deve fundar as suas próprias Universidades:


o africano não deve deslocar-se para Europa para estudar.
As matérias devem ser mais sobre as ciências naturais que
podem desenvolver a África: aritmética, álgebra,
geometria… disciplina gerais a serem ensinadas em toda as
universidades africanas. Essas disciplinas podem eliminar
problemas aos estudantes. Insistem também na geologia,
botânica. Abriu espaço para a filosofia, bibliografia, literatura
inglesa, filosofia política, direito, música e desenho. Não
chegou aos aspectos metodológicos e didácticos.

Principais ideias de Horton:

- Reformular todo o sistema de educação na Libéria;


- O estado deve assumir a responsabilidade e controle
de todo o sistema educativo;
- A sua ideia de fundar universidades não foi
concretizada, mas apenas conseguiu atrair jovens para o
colégio e para depois terminarem fora do país.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 199

vu Edward Wilmot Blyden (1832-1912)

Opção africanista.

Nasceu em St. Thomas, Virgin Islands.Seus pais


eram descendentes dos iberos. Horton era um mestiço, mas
Blyden era negro e tinha muito orgulho disso.

Antonhy Appiah em In my father’s hose, diferenciava


o racismo do “racialismo”.

Blyden tem ideias raciais. Emigrou para os EUA pago


por um branco que quis patrocinar seus estudos teológicos.
Foi rejeitado por 3 vezes de frequentar estudos nas escolas
missionárias por ser de raça negra. Decidiu voltar para a
África em 1847 na companhia de outros regressados.

Foi ordenado como pastor presbiteriano em 1851.


Estudou grego, latim, geografia e matemática.

Desenvolve a ideia de revitalização cultural dos


africanos inserida no artigo de 1857 A vendication of negro
race.

Ideia base da revitalização: mobilizar o maior número


possível de negros dos EUA para regressarem à Libéria
para depois difundirem a mensagem pan-africana, ou
integração dos negros para toda África. Queria devolver o
lugar que os negros merecem na cultura universal.

A Educação tem um papel importante para a


libertação do negro do sentimento de inferioridade
implantado pelo colonialismo. Lutar contra a superioridade
racial do branco. Fundou um jornal na Libéria The negro que
estava virado para lutar contra a superioridade do branco.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 200

Filosofia africanista de Blyden.

• Como combater o mito da superioridade europeia


perante o africano?
• Como transformar os africanos num continente
respeitado no mundo?
• Como criar um futuro melhor para os africanos?

Para Blyden os europeus são diferentes dos


africanos. Os europeus são duros, competitivos,
materialistas, mais virados à ciência e à indústria e
esqueceram Deus. Os africanos são amenos, carinhosos,
servis, afectuosos. Cada raça tem características diferentes,
como contraposição às teorias que mostravam a
superioridade da raça banca. Estas diferenças são
complementares umas das outras. Há uma tendência de
universalidade cultural; cada raça contribui de forma
diferente nesta cultura universal. Na raça africana, devido à
sua inferioridade, os africanos são impedidos de desenvolver
as suas capacidades de cultura universal.

Resumo das ideias filosóficas de Blyden.

1. Unidade de todas as culturas em que no centro há Deus;


2. Igualdade e particularidade de cada cultura;
3. Complementaridade entre as culturas;

As ideias educacionais de Blyden.

• Educação africanizada.
• Critica a educação europeia. Deve-se educar as
crianças a viver num mundo não dividido.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 201

vvJULIUS K. NYERERE

1. Pensamento filosófico

Polémico considerar Nyerere como filósofo. O


substrato do seu pensamento parte do colonialismo na
Tanzania e África em geral. O colonialismo destruiu as
bases culturais.

2. Socialismo africano.

Existe um socialismo africano: o homem social que


convive. O colonialismo destruiu as bases do socialismo
africano inicial, que tinha como base a família alargada:
ujamaá em Swahili.

Características do socialismo africano: Trabalhar para


todos. Fazer. Igualdade e dignidade humana. Todos nós
temos necessidade do outro como busca de apoio.

3. Ideal educacional.

Educação para auto-segurança, auto-suficiência.


Ensinar para melhorar o povo; deve servir para a
comunidade. Nova estrutura escolar: estratégica prática
(priorizar os adultos). Criou campanha educacional, de porta
em porta, de casa em casa. Ensinar como fazer economia
doméstica.

Muitas mudanças no curriculum: Ingresso na escola


não com 8 anos mas com 5 (ligava teoria e prática); 14-15
anos: período secundário, intrínseco no trabalho manual; 17
anos deixava o secundário. O ensino superior não era
obrigatório.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 202

Organização nas escolas. As escolas deviam ser


pequenas comunidades ujamaá. As aldeias deviam formar
famílias alargadas com os bens. As machambas devem ser
base nas escolas.

A escola deve ser auto-suficiente em duas vertentes:

1. Económica: produzir o suficiente para que nenhum


membro do ujamaá morra de fome.
2. Moral: compreende princípios que a educação deve
promover, que são os mesmos valores do socialismo
africano: igualdade, humanismo, autoconfiança,
solidariedade e cooperativismo.

Os valores morais devem estar ligados aos valores do


saber fazer.

Sistema de exames: Os exames devem ser locais.


Tem o mesmo peso como os relatórios da machamba. Os
exames não serem só por escrito mas coordenados com
exames práticos.

Foi o primeiro pensador a fundamentar o socialismo a


partir da tradição africana.

Nyerere pela primeira vez fundamenta a democracia


não como sistema mas como valores e predisposições
sociais:

- o valor do humanismo
- a dignidade da hospitalidade
- espírito do trabalho colectivo
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 203

Sumário
Para Horton, a educação e a formação de professores
deve estar subordinada ao estado, e os africanos devem
deixar de depender dos europeus e fundarem as suas
próprias universidades. Blyden vem usar a educação como
instrumento de libertação do africano frente ao colonialismo
europeu, e por via disso critica a educação europeia,
alegando que estes sempre se esquecem de Deus, estando
mais ligado a ciência e técnica; Nyerere veio defender uma
educação para auto-segurança e auto-suficiência que devia
ensinar para melhorar o povo, não permitindo que estes
morram de fome e desenvolvam os valores do socialismo
africano. Este implementou mudanças no currículo, tendo
reduzido os anos de ingresso a escola de 8 para 5 anos.

Exercícios

1. Como deve ser a formação dos professores na


perspectiva de Horton?
2. Qual é o papel da educação na perspectiva de Blyden
Auto-avaliação 3. Estabeleça a diferente entre europeus e africanos em
Blyden.
4. Qual é o ideal educacional de Nyerere?
5. Identifique as mudanças curriculares implementadas
por Nyerere;
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 205

Lição n˚ 2
A EDUCAÇÃO BANTU NA
ÁFRICA DO SUL

Introdução

Nesta lição vamos falar da educação Bantu na África do Sul.


Numa primeira fase vamos trazer um breve contexto e os
antecedentes que ditaram a educação Bantu na África do
Sul, depois vamos fazer um desenvolvimento da Bantu
Education Act de 1953 e por fim o movimento de resistência
à Bantu Education.

Ao terminar esta lição, o estudante deve ser capaz de:

• Identificar os antecedentes que ditaram o surgimento da


Educação Bantu.
Objectivos
• Compreender a natureza dos conflitos entre as missões
e o apartheid.
• Criticar algumas medidas da Bantu Education.
• Analisar os movimentos de resistências à Bantu
Education.

Terminologia
Missões, apartheid, Bantu, brancos, negros.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 206

A EDUCAÇÃO BANTU NA ÁFRICA DO SUL

1. Contexto e antecedentes.

O termo Bantu (gente) foi utilizado em South Africa


numa forma ideológica-política por parte do apartheid para
classificar o tipo de educação especial devia-se dar aos
negros.

O apartheid foi estabelecido oficialmente em 1948 e a


educação Bantu cinco anos mais tarde tornou-se uma lei.

O Que antecede a promulgação desta lei?

Os 90% das escolas frequentadas por negros eram


dos missionários que vinham de diferentes países como a
Inglaterra, Suíça... e de congregações diferentes como
metodistas, católicos, anglicanos, etc.

Alguns interesses de educação eram mais


compatíveis com os farmeiros (trabalho manual) e outros
eram mais compatíveis com os interesses do governo
(obediência, servilismo, etc).

Na maioria das missões a língua era a local: esta


opção era mais para facilitar a evangelização.

Conflitos com o apartheid.

1. Nas missões se ensina a ler e escrever junto com a


doutrina cristã (Bíblia): a educação era um instrumento
usado para evangelizar. O apartheid sentia que não tinha
controlo sobre os valores morais e éticos transmitidos aos
negros.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 207

2. As pessoas passavam mais tempo com os


trabalhos práticos, a educação era especialmente de artes e
ofícios. Isso era também para sustentar as missões e outras
actividades e para ensinar ao negro a auto-sustentar-se. O
medo do apartheid era mesmo de que o negro se tornasse
autónomo.

3. As missões criam uma espécie de auto-


alimentação: alguns negros recrutavam outros negros para
serem acólitos, e outros para serem professores,
catequistas... formaram elites.

Os curricula destas escolas missionárias eram


diferentes: nas escolas tradicionais: latim, grego, etc.; nas
escolas missionárias: curriculum “africanizados” com
profissões locais, línguas locais, trabalhos manuais ou
ofícios…

Crítica contra as escolas missionárias.

1. A educação era mais virada para o trabalho manual


sem preocupar-se da formação académica dos
negros. Os negros não podiam assim fazer carreira,
mas só fazer trabalhos duros.
2. Racismo: nas escolas eram separados brancos e
negros.
3. Papel da mulher na educação: elas aprendiam
costura, culinária, lavagem de roupa, cuidar da casa...

II. A “Bantu Education Act” de 1953.

Em 1953 foi promulgada a Bantu Education com uma


lei. Foram retiradas as escolas das missões para serem
nacionalizadas. A administração destas escolas devia ser
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 208

feita pelo departamento de educação do ministério dos


“assuntos dos nativos”.

Colocam-se barreiras administrativas às escolas


missionárias: separação do sistema de financiamento das
escolas. O financiamento das escolas dos negros era ligado
aos impostos que os negros pagavam.

Os professores deviam ser formados pelo estado e os


programas os mesmos das escolas estatais.

O arquitecto desta lei foi Hendrik Vevwoerd (ministros


dos assunto dos nativos e depois foi 1º ministro): é o pai do
apartheid; ele estudou na Alemanha nazista (o nome do filho
era ISAN: lendo ao contrário dá NASI).

III. O movimento de resistência à Bantu Education.

1. A primeira resistência foi da própria igreja que rejeita este


tipo de educação que discriminava os negros: eles têm
direitos iguais aos outros.

No mercado do trabalho havia discriminação: a igreja


era contra a separação. Umas igrejas fecharam as suas
escolas (metodistas, presbiterianas e congregacionalistas):
alugaram às comunidades. A igreja anglicana fechou
completamente e recusou de entregar as escolas ao estado.
A igreja católica manteve as escolas, recusou de entregar ao
estado, mesmo sem apoio. Como reacção o estado cortou
os subsídios à igreja católica e consequentemente abaixou
muito a qualidade pois os professores recebiam a metade
em relação aos professores estatais.

2. Outra resistência foi organizada pelos movimentos


políticos: em 1955 a ANC organiza o boicote desta lei:
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 209

queriam retirar as crianças das escolas oficiais e encontrar


alternativas educacionais (isto também foi criticado pelas
igrejas).

O ANC lutou pelo movimento de Open Schools. A


partir de 1976 começaram a influenciar escolas que
aceitavam brancos, para aceitar também negros com a
justificação religiosa que todos aprendiam o mesmo tipo de
fé. Estas escolas eram caras e localizadas nas casas ou
farms dos brancos.

3. Terceiro grupo social foi dos sindicatos. As condições dos


professores eram de baixo salário e trabalhavam dois turnos.
Muitas escolas fecharam e muitos professores ficaram
desempregados.

4. Outro grupo que resistiu foi dos estudantes. A nível de


universidades em 1957 a University Act cria universidades
separadas, proíbe que os negros frequentem as
universidades dos brancos. Cria-se a universidade dos
negros (Zulu-lândia), a Kuazulu-Natal, Fort Hara, Turtloop;
universidades para indianos em Durban e outras para os
mistos na Cidade do Cabo.

Nestas universidades criam-se os movimentos


estudantis, tipo black consciousness. Um dos líderes é Steve
Biko, preso pelo apartheid, torturado e desaparecido. Define
o negro não pela pele mas pela condição de existência:
todos os que são oprimidos, todos os povos marginalizados.

5. Outro movimento foi o que combina com o massacro de


Soweto em 1976: o ministro da educação ordena que
metade das disciplinas das escolas primárias e secundárias
fossem ensinadas em afrikans (língua dos boers). Os
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 210

estudantes e pais não estiveram de acordo e em Junho de


1976, 20.000 estudantes foram manifestar contra o afrikans
como língua de ensino.

NB: Em 1975, Moçambique ficou livre e também os


negros da África do Sul viram que é possível libertar-se do
domínio dos brancos.

Sumário
A educacao Bantu, que antes era uma ideologia
política (Batu) e depois tona-se uma lei, era subordinada ao
apartheid e tinha como objectivo a nacionalizacao das
escolas por parte do Estado, com a separacao de escolas
para negros e brancos. Essa lei racista criou álguns
movimentos de resistencia, que por via disso, muitas Igrejas
(90 % das escolas frequentadas por negros eram
missionárias) fecharam as portas; houve também
resistencia dos movimentos políliticos, dos sindicatos, dos
estudantes que criam o movimento black consciousness
para negar a criacao de universidades separadas para
negros, brancos, indianos e outros milhares que manifestam
a lei segundo a qual o afrikans tinha que ser a lingua
principal de ensino no Ensino Primário e Secundário.

Exercícios

1. Qual era o objectivo da educação nas missões?


2. Quais foram as primeiras medidas tomadas pelo
apartheid após a promulgação da lei “Bantu
Auto-avaliação
Educaction”?
3. Em linhas gerais identifique os movimentos de
resistências à Bantu Education.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 211

Lição n˚ 3
A EDUCAÇÃO TRADICIONAL
EM MOÇAMBIQUE

Introdução

Esta lição é dedicada à reflexão sobre a educação


tradicional no nosso país. Por educação tradicional não se
deve perceber como aquela educação atrasada ou antiga,
mas sim aquele que é reservada á família/comunidade e que
se dá conforme os valores africanos e pelos africanos.

A nossa reflexão sobre a educação tradicional vai


respeitar a visão de dois teólogos africanos, que a seguir
vamos desenvolver as suas ideias.

Ao terminar esta lição, o estudante deverá ser capaz de:

• Conhecer as características da educação tradicional.


• Caracterizar os momentos principais da iniciação
tradicional.
Objectivos • Identificar os objectivos da educação tradicional.

Terminologia
Tradição, família, comunidade, iniciação, África.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 212

1. ADRIANO LANGA

(As ideias educacionais de A.Langa foram tiradas da


palestra que deu na UniSaF no mês de Maio 2008 sobre a
Educação tradicional e Educação Católica).

A.Langa delimita a sua reflexão sobre a educação


negro-moçambicana (pois em Moçambique existem várias
raças e culturas diferentes), que ele define como Educação
Tradicional.

Esta Educação tradicional tem as seguintes características:

1. Uma educação unitária, pois não há divisão entre sagrado


e profano; natural e sobrenatural: Há um só mundo”.

2. Uma educação teocrática: Para o moçambicano Deus é o


ponto de partida e de chegada, é fonte da vida. Langa
reconhece que este tipo de educação pode ser acusada de
ser primitiva e obscurantista, e por isso convida a uma
reflexão pacata. Salienta que quando se elimina a religião
surgem muitas outras “religiões”.

3. Uma educação homocêntrica: a pessoa humana está no


centro das preocupações, para que o homem tenha uma
vida forte. Para alcançar a vida basta seguir o “código
restrito”: respeitar a divindade; seguir a tradição dos
antepassados; promover a vida; etc.

4. Uma educação faseada: se respeita a idade, mesmo que


o educando parece mais maduro, pode conhecer só aquilo
que é permitido na sua idade. Existem conteúdos diferentes
por cada fase de crescimento, assim como cada assunto
tem o seu ambiente próprio (no ar livre, no bosque, de
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 213

madrugada, etc.). Isso para acertar o momento receptivo


melhor do educando.

5. Uma educação participativa: “A educação na sociedade


tradicional é tarefa de toda a família nuclear e alargada e de
toda a sociedade”. Há assuntos reservados às tias paternas,
tios paternos, etc., pois a educação dos filhos não é
monopólio dos pais: os pais “zelosos” que educam sozinhos
os seus filhos “intocáveis” somente encontraram graves
problemas no futuro.

Entre pais e filhos não pode existir muita proximidade


ou familiaridade, pois isso tiraria o respeito devido aos pais.
Por isso os assuntos sobre a sexualidade não devem ser
tratados pelos pais, mas somente pelos tios.

A.Langa trata em seguida do choque cultural


acontecido com a chegada do colonialismo, “porque o
colonizador se apresentou cheio de força e complexo de
superioridade e de saber, a ponto de ele negar a existência
da cultura do colonizado”.

O sistema educativo do colonizador baseava-se na


escola, e do colonizado na família e sociedade.

O governo colonial se servia também da igreja para a


educação: mas Langa lembra-nos que entre estado e igreja
sempre houve uma tensão permanente. Houve conflitos,
com consequente expulsão ou perseguição de padres,
irmãs, seminaristas e bispos.

Langa sintetiza os valores da educação católica:


promoção do homem moçambicano; da mulher (muitas
meninas foram mandadas estudar por parte dos padres); da
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 214

educação integral; da cultura local (particularmente as


línguas); da libertação política, económica e cultural do
moçambicano; da autonomia e da liberdade religiosa.

O nosso autor acusa a educação católica de ter


exautorado a família, pois os filhos eram tirados do lar
familiar para serem educados conforme aos valores
ocidentais (“filhos do padre”). Mesmo assim os filhos depois
voltavam para a família e continuava a educação tradicional
deles. Daí o “drama” do africano que tem uma dúplice
consciência: uma tradicional e outra cristã/ocidental.

O conflito foi consequência da tentativa de fazer


“tábua rasa” à visão tradicional, como se ela não existisse.
Deve ser perseguido o ideal da complementaridade pois
cada sistema deve aprender também dos outros, pois “A
verdadeira Sabedoria não conhece cor, não conhece terra,
não conhece civilização e a Verdade não envelhece, ela é
eterna e com ela está a VIDA”.

OBS. Depois de ter exaltado e defendido a


particularidade da cultura, A.Langa parece concluir na
defesa do universalismo da educação.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 215

2. AMARAL BERNARDO AMARAL

Amaral B. no seu artigo “Matriz estruturante da cultura


tradicional africana” dedica um parágrafo ao tema “O método
educativo da Cultura Tradicional Africana”. Ele sustenta que
a educação tradicional é mais marcante de todas as outras
educações que o africano recebe na sociedade. Esta
educação tradicional africana é caracterizada pelo método
iniciático.

O nosso autor escreve: “A iniciação tradicional é


baseada na concepção da vida como uma longa viagem de
crescimento em que o indivíduo, guiado pela mão dos mais
velhos, vai passando, gradual e progressivamente de uma
fase da vida a outra; de “menos ser para mais ser”, até
atingir o pleno estatuto de “muthu”, isto é, de pessoa
madura, consciente, autónoma, responsável, solidária e
comunicadora da vida. Na visão bantu das coisas, a pessoa
não nasce já feita, mas vai se fazendo gradualmente no
processo iniciático através de instruções, ritos, símbolos e
cerimónias.

O método iniciático africano imprime sempre uma


mudança radical na pessoa que é iniciada. A pessoa deve
passar por uma renovação interior profunda que lhe
modifica, não somente os comportamentos, as atitudes, a
mentalidade, a vida, mas também o próprio ser. Raul Altuna
diz tratar-se de uma verdadeira “transformação
ontológica”.

São três os momentos principais da iniciação tradicional:

1. A separação: há um corte com os mimos do passado e a


criancice, através da ruptura da separação física do
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 216

ambiente familiar para ser mandado na floresta por vários


dias.

2. O isolamento: é o momento mais forte da iniciação, pois


“É neste período de reclusão total que se faz a revelação
dos mistérios e segredos da tribo; que se dá o ensinamento
dos ideais e princípios fundamentais da sabedoria
tradicional, através de provérbios e contos; que se narram as
páginas mais gloriosas da história da tribo, com a
apresentação dos heróis e modelos de imitar; que se
ensinam os princípios religiosos, éticos e morais e as
normas que regulam a vida e a convivência na comunidade.
Na floresta os iniciados recebem noções práticas de vida do
dia-a-dia, sobre como resolver problemas concretos, como
enfrentar com serenidade as dificuldades; como governar
sabiamente o lar etc.”

3. A reintegração: na floresta morre a criança e nasce o


homem adulto. O iniciado é apresentado a comunidade na
qual entra a fazer parte a pleno título: recebe um
acolhimento jubiloso, um nome novo e um vestido novo.

Na conclusão Amaral indica a “sete categorias”


existenciais da cultura tradicional africana.

Ao nosso modo de ver estas categorias são fundamentais


para a elaboração de uma FdE africana que se fundamenta
sobre os valores mais autênticos da cultura africana.

Sumário
Como se avançou na introdução, a reflexão sobre a
educação tradicional olhou a perspectiva de dois teóricos. O
primeiro é Adriano Langa, que caracteriza a educação
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 217

tradicional como unitária, teocrática, homogénea, faseada e


participativa, onde os filhos devem respeitar em demasiado
os pais. Langa continua alegando que com a chegada do
colonialismo houve um choque cultural, pois os colonialistas
negaram a cultura africana - que se transmitia na família e
sociedade - e vieram impor a cultura europeia com a criação
de escolas e servindo-se da igreja, deixando os africanos
perplexos. O outro teórico é Amaral Bernardo Amaral que
valoriza em demasiado o papel da educação tradicional e
considera que esta acontece por meio da iniciação. É
através da iniciação, que o individuo torna-se pessoa
(muthu) com a ajuda dos mais velhos que lhe vão orientando
paulatinamente em como viver em sociedade. Amaral
continua afirmando que a iniciação sofre três momentos
principais: o primeiro é o da separação da com família; o
isolamento, onde vai receber todo tipo de educação: moral,
ético, religioso, político, social, etc.; e a reintegração como
um homem adulto que deixou de ser criança

Exercícios

1. Em poucas palavras, fale de como ocorre a


educação tradicional em sua comunidade.
2. Em sua opinião, entre a educação tradicional e a
Auto-avaliação ocidental que é a mais importante. Justifique.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 218

Lição n˚ 4
SEVERINO ELIAS
NGOENHA

Introdução
Após termos analisado a visão de dois teólogos sobre
a educação tradicional em Moçambique, é chegada a vez de
discutir a ideias de um filósofo – pesa embora quem faz
teologia tem conhecimentos acentuados de filosofia.

O ponto de partida desta reflexão vai ser a obra do


próprio autor Estatuto e axiologia da educação.

Ao terminar esta lição o estudante deverá ser capaz de:

• Conhecer a concepção que Ngoenha tem sobre


a educação.
• Identificar o fim da educação portuguesa.
Objectivos • Distinguir o objectivo da educação da Missão
Suíça, da educação Portuguesa colonial.
• Analisar o objectivo e fim da educação em
Moçambique.

Educação, identidade, modernidade,


nacionalismo e missões religiosas.
Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 219

SEVERINO ELIAS NGOENHA

No Prefácio à obra de Severino Ngoenha Estatuto e


axiologia da educação,52o Prof. Doutor José Paulino
Castiano interroga o autor sobre “qual seria a preocupação
fundamental de toda a sua reflexão filosófica”. O autor
responde que o ponto de partida é que ele é moçambicano e
africano, então trata-se de um pensamento nacionalista. E
daí, vendo a situação de escravatura em que se encontra
ainda o negro africano ele se pergunta, se o Saber pode ser
instrumento de libertação. Responde positivamente.

O desafio é reflectir sobre a relação entre identidade e


modernidade. È importante ficar firmes nas próprias
tradições sem negar o direito da existência dos outros.

Ngoenha introduz a sua obra com a afirmação:


Educar ou perecer. E se pergunta, se a educação tem valor
soteriológico (a educação significou mais igualdade e mais
desenvolvimento para todos?); que tipo de educação
precisamos? Para que sociedade educar? Quais os valores
pressupostos? (Foram feitos muitas políticas pedagógicas
mas não correspondentes às necessidades reais de
Moçambique).

Educar é transmitir valores. A Educação tem duas


bases: uma filosófica (teoria) e uma científica (prática). Não

52
NOGOENHA S., Estatuto e axiologia da educação, Livraria Universitária
UEM, Maputo. 2000
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 220

é possível educar ou fazer uma teoria da educação sem uma


ideia de homem, sociedade, história, cultura, vida: precisa
olhar não tanto à metodologia (ou didáctica) mas aos
conteúdos axiológicos que se quer transmitir, definir os
objectivos (a pedagogia as vezes confunde os métodos com
os objectivos).

O debate actual no campo da educação (mas não só)


é sobre a relação que deve existir entre a identidade étnica e
a modernidade (Estado).

No Cap. I o autor trata do estatuto do saber e do


sistema educativo em Moçambique. O Moçambique negou
qualquer filosofia na formação e educação, negando assim
de fazer da moçambicanidade o valor basilar da educação
nacional (deixa os conteúdos axiológicos ao arbítrio de cada
instituição de ensino).

_ Mas quais são os valores constitutivos da


moçambicanidade?

O fim da educação portuguesa era para


“aportuguesar” os indígenas, de facto o seu programa de
ensino não tinha nada a ver com Moçambique. Com a
imposição da língua portuguesa houve a nacionalização mas
também a desnaturalização de Moçambique. Objectivo era
de manter a opressão e o domínio.

O Moçambique quais valores transmitir? Aqui o autor


cita as críticas dos mesmos intelectuais africanos a respeito
das próprias tradições.53

53
Id. p. 47
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 221

O encontro entre ocidente (no se aspecto positivo e


negativo) e África foi uma “aventura ambígua”: para alguns
tratou-se do encontro de duas realidades distintas
identificando o ocidente com o racionalismo, pragmatismo e
materialismo e a África com a autenticidade, a fé, o amor
aos irmãos, humanismo. Para outro este encontro produziu
um híbrido cultural ou um “bastardo” cultural.

A educação missionária-colonial teve uma história


controversa.

O Portugal em 1800 expulsou os jesuítas (Marquês


de Pombal)e extinguiu congregações religiosas (Joaquim
António de Aguiar 1834), com enorme dano à educação em
Moçambique, pois Portugal não aguentava a escolarização
nem de todos os portugueses de Moçambique.

Na Conferência de Berlim (art. 6 do “Acto Geral”) a


Itália propus a liberdade religiosa para a África e isso teve
uma enorme e imediata repercussão política.54 O Governo
português que era maçónico e anticlerical, foi assim
obrigado a apoiar as missões católicas pois outros
missionários estrangeiros e não portugueses poderiam ter
“levado as terras deles”: “o dilema português era simples: ou
continuava a sua guerra anti-eclesiástica e perdia as
colónias ou então, para poder continuar a sua aventura
colonizadora, fazia um matrimónio de razão com a Igreja e
suscitava missões portuguesas”.55

O Portugal saiu da Conferência de Berlim muito


redimensionado: certos críticos dizem que se Portugal não

54
Id. p. 62
55
Id. p. 63
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 222

tivesse extinguido as Missões religiosas, a partilha de Berlim


teria sido diferente. Foi assim que em 1887 surgiu a Junta
Geral das Missões e o Governo começou a conceder
subsídios a algumas missões. Outras congregações, porém
(como congregações estrangeiras ou os jesuítas), não eram
“maleáveis”. O Governo exigiu a entrega dos estatutos (em
1919) para conferir quais delas não trabalhassem para a
portugalidade. O Vaticano, porém, interveio ordenando de
não entregar tais estatutos. Aumentou ainda mais o anti-
clericalismo.

A partir de 1922 as missões religiosas (e católicas em


particular) foram equiparadas às laicais. Aos missionários se
entrega a escolarização dos indígenas. A língua portuguesa
se torna obrigatória (só a religião pode usar a língua local).
Uniformiza-se o ensino em todo o Império (para facilitar as
mudanças dos portugueses) que não tinha nada a ver com
os problemas de Moçambique. Constroem-se algumas
escolas técnico-profissionais e em 1962 a primeira
Universidade (UEM).

Em 1975 houve a nacionalização das escolas: porque


isso aconteceu mesmo sabendo que a nova república não
teria aguentado? Porque finalidade da educação era o
nacionalismo moçambicano com estes três objectivos: 1.
estender a rede escolar a um maior número de alunos; 2.
veicular o sentido de pertença à nação moçambicana
(combate ao tribalismo); 3. educar para enfrentar os
problemas reais do novo Moçambique. Mas se a qualidade
da educação portuguesa já era fraca (última na Europa),
piorou ainda mais com a nacionalização, (também porque
foram destruídas as estruturas com a guerra civil).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 223

Severino Ngoenha passa a reflectir sobre o


paradigmático questionamento da missão suíça, que saindo
do contexto romântico (Goethezeit) e em contrasto com a
sua terra, viu os seus missionários chegarem em África e
colocar-se inicialmente como alunos dos indígenas para
aprenderem a sua língua. Aprender a língua era necessário
para a evangelização. Para os protestantes, todos os
cristãos deviam ter a sua própria bíblia e por isso precisava
escreve-la na língua local. Aprenderam a língua oral para
recriá-la como nova língua escrita, transformando
(“manipulando”) a cultura local e “criando” a etnia dos tsonga
nome que significa “pequenos, servidores” e que para Junod
eles tinham que aceitar querendo como não.

Dentro da mesma missão suíça havia quem propunha


uma educação uniformizadora e assimilacionista e que
defendia as particularidades culturais. Junod em particular
não queria a assimilação dos tsonga aos brancos ateus e
viciosos. Para os portugueses se tornava difícil aportuguesar
estes nativos, por isso apoiou mais as missões católicas
contra estes estrangeiros e protestantes. Nasceu o contraste
entre a Igreja Católica e Protestante. A missão suíça foi
redimensionada; o seu projecto de colonização era diferente
a o dos portugueses. Ela passou a ser considerada
subversiva e a formar uma oposição ao regime colonial (os
mintlawa). A M.S. procurou manter a língua tsonga para
segurar a sua elite (até a chegar ao ponto de não envia-los
aos estudos superiores para não perde-los).56 Na África do
Sul o governo apoiava este projecto da M.S. pois secundava
a sua educação separatista indígena (Apartheid). A M.S. era
assim fechada no seu gueto. Até Junod não queria que os

56
Id. p.186
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 224

negros fossem educados para serem integrados aos


brancos. Para os bóeres e Junod os negros eram
ontologicamente para os primeiros, histórico-culturalmente
para o segundo, inferiores.

Os formados pela M.S. não responderam às


expectativas pois se tornaram ateus (marxismo-leninismo) e
defensores da nacionalidade contra o tribalismo (adopção da
língua portuguesa).

Em conclusão para Ngoenha, qual política


educacional, quais pressupostos da educação? Ele propõe:

Uma educação baseada nas línguas nativas;


educação para a responsabilidade, mais comprometida com
o desenvolvimento da Nação (atenção ao Mundo e ao
Moçambique). As Universidades devem tornar-se centros de
investigação.

Sumário

Na relação entre a identidade e a modernidade,


Ngoenha adverte que não devemos perder a nossa
identidade, mas também não devemos negar o direito da
existência dos outros. Continua afirmando que educação é
transmitir valores e essa transmissão tem duas bases, uma
teórica e outra prática, ou seja, filosófica e científica,
respectivamente. A educação deve se basear nas línguas
locais que olha para o país, para o desenvolvimento deste e
as universidades não devem simplesmente ensinar, mas sim
proporcionar a pesquisa de modo a se tornarem centros de
pesquisas.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 225

Exercícios

1. Diante do desafio entre identidade e modernidade


qual é a saída em Ngoenha?
2. Quais são as bases da educação e em que
Auto-avaliação consistem?
3. Qual era o fim da educação, com a
nacionalização das escolas em 1975?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 226

Lição n˚ 5
JOSÉ PAULINO CASTIANO

Introdução

As ideias do Prof. Castiano sobre a educação foram


tiradas da obra: CASTIANO J.P., BERTHOUD G. e
NGOENHA S.E., A longa marcha duma “educação para
todos” em Moçambique, Editor Imprensa Universitária, 2
edição, Maputo, 2005.

O texto em seguida, sobre a apresentação deste livro


do J.P.Castiano, é de autoria da Mestre: Telma Luís
Nhantumbo.

Ao completar esta lição, você será capaz de:

• Compreender o objectivo da educação no período


colonial.
Objectivos
• Conhecer as medidas tomadas pelo Governo para
sair da crise de 1987-1992.
• Analisar as aporias da educação em Moçambique.
• Discutir as Escolas em Africa e a educação para
todos.

Educação para todos, crise, colonial, MEC, PRE, SNE.

Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 227

JOSÉ PAULINO CASTIANO

As Políticas de Educação e a sua Implementação em


Moçambique (1498-2002)

Em 1505, iniciou a dependência da África Oriental do


Estado Português, e em 1820 com a Revolução Liberal em
Portugal iniciou a política da assimilação dos
Moçambicanos. Uma nota importante do movimento foi a
abertura de um espaço para o debate sobre a questão da
assimilação e sobre as formas e o sistema de governação
do império, em tornoda centralização e descentralização da
administração portuguesa. António Enes proclama que
“Missionários para África é na África que se educam”.
Podem ir para lá padres, mas lá é que hão-de aprender a ser
missionários. Compreende-se que a sua preocupação era de
criar a Congregação das Missões Portuguesas da África
Oriental, uma organização destinada a reunir e habilitar
pessoal para os serviços eclesiásticos, para difundir a fé
religiosa e moral, assim como para o professorado primário
da Diocese de Moçambique.

No período anterior a 1845, a educação dos filhos dos


portugueses é garantida por padres, alguns professores
particulares, escolas regimentais, etc. Em Agosto do mesmo
ano é estabelecido o regime das escolas públicas em
Moçambique. Antes do estabelecimento deste regime havia
escolas primárias na Ilha de Moçambique, fundadas em
1799 e em 1818 foram fundadas outras em Quelimane e Ibo.
Sempre no mesmo ano, o ensino formal passa a ser dividido
em dois níveis:

1. o primeiro grau ministrado nas escolas elementares


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 228

que compreendia a Leitura, Caligrafia, Aritmética,


Doutrina Cristã e História de Portugal;
2. o segundo grau destinado às escolas principais as
quais compreendiam no seu programa Português,
Desenho, Geometria, Escrituração, Economia e Física
Aplicada. O número das escolas elementares
expandiu-se para Inhambane (1856), Mopeia (1895) e
Lourenço Marques (1907).

Em 1911, culmina com o surgimento da primeira


escola secundária, em Lourenço Marques, escola comercial
e industrial “05 de Outubro”, mais tarde (1918) transformada
em Liceu.

A educação neste período começa a ter um cunho rácico


e marginalizante: os chamados “povos primitivos” deviam ser
civilizados sim, mas lentamente e a sua educação devia,
sobretudo, estar virada para a formação em trabalhos
manuais. Além disso, esta educação devia estar em
harmonia com os usos e costumes e com o grau de
desenvolvimento intelectual e moral do povo indígena.

Em 1929/30 surgem leis e regulamentos que tentam


organizar o ensino indígena, os programas para o ensino
primário rudimentar, para as escolas de artes e ofícios, as
escolas de habilitação de professores indígenas. Existência
de 3 tipos de ensino para os indígenas; ensino primário
rudimentar; profissional e normal.

Em 1961 é abolido o Estatuto do Indígena devido à


reacção dos povos Africanos com o início de movimentos de
libertação em África. Esta abolição leva ao surgimento de
reformas no ensino.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 229

Em 1975 Proclama-se a Independência em


Moçambique e dois anos depois surgem muitas
transformações em todas as esferas da sociedade, como por
exemplo a administração do Estado incluindo a Educação.
Na Educação houve mudanças de currículos, nos
procedimentos administrativos nas escolas.

Em 1976 foi fundado o Ministério da Educação e


Cultura (MEC). Os desafios que se colocaram foram a
reestruturação da administração da educação, a construção
de estabelecimentos para o Ensino Técnico Profissional, a
formação e a contratação de professores, a extensão das
oportunidades educativas para os adultos e trabalhadores
que até então haviam sido excluídos do sistema, o
desenvolvimento de novos programas de ensino, assim
como de novos materiais educacionais. Mais tarde é
introduzido o Sistema Nacional de Educação com objectivo
central a formação do Homem Novo, um homem livre do
obscurantismo, da superstição e da mentalidade burguesa e
colonial, um homem que assume os valores da sociedade
socialista.

De 1987 a 1992 é o período caracterizado por uma


crise geral do sistema de educação em Moçambique que se
caracterizou pela incapacidade do Estado de assegurar o
acesso de todas as crianças à educação básica e um
mínimo de qualidade àquelas crianças que estavam na
escola. Ainda no mesmo período aumentam as desistências
e reprovações; a qualidade de ensino torna-se péssima e a
compra do material didáctico básico torna-se difícil para as
camadas mais pobres. A crise atingiu as direcções
(Ministério, Província e Distrito) onde os funcionários com
alguma formação mais elevada abandonam a educação
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 230

optando pelo sector privado. Nesse período houve


escândalos de funcionários envolvidos em vendas de
enunciados das provas e exames.

Esta crise descrita pelos autores do livro, deveu-se a


três factores: a falta de meios financeiros suficientes para
sustentar o sistema concebido, a forma visível da guerra na
educação com a destruição de escolas e de internatos e as
medidas estruturais incitadas pelas instituições da Bretton
Wood. Com esta crise o governo viu-se obrigado a partir de
1987 a introduzir o Programa de Reabilitação Económica
(PRE), que previa a privatização de empresas que não
davam lucros ao estado e na educação foram privatizadas a
produção e distribuição e comercialização do livro escolar.

Nos finais dos anos 80 surgem as primeiras escolas


privadas divididas em dois grupos: existem escolas privadas
no seu sentido restrito do termo e as chamadas escolas
comunitárias, numa altura em as escolas públicas não
ofereciam lugares em quantidade suficiente e nem qualidade
desejável. Estas se tornaram legais a 01 de Junho de 1990
através do decreto n˚11/90 do conselho de Ministros.

A privatização e liberalização parcial do sistema de


ensino abre caminho para novas tendências, portanto há
uma necessidade de reestruturação do sector, é aprovada a
lei 6/92 em Maio de 1992 que revoga a lei de 1983. Os
objectivos fundamentais da educação são formulados de
uma maneira mais precisa como sendo a erradicação do
analfabetismo, uma introdução gradual da escolaridade
obrigatória, a garantia na formação de professores, etc. Com
o fim da guerra várias organizações internacionais e países
engajaram-se imediatamente na ajuda ao sector de
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 231

educação desde a reabilitação e construção de escolas até a


formação de professores. A ajuda não se resumiu só à
disponibilidade de fundos mas várias outras acções foram
desenvolvidas.

Em 2002, o Ministério da Educação (MINED) em


Moçambique inicia com a concepção e a consequente
introdução de um novo currículo para o Ensino Básico, sob
os auspícios da UNESCO. Tendo o INDE como instituição
que orienta o processo de implementação do referido plano
curricular.

Aporias da Educação em Moçambique

De acordo com os autores a análise do processo da


educação desde o período colonial até ao presente período
permitiu a identificação de quatro aporias a destacar:

1) a primeira é de estar entre legitimar a identidade


nacional (em construção) e as mini-nacionalidades
e cultura-tradicionais que formam o país;
2) a segunda que deriva do facto de haver um
imperativo político e de desenvolvimento para
estender o ensino básico a todas as crianças,
mas, por outro lado, a custa da expansão e a
deterioração da qualidade das ofertas educativas;
3) a terceira é o facto de o sistema exigir mais
recursos financeiros e materiais do que aqueles
que o Estado Moçambicano pode disponibilizar;
4) a quarta e última relaciona-se directamente com a
qualidade externa do sistema de educação.

Em relação a identidade nacional a educação


desempenha um papel importante, este papel de legitimação
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 232

é feito de várias formas. Uma das mais evidentes decorre do


facto de que os professores, para além de transmitir
conhecimentos, transmitem também normas, valores e os
padrões de comportamento e de interpretação da realidade
aos estudantes. Estes aspectos tendem a concorrerem para
estabilizar e dar uma certa continuidade às sociedades.
Entre elas encontramos aquelas que visam reconhecer as
instâncias políticas nacionais como sendo legítimas
(bandeira, hino, presidente, Estado, território).

E no que se refere ao termo “Educação Para Todos”,


foi usado no lugar de “massificação do ensino”, termo que
exige mais do que proporcionar o acesso às crianças em
idade escolar (incluindo os adultos). A educação é declarada
como um direito e um dever para todo o cidadão, que se
traduz na igualdade de oportunidades e de acesso a todos
os níveis de ensino e na educação permanente e sistemática
de todos. Hoje este objectivo de massificação foi substituído
pelo objectivo “Educação Para Todos”.

A Escola em África: Entre a Universalização e a


Africanização

Em relação a este aspecto os europeus vieram


institucionalizar a escolarização. Escolas missionárias foram
estabelecidas para ensinar às crianças africanas a
mensagem cristã para salvar as suas almas. Os governos
coloniais estabeleceram escolas ao estilo europeu com o
propósito prático de fazer com que alguns africanos
pudessem ajudá-los a administrar o sistema e as colónias.
Para a sua integração no sistema de administração colonial,
porém, eram-lhes reservados os níveis mais baixos locais,
principalmente como tradutores, empregados de balcão,
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 233

estafetas, ou serviços de primeira triagem em diversas


repartições administrativas.

No período posterior, com as independências dos


países africanos, os africanos se preocupavam com o tipo
de educação apropriado para eles.

No início do Sec. XX, sobretudo na Libéria e na Serra


Leoa, alguns pensadores como Horton, Johnston, Agbebi,
Blyden, Carr, entre outros influenciaram o debate entre a
modernização e a africanização da educação. No fundo a
discussão estava em volta do papel da educação no
contexto do desenvolvimento do continente.

Educação Para Todos: Re-Equacionando Contextos,


Valores e Estratégias

Estender a Educação Básica para Todos até 2015 foi


um desafio assumido em Dakar: é um desafio de que a
África não se pode dar ao luxo de desistir mas deve pensar
e repisar nos seus planos de desenvolvimento. É uma
questão de direito e de vida. Os benefícios e às facilidades
educativas devem ser compartilhados por todos. A cada um
dos africanos deve se garantir uma perspectiva profissional
ou de ocupação em pé de igualdade com os outros. Deve-se
dar a oportunidade de ter acesso à informação, o direito de
votar conscientemente, garantir a escolha da língua em que
se quer expressar e educar-se, desenvolver e criticar
atitudes, criar oportunidades iguais para o emprego, para
política, para a participação na vida da sua comunidade, etc.
Sendo assim, o desafio de Dakar não é só quantitativo mas
também qualitativo.

O fracasso da primeira década na implementação da


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 234

“Educação Para Todos”, mas sobretudo a falta de


alternativas sérias de como se iria alcançar esta visão
ampliada da educação, leva-nos a, num primeiro momento,
reequacionar os contextos para tornar a “educação para
todos” uma realidade; no segundo momento procura-se
reequacionar o estatuto axiológico da educação em
Moçambique e por fim reequacionar as estratégias até aqui
usadas para a implementação.

Sumário
Após a independencia registaram-se mudancas no
curriculo e nos procedimentos administrativos nas escolas, e
em 1976 é fundado o MEC que tinha como meta expandir o
ensino para todos, construir novas escolas e contratar mais
novos professores, bem como desenvolver novos programas
de ensino. Mais tarde o SNE com o objectivo da formacao
do Homem. Porém, de 1987 a 1992 a educacao entrou em
crise pois o estado nao tinha condicoes de cobrir as
dispesas da educacao. A solucao do governo para sair desta
crise é a introducao do programa de Reabilitacao
Económica, que culmina com a privativacao e liberalizacao
parcial do sistema de ensino. Por via desta liberalizacao em
1992 aprova-se a lei 6/1992 que vem contrapor a lei de
1983, apresentando os seguintes novos objectivos:
erradicacao do analfabetismo, uma introducao gradual da
escolaridade obrigatória, a garantia na formacao de
professores, etc. Em 2002 o MINED introduz um novo
currículo para o ensino básico com o apoio da UNESCO e
implementado pela INDE. as aporias da nossa educacao
desde a indempendencia é optar pela quantidade e nao
qualidade, ou seja expansde a rede mas a qualidade nunca
aumenta e o estado gasta mais do que pode com isso.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 235

a educacao desempenha um papel importante na


transmissao da identidade nacional, onde as liccoes nao
devem ser somente de conteudos programados, mas
também deve se ensinar os valores, a ética e os símbolos
nacionais.os objectivos da educação europeia era a ensinar
um pouco o africano para que lhe seja útil na colónia e os
missionários ensinavam aos africanos a mensagem cristã
para salvar as suas almas, o africano não tinha nenhuma
educação africana sobre os valores africanos. Os países
africanos comprometeram em Dakar que até 2015 a
educação será estendida para todos.

Exercícios

1. Quais foram os desafios colocados ao MEC aquando


da sua formação?
2. Indique os factores que impulsionaram a crise de
Auto-avaliação 1987-1992 no sistema de educação em Moçambique.
3. Quais foram as medidas tomadas pelo governo para
sair desta crise?
4. Discuta as aporias da educação em Moçambique.

.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 236

Lição n˚ 6
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
AFRICANA: “MUNTUISMO”
PARA UM PERSONALISMO AFRICANO

Introdução
Em conclusão do curso sobre a Filosofia da
Educação, apresentamos a seguinte reflexão do Prof. Doutor
P. Ezio Lorenzo Bono sobre a proposta de uma Filosofia da
Educação Africana que se fundamente na ideia de um
personalismo africano, definido com um neologismo:
Muntuismo.

O texto em seguida é tirado da terceira parte da Tese


de doutoramento do próprio, cujo título é: A ideia de pessoa
na Filosofia Africana Contemporânea.

Ao completar esta lição, você será capaz de:

• Conhecer o objectivo principal da pesquisa sobre o


Muntuismo.
• Identificar os principios fundamentais do
Objectivos personalismo.
• Saber donde surge o neologismo Mutuismo.

Pessoa, abertura, Deus, Comunidade, aconhimento.


Terminologia
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 237

POR UM PERSONALISMO AFRICANO (“BELA


NYUMBANI”)

Nesta última parte pretendemos tentar um contributo


para o esboço de um personalismo africano. Ousamos fazer
este passo confortados não apenas pelo estudo teórico
sobre a pessoa africana realizado nestes anos, mas também
por anos de convivência com estas pessoas africanas e com
a sua cultura. A vida prática vivida com estes africanos
permitiu-me conhecer muito mais sobre quem é a pessoa
africana.

Os filósofos e teólogos da libertação latino-


americanos sustentam que ninguém pode fazer seriamente
Filosofia ou Teologia da libertação sem viver na América
Latina e sem assumir a causa dos pobres. De facto,
experimentei a enorme diferença entre a Teologia da
Libertação que estudei na Facoltà Teologica dell’Italia
Settentrionale em Milano e a Teologia da Libertação que
conheci e vivi nos anos transcorridos na América Latina, no
encontro com os vários teólogos e militantes e sobretudo em
contacto com os pobres.

Não sei se os filósofos africanos defendem o mesmo


diktat dos colegas latino-americanos, mas seguramente, os
anos passados em África me permitiram compreender mais
a fundo a filosofia e a cultura africana, abrindo-me a visões
maravilhosas e inesperadas.

Também acedi ao convite “Bela nymbani” (“entre em


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 238

casa”)57e entrei na casa destes “indígenas” africanos que me


acolheram como um irmão.

Vivi 12 anos em Inhambane, uma terra estupenda e


estendida ao longo de uma baía ao largo do oceano Índico,
em contacto com os membros das etnias Vatonga, Vathswa
e Vacopi.

Nos primeiros tempos mergulhei-me literalmente na


escola dos sábios indígenas, frequentando um curso de
inculturação, que me introduziu à cultura e tradição locais.
Segui um curso de língua Guitonga com professores que a
têm como língua materna. Nos primeiros anos trabalhei na
pastoral da formação da juventude, em contacto com
milhares de jovens pertencentes às três etnias, com os quais
tive numerosos intercâmbios culturais que me dotaram de
um conhecimento profundo das suas tradições. Cinco anos
depois da minha chegada à África, graduei-me em filosofia
numa universidade estatal (Universidade Pedagógica de

57 Os velhos da terra de Sewe (Inhambane, Moçambique), contam que a


10 de Janeiro de 1498, o famoso navegador português, Vasco da Gama,
a caminhos das índias, entrou com as suas embarcações na baía de
Inhambane. Era um dia muito chuvoso. Avizinhando-se dos indígenas,
perguntou-lhes qual era o nome da localidade. Vendo a forte chuva,
estes dirigiram-lhe a palavra com um sorriso nos lábios: “Bela nyumbani”
(“entre em casa”) e o ofereceram-lhes hospitalidade e produtos locais.
Impressionado por tanta hospitalidade, Vasco da Gama escreveu que
naquele dia havia entrado na bela terra de “Inhambane”, terra de boa
gente. De facto, havia interpretado as palavras dos indígenas como
resposta à sua questão. Ainda hoje, a terra de Sewe é chamada
“Inhambane”, “Terra da boa gente”. Esta história real, embora revestida
de lenda, resume perfeitamente a natureza da pessoaafricana:
hospitaleira, aberta aos outros e generosa. Esta figura é um emblema
não só da gente desta terra (de Inhambane e de Moçambique), mas da
África inteira. Se quiséssemos perguntar idealmente aos africanos qual é
a sua ideia de pessoa, com um sorriso nos lábios, responderiam-nos
ainda hoje com estas duas palavras, que valem muito mais do que
inteiros tratados filosóficos sobre a pessoa: “Bela nyumbani !”
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 239

Moçambique), estudando em particular a filosofia africana,


com os professores Severino Elias Ngoenha e José Paulino
Castiano. Nos anos seguintes fui docente na Universidade
Pedagógica Sagrada Família (uma delegação da
Universidade Pedagógica) em Maxixe, ocupando-me de
Filosofia e Teologia Africana e de Filosofia e Teologia
contemporânea. O debate com os estudantes durante as
aulas me ajudou a conhecer e aprofundar sempre mais os
usos e costumes dos Vatonga, Vathswa e Vacopi.

Nos últimos três anos, em vista do doutorado de


pesquisa, aprofundei especificamente o tema da ideia de
pessoa na filosofia africana, cujos resultados apresentam-se
neste texto.

O objectivo principal da minha pesquisa era


demonstrar a originalidade do pensamento africano a
respeito da ideia de pessoa. A filosofia africana, por si só, é
uma surpresa para muitos europeus, que a ignoram
completamente. Nos últimos anos, todos quanto me pediam
informações acerca do meu tema de pesquisa, ouvindo-me
responder que se debruçava acerca da filosofia africana,
perguntavam-se invariavelmente: “mas, existe uma filosofia
africana?” A maior surpresa será, não apenas descobrir que
existe uma filosofia africana, mas também que existe
igualmente um modelo teórico de pessoa africana muito
mais autêntico em relação a outros modelos conhecidos.

O modelo que delineamos é o do “Muntuismo”,


definido como modelo teórico do “Personalismo africano”.

Os princípios fundamentais do personalismo são:


Deus, Pessoa, Comunidade. Ao longo do estudo
procuramos fazer emergir estes princípios do personalismo
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 240

presentes na filosofia e cultura africana, mais do que na


ocidental, a tal ponto de podermos concluir que a filosofia
africana é essencialmente personalista. Dito diversamente,
podemos afirmar que o personalismo ocidental é apenas
teórico, não corresponde à vida do homem ocidental,
enquanto o africano é prático, vivido na vida concreta dos
africanos.

Partamos da dimensão transcendental. A filosofia


ocidental contemporânea, a partir de Nietzsche, perdeu a
sua dimensão transcendental.58 À “morte de Deus” seguiu-se
a morte da filosofia, a crise dos fundamentos. O critério da
verdade como princípio fundamental para a filosofia foi
substituído por outros critérios mais “utilitaristas”.59 As
próprias filosofias da praxis mostram interesse em
transformar o mundo mais do que em preocupar-se com a
verdade absoluta. Uma filosofia que marginaliza ou exclui a
ideia de Deus não pode ser considerada personalista. Os
filósofos ocidentais, pelo menos os da área norte-atlântica,
sofrem de uma “ignorância” teológica que barra,
preconceituosamente, o acesso às razões da fé. Pensamos
que assim como nenhum teólogo pode ignorar a filosofia –
de facto, todos os teólogos a estudam ampla e

58
É verdade que já com a época moderna e com o iluminismo introduziu-
se a contestação da ideia de Deus e da religião, mas manteve-se ainda a
pesquisa da verdade e a metafísica.
59
Basta citar os filósofos pós-modernos, entre os quais Rorty, Lyotard,
Vattimo, para aperceber-se como o critério da utilidade substituiu o da
verdade. Para Rorty, a filosofia terminou porque foi desmembrada em
várias disciplinas autónomas e mais pertinentes, de modo que as novas
ciências fazem melhor o que antes fazia a filosofia. Para Lyotard a
filosofia terminou porque o mundo antigo, dominado da ideia tipicamente
filosófica da totalidade, foi substituído pela fragmentação e
particularidade do saber prático. Para Vattimo o fim da filosofia é
marcado pela substituição do pensamento “forte” pelo pensamento
“fraco”, o qual não se baseia mais na verdade absoluta mas sobre
opiniões compartilhadas. Cfr. O meu Curso de Filosofia Contemporânea.
A Filosofia Pós-moderna, pro-manuscriptum, UniSaF, Maxixe, 2008.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 241

aprofundadamente – os filósofos não podem ignorar a


teologia. Um grande número de filósofos latino-americanos e
africanos é feito por teólogos, facto que os abre o acesso ao
discurso da verdade do sentido do homem e do mundo.

Quanto à dimensão da Pessoa. Com o


preconceituoso fechamento da filosofia ocidental às razões
da fé, fecha-se igualmente o acesso à verdade da Pessoa.
Como dito, afirmar o ser da pessoa não diz nada acerca da
verdade do seu ser. A ideia de pessoa no ocidente è de um
ser individual que busca o seu sentido em si mesmo,
prescindindo de Deus e dos outros.

No que toca à dimensão da Comunidade, o ocidente


concebe a comunidade como espaço de reivindicação dos
direitos individuais (no sentido da filosofia marxista ou
filosofias da praxis), mais do que como uma realidade
comunal na qual a pessoa encontra o seu sentido.

A ideia de pessoa na filosofia africana contemporânea


contém em si os três princípios fundamentais do
personalismo: Deus-Pessoa-Comunidade. A pessoa africana
é um ser ontologicamente religioso: a sua fé em Deus, funda
a verdade da pessoa. A comunidade é um elemento
fundamental (I am because we are…) sem o qual o indivíduo
seria desenraizado. O ponto fraco para a formulação de um
“personalismo africano” parece ser precisamente a ideia de
pessoa que desapareceria perante a supremacia da
comunidade. De facto, o indivíduo parece desaparecer
diante da comunidade. Vimos, porém a posição de Kwame
Gyekye que reivindica uma identidade de pessoa como ser
livre, capaz de escolhas autónomas e com valores
intrínsecos. Redesenhamos o seu discurso fazendo alusão à
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 242

história política do Gahna pós-independência.

Como Gyekye, pensamos que o “comunitarismo”


africano, ao longo dos anos se tenha tornado um “lugar-
comum”, que frequentemente é contradito pela realidade.
Após muitos anos de convivência em terras africanas,
apercebemo-nos que a comunidade é importante, mas não
determinante na vida do sujeito. Conhecemos mulheres que
se recusaram a submeter-se ao ritual da purificação imposto
pela família; jovens que tomaram decisões sobre a sua vida
em contraste com as decisões da família; numerosas
pessoas que se destacaram em muitos campos, como o
académico, artístico, político, etc., mostrando forte
personalidade. Por todos estes factos podemos concluir que
a cultura africana é essencialmente personalista. Não só,
como também há uma precedência do personalismo africano
sobre o europeu.

Os filósofos e intelectuais africanos, a partir dos


ensinamentos do Cheikh Anta Diop, reivindicam o primado
da antiga sapiência africana sobre a cultura grega através da
civilização do “Egipto negro”, e também o primado da
filosofia e teologia da libertação africana sobre a latino-
americana. Podemos, com justiça, reivindicar igualmente o
primado do personalismo. Esta tese é também defendida por
Rufus Burrow Jr. no seu artigo Personalism and African
Traditional Thought: “Afrikan theology and philosophy are
essentially personalistic. Because Afrikan theology and
philosophy are older, and it is known that some ancient
Western thinkers whose ideas influenced personalism
actually learned these in Egypt, it is not far-fetched to say
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 243

that Afrikan traditional thought spawned


60
personalism”. Burrow continua afirmando que “Personalism
maintains that the God of Afrikan traditional religion, of the
eighth century prophets and Jesus Christ, is the Originator
and Sustainer of all persons. Personalists focus primarily on
the centrality of persons-in-community”.61

Segundo nos parece, a “pessoa africana” mantém o


seu valor único graças à abertura ao transcendente e à
comunidade.

Nos debates sobre a África, geralmente os afro-


pessimistas atribuem o subdesenvolvimento da África à sua
cultura, às suas crenças e ao seu comunitarismo que
contrasta com a lógica da acumulação de capital, impedindo
assim o desenvolvimento. Não obstante o atraso da África
em relação ao ocidente quanto ao aspecto económico, à luz
de quanto analisado, certamente podemos afirmar que tal
atraso não afecta de maneira alguma o mais amplo contexto
humano, espiritual, moral, etc. A África é depositária de
grandes valores, intrínsecos à sua cultura.

Trata-se então de conciliar o desenvolvimento com os


valores africanos: por exemplo, como conciliar uma
economia (a capitalista) que se baseia na acumulação de
bens e o dever de dividir os bens com todos os membros da

60
"A teologia e filosofia africanas são essencialmente personalistas.
Porque a teologia e filosofia africanas são mais antigas, e é conhecido
que alguns pensadores ocidentais antigos cujas ideias influenciaram o
personalismo actual aprenderam estas no Egipto, não é exagero dizer
que o pensamento tradicional africano gerou o personalismo" (TdA), em
BURROW R. Jr., Personalism and African Traditional Thought, in
Encounter 61.3, 2000, p.323
61
"O personalismo sustenta que o Deus da religião tradicional africana,
dos profetas do século oitavo e Jesus Cristo, é o Criador e Sustentador
de todas as pessoas. O personalismo centrar-se essencialmente na
centralidade das pessoas-em-comunidade" (TdA), Ivi, p. 324
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 244

família alargada? Valores tradicionais e globalização?

A via proposta por Eboussi Boulaga nos parece justa:


(re)partir da tradição liberta do folclore e do essencialismo;62
saber distinguir os rostos das máscaras; construir o discurso
para si e para o outro com vista a construir uma
universalidade concreta que não é já dada, mas em
construção, para cuja construção o Muntu pode e deve
contribuir. A conclusão de Eboussi Boulaga é
particularmente iluminante: o Muntu não deve sonhar para
além da sua época “Gli basta abitare la sua diversità e quella
del mondo, con e nel progetto di essere per se stesso e in
virtù di se stesso, con la mediazione dell’avere e del fare.
[…] Sono questi i lineamenti di una dialettica dell’autenticità,
connessa a una storia particolare della libertà ragionevole e
aperta ad un universale concreto da fare, un’autenticità che
non è altro per il Muntu che costruire il tempo e lo spazio del
suo impegno, il campo dell’esperienza che gli è possibile in
un mondo che lo circonda e che è insieme al suo interno”.63

Não se trata nem da exaltação do homem africano


como portador de valores e produtos exóticos, nem da sua

62
Para Eboussi Boulaga, essencialismo é procurar a autenticidade
africana nas origens perdidas. Veja acima.

63
"Basta-lhe habitar a sua diversidade e a do mundo, com e no projecto
de ser para si mesmo e em virtude de si mesmo, com a mediação do ter
e do fazer. […] São estas as linhas de uma dialéctica da autenticidade,
conectada a uma história particular da liberdade racional e aberta a um
universal concreto a fazer, uma autenticidade que não é outra coisa para
o Muntu de que construir o tempo e o espaço do seu empenho, o campo
da experiência que lhe é possível num mundo que o circunda e que está
ao mesmo tempo no seu interior" (TdA), em EBOUSSI BOULAGA F., La
crise du Muntu. Authenticité africaine et philosophie, Essai, Présence
Africaine, Paris, 1977, tr.it.: Autenticitá Africana e filosofia. La crisi del
Muntu. Intelligenza, responsabilità, liberazione, ed. Mariotti, Milano, 2007,
p. 241.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 245

subvalorização por causa do atraso económico, mas


simplesmente do reconhecimento do valor da pessoa
africana, assim como de cada pessoa em qualquer parte do
mundo. A pessoa africana é portadora de um valor
acrescido, não indiferente: a abertura ao transcendente e
aos outros a torna mais autêntica em relação às ideias de
pessoa fechadas nos dolorosos espaços do individualismo e
do agnosticismo.

Penso que esta seja a mensagem mais importante


que a África pode dar ao mundo: o valor da pessoa humana,
que encontra a sua verdade em Deus e no dom de si aos
outros.

Esta ideia de pessoa africana é necessariamente


indeduzível e apenas pode ser dita metaforicamente, dando
o justo valor e reconhecimento ao carácter ulterior da sua
verdade. A sua verdade não é conceitualmente
demonstrada, apenas confirmada historicamente no facto de
ter guiado e sustentado por milénios inteiras gerações até
aos nossos dias, superando os dramas da escravidão, do
colonialismo e do genocídio.

Definimos esta verdade da pessoa africana com o


neologismo: Muntuismo. O Muntuismo diferencia-se do
Bantuismo e do Ubuntuismo, visto que os últimos indicam
um conjunto de valores típicos da cultura africana que
abraça diversos campos. Por Muntuismo entendemos o
modelo de Pessoa africana que encontra a sua verdade e
abertura transcendental e horizontal, que definimos no
aforisma: “I Am because I Believe and I Love”.

Num mundo confuso quanto o nosso, a sageza africana


poderá ajudar a reencontrar o sentido perdido de ser
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 246

pessoa. Com a sua desarmante simplicidade e com o seu


sorriso, a pessoa africana lança-nos mais uma vez o seu
convite: Bela Nyumbani!

Sumário
A ideia de pessoa na filosofia africana contemporânea
contém em si os três princípios fundamentais do
personalismo: Deus, Pessoa e Comunidade. A pessoa
africana essencialmente religiosa: a sua fé em Deus, funda a
verdade da pessoa. A comunidade é um elemento
fundamental (I am because we are…) sem o qual o indivíduo
seria desenraizado. O ponto fraco para a formulação de um
“personalismo africano” parece ser precisamente a ideia de
pessoa que desapareceria perante a supremacia da
comunidade. Atraves desses tres pilares podemos perceber
a filosofia africana. Esse personalismo é prático e é vivido na
vida concreta por todos os africanos. A pessoa africana
mantém o seu valor único graças à abertura ao
transcendente e à comunidade.

Exercícios

1. Quais sao os pilares fundamentais do personalismo


africano?
2. Porquê que se afirma que a pessoa do africano é
Auto-avaliação um ser ontologicamente religioso?
3. Explique o surgimento do neologismo Muntuismo?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 247

BIBLIOGRAFIA BÁSICA UNIDADE IV

CASTIANO aulas de FdE


FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 248

BIBLIOGRAFIA GERAL

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