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CATEGORIAS E CONCEITOS DA

GEOGRAFIA
APRESENTAÇÃO
Professora Esp. Karitta da Silva Lopes

● Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).


● Especialista em “História da África e Cultura Afro-Brasileira, Práticas Docentes,
Relações Raciais e a Aplicação da Lei 10.639/03” pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM).
● Atuou como professora de Geografia pelo Processo Seletivo Simplificado do
Paraná da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR).
● Link do Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2751506907806550.

Ampla experiência como docente na rede pública de Ensino Básico do Estado do Paraná,
atuando em instituições como o Colégio Estadual João de Faria Pioli, Colégio Estadual
Silvio Magalhães Barros, Instituto de Educação Estadual de Maringá, Colégio Estadual
Antônio Francisco Lisboa e Colégio Estadual Jardim Independência, estes dois últimos,
localizados no município de Sarandi-PR.

APRESENTAÇÃO DA APOSTILA
Olá, seja muito bem vinda(o) à disciplina “Categorias e conceitos da Geografia”!

Prezada(o) aluna(o), é com grande satisfação e apreço que lhe introduzo às


temáticas e assuntos que compõem esta disciplina. Se você se interessou pelos
conhecimentos apresentados e dinamizados aqui, o presente material será o início de
uma grande jornada que vamos trilhar juntos a partir de agora. Desde já te adianto que
o desenvolvimento do conhecimento em Geografia se faz por meio de uma construção
coletiva, ou seja, por relações conjuntas e recíprocas e nunca individuais ou unilaterais.
Desta forma, é a partir do compartilhamento e socialização dos saberes
geográficos, divididos em quatro unidades, que vamos estudar alguns dos princípios
históricos, teóricos, metodológicos e epistemológicos da construção e consolidação da
Geografia como ciência.
Na unidade I vamos conhecer a disciplina de Geografia ao longo da História, com
destaque ao seu desenvolvimento por meio das correntes do pensamento geográfico,
das suas tendências mundiais e brasileiras e dos seus conceitos e categorias analíticas
principais.
Já na unidade II você irá saber mais sobre questões acerca da ação humana na
natureza e as relações estabelecidas entre a sociedade e o meio ambiente, como
também, sobre o impacto da sociedade na natureza e vice e versa, e algumas técnicas
sustentáveis desenvolvidas para diminuir esse impacto.
Na sequência, na unidade III falaremos a respeito das divisões da Geografia entre
Geografia Humana e Geografia Física, das relações entre Geografia e
interdisciplinaridade, dos princípios da Geografia Crítica enquanto uma corrente teórica
presente nos estudos geográficos e dos diversos ramos da Geografia, como a
Geomorfologia, Climatologia, Geografia Social e Geopolítica, entre outros.
Em nossa unidade IV, vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina com estudos à
respeito da leitura do espaço geográfico por meio das categorias geográficas de lugar e
paisagem, do conceito de território e espaço geográfico de forma mais específica e
aprofundada e, por último, da representação do espaço geográfico, em especial, através
do ensino de Geografia nas escolas.
Aproveito para reforçar o convite a você, para junto comigo, percorrer esta jornada
de conhecimento a fim de multiplica-los a partir de tantos assuntos tratados em nosso
material. Almejamos que esta disciplina possa contribuir para seu crescimento pessoal,
profissional e acadêmico.

Muito obrigada pela companhia e bons estudos! Se puder, fique em casa.


UNIDADE I

CONCEITOS DA GEOGRAFIA
Professora Esp. Karitta da Silva Lopes

Plano de Estudo:

● A Geografia ao longo da História.


● As correntes do pensamento geográfico.
● As tendências da Geografia mundial e Brasileira.
● Conceitos fundamentais na compreensão do espaço Geográfico

Objetivos de Aprendizagem:

● Compreender o processo histórico de evolução do pensamento geográfico.


● Analisar os pressupostos da geografia como ciência e sua relação com outras
áreas do conhecimento, através do tempo histórico.
● Estabelecer relações entre a sociedade humana e o ambiente natural.
● Classificar as categorias geográficas e compreender como os fenômenos
espaciais se manifesta através delas.
INTRODUÇÃO

Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos


da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar
conhecimentos acerca das bases teóricas do pensamento geográfico.
O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das
discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à
estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo
histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar
epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais,
modificações territoriais e relações com práticas e intervenções humanas.
Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve
contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território,
espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por
meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no
seu percurso educacional no decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação
do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às
Humanidades.
A Unidade 1 “Conceitos da Geografia” é composta por quatro tópicos que
correspondem à um plano de estudo estruturado para que você possa obter
conhecimento sobre a Geografia ao longo da História, as correntes do
pensamento geográfico, as tendências da Geografia mundial e brasileira e os
conceitos fundamentais na compreensão do espaço geográfico.
Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com
a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas
habilidades cognitivas e investigativas em Geografia.

Bons estudos!
1 A GEOGRAFIA AO LONGO DA HISTÓRIA

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/old-vintage-retro-compass-


on-ancient-1014403549

Ao darmos início aos estudos acerca da Geografia enquanto uma disciplina


essencial para compreendermos o espaço que vivemos, suas condições naturais,
modificações territoriais e intervenções humanas, precisamos, a priori, identificar a
etimologia da palavra a fim de contextualizá-la ao longo da história. Logo, o termo em
destaque, tem sua origem na junção dos radicais gregos geo, cujo significado é terra, e
grafia, que significa descrição, ou seja, o estudo da superfície da terra.
Nascida no berço do pensamento filosófico grego, a base científica da Geografia
é reconhecida como uma das mais longínquas da Grécia Antiga, sendo classificada
enquanto uma filosofia natural ou história natural. Nesse período histórico, os objetivos
e análises que envolviam a ciência geográfica estavam voltadas a entender a localização
da Terra no universo, bem como, a dimensão de sua superfície por meio de cálculos
matemáticos e representações cartográficas.
Em virtude disso, podemos dizer que as origens dos estudos geográficos se dão
a partir do surgimento da geografia geral e da geografia matemática. De acordo com
Paulo R. Teixeira de Godoy (2010), a utilização do termo Geografia foi motivada pela
necessidade de designar aportes do cotidiano da sociedade grega, como relatos de
viagens, descrição de lugares, escritos literários, relatórios estatísticos, registros
cosmológicos, entre outros. Por esta razão, pesquisas históricas e evidências
arqueológicas e etnológicas apontam que o mapa é a mais antiga forma de comunicação
gráfica realizada pela humanidade

Nesse momento histórico na Grécia, havia um esforço intelectual voltado para a


compreensão do mundo, do universo e da realidade, ou como era conhecido à
época, o cosmos. Para os gregos, o cosmos era uma totalidade organizada
racionalmente, que só poderia ser descrito pela razão, levando a visualização de
uma ordem, uma unidade e uma harmonia, onde coexistem uma multiplicidade
caótica das coisas e acontecimentos (GODOY, 2010, p. 13).
Contudo, embora a construção e formulação das bases científicas da Geografia
remonte a Era Clássica (entre o século VIII a.C. e o século V d.C) a partir da perspectiva
dos estudos sobre as dimensões, formas e o campo gravitacional da Terra, não havia
uma unidade de análise compreendida como método, de modo que, até o final do século
XVIII, não é possível falar de um conhecimento geográfico sistematizado que
apresentasse as conexões metodológicas necessárias para ser categorizada como
ciência.
Com o fim da Idade Média, período histórico marcado por uma organização social
definida pelas aristocracias feudais, pelas imposições eclesiásticas da Igreja Católica e
por um sistema econômico baseado na troca e no escambo, surge a necessidade de
legitimar a ciência a partir do método a fim de racionalizar os seus procedimentos e
descobrimentos, antes, desacreditados e questionados pelo clero, poder religioso da
estrutura medieval que operava diretamente nas decisões políticas da sociedade
europeia.
Neste sentido, o pensamento moderno, inaugurado com as mudanças históricas
proporcionadas pelo Iluminismo, pelo capitalismo e pelo positivismo, estipulou o método
(baseado exclusivamente em concepções empiristas e quantitativas da época Moderna)
como uma condição imprescindível para se fazer ciência.

O conhecimento da realidade em diversas sociedades e na maior parte da


história da humanidade foi buscado nos signos religiosos, nas lendas, na poesia
e na religião. Foi rompendo com estas formas, até então tradicionais de
explicação da realidade, que o pensamento moderno tomou forma inaugurando
um novo período na história da humanidade onde o conhecimento foi tomado
como ação racional (LEITÃO, 2017, p.12).
Figura 1: O Homem Vitruviano (1490), obra renascentista de Leonardo da Vinci (1452 -
1519) que se tornou símbolo do Antropocentrismo (homem no centro), conceito característico
da Modernidade.

https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/homo-vitruviano-vitruvian-man-
leonardos-detailed-602705321

Desta forma, foi a partir do século XIX que a ciência geográfica inicia os primeiros
passos na sistematização de um método por meio dos estudos dos intelectuais alemães
Carl Ritter (1779 - 1859) e Alexander Von Humboldt (1759 - 1859), que no mesmo
período histórico, dedicaram-se a estudar as interações entre o homem e a natureza.
Portanto, podemos afirmar que Humboldt e Ritter, são os percursores da geografia
sistematizada e de metodologias para se pensar tal ciência.

Carl Ritter (1779 – 1859), ao lado de Alexander Von Humboldt (1769 –


1859), é apontado como um dos organizadores das bases da Geografia
Moderna. Apesar de nenhum destes dois geógrafos ter sido pioneiro no
estudo da Geografia na Modernidade, foram os primeiros a proporem
uma ciência geográfica, cujo objetivo fosse compreender as leis que
regem a relação entre a natureza e a sociedade (LEITÃO, 2017, p. 12).

Ao analisarmos a contribuição dos autores para a sistematização da geografia e,


por consequência, sua consolidação enquanto ciência racionalizada por uma
metodologia testada, podemos perceber que o que os diferenciavam teoricamente era o
método de análise que propunham para desenvolver seus estudos. Segundo Leitão
(2017), Humboldt era um naturalista empirista que viajou por diversos locais do mundo
enquanto Ritter compôs sua obra a partir de atividades de revisão bibliográfica, propondo
um sentido para a relação homem-natureza.
Ambos os autores se encontravam inseridos em um contexto de profundas
transformações na história na Alemanha e, sobretudo, na história Ocidental. A ciência,
nesse período, estava fundamentada em uma compreensão mecanicista do universo, ou
seja, estava ancorada na razão exacerbada, herança do positivismo iluminista, como
vimos anteriormente. “Efetivamente, a epistemologia dominante fundamenta-se em
contextos culturais e políticos bem definidos: o mundo moderno cristão ocidental, o
colonialismo e o capitalismo” (TAVARES, 2009, p. 183).
O pensamento moderno baseado nas contribuições da física de Newton iniciou a
modernidade enquanto corrente científica. A física Newtoniana, concretizou a forma
mecânica de compreender a natureza, afirmando que nada poderia fugir das relações de
causa e efeito, sendo assim, as explicações dos fenômenos seriam logicamente medidas
e traduzidas em equações matemáticas adequadas a explicar todos os eventos que
acontecem no espaço.
Contudo, a inspiração científica de Ritter, não foi somente instigada pela corrente
racionalista que permeou a Modernidade, sua geografia preocupava-se em dar respostas
aos dilemas do seu tempo e as questões que preocupavam sua geração, afirmando que
a geografia seria capaz de encontrar leis racionais e universais que gerissem a conexão
entre a humanidade e a natureza quando compreendesse, que mesmo a razão, era
detentora de contradições e complexidades inerentes ao agir e pensar humano.
Ao analisar as mudanças políticas, sociais, econômicas, culturais e
epistemológicas que ocorreram no continente europeu pós-Revolução Francesa,
relacionando-as com a corrente científica racionalista, o autor aponta:

Muitos daqueles que esperavam que a Revolução Francesa fosse capaz


de inspirar em toda a Europa uma sociedade mais igualitária e livre,
assistiram à queda do tradicional Antigo Regime sem que isso
representasse mudanças significativas na vida da maior parte da
população. O homem moderno continuava refém das fraquezas
humanas, mas em contrapartida, havia perdido seu elo com a natureza,
aberto mão de sua tradição e perdido o contato integral da vida
comunitária (LEITÃO, 2017, p. 13).

À vista disto, Carl Ritter preocupou-se em sistematizar o conhecimento geográfico


ao elaborar uma interpretação científica e racional para entender a interação entre o
homem e a natureza e encontrar um significado para a existência humana. O geógrafo
acreditava que a vontade de Deus havia desenvolvido a ciência racional como condição
da humanidade se reconectar com a natureza e, consequentemente, se reconectar com
Deus através da contemplação da mesma.
Corroboramos que, mesmo com o fim da Idade Média e a ocorrência da
Modernidade, tais transformações históricas não ocorreram do dia para a noite, logo,
vale ressaltar que a religião, como instituição que molda as ações e pensamentos
humanos, continuou a exercer grandes influências nas práticas sociais modernas. Tal
fato explicaria a crença e pertença religiosa manifestada por Carl Ritter em seus estudos
a respeito da geografia.

Para Ritter, as adversidades da natureza moldam o caráter e o espírito


de um povo, da mesma maneira que o homem é capaz de alterar a
natureza. É desta relação, que é por essência conflituosa, que são
moldadas as regiões em suas particularidades. As regiões, a natureza e
os homens são, portanto, portadores de história. É a partir da história que
o geógrafo se torna capaz de compreender os meandros da relação
homem-natureza (LEITÃO, 2017, p. 29).

A fim de compreender de que forma os fenômenos apresentam-se na superfície da


Terra por meio de uma razão universal, ainda que estivesse focado em entender as
particularidades de cada região, o autor encontrou um método que relaciona a parte e o
todo. Logo, a partir de suas contribuições epistemológicas, Carl Ritter é reconhecido como
o percursor da Geografia Humana como método científico.

Ainda que Ritter tenha vivido no século XVIII, em um momento em que a


própria concepção de ciência era concebida de forma mais holística, seu
interesse foi o de utilizar a Geografia como forma de superar a
fragmentação imposta pelo avanço da razão em sua época (MOREIRA,
2010 apud LEITÃO, 2017, p. 14).

Por outro lado, Alexander von Humboldt buscou formular teorias sobre a Terra a
partir do empirismo racionado e do método intuitivo, isto é, a compreensão dos
conhecimentos relativos a terra se dará a partir da observação como suporte para a prática
e assimilação direta da realidade para além da razão.
Durante suas expedições, o autor observou que as características da flora e da
fauna de uma região estão estreitamente relacionadas com as condições climáticas,
latitudes e tipo de relevo existentes nesse ambiente. A partir dessa elaboração analítica,
Humboldt desenvolveu o conceito de “meio ambiente geográfico”, sendo reconhecido
como percursor da Geografia Física.
As respostas encontradas por Ritter e Humboldt para os impasses de sua época
e suas formas de pensar a Geografia podem não ser adequadas às nossas pretensões
atuais, mas entendê-los é fundamental para que possamos revisar nosso passado
encontrando elementos que possam auxiliar as respostas que buscamos dar em nosso
próprio tempo.
Ao longo do presente tópico, buscamos apresentar os primeiros passos da
sistematização da ciência geográfica como uma importante ferramenta de compreensão
da realidade, cuja formulação e desenvolvimento teórico-metodológico vem a contribuir
para que a humanidade possa entender a natureza e sua relação com ela, que pode vir a
ser, tanto saudável e respeitosa, quanto nefasta e destrutiva.
2 AS CORRENTES DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aircraft-spotter-


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Prezada (o) Aluna (o), estudamos no tópico anterior que as contribuições de Carl
Ritter e Alexandre Von Humboldt, asseguraram caminhos abertos para as discussões
teóricas acerca do pensamento geográfico, formulada por levantamentos experimentais
e contagens esgotantes sobre distintos lugares da Terra. Vimos, também, a importância
dos processos de sistematização do saber geográfico, de forma particular e autônoma,
para que o mesmo fosse considerado uma ciência específica e com métodos próprios.
Tendo em vista o conteúdo trabalhado anteriormente, neste tópico iremos dar
continuidade aos estudos referentes a Geografia enquanto ciência e campo investigativo,
focando nas correntes teóricas em que o pensamento geográfico foi construído,
metodizado e elaborado cientificamente, pois para compreendermos as epistemologias
da Geografia, precisamos conhecer o desenvolvimento das principais correntes que
surgiram após a sua legitimação enquanto ciência sistematizada.
Os primeiros princípios teóricos desenvolvidos para nortear as análises
geográficas, presente em estudos até os dias atuais, foram realizados nos processos de
sistematização metodológica que estudamos no tópico passado. Como afirma Antonio
Carlos Robert Moraes (1994), fazem parte desse repertório o conhecimento acerca da
extensão do planeta, o levantamento de informações a respeito da superfície terrestre,
o desenvolvimento de técnicas cartográficas e o surgimento das teorias raciais do
evolucionismo.
Tais princípios, foram os primeiros passos rumo a consolidação da ciência
geográfica, influenciando diretamente o surgimento de correntes teóricas cujo o objetivo
é o de pensar a ciência em destaque e de servir como aporte teórico para investigações
a respeito das problemáticas que envolvem a Geografia. Logo, as correntes do
pensamento geográfico, com suas especificidades analíticas, semelhanças e cisões,
podem ser identificadas em dois grandes grupos: a Tradicional, entendendo o
agrupamento das correntes que não dialogam com as questões sociais, mas estudam a
relação entre a humanidade e a natureza amparada na percepção da Geografia como
ciência descritiva e de observação dos fenômenos naturais, ou seja, positivista; e a
Moderna, que questiona o tradicionalismo e o positivismo amparando a Geografia como
ciência atenta às questões sociais e complexidades humanas.

2.1 Geografia Tradicional

A corrente teórica da Geografia Tradicional têm seu desenvolvimento e


consolidação possibilitada por três escolas distintas, sendo elas: 1- Determinismo, cujo
o principal teórico é o alemão Friedrich Ratzel, que sustenta o argumento de que as
circunstâncias naturais definem a relação com o homem e , por consequência, intervêm
nas suas condições de evolução; 2- Possibilismo, estabelecido pelas ideias do francês
Paul Vidal de La Blache, que defendia que a natureza oferece oportunidades para que o
homem a transforme sem necessariamente indicar comportamentos; 3- Regionalismo,
escola amparada pelo norte-americano Richard Hartshorne e, também, por Paul Vidal
de La Blache, que afirmavam que o conhecimento das regiões geográficas e suas
diferenças se davam por meio do detalhamento dos lugares e fragmentações territoriais.

2.1.1 Determinismo Geográfico

Teoria formulada no século XIX pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que aponta
as influências que as condições naturais exercem sobre os seres humanos, a escola
determinista sustenta a ideia de que o meio natural determina o homem, nesse sentido,
os homens procurariam organizar o espaço para garantir a manutenção da vida.
Segundo Moraes (1994), para Ratzel “A perda de território seria a maior prova de
decadência de uma sociedade. Por outro lado, o progresso implicaria a necessidade de
aumentar o território, logo, de conquistar novas áreas (p. 19)”.
As análises de Ratzel estavam ligadas fortemente ao momento histórico que se
encontrava inserido, compreendendo o período de unificação da Alemanha no século
XIX. O expansionismo do império alemão, arquitetado pelo primeiro-ministro da Prússia
Otto Von Bismarck (1815-1898), foi legitimado pelas duas principais correntes do
pensamento Ratzeliano, o determinismo geográfico - que explicaria a superioridade de
algumas raças, nesse caso a alemã, que naturalmente se desenvolveriam mais do que
outras - e o espaço vital, que justificaria a conquista de novos territórios de formas
violentas para suprir a maior demanda de recursos para seu desenvolvimento, ou seja,
o expansionismo.

Ratzel elabora o conceito de “espaço vital”; este representaria uma


proporção de equilíbrio, entre a população de uma dada sociedade e os
recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo assim
suas potencialidades de progredir e suas premências territoriais. É fácil
observar a íntima vinculação entre estas formulações de Ratzel, sua
época e o projeto imperial alemão. Esta ligação se expressa na
justificativa do expansionismo como algo natural e inevitável, numa
sociedade que progride, gerando uma teoria que legitima o imperialismo
bismarckiano. Também sua visão do Estado como um protetor acima da
sociedade, vem no sentido de legitimar o Estado prussiano, onipresente
e militarizado. (MORAES, 1994, p. 19).

Os discípulos da escola determinista foram além das proposições de Ratzel,


chegando a afirmar que o homem seria um produto do meio ao defenderem que um
ambiente mais hostil proporcionaria um maior nível de desenvolvimento ao exigir um alto
grau de organização social para suportar todas as contrariedades impostas pelo meio.
Ex: O inverno justificaria o desenvolvimento das sociedades europeias, que não tiveram
grandes dificuldades em subjugar os povos tropicais, isto é, sociedades africanas e
americanas, que segundo tal pensamento, seriam mais indolentes, incivilizados e
atrasados.
Essa ideia falaciosa serviu de justificativa para a colonização, a escravidão e o
expansionismo neocolonial na África e na Ásia entre o fim do século XIX e o início do
século XX. Pensamentos que, mais tarde, foram aproveitados pelos cientistas e políticos
da Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial a fim de sustentar as
atrocidades do Holocausto e o extermínio de populações consideradas racialmente
inferiores, como judeus, negros, ciganos e pessoas com deficiência.
Em acordo com Moraes (1994), a característica principal do Determinismo “[...]
reside no fato de haver trazido, para o debate geográfico, os temas políticos e
econômicos, colocando o homem no centro das análises. Mesmo que numa visão
naturalizante, e para legitimar interesses contrários ao humanismo” (p. 21).

2.1.2 Possibilismo Geográfico

A escola possibilista teve origem na França com Paul Vidal De La Blache, teórico
que estava inserido no pensamento político dominante da sociedade francesa em um
momento em que a nação tornou-se uma grande soberania.

Para compreender o processo de eclosão do pensamento geográfico na


França, e o tipo de reflexão que este engendrou, é necessário enfocar os
traços gerais do desenvolvimento histórico francês no século XIX, e, em
detalhe, a conjuntura da Terceira República e o conflito de interesses com
a Alemanha (MORAES, 1994, p. 22).

Paul Vidal De La Blache realizou estudos regionais procurando provar que a


natureza exercia influências sobre o homem, mas que o homem tinha possibilidades de
modificar e de melhorar o meio, ideia chave do Possibilismo. O autor delineou o enfoque
da Geografia a partir da interação homem-natureza, na concepção da paisagem,
inserindo o homem como um ser dinâmico, que sente a influência do meio, mas que
opera sobre este, modificando-o. A partir dessa elaboração, constatou que as urgências
humanas são influenciadas pela natureza, e que a humanidade procura recursos para
satisfazê-las nos elementos e nas possibilidades ofertadas pelo meio.
Conforme afirmado por Moraes (1994) a geografia vidalina tem como enfoque a
população, o agrupamento social, e nunca a sociedade em si, isto é, tal escola aborda
os estabelecimentos e feitos humanos a partir de técnicas e de instrumentos de trabalho,
não as relações e dinamizações sociais ocorridas através de processos de produção e
exploração. “Enfim, discute a relação homem-natureza, porém sem abordar as relações
entre os homens. É por esta razão que a carga naturalista é mantida, apesar do apelo à
História, contido em sua proposta” (MORAES, 1994, p. 26).
Por fim, podemos dizer que o Possibilismo considera a natureza como
fornecedora de possibilidades e o homem como o principal agente geográfico que atua
e modifica a natureza.
2.1.3 Regionalismo Geográfico

Essa corrente do pensamento geográfico tradicional, tem suas bases propostas


pelo diálogo entre Paul Vidal de La Blache, que como já vimos é o teórico principal da
escola possibilista, e Richard Hartshorne, norte-americano que afirma que os aspectos
próprios da Geografia eram o espaço e os lugares.
O método adotado por essa vertente compreendia em comparar regiões, sobre os
critérios de semelhança e diferença, dedicando-se a coleta de informações descritiva
sobre lugares ao dividir a Terra em regiões. Para Hartshorne, os espaços eram divididos
em áreas nas quais os elementos mais homogêneos determinariam cada classe e,
assim, as descontinuidades destes espaços trariam as divisões das áreas.

Hartshorne argumentou que os fenômenos variam de lugar a lugar, que


as suas inter-relações também variam, e que os elementos possuem
relações internas e externas à área. O caráter de cada área seria dado
pela integração de fenômenos inter-relacionados. Assim, a análise
deveria buscar a integração do maior número possível de fenômenos
inter-relacionados. (MORAES, 1994, p. 32).

Logo, podemos afirmar que para o teórico em destaque, o pesquisador faria a


análise de um só lugar, tentando compreender diversos elementos que levariam à
construção de um importante e significativo conhecimento sobre determinado local.
Buscamos visualizar e compreender tal método a partir dos exemplos expostos por
Moraes:

[...] o pesquisador seleciona dois ou mais fenômenos (p. ex. clima,


produção agrícola, tecnologia disponível), observa-os na área escolhida,
relaciona-os. Seleciona outros (p. ex. topografia, estrutura fundiária,
relações de trabalho), observa-os, relaciona-os; repete várias vezes este
procedimento, tentando abarcar o maior número de fenômenos (tipo de
solo, destinação da produção, número de cidades, tamanho do mercado
consumidor, hidrografia etc.); uma vez de posse de vários conjuntos de
fenômenos agrupados e inter-relacionados, integra-os inter-relacionando
os conjuntos; repete todo este procedimento, com novos fenômenos, ou
novos agrupamentos dos mesmos fenômenos, em conjuntos diferentes;
afinal, integram-se, entre si, os conjuntos já integrados separadamente
(MORAES, 1994, p. 32).
As propostas dessa corrente abriram inúmeras possibilidades para os estudos
geográficos e foram amplamente discutidas, pois possibilitou análises locais, focadas na
união de temas conectados, à exemplo de uma geografia dos recursos naturais e uma
geografia dos transportes, relacionando e integrando uma diversidade de fenômenos
relacionados a essas temáticas específicas. Tal pensamento geográfico definido como
método regional, possibilitou um trabalho investigativo com uma quantidade diversa de
elementos, relacionando interesses cada vez mais planejados e ágeis sobre determinada
região.
A partir do exposto durante o presente tópico, a Geografia Tradicional contribuiu
para a fundamentação de um campo amplo de investigações sistematizadas ao
organizar uma continuidade de discussões estruturadas em conhecimentos
metodológicos.

Nesse processo, elaborou um temário válido, independente das teorias


que desenvolveu; esse temário restou como a grande herança do
pensamento geográfico tradicional. Assim, seu grande feito foi a
identificação de problemas, o levantamento de questões válidas, às quais
deu respostas insatisfatórias ou equivocadas (MORAES, 1994, p. 33).

Concomitante à isso, a Geografia Tradicional contribuiu com uma quantidade


vasta de informações e levantamento de diversas realidades, constituindo um material
essencial para pesquisadores que vieram depois, beneficiados pelo caráter descritivo
das informações levantadas e dados minuciosos sobre uma pluralidade de fenômenos,
inclusive, para que tais teóricos subsequentes formulassem críticas e correntes
divergentes às aqui explanadas.
Para concluir, apesar de suas limitações generalistas e naturalistas, o
pensamento geográfico tradicional contribuiu para a elaboração de alguns conceitos
bases da Geografia atual como ambiente, território, região, habitat, etc. (reestruturados
e ressignificados posteriormente). O cenário apresentado diz respeito às primeiras
vertentes teórica-metodológicas da Geografia, as críticas levantadas a essa corrente,
proporcionou avanços científicos na construção do pensamento geográfico e na
produção epistemológica acerca dessa ciência.
2.2 Geografia Moderna

Por volta da década de 1950, com o fim da II Guerra Mundial (1939 e 1945) e a
expansão do sistema capitalista, as correntes do pensamento geográfico tradicional
foram questionadas, trazendo para as novas análises a defesa de fazer da Geografia
uma ciência humana e social. Sobre a estruturação de novas formas e sentidos para
pensar a disciplina nos anos seguintes, podemos apontar que

A crise da Geografia Tradicional, e o movimento de renovação a ela


associado, começam a se manifestar já em meados da década de
cinquenta e se desenvolvem aceleradamente nos anos posteriores. A
década de sessenta encontra as incertezas e os questionamentos
difundidos por vários pontos. A partir de 1970, a Geografia Tradicional
está definitivamente enterrada; suas manifestações, dessa data em
diante, vão soar como sobrevivências, resquícios de um passado já
superado. Instala-se, de forma sólida, um tempo de críticas e de
propostas no âmbito dessa disciplina. Os geógrafos vão abrir-se para
novas discussões e buscar caminhos metodológicos até então não
trilhados. Isto implica uma dispersão das perspectivas, na perda da
unidade contida na Geografia Tradicional. Esta crise é benéfica, pois
introduz um pensamento crítico, frente ao passado dessa disciplina e
seus horizontes futuros. Introduz a possibilidade do novo, de uma
Geografia mais generosa (MORAES, 1994, p. 34).

Em virtude disso, o surgimento e consolidação da Geografia Moderna se deu a


partir de duas grandes escolas teóricas: a Pragmática, que está ligada a Geografia
aplicada e que acredita na tecnologia geográfica, mediada por dados estatísticos e
diagnósticos que subsidiaram a estruturação das relações capitalistas ao incentivar
tomadas de decisões de governos e empresas; e a Crítica, que apresenta propostas
heterogêneas que se aproximam de análises acerca da realidade social, com suas
desigualdades, assimetrias e contradições, apontando assim, a Geografia como uma
ciência que vislumbra mudanças sociais em busca de uma coletividade mais justa e
engajada politicamente junto ao meio ambiente.

2.2.1 Geografia Pragmática (Nova Geografia, Geografia Teorética ou Quantitativa)


A Geografia Pragmática corresponde a um corrente do pensamento geográfico
desenvolvida a partir da década de 50, emergente a partir da urgência da obtenção de
dados exatos, calcados em conceitos teóricos, que fossem apoiados em análises
estatísticas, matemáticas e exatas da realidade. A escola foi utilizada como forte
ferramenta para a consolidação dos poderes do Estado através de soluções baseadas
em dados quantitativos.

Desta forma, seu intuito geral é o de uma “renovação metodológica”, o de


buscar novas técnicas e uma nova linguagem, que dê conta das novas
tarefas postas pelo planejamento. A finalidade explícita é criar uma
tecnologia geográfica, um móvel utilitário. Daí sua denominação de
pragmática (MORAES, 1994, p. 37).

As características principais dessa corrente são de que todo o conhecimento está


apoiado na experiência (empirismo) e que deve existir uma linguagem comum entre
todas as ciências. Desse modo, tal interpretação recusa a ideia de um dualismo científico
e forças complementares expressas entre as ciências naturais e as ciências sociais,
exigindo assim, uma exatidão maior na aplicação da metodologia quantitativa e no uso
de técnicas das ciências exatas.
Portanto, os resultados das investigações científicas sob a alçada da Geografia
Pragmática devem ser apresentados de forma lógica e apurada por meio do uso da
linguagem matemática. Em razão disso, tais investigações ampliam a utilização da
tecnologia na intervenção da realidade, pois se apresentam como uma artilharia de
dominação para os interesses do Estado planejador que propõe suas ações balizadas
em categorias técnicas, onde esconde os interesses de dominação almejadas,
defendendo uma suposta neutralidade científica.

A Geografia Pragmática é um instrumento da dominação burguesa, um


aparato do Estado capitalista. Seus fundamentos, enquanto um saber de
classe, estão indissoluvelmente ligados ao desenvolvimento do
capitalismo monopolista. Assim, são interesses claros os que ela
defende: a maximização dos lucros, a ampliação da acumulação de
capital, enfim, a manutenção da exploração do trabalho. Nesse sentido,
mascara as contradições sociais, legitima a ação do capital sobre o
espaço terrestre. É uma arma prática de intervenção, mas também uma
arma ideológica, no sentido de tentar fazer passar como “medidas
técnicas”, logo, neutras e cientificamente recomendadas” a ação do
Estado na defesa de interesses de classe (MORAES, 1994, p. 40).

Enfim, essa corrente predominou nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha,


principalmente na década de 1960 e meados da década de 1970. Contudo, é a partir
dos anos 60 que a Geografia Pragmática começa a sofrer diversas críticas, cuja principal
delas está relacionada ao fato da escola não considerar as particularidades dos
fenômenos ao reduzi-los a explicações estritamente exatas.
Corroboramos que o método matemático não é eficiente para explicar sozinho os
intervalos existentes entre diferentes momentos históricos, pois não alcança as
especificidades das relações estabelecidas entre ação humana e espaço geográfico ao
compreender o meio apenas de forma homogênea e quantificada em números.

2.2.2 Geografia Crítica

A Geografia Crítica surgiu na França, em 1970, e depois foi desenvolvida por


pesquisas em diferentes realidades do mundo, como na Alemanha, Brasil, Itália,
Espanha, México e outros países, ganhando força e se legitimando como um grande
movimento de renovação da Geografia na década de 80. As primeiras referências à essa
corrente do pensamento geográfico foram realizadas com ênfase na obra “A Geografia
serve, antes de mais nada, para fazer a guerra” do Francês Yves Lacoste.
Ao estabelecer o rompimento da suposta neutralidade da Geografia Pragmática e
propor maior engajamento e criticidade junto a toda a conjuntura social, econômica,
política e cultural do mundo, a Geografia Crítica possibilita uma leitura honesta e
coerente frente aos problemas e interesses que envolvem as relações de poder e os
embates históricos por território, defendendo a diminuição das assimetrias sociais,
econômicas e regionais presentes nas dinâmicas de cada sociedade. Propõe, ainda,
uma mudança significativa no ensino de Geografia ao promover uma educação que
estimule e pensamento crítico e interpretações contextualizadas historicamente que não
reduzem e simplifiquem a Geografia por reducionismos, generalismos e preconceitos.
O designativo de crítica diz respeito, principalmente, a uma postura frente
à realidade, frente à ordem constituída. São os autores que se
posicionam por uma transformação da realidade social, pensando o seu
saber como uma arma desse processo. São, assim, os que assumem o
conteúdo político de conhecimento científico, propondo uma Geografia
militante, que lute por uma sociedade mais justa. São os que pensam a
análise geográfica como um instrumento de libertação do homem
(MORAES, 1994, p. 42).

Nas ideias de Yves Lacoste (1988), o Estado possui uma visão estruturada do
espaço, pois tem o poder de agir sobre todos os lugares, exercendo mais uma ferramenta
de dominação. Logo, faz-se necessário construir uma visão integrada do espaço e da
sociedade a partir de interpretações que socializem este saber, pois possuem estratégias
fundamentais para momentos de disputas políticas e para uma organização social que
pense o espaço de forma justa com as necessidades humanas de sobrevivência, não
com ganâncias de consumo e esgotamento de terras, matérias-primas e recursos
naturais.

[...] a função ideológica essencial do discurso da geografia escolar e


universitária foi sobretudo o de mascarar por procedimentos que não são
evidentes a utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a
condução da guerra, como ainda para a organização do Estado e prática
do poder. É sobretudo quando ele parece “inútil” que o discurso
geográfico exerce a função mistificadora mais eficaz, pois a crítica de
seus objetivos “neutros” e “inocentes” parece supérflua. A sutileza foi a
de ter passado um saber estratégico, militar e político como se fosse um
discurso pedagógico ou científico perfeitamente inofensivo. Nós veremos
que as consequências desta mistificação são graves (LACOSTE, 1988,
p. 25).

No Brasil, o grande nome da renovação da Geografia foi o teórico baiano Milton


Santos, que publicou as primeiras contribuições dessa nova abordagem no país. O autor
defende que toda manifestação produtiva do homem, implica em uma ação modificadora
da superfície terrestre.

Santos afirma que a organização do espaço é determinada pela


tecnologia, pela cultura e pela organização social da sociedade, que a
empreendem. Na sociedade capitalista, a organização espacial é imposta
pelo ritmo de acumulação. Na verdade, esta representa uma dotação
diferencial de instrumentos de trabalho, na superfície do planeta, uma
fixação de capital no espaço, obedecendo a uma distribuição “desigual e
combinada”. Diz que, desta forma, os lugares manifestam uma
combinação de capital, trabalho, tecnologia e trabalho morto, expresso
nas “rugosidades” (MORAES, 1994, p. 46).

O pensamento crítico na Geografia significou principalmente uma aproximação


com os movimentos sociais, na busca da ampliação dos direitos civis e humanos,
expressa pelo acesso à educação gratuita e de qualidade, à moradia, à terra, combate à
pobreza e à violência ambiental, como o desmatamento, poluição, extinção de
organismos vivos pertencentes a fauna e a flora, entre outras temáticas.
3 AS TENDÊNCIAS DA GEOGRAFIA MUNDIAL E BRASILEIRA

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Cara (o) Aluna (o), nos tópicos anteriores estudamos os paradigmas que
marcaram a evolução do pensamento geográfico e a estruturação dos métodos que
fundamentaram cientificamente a Geografia ao longo dos séculos. Faz-se necessário
historicizar o processo de evolução do pensamento geográfico a fim de analisarmos e
entendermos os pressupostos da Geografia como ciência e sua relação com outras
áreas do conhecimento através do contexto histórico de sua produção.
No presente tópico, temos por objetivo dar continuidade aos estudos acerca da
Geografia como ciência de referência ao nos debruçarmos pelas tendências da
Geografia mundial e, em específico, da brasileira. Corroboramos que o processo de
desenvolvimento do pensamento geográfico, ocorrido desde a Grécia Antiga, possibilitou
o surgimento de vertentes teóricas das quais são imprescindíveis para compreendermos
a ciência geográfica atualmente. Logo, a História torna-se importante para pensarmos
nossos objetivos de estudo, pois nos auxilia a confluir passado e presente para que
possamos almejar direcionamentos à respeito da Geografia no futuro.
Há um consenso entre a comunidade científica que, atualmente, a Geografia é
considerada uma ciência interativa e sistêmica. Interativa pois proporciona uma relação
com diversos elementos presentes nos fenômenos estudados a partir de um caráter
multidisciplinar, dialogando com outros saberes científicos e áreas do conhecimento, à
exemplo da História (como já vimos anteriormente). Sistêmica devido à premissas
teóricas que definem o objeto de pesquisa ao conjugar métodos necessários para sua
formulação e identificar conexões complexas presentes no mundo globalizado.
Nas últimas décadas, a Geografia distanciou-se da preocupação em descrever
fenômenos e repassar informações decoradas e repetitivas, como exemplo, as capitais
dos países e estados, a quantidade populacional de um determinado lugar, a extensão
dos rios e etc. Por conseguinte, os estudos geográficos se fortaleceram por meio de
novas metodologias de análise, priorizando uma investigação sistêmica dos processos
demográficos, econômicos, urbanos, sociais que dêem ênfase ao desenvolvimento das
pesquisas a partir das necessidades da nova ordem mundial.

Os estudos geográficos físicos, populacionais, econômicos e geopolíticos


são, atualmente, abordados por metodologias científicas, produzindo
conceitos e interpretações a partir de análises sobre as causas das
realidades geográficas. A relação causa-efeito só produzirá resultado
científico se for estabelecida a razão geográfica da realidade em
determinadas escalas regionais e macrorregionais. A territorialidade e as
interações sistêmicas com os ambientes naturais, os processos
demográficos e as mudanças geopolíticas nas transterritorialidades
constituem, pois, a razão da ruptura epistêmica ocorrida na Geografia nas
últimas décadas (VIEIRA, 2013, p. 74 - 75).

Uma das grandes inovações ocorridas na Geografia atual é a utilização de


ferramentas de alta tecnologia que proporcionam uma melhor análise e identificação das
ocorrências e fenômenos que modificam a superfície da Terra, usufruídas por geógrafos
e geógrafas em seus estudos e pesquisas. Como afirma Euripedes Falcão Vieira (2013),
“técnicas de geoprocessamento e imagens de satélites facilitam localizações,
movimentos da hidrodinâmica fluvial, devastação de ambientes florestais, dinâmica
marinha costeira e tantos outros” (p. 78).
Desta forma, podemos afirmar que a tecnologia advinda do desenvolvimento e
democratização da internet, dos satélites e de uma comunicação global em alta escala,
configura-se como mudanças significativas e essenciais para a ciência geográfica e para
suas produções epistemológicas nos dias de hoje.
Outra tendência importante para os estudos atuais da Geografia diz respeito às
migrações que acontecem em escala global, evidenciando dinâmicas sociais de forte
impacto na geopolítica dos espaços que sofrem e recebem grandes deslocamentos
populacionais. Para compreendermos essa complexa temática é preciso utilizar diversas
categorias analíticas, pois tal fenômeno interfere ativamente na vida social, na estrutura
econômica, nas condições culturais e na dinâmica entre territorialidades e população.
As migrações humanas ocorrem desde o Período Mesolítico – (10.000 – 8.000
a.C.), momento histórico de diversas modificações geológicas e climáticas na Terra, fato
que caracterizou a transição de uma sociedade nômade para uma sociedade sedentária
do homem pré-histórico. Podemos observar, também, migrações durante os processos
de colonização europeia nas invasões de territórios africanos e americanos no século
XVI.

As migrações em larga escala estão muitas vezes ligadas a antigas


relações de conquista e domínios coloniais. Mas é preciso considerar,
também, as que ocorrem por força da nova ordem econômica mundial,
que globalizou a produção e criou, consequentemente, uma nova divisão
internacional do trabalho. Há, ainda, o fator da intelectualidade global,
ativando a mobilidade da população mais jovem (VIEIRA, 2013, p. 79).

Desta forma, apesar de não ser um fenômeno atual, ou seja, um fenômeno que
tem uma longevidade histórica, as migrações humanas ganharam novos sentidos e
significados devido à globalização. É necessário pensarmos nos motivos que levam uma
quantidade significativa de pessoas a migrar do seu local de origem para uma análise
geográfica precisa, sem preconceitos ou reducionismos das populações migrantes, e que
interconecte as categorias de uma sociedade global.
Já no Brasil, as tendências da Geografia perpassam as preocupações acerca da
nossa realidade histórica e social, como por exemplo análises capazes de responder
questões referentes à estrutura fundiária e o agronegócio, à pobreza e desigualdade, à
segurança política e defesa, à ameaças globais e transnacionais, à matriz energética e
meio ambiente, ao minério e indústria extrativa, à riqueza genética e biodiversidade, à
população e diversidade social, étnica-racial e de gênero, entre outras. Tais temáticas
tornam-se relacionadas à posição do Brasil frente ao mundo globalizado, apresentando-
se como novas linhas e tendências analíticas na pesquisa geográfica.
De acordo com Armen Mamigonian (1999), as tendências atuais da Geografia
aspiram dar resposta à crise da sociedade, da civilização e da própria disciplina. O autor
nos aponta que o desenvolvimento do modo de produção capitalista levou o Brasil a
mundialização da economia, fato que forçou uma redefinição dos espaços nacionais,
regionais e locais, seus papéis na divisão territorial e social do trabalho, intervenções
mais incisivas do Estado e novas tendências à concorrência internacional que
provocaram assimetrias na distribuição geográfica do nosso território.

Além do processo de urbanização tão brutal como nós vivemos nas


últimas décadas e intimamente acoplado a ele afloraram novas
problemáticas, que estão estimulando linhas de pesquisa que já existiam,
mas foram renovadas: 1) a preocupação por decifrar os processos
espaciais no interior das cidades, aprofundando os conhecimentos de
renda capitalista da terra (também na agricultura), sobre influência
marxista; 2) a preocupação por combinar desenvolvimento econômico e
preservação ambiental, como nas propostas de eco-desenvolvimento
(Ignacy Sachs na França, Aziz Ab’Saber no Brasil, por exemplo),
procurando soluções de crescimento, com vantagens sociais (por
exemplo, códigos de empregos) e ambientais (controle dos gases da
combustão nas cidades, por exemplo); 3) a preocupação por uma
geografia da percepção, cuja raiz está na crescente alienação das
pessoas, incapazes de realizar “mapas mentais”, mas também vinculada
à psicologia comportamental, de potencial totalitário (Skinner, por
exemplo) conforme seu uso (MAMIGONIAN, 1999, p. 177).

Diante dessas novas realidades, podemos afirmar que as tendências em vigência


na teoria e na prática da ciência geográfica perpassam as demandas da sociedade atual,
se apresentando em quatro grandes eixos: 1) diversidade de correntes teóricas e
premissas filosóficas; 2) interdisciplinaridade no diálogo e interação epistemológica entre
as disciplinas no interior da Geografia e da própria Geografia em relação a outras áreas
do conhecimento; 3) aumento e popularização de linhas de pesquisas destinadas à
perspectivas que estabeleçam relações dinâmicas entre a sociedade humana e o
ambiente natural, como a geopolítica por exemplo; 4) reconfigurações de saberes e
conceitos concomitantes às mudanças advindas da urbanização, globalização e
democratização das tecnologias.
4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA COMPREENSÃO DO ESPAÇO

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Estimada (o) Aluna (o), no presente tópico temos por objetivo conhecer conceitos
fundamentais para a compreensão do espaço. A priori, devemos ter em vista que o
conceito de espaço se apresenta como uma das mais importantes categorias analíticas
para o estudo da Geografia. Tal estrutura conceitual é o início de inúmeras produções
científicas de autores que dedicaram seus estudos à conceituação de espaço geográfico
como uma categoria abrangente e democrática para as pesquisas referentes à ciência
geográfica.
Iniciaremos nossas análises acerca da categoria de espaço por meio da obra A
natureza do espaço (1996) do geógrafo brasileiro Milton Santos, onde propõe que o
espaço é “formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de
sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o
quadro único no qual a história se dá” (p. 63). Para o autor, a natureza é o início, ela
provê a matéria-prima as quais são transformadas em objetos pela ação humana através
da técnica, isto é, “a principal forma de relação entre o homem e a natureza”, definida
como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua
vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (1996, p. 29).
Desta forma, para a ciência geográfica, o espaço pode ser conceituado como a
parte da superfície da Terra onde ocorrem as interações entre o ser humano e o ambiente
natural, ou seja, o espaço geográfico é interpretado e dinamizado a partir de ações e
práticas humanas, que por sua vez, são impulsionadas pela natureza, se dando em uma
relação recíproca de influências.
Milton Santos (1996) nos oferece argumentos críticos para compreendermos que
apesar de recíproca, essa relação se dá, muitas vezes, por meio de extremas assimetrias
e desigualdades ao elaborar que

No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já
que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos
homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também,
a ser objetos (SANTOS, 1996, p. 65).

Em virtude disto, o estudo do espaço geográfico nos possibilita compreender a


nossa organização social no presente, que se deu a partir de transformações históricas
ocorridas durantes os séculos que, por consequência, permitiram a existência e
continuidade da humanidade hoje e, quiçá, no futuro. Conforme o ser humano interfere
na natureza de determinado lugar, ele gera e promove o espaço geográfico, categoria
imprescindível para o estudo da Geografia.
A partir da conceituação de espaço geográfico, buscamos dar ênfase a outras
categorias conceituais e analíticas em Geografia, fundamentais para a compreensão de
fenômenos espaciais que se manifestam através delas, são elas: região, lugar e território.
Região é a categoria geográfica que busca estabelecer características comuns
entre diferentes áreas espaciais, ou seja, há elementos pertencentes a determinada
região que irão caracterizar todos as localidades que a integram, estabelecendo assim,
critérios de qualidades e traços específicos compartilhados por essa região. Elas podem
ser utilizadas para divisões e organizações administrativas, como bairros, municípios ou
estados, um exemplo são as categorias designadas para agrupar a população brasileira
em cinco grandes regiões geopolíticas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
Em sua obra Região e Organização Espacial (2003), Roberto Lobato Corrêa
discorre acerca do conceito de região a partir das diversas correntes do pensamento
geográfico que, como já vimos no tópico 2, estão dispostas em: Geografia Tradicional
(Determinismo, Possibilismo e Regionalismo) e Geografia Moderna (Pragmática e
Crítica). Para o autor, os conceitos de região e organização espacial são essenciais para
o entendimento do “[...] caráter distinto da geografia no âmbito das ciências sociais,
indicando a via geográfica de conhecimento da sociedade, quer dizer, das relações entre
natureza e história” (p.5).
Apesar das divergências teóricas e metodológicas, todas as correntes
compartilham do pressuposto que as raízes da Geografia estão na busca da
compreensão e diferenciação de lugares, regiões, países e continentes, resultados das
relações sociais entre homem e natureza. É a partir dessa premissa que o conceito de
região torna-se importante para os estudos geográficos, pois possibilita que agrupemos
lugares com características semelhantes ao amparar a contextualização do espaço no
qual os territórios estão inseridos.
Já o conceito de lugar consiste em uma área da superfície terrestre à qual são
conferidas especificidades e significados particulares, pois para a formação e
constituição de um lugar não basta apenas explicações descritivas a respeito da
configuração espacial ocorrida, faz-se preciso que se tenha o entendimento de como se
deu o processo da sua composição a partir das interações entre as pessoas que vivem
e produzem esse espaço. De acordo com Ana Fani Alessandri Carlos (2007),

A produção espacial realiza-se no plano do cotidiano e aparece nas


formas de apropriação, utilização e ocupação de um determinado lugar,
num momento específico e, revela-se pelo uso como produto da divisão
social e técnica do trabalho que produz uma morfologia espacial
fragmentada e hierarquizada. Uma vez que cada sujeito se situa num
espaço, o lugar permite pensar o viver, o habitar, o trabalho, o lazer
enquanto situações vividas, revelando, no nível do cotidiano, os conflitos
do mundo moderno (CARLOS, 2007, p. 20).

Desta maneira, visualiza-se que cada indivíduo é único e constituído por


experiências no tempo e no espaço de formas muito específicas, apesar de partilhadas
e com interligação entre si. Logo, um lugar terá significados diferentes para cada
indivíduo que nele vive, interfere e experiencia acontecimentos de vida.
Por fim, o significado do conceito de território se encontra ligado à demarcação de
espaços delimitados, definidos, geralmente, a partir de fronteiras, visíveis ou não,
formadas e motivadas por interesses sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos
e geográficos, os quais podem ser transformados de acordo com dinâmicas sociais que
produzem novos interesses e relações de poder. Tais demarcações ocorrem tanto
naturalmente, promovidas pelo meio ambiente, quanto socialmente, desenvolvidas pela
ação humana pelas razões citadas acima.

O conceito de Território, tratamos o espaço geográfico a partir de uma


concepção que privilegia o político ou a dominação-apropriação.
Historicamente, o território da Geografia foi pensado, definido e
delimitado a partir de relações de poder. Observa-se que, historicamente,
a concepção de território associa-se à ideia de natureza e sociedade
configuradas por um limite de extensão de poder. Territórios são no fundo
relações sociais projetadas no espaço. Por consequência, estes espaços
concretos podem formar-se e dissolver-se de modo muito rápido,
podendo ter existência regular, porém periódica, podendo o substrato
material permanecer o mesmo (SUERTEGARAY, 2001).

A partir das contribuições da autora, corroboramos que a divisão de territórios, em


especial, a partir da consolidação do Estado como instituição que normatiza formas de
controle social, torna-se importante para a ocupação e distribuição humana, pois regula
áreas administrativas de organização política, instituindo marcadores em determinada
área por um determinado código cultura. Exemplos de território: o Estado, as fronteiras
que limitam países, regiões, estados, cidades, bairros e favelas, o narcotráfico, as zonas
de guerra, etc.
Diante das conceituações atribuídas às categorias de espaço geográfico, região,
lugar e território, buscamos apontar que a Geografia expressa uma identidade particular
em seu arcabouço teórico, devido seu caráter de ciência social com interface a ciências
naturais e exatas. Segundo Corrêa (2003), devemos compreender que as correntes do
pensamento geográfico representam conceitos e categorias antagônicas que, apesar de
convergirem ou se completarem em alguns aspectos teórico-metodológicos, tiveram sua
emergência em um determinado espaço e tempo a partir de uma elaboração sócio-
histórica específica.

SAIBA MAIS

Você sabia que o Geógrafo Brasileiro Milton Santos, é um dos intelectuais mais
premiados da América Latina? Recebeu em 1994 o Prêmio Internacional Vautrin Lud,
correspondente ao Nobel da Geografia. Pela primeira vez na história desse prêmio, ele
era outorgado a um geógrafo que não era nem francês nem norte-americano. Para mais
informações a respeito do professor Milton Santos, consulte o site oficial do mesmo,
administrado por sua família.

SANTOS, Nina. Site Milton Santos, 2011. Disponível em:


http://miltonsantos.com.br/site/. Acesso em: 26/04/2021.

REFLITA

‘’O geógrafo é, antes de tudo, um filósofo, e os filósofos são otimistas, porque diante
deles está a infinidade’’. Milton Santos.

CONTEÚDOS de Geografia Geral e do Brasil. Horizonte Geográfico, 2016. Disponível


em: https://horizontegeografico.wordpress.com/. Acesso em: 26/04/2021.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prezada (o) Aluna (o) Vimos no Tópico 1 que as contribuições de Carl Ritter e
Alexandre Von Humboldt, asseguraram caminhos abertos para as discussões teóricas
acerca do pensamento geográfico, formulada por levantamentos experimentais e
contagens esgotantes sobre distintos lugares da Terra. Vimos, também, a importância
dos processos de sistematização do saber geográfico, de forma particular e autônoma,
para que o mesmo fosse considerado uma ciência específica e com métodos próprios.
Buscamos apresentar os primeiros passos da sistematização da ciência geográfica como
uma importante ferramenta de compreensão da realidade, cuja formulação e
desenvolvimento teórico-metodológico vem a contribuir para que a humanidade possa
entender a natureza e sua relação com ela, que pode vir a ser, tanto saudável e
respeitosa, quanto nefasta e destrutiva.
No tópico 2 demos continuidade aos estudos referentes a Geografia enquanto
ciência e campo investigativo, focando nas correntes teóricas em que o pensamento
geográfico foi construído, metodizado e elaborado cientificamente, pois para
compreendermos as epistemologias da Geografia, conhecemos o desenvolvimento das
principais correntes que surgiram após a sua legitimação enquanto ciência
sistematizada. Vimos que o pensamento crítico na Geografia significou principalmente
uma aproximação com os movimentos sociais, na busca da ampliação dos direitos civis
e humanos, expressa pelo acesso à educação gratuita e de qualidade, à moradia, à terra,
combate à pobreza e à violência ambiental, como o desmatamento, poluição, extinção
de organismos vivos pertencentes a fauna e a flora, entre outras temáticas.
Em seguida no Tópico 3 seguimos refletindo acerca da Geografia como ciência
de referência ao nos debruçarmos pelas tendências da Geografia mundial e, em
específico, da brasileira. Entendemos que o processo de desenvolvimento do
pensamento geográfico, ocorrido desde a Grécia Antiga, possibilitou o surgimento de
vertentes teóricas das quais são imprescindíveis para compreendermos a ciência
geográfica atualmente. Logo, a História tornou-se importante para pensarmos nos
nossos objetivos de estudo, pois nos auxilia a confluir passado e presente para que
possamos almejar direcionamentos à respeito da Geografia no futuro.
E por fim no tópico 4 conhecemos os conceitos fundamentais para a compreensão
do espaço, tendo em vista que o conceito de espaço se apresenta como uma das mais
importantes categorias analíticas para o estudo da Geografia. Tal estrutura conceitual é
o início de inúmeras produções científicas de autores que dedicaram seus estudos à
conceituação de espaço geográfico como uma categoria abrangente e democrática para
as pesquisas referentes à ciência geográfica. Compreendemos que as correntes do
pensamento geográfico representam conceitos e categorias antagônicas que, apesar de
convergirem ou se completarem em alguns aspectos teórico-metodológicos, tiveram sua
emergência em um determinado espaço e tempo a partir de uma elaboração sócio-
histórica específica.
Desejo que o estudo dessa unidade seja de grande valia para sua jornada nessa
disciplina.

Bons estudos!
LEITURA COMPLEMENTAR

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São
Paulo; Editora Cortez. 2010. 637 páginas.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos vem desde o início dos anos
noventa produzindo trabalhos significativos de análise sobre a estrutura e construção do
conhecimento moderno. Podemos afirmar que inventariando as diversas raízes que
organizaram e ainda sustentam as bases do conhecimento ocidental como culturalmente
homogêneo, vem instigando a comunidade científica a debater sobre a eficácia da
ciência na construção da realidade imediata das pessoas normais. O livro em questão,
“Epistemologias do Sul” é um desdobramento desta jornada intelectual e uma busca de
novas referências epistêmicas das ciências humanas.
LIVRO

• Título: Por uma Geografia Nova- Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica
• Autor: Milton Santos
• Editora: Edusp
• Sinopse: Há cerca de vinte anos, quando foi publicada a primeira edição de Por Uma
Geografia Nova, a geografia vivia uma crise interna no mundo todo, impondo à ciência
a necessidade de discussões de ordem metodológica, conceitual e epistemológica. A
publicação deste livro contribuiu para a renovação crítica da geografia: A verdade,
porém, é que tudo está sujeito à lei do movimento e da renovação, inclusive as
ciências. O novo não se inventa, descobre-se , propõe o autor na introdução deste que
se tornou um livro clássico desde então. Milton Santos contribuiu com esta obra para a
superação dos impasses que se apresentavam, propondo uma análise acurada do
objeto da ciência: o espaço, mostrando a necessidade de torná-lo verdadeiramente
humano, relacionando-o com outras disciplinas afins.
FILME/VÍDEO

• Título: O Nome da Rosa


• Ano: 1986
• Sinopse: Em uma atuação impecável, o ator Sean Connery dá vida ao questionador
monge franciscano Guilherme de Baskerville, chamado às pressas a um mosteiro italiano
medieval para investigar vários casos de religiosos que tiveram mortes enigmáticas no
lugar. A trama baseada no livro do escritor Umberto Eco se desenrola em 1327, época
em que a Igreja Católica já exercia poderio absoluto em todo o continente europeu. As
mortes, é claro, foram tidas desde o princípio como obra do demônio. Mas a investigação
minuciosa conduzida por Guilherme acabou provando o óbvio: o mistério tinha uma
explicação muito mais racional (e controversa) do que aparentava. Por embasar seus
julgamentos em evidências e não em dogmas ou verdades reveladas, o frade é
representado como uma espécie de precursor do cientista moderno. O filme também
discute a relação de intolerância do pensamento religioso para com o científico.
•disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s0cdAv4ZODE.
REFERÊNCIAS

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. São Paulo: Editora Ática,
2003. 7ª ed. Série Princípios.

GODOY, Paulo R. Teixeira de. (Org.). História do pensamento geográfico e


epistemologia em Geografia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/109157/ISBN9788579831270.pdf?s
equence=2&isAllowed=y. Acesso em: 20/02/2021.

LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.
Campinas: Papirus, 1988.

LEITÃO, Joyce Oliveira. O contexto histórico-filosófico da obra “Geografia


Comparada” de Carl Ritter. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Geociências. Campinas, SP: [s.n.], 2017. Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/325519/1/Leitao_JoyceOliveira_
M.pdf. Acesso em: 21//02/2021.

MAMIGONIAN, Armen. Tendências atuais da Geografia. Geosul, Florianópolis, v. 14,


n. 28, p. 171-178, jul./dez. 1999. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/15325. Acesso em: 25/02/2021.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 20. ed. São
Paulo: Anablume, 1994. Disponível em:
http://files.geografia19.webnode.com/200000003-
02b9b04359/Antonio_Carlos_Robert_Moraes_-_Geografia_-
_Pequena_Histori%20a_Critica_TEXTO_1_DE_FTP_GEOG_3%C2%BA_ANO_MARCI
ANA_(3).pdf. Acesso em: 21/02/2021.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço – Técnica e tempo. Razão e emoção. São


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SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Espaço Geográfico uno e múltiplo. Scripta


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TAVARES, Manuel. Epistemologias do Sul. Rev. Lusófona de Educação, Lisboa, n.


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VIEIRA, Euripedes Falcão. A Geografia atual. Revista IHGRGS – Instituto Histórico e


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em: https://seer.ufrgs.br/revistaihgrgs/article/view/57546. Acesso em: 25/02/2021.
UNIDADE II

NATUREZA E RELAÇÃO HUMANA


Professora Esp. Karitta da Silva Lopes

Plano de Estudo:

• Ação humana na natureza


• Impacto da sociedade sobre a natureza.
• Impacto da natureza sobre a sociedade.
• Técnicas sustentáveis.

Objetivos de Aprendizagem:

• Contextualizar a ação humana na natureza a partir das transformações históricas


ao longo do tempo
• Compreender os impactos da sociedade sobre a natureza e da natureza sobre a
sociedade
• Estabelecer a importância da adesão de técnicas sustentáveis para a preservação
ambiental
INTRODUÇÃO

Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos


da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar
conhecimentos acerca das bases teóricas do pensamento geográfico.
O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das
discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à
estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo
histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar
epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais,
modificações territoriais e relações com as práticas e intervenções humanas.
Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve
contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território,
espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por
meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no
seu percurso educacional no decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação
do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às
Humanidades.
A Unidade 2 “Natureza e Relação Humana” é composta por quatro tópicos
que correspondem a um plano de estudo estruturado para que você possa obter
conhecimento acerca da ação humana na natureza, do impacto da sociedade
sobre a natureza, do impacto da natureza sobre a sociedade e das técnicas
sustentáveis.
Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com
a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas
habilidades cognitivas e investigativas em Geografia.

Bons estudos!

1 AÇÃO HUMANA NA NATUREZA


Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/silhouette-farmer-raking-
earth-hoe-philosophical-1721503573

O ser humano (taxonomicamente nomeado como Homo Sapiens), assim como as


demais espécies animais, atua sobre a natureza com o objetivo de satisfazer suas
necessidades de sobrevivência, buscando abrigo, proteção e alimentos para si e seu
grupo. Contudo, como a única espécie animal viva de primata bípede do gênero Homo
cujo o cérebro altamente desenvolvido o torna um animal racional, consciente e sapiente,
o ser humano é capaz de pensar, refletir sobre suas ações, inventar, planejar, construir
pensamentos e ideologias e gerar resultados, com isso, criar conhecimento e
desenvolver técnicas e cultura.
No início, a humanidade pouco interferia na natureza, pois vivia da coleta, da caça
e da pesca. Ainda que de forma nômade, era a natureza que determinava a obtenção de
recursos para a manutenção e sobrevivência de grupos humanos. De acordo com Milton
Santos (2014), “[...] em cada momento histórico os modos de fazer são diferentes, o
trabalho humano vai se tornando cada vez mais complexo exigindo mudanças
correspondentes às inovações" (p. 74).
Neste sentido, é a partir do agir e pensar humano no tempo e no espaço, que se
dão as transformações históricas. Deste modo, por volta de 12 mil anos atrás, no período
intitulado por Neolítico, o ser humano começou a domesticar os animais e a cultivar a
terra ao mesmo tempo que passou a utilizar instrumentos fabricados a partir da
descoberta da técnica da pedra polida, marco que possibilitou grandes transformações
sociais e culturais para a humanidade, como uma maior autonomia perante as alterações
climáticas da natureza e uma vida sedentária.
As novas técnicas de domesticação de animais e cultivo de sementes foram
responsáveis pelo desenvolvimento da agricultura e da pecuária, melhorando a
expectativa de vida dos homens pré-históricos e contribuindo para o crescimento das
taxas populacionais. O homem deixa de ser nômade, assentando-se na terra,
apropriando-se da natureza e utilizando-a para satisfazer seus interesses.
A presença do homem na face da Terra muda o sistema do mundo.
Torna-se, o homem, centro da Terra, do Universo, imprimindo-lhe uma
nova realidade com sua simples presença. O homem é um dado da
valorização dos elementos naturais, físicos, porque é capaz de ação. Usa
suas forças intelectuais e físicas contra um conjunto de objetos naturais
que seleciona como indispensável para se manter como grupo. Assim o
homem é sujeito, enquanto a terra é objeto. É em torno do homem que o
sistema da natureza conhece uma nova valorização e, por conseguinte,
um novo significado. (SANTOS, 2014, p. 98)

A partir de então a natureza tem sido cada vez mais transformada de suas
condições naturais, pois através de suas ações humanas é que florestas são derrubadas
para plantar lavouras, morros deslocados para abrir túneis e enseadas niveladas para
construir cidades.
A ação humana nesse processo, exige cada vez mais conhecimentos sobre os
elementos que compõem a natureza e suas dinâmicas de funcionamento, nutrindo a
ideia de domínio do homem sobre a natureza. Atualmente esse ponto de vista é
legitimado por grande parte da humanidade, pois prevalece em nós a ideia de que
homem e natureza são opostos um do outro, onde o homem detentor de inteligência,
domina a natureza para retirar dela tudo o que necessita para sobrevivência, e a
natureza, por sua vez, é reduzida como despretensiosa e inesgotável fonte de recursos
naturais.
De acordo com Igor Moreira (2004), podemos definir o conceito de recursos
naturais como:

[...] todos os bens oferecidos ao homem pela natureza. Eles podem ser
dois tipos: renováveis e não renováveis. Os recursos naturais não
renováveis são aqueles que se esgotam depois de aproveitados pelo
homem, como o carvão, o petróleo, o ferro e os demais minerais. Os
recursos naturais renováveis são aqueles que se multiplicam ou não se
esgotam facilmente, como a água, o ar e o solo, chamados pela sua
importância de recursos básicos (MOREIRA, 2004, p. 11).

Neste panorama, a conexão do homem com a natureza é continuamente


decorrente do trabalho, este entendido como a operação de transformar recursos
naturais em produtos capazes de satisfazer e suprir as carências humanas.
1.1. As transformações técnicas e científicas
Entendemos como técnica o modo de fazer algo por meio de instrumentos de
trabalho utilizados na ação, logo, as intervenções na natureza e, consequentemente, as
modificações nela introduzidas são realizadas através de instrumentos e ferramentas
criadas para esse fim. Para Milton Santos (1996), a técnica é “a principal forma de relação
entre o homem e a natureza”, sendo definida como “um conjunto de meios instrumentais
e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria
espaço” (p. 29).
Ao desenvolver novas técnicas, o ser humano cria novos instrumentos, visando
aumentar o rendimento do seu trabalho, motivado por interesses ou por alguma
necessidade apresentada pelo meio. Em geral, as inovações técnicas conduzem a novos
problemas, desafios e necessidade de resolvê-los, resultando na evolução da técnica,
ou seja, na continuidade de novas formas do fazer humano. Um exemplo disso se dá na
invenção do pneu, que ocorreu logo após a criação do automóvel, em 1887, pois havia
a necessidade de uma roda adaptável a esse novo modelo de transporte.
Gradativamente, os instrumentos utilizados para o trabalho vão se tornando mais
complexos, pois além de serem instrumentos manuais empregados para a
transformação de elementos naturais em produtos, as técnicas de engenharia, por
exemplo, podem se desenvolver em grandes empreendimentos impostos a natureza,
como referência à técnica de represamento das águas de um rio que cria uma queda
d'água artificial, utilizada para obter a força hidráulica necessária ao funcionamento de
uma hidrelétrica.

Figura 1: represamento das águas de um rio para geração de energia em hidrelétrica

FOTO

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hydroelectric-power-plant-on-river-
475746370

Desta forma, o aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho e as inovações


técnicas, fixam desenvolvimento das engrenagens de tomada da natureza, significando
grandes modificações e controle intenso sobre o meio natural.
A intensificação da dominação do homem na natureza, assim como a pressa em
desenvolver e difundir inovações técnicas, é marcada pelo início do modo de produção
capitalista nos séculos XV e XVI. Anterior a isso, as relações econômicas eram
praticamente de subsistência, os produtos artesanais eram fabricados manualmente e
destinavam-se a utilização direta do homem, não possuindo valor de troca, mas sim, de
uso. Na produção artesanal um mesmo trabalhador tinha o domínio de operar todas as
fases produtivas.

O homem vai construindo novas maneiras de fazer coisas, novos modos


de produção que reúnem sistemas de objetos e sistemas sociais. Cada
período se caracteriza por um dado conjunto de técnicas. Em cada
período histórico, temos um conjunto próprio de técnicas e de objetos
correspondentes. (SANTOS, 2014, p. 74).

O modo de produção capitalista, buscando aumentar paulatinamente a produção


de bens, entendida agora como mercadoria, promoveu a divisão do trabalho, nesse
sistema cada tarefa é realizada por um trabalhador que se torna especialista na etapa
do processo que desenvolve, gerando assim, etapas produtivas e a invenção de
ferramentas específicas e adaptadas a cada categoria de trabalho.
No século XIX, com a expansão da Revolução Industrial e intensificação do modo
de produção capitalista, novas ferramentas adquiriram funções industriais, mecanizando
o trabalho e produzindo mercadorias em grandes escalas. Com o aumento da
produtividade, aumenta, consequentemente, o uso de matérias primas retiradas da
natureza, impulsionando a exploração dos recursos naturais. Ainda, sobre as
consequências da Revolução Industrial, Igor Moreira (2004) aponta:

Fomentada por uma verdadeira corrida tecnológica e objetivando a


acumulação de riqueza, a produção diversifica-se extraordinariamente, e
os bens produzidos, inclusive os instrumentos de trabalho, tornam-se
obsoletos em prazo cada vez mais curto, impondo sua substituição por
outros mais “modernos”, isso ocasiona um consumo maior de recursos
naturais, reforçado pela visão cada vez mais aprofundada da natureza
como manancial à disposição dos homens (MOREIRA, 2004, p. 22).

Faz-se necessário ressaltar que a concepção de supervalorizar a inteligência


humana a serviço da técnica e exploração do meio natural, contribui para estabelecer a
ideia colonizadora de que o controle do homem sobre a natureza tem possibilidades
ilimitadas e que os recursos não se esgotam, partindo de uma ideia de dominação,
universalizada por valores ocidentais impostos por séculos, e que descarta a existência
de outras formas de viver de forma integrada à natureza.

O desenvolvimento da chamada ciência moderna nos séculos XVI e XVII,


contribuiu igualmente para a construção dessa concepção pragmática de
natureza, na medida em que o saber científico, prático era aceito como
única forma de conhecimento; e o conhecimento de tudo o que fosse
externo ao homem significava controle e domínio- principalmente sobre o
mundo natural (MOREIRA, 2004, p. 12).

Portanto, nas sociedades ocidentais, o homem por meio do trabalho, e a natureza


por meio dos recursos naturais e matérias primas que dispõe, transformaram -se em
mercadorias. A civilização ocidental atual, delineada pela indústria, faz as sociedades
reféns de suas próprias criações, afastando-a cada vez mais de uma relação de
interação responsável e de preservação da natureza.
Contudo, mesmo com pretensões totalizantes e universalizadoras, o Ocidente e o
pensamento moderno não são as únicas formas possíveis de existência humana, à
exemplo dos povos originários, indígenas e tradicionais, que mesmo diante de processos
seculares de colonização, escravização e genocídio, continuam a (re)existir a partir de
suas cosmovisões e relações com a natureza.
Para algumas sociedades, como exemplo a diversidade dos povos originários do
Brasil (atualmente existem cerca de 250 etnias), a natureza é algo sagrado e fonte de
vida, não somente fonte de recursos para subsistência de sua comunidade, e nela não
há separação entre a natureza e o homem, pois fazem parte de um sistema integralizado.
Como afirma Ailton Krenak (2020) em Ideias para adiar o fim do Mundo,

O Rio Doce, que nós os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma
pessoa, não um recurso, como dizem os economistas. Ele não é algo de
que alguém possa se apropriar; é uma parte da nossa construção como
coletivo que habita um lugar específico (KRENAK, 2020, p. 40).

A partir dessa cosmovisão indígena, o trabalho não se apresenta como uma


imposição, mas sim como forma de manutenção da vida em comunidade, tendo como
finalidade o consumo do próprio grupo, as pessoas não são indivíduos, tornam-se
pessoas coletivas.
2 IMPACTO DA SOCIEDADE SOBRE A NATUREZA

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/paraopeba-river-polluted-by-


tailings-after-1333091225.

Temos visto no decorrer da disciplina, em especial, na presente unidade, que o


meio ambiente enquanto elemento natural e social, ou seja, cuja existência se dá pela
relação entre sociedade e natureza, configura-se como o principal objeto de estudo da
Geografia. Desta forma, podemos afirmar que as preocupações que envolvem a
dinâmica entre o social e o natural se encontram presentes na origem da matriz
epistemológica da ciência geográfica, portanto, é a partir dessa disciplina que podemos
tratar e compreender o meio ambiente de forma mais completa e satisfatória.
Milton Santos (1978), em sua obra Por uma Geografia Nova, atribui centralidade
e protagonismo ao conceito de espaço, compreendendo-o como um conjunto de
representações das relações sociais, elaboradas no passado e no presente, isto é, uma
estrutura constituída por interações sociais e espaciais que se manifestam no decorrer
dos processos do tempo histórico.

Seria impossível pensar em evolução do espaço se o tempo não tivesse


existência no tempo histórico, [...] a sociedade evolui no tempo e no
espaço. O espaço é o resultado dessa associação que se desfaz e se
renova continuamente, entre uma sociedade em movimento permanente
e uma paisagem em evolução permanente. [...] Somente a partir da
unidade do espaço e do tempo, das formas e do seu conteúdo, é que se
podem interpretar as diversas modalidades de organização espacial
(SANTOS, 1978, p. 42 - 43).

À vista disto, a partir do consenso entre a comunidade científica de geógrafos e


geógrafas, defendemos uma indissociabilidade entre natureza e sociedade, visto que é
na natureza (espaço) que a humanidade se reproduz ao longo da história (tempo).
Portanto, se a sociedade é constantemente construída e reconstruída na natureza, esta,
por sua vez, também faz parte da estrutura social, caracterizando o que podemos intitular
de estrutura sócio-espacial.
O espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele
oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita entre
as atividades e entre os homens, é o resultado de uma práxis coletiva que
reproduz as relações sociais, [...] o espaço evolui pelo movimento da
sociedade total. (SANTOS, 1978, p. 171).

Sendo produzida pela relação entre sociedade e natureza, a estrutura sócio-


espacial pode ser alterada pela ação humana de forma contínua a partir de intervenções
entre indivíduos e grupos sociais nessas realidades. Logo, o impacto da sociedade sobre
a natureza é um fator intrínseco a essas intervenções, que podem ser tanto benéficas,
saudáveis e prósperas, como maléficas, insalubres e adversas para o meio ambiente.
Em um mundo formatado a partir da ideologia e do sistema econômico capitalista
neoliberalista, onde o consumo, a acumulação desenfreada e as necessidades de
mercado se tornam princípios primordiais para a vida humana, o impacto da sociedade
sobre a natureza é resultado de processos cruéis e nefastos ao meio ambiente, muitas
vezes, irreversíveis, e prejudiciais à humanidade, em especial, à grupos que sobrevivem
da natureza e têm nela seu local sagrado, como os povos indígenas brasileiros.
Optamos por elencar e nos concentrar em alguns desses processos, causados
pela exploração e esgotamento dos recursos naturais presentes no nosso meio
ambiente, com foco para a realidade brasileira, sendo eles: a mineração e o
desflorestamento.

2.1 Mineração

Tornada atividade socioeconômica desde a Antiguidade (de 4 000 a.C. a 476


d.C.), a extração de minérios do subsolo de forma descomedida passa a ser responsável
pelo desaparecimento progressivo de recursos naturais não renováveis.
Com essa informação, não queremos diminuir ou simplificar o papel da mineração
para a constituição das sociedades modernas e para a manutenção de bens e materiais
de grande utilidade para as nossas vidas atuais, como combustíveis, equipamentos
elétricos e eletrônicos, cosméticos, estradas e muitos outros produtos que desfrutamos
inconscientemente todos os dias. Contudo, compreendemos que o uso incontido de
recursos minerais realizados pela mineração vem causando impactos ambientais
permanentes para o meio ambiente e, consequentemente, para a humanidade.
De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o conceito de
impacto ambiental pode ser definido como:

[…] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas


do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia
resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam
o bem-estar e a saúde da população; as atividades socioeconômicas; a
biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade
dos recursos ambientais (CONAMA, 1986).

Na mineração, os impactos ambientais ocorrem desde o planejamento até as


etapas de implementação, operação (lavra) e desativação das atividades extrativistas.
Os principais impactos ambientais causados por esses processos são:
- Desmatamento: causado pela mineração de lavra a céu aberto.
- Alteração e degradação da paisagem: causada pelo desmatamento e retirada de
solo fértil na fase de escavação de minas ou implementação de lavra à céu aberto.
- Contaminação e compactação do solo: causada pela perda de fertilidade do solo,
em especial, por meio de mineração de chumbo e zinco que possuem quantidades
relevantes de arsênio em seus rejeitos que acabam por inutilizar o solo.
- Contaminação do ar: causada por explosões que perturbam a biodiversidade e
pela alteração da qualidade do ar devido a emissão de partículas poluentes na
atmosfera.
- Contaminação dos recursos hídricos: causada pelo consumo excessivo de água
para beneficiamento do minério, pelo rebaixamento de lençóis freáticos e diminuição do
fluxo de água dos rios e do nível de recarga dos aquíferos no processo de extração e
pelo mau escoamento de rejeitos com concentração de substâncias tóxicas.
- Redução e perda de biodiversidade (fauna e flora): causada pelo desmatamento,
pela poluição atmosférica e pela contaminação dos recursos hídricos e do solo. Com
isso, muitos animais têm seus habitats perdidos, tendo que fugir para áreas onde não há
recursos para sobreviverem, como também, espécies de plantas acabam
desaparecendo devido à retirada da cobertura vegetal e impossibilidade de sua
reprodução.
Fim da disponibilidade de minerais: causadas por atividades extrativistas que
esgotam totalmente o minério explorado, afetando o meio ambiente de forma irreversível.
Um dos exemplos mais populares e revoltantes dos danos da mineração ao meio
ambiente são as tragédias causadas pelo rompimento de barragens da mineradora
multinacional brasileira Vale, nas cidades mineiras de Mariana, no ano de 2015, e de
Brumadinho, no ano de 2019.
Ambos descasos e provas cabais da irresponsabilidade ambiental, social e
trabalhista da empresa Vale, juntamente com sua subordinada Samarco, são
considerados dois dos principais desastres ambientais do Brasil, pois além de enterrarem
as cidades sob a lama de rejeitos, causando centenas de mortes, acidentes e
adoecimento físico e psíquico da população atingida, promoveram também, a perca de
biodiversidade (hectares de Mata Atlântica), a morte de animais (peixes, aves e
quadrúpedes), a poluição e contaminação de rios (Rio Gualaxo, Rio Doce e Rio
Paraopeba), o assoreamento, desvio de cursos de água e soterramento de nascentes.

Figura 3: rompimento da barragem da Samarco em Mariana-MG (2015)

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mariana-oct-30th-2016-aerial-bento-519258250

Figura 4: rompimento da barragem em Brumadinho-MG causa tragédia

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mineral-tailings-mud-after-dam-rupture-1564968175

2.2 Desflorestamento

Considerado como um dos impactos ambientais mais graves da atualidade, o


desflorestamento ou desmatamento consiste na redução dos tamanhos de florestas
naturais e, em casos mais críticos, no desaparecimento de floras e espécies (extinção).
Ao longo da história, a remoção de árvores têm gerado benefícios e bens para indivíduos
e grupos, sendo utilizada de formas diversas, como para fonte de energia, construções
de habitações e disponibilização da terra para agricultura.
Porém, na medida em que as sociedades começaram a desmatar não por
subsistência, mas para a acumulação de riquezas e para a urbanização como sinônimo
de progresso à todo custo, a exploração de recursos naturais terrestres intensificou-se,
colocando em risco o equilíbrio ambiental do planeta e comprometendo o futuro da
humanidade.
Com a Revolução Industrial e o surgimento de novas tecnologias e formas de
consumo, as questões acerca do desflorestamento tomaram grandes proporções, pois
foi nesse período que uma quantidade considerável de florestas temperadas e tropicais
foram devastadas para atender as demandas da indústria e do forte mercado formado
em torno da mesma.
Ao longo dos anos, as taxas de desmatamento começaram a migrar dos países
industrializados para os países considerados em desenvolvimento ou subdesenvolvidos,
em sua maioria, colônias e ex-colônias dos países industrializados, que encontraram na
exploração dos recursos naturais de países vitimados pelo domínio colonial, uma fonte
de riqueza e capital.
O Brasil, país que abriga a maior biodiversidade do planeta, detentor do maior
bioma de floresta úmida do mundo, a Amazônia, e do maior manancial de água doce do
mundo, tem sofrido com a degradação ambiental promovida pelo desflorestamento de
forma contínua ao longo dos séculos. Apesar da riqueza em ecossistemas e
biodiversidade, o nosso país é um dos líderes mundiais em desmatamento.
De acordo com um relatório emitido pela organização não governamental
ambientalista dos Estados Unidos, World Resources Institute1, o Brasil é o país que mais
desmatou florestas primárias no mundo em 2018, ou seja, regiões onde a vegetação se
encontra em seu estado original e não em condição de replantio ou reflorestamento,
sendo desmatados 1,3 milhão de hectares de floresta. Juntos, Brasil e Indonésia
desmataram aproximadamente 46% das florestas tropicais no mundo no mesmo ano.
As maiores motivações da retirada da cobertura vegetal original no Brasil estão
ligadas à busca pelo crescimento econômico: construção desenfreada de estradas,
pecuária em larga escala, expansão do agronegócio (principalmente da produção de

1
Fonte: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/04/25/brasil-liderou-desmatamento-de-florestas-
primarias-no-mundo-em-2018-mostra-relatorio.ghtml.
soja), extrativismo vegetal e mineral (principalmente a extração de madeira), processo
de urbanização massiva, densidade populacional e atividades ilegais que envolvem
queimadas criminosas e exploração de áreas de preservação ambiental para fins
pessoais e comerciais, como para a especulação fundiária.
Os biomas brasileiros mais atingidos pelo desflorestamento em curso são a
Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado.

2.2.1 A Amazônia

A Amazônia Legal, que compreende os estados do Acre, Amazonas, Amapá,


Rondônia, Roraima, Pará, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão, cobre cerca de
60% do território brasileiro, abrigando 21 milhões de habitantes (12% da população total).
Sozinho, o bioma amazônico corresponde a quase um quinto das reservas florestais
mundiais.
Segundo o relatório Causas do Desmatamento da Amazônia Brasileira (2003)
realizado pelo Banco Mundial, o uso sustentável desse enorme patrimônio natural
poderia garantir recursos para o futuro, tornando-se uma fonte de redução da pobreza e
equidade social, já que os recursos naturais brasileiros representam uma proporção
muito maior sob os bens da população pobre (cerca de 80%) do que da rica.
Contudo, as políticas públicas destinadas à preservação da Amazônia começaram
a minguar em 2016, retomando o desmatamento via publicação de medidas legais, como
a chamada lei da grilagem implementada no início do governo Temer. Sobre a Amazônia:

Da cobertura florestal original, 17% foram desflorestados, embora pelo


menos um terço desse total esteja se recuperando. Seu valor global pode
ser visto em sua rica biodiversidade e no possível impacto climático
decorrente de seu desaparecimento. A crescente ameaça a
ecossistemas chave é ilustrada por dados preliminares que indicam um
desmatamento de 25.400 km2 em 2002, em comparação com uma média
de 17.340 km2 observada na década precedente. O quase
desaparecimento da Mata Atlântica brasileira também indica a urgência
de ações. Algumas experiências mundiais e no Brasil com o uso
sustentável de recursos naturais poderiam servir de base para uma
estratégia ambiental com inclusão social (BANCO MUNDIAL, 2003).

Figura 5: Área de desmatamento ilegal de vegetação nativa da floresta amazônica brasileira


https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/area-illegal-deforestation-vegetation-native-
brazilian-1156323865

2.2.2 A Mata Atlântica

A Mata Atlântica é o bioma que mais sofreu com o desflorestamento no Brasil. Em


referência a Fundação SOS Mata Atlântica, ONG ambiental brasileira atuante para a
conservação da biodiversidade atlântica, podemos afirmar que restam apenas 12,4% da
floresta original, região onde se encontra o maior número de espécies animais e vegetais
brasileiras ameaçadas de extinção2.
A Mata Atlântica abrange cerca de 15% do território nacional distribuída em 17
estados, sendo o lar de 72% dos brasileiros e concentrando 70% do PIB nacional. Do
bioma dependem serviços essenciais para a subsistência humana, como o
abastecimento de água, a regulação do clima, a agricultura, a pesca e a energia elétrica.
Devido a devastação da Mata Atlântica e, com isso, a extinção de diversas
espécies por perda de habitats e falta de água nos estados abarcados por essa região,
foi implementada no ano de 2006 a Lei da Mata Atlântica (nº 11.428/2006), tornando-se
assim, o único bioma que possui uma legislação de proteção específica que regulamenta
a criação de incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas e regras para
exploração econômica, estimulação de doações da iniciativa privada para projetos de
conservação, delimitação do domínio da floresta, proibição do desmatamento de
florestas primárias e definição da Mata Atlântica como Patrimônio Nacional.
Embora a legislação em destaque seja uma conquista de grande valor para a
proteção da Mata Atlântica, dados apresentados pelo Atlas dos Remanescentes
Florestais da Mata Atlântica (2019) revelam que alguns estados ainda apresentam
elevadas taxas de desmatamento do bioma, associada a produção de carvão, a
plantação de soja e a indústria de celulose em larga escala, sendo eles: Minas Gerais,
Paraná, Piauí, Bahia e Santa Catarina.

Figura 6: a Mata Atlântica é o bioma que mais perdeu floresta no país até hoje

2
Fonte: https://www.sosma.org.br/politicas/lei-da-mata-atlantica/
https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/aerial-view-deforestation-rainforest-being-removed-
1274894119

2.2.3 O Cerrado

O Cerrado configura-se como o segundo maior bioma do Brasil e a segunda maior


região biogeográfica da América do Sul ao ocupar 25% do nosso território, ficando atrás
apenas da área florestal ocupada pela Amazônia. E, assim como esta, tem sofrido com
a intensificação exacerbada do desflorestamento devido a monocultura, agronegócio e
pecuária.
Apesar da redução da taxa de desmatamento nos últimos anos, faz-se necessário
evidenciarmos que a perda da vegetação original do bioma já se encontra em 51%.
Considerada a formação savânica mais biodiversa do mundo, o Cerrado têm sido alvo
assíduo de desflorestamento devido suas características de região plana, com poucas
árvores e vegetação rasteira, e vitimado por constantes queimadas criminosas para a
expansão da atividade agrícola, em especial, da soja.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados
mais de 21 mil focos de queimadas entre os meses de janeiro e agosto de 2020 no
Cerrado, episódio trágico considerado como a maior destruição do bioma já registrada
na história do Brasil3.

Figura 7: vegetação destruída após queimada no Cerrado

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/cerrado-area-eucalyptus-plantes-forests-burned-
1859854453

3
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2020/09/15/avanco-do-desmatamento-cerrado-tem-mais-de-21-
mil-focos-de-queimadas
http://cerrado.obt.inpe.br/
3. IMPACTO DA NATUREZA SOBRE A SOCIEDADE

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/paulo-sp-brazil-august-23-


2019-1488024101

A partir do conteúdo dinamizado no tópico anterior, vimos alguns dos impactos da


sociedade sobre a natureza que, de tão contínuos e brutais, podem provocar danos
irreversíveis ao meio ambiente, como o fim de recursos naturais não renováveis e a morte
de biodiversidades importantes para o equilíbrio climático. Neste tópico veremos a
relação inversa, ou seja, algumas das possibilidades de impactos da natureza sobre a
sociedade.
De acordo com Ailton Krenak (2020), tudo é natureza, do cosmos à humanidade.
Logo, torna-se impossível sustentar a ideia de que nós, humanos, sejamos imunes às
reações, transições e etapas do curso da natureza.

A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numa


abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a
pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos. Oferece o
mesmo cardápio, o mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para
todo mundo (KRENAK, 2020, p. 22-23).

Com isso, compreendemos que entre a natureza e a sociedade ocorre uma


relação de inseparabilidade. Quando destruímos, desperdiçamos e extinguimos os
recursos naturais disponíveis, estamos, ao mesmo tempo, destruindo o espaço onde
vivemos e de onde tiramos elementos e matérias fundamentais para nossa
sobrevivência, logo, estamos nos autodestruindo.
A natureza tem sua própria dinâmica, seu próprio ciclo. Mesmo que coloquemos
nossas imposições e vontades à frente de suas necessidades, iremos colher, juntamente
com ela, os frutos da poluição do ar, da água e da terra, do desflorestamento, da
mineração, da extinção de espécies da fauna e da flora, da erosão do solo, das
mudanças climáticas, da destruição de habitats, entre outras formas de degradação e
precarização ambiental.
Durante este tópico, abordaremos alguns desses frutos, isto é, acontecimentos,
muitas vezes, trágicos e catastróficos para a vida humana, gerados pelos maus usos e
prejuízos que praticamos sobre os recursos naturais. Tais acontecimentos, somados à
própria dinâmica da natureza e da superfície terrestre, ocasionam grandes impactos
sobre a sociedade.
O Brasil, país em que não existem desastres naturais significativos e em larga
escala provocados por abalos sísmicos, choques de placas tectônicas e vulcanismo,
como os terremotos, tsunamis e erupções de vulcões em atividade, poderia ser
considerado um local de pouco impacto da natureza sobre a sociedade.
Contudo, embora nosso país tenha uma posição estratégica em relação a
repercussão de fenômenos próprios da natureza, a sociedade sofre constantemente com
impactos naturais promovidos pela má ocupação do espaço geográfico, em especial, do
urbano, e pela não distribuição regular da população, que se concentra na fachada
litorânea.
A urbanização em massa e a internacionalização da economia brasileira
produziram a multiplicação de pobreza e de problemas sociais. O fato do poder público
estar mais preocupado com a expansão das atividades econômicas em detrimento da
satisfação das necessidades sociais, gerou um aumento significativo da população
dessas cidades, porém não o aumento de habitação, infraestrutura urbana e serviços
sociais, como a saúde, educação e segurança pública para essa população, que se
encontra em um cenário de violência urbana, pobreza e vulnerabilidade socioeconômica.
O crescimento das submoradias se dá no surgimento de favelas, localizadas, em
sua maioria, em terrenos precários, íngremes e sujeitos a deslizamentos. Portanto, tal
fenômeno torna-se um dos grandes impactos da natureza sobre a sociedade, que tem
suas habitações e pertences destruídos e, em casos mais graves, suas vidas findadas,
vítimas de soterramento da terra e dos escombros levados pela mesma.
Figura 8: deslizamento de terras ocorrido em Guarujá-SP após tempestade

https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/guaruja-sp-brazil-march-3-2020-1664766649

Provocadas, também, pela ocupação inadequada das encostas dos morros em


algumas metrópoles brasileiras, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e
Salvador, e pelo acúmulo de lixo doméstico e industrial, cujo os resíduos são depositados
a céu aberto e em áreas alagadas, as enchentes tornam-se um dos fenômenos naturais
de grande impacto para a vida humana.

Figura 9: enchente na periferia da cidade de São Paulo, Brasil

FOTO

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/sao-paulo-brazil-august-24-2016-473335363

Ao serem agravadas pelos processos de assoreamento dos rios e dos córregos


em áreas onde ocorreram desflorestamentos e a ação erosiva da chuva é mais
acentuada, mais frequentes nos grandes centros urbanos, as enchentes são
responsáveis por inundações de casas, ruas e bairros inteiros, podendo gerar vítimas
fatais de afogamento que são levadas pela força da água e das correntezas e de doenças
como a leptospirose e a hepatite A.
Tal fato, passa a contribuir com a escassez de tratamento da água, pois

Nos grandes centros urbanos, a ausência de áreas verdes e o aumento


contínuo das áreas asfaltadas e concretadas diminuem a absorção de
água pelo solo, reduzindo o lençol subterrâneo que abastece os rios. A
água se mantém na superfície, provocando enchentes e catástrofes [...]
Nos países mais pobres, apenas 35% das pessoas têm acesso a água
tratada, o que provoca elevados índices de doenças e mortes causadas
pela contaminação (MOREIRA, 2004, p. 213 - 214).

A escassez de água além de afetar diretamente a sobrevivência humana, podem


intensificar conflitos internacionais, a exemplo da disputa entre Síria e Israel pelo rio
Jordão, da disputa entre Índia e Paquistão pelo rio Ganges e da disputa na península da
Indochina pelo rio Mekong.
Para finalizar o presente tópico, corroboramos novamente com o pensamento de
Ailton Krenak (2020), quando o autor nos dá fundamentos para questionar os sentidos
atribuídos pela humanidade não só na dimensão de subsistência e manutenção de
nossas vidas físicas, como também, na dimensão transcendente que dá significado à
nossa existência material e espiritual. Até que ponto chegaremos à explorar, destruir e
degradar o meio ambiente e os recursos naturais que ainda estão disponíveis? Que
possamos refletir e nos conscientizar a respeito disto para a nossa própria sobrevivência.
4 TÉCNICAS SUSTENTÁVEIS

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hand-holding-light-bulb-


against-nature-1120037774.

Prezado (a) aluno (a), no decorrer dessa unidade compreendemos diversas


formas de relação entre a humanidade e a natureza e entre a natureza e a sociedade,
na qual nossas ações têm impacto direto sobre a dinâmica ambiental do planeta em que
vivemos. A partir disso, podemos afirmar que a ciência geográfica se dedica a estudar
as ações humanas que transformam a natureza, por meio de técnicas empregadas, nas
quais se desenvolveram ao longo dos séculos, e que nas últimas décadas evoluíram
para um imenso avanço tecnológico científico-informacional.
O avanço dessas técnicas, proporcionadas pelo crescimento do capitalismo por
todo o globo terrestre, intensificou a produção industrial e, consequentemente, a
exploração dos recursos naturais para a produção de mercadorias, fatos que
ocasionaram um enorme desequilíbrio ambiental, perda substancial de biodiversidade e
a ameaça de uma péssima qualidade de vida para as futuras gerações humanas.
Desde a década de 70 a problemática ambiental vem sendo pauta de diversas
conferências mundiais, que buscando diálogo com a comunidade internacional,
alertaram sobre os irreparáveis impactos que nossas atividades exploratórias causam ao
meio ambiente e trouxeram à luz o termo desenvolvimento sustentável. Tal conceito
enfatiza que a humanidade deve pensar em suprir suas necessidades sem afetar ainda
mais o futuro do meio ambiente e das próximas gerações.
Uma das conferências mundiais mais conhecidas é a Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida na cidade de Estocolmo, na Suíça, em
junho de 1972, cujo um dos objetivos abordam “[...] a necessidade de um critério e de
princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar
e melhorar o meio ambiente humano” (ONU, 1972, p. 1).
No evento foram levantadas indagações sobre a emissão de poluentes causadas
pelas atividades industriais dos países desenvolvidos e discussões sobre maneiras de
diminuir os impactos negativos dessas atividades, bem como, a assinatura de um
manifesto, dos 113 países e diversas organizações internacionais e ONGs participantes,
para a preservação do meio ambiente. Elencamos alguns dos princípios da conferência:

1.O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que


o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para
desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e
tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa
em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem
adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala
sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente
humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do
homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o
direito à vida.
2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma
questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o
desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos
povos de todo o mundo e um dever de todos os governos.
3. O homem deve fazer constante avaliação de sua experiência e
continuar descobrindo, inventando, criando e progredindo. Hoje em dia,
a capacidade do homem de transformar o que o cerca, utilizada com
discernimento, pode levar a todos os povos os benefícios do
desenvolvimento e oferecer-lhes a oportunidade de enobrecer sua
existência. Aplicado errônea e imprudentemente, o mesmo poder pode
causar danos incalculáveis ao ser humano e ao seu meio ambiente. Em
nosso redor vemos multiplicar-se as provas do dano causado pelo
homem em muitas regiões da terra, níveis perigosos de poluição da água,
do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilíbrio
ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos
insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental
e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente
naquele em que vive e trabalha (ONU, 1972, p. 1).

Essas premissas basilares nortearam ações internacionais para o


desenvolvimento de técnicas sustentáveis, criando pautas internacionais que
culminaram em outra conferência, a ECO 92, realizada no Brasil, na cidade do Rio de
Janeiro, em 1992. Esse encontro buscou consolidar o conceito de sustentabilidade e
desenvolvimento sustentável, pensando ações a longo prazo capazes de garantir a
manutenção e preservação do meio ambiente e a proteção dos recursos naturais.
Foi a partir da Eco-92 que nasceu a Agenda 21, documento que institui a
importância da ação conjunta de todos os países acerca do desenvolvimento
sustentável, da preservação ambiental e da inclusão social. As demandas delineadas na
Agenda 21 foram novamente levantadas em 2002, na Cúpula da Terra Sobre o
Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo, na África do Sul.
Essas ações movidas pela comunidade internacional, tornaram-se um importante
instrumento para a promoção de práticas socioculturais atreladas ao meio ambiente,
sendo possível entendermos a sustentabilidade não somente como conceito ambiental
descolado da sociedade, uma vez que as técnicas sustentáveis devem manifestar-se a
partir da própria sociedade como um novo parâmetro cultural a ser seguido.

É necessário olharmos para a diversidade cultural como uma aliada ao


desenvolvimento sustentável. Os diversos modos de vida são
instrumentos que podem contribuir de forma significativa para a criação
de políticas públicas, planejamento, gestão e desenvolvimento de
práticas sustentáveis, uma vez que, as mesmas influenciam diretamente
na sociedade, através dos papéis sociais, dos gêneros de vida de cada
indivíduo (SOUSA, 2017, p. 185).

O conceito de sustentabilidade está associado ao conjunto de técnicas e


estratégias elaboradas para minimizar o impacto negativo das ações humanas aos
ecossistemas, afirmando que as técnicas empregadas a natureza devem ser:
- Economicamente viáveis: que pensem o crescimento da economia sem degradar
o meio ambiente; que priorizem a reciclagem de materiais para garantir o uso de matérias
primas provenientes da reutilização; que diminuem a emissão de gases poluentes
procedentes da produção industrial desenfreada e o acúmulo de resíduos que levarão
séculos para se decompor no meio ambiente, à exemplo do plástico, do isopor e da
borracha; que promovem o uso de energias renováveis e limpas como a energia eólica,
solar e biocombustíveis que têm impactos reduzidos ou quase nulos na geração de
energia.
- Ecologicamente corretas: que gerem um equilíbrio entre o que é retirado da
natureza e o que é devolvido a ela, evitando o desperdício para não esgotar os recursos
naturais; que privilegiam a não utilização de substâncias danosas para a vida humana e
contaminadoras dos solos, lençóis freáticos, oceanos e qualidade do ar, como elementos
tóxicos provenientes do lixo radioativo das usinas nucleares
- Socialmente justas: que envolvem ações educadoras de responsabilidade,
consciência ambiental e solidariedade ao pensar que ações individuais podem afetar a
todos os seres vivos.
- Culturalmente diversas: que valorizem as diversidades e diferenças locais de
forma a gerar benefício para todos os indivíduos sem qualquer distinção e ou
discriminação de raça, gênero, classe, região e religião.
Partindo desses pressupostos, a ação conjunta da comunidade científica
internacional se empenhou em desenvolver práticas e técnicas que, embora ainda não
sejam aplicadas em escalas globais, capazes de reduzir em grandes proporções os
impactos causados pelas por ações nocivas à biodiversidade e a humanidade,
apresentam um caminho possível para conciliação do desenvolvimento partindo do
respeito ao meio ambiente.
SAIBA MAIS

Você sabia que atualmente existem no Brasil cerca de 695 parques eólicos que
contribuem para a redução da emissão de 22.900.000 de toneladas de Co2 por ano? Em
referência à relatórios da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) 4, o total
de emissões de Co2 evitadas no Brasil no ano de 2019, corresponde a emissão anual
de cerca de 21,7 milhões de automóveis.
O Co2, conhecido popularmente como gás carbônico, é resultado da queima de
combustíveis fósseis. O gás é um dos principais responsáveis pela ocorrência do efeito
estufa, fenômeno que resulta no aumento do buraco na camada de ozônio, filtro que
bloqueia a entrada direta de raios solares na atmosfera terrestre e que se configura como
uma das causas do aquecimento global.
A energia produzida pelos ventos é renovável, ou seja, ela não polui, possui baixo
impacto ambiental e contribui para que o Brasil cumpra com seus objetivos no acordo de
Paris, última convenção internacional sobre o clima Global, realizada pela Organização
das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP21), composta por 196 nações e
que determinou diretrizes para o combate das alterações climáticas e do aquecimento
terrestre.
De acordo com dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)5, em
2019 a fonte eólica correspondeu a 9,1% da matriz energética nacional, ficando atrás
apenas da principal matriz energética utilizada no Brasil, isto é, a fonte de energia
hidrelétrica.
Logo, a energia eólica torna-se um importante instrumento para a modernização
do setor elétrico ao aproveitar os bons ventos do Brasil e transformá-los em energia,
contribuindo assim, para o desenvolvimento nacional que objetive uma relação
sustentável do Estado e da sociedade com o meio ambiente.
#SAIBA MAIS#

4
Fonte: http://abeeolica.org.br/wp-content/uploads/2020/06/PT_Boletim-Anual-de-
Gera%C3%A7%C3%A3o-2019.pdf.
5
Fonte: https://www.aneel.gov.br/sustentabilidade.
REFLITA

As tragédias do rompimento de barragens nas cidades mineiras de Mariana, em


2015, e de Brumadinho, em 2019, evidenciaram, ainda mais, as negligências ocorridas
nos processos de fiscalização de barragens do Brasil, problemas graves que acabam
por incidir na falta de segurança dos trabalhadores e trabalhadoras das mineradoras,
como também, na de toda uma cidade e biodiversidade, afetada e contaminada pelos
rejeitos tóxicos.
De acordo com o último relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), 51
estruturas foram classificadas sob a categoria de "risco alto" e 47 delas estão em
situação de emergência. A maioria, 42 no total, fica no estado de Minas Gerais, e duas
delas pertencem à empresa Vale (Forquilha III, na cidade de Ouro Preto e Sul Superior,
na cidade de Barão dos Cocais).
Entretanto, tais números preocupantes são incompletos, pois o relatório prioriza
as mineradoras de maior expressividade e notoriedade, ou seja, esses números não
revelam toda a realidade ao ignorar empresas mineradoras locais, mais atuais e de
menor conhecimento público.
Outro problema enfrentado para a fiscalização e segurança das barragens
brasileiras é o abandono de barragens ainda em atividade. Segundo a lei n. 14.066, de
setembro de 2020, "o empreendedor deve manter o Plano de Segurança da Barragem
atualizado e operacional até a desativação ou a descaracterização da estrutura"
(BRASIL, 2020).
Contudo, o descumprimento da lei está curso, também, devido à fiscalizações
estatais falhas e incompetentes. Há diversos casos registrados de barragens que foram
simplesmente esquecidas e largadas por suas empresas responsáveis, como a da
Emicon Mineração e Terraplanagem Limitada, em Brumadinho, como mostrou
reportagem da DW Brasil em 2019.
A partir dessas informações, compreendemos que ambos crimes ambientais e
sociais, ocorridos em Mariana-MG e Brumadinho-MG, ressaltaram a importância de uma
fiscalização séria e comprometida com as necessidades básicas de preservação do meio
ambiente e de segurança à vida humana. Porém, será preciso que mais tragédias
ocorram para que o Estado e as empresas de mineração respeitem medidas de proteção
à natureza e a sociedade?
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da presente unidade, buscamos aprofundar nossos estudos


geográficos a respeito da relação existente entre a sociedade (ação humana) e a
natureza (ação ambiental), compreendidas como inseparáveis.
No tópico 1, evidenciamos a ação humana na natureza a partir de uma
contextualização histórica acerca das transformações da interferência humana na
natureza, que com a expansão da Revolução Industrial, no século XIX, propiciou o
aumento exacerbado do uso de matérias primas retiradas da natureza, impulsionando a
exploração dos recursos naturais, devido a intensificação do modo de produção
capitalista, industrialização e mecanização do trabalho e produção de mercadorias em
grandes escalas.
Já no tópico 2 e 3, dinamizamos o conteúdo a fim de compreender os impactos
da sociedade sobre a natureza e da natureza sobre a sociedade ao defendermos a ideia
de indissociabilidade entre ambas.
Desta forma, estudamos alguns dos impactos da sociedade sobre a natureza que,
de tão contínuos e brutais, podem provocar danos irreversíveis ao meio ambiente, como
o fim de recursos naturais não renováveis e a morte de biodiversidades importantes para
o equilíbrio climático, principalmente, provocados pela intensa atividade
extrativista/mineradora e pelo desflorestamento desenfreado no Brasil. Por outro lado,
vimos, também, a relação inversa, ou seja, algumas das possibilidades de impactos da
natureza sobre a sociedade, das quais nos concentramos nos deslizamentos de terras,
enchentes e na escassez de água potável e tratada.
Por fim, no tópico 4, objetivamos estabelecer a importância da adesão de técnicas
sustentáveis para a preservação ambiental a partir da realização de conferências,
encontros e acordos internacionais que consolidaram a ideia de sustentabilidade e
desenvolvimento sustentável, em especial, das Conferências das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, edições de Estocolmo (1972) e do Rio de Janeiro
(1992).
E assim concluímos nosso passeio por alguns aspectos e discussões de grande
importância para a sobrevivência da natureza e, consequentemente, da nossa própria!
Até a próxima, bons estudos!
LEITURA COMPLEMENTAR

GIDDENS, Anthony. A política da mudança climática. Trad. Vera Ribeiro. Rio de


Janeiro: Zahar, 2010, 314 p.

Sinopse: As mudanças climáticas em curso podem ter consequências catastróficas para


o planeta. Sabemos que precisamos agir rápido se quisermos conter esse risco. Então,
por que não tomamos medidas imediatas? Anthony Giddens, um dos pensadores sociais
mais importantes de nosso tempo, faz uma análise profunda, lúcida e, ao mesmo tempo,
acessível sobre esse tema tão atual. Sem ser alarmista, aponta os prós e contras das
soluções pensadas até agora, introduz novas propostas e examina as ligações entre
mudança climática e segurança energética. Com abordagem multidisciplinar, Giddens
trata a mudança climática sobretudo como uma questão política e defende que toda
decisão deve observar o contexto econômico e geopolítico mundial. Disponível em:
https://www.skoob.com.br/livro/126040ED139794-a-politica-da-mudanca-climatica.
Acesso em:10/03/2021.
LIVRO

• Título: Ideias para adiar o fim do mundo.


• Autor: Ailton Krenak.
• Editora: Companhia das Letras.
• Sinopse: Ailton Krenak nasceu na região do vale do rio Doce, um lugar cuja ecologia
se encontra profundamente afetada pela atividade de extração mineira. Neste livro, o
líder indígena critica a ideia de humanidade como algo separado da natureza, uma
"humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também o nosso
avô". Essa premissa estaria na origem do desastre socioambiental de nossa era, o
chamado Antropoceno. Somente o reconhecimento da diversidade e a recusa da ideia
do humano como superior aos demais seres podem ressignificar nossas existências e
refrear nossa marcha insensata em direção ao abismo. Nas palavras do autor:
"Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade,
do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com
relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, dançar e de cantar.
E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança,
canta e faz chover [...] minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente
sempre poder contar mais uma história."
Desde seu inesquecível discurso na Assembleia Constituinte, em 1987, quando pintou o
rosto com a tinta preta do jenipapo para protestar contra o retrocesso na luta pelos
direitos indígenas, Ailton Krenak se destaca como um dos mais originais e importantes
pensadores brasileiros. Ouvi-lo é mais urgente do que nunca. Ideias para adiar o fim do
mundo é uma adaptação de duas conferências e uma entrevista realizadas em Portugal,
entre 2017 e 2019.
FILME/VÍDEO

• Título: Ser Tão Velho Cerrado


• Ano: 2018
• Sinopse: os moradores da Chapada dos Veadeiros, preocupados com o fim do Cerrado
em Goiás, procuram novas formas de desenvolver a região sem agredir o meio ambiente
em que vivem. O desafio, agora, é conciliar os interesses relacionados ao manejo da
Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto. Para isso, a comunidade científica, grandes
proprietários de terra e defensores do meio ambiente iniciam um diálogo delicado, mas
necessário.
• Vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=H4OSAyjAP6o.
REFERÊNCIAS

BANCO MUNDIAL. Causas do Desmatamento da Amazônia Brasileira. 1ª edição.


Brasília: Estação Gráfica, 2003. Disponível em:
https://www.terrabrasilis.org.br/ecotecadigital/pdf/causas-do-desmatamento-da-
amazonia-brasileira.pdf. Acesso em: 07/03/2021.

BRASIL. Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 12.334, de 20 de


setembro de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens
(PNSB), a Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional do Meio
Ambiente (FNMA), a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política
Nacional de Recursos Hídricos, e o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967
(Código de Mineração). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/lei/L14066.htm. Acesso em: 10/03/2021.

CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Dispõe sobre procedimentos relativos


a Estudo de Impacto Ambiental. Resolução CONAMA 1/86, de 23 de janeiro de 1986.
Diário Oficial da União: Brasília, p. 2548-2549, 1986. Disponível em:
https://cetesb.sp.gov.br/licenciamento/documentos/1986_Res_CONAMA_1_86.pdf.
Acesso em: 07/03/2021.

FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA; INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS


ESPACIAIS. Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica. São Paulo:
ArcPlan, 2019. 65 p. (Relatório Técnico 2017-2018). Disponível em:
https://www.sosma.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Atlas-mata-atlantica_17-18.pdf.
Acesso em: 07/03/2021.

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS. COORDENAÇÃO GERAL DE


OBSERVAÇÃO DA TERRA. PRODES – Incremento anual de área desmatada no
Cerrado Brasileiro. Disponível em: http://www.obt.inpe.br/cerrado. Acesso em:
26/04/2021.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2ª edição. São Paulo: Companhia
das Letras, 2020.

MOREIRA, Igor. O Espaço Geográfico: geografia geral e do Brasil. 47ª edição. São
Paulo: Editora Ática, 2004.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estocolmo sobre o Meio


Ambiente Humano. In: Anais Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
Humano. Estocolmo, 6p., 1972. Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/registro/referencia/0000001728.
Acesso: 10/03/2021.

SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia
Crítica. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1978.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço – Técnica e tempo. Razão e emoção. São
Paulo: Hucitec, 1996.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: fundamentos teóricos e


metodológicos da Geografia. 6. ed. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo (Edusp), 2014.

SOUSA, Victor Pereira de. Geografia e Meio Ambiente: reflexões acerca das práticas
socioculturais na concepção de sustentabilidade. Diversidade e Gestão. 1(2): 178-
188. 2017. Disponível em: http://www.itr.ufrrj.br/diversidadeegestao/wp-
content/uploads/2016/12/13.pdf. Acesso: 10/03/2021.
UNIDADE III

GEOGRAFIA COMO CIÊNCIA


Professora Esp. Karitta da Silva Lopes

Plano de Estudo:

• Divisões da Geografia.
• Geografia e Interdisciplinaridade
• Geografia Crítica.
• Ramos da Geografia.

Objetivos de Aprendizagem:

• Conceituar e contextualizar historicamente as divisões e ramos existentes no


interior da Geografia.
• Estabelecer a importância da interdisciplinaridade nas investigações em
Geografia.
• Compreender como a Geografia Crítica surgiu e se estabeleceu enquanto
corrente teórica profícua.
INTRODUÇÃO

Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos


da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar
conhecimentos acerca das bases teóricas do pensamento geográfico.
O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das
discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à
estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo
histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar
epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais,
modificações territoriais e relações com as práticas e intervenções humanas.
Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve
contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território,
espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por
meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no
seu percurso educacional no decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação
do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às
Humanidades.
A Unidade 3 “Geografia como ciência” é composta por quatro tópicos que
correspondem à um plano de estudo estruturado para que você possa obter
conhecimento acerca das divisões da Geografia, das relações entre Geografia e
Interdisciplinaridade, dos princípios da Geografia Crítica e dos diversos ramos da
Geografia.
Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com
a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas
habilidades cognitivas e investigativas em Geografia.

Bons estudos!

1 DIVISÕES DA GEOGRAFIA
Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/young-male-geography-
teacher-front-whiteboard-1706174938.

Prezada (o) aluna (o), estudamos nas unidades anteriores o desenvolvimento da


ciência geográfica, passando por diversos períodos históricos, sendo modificada e
transformada de acordo com as influências de cada época. Vimos que na Modernidade,
a Geografia se consolidou como a ciência empenhada em entender o espaço onde a
humanidade desenvolve e cria suas atividades produtivas e também onde a mesma
desenvolve relações sociais.
A humanidade, vem ao longo dos séculos e de formas distintas, se apropriando
da natureza para produzir através dela meios de garantir sua sobrevivência, portanto,
natureza e sociedade estabelece um diálogo integrado ao espaço, este compreendido
por Milton Santos (2012) como uma “acumulação desigual de tempos” (p. 256).
Com isso, podemos dizer que um dos grandes atributos da ciência geográfica é a
capacidade de estabelecer uma interpretação global e sintética da realidade
intermediando as relações entre as ciências sociais e as ciências naturais. Logo, é a
partir da divisão temática e metodológica entre Geografia Humana e Geografia Física
que a ciência geográfica é operacionalizada e dinamizada frente aos processos de
investigações acerca dos seus objetos de estudos e análises.
Cabe destacar que até o século XIX a Geografia buscava uma individualidade,
pois o conhecimento geográfico estava dissolvido em um bojo único de conhecimento. A
forte influência do positivismo no conhecimento científico do século XIX, levou a
fragmentação do diálogo entre as áreas de conhecimento ocasionando uma forte divisão
entre ciências humanas, exatas e da Terra. De acordo com seus objetivos, cada uma
delas desenvolveram seus próprios métodos, entretanto dentro de duas grandes áreas:
Ciências Humanas e Ciências Naturais.
Dentro da corrente tradicional, a Geografia, por ter um objeto de estudo amplo e
vasto em relação a outras disciplinas, carecia de um método próprio que conciliasse o
estudo de elementos humanos e naturais, levando a ter como objeto inicial a natureza
sem o homem. A corrente possibilista salientou as análises humanas e sociais em
desfavor das análises físicas, acentuando a divisão entre a Geografia Física e a
Geografia Humana.
No início do século XX, muitos geógrafos passaram a estudar o meio físico a partir
da especialização, ferramenta importante para o desenvolvimento dessa ciência, como
aponta Evandro César Clemente:

De Martonne passou a estudar o meio físico dividido em vários ramos.


Em sua obra “Tratado de Geografia Física” ele apresenta os primeiros
passos para o surgimento dos sub-ramos dentro da Geografia Física:
Geomorfologia, biogeografia e a climatologia. Cabe lembrar que a
constituição destes ramos se deu influenciados pela Geologia, biologia e
meteorologia (CLEMENTE, 2007, p. 198).

Com a chegada do neopositivismo após a Segunda Guerra Mundial, podemos


visualizar o início do chamado movimento de renovação da Geografia, que buscava
afastar-se dos métodos de pesquisas conceituados pela corrente tradicional como a
observação, empirismo e a descrição. As circunstâncias políticas, econômicas e sociais
da época, somadas a invenção dos computadores, possibilitou a utilização de:

[...] modelos matemáticos e quantitativos, bem como a Teoria dos


Modelos e a Teoria dos Sistemas. Apesar do método “renovado”, a
Geografia persistiu mascarando a dominação e o acirramento das
desigualdades sociais e espaciais derivados da expansão do capitalismo
(CLEMENTE, 2007, p. 199).

Com o advento da Nova Geografia, os geógrafos físicos passaram a usufruir da


teoria dos sistemas e dos modelos quantitativos e estatísticos, tornando cada vez mais
evidente a divisão metodológica entre a Geografia Física e Humana, que confere o
caráter científico à disciplina em destaque. “Passaram, portanto, a ignorar as produções
dos geógrafos humanos, por considerá-las muitas vezes como meras divagações
desprovidas de cunho científico” (CLEMENTE, 2007, p. 199).
Em contrapartida a isso, no começo dos anos 60 frente às enormes desigualdades
espaciais e sociais e também a grande exploração dos trabalhadores ocasionada pelo
avanço do capitalismo, que dava início a fase de mundialização, ocorreu o preludio da
corrente da Geografia Crítica, fortemente influenciada pelo pensamento marxista,
fundamentado no materialismo histórico dialético. A exploração e as desigualdades
passaram a ser denunciadas e criticadas pelos geógrafos dessa corrente,
fundamentando a crítica a Geografia Física, pois para os teóricos críticos, os geógrafos
físicos estariam servindo ao grande capital e suas produções consideradas sem
comprometimento com as mazelas sociais ocasionadas pelo capitalismo imperialista.
A visão Ocidental que enxerga o homem como descolado da natureza, intensifica
a complexidade da metodologia dentro da Geografia Moderna, dificultando a superação
da dicotomia entre Geografia Humana e Física.

Diante do exposto, podemos fazer uma alusão à “evolução” da Geografia


na citação de Norbert Elias “Sobre o tempo”, quando diz: “... ainda nos
servimos amplamente de um aparelho conceitual que traça uma linha
demarcatória muito clara entre os planos da integração física, social e
individual. [...]. Do mesmo modo, a sociedade e a natureza aparecem
frequentemente como mundos separados” (CLEMENTE, 2007, p. 199).

Como vimos na unidade anterior, a partir dos anos 70, a comunidade científica se
reuniu na conferência de Estocolmo com o intuito de discutir os graves problemas
ambientais resultantes da apropriação desenfreada dos elementos naturais
intensificados de forma predatória pelo sistema de produção capitalista. Diante dos
problemas ambientais como o aquecimento global, agravado pela destruição da camada
de ozônio, assim como a poluição dos solo, ar, rios e oceanos, os teóricos da Geografia
Física começaram reconhecer a necessidade, cada vez mais emergente, de interpretar
o modo de produção capitalista e sua organização social para compreender seus
impactos na natureza.
Vemos aí o que pode ser o início de um melhor caminho a ser percorrido pela
ciência geográfica, trazendo análises complexas de como a sociedade se relaciona com
a natureza a partir da compreensão da dinâmica interna e específica de seus elementos.
Podemos afirmar também que a dicotomia Geografia Humana x Geografia Física
enfraquece o campo de trabalho dos geógrafos, pois ao negar qualquer uma delas, os
profissionais da Geografia acabam por limitar seu campo de trabalho, deixando de
ocupar lugares em uma sociedade que apresenta um mercado de trabalho cada vez mais
voltado à competitividade, pois debilita a possibilidade mais importante dessa ciência, a
de fazer análises sintéticas e globalizadas da realidade, não alcançada por cientistas de
outras áreas, como indica Sergio Henrique Pinto Silva (2007):

À importância da temática ambiental, possivelmente o tema que mais une


os diferentes ramos da Geografia, mas, ao mesmo tempo, é cobiçado por
várias outras ciências, essa perda da Geografia é devido à sua
fragmentação. A formação dualista da Geografia, englobando os
aspectos físicos e sociais associados à capacidade de síntese, fornece
uma ampla vantagem dessa ciência perante as demais (SILVA, 2007, p.
41).

Os caminhos distintos percorridos até então pela Geografia Humana e Física


encontram confluência no século XXI, diante a uma sociedade que demanda cada vez
mais uma visão integradora e multidisciplinar dos elementos, sendo capaz de responder
questões urgentes a seu tempo. À respeito disso, Clemente (2007) enfatiza a importância
de “[...] superarmos a clivagem Geografia Humana x Geografia Física e construir uma
Geografia Global, capaz de resgatar o velho objetivo da Geografia de estudar de forma
integrada Sociedade e Natureza” (p. 199).
A valorização de uma visão global capaz de inter-relacionar os mais diversos
dados existentes é reflexo da sociedade contemporânea e não está restrita ao meio
científico, pois demonstra uma preocupação com o conjunto devido a necessidade cada
vez mais urgente de um conhecimento não compartimentado capaz de realizar uma
leitura complexa da realidade, como afirma Sansolo (1996):

Em uma metrópole, embora o relevo tenha sido alterado pela construção


de prédios, ou cuja bacia de drenagem foi impermeabilizada pelo asfalto
e seus rios e córregos canalizados, ainda assim os processos naturais
como os geomorfológicos, expressos pelo movimento de massa de
vertentes e depósitos sedimentares em rios e córregos; processos
climáticos, como sazonalidade das chuvas, temperaturas e umidade;
migrações de aves continuam ocorrendo e vão continuar ocorrendo
(SANSOLO, 1996, p. 36).

É diante deste contexto, que o saber geográfico não fragmentado se apresenta


como uma importante ferramenta capaz de contribuir para uma leitura complexa e não
compartimentada do meio ambiente e da sociedade. A Geografia é única das ciências
humanas que tem como objeto de estudo também o quadro natural do planeta. Diante
disso, vemos a complexidade metodológica e epistêmica, pois analisar processos
contínuos na natureza e na sociedade, seja individual ou conjuntamente, é uma tarefa
que exige grandes competências.
Corroboramos que a divisão entre Geografia Física e Geografia Humana pode
contribuir para melhor delimitar metodologicamente os objetos de estudo e os fenômenos
investigados, contudo, compreendemos que a relação e imbricação teórica e
epistemológica entre ambas, combatendo possíveis hierarquizações, torna-se
fundamental para análises e interpretações mais completas da realidade pesquisada.
2 GEOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE

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Cara(o) aluna(o), a partir do conteúdo do tópico anterior acerca das divisões da


Geografia, ou seja, da divisão entre a Geografia Física e Humana e, consequentemente,
das fragmentações existentes no interior dessas duas divisões centrais, podemos
compreender que o conhecimento construído de forma fragmentada pela ciência
geográfica passou a permitir uma interdisciplinaridade teórica-metodológica devido aos
dilemas existentes com o seu objeto de estudo primordial, o espaço geográfico.
Em razão das exigências formativas para obter os saberes naturais e sociais
referentes ao espaço geográfico, faz-se necessário que a comunidade científica em
Geografia estabeleça debates e diálogos com matrizes disciplinares distintas, tais quais
se encontram disciplinas pertencentes às Ciências Humanas, Exatas e Naturais.
Enquanto área do conhecimento, a Geografia traz em seu cerne epistemológico a
preocupação com a busca da compreensão das relações dinamizadas entre a sociedade
e a natureza. Em virtude disso, ela se diferencia, indo na contramão das demais ciências,
que devido às condições particulares de seus objetos de pesquisa, foram
individualizadas nos processos de classificação disciplinar.

Pelo fato de serem exigidos para sua formação uma compreensão,


um conhecimento da natureza e da sociedade e, pelo fato de
compreenderem o espaço geográfico como a materialização na
superfície da terra das diferentes formas de organização social foram
sempre levados a construir uma ciência que chegaram a conceituar como
de síntese e que internamente pode ser lida como uma ciência
interdisciplinar (SUERTEGARAY, 2003, p. 45).

Contudo, essa interdisciplinaridade intrínseca à Geografia, nem sempre foi um


consenso, pois na medida em que a expansão da racionalidade tomava conta dos
métodos e teorias científicas na Modernidade, foi sendo possibilitada, cada vez mais, a
separação e compartimentação do conhecimento, logo, a divisão entre as Ciências
Naturais/Exatas e as Ciências Sociais/Humanas.
Por conseguinte, é nesse período histórico que a Geografia foi impossibilitada de
alocar o hall de especificidades disciplinares exigidas pelo pensamento positivista da
época, passando a ser desconsiderada do seu carácter científico e fragilizada diante das
dificuldades de construção de métodos próprios, pois carregava em sua base
epistemológica, num contexto histórico onde as dimensões separatistas entre os saberes
eram o padrão aceito e reproduzido entre a comunidade científica, os dilemas relacionais
entre natureza-sociedade/sociedade-natureza.
Tais disputas para a individualização entre as ciências, premissa imposta pelo
pela Modernidade, evidenciou a preocupação dos geógrafos e geógrafas em afirmar a
Geografia como uma ciência autônoma com métodos únicos e exatos, fato que acabou
por empobrecê-la.
Como já vimos, em diferentes momentos históricos, foram construídas diferentes
análises e concepções em Geografia, transformações que serviram como base de
revisões científicas, conceituais, políticas e temáticas dessa disciplina. É a partir do
movimento de renovação da Geografia nos anos de 1970, em especial, na França, na
Inglaterra, na Itália, nos Estados Unidos e no Brasil, que ocorre a reelaboração
epistemológica da Geografia Humana baseada no conceito de espaço geográfico como
principal categoria analítica da ciência geográfica e, por consequência, a valorização e
necessidade de estudos e explicações interdisciplinares.
De acordo com Dirce Maria Antunes Suertegaray (2003), a interdisciplinaridade
na Geografia é “um exemplo da possibilidade de compreensão conjuntiva”. A autora nos
aponta que não devemos pensá-la “[...] como sombreamento mas como convergência
de leituras na busca de compreensão de um acontecimento, da decifração de um
problema, de uma questão” (p. 50-51).
Logo, a aproximação da Geografia com outras ciências indica uma disciplina de
caráter multidisciplinar, fato que não elimina possibilidades interpretativas, todo contrário,
contribui na compreensão da dinâmica do espaço geográfico e seus elementos
constituintes, bem como, de outras categorias analíticas e conceituais da Geografia.

Se de um lado ainda trabalhamos com o recorte do espaço geográfico,


de outro acreditamos que esses recortes poderão mais unir o discurso
geográfico, do que separar. Isto porque cada um deles enfatiza uma
dimensão da complexidade organizacional do espaço geográfico: o
econômico/cultural (na paisagem), o político (no território), a existência
objetiva e subjetiva (no lugar) e a transfiguração da natureza (no
ambiente) [...] Por outro lado, acreditamos que conceber esta como uma
das possibilidades analíticas da Geografia, tende a nos permitir a
diferença de enfoques, ao mesmo tempo em que nos articula pelas
conexões derivadas da fronteira tênue entre cada um desses
conceitos. Costuma- se dizer na atualidade, que o objeto de estudo se
constrói num contexto relacional. Por conseguinte, as conexões que
permeiam os conceitos que aqui denominamos operacionais, aproximam
as nossas práticas geográficas, muito mais que nos dividem
(SUERTEGARAY, 2003, p. 50).

Segundo Milton Santos em Por uma Geografia Nova (2012) a Geografia pode
auxiliar no desenvolvimento de conceitos e fenômenos estudados por outras disciplinas
e vice e versa, o autor trata do exemplo da economia neoclássica, que estuda a relação
entre humanidade e meio geográfico e, com isso, bebe da fonte dos estudos acerca da
Geografia.

Em realidade a lista de ciências chamadas afins da geografia que se


escrevia acompanhada de nomes como história, sociologia, economia
(se nos limitando a geografia humana) tornou-se muito mais longa porque
devemos acrescentar-lhe outros domínios do saber como a tecnologia
(ciência das forças produtivas), a ciência política, o urbanismo, a técnica
gerencial, a semiologia, a epistemologia, os negócios internacionais, a
história das ciências, a ciência das ciências, chamada cienciologia, e
mesmo a lógica e a dialética (SANTOS, 2012, p. 137).

Outro exemplo citado pelo autor, é o do famoso historiador francês Marc Bloch,
que defendeu a interdisciplinaridade ao compreender que o sociólogo Émile Durkheim e
o geógrafo Vidal de La Blache “[...] deixaram sobre os estudos históricos do princípio do
século XX uma marca incomparavelmente mais profunda que a de qualquer outro
historiador” (BLOCH, 1974, p. 166 apud. SANTOS, 2012, p. 130).
Desta forma, Milton Santos (2012), um dos mais significativos expoentes da
geografia brasileira, afirma que a premissa da interdisciplinaridade não se restringe
somente à ciência geográfica, tornando-se assim, geral à outras ciências também, ou
seja, “[...] toda ciência se desenvolve nas fronteiras de outras disciplinas e com elas se
integra em uma filosofia. A geografia, a sociologia, a economia, são interpretações
complementares da realidade humana” (BOUDEVILLE, 1945, p. 75 apud SANTOS,
2012, p. 131).
A partir dos pensamentos trazidos à luz, podemos compreender que a
interdisciplinaridade se encontra no horizonte de todas as disciplinas, pois contribui para
a ampliação e aprimoramento de interpretações de múltiplos fenômenos, se constituindo
como:

[...] uma prática coletiva, que surge da organização em grupo, hoje em


rede, e tem como objetivo a busca da compreensão/explicação de um
problema formulado pelo conjunto dos investigadores. O trabalho
interdisciplinar vai exigir um rompimento com os problemas específicos
de cada campo, colocando na pauta da pesquisa questões de
estruturação mais complexa (SUERTEGARAY, 2003, p. 51).

Logo, a interdisciplinaridade garante à Geografia uma integração com outras


disciplinas, que ao estabelecer relações e imbricações entre um mesmo objetivo de
estudo, sem pretensões totalizantes, busca compreender os diversos aspectos e
variáveis de um mesmo objeto de pesquisa.
3 GEOGRAFIA CRÍTICA

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Cara (o) aluna (o), vimos nos tópicos anteriores as divisões presentes no interior
da Geografia, que evidenciaram a grande dicotomia entre a Geografia Humana e a
Geografia Física, como também, os conhecimentos interdisciplinares que atravessam a
construção do conhecimento geográfico. Estudaremos agora, a formação da abordagem
crítica da Geografia, que se desenvolveu especialmente no Brasil com uma notável
importância para a produção teórica na atualidade.
A abordagem crítica pode ser entendida como um movimento de renovação
teórica e metodológica do pensamento geográfico, colocando-se como “[...] uma
revolução que procura romper, de um lado, com a geografia tradicional e, de outro, com
a geografia teorético-quantitativa” (CORRÊA, 2001, p. 23). A sua base epistemológica
está fundamentada pelo materialismo histórico dialético, proposto por Karl Marx, pois
busca refletir sobre as constantes transformações na organização espacial, influenciadas
diretamente pela acentuada urbanização, industrialização e avanço do capitalismo, que
não encontrava respostas nas outras correntes do pensamento geográfico como o
método regionalista, possibilista e determinista.
Grande parte dos autores da Geografia Crítica assumem uma postura
comprometida com as transformações sociais, utilizando o conhecimento para a
formação de uma sociedade mais justa e que sirva como ferramenta de libertação da
humanidade, assumindo um conteúdo fortemente político e militante e avaliando as
contradições intrínsecas ao sistema capitalista de produção.

O movimento da geografia crítica, em suas diversas vertentes, reproduz


o embate ideológico contemporâneo da luta de classes na sociedade. Os
geógrafos críticos, em suas diversas orientações, assumem a
perspectiva popular, de uma transformação de ordem social. Por esta
razão, buscam uma geografia mais generosa em um espaço mais justo,
que seja organizado em função dos interesses dos homens e não do
capital (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p.
2).
Analisaremos a partir de então, as diferentes escolas e os principais teóricos que
contribuíram para a formação da teoria crítica nos debates acerca da geografia mundial
e, especificamente, da geografia brasileira.
Na França, em meados das décadas de 1930 e 1940, vemos uma evidente
movimentação a favor da abordagem crítica em Geografia por meio da ala progressista
da geografia regional francesa, que aos poucos, foi introduzindo a análise da produção
do espaço aos processos sociais e econômicos, dando origem a uma discussão mais
engajada politicamente aos estudos geográficos no país.
Posterior a isso, encontramos na obra Geografia Ativa (1966), de Pierre George,
Yves Lacoste, Bernard Kayser e Raymond Guglielmo, uma representação do movimento
científico de renovação crítica ao propor a elaboração de uma análise regional que
solucionasse as contradições do modo de produção capitalista.

Neste caso, inaugurando uma geografia de denúncias das realidades


espaciais injustas e contraditórias. Critica severamente a abordagem
descritiva e enumerativa da geografia, apontando a necessidade e a
carência de informação objetiva, que permitisse traçar perspectivas que
subsidiassem tomadas de decisões. Ligada ao historicismo, seus autores
consideravam a geografia como um prolongamento da história, mas com
métodos próprios, deixando seu papel meramente contemplativo e
assumindo um papel dinâmico, atuante, por meio do que chamavam uma
“geografia ativa”, que buscasse estabelecer um elo entre passado e
futuro (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p.
3).

Mais tarde ao desenvolver seus estudos, Pierre George impulsionou o uso de


conceitos marxistas nos debates geográficos, fomentando assim, uma conciliação entre
o materialismo histórico dialético e o método regional ao aprofundar seus estudos
referentes às relações de produção x trabalho e, também, sobre a ação do grande capital
e das forças produtivas e seu impacto nas relações entre sociedade e natureza.
No ano de 1976, Yves Lacoste intensifica tais discussões com a criação de uma
revista empenhada em debater e democratizar as novas tendências da ciência
geográfica.

Lacoste cria a revista Hérodote e começa, por meio dela, a dispor


análises sobre inúmeros assuntos geográficos, como os problemas
ideológicos, da paisagem, do trabalho no campo, do urbano, do
imperialismo ligado à colonização, entre outros. Após o trigésimo número
da revista, Lacoste convoca os geógrafos a uma maior atuação na esfera
política e reanalisa o conceito de geopolítica. Para ele, não só a geografia
como também outras ciências foram utilizadas pelos nazistas para
justificar as expansões territoriais sobre outros povos. Lacoste (1989)
procura mostrar que a geopolítica, adotada pelos Estados, poderia ser
também empregada para que os povos conquistassem a libertação
nacional, no plano externo, e a libertação interna (MOURA; OLIVEIRA;
LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 3).

Concomitante a isso, a Geografia Crítica ganha espaço com o engajamento dos


geógrafos norte-americanos, no final dos anos de 1960, no curso das lutas e processos
que desembocaram em transformações sociais associadas às revoltas internacionais de
1968, como os movimentos contrários a guerra do Vietnam, os embates ao colonialismo,
os movimentos contra a segregação racial e pelos direitos civis. Desta forma, podemos
afirmar que as agitações e mobilizações políticas que abalavam a sociedade envolveram
os geógrafos, que levaram para a luta social, seus aparatos e saberes científicos em
Geografia.

Trabalhos de geógrafos, particularmente norte-americanos e


canadenses, voltados aos problemas sociais, passaram a circular e
adquiriram certa relevância. Com base em Blaut (1979), Cobarrubias
(2006) aponta como data de referência do surgimento da corrente o ano
de 1969, no encontro da Associação Americana de Geografia, que reuniu
a maioria dos movimentos locais, incluindo a Detroit Geographical
Expedition (DGE) e o grupo responsável pela publicação Antipode, da
Clark University (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI,
2008, p. 4)

Um outro exemplo de veículo científico acerca das discussões sobre a abordagem


geográfica crítica, é a revista Antipode, organizada em 1969, cujo o objetivo inicial era o
de divulgar e propagar os trabalhos desenvolvidos, passando a fazer uma crítica radical
tanto a geografia tradicional, quanto a geografia teorética, ao ser concebida como porta
voz de uma geografia alternativa, preocupada com a investigação e resolução de
problemas locais e regionais.

A revista Antipode teve grande aceitação, pois permitia a abertura de


novos horizontes para os novos geógrafos, já que a maioria dos
colaboradores eram geógrafos quantitativistas desolados com o método
matemático-estatístico. À medida que evoluía e se desenvolvia, fez
emergir a questão do método e do papel da ideologia na geografia
(MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 4).

Em 1974, em plena evolução e busca teórica, a revista se ocupou da necessidade


de explorar o campo do marxismo e estimular as investigações e contribuições dos
países considerados de terceiro mundo ou subdesenvolvidos. Durante esse processo,
foram elucidando os objetivos e ampliando as perspectivas e com isso, ganhando leitores
fora dos Estados Unidos e da América do Norte.
Em razão disso, a necessidade teórica de linhas alternativas de pesquisa na
Geografia, começou a ganhar estrutura e público na América do Sul. No Uruguai e na
Argentina, essa corrente se baseava em uma agenda estruturada em princípios que
destaca o compromisso intelectual a serviço da sociedade e o tratamento das
contradições inerentes ao desenvolvimento latino-americano em uma nova forma de
compreender os processos de ensino e aprendizagem, assim como a necessidade de
fazer política com os instrumentos e conhecimentos desenvolvidos pela ciência. Essa
nova corrente de reflexão surge nas universidades e se apropria de conceitos chaves do
marxismo para compreender e intervir no território e no espaço geográfico.
Milton Santos, um dos expoentes da Geografia Crítica no Brasil, defendeu a
importância de construir uma estrutura teórica latino-americana para entender, investigar
e denunciar as contrariedades regionais compartilhadas pelos países tidos como de
terceiro mundo, destacando as desigualdades sociais e diferenças com o mundo
ocidental tido como desenvolvido.
Como os espaços para a difusão de ideias era limitado, tal corrente se organizou
através de encontros, como o Primeiro Encontro Latino-Americano da Nova Geografia,
realizado em 1973 no Uruguai e que reuniu centenas de participantes. O segundo
encontro aconteceu na Argentina em fevereiro de 1974, reunindo mais que o dobro de
participantes do anterior, sob um cenário político que rapidamente caiu em censura.

Foram convidados para esse Segundo Encontro, Pierre George, como


referencial europeu, e Milton Santos, como referencial latino-americano,
propulsores, entre os jovens geógrafos, de ideias comprometidas com a
realidade social (Martínez, 2002), assim como estiveram presentes uma
numerosa delegação uruguaia, entre os quais Germán Wettstein e Danilo
Antón, e geógrafos argentinos, com destaque para Elena Chiozza e
Carlos Reboratti, da Universidade de Buenos Aires, e Ricardo Capitanelli,
da Universidade Nacional de Cuyo. Trataram de temas acerca do papel
do geógrafo como profissional, entre outros que marcavam a realidade,
indicando a preocupação dos participantes em gerir outra Geografia, está
mais comprometida. (MOURA; OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA;
GERALDI; 2008, p. 6).

A geografia brasileira foi fortemente influenciada pelas diferentes formas de


interpretar a geografia nos anos 1970, através das contribuições desenvolvidas na
Europa e nas Américas. Nesse período, a censura somada às políticas de
desenvolvimento adotadas pelo regime militar, favoreceram a introdução da corrente
crítica no Brasil do final dos anos 70. Mesmo que sufocada pelo regime autoritário, a
corrente crítica representou um momento de ruptura epistemológica e política ao
influenciar os geógrafos brasileiros a procurarem novos caminhos científicos para a
Geografia.
Cabe destacar a grande importância da contribuição de Milton Santos na
estruturação epistemológica da geografia brasileira e, também, mundial. Após o golpe
militar de 1964, Milton Santos foi duramente perseguido, sendo exilado por 13 anos pelo
regime ditatorial vigente no país. O exílio sofrido por ele deu origem a reformulação de
sua visão de sociedade e do papel do geógrafo, bem como, da geografia do terceiro
mundo. Como aponta o geógrafo e historiador brasileiro Manuel Correa de Andrade
(2003),

Foram anos que o levaram a uma reflexão maior dos mecanismos de


relações entre a sociedade, o Estado e a natureza, no mundo
subdesenvolvido, sobretudo nas regiões tropicais e pobres, e sobre as
formas de utilização dos solos, a organização dos circuitos de relações
comerciais e sobre as formas de dominação. Foram dessa época os livros
de maior importância para a formação dos geógrafos e da geografia, daí
a formulação e análise das formações espaciais e sociais aplicadas ao
Brasil, das formas de sobrevivência das populações pobres, dentro de
estruturas sociais marcadas pela herança da escravidão, das formas de
relações de trabalho e os preconceitos que dificultavam a ascensão social
dos humildes, dos pobres e da população de cor: negros, indígenas e
caboclos (ANDRADE, 2003, p. 2).
Alguns dos seus livros deste período podem ser considerados clássicos, devido
aos caminhos abertos à evolução da Geografia e à compreensão do Terceiro Mundo,
vale destacar também, sua contribuição como membro da União Socialista de Geógrafos
(USG) e do comitê de redação da revista Hérodote, além de ter editado um número da
Antipode. Após o seu exílio pela ditadura civil-militar, no final dos anos 70, o professor
Milton Santos recém reintegrado à vida acadêmica brasileira publica a obra Por uma
Geografia Nova: da crítica a geografia a uma geografia crítica (1978), considerada como
uma das primeiras propostas de renovação da geografia brasileira ao propor uma
avaliação crítica a geografia tradicional e a crise do pensamento geográfico.
Outras publicações importantes de cunho crítico espalharam pelo país,
particularmente o Boletim Paulista de Geografia, além de Território Livre, Terra Livre,
Geonordeste, entre outras.
São diversos os textos e autores que reforçam, atualmente, a concepção
amparada pela corrente crítica, reivindicando a interação entre os meios acadêmicos,
governamentais e sociedade civil, não apenas na investigação de um conhecimento
concentrado nas inúmeras esferas de atuação, como na conquista de estratégias que
contraponham a crescente desigualdade social e territorial contemporânea. Requer um
posicionamento ativo do geógrafo frente aos dilemas do mundo, dando enfoque à
preocupação da corrente crítica, contribuindo na renovação do que seria uma verdadeira
totalidade geográfica: nem divisora nem dualista, mas unificada para o desenvolvimento
da prosperidade humana.

A geografia crítica renovou o pensamento geográfico, principalmente por


admitir o papel da divisão social e territorial do trabalho. Permitiu e vem
possibilitando a exposição de lógicas, processos, agentes. Da mesma
forma, politizou o debate sobre espaço, território e ambiente, assumindo
temas como dominação, controle, exclusão, desigualdade socioespacial,
pobreza e vulnerabilidade. Em alguns casos, aproximou-se da geografia
física, como por exemplo, nos trabalhos que discutem os problemas
ambientais numa ótica crítica, relacionando a crise da sociedade ao
modelo de desenvolvimento dos países industrializados e à cultura do
consumo, além de salientar enfoques socioambientais. (MOURA;
OLIVEIRA; LISBOA; FONTOURA; GERALDI, 2008, p. 18).
Deste modo, podemos concluir que a corrente crítica, encaminhou e segue
conduzindo contribuições essenciais à ciência geográfica. No período de sua ascensão
o mundo vivia a ebulição de um momento de profundas contestações e mudanças
históricas, condição social que possibilitou seu surgimento, caracterizando-a a partir de
leituras, análises e investigações extremamente críticas ao funcionamento desigual dos
processos de formação do espaço geográfico.
4 RAMOS DA GEOGRAFIA

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Como vimos durante toda a unidade, o desmembramento entre Geografia Física


e Geografia Humana configura-se como a principal divisão da ciência geográfica. É a
partir dessa separação temática e metodológica que iremos estudar, neste último tópico,
os ramos dessa ciência.
Desta maneira, nosso conteúdo se concentrará nas diferentes ramificações
operacionais presentes nas preocupações e elementos de estudo da Geografia Física,
mais voltados ao relevo, vegetação, clima, rios, entre outros agentes naturais, e da
Geografia Humana, centrados na interação humana com os diversos elementos do meio
ambiente.
Corroboramos que a formação dualista da Geografia não deve ser utilizada para
excluir afinidades e confluências analíticas, teóricas e metodológicas, nem para uma
divisão sobrepor a outra, todo contrário, compreendermos que ao englobar os aspectos
físicos e sociais associados à capacidade de síntese, a Geografia reforça possibilidades
de estudar fenômenos que se relacionam a partir de ângulos diferentes, enriquecendo
assim, os processos investigativos em Geografia.

4.1 Alguns ramos da Geografia Física

Geomorfologia:
Estuda as origens e a evolução da estrutura e formas de relevos da Terra por meio
da natureza das rochas, pelo clima e por fatores endógenos e exógenos a fim de
identificar a formação dos elementos que compõem a superfície terrestre.
Tal ramificação é utilizada, também, para os estudos à respeito dos processos
morfogenéticos atuais com o objetivo de compreender os problemas ambientais em
vigência, oferecer subsídios técnicos para orientar a ocupação humana e auxiliar na
resolução dos danos provocados pelos desequilíbrios geoecológicos causados pela
ação humana.

Climatologia:
Pesquisa os climas, suas distribuições entre as diversas regiões terrestres e suas
variações, entre elas podemos citar: a chuva, o vento, a temperatura e outros elementos
climáticos mais raros, como o granizo, a neve e as geadas.

Investigações climatológicas importantes já provieram do campo


geográfico e um rico campo de trabalho se apresenta aos geógrafos na
organização das observações de estação através da livre observação e
através da reunião de observações e especialmente na ligação dos
processos climáticos com os fenômenos do balanço hídrico, do arranjo
do solo, da cobertura vegetal e da vida humana (HETTNER, 2012, p.
147).

Logo, esse ramo geográfico preocupa-se, também, com os impactos de origem


climática que causam danos nos meios físico e socioeconômico, tais como as
tempestades, enchentes, inundações, alagamentos e enxurradas, muitas vezes,
provocadas pela ação humana, como as enchentes ocorridas devido à depósitos e
descartes inadequados de lixo pelo homem.

Pedologia:
É a ciência que estuda o solo em seus diversos aspectos morfológicos, de
formação (gênese) e de classificação, buscando identificar e mapear os solos
característicos de determinada região. Os estudos pedagógicos configuram-se como um
ramo de pesquisa desafiador, pois trata da constituição e distribuição espacial dos solos
na paisagem, com suas respectivas implicações sociais e ambientais.
O solo é um recurso natural de grande importância para a sobrevivência humana,
resultado de uma interação complexa de fatores, como o clima, a topografia e
organismos nele existentes. É o solo que permite o sustento das florestas, ruas e
construções, que filtra e armazena parte da água que bebemos, e que dá vida aos
alimentos de origem vegetal que se alimentamos e às plantas que purificam o ar,
produzindo parte do oxigênio que respiramos.
Desta forma, a pedologia é uma ciência primordial para corrigir a fertilidade natural
do solo, alterada pelo agronegócio, a pecuária e a mineração desenfreadas, neutralizar
sua acidez, observar teores de matéria orgânica, preservar contra a erosão e identificar
solos apropriados para cada cultura e/ou região,

Biogeografia:
Ramo da Geografia que estuda as paisagens biológicas e as formas de
distribuição geográfica dos seres vivos (animais e plantas) em diferentes contextos
históricos.

Desde o período mais remoto, a Geografia também incluiu em sua


investigação os mundos vegetal e animal, e certamente tanto no caráter
geral da cobertura vegetal como a ocorrência de plantas e animais
individuais, especialmente aqueles que são úteis ou nocivos ao homem.
Nos tempos antigos, a descrição botânica ou zoológica esteve
diretamente ligada com sua referência; apenas pouco a pouco a
investigação geográfica se separou da [investigação] botânica e da
zoológica (HETTNER, 2012, p. 147 - 148).

Tais estudos têm por objetivo compreender os padrões de organização e


ocupação espacial reproduzidos pela fauna e pela flora e, ainda, os processos que
resultaram nesse parâmetro de disposições biogeográficas. Portanto, estudar as inter-
relações dos diversos fatores geográficos e ecológicos que atuam na distribuição,
adaptação, expansão e associação dos seres vivos, configura-se como objeto de estudo
e método imprescindível aos objetivos da Biogeografia.

Hidrografia:
Fragmentação da Geografia que estuda os fenômenos relacionados aos recursos
hídricos existentes no planeta Terra, à exemplo dos rios, bacias hidrográficas, mares,
oceanos, lagos, entre outros, buscando compreender as origens e as formações da água
em diferentes regiões terrestres.
“A água da superfície terrestre deve ser concebida como um grande sistema de
circulação, que se considera sob diferentes pontos de vista, sob o da ordenação espacial,
da formação topográfica, do balanço hídrico, das relações físicas e químicas”
(HETTNER, 2012, p. 145). Logo, é a partir dos estudos hidrográficos que as relações
topográficas das águas, suas ordenações e o balanço hídrico de uma região são
compreendidas de forma sistemática.

Cartografia:
A cartografia é o ramo da Geografia que estuda e elabora a representação gráfica
da superfície terrestre, tendo como produto final desse processo investigativo, o mapa,
isto é, configura-se como a ciência responsável pela criação, estudo, difusão e utilização
dos mapas.
Devido à diversidade temática dos mapas, a cartografia é fundamental para o
ensino de Geografia nas escolas e instituições educacionais, tanto para a compreensão
do cotidiano quanto para o entendimento das regiões do planeta Terra.

4.2 Alguns ramos da Geografia Humana

De acordo com os nossos estudos durante esta unidade, podemos afirmar que a
Geografia é uma Ciência Humana, pois seu objeto de pesquisa é o espaço geográfico
produzido pela ação do ser humano, logo, é resultante das imbricações entre natureza e
sociedade. Por consequência, métodos integradores no interior da ciência geográfica,
que analisam fenômenos que contemplam os aspectos físicos e humanos, entendidos
como problemáticas do espaço geográfico, tornam-se caras para os estudos e o
pensamento geográfico.

Geografia da População:
É composta por investigações a respeito do crescimento/quantidade, composição,
migração e distribuição da população humana em relação às características espaço-
geográficas e aos contextos históricos, ou seja, estuda de que maneira e sob quais
condições o homem se transforma em população ao longo dos séculos e períodos
históricos.
[...] aos aspectos biológicos agregam-se a organização cultural, política,
econômica e territorial da sociedade, que repercutem, por exemplo, no
número de pessoas empregadas (população economicamente ativa), no
número de pessoas que se desloca de um lugar para o outro e nas razões
e consequências dessa mobilidade (migração), no número de pessoas
que nascem e morrem em um local (crescimento populacional) e no
número de pessoas que vivem em uma localidade e na forma como
ocupam esse espaço (distribuição populacional). A busca pela
compreensão dos fenômenos que geram essas diferenças, suas causas
e consequências conduz a análise da dinâmica populacional que, na
perspectiva da Geografia da População, é investigada a partir da
espacialização da organização populacional (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011, p. 13).

Isto posto, podemos afirmar que os estudos populacionais concentram-se nos


aspectos políticos, sociais, culturais e econômicos que diferenciam as populações ao
redor do mundo, analisando fatores importantes para a compreensão da humanidade
como gênero, raça, etnia, classe social, idade, trabalho, grau de escolaridade, entre
outros.

Geografia Social:
Ramos da Geografia Humana que pesquisa os fenômenos sociais dos grupos
humanos e suas relações no interior do espaço geográfico. Ao encontrar-se intimamente
relacionada com a sociologia e teorias sociais diversas, a Geografia Social busca
compreender a relação do fenômeno social com as características e fatores espaciais
que o constituem.
Neste sentido, os principais objetos de estudo da Geografia Social são: a origem
dos povos, as religiões, os conflitos, os índices de evasão escolar e desenvolvimento
humano e social, as relações internacionais, as dinâmicas do mercado de trabalho e a
governança da população sobre o território.

Geografia Econômica:
Campo geográfico que estuda os modos de produção e a utilização e distribuição
de recursos, considerando as características do ordenamento, localização e organização
espacial das atividades econômicas e trabalhistas disponíveis em nosso corpo social.
A paisagem, o lugar e o território geográfico influenciam diretamente as atividades
econômicas e as demandas de mercado de determinada região e/ou país, logo, a
Geografia Econômica prioriza em suas produções a localização de indústrias e
empresas, as rotas comerciais e de transporte, o mapeamento de atividades comerciais
locais, nacionais e internacionais (tanto no atacado quanto no varejo) e as variações de
valor de mercados que tratam intimamente do espaço geográfico, à exemplo do mercado
imobiliário.

Geopolítica:
A Geopolítica é responsável por estudar e analisar a organização e distribuição
espacial dos fenômenos políticos, realizando interpretações históricas de
acontecimentos e episódios da atualidade em acordo com o desenvolvimento político
das nações e suas respectivas formações sociais e geográficas.

O termo Geopolítica [...] designa de fato tudo que concerne às rivalidades


de poderes ou de influências nos territórios e as populações que nele
vivem: rivalidades entre poderes políticos de toda sorte – e não somente
entre Estados, mas também entre movimentos políticos ou grupos
armados mais ou menos clandestinos – rivalidades pelo controle ou
dominação de territórios de grande ou pequeno porte. Os raciocínios
geopolíticos ajudam a melhor compreender as causas de tal ou tal
conflito, dentro de um país ou entre Estados, mas também a considerar
quais podem ser, por repercussão, as consequências destas lutas nos
países mais ou menos distantes e por vezes até mesmo em outras partes
do mundo (LACOSTE, 2006, p. 8).

Portanto, um dos campos de pesquisa mais assíduos da Geopolítica visa


compreender e explicar os conflitos internacionais, as questões políticas e de
globalização e a utilização dos recursos naturais e energéticos no mundo.
SAIBA MAIS

Você sabia que após o golpe militar de 1964, o professor e geógrafo Milton Santos
foi perseguido por sua produção intelectual, levando a ser exilado do Brasil por 13 anos?
Durante esse período, Milton Santos viveu grande parte da cidade de Paris, na França,
percorrendo outros países como: Tanzânia na África, Canadá e Estados Unidos na
América do Norte e Venezuela e Peru na América do Sul. A volta do exílio apresentou
um Milton Santos já amadurecido, que trouxe na bagagem a experiência de acompanhar
a formação da universidade de Dar-el-Salaam na Tanzânia e também da vivência norte-
americana, com universidades típicas do mundo anglo-saxão e, finalmente, com a
observação de problemas e fatos da América Latina de colonização espanhola, vivências
que expandiram seu conhecimento em Geografia de forma crítica e enriquecedora.

REFLITA

Reflita sobre a seguinte afirmação de Milton Santos. Como ignorarmos as


constantes e contínuas transformações históricas e sociais nos estudos e investigações
em Geografia?

Se as ações sobre um conjunto de objetos se dessem segundo tempos


iguais não haveria história; o mundo seria imóvel. Mas o mundo é móvel,
em transformação permanente – formando uma totalidade em processo
de mudança para surgir amanhã como uma nova totalidade (SANTOS,
1996, p. 167).

SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo. Globalização e meio técnico-científico


informacional. São Paulo: Hucitec, 1996.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer da presente unidade compreendemos que o desenvolvimento da
ciência geográfica passou por diversos períodos históricos, sendo modificada e
transformada de acordo com as influências de cada época. Vimos que na Modernidade,
a Geografia se consolidou como a ciência empenhada em entender o espaço onde a
humanidade desenvolve e cria suas atividades produtivas e também onde a mesma
desenvolve relações sociais. Com isso, compreendemos que um dos grandes atributos
da ciência geográfica é a capacidade de estabelecer uma interpretação global e sintética
da realidade intermediando as relações entre as ciências sociais e as ciências naturais.
Estudamos no tópico 1 que é a partir da divisão temática e metodológica entre
Geografia Humana e Geografia Física que a ciência geográfica é operacionalizada e
dinamizada frente aos processos de investigações acerca dos seus objetos de estudos
e análises. Compreendemos então, que a divisão entre Geografia Física e Geografia
Humana pode contribuir para melhor delimitar metodologicamente os objetos de estudo
e os fenômenos investigados, contudo, devemos lembrar, que a relação e imbricação
teórica e epistemológica entre ambas, combatendo possíveis hierarquizações, torna-se
fundamental para análises e interpretações mais completas da realidade pesquisada.
No tópico 2, buscamos compreender que o conhecimento construído de forma
fragmentada pela ciência geográfica passou a permitir uma interdisciplinaridade teórica-
metodológica devido aos dilemas existentes com o seu objeto de estudo primordial, o
espaço geográfico. Logo, a interdisciplinaridade garante à Geografia uma integração com
outras disciplinas, que ao estabelecer relações entre um mesmo objetivo de estudo, sem
pretensões totalizantes, busca compreender os diversos aspectos e variáveis de um
mesmo objeto de pesquisa.
A partir disso, no tópico 3 analisamos a formação da abordagem crítica da
Geografia, que se desenvolveu especialmente no Brasil com uma notável importância
para a produção teórica na atualidade. Concluímos então que a corrente crítica,
encaminhou e segue conduzindo contribuições essenciais à ciência geográfica. No
período de sua ascensão o mundo vivia a ebulição de um momento de profundas
contestações e mudanças históricas, condição social que possibilitou seu surgimento,
caracterizando-a a partir de leituras, análises e investigações extremamente críticas ao
funcionamento desigual dos processos de formação do espaço geográfico.
Por fim, vimos no tópico 4 que o desmembramento entre Geografia Física e
Geografia Humana se configurou como a principal divisão dentro da ciência geográfica.
Pudemos assim compreender as diferentes ramificações operacionais presentes nas
preocupações e elementos de estudo da Geografia Física, voltados ao relevo,
vegetação, clima, rios, entre outros agentes naturais, e da Geografia Humana, centrados
na interação humana com os diversos elementos do meio ambiente.
Desejo que os conteúdos trabalhados nesta unidade contribuam para seu
desenvolvimento na compreensão dessa disciplina.
LEITURA COMPLEMENTAR

MOREIRA, Ruy. O que é Geografia. São Paulo: Brasiliense, 1980.

Estrabão, ao criar a geografia no século I, apresentou-a como um saber


comprometido com a construção de um mundo centrado na felicidade e na vida do
homem. Desde então, a trajetória histórica da geografia tem trafegado no caminho dessa
utopia ou do seu esquecimento, às vezes se aproximando daqueles que lutam por esse
mundo e às vezes dos que se voltam para o extremo oposto, servindo ao diabo quando
devia servir ao homem.
Este livro é um estudo dessa trajetória, mostrando os momentos de um e os
momentos de outro dos dois caminhos que trilhou, com particular atenção nos capítulos
finais com o seu vínculo com a forma e os problemas da sociedade contemporânea.
Sinopse oficial do livro disponível em:
https://www.amazon.com.br/dp/B074JJS76P?ref_=cm_sw_r_kb_dp_DbZ3ybGJMJ3GP
&tag=pc161256-20&linkCode=kpe. Acesso em: 11/04/2021.
LIVRO

• Título: Geografia: pequena história crítica


• Autor: Antonio Carlos Robert Moraes
• Editora: Hucitec
• Sinopse: Neste livro, Antonio Carlos Robert Moraes faz uma retrospectiva da ciência
geográfica desde seu surgimento, passando por sua sistematização científica, e as
principais correntes do seu pensamento de acordo com suas próprias definições, objetos
de pesquisa, premissas teóricas, métodos e contextos históricos de formação e
estruturação. Segundo o autor, tal obra foi concebida com o objetivo de contribuir com
reflexões acerca da construção, historicidade e origem das principais correntes dessa
ciência, em especial, a partir da divisão da Geografia Tradicional e da Geografia
Moderna.
FILME/VÍDEO

• Título: Viajo porque preciso, volto porque te amo


• Ano: 2009
• Sinopse: Apaixonado pela esposa, o geólogo José Renato precisa fazer sozinho uma
longa viagem pelo sertão nordestino. Longe dela, ele terá que realizar uma pesquisa de
campo para definir o possível percurso de um canal, que irá amenizar o problema da
seca na região. Apesar de a construção ser um alívio para muitas populações, pode ser
um grande problema para aqueles com quem Renato cruza, já que provavelmente a
região será alagada. Avaliando o terreno, ele percebe na seca e na pobreza daquelas
pessoas uma sensação parecida com a que está tendo. Apesar de não ter dificuldades
com a falta de recursos, José Renato sente um grande vazio, pela distância da mulher
que ama. À medida em que a viagem avança, as saudades ficam cada vez maiores, e a
distância física dela parece ser o menor dos problemas entre os dois.
• Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=gperj-foF_0.
REFERÊNCIAS

ANDRADE, Manual Correia de. A trajetória de Milton Santos. Jornal do Commercio,


Recife, 20 e 27 abril., 2003, Seção de Opinião. Disponível em:
https://www.fundaj.gov.br/images/stories/observanordeste/miltonsantos2.pdf. Acesso
em: 27/03/2021.

CLEMENTE, Evandro César. Questões teórico-metodológicas da Geografia no limiar do


século XXI: A questão da problemática na dicotomia Geografia Física X Geografia
Humana. Revista Formação, v. 1, n. 14, p. 198-200, 2007. Disponível em:
https://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/view/691. Acesso em: 28/03/2021.

CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço, um conceito-chave da geografia. In: CASTRO, I.E.


de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R.L. (Org.) Geografia: conceitos e temas. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

DANTAS, Eugênia Maria; MORAIS, Ione Rodrigues Diniz; FERNANDES, Maria José da
Costas. Geografia da População. 2. ed. Natal: EDUFRN, 2011. Disponível em:
http://bibliotecadigital.sedis.ufrn.br/pdf/geografia/geo_pop_Livro_Iva_WEB.pdf. Acesso
em: 29/03/2021.

HETTNER, Alfred. Os ramos da geografia e sua relação com as ciências da natureza.


GEOgraphia (Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense), v. 14, n. 28, p. 138-160, 2012. Disponível em:
https://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13646/8846. Acesso em: 28/03/2021.

LACOSTE, Yves. Geopolitiqué: la longue histoire d’aujourdhui. Paris: Larousse, 2008.

MOURA, Rosa; OLIVEIRA, Deuseles de; LISBOA, Helena dos Santos; FONTOURA,
Leandro Martins, GERALDI, Juliano. Geografia Crítica: legado histórico ou abordagem
recorrente?. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de
Barcelona, Vol. XIII, nº 786, 5 de junio de 2008. Disponível em:
http://www.ub.es/geocrit/b3w-786.htm. Acesso em: 02/04/2021.

SANSOLO, D. G. A importância do trabalho de campo no ensino de geografia e para


educação ambiental. São Paulo, 1996. 170 f. Dissertação (Mestrado em Geografia
Física) – Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo.

SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia
Crítica. 6. ed., 2. reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), 2012.

SILVA, Sérgio Henrique Pinto. Geografia Física e Geografia Humana: uma dicotomia a
ser superada? Revista Outros Tempos, v. 4, n. 4, p. 40-49, 2007. Disponível em:
https://uema.openjournalsolutions.com.br/outrostempos/index.php/outros_tempos_uem
a/article/view/411/346. Acesso em: 28/03/2021.
SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Geografia e interdisciplinaridade. Espaço
geográfico: interface natureza e sociedade. Geosul, Florianópolis, v. 18, n. 35, p. 43-53,
2003. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/13601.
Acesso em: 27/03/2021.
UNIDADE IV
CATEGORIAS GEOGRÁFICAS
Professora Esp. Karitta da Silva Lopes

Plano de Estudo:

• Leitura do espaço geográfico através das categorias


• Conceito de território
• Espaço geográfico
• Representação do espaço geográfico

Objetivos de Aprendizagem:

• Compreender os tipos de leitura a respeito do espaço geográfico através das


principais categorias e conceitos da Geografia.
• Conceituar e contextualizar as categorias de território e espaço geográfico
especificamente.
• Estabelecer a importância de representações acerca do espaço geográfico para
a compreensão e apropriação espacial de crianças e jovens.
INTRODUÇÃO

Prezada(o) Aluna(o), seja bem vinda(o) a disciplina “Categorias e conceitos


da Geografia”. É com grande satisfação e estima que te convido a compartilhar
conhecimentos acerca das bases teóricas do pensamento geográfico.
O presente material foi desenvolvido para introduzi-la(o) ao horizonte das
discussões à respeito da Geografia enquanto ciência, portanto, é destinado à
estudantes e pesquisadores interessadas(os) em compreender o processo
histórico de constituição da ciência geográfica, cujo o objetivo é pensar
epistemologicamente o espaço que vivemos, suas condições naturais,
modificações territoriais e relações com as práticas e intervenções humanas.
Durante a trajetória escolar, você certamente cursou Geografia e teve
contato com diversos conceitos específicos dessa disciplina, como território,
espaço, lugar e região. A apresentação que você tem em mãos (ou à vista por
meio de arquivos digitais) pretende aprofundar esses conhecimentos, obtidos no
seu percurso educacional no decorrer do Ensino Básico, à respeito da formação
do pensamento geográfico e sua consolidação como ciência pertencente às
Humanidades.
A Unidade 4 “Categorias Geográficas” é composta por quatro tópicos que
correspondem à um plano de estudo estruturado para que você possa obter
conhecimento acerca da leitura do espaço geográfico por meio das principais
categorias e conceitos da Geografia, do conceito de território e espaço geográfico
de forma mais específica e aprofundada e, por fim, da representação do espaço
geográfico.
Almejamos que esta unidade possa contribuir com sua aprendizagem, com
a expansão do seu pensamento crítico e com o aprimoramento de suas
habilidades cognitivas e investigativas em Geografia.

Bons estudos!
1 LEITURA DO ESPAÇO GEOGRÁFICO ATRAVÉS DAS CATEGORIAS

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/open-book-low-poly-vector-


illustration-1472608841

Prezada (o) aluna (o), compreender a complexa realidade do mundo em que


vivemos, é um esforço de diversas áreas do conhecimento científico. Diante disso,
podemos então questionar: de que maneira a Geografia contribui para a leitura da
realidade em que vivemos e nos encontramos inseridos?
Durante a disciplina em curso, enfatizamos a necessidade de nos atentar ao fato
de que a Geografia se depara com a importante responsabilidade de investigar o espaço
geográfico como uma ampla categoria capaz de assimilar a realidade existente,
transformando-o em objeto de análise principal de seu labor científico. A partir dessa
premissa, compreendemos que o conhecimento geográfico se atenta “ao estudo do meio
como resultante da ação do sujeito social responsável pela construção do lugar, da
paisagem e do território” (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 33).
Tais categorias supracitadas, precisam ser examinadas em suas correlações,
imbricações e diferenciações, inerentes às características e dinâmicas do espaço
geográfico, que além de compor a categoria principal da Geografia é construído,
desconstruído e reconstruído ao longo da história dessa ciência, como vimos no
desenvolver das unidades anteriores. Neste sentido, trabalharemos no presente tópico
a leitura do espaço geográfico através das categorias de lugar e paisagem,
encaminhando para os próximos tópicos uma ampliação da discussão ao analisarmos,
especificamente, o conceito de território e espaço geográfico.

1.1 Categoria de Lugar

A fim de compreendermos o lugar como uma categoria de análise do espaço


geográfico, é necessário nos ater ao fato de que esse conceito esteve sempre presente
nos estudos e pesquisas geográficas, sendo amplamente modificado em diferentes
épocas e transformado de acordo com diferentes contextos históricos.
Por muito tempo, a Geografia tratou o lugar com uma expressão do
espaço geográfico sob uma dimensão pontual (localização espacial
absoluta). Para ultrapassar esta ideia, a discussão de lugar tem sido
realizada sob duas acepções: lugar e experiência, e lugar e singularidade
(GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 35).

Corroborando com as autoras e partindo de ambas acepções propostas pelas


mesmas, o lugar de experiência torna-se caracterizado, sobretudo, por meio do
reconhecimento e da valorização das relações afetivas desenvolvidas por sujeitos e
grupos sociais com o meio ambiente. Desse modo, o lugar resulta de sentidos
construídos pelas vivências individuais e coletivas e por referenciais afetuosos
elaborados no decorrer dessas vivências.
Por outro lado, o lugar de singularidade é qualificado por características históricas
e culturais inerentes ao seu processo de formação e transformação, como também, por
expressões advindas da globalidade. Assim, o conceito de lugar parte de uma
perspectiva histórica relacionada com experiências do cotidiano, diariamente,
manifestadas na superfície vivida.
Em razão disto, podemos compreender o lugar como uma categoria que se
diferencia conceitualmente do espaço, de modo que lugar representa algo particular,
reservado e socializado, já o espaço, por sua vez, representa algo amplo e exterior, onde
o lugar se encontra inserido. “Lugar significa muito mais que o sentido geográfico de
localização. Não se refere a objetos e atributos das localizações, mas a tipos de
experiências e envolvimento com o mundo, a necessidade de raízes e segurança”
(RELPH, 1979, p. 156).
Ao conceber e englobar espaços em que estabelecemos vínculos sociais afetivos,
o lugar encontra referências particulares e valores que conduzem diversas maneiras de
captar e edificar o espaço geográfico. Segundo a autora Ana Fani Alessandri Carlos
(1996), pensar o lugar:

Significa pensar a história particular (de cada lugar), se desenvolvendo,


ou melhor, se realizando em função de uma
cultura/tradição/língua/hábitos que lhe são próprios, construídos ao longo
da história e o que vem de fora, isto é, que se vai construindo e se
impondo como consequência do processo de constituição mundial.
(CARLOS, 1996, p. 20).

Diante das definições conceituais apresentadas, o conceito de lugar, na


perspectiva da ciência geográfica, nos conduzem a consciência de viver o espaço, “onde
estão inseridas suas necessidades existenciais, suas interações com os objetos e as
pessoas, suas histórias de vida” (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 36). Logo,
o lugar pode ser compreendido pela ótica das percepções emotivas e por meio do
compartilhamento cotidiano das dinâmicas e experiências afetivas entre populações e
organizações institucionais.

1.2 Categoria de Paisagem

Semelhante ao conceito de lugar, apresentado anteriormente, o conceito de


paisagem compõe uma categoria com definição específica para os estudos em
Geografia, que ao longo dos anos teve inúmeras modificações e novos sentidos a partir
das sistematizações do conhecimento geográfico.
O caminho de assimilação do conceito paisagem está na maneira de interpretá-
lo, visto que, anteriormente, pautava-se somente no relato experienciado através da
observação dos elementos que compõe o espaço e, atualmente, é acrescentado de
“relações e conjunções de elementos naturais e tecnificados, socioeconômicos e
culturais”. (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 36).
Ao ser assimilada como resultado histórico e social, a paisagem acaba por
delinear as sociedades que a desenvolveu e ainda desenvolve, ajustando-se ao
passado, presente e direcionando ao futuro, em uma coexistência de diferentes períodos
históricos.
Como apontam as autoras Giometti, Pitton e Ortigoza (2012), utilizando das
contribuições do geógrafo francês Paul Vidal de La Blache, a paisagem é aquilo que “[...]
o olho abarca com o olhar” (p. 36). Portanto, a paisagem é marcada pelo visível e pelo
material, no entanto, ela não se configura de forma estática, pois está em constante
processo de transformação e mutação, muitas vezes, caracterizado por grandes conflitos
socioambientais.
A partir dos seus múltiplos componentes e elementos, as paisagens podem ser
classificadas como naturais, referindo àquelas que tiveram pouca ou nenhuma
interferência da ação humana, e culturais ou antrópicas, referindo àquelas resultantes
das transformações proporcionadas pela atividade humana.

A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é


formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor,
utilidade, ou por qualquer outro critério. A paisagem é sempre
heterogênea. A vida em sociedade supõe uma multiplicidade de funções
e quanto maior o número destas, maior a diversidade de formas e de
atores. Quanto mais complexa a vida social, tanto mais nos distanciamos
de um mundo natural e nos endereçamos a um mundo artificial.
(SANTOS, 2014, p. 71).

Neste sentido, a paisagem passa a depender da cultura dos indivíduos que a


percebem e a constituem, tornando-se assim, um produto cultural resultado da relação
entre meio ambiente e da atividade humana. Devido ao papel imprescindível que o
aspecto cultural vem desempenhando na influência do comportamento das pessoas, as
paisagens passaram a apresentar marcas culturais na sua configuração e a receber
identidade particulares.
Em razão disto, podemos afirmar que a problemática ambiental moderna está
diretamente conectada às questões e interações culturais, pois devem considerar as
diferentes ações dos grupos humanos na paisagem. Logo, a mutação da paisagem pelo
homem representa um dos elementos centrais de sua formação.
Por fim, é importante ressaltarmos que as categorias de paisagem e território,
possuem uma relação de proximidade, visto que a paisagem pode ser compreendida e
definida como “uma unidade visível do território. Dito de outro modo, no território tem-se
um conjunto de paisagens contidas nos limites político-administrativos, como por
exemplo: cidade, estado e país” (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 37).
No tópico a seguir, estudaremos de forma mais específica o conceito de território,
outra importante categoria analítica para a disciplina de Geografia e para os processos
de seu labor científico e epistemológico.
2 CONCEITO DE TERRITÓRIO

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/triple-frontier-triborder-area-


between-paraguay-1738754657

Prezada (o) aluna (o), vimos no tópico anterior que as conceitos de paisagem e
território possuem uma proximidade relacional e analítica, visto que a paisagem pode ser
entendida como uma categoria geográfica visível e material que se encontra no interior
do território. Neste tópico, buscamos evidenciar e especificar as características que
formam a categoria de território, qualificando-a como imprescindível para as pesquisas
em Geografia.
A produção acerca do conceito de território tem como pilar as conexões entre
fatores econômicos, políticos e sociais que influenciam o gerenciamento do espaço.
Posto isso, podemos compreender que a demarcação de um território está atrelada a
junção de poder e o exercício de controle em um determinado espaço. O território,
apresenta-se assim, como uma parte consistente do espaço geográfico, no qual são
ressaltadas as divergências de conjunturas ambientais e de existências das populações.

O território é fonte de recursos e só assim pode ser compreendido quando


enfocado em sua relação com a sociedade e suas relações de produção,
o que pode ser identificado pela indústria, pela agricultura, pela
mineração, pela circulação de mercadorias etc., ou seja, pelas diferentes
maneiras que a sociedade se utiliza para se apropriar e transformar a
natureza (SPOSITO, 2004, p. 112-113).

A complexidade de compreender a definição de território está atrelada a utilização


diversificada da mesma, pois acaba por expressar as diferenças culturais que alcançam
na produção do território e na autenticação de suas singularidades. A análise do
processo de produção dos diferentes territórios deve atribuir ênfase ao homem como
sujeito produtor do espaço, contemplando e sofrendo influência com aspectos sociais,
culturais, econômicos, políticos e os seus respectivos princípios.

No decorrer da história do pensamento geográfico, o território ganha


diferentes tipos de abordagens, desde a representação de uma parcela
do espaço, identificada pela posse e definida pela apropriação, até o
importante papel dado à dominação. Ou seja, o território é dominado por
uma comunidade ou por um Estado. A conotação política também ganha
força nos estudos de Geopolítica (território = espaço nacional),
significando área controlada por um Estado Nacional. O conceito de
território se alarga permitindo explicar muitos fenômenos geográficos
relacionados à organização da sociedade e suas interações com as
paisagens. (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 38).

Uma importante contribuição para a elaboração do conceito pelo prisma


geográfico, é apontada pelo geógrafo e filósofo Eliseu Sposito, para o autor a categoria
de território,

Refere-se ao estabelecimento de redes de informação que, com o rápido


desenvolvimento tecnológico, permitem a disseminação de informações
em frações de tempo, tornando-se significativas por romperem com a
barreira da distância-elemento fundamental para a apreensão do território
em sua escala individual. Dessa maneira, os territórios perdem fronteiras,
mudam de tamanho dependendo do domínio tecnológico de um grupo ou
de uma nação, e mudam, consequentemente, sua configuração
geográfica. (SPOSITO, 2004, p. 114).

Para analisar o território, não podemos deixar de nos ater, portanto, a sua
dinâmica social, visto que se configura como um dos alicerces geopolíticos que sustenta
a continuidade das relações humanas. Outra premissa que integra os estudos do
território é o fato de examiná-lo enquanto uma manifestação da ação política, porém,
sem hierarquizar a sua dimensão política em detrimento da sua dinâmica social.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Geografia,
documento oficial elaborado para orientar os profissionais da Educação por meio da
normatização de alguns conceitos e aspectos referentes à disciplina de Geografia no
Ensino Básico, a conceituação de território está ligada à formação econômica e social
de uma nação. “Nesse sentido, é o trabalho social que qualifica o espaço, gerando o
território. Território não é apenas a configuração política de um Estado-Nação, mas sim
o espaço construído pela formação social (BRASIL, 2000, p. 111).

Logo, o significado do conceito de território se encontra ligado à demarcação de


espaços delimitados, definidos, geralmente, a partir de fronteiras, visíveis ou não,
formadas e motivadas por interesses sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos
e geográficos, os quais podem ser transformados de acordo com dinâmicas sociais que
produzem novos interesses e relações de poder. Tais demarcações ocorrem tanto
naturalmente, promovidas pelo meio ambiente, quanto socialmente, desenvolvidas pela
ação humana devido às razões citadas acima.

Seja qual for o país e o estágio do seu desenvolvimento, há sempre nele


uma configuração territorial formada pela constelação de recursos
naturais, lagos, rios, planícies, montanhas e florestas e também de
recursos criados: estradas de ferro e de rodagem, condutos de toda
ordem, barragens, açudes, cidades, o que for. É esse conjunto de todas
as coisas arranjadas em sistema que forma a configuração territorial cuja
realidade e extensão se confundem com o próprio território de um país.
Tipos de floresta, de solo, de clima, de escoamento, são
interdependentes, como também o são as coisas que o homem superpõe
a natureza. Aliás, a interdependência se complica e completa justamente
porque ela se dá entre as coisas que chamamos de naturais e as que
chamamos de artificiais (SANTOS, 2014, p. 84).

Para concluir, corroboramos que a divisão de territórios, em especial, a partir da


consolidação do Estado como instituição que normatiza formas de controle social, torna-
se importante para a ocupação e distribuição humana, pois regula áreas administrativas
de organização política, instituindo marcadores em determinada área por um
determinado código cultural.
Diante disso, podemos concluir que o território nos possibilita compreender as
relações sociais engendradas no transcorrer dos tempos históricos, amparando uma
dinâmica do espaço que está em constante reformulação. Alguns exemplos de território:
o Estado, as fronteiras que limitam países, regiões, estados, cidades, bairros e favelas,
o narcotráfico, as zonas de guerra, etc.
3 ESPAÇO GEOGRÁFICO

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nature-sunny-527724742

Estimada (o) aluna (o), vimos do decorrer dos tópicos anteriores categorias
geográficas de grande relevância para os nossos estudos e para o processo de produção
científica da Geografia, isto é, os conceitos e definições de lugar, paisagem e território.
No presente tópico, iremos tratar, especificamente, da categoria central dessa ciência,
ou seja, o espaço geográfico, objeto de pesquisa que protagoniza as investigações em
Geografia.
De acordo com o geógrafo brasileiro Milton Santos (1996), o espaço é constituído
por “um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos
e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual
a história se dá” (p. 63). Para o autor, a natureza é o início, ela provê a matéria-prima as
quais são transformadas em objetos pela ação humana através da técnica, isto é, “a
principal forma de relação entre o homem e a natureza”, definida como “um conjunto de
meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao
mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS, 1996, p. 29).
À vista disto, para a ciência geográfica, o espaço pode ser entendido como a parte
da superfície da Terra onde ocorrem as interações entre o ser humano e o ambiente
natural, podendo ser interpretado e dinamizado a partir de ações e práticas humanas,
que por sua vez, são impulsionadas pela natureza, se dando em uma relação circular de
influências mútuas.
Milton Santos (1996) pontua que apesar de recíproca, as relação entre sociedade
e natureza são marcadas, muitas vezes, por extremas assimetrias, desigualdades e
violências, pois

No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já
que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos
homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também,
a ser objetos (SANTOS, 1996, p. 65).
Desta forma, o espaço geográfico torna-se resultado da ação humana sobre o
próprio espaço, intermediados por tais objetos, que podem ser caracterizados tanto
naturalmente quanto artificialmente. Os objetos naturais e artificiais, apresentados por
Milton Santos, são estabelecidos pela configuração espacial, expressa pelo arranjo do
território em acordo com elementos utilizados socialmente. Como aponta o autor, tais
elementos podem ser exemplificados por meio de

Plantações, canais, caminhos, portos e aeroportos, redes de


comunicação, prédios residenciais, comerciais e industriais etc. A cada
momento histórico, varia o arranjo desses objetos sobre o território. O
conjunto de objetos criados forma o meio técnico, sobre o qual se baseia
a produção, que evolui em função desta (SANTOS, 2014, p. 120).

Neste sentido, o estudo do conceito de espaço geográfico nos possibilita a


compreensão da nossa organização social no presente, que se deu a partir de
transformações históricas, ocorridas durantes os séculos, e que permitiram a existência
e continuidade da humanidade hoje e, quiçá, no futuro. Conforme o ser humano interfere
na natureza de determinado lugar, ele gera e promove o espaço geográfico.
A partir do entendimento que o espaço geográfico é produzido através da ação
humana, balizado pela organização social e econômica da sociedade no decorrer do
tempo histórico, podemos afirmar que

O espaço geográfico como objeto de estudo vai além da dinâmica do


espaço físico e, hoje, o grande desafio que se coloca é compreender a
inter-relação entre sociedade e natureza. Esta categoria deve ser
analisada, transformada, criada e produzida pela sociedade à medida que
o Homem se apropria da natureza, que guarda a especificidade de ser
permanentemente (re)elaborada pelo fazer humano (GIOMETTI;
PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 34).

Com isso, o espaço geográfico pode ser compreendido como um conjunto prático
de atividades que correlacionam fatores socioeconômicos, políticos, culturais, históricos
e naturais.

No conceito de espaço geográfico está implícita a ideia de articulação


entre natureza e sociedade. Na busca desta articulação, a Geografia tem
que trabalhar, de um lado, com os elementos e atributos naturais,
procurando não só descrevê-los, mas entender as interações existentes
entre eles; e de outro, verificar a maneira pela qual a sociedade está
administrando e interferindo nos sistemas naturais. Para perceber a ação
da sociedade é necessário adentrar em sua estrutura social, procurando
apreender o seu modo de produção e as relações socioeconômicas
vigentes (GIOMETTI; PITTON; ORTIGOZA, 2012, p. 34).

Logo, estudar a ciência geográfica e suas categorias, nos possibilitam criar uma
consciência específica para compreender as ações e intervenções humanas como
transformadores ativos do meio ambiente, capazes de modificar constantemente o
espaço geográfico.
Diante do explanado até o momento, a compreensão da realidade por meio da
abordagem geográfica, estruturada de acordo com as variadas categorias analíticas,
deve ser indicada como um contínuo processo de elaboração de como essa realidade é
vivenciada e percebida, tornando esse conhecimento complexo e inesgotável fonte de
conhecimento para a compreensão da realidade que estamos inseridos.
4 REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/pupils-study-classroom-


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De acordo com o que estudamos e discutimos durante toda a unidade, podemos


perceber a complexidade conceitual e analítica que envolve definir e caracterizar o
espaço geográfico, um dos principais objetos de estudo e pesquisa da Geografia. Tal
complexidade é, ainda, multiplicada ao pensarmos na apropriação do conceito de espaço
geográfico por alunos e alunas do Ensino Básico através das aulas de Geografia na
escola.
Logo, abordarmos formas de representação do espaço geográfico torna-se de
grande relevância à estudantes de licenciatura em Geografia, ou seja, à professores de
Geografia em formação, pois ao tratarmos desse conceito em sala de aula,
possibilitamos o desenvolvimento do raciocínio geográfico e da aprendizagem de nossos
alunos e alunas acerca da realidade em que se encontram inseridos/as.

É na escola que deve ocorrer a aprendizagem espacial voltada para a


compreensão das formas pelas quais a sociedade organiza seu espaço
– o que só será plenamente possível com o uso de representações
formais (ou convencionais) desse espaço (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p.
11).

Segundo as autoras Rosângela P. de Almeida e Elza Y. Passiny, ao introduzir o


conceito de espaço geográfico em suas aulas, os professores podem iniciar com análises
acerca do espaço mais próximo ao estudante, todavia, nunca de forma isolada, sempre
acompanhada de instâncias geograficamente e historicamente distantes aos mesmos,
para que o/a jovem extraia elementos espaciais e temporais das explicações e, a partir
disso, reflita a respeito dos processos de construção das categorias geográficas e suas
respectivas especificidades científicas. Logo, analogias e comparações referentes à
proximidade e distância espacial configura-se com uma forma de representação do
espaço geográfico.
Uma das representações da categoria em destaque mais utilizadas por escolas
e instituições de ensino, no geral, como também, pela mídia e afins, é a representação
do espaço geográfico por meio de mapas. O mapa cumpre a função de sistematizar
símbolos e sentidos que proporcionam a utilização de recursos externos à memória, com
um significativo poder de sintetização e representação ao materializar noções espaciais.

Ressaltamos, no entanto, que a localização, ou mesmo o mapeamento


dos aspectos observados, não encerra uma análise geográfica, ao
contrário, marca seu início. Essa análise ocorre quando o aluno se
reporta ao processo de produção do espaço e o confronta com a
configuração espacial do mapa. Ora, a compreensão do mapa por si
mesma já traz uma mudança qualitativamente superior na capacidade do
aluno pensar o espaço (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 13).

Entretanto, as autoras destacam que esse desenvolvimento cognitivo do


pensamento geográfico ocorre a partir de participações ativas no processo de ensino e
aprendizagem. Dessa forma, a construção do conhecimento em Geografia deve
funcionar como uma rua de mão dupla, pois se o/a estudante precisa participar
ativamente da construção desse conhecimento, o/a professor/a, por sua vez, necessita
socializar esse conhecimento com os alunos e alunas através de métodos e respostas
que não são dadas ou prontas, e sim, construídas de forma conjunta.
De acordo com a psicogênese, área de pesquisa citada pelas autoras, a noção
espacial passar por etapas próprias do desenvolvimento geral da criança/jovem na
construção do seu conhecimento, sendo elas: o espaço vivido, o espaço percebido e
espaço concebido.
O espaço vivido retrataria o espaço físico experienciado por meio do movimento
e do deslocamento, muitas vezes, materializado pela ação e noção corporal da pessoa.
“Daí a importância de exercícios rítmicos e psicomotores para que ela explore com o
próprio corpo as dimensões e relações espaciais” (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 26).
Já o espaço percebido não teria a necessidade de ser experienciado ou testado
fisicamente/empiricamente, pois a criança/jovem passaria a identificar espaços,
distâncias e percursos e a desenvolver esquemas mentais por meio de observações
contínuas e sistemáticas.
Por fim, o espaço concebido é caracterizado pela criação de condições cognitivas
para que sejam estabelecidas relações espaciais entre elementos somente por meio de
sua representação, ou seja, pelo desenvolvimento de habilidades como compreender e
pensar sobre a área ou região tratada em um mapa sem, antes, ter estado ou visto ela.
A partir dessas noções de espaço, podemos entender que

[...] o professor deve levar o aluno a estender os conceitos adquiridos


sobre o espaço, localizando-se e localizando elementos em espaços
cada vez mais distantes e, portanto, desconhecidos. A apreensão desses
espaços é possível, como foi visto, através de sua representação gráfica,
a qual envolve uma linguagem própria – a da cartografia –, que a criança
deve começar a conhecer. Cabe, pois, ao professor introduzir essa
linguagem e através do trabalho pedagógico, levar o aluno à penetração
cada vez mais profunda na estruturação e extensão do espaço a nível de
sua concepção e representação (ALMEIDA; PASSINY, 2009, p. 27).

A fim de desenvolvermos formas de representação do espaço geográfico,


necessitamos refletir sobre o fato de cada categoria da Geografia possuir múltiplas
acepções e, consequentemente, receber diferentes elementos que fazem com que tais
definições não sejam fixas, imutáveis ou cristalizadas, pelo contrário, são definições
flexíveis e que permite transformações e mudanças, inerentes às ciências que se
preocupam com o agir e pensar humano.
Logo, tal premissa revela que os conceitos da Geografia, como o espaço
geográfico do qual temos atribuído protagonismo neste tópico, têm diferentes
significados ao longo da história e das transformações teóricas e epistemológicas da
ciência geográfica. Em razão disso, as representações acerca do espaço geográfico, em
especial, por meio do ensino de Geografia nas escolas, também recebem diferentes
sentidos e significados historicamente estipulados e definidos.
Segundo Almeida e Passiny (2009), uma educação que promova o domínio
cognitivo e a representação do espaço de forma plena e comprometida com a ciência
geográfica, torna-se tão importante e necessária quanto a aprendizagem das habilidades
de escrita e do raciocínio matemático.

O desenvolvimento da noção de espaço e sua representação não surge


em função das tarefas dadas em sala de aula [...] o professor pode de
maneira indireta estimular o estabelecimento de todos os tipos de
relações espaciais entre os objetos em diversos momentos (ALMEIDA;
PASSINY, 2009, p. 90).

Por fim, corroboramos que é por meio de ações cotidianas e autorreflexões à


respeito do próprio espaço que se encontra inserido/a, que indivíduos poderão construir
e desenvolver uma abstração cognitiva acerca da concepção do espaço e sua
organização e, dessa forma, pensar geograficamente o espaço, como também, outras
categorias e conceitos da Geografia. Com isso, a compreensão de categorias
geográficas através de representações, pode possibilitar o aprimoramento dos
pensamentos geográficos e, consequentemente, das investigações e pesquisas em
Geografia.
SAIBA MAIS

Você sabia que durante o período da ditadura militar, que se estabeleceu no Brasil de
1964 a 1985, as disciplinas de Geografia e História foram excluídas da matriz curricular
e transformadas em uma única disciplina?
Visando eliminar o pensamento crítico da matriz curricular nacional, e formar indivíduos
controlados pela nova ordem social, as disciplinas de História e Geografia foram
transformadas em Educação Moral e Cívica. Essa ação foi um reflexo da censura
imposta aos professores da época e uma das estratégias do regime para manter o
domínio em todas as esferas da vida social, econômica, política, cultural e educacional,
contribuindo para a manutenção do regime por mais de 20 anos.

REFLITA

A partir da citação de Milton Santos, reflita acerca das práticas docentes que você segue
ou quer seguir? Elas são constantemente renovadas de acordo com o tempo histórico
ou são apenas para cumprir uma agenda formatada?

A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo,


subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso,
ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de
doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser
um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão
sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem
de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar
resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho
permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à
altura do seu tempo histórico (SANTOS, 2002, p. 42).

Fonte: SANTOS, Milton. Espaço do Cidadão. São Paulo: Edusp, 2002.

#REFLITA#
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cara(o) Aluna(o), durante o desenvolvimento da presente unidade, tivemos como


objetivo aprofundar nossos conhecimentos à respeito da leitura do espaço geográfico
através das categorias e conceitos da Geografia, como também, das representações do
mesmo ao atribuir ênfase para o ensino escolar da disciplina de Geografia à crianças e
jovens.
No tópico 1, buscamos compreender tipos de leitura do espaço geográfico ao nos
concentrarmos nas categorias de lugar e paisagem. As categorias geográficas
destacadas, precisam ser examinadas em suas correlações, imbricações e
diferenciações, inerentes às características e dinâmicas do espaço geográfico, que além
de compor a categoria principal da Geografia é construído, desconstruído e reconstruído
ao longo da história dessa ciência, como vimos no desenvolver das unidades anteriores.
Nos tópicos seguintes, o 2 e o 3, encaminhamos os estudos para uma ampliação
da discussão ao analisarmos de forma específica o conceito de território e espaço
geográfico, respectivamente.
Referente à categoria de território, buscamos evidenciar e especificar as
características que a formam e a qualificam como imprescindível para as pesquisas em
Geografia. Vimos que a produção acerca do conceito de território tem como pilar as
conexões entre fatores econômicos, políticos e sociais que influenciam o gerenciamento
do espaço. Posto isso, buscamos compreender que a demarcação de um território está
atrelada a junção de poder e o exercício de controle em um determinado espaço,
apresentando-se assim, como uma parte consistente do espaço geográfico, no qual são
ressaltadas as divergências de conjunturas ambientais e de existências das populações.
Já em relação à categoria de espaço geográfico, objeto de pesquisa que
protagoniza as investigações em Geografia, tivemos o objetivo de conceituá-la e
contextualizá-la. A partir das discussões, aprendemos que para a ciência geográfica o
espaço pode ser entendido como a parte da superfície da Terra onde ocorrem as
interações entre o ser humano e o ambiente natural, podendo ser interpretado e
dinamizado a partir de ações e práticas humanas, que por sua vez, são impulsionadas
pela natureza, se dando em uma relação circular de influências mútuas.
Por fim, no tópico 4, estabelecemos a importância de representações acerca do
espaço geográfico para a compreensão e apropriação espacial de crianças e jovens.
Logo, vimos que formas de representação do espaço geográfico torna-se de grande
relevância à estudantes de licenciatura em Geografia, ou seja, à professores de
Geografia em formação, pois ao tratarmos desse conceito em sala de aula,
possibilitamos o desenvolvimento do raciocínio geográfico e da aprendizagem de nossos
alunos e alunas acerca da realidade em que se encontram inseridos/as.
É a partir das discussões que compuseram a presente a unidade que concluímos
nosso passeio por alguns aspectos e debates acerca de categorias e conceitos
imprescindíveis para a ciência e o pensamento geográfico. Bons estudos!
LEITURA COMPLEMENTAR

Resumo do artigo indicado: O objetivo deste artigo é analisar o contexto sócio-histórico


de desenvolvimento da chamada Geografia Crítica brasileira. Tal movimento insere-se
no momento da ditadura civil-militar, um período de autoritarismo e repressão política,
social e intelectual. O questionamento que move essa reflexão, portanto, se deu no
sentido de compreender como um pensamento crítico – a Geografia Crítica - se fortalece
e prolifera em um momento de repressão. Para tanto, trataremos do processo de
modernização autoritária que o regime militar implementou, com especial interesse na
modernização do ensino superior e consequências para a Universidade de São Paulo
(USP), mais especificamente para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH). A intenção é compreender as possíveis relações entre tal contexto e a
elaboração de novos temas e problemáticas na ciência geográfica, a partir dos sujeitos
diretamente envolvidos nessa elaboração: os estudantes de graduação e pós-graduação
em Geografia à época.

VERDI, E. F. Pensar radicalmente sob a repressão: a geografia crítica brasileira no


contexto da ditadura civil-militar. GEOUSP Espaço e Tempo (Online), [S. l.], v. 22, n. 3,
p. 539-558, 2018. DOI: 10.11606/issn.2179-0892.geousp.2018.152423. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/152423. Acesso em: 18 abr. 2021.
LIVRO

• Título: Pelo Espaço – Uma nova política da espacialidade


• Autor: Doreen Massey
• Editora: Bertrand Brasil
• Sinopse: Apresentando apaixonado debate para a revitalização do modo como
imaginamos o espaço, Doreen Massey, ganhadora do mais importante prêmio mundial
da geografia, utiliza em Pelo espaço alguns pressupostos tradicionais da filosofia e
algumas formas conhecidas de caracterizar o mundo do século XXI, e, a partir daí,
mostra como limitam nossa compreensão, tanto do desafio quanto da potencialidade do
espaço. O modo como pensamos o espaço é importante. Muda nossa compreensão do
mundo, nossas atitudes para com os outros, nossas políticas. Afeta, por exemplo, a
forma como entendemos a globalização, o modo como abordamos as cidades, a maneira
como desenvolvemos e praticamos um sentido de lugar. Se o tempo é a dimensão da
mudança, então o espaço é a dimensão do social: a coexistência contemporânea de
outros. Esse é seu desafio, que tem sido, constantemente, evitado. Pelo espaço segue
essa discussão através do engajamento filosófico e teórico, e também da manifestação
de reflexões pessoais e políticas. Doreen Massey levanta questões como: qual a melhor
forma de caracterizar esses tempos ditos espaciais, de que maneira esses pressupostos
espaciais implícitos moldam nossas políticas e como poderíamos desenvolver a
responsabilidade pelo lugar para além do lugar.“O argumento fundamental deste livro é
que importa o modo como pensamos o espaço”, afirma a autora. “O espaço é uma
dimensão implícita que molda nossas cosmologias estruturantes. Ele modula nossos
entendimentos do mundo, nossas atitudes frente aos outros, nossa política. Afeta o modo
como entendemos a globalização, como abordamos as cidades e desenvolvemos e
praticamos um sentido de lugar. Se o tempo é a dimensão da mudança, então o espaço
é a dimensão do social: da coexistência contemporânea de outros. E isso é ao mesmo
tempo um prazer e um desafio.” Pelo espaço, de Doreen Massey, é leitura essencial para
todos que se interessam pelo espaço e pela virada espacial nas ciências sociais e
humanas. Sério, mas às vezes irreverente, é um manifesto que se faz necessário, que
nos obriga a reimaginar espaços para esta época e enfrentar seus desafios.
FILME/VÍDEO

• Título: Documentário: Encontro com Milton Santos - O mundo global visto do lado de

• Ano: 2006
• Sinopse: O documentário “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do
Lado de Cá” procura analisar as contradições e os paradoxos deste modelo econômico
e cultural chamado globalização. A linha geral do documentário é a entrevista com
geógrafo baiano Milton Santos que se debruça sobre questões como: globalização,
sociedade de consumo, território, as desigualdades da globalização e crises que esta
promove, as barreiras físicas e simbólicas impostas pelo capitalismo como efeito da
globalização e o papel da grande mídia como intermediária desta relação.
Ao longo do documentário são apresentados diversos episódios em que a os efeitos da
globalização são evidenciados com maior clareza como, por exemplo, a tentativa de
privatização da água potável em Cochabamba, Bolívia, em 2000, que gerou uma forte
onda de protestos. Trata-se de um ótimo documentário para se refletir não só sobre
questões relativas à globalização, mas, também, para refletir sobre conceitos como
capitalismo, território, sociedade de consumo, etc.
• Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=ifZ7PNTazgY.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Rosângela P. de; PASSINY, Elza Y. Espaço Geográfico: ensino e


representação. São Paulo: Contexto, 2009. Disponível em: plataforma.bvirtual.com.br.
Acesso em: 12/04/2021.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: Caracterização da Área de
Geografia. Brasília: MEC/SEF, 2000.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do Mundo. São Paulo: HUCITEC, 1996.

GIOMETTI, Analúcia Bueno dos Reis; PITTON, Sandra Elisa Contri; ORTIGOZA, Silvia
Aparecida Guarnieri. Leitura do espaço geográfico através das categorias: lugar,
paisagem e território. Conteúdos e didática de Geografia, vol. 9, Unesp, Bauru-SP,
2012. Disponível em:
https://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/47175?locale=pt_BR. Acesso em:
12/04/2021.

RELPH, Zech C. As bases fenomenológicas da geografia. Geografia, n. 4, v. 7, p. 1-


25, 1979.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço – Técnica e tempo. Razão e emoção. São


Paulo: Hucitec, 1996.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: Fundamentos teóricos e


Metodológicos da geografia. 6. ed. São Paulo: Ed. Edusp, 2014.

SPOSITO, Eliseu S. Geografia e Filosofia: contribuição para o ensino do pensamento


geográfico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
CONCLUSÃO GERAL

Prezada(o) Aluna(o),

No presente material, destinado aos estudos da disciplina “Categorias e


Conceitos da Geografia”, tivemos por objetivo apresentar os princípios históricos e
epistemológicos da Geografia como ciência, algumas das tendências atuais da
Geografia mundial e Brasileira, diferentes escolas e vertentes teórica-metodológicas
dos estudos geográficos e conceitos e categorias analíticas fundamentais para as
investigações em Geografia.
Na Unidade 1 “Conceitos da Geografia”, composta por quatro tópicos, versamos
acerca da disciplina de Geografia ao longo da História, do desenvolvimento das
correntes do pensamento geográfico, das tendências da Geografia mundial e brasileira
e dos conceitos fundamentais na compreensão do espaço geográfico.
Já na Unidade 2 “Natureza e Relação Humana”, composta por outros quatro
tópicos, tratamos de questões sobre a ação humana na natureza e as relações
estabelecidas entre as mesmas, sobre o impacto da sociedade sobre a natureza e vice
e versa, e sobre algumas técnicas sustentáveis.
Ainda, na Unidade 3 “Geografia como ciência”, também composta por quatro
tópicos, abordamos as divisões da Geografia entre Geografia Humana e Geografia
Física, as relações entre Geografia e interdisciplinaridade, os princípios da Geografia
Crítica enquanto uma corrente teórica presente nos estudos geográficos e os diversos
ramos da Geografia, como a Geomorfologia, Climatologia, Geografia Social e
Geopolítica, entre outros.
Por fim, na Unidade 4 “Categorias Geográficas”, integrada por quatro tópicos,
estudamos à respeito da leitura do espaço geográfico por meio das categorias
geográficas de lugar e paisagem, do conceito de território e espaço geográfico de
forma mais específica e aprofundada e, por último, da representação do espaço
geográfico, em especial, através do ensino de Geografia nas escolas.
Daqui em diante, almejamos que este material e todas as discussões aqui
disparadas, possa contribuir com sua aprendizagem, com a expansão do seu
pensamento crítico e com o aprimoramento de suas habilidades cognitivas e
investigativas em Geografia. Acreditamos que você possa estar melhor preparado para
seguir em frente em seus estudos ao desenvolver ainda mais seus conhecimentos
sobre a ciência geográfica, essencial para refletirmos sobre a vida do planeta Terra,
diretamente conectada, à nossa própria.

Até uma próxima oportunidade. Obrigada e se puder, fique em casa!

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