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Sonia Abdala Marques

Zito Ernesto Constâncio

Questão da Heterogeneidade/Diversidade na Sala de Aulas

Licenciatura em Ensino Básico

Universidade Rovuma

Extensão de Cabo Delgado

2024
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Sonia Abdala Marques

Zito Ernesto Constâncio

Questão da Heterogeneidade/Diversidade na Sala de Aulas

Licenciatura em Ensino Básico

Trabalho de carácter avaliativo a ser


entregue no Departamento de Ciências
de Educação e Psicologia Educacional,
no âmbito da Cadeira de Pedagogia do
Ensino Básico, do 2ºAno 1º Semestre,
leccionado por:
Msc: Domingos Azarias Mindú

Universidade Rovuma

Extensão de Cabo Delgado

2024
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Índice
2. A Questão da Heterogeneidade/ Diversidade na Sala de Aulas................................................5
2.1. Entendimentos de heterogeneidade.......................................................................................5
2.1.1. 1ª categoria – Noção ampla................................................................................................5
2.1.2. 2ª categoria – Noção restrita...............................................................................................6
2.1.3. 3º categoria – Sugestões de trabalho...................................................................................6
2.1.4. 4º categoria - Chavões e ideias evasivas............................................................................7
3. Posições sobre a heterogeneidade em sala de aula....................................................................7
3.1. 1º Categoria – Posição neutra................................................................................................7
3.2. 2º Categoria – Dificultador....................................................................................................7
3.3. 3º Categoria – Facilitador......................................................................................................8
3.4. Heterogeneidade na sala de aulas..........................................................................................8
4. Diferenciação e Heterogeneidade na sala de aulas.................................................................11
4.1. Escolas do campo: atualidade e relevância do debate..........................................................12
4.2. Heterogeneidade de culturas e saberes................................................................................13
4.3. Heterogeneidade de idades/interesses e anos/ciclos escolares.............................................14
4.4.Heterogeneidade de níveis de leitura e escrita......................................................................15
5. Educação do Campo e linguagem: aspectos históricos, políticos e pedagógicos....................16
6. Conclusão...............................................................................................................................18
7. Referências bibliográficas......................................................................................................19
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1. Introdução

Este trabalho apresenta entendimentos sobre heterogeneidade na sala de aula a partir da


análise de produções escritas das orientadoras de estudo (OE) do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Resulta de projeto de pesquisa vinculado ao
Observatório da Educação/CAPES, que tem como um de seus objetivos acompanhar
esse processo de formação continuada, analisando suas repercussões na formação e
melhoria das práticas pedagógicas no ciclo de alfabetização.
A abordagem pedagógica das salas de aula heterogéneas considera a diversidade como
uma condição inerente ao ser humano e, portanto, um valor a ser respeitado. Por isso,
entende que cada pessoa nasce com uma carga biológica diferente e se desenvolve em
múltiplos contextos sociais, culturais, económicos e educacionais
1.2. Objectivos

1.2.1. Objectivo Geral

 Analisar a heterogeneidade na sala de aulas

1.2.2. Objectivos específicos

 Indicar o conceito de heterogeneidade


 Caracterizar a heterogeneidade na sala de aulas;
 Indicar as características de uma sala heterogenia
 Relacionar a deferência pedagógica com a heterogeneidade na sala de
aulas.
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2. A Questão da Heterogeneidade/ Diversidade na Sala de Aulas

A heterogeneidade característica presente em qualquer grupo humano passa a ser vista


como factor imprescindível para as interacções na sala de aula. Os diferentes ritmos,
comportamentos, experiências, trajectórias pessoais, contextos familiares, valores e
níveis de conhecimento de cada criança (e do professor) imprimem ao quotidiano
escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visões de mundo, confrontos, ajuda
mútua e consequente ampliação das capacidades individuais (MORIN, 2001).

De etimologia grega, o radical heterogenés é definido como “de outro gênero, de outra
natureza, de diferente raça”1, conceituação aberta, desde sua origem, a dis- tintos
sentidos e usos sociais do termo. No mesmo di- cionário, o sentido figurado da palavra
tem cunho pejo- rativo, indicando ausência de uniformidade e coerência, ou falta de
homogeneidade e harmonia (MORIN, 2001).

No campo educacional, historicamente a heterogeneida- de da composição das turmas


tem sido encarada como característica dificultadora dos processos de ensino e
aprendizagem e, muitas vezes, apontada como uma das causas do fracasso escolar das
crianças de classes populares, conforme discutimos no tópico anterior. O modelo es-
colar seriado, de ideal homogeneizador, encontra-se presente mesmo em escolas e
sistemas de ensino que se organizam na perspectiva dos ciclos, como indicam algumas
pesquisas (ANICETO, 2011; BRAINER, 2012; COUTO e MARCONDES, 2010;
CUNHA, 2007; CRUZ, 2012; OLIVEIRA, 2010).

2.1. Entendimentos de heterogeneidade

Segundo Cunha 2001, Verificamos que os entendimentos de heterogeneidade eram bem


variados. Alguns textos apresentam a heterogeneidade presente em características
diferentes dos alunos; outras dão à heterogeneidade uma dimensão maior, apontando
vários sentidos para caracterizar a diversidade dos alunos. Com base nesses aspectos,
estabelecemos as 4 categorias:

2.1.1. 1ª categoria – Noção ampla

Em 50% dos textos analisados (14), os registros explicitam diferentes significados para
heterogeneidade, reunindo mais de uma noção/característica dos alunos do ciclo de
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alfabetização. Explicam que as classes são heterogêneas quando são constituídas por
crianças com diferentes bagagens culturais, aprendizagens, ritmos, personalidades, nível
de escrita, grupos étnicos, classe social. Em alguns textos, a explicação sobre
heterogeneidade reúne dois ou três significados, denotando entendimento de que o nível
de conhecimento que as crianças têm e seus diferentes meios sociais, ritmos e formas de
aprendizagem são características da heterogeneidade na sala de aula. Entre os textos das
docentes que apresentam três significados, há referências ao nível conceitual de
hipóteses de escrita das crianças, diferentes conhecimentos, níveis de maturidade,
diferenças na personalidade, nas vivências, nos ritmos e formas de aprender. Outro
conjunto de textos indica a heterogeneidade com características que envolvem 4 ou mais
acepções; percebe-se que o entendimento é marcado pela explicitação de dimensões
relacionadas à diversidade de saberes, vivências, etnias, idades, classes sociais, níveis de
escrita, aprendizagens anteriores, desenvolvimento cognitivo, bagagem cultural, ritmos
e formas de aprendizado, ou seja, nas condições individuais de cada sujeito. Vejamos
um excerto ilustrativo: “Por heterogeneidade entende-se a diversidade de saberes,
vivências, etnias, idades, classes sociais, níveis de escrita, condições individuais de cada
sujeito”. (OE, 2013)

2.1.2. 2ª categoria – Noção restrita

Nessa categoria, os textos (35%; 9) versam sobre a heterogeneidade de uma forma mais
restrita, com apenas um entendimento. Metade dos textos citam a diferença nas
aprendizagens de cada criança; a outra metade é composta por quem vê a
heterogeneidade nas hipóteses de escrita das crianças e na presença de alunos com
necessidade educacional especial (CUNHA, 2001).

2.1.3. 3º categoria – Sugestões de trabalho

Esta categoria reúne textos (7,5%; 2) em que formas de trabalho são sugeridas,
indicando abordagens pedagógicas, como o trabalho em grupo e a diversificação de
atividades. Apesar de não definirem o que entendem por heterogeneidade, as OE
indicam estratégias pedagógicas para o trabalho a partir dela e percebem a presença da
heterogeneidade no ciclo de alfabetização e sua influência no trabalho pedagógico
(CUNHA, 2001).
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2.1.4. 4º categoria - Chavões e ideias evasivas

A última categoria engloba textos em que não se escreve sobre a temática proposta,
representando 7,5% (2). São escritas evasivas ou chavões, como: “Diversidade é a cara
do Brasil!” (CUNHA, 2001).

3. Posições sobre a heterogeneidade em sala de aula

Observamos que os textos indicavam o posicionamento da OE em relação ao trabalho


com classes de alfabetização heterogêneas e pouco sobre como trabalhar a partir dela.
Os textos refletiam sobre a heterogeneidade como um “facilitador” ou um “dificultador”
do trabalho pedagógico. Para isso, mapeamos termos e expressões recorrentes que eram
indicativas de certo posicionamento diante do assunto, como: “um problema”; “muito
difícil”; “pode proporcionar”; “temos que aproveitar”; “precisamos valorizar”; “é uma
possibilidade”. Porém, no conjunto de textos, uma terceira categoria foi inferida, a da
posição neutra.

3.1. 1º Categoria – Posição neutra

60% dos textos (16) apresenta uma posição neutra, ou seja, não explicitam se
consideram a heterogeneidade presente nas classes de alfabetização como algo que
facilita ou dificulta o trabalho pedagógico. Em alguns textos (12%; 3) não se escreve
sobre como trabalhar com a heterogeneidade, mas citam-se estratégias de trabalho e
sugestões de atividades (HUIZINGA, 1990). O trabalho em grupo e a diversificação de
atividades, temas amplamente abordados pelo programa, são descritas. Um exemplo:

Temos que garantir a aprendizagem na diversidade, a partir de diferentes formas, que


possam atingir a todos. Trabalhar em grupos, com atividades diferenciadas, de acordo
com os níveis. Trabalho de “monitoria” com aqueles alunos que apresentam mais
dificuldades. É necessário um trabalho sistemático e bem planejado para atender essa
diversidade que sempre encontramos em sala de aula. (OE, 2013)

3.2. 2º Categoria – Dificultador

10% (3) dos textos falam sobre a heterogeneidade como algo que dificulta o trabalho
em sala de aula. As produções falam sobre a dificuldade de “suprir essa demanda” e
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transparecem o quanto a consideram uma sobrecarga, uma tarefa difícil e/ou cansativa
(HUIZINGA, 1990) Vejamos:

Essas diferenças, comuns em qualquer sala de aula, são


desafios para o professor, ao promover uma aula que gera
entusiasmo e interesse a todos, pois como apresentam
opiniões diferenciadas, receptividades também
diferenciadas sobre um mesmo assunto, e certamente irão
reagir da mesma forma, positiva ou negativamente. Cabe
ao professor, com a finalidade de gerar integração, propor
atividade de gerar integração, propor atividades onde os
alunos deverão trocar informações, discussões e formar
conceitos únicos. (OE, 2013)

3.3. 3º Categoria – Facilitador

Em 30% (8) dos textos a heterogeneidade é entendida como facilitador do trabalho


pedagógico, ferramenta à serviço do ensino, explicando que a diversidade proporciona
possibilidades educativas. É um trabalho desafiante, mas também rico de possibilidades,
pois “proporciona formas mais criativas de ensinar”, “favorece conflitos e a ajuda
mútua”, porque “essa diferença é que proporciona formas mais criativas de
aprendizagem” (HUIZINGA, 1990).

3.4. Heterogeneidade na sala de aulas

As sociedades contemporâneas são heterogéneas, compostas por diferentes grupos


humanos, interesses contrapostos, classes e identidades culturais em conflito
(ANDRADE, 2009).

Uma das problemáticas com que o nosso sistema educativo se depara é o funcionamento
de uma escola onde os alunos são organizados em “turmas” que induz a um ensino
“massificado” e homogéneo, numa sociedade onde a diversidade cultural é, cada vez
mais, uma característica inquestionável (RODRIGUES, 2001).

Para Cortesão (1998) o mundo é visto como um arco-íris, onde a heterogeneidade


presente nas escolas deve ser interpretada como uma fonte de riqueza para que se possa
produzir resultados em relação ao processo de ensino aprendizagem. A mesma autora
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refere que uma boa parte dos professores tem dificuldade em «ver» as cores do arco-íris
sociocultural presente na sua sala de aula, vendo a sua turma nos tons cinzentos da
“normalidade”, onde tudo o que é diferente poderá passar a ser olhado como anormal,
mesmo como errado.

A sala de aula heterogénea é um espaço em que todos os alunos que a compõem podem
progredir e obter resultados na medida das suas reais potencialidades, quer a nível
cognitivo, quer a nível pessoal e social. A heterogeneidade, dentro de uma sala de aula
escolar, não deve ser vista como uma complicação para o professor, mas como uma
possibilidade de crescimento pessoal como profissional e dos alunos em geral.

Segundo Anijovich, (2017) Se todos os alunos são diferentes, então por que ensinar
todos da mesma maneira? A diferença na aprendizagem deve ser respeitada, garantindo
a igualdade educacional. A abordagem supõe uma nova forma de olhar as escolas, seus
atores e os processos de ensino e aprendizagem à luz dos valores democráticos.

Estas são 4 características de uma sala de aula heterogénea:

 As diferentes diversidades que atravessam a sala de aula devem ser reconhecidas


para pensar e desenhar propostas de ensino;
 Trata-se de conceber o ensino de tal forma que todos os alunos possam construir
sua própria aprendizagem a partir de onde cada um está;
 É necessária uma mudança de perspectiva para oferecer também diversidades
aos nossos alunos pensando em diferentes pontos de entrada, propostas
alternativas de ensino, uso de diferentes recursos e estratégias;
 Devemos determinar quais são os conteúdos básicos que precisamos que todos
os nossos alunos aprendam. Esses conteúdos básicos serão dedicados mais
tempo e profundidade. Aqui está o desafio de encontrar um equilíbrio entre o
comum e o diverso. Todos têm o direito de obter uma boa educação e, para que
isso seja possível, é necessário contemplar vários pontos de partida para abordar
o ensino, levando em consideração as diferenças e suas implicações, mas sem
deixar de lado os conteúdos cruciais a serem aprendidos.
 Instruções autênticas e significativas são oferecidas aos alunos para que possam
escolher e tomar decisões. Desta forma, os alunos serão convidados a apropriar-
se dos seus próprios processos de aprendizagem e a desenvolver a sua
autonomia. (ANIJOVICH, 2017)
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Os alunos se tornam o centro do processo educacional quando reconhecemos quem são,


como aprendem, quais são seus interesses, suas fraquezas e pontos fortes como
aprendizes, seus ambientes culturais e sociais. Só assim, por meio do ensino, poderemos
oferecer as melhores opções para que todos se envolvam activamente e encontrem
sentido no que aprendem (ANDRADE, 2009).

Em suma, ensinar em salas de aula heterogéneas implica desenhar diferentes formas de


organização de tempos, espaços, agrupamentos de alunos e uso de recursos. Essas
decisões devem ser tomadas com base na situação, nos objectivos e no conteúdo a ser
ensinado (ANDRADE, 2009).

Todos podem aprender, mas para que isso aconteça, todos os alunos precisam receber
tarefas desafiadoras, poderosas e estimulantes que os impulsionem a desenvolver suas
habilidades individuais. O desafio subjacente é como construir uma escola sem os
excluídos, uma escola habitável para todos os alunos. (Anijovich, 2017)

Cada um dos alunos, por natureza, é uma pessoa única e diferente sendo que o desafio,
no trabalho pedagógico é respeitar as necessidades individuais e, ao mesmo empo,
formar os alunos através do trabalho em grupo (Galvão, 1999).

O professor que se dá conta da diversidade, poderá recorrer a propostas flexíveis e


variadas de ensino aprendizagem para que os vários grupos de alunos, com diferentes
características, diferentes saberes, tenham possibilidade de usufruir do processo de
aprendizagem em curso (Cortesão, 1998).

Os diferentes alunos que constituem uma turma têm um ritmo e uma dinâmica própria
de aprendizagem e necessidades específicas que devem ser atendidas de forma
diferenciada. Cada um aprende e desenvolve de maneira específica os conteúdos e
habilidades, sendo um grande desafio para o professor definir objectivos e estratégias
específicas para cada grupo, tornando assim o processo de ensino aprendizagem num
campo mais amplo de possibilidades (ANDRADE, 2009).

A sala de aula é um lugar constituído pela diferença. Reconhecê-lo e organizar o


trabalho incorporando a heterogeneidade é um grande desafio que requer a criação de
propostas de ensino, flexíveis e variadas, adequadas a cada aluno (ANDRADE, 2009).
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4. Diferenciação e Heterogeneidade na sala de aulas

Para autores como Moss (1996) “diferenciação é falar sobre diferentes abordagens do
ensino nas mesmas concepções do currículo básico como forma de possibilitar o acesso
a um maior número de crianças possível”. Para o autor isto é considerável ao
gerenciarmos as diferenças entre crianças agrupadas em uma mesma classe, ou ainda
fazendo uso das metodologias diferenciadas adequadas às crianças, seja individualmente
ou em grupo, além do uso de variados recursos, ou seja, as metodologias precisam estar
a serviço da diferenciação e não sendo utilizadas intuitivamente ou sem propósitos bem
definidos.

Reafirmando, o autor diz que, diante da efetivação das crianças atrasadas e suas
dificuldades em desenvolver habilidades básicas para explicar o pouco desempenho e a
queda das expectativas de melhoria, a “Diferenciação é uma estratégia que com
frequência será necessária para suporte dessas crianças aprenderem”. Heacox (2006), ao
abordar os desafios da actual diversidade das salas de aula, utiliza também o termo
diferenciação, norteado pela seguinte conceituação: “Diferenciar o ensino significa
alterar o ritmo, o nível ou o género de instrução que o professor pratica em resposta às
necessidades, aos estilos ou aos interesses de cada aluno”.

Nessa perspectiva, o ensino estaria voltado para o potencial dos alunos, para o seu
processo contínuo de aprendizagem. O ensino diferenciado viria como aporte às
necessidades específicas de cada aluno, além de trabalhar focado no desejo e nas
preferências destes, com relação ao que se irá aprender (HUIZINGA, 1990).

A autora ainda aponta cinco características importantes, presentes no ensino


diferenciado: rigor, relevância, flexibilidade, variação e complexidade. Talvez fosse
pertinente, abordarmos de forma breve a relevância de cada uma dessas características.
No caso do rigor, o ponto-chave é oferecer aos alunos estímulo suficiente que os motive
à aprendizagem e estabelecer objectivos voltados para o potencial de cada um,
individualmente. O segundo aspecto, que busca a aprendizagem. É preciso ter
relevância ao “centrar-se na aprendizagem essencial, não em digressões laterais ou em
insignificâncias.” “A diferenciação centra-se na aprendizagem essencial”. A este
aspecto caberá um espaço de análise mais aprofundado na discussão da gestão da sala
de aula, por ser um aspecto importante no contexto da prática. A flexibilidade e variação
referem-se às possibilidades de ter a sala de aula como espaço de escolhas, dando ao
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aluno possibilidade de optar pelos caminhos que percorrerá para que ocorra a
aprendizagem, além de poder opinar nas variadas estratégias de ensino oferecidas pelos
professores. E em última instância a complexidade, que se refere à forma como o
conteúdo chega aos alunos, as possibilidades de maior aprofundamento e de partilha do
conhecimento entre professor e aluno, sabendo que cada indivíduo ou grupo poderá
percorrer caminhos diferentes de chegada ao final do processo. O professor seria então o
estimulador e a quem caberia oferecer as possibilidades para esta chegada. Segundo
Heacox (2006) “Enquanto facilitador do ensino diferenciado, o professor tem três
responsabilidades essenciais: fornecer e prescrever oportunidades de aprendizagem
diferenciada, organizar os alunos durante as actividades de aprendizagem e usar o
tempo de maneira flexível” (p. 18).

Mainardes (1994) utiliza o termo heterogeneidade ao apontar as “diferenças” na sala de


aula. Na concepção do autor, “a heterogeneidade viria como uma reorientação para a
prática pedagógica do professor, diante dos enfrentamentos postos por outras práticas
escolares” (p.04).

4.1. Escolas do campo: atualidade e relevância do debate

A educação no meio rural, assim como os direitos, de modo mais geral, dos povos do
campo, historicamente tem sido marcada pela negligência do Estado. Se ob- servarmos
alguns índices referentes à escolaridade da população dessas áreas em relação às
demais, veremos que as desigualdades educacionais são acentuadas nes- ses territórios.
A elevada distorção idade/série, a mé- dia do tempo de escolaridade mais baixa em
relação à população das grandes cidades, os índices recordistas da população jovem e
adulta analfabeta e/ou “analfa- beta funcional” são exemplos disso. A precariedade das
instalações estruturais das escolas do campo é notória; apenas 5,2% das escolas rurais
dispõem de biblioteca e menos de 1% possui laboratórios e acesso à internet (BOF,
2006). Em muitos casos, nem mesmo estruturas adequadas de sanitários, cozinha e sala
de aula existem.

As condições de trabalho dos professores do campo também são, em geral, mais


precárias que nas cida- des. Em muitos casos, acumulam tarefas para além da atividade
docente, como serviços administrativos (matrícula de alunos, dentre outros), merenda e
limpe- za – e sem receberem nada, ou muito pouco, por isso (HAGE, 2011). De acordo
com o SAEB (2001), o salário dos professores das áreas rurais chega a ser, em mé- dia,
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50% menor que o das zonas urbanas. Além disso, em sua grande maioria, os contratos
são temporários, o que contribui com a baixa autonomia política desses professores
frente aos poderes locais e a alta rotativi- dade do quadro docente (HAGE, 2011).

O direito à escolarização das populações do campo é flagrantemente violado com o


fechamento das esco- las13 nas comunidades rurais, o que tem sido denun- ciado por
diferentes movimentos sociais, professores, pais e estudiosos do tema. Pesquisadores
como Ter- ciana Moura e Fábio Santos (2010), por exemplo, ambos alunos de turmas
multisseriadas na infância, no inte- rior da Bahia, destacam que, muitas vezes, as
escolas nas áreas rurais constituem a única possibilidade de formação escolar das
populações do campo. Segundo os autores, uma série de representações sociais nega-
tivas que pesam, atualmente, sobre as classes multis- seriadas, relaciona-se às
representações sobre o cam- po como lugar do atraso, da ignorância, do obsoleto – e
devem ser superadas (SANTOS; MOURA, 2010).

4.2. Heterogeneidade de culturas e saberes

Pesquisadores e defensores do que veio a se denomi- nar Educação do Campo


(ARROYO, 2010; HAGE, 2011) postulam que escolas localizadas nas áreas rurais
podem favorecer a constituição identitária individual e coletiva das crianças, a partir da
ênfase em valores e referenciais socioculturais construídos pelo povo do lugar.
Concordamos com essa proposição e defende- mos, em outro trabalho (MESQUITA;
SÁ; LEAL, 2012), que as escolas do campo, através de seus currículos, favoreçam a
emergência de subjetividades coletivas, integrando os direitos de aprendizagem das
crianças, os conteúdos e objetivos de ensino, aos variados sa- beres e culturas das
comunidades, atentando, ainda, para a forma de organização do trabalho escolar numa
perspectiva formativa (MINAYO, 1993).

A possibilidade de as escolas no meio rural constituí- rem-se como centros produtores e


difusores de cultura, ciência, artes e esportes, mobilizando jovens, pais, mães e demais
membros da comunidade em torno de projetos diversos, aponta para sua construção
como um espaço criador e/ou dinamizador de relações sociais, culturais, econômicas e
políticas no campo. A organização de festivais de música, repentes e teatro, seminários
de produção, feiras de ciência, campeona- tos esportivos, dentre outros, tem o potencial
de reme- xer e envolver as pessoas do lugar. Assim, as escolas nas áreas rurais podem
vir a constituírem-se em polos aglutinadores da população, em função de seus inte-
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resses e necessidades, valorizando e ampliando seus referenciais culturais. Poderíamos


ter a escola como espaço de construção de identidades (individuais e coletivas), criando
experiências que favoreçam que as crianças pensem o campo e se identifiquem com ele
como espaço de saberes, culturas e lutas (MINAYO, 1993).

4.3. Heterogeneidade de idades/interesses e anos/ciclos escolares

A heterogeneidade de idades e interesses, embora esteja também presente nas turmas


organizadas por anos de ensino, é mais acentuada nas turmas multis- seriadas, uma vez
que abarcam, muitas vezes, crianças de 3 a 10 anos, ou mais, de idade. Embora, em
muitos municípios, haja a tentativa de agrupar, em turmas dis- tintas, os alunos da
Educação Infantil com os dos anos iniciais do 1º ciclo e os alunos dos anos finais do 1º
ci- clo com os do início do 2º ciclo, nas comunidades onde a quantidade de crianças é
muito pequena, estas são agrupadas na mesma turma (MINAYO, 1993).

Diante da variedade de idades presente nas turmas, as atividades coletivas cumprem um


importante papel motivador e integrador. Em diferentes fases de um projeto, por
exemplo, atividades como contação de histórias pela professora ou alunos,
leitura/interpretação de textos ou produção/canto/recital de músicas, poesias ou produtos
audiovisuais pelas crianças podem instigar a sua curiosidade e vontade, além de
contribuírem para mobilizar os seus diferentes conhecimentos (prévios ou construídos
ao longo do projeto) sobre a temática abordada. As atividades coletivas favorecem,
também, a integração dos estudantes e a troca de conhecimentos entre eles (MINAYO,
1993).

Ao produzirem uma peça teatral sobre determinado assunto trabalhado, por exemplo,
crianças de idades variadas podem cumprir diferentes tarefas. Na discus- são sobre o
roteiro da peça, sistematizam o que apren- deram do tema. Ao escreverem a peça, que
pode ser feito em grupos, duplas ou com toda a classe tendo o professor como escriba,
características do gênero textual podem ser enfocadas de maneira significativa, uma vez
que o grupo tem a intenção de, efetivamente, encenar posteriormente a peça para outras
pessoas (ALMEIDA, 1998).

A heterogeneidade de anos e ciclos escolares, presente nas turmas multisseriadas,


configura-se como uma ca- racterística específica dessas classes. Nos casos
exemplificados acima, ocorre, muitas vezes, de uma mesma turma ser composta por
15

alunos da Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. Os desafios de integrar os objetivos de traba-


lho de cada ciclo de aprendizagem, sem a fragmentação de conteúdos e metas, são
enormes e não devem ficar a cargo de cada professor(a), isoladamente. Tanto os pro-
cessos de formação continuada, como o acompanhamen- to pedagógico a essas escolas
devem voltar-se às suas especificidades, de modo a promover reflexões e propos- tas
articuladoras, sem perder de vista a progressão de conhecimentos das crianças sobre os
diferentes compo- nentes curriculares ao longo dos anos de escolaridade (ALMEIDA,
1998).

4.4. Heterogeneidade de níveis de leitura e escrita

Quanto à variedade de níveis de leitura e escrita, as turmas multisseriadas estão muito


próximas de gran- de parte das classes organizadas por séries/anos no início do Ensino
Fundamental. Nesse sentido, investigar, colocar em evidência e socializar as estratégias
pedagógicas dos docentes de turmas multisseriadas ao tratar a heterogeneidade de níveis
de leitura e escrita, também pode contribuir com o trabalho em escolas de outros
contextos (ALMEIDA, 1998).

A defesa do ensino da língua escrita ajustado aos conhe- cimentos e necessidades de


cada criança, ao contrário de como concebiam os métodos de alfabetização clássi- cos,
numa perspectiva adultocêntrica e homogeneizan- te, foi, em grande parte, desenvolvida
e fundamentada pela teoria psicogenética da aprendizagem da escrita (FERREIRO,
1985; 1989). A partir da formulação dessa teoria, a atividade de leitura e escrita passa a
ser vista não como codificação/decodificação de um simples códi- go, mas como a
reconstrução de um sistema notacional de características conceituais e convencionais
próprias (MORAIS, 2012). Segundo esse autor, algumas contri- buições dessa teoria
podem ser pontuadas como:

 A superação da visão centrada no adulto sobre o que é “fácil” ou “difícil” para


os aprendizes: de acordo com a referida teoria, é inadequado iniciar o ensino do
SEA a partir de vogais, ditongos, etc., para só depois formar palavras; assim
como o controle sobre os padrões si- lábicos das palavras não assegura sua
aprendizagem (MORAIS, 2012);
 As oportunidades de vivenciar práticas de leitura e es- crita fora da escola
influem muito no ritmo de apropria- ção do SEA; nesse sentido, o letramento
16

começa muito antes de as crianças irem para a escola, o que comprova que não
existe “prontidão” para a alfabetização (MORAIS, 2012);
 Os erros dos aprendizes, em vez de de serem tratados como patologias, são
vistos como indicadores do que as crianças já aprenderam e do que precisam
aprender sobre a escrita (MORAIS, 2012);
 A necessidade de ampliar os tempos de aprendizagem implica a inadequação da
retenção do estudante ao final do primeiro ano (MORAIS, 2012).

O papel ativo que a criança desempenha para a apro- priação do Sistema de Escrita
Alfabética é destacado por Ferreiro (1985; 1989), que demonstra a importân- cia do
confronto e da desestabilização das hipóteses já consolidadas, para que o aprendiz
avance em suas for- mulações. A heterogeneidade de conhecimentos sobre a escrita
pode ser utilizada favorável e intencionalmen- te nesse confronto e desestabilização das
hipóteses in- fantis, na medida em que crianças de níveis diferentes de escrita interagem
na realização das atividades.

A concepção do erro como ponto de partida para a reflexão dos estudantes e para a
avaliação do professor tem estreita relação com o tratamento da heterogenei- dade. Um
professor que concebe o SEA como código, cujo ensino deve basear-se na memorização
de suas partes (letras, sílabas) para que sejam manipuladas isoladamente, provavelmente
terá dificuldades em conferir autonomia na realização das atividades a alu- nos que
ainda não dominam o SEA. Como o erro, nestes casos, é geralmente evitado (a fim de
que não sejam memorizados “modelos errados” de palavras, frases ou textos), o ensino
tende a ser controlado e, mesmo crianças que já se apropriaram do SEA, podem ter sua
liberdade de produção limitada.

5. Educação do Campo e linguagem: aspectos históricos, políticos e pedagógicos

O debate acerca da educação do campo e sua inserção nas políticas edu- cacionais
nasceu mais precisamente a partir da promulgação da LDB 9394/1996, ao garantir a
possibilidade de adequação curricular e meto- dologias apropriadas ao meio rural, com a
flexibilização da organização escolar e adequação do calendário escolar (NÓVOA,
2009).

Entretanto, as políticas educacionais que estão sendo implantadas e implementadas no


Brasil ignoram as necessidades e especificidades da escola camponesa, tratando-a como
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uma extensão da escola urbana. Em contraposição a essa concepção, é necessário partir


da compreensão da educação do campo como ideologia e força dos movimentos sociais,
na busca por uma edu- cação pública que valorize a sua identidade e a cultura dos povos
do campo (SOUZA, 2008).

Considerando as especificidades do homem do cam- po e a valorização da sua


identidade a partir do uso da língua, este texto propõe-se a apresentar uma discussão
acerca da educação rural e da educação do campo, numa perspectiva histórica. Num
segun- do momento, discute-se a importância da lingua- gem como manifestação
identitária destes sujeitos e a necessidade de a escola valorizar a linguagem do homem
do campo, mas também a necessidade de ensinar a língua padrão como instrumento de
inser- ção e interação social (NÓVOA, 2009).
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6. Conclusão

A perspectiva da heterogeneidade supõe a necessidade de procedimentos para o sucesso


da prática docente, que haja competência no que se ensina e habilidade para trabalhar
com as diferenças. “Muitos professores não sabem diferenciar o melhor método e o
melhor conteúdo quando se deparam com classes com variedades de necessidades
diferentes

Para lidar com a heterogeneidade com uma característica da turma não é tarefa fácil,
mas cabe ao educador ser flexível, conhecer metodologias e técnicas diversas de ensino,
utilizar mais de uma linguagem, ter fácil adaptação, assim como propor actividades que
façam sentido para seus aprendizes.

Uma sala de aulas heterogenia é um ambiente próprio para se trabalhar a diversidade,


porque já parte se do pressuposto de que nenhum aluno é igual ao outro, e para que haja
sucesso na aprendizagem dos alunos há uma necessidade de se aplicar a diferenciação
pedagógica, pois cada aluno tem suas limitações e ritmos de aprendizagem diferente dos
outros.

Considerando a análise dos textos e a complexidade do tema, entendemos que este


merece atenção em cursos de formação inicial e continuada. De igual forma, precisa
continuar pautando os processos de formação do PNAIC, priorizando discussões no
campo conceitual e didático.
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7. Referências bibliográficas

ANIJOVICH, Rebeca & Beech, Jason & Cancio, Cecilia Como ensinar em uma sala de
aula heterogênea? 2017.

CORTESÃO, L. O arco- íris na sala de aula: processos de organização de turmas-


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2009.

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NÓVOA, A. Professores. Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.

ALMEIDA, Paulo Nunes. Educação Lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. 9ª ed., São
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KISHIMOTO, TizukoMorchida. Jogos Infantis: o jogo, a criança e a educação.


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MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educa- ção do futuro. São Paulo: Cortez,
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