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4561.

Treze ideias fora do lugar nas relações internacionais do


Brasil: argumentos contrarianistas sobre a política externa e
a diplomacia. Brasília: Diplomatizzando, 2024. 91 p.; ISBN: 978-65-
00-91081-0; ASIN: B0CS5PTJRL; Kindle). Apresentação no
blog Diplomatizzando (13/01/2024;
link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/01/treze-ideias-fora-
do-lugar-nas-relacoes.html). Relação de Publicados n. 1542.

4546. “Desigualdade e injustiças mundiais: progresso e poder”,


Brasília, 9 janeiro 2024, 5 p. Texto preparado para servir de primeiro
capítulo ao livro “Treze Ideias fora do lugar”. Disponível neste link da
plataforma Academia.edu:
https://www.academia.edu/115985853/Livro_Treze_ideias_fora
_do_lugar_nas_rela%C3%A7%C3%B5es_internacionais_do_
Brasil_argumentos_contrarianistas_sobre_a_pol%C3%ADtic
a_externa_e_a_diplomacia_Paulo_Roberto_de_Almeida_Ki
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Treze ideias fora do lugar nas relações internacionais do Brasil:


argumentos contrarianistas sobre a política externa e a
diplomacia
Brasília: Diplomatizzando, 2024. 126 p.; ISBN: 978-65-00-91081-0;
ASIN: B0CS5PTJRL; Kindle). Relação de Originais n. 4561; Relação de
Publicados n. 1542.

Índice

Prefácio: Como ser contrarianista com algum senso de


humor

1. Desigualdade e injustiças mundiais: progresso e


poder
O mundo é injusto e desigual, está baseado nas relações de força e na
prepotência dos poderosos.
Correto, mas menos do que antes e menos do que se pensa.
2. Periferia histórica e dependência estrutural: mitos
diplomáticos
O Brasil está situado na periferia, por razões históricas e estruturais e,
portanto, forçado a uma situação de dependência em relação às
poderosas nações centrais.
Certo relativamente, mas errado absolutamente; válido num passado
distante, não muito válido depois de 200 anos de independência e cem
anos de ideologia do desenvolvimento.

3. Empresas multinacionais e dependência tecnológica


A dominação econômica de empresas multinacionais atua como
obstáculo para nossa independência tecnológica e se reflete em
relações desiguais na balança tecnológica.
Totalmente errado. Os efeitos são exatamente no sentido contrário,
mas o trabalho principal tem de ser feito em casa.

4. Protecionismo dos ricos: responder na mesma


moeda?
O Brasil não consegue exportar devido ao protecionismo dos países
ricos que protegem seus setores estratégicos ou sensíveis. O Brasil
deveria fazer o mesmo.
Muito relativo: o protecionismo talvez tenha uma incidência marginal
nos fluxos globais e não seria ele um obstáculo absoluto ao dinamismo
das exportações brasileiras, que dependem de outros fatores
vinculados à produtividade geral e competitividade da economia
nacional. Imitar práticas protecionistas não é necessariamente receita
para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

5. Multilateralismo e política de blocos


O multilateralismo e os blocos regionais representam nossa melhor
defesa no plano mundial, por isso precisamos atuar mediante grupos
de países.
Correto no plano multilateral, mas eventualmente duvidoso no plano
regional; em todo caso, vantagens relativas. A coordenação a partir de
posições de “mínimo denominador comum” podem ser fatores
enfraquecedores, não reforçadores, de nossas posições.

6. Alianças preferenciais no Sul Global


Devemos reforçar os laços com grandes países (China,
Rússia), com outros países em desenvolvimento (Índia, África
do Sul) e, com os da América do Sul, com os quais dispomos
de vantagens comparativas.
Talvez, mas vejamos os custos e benefícios desse tipo de
política de aliança com o chamado Sul Global.

7. Abertura econômica só com plena reciprocidade


Só podemos abrir nossa economia e liberalizar o comércio
na base da estrita barganha recíproca e com o oferecimento
de concessões equivalentes e substantivas.
Trata-se de um dos maiores absurdos econômicos já
ouvidos, só justificável politicamente pelo dito “não se dá
nada de graça, sem algo em troca”.

8. Capitais voláteis e desafios nas contas externas


Os capitais voláteis são responsáveis pela desestabilização de nossas
contas externas e devem ser estritamente controlados.
Pura bobagem, que não resiste à menor análise empírica. A volatilidade
está implícita nas políticas econômicas dos países emergentes e medidas
de controle teriam como resultado fuga de capitais e ágio cambial.

9. Tratados internacionais devem ser sempre


recíprocos
Os tratados devem ser sempre recíprocos e respeitadores de nossa
soberania e autonomia nacional.
Retórica vazia: soberania se defende com desenvolvimento, não com
boas intenções e tratados bonitos.

10. Globalização desigual e suas ameaças


A globalização acentua as desigualdades dentro e entre as
nações. Por isso o Brasil deve evitar uma abertura
excessiva à economia mundial.
Errado. O contrário é verdadeiro, mas a inserção
internacional não exime a capacitação endógena.

11. Assimetrias estruturais devem ser corrigidas


prioritariamente
Processos de liberalização entre parceiros muito desiguais beneficiam
principalmente os mais poderosos, por isso devemos primeiro corrigir
assimetrias estruturais.
Não necessariamente, uma vez que todos os processos de
interdependência – a fortiori de integração – sempre se dão entre
parceiros relativa ou absolutamente desiguais e os mais exitosos são
justamente aqueles que mobilizam países em estágios diversos de
desenvolvimento.

12. Uma diplomacia voltada prioritariamente para o


desenvolvimento
A ação diplomática brasileira deve servir ao processo
de desenvolvimento nacional.
Sem dúvida, mas não se deve fazê-la cumprir objetivos que
não são os seus.

13. Uma diplomacia reconhecida como de alta qualidade


Nossa diplomacia é altamente capacitada e profissional,
reconhecida pelos seus dotes de excelência.
Talvez, ou certamente, mas atitudes autocongratulatórias
raramente são benéficas do ponto de vista da manutenção
da qualidade do serviço.

Nota sobre o autor


Livros do autor

Disponível na Amazon.com.br, neste link.

Primeiro capítulo:
1. Desigualdade e injustiças mundiais: progresso
e poder
O mundo é injusto e desigual, está baseado nas relações de força e na
prepotência dos poderosos. Correto, mas menos do que antes e menos do
que se pensa.

O mundo sempre foi desigual e os países menos poderosos têm de fazer


um esforço singular para garantir que seus interesses sejam pelo menos
ouvidos, como já clamava Rui Barbosa na segunda conferência da Haia, em
1907. O mundo continua desigual, mas com o surgimento da ONU e a
expansão do direito internacional em áreas cada vez mais amplas dos
sistemas normativo e regulatório – anteriormente deixadas à competência
exclusiva dos Estados nacionais – ele tende a se tornar administrado mais
pela força do direito do que pelo direito da força, pelo menos tentativamente.

O mundo deve continuar sendo desigual, até onde o horizonte histórico


nos permite visualizar, mas a imposição da força bruta tende a ser relegada a
casos extremos (e marginais) de litígios entre países ou dentro dos países
(guerras civis). Mesmo o moderno sucedâneo dos poderosos impérios de
outrora não pode atuar com base apenas na sua vontade unilateral e tem de
fazer legitimar determinadas ações pelo corpo político por excelência (por
certo imperfeito) da comunidade das nações, representado pela ONU (e seu
Conselho de Segurança). Nem sempre isso é possível, daí o recurso a ações
unilaterais, aparentemente reservadas a Estados mais poderosos (mas nem
sempre: ditadores de países menos poderosos podem se aventurar contra
vizinhos mais frágeis).

Nesse sentido, o mundo contemporâneo é menos injusto do que aquele


conhecido até meados do século XX, mas ele continuará sendo desigual,
estruturalmente falando, na medida em que o desempenho relativo dos
países continua apresentando diferenciais enormes, tanto no plano das
capacitações materiais, e militares, quanto no que respeita educação, direitos
humanos, democracia, avanços tecnológicos, oportunidades de progresso
social, etc. O mundo era por certo menos desigual quando a maioria das
nações tinha sistemas econômicos baseados na agricultura de subsistência ou
em processos manufatureiros simples. A divergência aumentou a partir da
primeira e da segunda revoluções industriais – caldeiras a vapor, primeiro,
química, eletricidade e motor a explosão, depois – e tornou-se propriamente
abismal com o aprofundamento da terceira, baseada nos sistemas de
informação, na eletrônica e nos equipamentos computadorizados. Ela
continua se manifestando na quarta, talvez quinta, revolução industrial,
fundada basicamente na economia do conhecimento.

A distância atual não tem a ver, entretanto, com os velhos mecanismos


imperiais ou coloniais do passado, uma vez que o desempenho nestas novas
áreas não se baseia na extração de recursos primários, mas sim no acúmulo
de conhecimento, algo que pode estar ao alcance de qualquer sociedade que
se disponha a fazer da educação a alavanca principal de sua organização
econômica e social. A “acumulação primitiva” requerida por esse tipo de
prioridade social não pode ser obstada por nenhuma desigualdade estrutural
baseada no poder da força bruta; ao contrário, os menos poderosos podem
aprender muito com as potências mais avançadas e a maior parte do
conhecimento humano encontra-se hoje livremente disponível nos sistemas
de informação abertos. Tanto é assim que pequenos países, anteriormente
colônias (como Cingapura), ou antigos reinos, até escravizados por vizinhos
mais poderosos (como a Coreia, submetida pelo Japão durante toda a
primeira metade do século XX), conseguiram se alçar no ranking da
prosperidade material e da competitividade tecnológica.

O diferencial básico entre sociedades avançadas, normalmente mais


poderosas, e as menos desenvolvidas situa-se, não tanto na dominação de
umas sobre as outras, mas nos níveis de produtividade do capital humano,
ou seja, o progresso trazido pelo potencial inovador e produtivo de
determinadas populações. Esse é o fator básico do poder, não a exploração
direta, que está na base de certas concepções do desenvolvimento humano e
social. Todas as sociedades históricas são, ou foram, sociedades organizadas
com base em relações de dominação política e de exploração do trabalho
produtivo. Não há exemplo, na antropologia ou na história comparadas, de
sociedades históricas que não tenham sido, ao mesmo tempo, sociedades
desiguais: nessas sociedades uma determinada categoria de pessoas detêm a
capacidade de comandar outras pessoas e delas extrair recursos excedentes
em termos de produção econômica. O mesmo se passa, mutatis mutandi, no
sistema internacional.

Nas sociedades modernas e contemporâneas, o progresso assumiu


principalmente a forma do desenvolvimento econômico, cuja característica
essencial é a capacidade da sociedade de produzir inovações tecnológicas.
Nas civilizações materiais organizadas com base na propriedade privada e no
livre comércio (mercado), o desenvolvimento contínuo das forças produtivas
deu origem a um verdadeiro modo de produção inventivo, transformando o
progresso em rationale da vida econômica e social.

Embora o progresso nem sempre seja qualitativamente aferível, ele


pode ser quantitativamente mensurável, o que significa uma maior
disponibilidade de bens e serviços anteriormente raros ou escassos; ele se
traduz, igualmente, numa maior capacidade em exercer um controle
ampliado sobre o meio ambiente societal. O modo de produção é tanto mais
inventivo quanto ele conseguir transformar um maior número de bens raros
em produtos e serviços de consumo corrente: sua funcionalidade social, em
termos históricos, está precisamente nessa capacidade em atribuir um valor
de troca a uma gama relativamente ampla de necessidades humanas.
Ao disseminar mercadorias e transformar ecossistemas, o progresso
econômico cria desigualdades econômicas e sociais suplementares àquelas
ordinariamente existentes, mas que são em grande parte o resultado de uma
maior divisão social do trabalho e de uma crescente especialização de funções
produtivas. O progresso de algumas sociedades particularmente inovadoras
cria, igualmente, desequilíbrios sociais e regionais, que se traduzem não
apenas em termos de obsolescência de meios de produção e de subutilização
de recursos humanos, mas também de marginalização de regiões inteiras e
sua subordinação econômica a centros mais desenvolvidos.
Nesse sentido, as relações desiguais de apropriação de bens raros não
ocorrem apenas num âmbito puramente interclassista ou intra societal, mas
prevalecem igualmente num nível inter societal, confrontando formações
nacionais desigualmente dotadas em recursos e diversamente inseridas num
mesmo sistema global. A exploração e a dominação não têm, assim, um
caráter nacional exclusivo, mas a aplicação desses dois princípios a nível
transnacional confunde-se, em muitos casos, com as relações desiguais que
prevalecem internamente entre classes sociais.
A racionalização conceitual do progresso histórico e social, ao coincidir
no tempo com a formação e o desenvolvimento dos Estados-nacionais
(séculos XVI-XVIII), impôs, a estes últimos, encargos e responsabilidades
muito precisas em relação ao desenvolvimento concreto de suas sociedades
respectivas. O estado do progresso passou a exigir, cada vez mais, o progresso
do Estado, tendência apenas minimizada nas formações sociais que
atravessaram um processo relativamente completo de Nation making antes
de ingressarem numa fase de State building.
Na época do Iluminismo, foram criadas legitimações doutrinárias e
filosóficas para a ideia do progresso. Essas formulações ideológicas
consubstanciaram-se, em primeiro lugar, no pensamento liberal clássico, de
que são exemplos os conceitos de “mão invisível”, de “vantagens
comparativas” ou de “laissez-faire” no plano econômico. A força doutrinária
do pensamento liberal contaminou também as elites dominantes de países
eles mesmos submetidos a alguma forma de exploração e de dominação, a tal
ponto que a expropriação direta de recursos (espoliação colonial) ou a
apropriação indireta de trabalho materializado (intercâmbio desigual)
puderam ser justificadas pela sua funcionalidade em relação ao princípio do
progresso material das sociedades envolvidas. Mesmo um igualitarista
radical como Marx viu na instituição colonial um grande fator de progresso
histórico de sociedades mais atrasadas.
O debate contemporâneo sobre as origens do atraso de sociedades
outrora colonizadas tendeu a ver na exploração e na dominação dessas
sociedades uma das molas propulsoras do Progresso nas formações
dominantes. Em que pese a contribuição adicional desses fatores, ao lado da
exportação de excedentes demográficos, para o avanço material das
sociedades mais poderosas, as alavancas mais significativas no processo de
desenvolvimento econômico e social dessas sociedades foram, e são, de
ordem propriamente interna. Essas alavancas, que constituem condições
prévias ao desenvolvimento sustentado, derivam de um conjunto de relações
sociais condizentes com o modo inventivo de produção e situam-se, por
assim dizer, na própria raiz da organização social da produção nessas
sociedades. Inovação tecnológica e poder econômico constituem requisitos
necessários ao – e não efeitos do – exercício da vontade imperial. A
espoliação colonial e a dominação mundial não podem ser implementadas
sem a capacitação intrínseca do pretendente, o que significa a existência de
uma estrutura social e de recursos materiais e humanos compatíveis com
a voluntas dominadora.
A única forma de subtrair-se à exploração e à dominação de outrem,
tanto no plano nacional como no das relações inter societais, parece assim
situar-se na capacitação tecnológica e humana, o que vale dizer, dotar-se de
seu próprio modo inventivo de produção, base material e fonte primária de
poder econômico e político. A soberania, seja a individual ou a coletiva,
deriva da faculdade de organizar a exploração e a dominação em bases
propriamente autônomas, ou seja, criar o seu próprio fulcro de poder social.
Em outros termos, a internalização dos efeitos sociais e econômicos da
exploração e da dominação só pode ser obtida por meio da conversão de uma
formação social em centro de seu próprio sistema nacional, dotando esta
última de sua respectiva periferia.
A experiência histórica indica que o progresso, em suas diversas formas
materiais, emana sempre dos diversos centros de poder econômico, e a eles
retorna indefectivelmente após ter cumprido sua missão histórica de
amealhar recursos adicionais para a sociedade originalmente dominante.
Não parece haver, pelo menos no horizonte histórico do sistema interestatal
contemporâneo, alternativas válidas de afirmação nacional: as sociedades ou
nações que não conseguirem transformar a exploração e a dominação em
alavancas autônomas do seu próprio progresso econômico estão condenadas
(num sentido propriamente hegeliano) a se tornarem meros objetos da
História e não em seus atores.
O discurso realista, em relação ao qual estas notas constituem mero
exercício argumentativo, encontra sérias objeções morais a nível
da praxis política – num contexto interno ou externo – razão pela qual ele
deve ser freado por princípios éticos suscetíveis de serem defendidos por
lideranças político-partidárias e estadistas responsáveis. Não se deve
esquecer, porém, de que ele constitui o fundamento último e a razão secreta
da atuação da maior parte dos Estados e elites dominantes em todas as
épocas históricas.

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