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COLlN ROWE E FRED KOETTER • CIDADE-COLAGEM

Uma das teorias urbanas norte-americanas de maior influência no período pós-mo-


derno é a que Colin Rowe e Fred Koetter desenvolveram no livro Col/age City
[Cidade-colagem], escrito em 1973 e publicado em 1978. O excerto incluído neste
capítulo foi publicado na revista mensal britânica Architectural Review, em 1975,
e contém as seguintes seções: "Depois do milênio", "As crises do objeto: o irn-
passe da textura", "Cidade-colisão e a política da bricolagem" e "Cidade-colagem
e a reconquista do tempo". Os problemas do urbanismo moderno tratados na pro-
posta dos autores foram posteriormente resumidos por Rowe em termos pseudo-psica-
nalíticosnas expressões "fixação no objeto, culto do Zeitgeist, inveja da física (ou pseudo-
ciência)e stradaphobia".'
O "diagnóstico" de Rowe e Koetter baseou-se numa pesquisa que um grupo de alunos
e professores da Universidade de Cornell realizou em Roma, cidade muito admirada como
modelo do urbanismo tradicional. A adoção do dualismo figura/fundo como instrumento de
análisedo urbano despertou um novo interesse pela planta de Roma feita em 1748 por Nolli.
Os desenhos de Nolli ressaltam o papel dos espaços público e privado na determinação do
caráter da cidade. A principal descoberta do grupo de pesquisadores de Cornell foi que a
arquitetura moderna havia invertido a proporção entre espaço" livre" e espaço construído,
produzindo resultados desastrosos no nível da rua. Privilegiando a construção de objetos,
o modernismo criou áreas sem vida no espaço urbano, as quais dividiram vizinhanças, iso-
laram pessoas e isolaram as edificações de seu entorno. Apesar de convenientes para os
automóveis, faltava a essas áreas desabitadas as características de fechamento e de escala
humanatão típicas dos espaços públicos da Europa pré-moderna (cap. 9).
A crítica de Rowe e Koetter prossegue com uma revisão dos modelos de utopia ur-
banavigentes por volta de 1965, que variavam do "nostálgico" ao "profético". Esses di-
ferentes modelos são importantes quando considerados em relação uns aos outros, mas
vistos separadamente são rejeitados por serem demasiadamente radicais. Em lugar deles,
Rowe e Koetter propõem a noção da colagem como uma técnica e um "estado de espírito"
tingido de uma certa ironia. Os autores propõem esse método fragmentário como solução
parao problema do "novo", sem sacrificar a possibilidade de um pluralismo democrático:
a cidade-colagem [... J poderia ser um meio de admitir a emancipação e de permitir a todos
Osparticipantes de uma situação pluralista sua expressão legítima" 2

Politicamente, a teoria de Rowe e Koetter é influenciada pelos escritos pró-democráti-


cos do fi ló f ' , . .
so o austnaco do seculo XX Karl Popper, que defendem a necessidade de evitar
mOdeloscoercitivos e totalizantes. Essa concepção antitotalitária liga os autores a pensa-
dores pó d ..
s-mo ernos como Jurgen Habermas, Jacques Derrida e Jean-François Lyotard.
O pensamento de Rowe e Koetter de que construir inevitavelmente envolve juízos de
valore revela" o conteúdo ético da boa sociedade" é reiterado por Philip Bess e Karsten Har-
les ícap 8). Se "Cidade-colagem" e o livro de Venturi Complexidade e contradição (cap.1)

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contêm argumentos inclusivos (ordem/desordem, "acomodação e coexistência", "tant resentação da paisagem urbana, a praça do Harlem é uma tentativa consciente
como" etc.), é preciso distinguir o enfoque pluralista de Rowe e Koetter da abordage cep lacar e conso Iar. A pnmelra
. .. Imagem e,. ostensivamente prospec tirva, a segun d a
de Venturi. A forma e a intenção das oposições (resumidas na expressão "acornodaÇã de ap I ,. I . d d
'ntencionalmente nostálgica, e se ambas são totalmente a eatonas, a a eatone a e
e coexistência") são similares nas duas obras. Rowe, Koetter e Venturi foram igualrne é 1 uma pretende sugerir toda a vitalidade de um futuro imaginário sem preconceitos,
nte
influenciados pela concepção de ambivalência da teoria da Gestalt, que permite urna rnulti- de nto a aleatoriedade da outra pretende aludir a todas as diferenciações ocasio-
enqua . . .
plicidade de leituras. is ue poderiam ter sido provocadas pelos acidentes do tempo. A segunda Imagem
Mas as diferenças afloram com mais nitidez no livro posterior de Venturi, Aprendendo na q um mercado inglês (que também po d er.la
sugere . ser na E scan dinávia)
m~vI~ que, apesar
com Las Vegas, escrito em parceria com Denise Scott Brown e Steven Izenour (ver um de atual (a atualidade correspondendo a 1950, mais ou menos), tambem e o produto de
fragmento neste capítulo). A posição populista destes últirr;os evita deliberadamente as todas as acumulações e vicissitudes da história.
implicações políticas de sua pesquisa, na medida em que recusa todo juízo de valor sobre Com isso, não estam os fazendo uma apreciação da qualidade de cada uma dessas
o corredor comercial de Las Vegas. Já Rowe e Koetter, mais comprometidos com as imagens, nem propondo qual delas é mais necessária, mas introduzindo uma compa-
questões éticas, vêem com entusiasmo a hipótese de uma sociedade pluralista e de um caçãode certo modo análoga. As duas partes são, em um dos casos, italianas; no outro,
urbanismo que admite a mudança. americanas: o Admirável Mundo Novo (os temas importunos da emancipação e do amor
encenados num deserto, com uma fantástica montanha ao fundo) e o Admirável Mundo
Velho (uma cena forjada que insiste em que as coisas hoje são muito mais parecidas do
1. Colin Rowe, "The Present Urban Predicament'; Cornel! Journal of Architecture 1, 1981, p. 17.
que jamais o foram). Uma é um produto do Superstudio, recentemente exibido pelo
2. Ibid., pp. 17-18.
Museu de Arte Moderna, e a outra é uma maquete para a Main Street da Disneylândia.
E o argumento pode ser muito simples. O Superstudio reconhece publicamente
que idealiza todas as formas físicas artificiais, objetos, edifícios, como coercitivos e
COLlN ROWE E FRED KOETTER tirânicos, destinados a restringir uma provável liberdade marcusiana de escolha. Ob-
jetos, edifícios, formas físicas são e devem ser considerados dispensáveis, e a vida ideal

Cidade-colagem deve ser irrestrita e nômade - tudo o que precisamos


cartesianas (representantes de uma estrutura
é de um grupo de coordenadas
eletrônica universal); depois, estando
conectados a essa rede de liberdade (ou viajando aleatoriamente através dela); a con-
seqüência natural será, ipso facto, uma existência feliz e harmoniosa.
DEPOIS DO MILÊNIO Pois bem, se isso traduz razoavelmente a poesia da imagem do Superstudio, não a
distorce seriamente. Liberdade significa liberdade em relação às coisas - liberdade re-
A cidade da arquitetura moderna, que já se tornou uma realidade quase irresistível lativamente a toda a desordem de Veneza, Florença, Roma; liberdade para explorar um
começou a atrair muitas críticas e suscitou dois estilos bem diferentes de reação, ne- eterno Arizona imaginário, estender-se na esperança de tirar sustento do cacto ocasio-
nhum deles recente. Em suas origens, pode ser que essa cidade tenha sido uma re&': nal- e a idéia de tal absoluta simplicidade só pode ser sedutora. Todos aqueles edifícios
posta simbólica às rupturas sociais e psicológicas provocadas pela Primeira Gue . engraçados de Le Corbusier desapareceram, todas aquelas extravagâncias tecnológicas
Mundial e pela Revolução Russa; e um estilo de reação foi o de declarar a insuficiên~ do grupo Archigram foram declaradas obsoletas. Em compensação, aqui estamos nós
do gesto inicial. A arquitetura moderna não foi longe o bastante. Talvez a ruptura seja cOmorealmente somos, nus, verdadeiros, sem culpas e sem ofensas - tirante, é claro, a
um valor em si; talvez devêssemos ter mais rupturas; quem sabe abraçando espe certeza de que, ali pertinho, existe um excelente restaurante e um Lamborghini pronto
çosamente a tecnologia. Hoje, devemos nos preparar para uma espécie de surfe c~ para nos levar até lá.
putadorizado sobre e por entre as marés do tempo hegeliano em direção a um pOSS1V Dados os pressupostos da imagem italiana, podemos aceitar sua lógica; mas, como
porto supremo de emancipação. um cabedal básico da ficção científica, a imagem ainda autoriza a consideração da Dis-
Esta poderia ser uma inferência aproximada da imagem do Archigram; mas q neylândia como um reductio ad absurdum da paisagem urbana. Pois este não é um Ari-
remos compará-Ia com uma imagem cuja inferência é justo o oposto. Como U Zonade fantasia, trágico apesar de tudo, mas uma Main Street de comédia musical.

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Apare~temente, a privação pode assumir diversas formas, e seja lá o que signifi uficiente convicção para oferecer mais que respostas parciais. Sendo esta a situação de
qu~ uma lIb.erdade abstrata (Não me confinem ou Por favor, me confinem só um pou s d os modelos eminentes, é necessário inventar uma estratégia capaz de acomodar -
w~ .
qumho), a liberdade em Florença talvez não seja a mesma coisa que a liberdade e -se que sem calamidades - o ideal e que seja capaz de responder, plausivelmente e
espera .
Dubuque. Mas isso é mera intuição de que, assim como há um senso de abundânc~ desprezo, ao que se poderia imaginar como a realidade,
na Itália, há um senso de privação em Iowa, pois nos lugares em que há muito tem a sem [ d ' . ]1
Francis Yates, num livro recente, The Art of Memory A arte a memona, men-
prepondera a realidade de uma rede perfeitamente cartesiana de cidades, de estra:~ . as catedrais góticas como artifícios mnemônicos. Bíblias e enciclopédias, para
cJOnou ...
rurais ou de campos, e onde essa rede contém um mínimo de interpolações, rede e i1etrados e para letrados, esses edifícios destinavam-se a slstema:lzar pensamentos, aJ,u-
interpolações assumem conseqüências diversas do que poderiam realizar em outros dando a lembrá-Ios, e, na medida em que operavam como auxiliares de aula de escolas-
lugares. A rede deixa de ser um ideal desejável, as interpolações deixam de ser uma •
tIca, cOI· possível tratá-los como teatros de memória. Essa denominação
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é útil porque, se
realidade desagradável - a primeira se torna um fardo um tanto cansativo da vida, as hoie em dia somente conseguimos pensar nos edifícios como necessariamente proféti-
interpolações uma complicação já esperada. Se esse argumento for admissível, pode- cos,J esse modo alternativo de pensar talvez sirva para corrigir nossa ingenuidade inde-
ríamos, talvez, chegar a duas conclusões: vidamente preconceituosa. O edifício como teatro de profecia, o edifício como teatro de
1. que o sucesso da Walt Disney Enterprises reside em proporcionar interpolações memória - se somos capazes de imaginá-lo como uma coisa também o somos como a
significativas e especiais em uma rede abrangente e igualitária; e outra. E, embora reconhecendo que, sem o apoio da teoria acadêmica, são estes os dois
2. que o mundo de utopia proposto por uma organização como o Superstudio so- modos pelos quais habitualmente interpretamos os edifícios, a distinção entre teatro de
mente pode funcionar como uma espécie de sinal aberto para futuros empresá- profecia e teatro de memória poderia ser transportada para a esfera do urbanismo.
rios do estilo Disney. Essas observações bastam para evidenciar que os defensores da cidade como tea-
Em outras palavras, a rede fundamental da liberdade - que se assemelha à rede tro de profecia provavelmente serão considerados radicais, enquanto os expoentes
fundamental de Nebrasca ou do Kansas -, quer seja proposta como uma idéia ou por da cidade como teatro de memória serão quase sempre vistos como conservadores.
conveniência, produzirá uma reação mais ou menos previsível, e a proposital elimi- Mas, se alguma verdade existe nessas suposições, também deve ser possível afirmar
nação do detalhe local, de ordem espacial ou psicológica, provavelmente será contra- que esses conceitos, em bloco, não têm realmente muita utilidade. Provavelmente, em
balançada por sua simulação. Isso nos sugere que imagens do gênero daquelas duas qualquer época, a maior parte da humanidade é, ao mesmo tempo, conservadora e
se ligam em seqüência (como uma Universidade Livre de Berlim e um Port Grimaud) radical, preocupa-se com o familiar e se perturba com o inesperado, e, se nós vivemos
numa cadeia de causa e efeito. no passado tanto quanto confiamos no futuro (o presente não passando de um epi-
Contudo, isso não elimina uma questão importante, a questão importante da ex- sódio no tempo), parece razoável aceitar essa condição. De fato, se não há esperança
clusividade das duas imagens, a presunção de profecia de uma, a suposta nostalgia sem profecia, sem memória não pode haver comunicação.
de outra. Tal como as duas imagens inglesas anteriormente observadas, uma é quase Por óbvio, trivial e lacônico que isso pareça, feliz ou infelizmente, foi um aspecto do
toda antecipação; a outra, quase toda recordação; e, a essa altura, não resta dúvida so- espírito humano negligenciado pelos primeiros proponentes da arquitetura moderna -
bre a relevância de aludir ao enorme absurdo dessa divisão, que parece ser muito mais felizmente para eles, infelizmente para nós. Mas, se sem essa distinção psicológica su-
uma questão de postura heróica do que qualquer outra coisa. perficial "o novo modo de construir" jamais teria surgido, não há mais justificativa
Trata-se, certamente, de um tipo de cisão, tanto mais flagrante quanto, de cada lado. para não reconhecer a relação complementar, que é fundamental para os processos de
há uma hipótese psicológica inteiramente falsa - um tipo de cisão que não ajuda em nada. antecipação e retrospecção. Não podemos realizar atividades interdependentes sem o
Dado que a fantasia da cidade universal de emancipação levou a uma situação abominá- exercício de ambas, e nenhuma tentativa de suprimir uma no interesse da outra poderá
vel, permanece o problema do que fazer. Os modelos utópicos reducionistas certamente dar certo durante muito tempo. Podemos receber a energia da novidade da profecia,
submergirão no relativismo cultural em que, para o bem ou para o mal, estamos mer- mas o nível dessa energia deve ser estritamente referido ao contexto conhecido, quiçá
gulhados, e somente seria razoável abordar esses modelos com muita circunspecção- as banal e necessariamente carregado de memória do qual emerge.
fragilidades inerentes a qualquer status quo institucionalizado (mais de Levittown. mais A dicotomia memória-profecia, tão importante para a arquitetura moderna, pode
de Wimbledom, ainda mais de Urbino e Chipping Campden) também parecem indicar ser considerada, por isso mesmo, totalmente ilusória, útil até certo ponto, mas acade-
que nem o mero "dêem-lhes o que querem" nem a paisagem urbana não modificada têm micamente absurda se bem esmiuçada. E, se isso for admissível e parecer plausível que

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/

a cidade ideal que temos na cabeça se amolde à nossa constituição psicológica, p criar uma determinada ordem ou algo parecido com uma estrutura social, mas tam-
se pensar que a cidade ideal, agora possível de ser postulada, deve comportar-se a bém a de nos dar alguma coisa com que possamos trabalhar; algo que possamos criti-
só tempo como teatro de profecia e teatro de memória. car e modificar. [E] tal como a invenção do mito ou das teorias no campo da ciência
natural tem uma função - a de nos ajudar a pôr ordem nos acontecimentos da natu-
AS CRISES DO OBJETO: O IMPASSE DA TEXTURA reza -, a criação de tradições faz o mesmo no âmbito da sociedade.'
Devem ser essas as razões pelas quais Popper contrasta uma abordagem racio-
Até aqui, tentamos especificar duas versões da idéia utópica: a utopia como um ob- nal da tradição com a tentativa racionalista de transformar a sociedade pela ação de
jeto implícito de contemplação e a utopia como instrumento explícito de mudança proposições abstratas e utópicas, que ele considera "perigosas e perniciosas". A uto-
social. Depois, confundimos de propósito essa distinção introduzindo as fantasias pia propõe um consenso em torno de objetivos, e "é impossível determinar cientifi-
da arquitetura como antecipação e como retrospecção, mas, de modo sucinto, para camente objetivos. Não há nenhum modo científico de escolher entre dois fins [... ]"
esquecer essas questões secundárias: não seria responsável alimentar especulações Sendo assim,
no terreno das utopias sem passar os olhos primeiramente nas considerações de Karl
Popper. Para esse efeito, há dois ensaios datados de fins da década de 1940: "Utopia o problema de construir um projeto utópico não pode ser resolvido somente pela ciên-
and Violence" [Utopia e violência] e "Towards a Rational Theory ofTradition" [Por cia; desde que não podemos determinar cientificamente os fins últimos das ações po-
2
uma teoria racional da tradição]. É surpreendente que nenhum desses ensaios tenha líticas [00'] elas terão, pelo menos até certo ponto, o caráter de divergências religiosas.
sido até o momento citado por seus comentários sobre os problemas da arquitetura e E não pode haver nenhuma tolerância entre essas diferentes religiões utópicas [00'] o
do urbanismo contemporâneos.' utopista tem de derrotar ou esmagar seus competidores."
Como era de esperar, Popper é severo com a utopia e indulgente com a tradição,
mas esses ensaios deveriam também ser analisados no contexto de sua contínua crítica Em outras palavras, se a utopia propõe a realização de bens abstratos em vez da erradi-
pesada às visões indutivas simplistas da ciência, a todas as doutrinas do determinismo cação de males concretos, tende a ser coercitiva, pois é bem mais fácil haver consenso
histórico e a todos os teoremas sobre a sociedade fechada, que começa a ser vista como sobre os males concretos do que sobre os bens abstratos. E se, por outro lado, a utopia se
uma das construções mentais mais importantes do pensamento filosófico do século xx. apresenta como um projeto para o futuro, é duplamente coercitiva porque nós não po-
Popper, um liberal vienense, que residiu na Inglaterra durante muitos anos e que usou demos conhecer o futuro. Mas, além disso, a utopia é especialmente perigosa porque sua
o que parecia uma teoria do Estado própria dos Whigs [membros do Partido Liberal in- invenção tende a Ocorrer em períodos de rápida mudança social, e os projetos urbanos
glês] como a ponta de lança de um ataque a Platão, Hegel e, não por acaso, ao Terceiro utópicos provavelmente se tornarão obsoletos antes de serem postos em prática. Dessa
Reich, deve ser entendido como crítico da utopia e expoente da utilidade da tradição. forma, os formuladores de utopias tenderão a inibir a mudança por meio da propaganda
Para Popper, a tradição é indispensável- a comunicação baseia-se na tradição, que política, pela supressão da opinião dissidente e, se preciso for, pela força física.
está ligada à percepção da necessidade de haver um ambiente social estruturado; a tra- O que se pode lamentar em tudo isso é que Popper não tenha feito nenhuma
dição é o veículo crítico de um aperfeiçoamento da sociedade; a "atmosfera" de uma distinção entre a utopia como metáfora e a utopia como prescrição. Mas, levando
sociedade relaciona -se com a tradição; e a tradição é de certa maneira afim com o mito- isso em conta, o que nos é apresentado (apesar da abordagem da tradição ser des-
ou, em outras palavras, tradições específicas são de certa forma teorias incipientes, cujo necessariamente complexa e o tratamento da utopia, com certeza, um pouco rígido
valor é o de ajudar a explicar a sociedade, ainda que o façam imperfeitamente. e abrupto) é, por inferência, uma das críticas mais devastadoras do arquiteto e do
Mas essas afirmações devem também ser entendidas paralelamente à concepção de planejador do século xx.
ciência da qual provêm, um modo de compreender a ciência que não a vê tanto corno A crítica de uma determinada "ortodoxia" contemporânea também é bastante co-
agregação de fatos, mas como crítica rigorosa de hipóteses. As hipóteses é que revelaJJl nhecida. A posição popperiana que, em face do cientificismo e do historicismo, insiste
os fatos e não o inverso. Assim entendida, prossegue a argumentação, o p~pel das.: pna falibilidade de todo conhecimento deveria ser razoavelmente difundida' , mas , se
dições na sociedade é mais ou menos equivalente ao das hipóteses na ciência. Ist~ é. ~pper está obviamente preocupado com certas atitudes e procedimentos muito irra-
mesma maneira que a formulação de hipóteses ou teorias resulta da crítica do ml~o.SÓ Cionais, devido a suas conseqüências práticas, a condição intelectual que ele se sentiu
De maneira semelhante, as tradições têm a importante dupla função de naO COmpelido a rever é fácil de demonstrar.

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o anúncio feito pela Casa Branca, em 13 de julho de 1969, da criação do Nation declaração da Casa Branca de 1969 (que foi tão ironicamente falsificada pelos
A d· C·
tá longe de ser mero absurdo. É o tipo de declaração que po ena ser leito por
Goals Research Staff declarava o seguinte: fatOS) eS b ., . )
s os governos atuais (dá para imaginar suas versões francesa e ntamca.
uase to d o . .
o número de instituições públicas e privadas dedicadas a realizar previsões vem au
q "decisionismo" é uma afirmação muito próxima, por seus pressupostos
~~re~' .
tando muito, já constituindo um corpo crescente de informações que servem de ;::- , . do espírito geral da arquitetura moderna e, portanto, das atitudes correspon-
baslcos,
para a formação de juízos acerca da provável evolução dos fatos no futuro e sobre as dentes dos planejadores. ...
escolhas disponíveis agora. Os caminhos para o futuro estarão, enfim, bem pavimentados e livres de aciden-
Há uma necessidade urgente de estabelecer uma conexão mais direta entre aspre_ _ . tirão mais quebra-molas escondidos nem ziguezagues erráticos: a verdade
tes, nao exis . _ ' . ,
visões cada vez mais complexas que hoje são feitas e o processo de tomada de decisões. final foi divulgada. Livres de pressuposiçoes dogmáticas nos agora consultamos, do
A importância prática de criar essas conexões é acentuada pelo fato de que pratica_ onto de vista lógico, apenas os "fatos", e consultando-os, estam~s, fi~a~mente, ap~os
p . t a solução fundamental universalmente abrangente e Jamais interrompida
mente todos os grandes problemas nacionais de hoje poderiam ter sido antecipados
bem antes de atingirem proporções críticas.
a proJe ar '. ..
do design total. Algo um pouco parecido com ISSO fOI e contmu~ a ser o
..

arquitetura moderna; e se tudo o que o liga à sociedade for obviamente emgmatlC~,


=r: da
Uma extraordinária quantidade de instrumentos e técnicas foi desenvolvida, pos-
sibilitando a realização de projeções de tendências e permitindo com isso fazer o tipo podemos, mesmo assim, continuar meditando sobre os laços de parentesco da poli-
de escolhas bem fundadas de que necessitamos para dominar o processo de mudança. tica total com a arquitetura total.
Esses instrumentos e técnicas vêm sendo crescentemente utilizados nas ciências so- É bem provável que, quando a explicação for enfim apresentada, se descubra que
ciais e naturais, mas não foram aplicados de modo sistemático na ciência do governo. elas estão na mesma situação e que algo da política total e da arquitetura total está ine-
Chegou o momento, em que podemos e devemos usá-Ios.? vitavelmente presente em todas as projeções utópicas. A utopia nunca oferece opções.
Insisto: os cidadãos da Utopia de Thomas Morus não podiam não ser felizes, porque
"Ciência do governo", "instrumentos e técnicas" que "devem ser usados", "previsões nãopodiam escolher outra coisa senão ser bons. A idéia de habitar na bondade, sem ca-
complexas", "o tipo de escolhas bem fundadas de que necessitamos para dominar o pacidade de fazer uma escolha moral, tende a estar presente na maioria das fantasias,
processo de mudança": isto é [Claude-Henri] Saint-Simon e Hegel, os mitos da so- metafóricas ou literais, sobre a sociedade ideal.
ciedade potencialmente racional e da história inerentemente lógica instalados no Endossar a utopia da sociedade ideal é uma coisa, fazer-lhe a crítica é outra, mas,
mais improvável dos centros de poder. Com esse tom ingenuamente conservador e para o arquiteto, o conteúdo ético da boa sociedade sempre foi algo que a construção de-
ao mesmo tempo neofuturista, uma tradução popular do que hoje já é folclore, esse viatornar evidente. A bem dizer, é muito provável que essa tenha sempre sido a referência
discurso poderia ter sido criado sob medida para servir de alvo às estratégias críticas primordial do arquiteto, pois, a despeito de outras fantasias de controle que porventura
de Popper. De fato, se "dominar o processo de mudança" parece grandioso, a rigorosa tenham se misturado para socorrê-lo - antiguidade, tradição, tecnologia -, estas foram
falta de sentido dessa idéia só pode ser acentuada, porque para haver "domínio sobre invariavelmente concebidas como ajuda e estímulo a uma ordem social considerada de
o processo de mudança" é preciso eliminar toda mudança, salvo as de menor impor- certa forma salutar ou decente.
tância e menos essenciais. Esta é a idéia central de Popper. Na medida em que a forma Assim, para não termos de recuar até Platão, mas pegando um trampolim bem
do futuro depende de futuras idéias, tal forma não pode ser antecipada; portanto, as mais recente, no Quattrocento, a Sforzinda, de [Antonio Averlino] Filarete, contém
muitas fusões futuristas do utopismo com o historicismo (o curso atual da história todas as premonições de uma situação pensada como inteiramente suscetível ao con-
sujeito a um controle da razão) somente podem resultar numa restrição de toda evo- trole. Lá há uma hierarquia de edificações religiosas, a regia principesca, o palácio da
lução progressista, toda verdadeira emancipação. Talvez seja este o ponto que nos aristocracia, o estabelecimento mercantil, a residência particular. Nos termos dessa
permite efetivamente distinguir a essência de Popper, o crítico partidário da liberta- gradação _ uma ordenação absoluta de status e de funções - é que a cidade bem go-
ção do determinismo histórico e das concepções estritamente indutivas do método vernada se tornou imaginável.
científico, o qual, mais que qualquer outro, esquadrinhou e discriminou o complexO No entanto, ela continuou a ser uma idéia e não se pôs em questão sua aplicação
de fantasias histórico-científicas que, para o bem ou para o mal, foi um elemento mo- imediata e literal. É que a cidade medieval representava um núcleo não suscetível ao
bilizador do século xx. hábito e ao interesse, e que não podia de maneira alguma ser diretamente transgre-

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dido. Dessa forma, o problema do novo passou a ser uma interjeição subversiva no
interior da cidade - o Palazzo Massimo, o Campidoglio etc. -, ou manifestações polê-
micas fora da cidade - o jardim revela o que a cidade deveria ser.
O jardim como uma crítica da cidade - crítica que a cidade mais tarde reconhe-
ceu com fartura - ainda não recebeu suficiente atenção; mas se, fora de Florença, por
exemplo, esse tema é profusamente representado, sua afirmação mais extrema só
ode encontrar-se em Versalhes, essa crítica seiscentista da Paris medieval que [Eu-
o diagrama do projeto de zéne Georges] Haussmann e Napoleão III levaram tão a sério muitos anos depois.
Filarete para a cidade de g Visão profética da cidade, uma versão em tamanho grande da utopia à moda de
Sforzinda (do Codex Maglia Filarete, com as árvores no lugar dos edifícios, num exagero literal do decoro utó-
Beccianus) é um antigo pico, Versalhes nos serve agora como uma espécie de caixa de câmbio para dar início
símbolo da ordem humanista, a uma nova fase da argumentação. Temos então a Versalhes impassível, destituída
cujo suposto é que todas
de ambigüidades. O padrão ético se anuncia ao mundo, e o anúncio evidentemente
as situações humanas eram
não é refutado. Isto é controle total e sua brilhante ilustração. É a vitória da gene-
suscetíveis a regras que
ralidade, a prevalência da idéia irresistível, o cancelamento da exceção, e a analogia
asseguravam uma cidade
hierárquica e bem organizada.
óbvia com que cotejá-Ia, para nossos fins, é a Villa Adriana, em Tívoli. Se Versalhes
pode ser vista como um esboço para o design total num contexto de política total, a
Villa Adriana tenta dissimular toda referência a uma idéia de controle. Uma é toda
unidade e convergência; a outra é toda disparidade e divergência. Uma se apresenta
como organismo inteiro e completo; a outra, como dialética viva dos elementos que a
compõem: comparado com a obstinação de propósito de Luís XIV, Adriano, que pro-
o põe o oposto de qualquer "totalidade", só parece precisar de um acúmulo dos mais
--- variados fragmentos.
Ambas são evidentemente aberrações, produtos do poder absoluto, mas são os
produtos - quase ilustrações clínicas - de psicologias completamente diferentes. O
confronto entre Luís XIV e Adriano poderia ser mais bem interpretado por uma cita-
ção de Isaiah Berlin. Em seu famoso ensaio, Berlin distingue duas personalidades: o
ouriço e a raposa. A raposa conhece muitas coisas, mas o ouriço conhece uma grande
coisa. Eis o texto que foi escolhido para ser trabalhado e servir de pretexto para a con-
tinuação do argumento:

\
há um grande abismo entre, de um lado, aqueles que relacionam todas as coisas a
\
\ uma só noção fundamental, um sistema mais ou menos coerente ou articulado, em
\
, cujos termos eles compreendem, pensam e sentem - um só princípio universal de
I organização em função do qual tudo o que eles são e dizem tem significação; do outro
( lado, existem aqueles que perseguem muitos fins, não raro desvinculados e até contra-
ditórios; se alguma conexão existe, é apenas de facto, por conta de alguma causa psi-
Enquanto Versalhes é a versão construída de uma idéia, a Villa Adriana, em Tívoli, é o acúmulo de
cológica ou fisiológica. Desvinculados de qualquer princípio moral ou estético, estes
várias idéias. A Villa Adriana ao mesmo tempo expõe as exigências do ideal e as necessidades d
últimos vivem, realizam ações e alimentam idéias mais centrífugas do que centrípetas;
ad hoc. Nisso está o começo da colagem.

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seu pensamento é disperso ou difuso, move-se entre muitos níveis, apreendendo a explicação parcial. De um lado, temos o Le Corbusier arquiteto, com sua "inteligên-
essência de grande variedade de experiências e objetos pelo que são em si, sem buscar, cia arguta e contraditória", como o definiu William [ordy.'? É a pessoa que constrói
consciente ou inconscientemente, ajustar-se a eles ou excluí-Ias de qualquer noção com requinte supostas estruturas platônicas só para enchê-Ias com uma igualmente
interior unitária, imutável e, às vezes, até fanática. O primeiro tipo de personalidade caprichada simulação de detalhe empírico, o Le Corbusier das múltiplas digressões,
intelectual e artística pertence à categoria dos ouriços; o segundo, à das raposas.' referências cerebrais e complicados scherzi. De outro lado, temos o Le Corbusier ur-
banista, o protagonista enfadonho de estratégias completamente diferentes das pri-
Entre essas duas categorias, as grandes personalidades do mundo se distribuem de modo rneiras, que, num espaço público amplo, usa minimamente os truques dialéticos e as
mais ou menos eqüitativo: Platão, Dante, [Fiódor] Dostoiévski, [Mareei] Proust são, não involuções espaciais que normalmente considerava serem adornos adequados a uma
precisa dizer, ouriços; Aristóteles, [William] Shakespeare, [Aleksandr] Pushkin, [James] situação privada. O mundo público é simples, o mundo privado é complexo. E, se o
Ioyce são raposas. Essa é distinção elementar; mas podemos estender o jogo a outras rnundo privado aparenta uma preocupação com a contingência, a possível persona-
áreas, se o que nos interessa são os representantes da literatura e da filosofia. [Pablo] lidade pública sustentou por muito tempo um desdém quase arrogante por qualquer
Picasso é uma raposa; [Piet] Mondrian, um ouriço, as figuras começam a tomar seu lugar laivo do específico.
e, quando nos voltamos para a arquitetura, as respostas são quase inteiramente previsí- Mas, se a combinação de casa complexa e cidade simples parece estranha (o inverso
veis. Palladio é um ouriço; Giulio Romano, uma raposa; [Nicholas] Hawksmoor, [Iohn] seria mais lógico) e se para explicar a discrepância entre a arquitetura e o urbanismo de
Soane, Philip Webb provavelmente são ouriços. É quase certo que [Christopher] Wren, Le Corbusier podemos sugerir que ele fosse uma raposa fingindo-se de ouriço para fins
[John] Nash e Norman Shaw são raposas; mais recentemente, se [Frank Lloyd] Wrighté, públicos, o que fizemos foi construir uma digressão dentro da digressão. Já observamos
sem sombra de dúvida, um ouriço, [Edwin] Lutyens com certeza é uma raposa. anteriormente a relativa ausência de raposas na atualidade; voltaremos a essa segunda
Mas, aprofundando um pouco mais a lógica dessas categorias, à medida que nos digressão mais adiante. Por ora, cabe lembrar que o desvio para a questão da raposa ver-
aproximamos da arquitetura moderna começamos a reconhecer a impossibilidade de sus ouriço teve outros propósitos: o de definir Adriano e Luís XIV como representantes
chegar a uma distribuição simétrica. Pois se [Walter] Gropius, Mies, Hannes Meyer, mais ou menos autárquicos desses dois tipos psicológicos, possuidores de poderes auto-
Buckminster Fuller são obviamente ouriços, onde estão as raposas para completar o cráticos para cultivarem suas propensões inatas e depois indagarem dos seus produtos:
rol? A preferência é evidentemente uma só. A visão central prevalece. Há uma predo- qual deles poderia ser visto como o melhor modelo para os dias de hoje - a acumulação
minância de ouriços, mas, se às vezes temos a impressão de que os temperamentos do disparatada de fragmentos ideais ou a exibição de um todo coordenado?
tipo raposa são marcados pela dubiedade e, portanto, não tendem a se revelar, ainda A Villa Adriana é uma Roma em miniatura. Ela reproduz de maneira plausível to-
assim resta a tarefa de atribuir um lugar a Le Corbusier, "quer seja ele um monista ou dos conflitos entre peças ideais disparatadas e todos os acontecimentos empíricos ale-
um pluralista, quer sua visão tenda ao um ou a muitos, quer ele tenha uma só substân- atórios que Roma exibia em profusão. É um endosso conservador de Roma, enquanto
cia ou uma mistura de elementos heterogêneos'P Versalhes é uma crítica radical de Paris. Em Versalhes, tudo é projeto, total e comple-
Berlin faz essas mesmas perguntas a respeito de [Liev] Tolstói - perguntas que ele tamente, mas em Tívoli, assim como na Roma de Adriano, o projetado e o não-proje-
mesmo afirma não serem de todo relevantes; e, em seguida, arrisca sua hipótese: tado modificam e amplificam suas respectivas mensagens. Adriano é um dos "cultu-
ralistas" de Françoise Choay, preocupado com o emocional e o usável; mas, para Luís
que Tolstói - uma raposa por natureza, mas que acreditava ser um ouriço; porque XIV, o "progressivista" (com a ajuda de [Jean-Baptiste] Colbert), a exigência é que
seus dons e realizações são uma coisa, enquanto suas crenças e, por conseqüência, sua presente e futuro sejam explicáveis pela razão. Idiossincrasias aleatórias, diversidade
interpretação das próprias realizações, são outra; e que, conseqüentemente, seus ideais local têm . fl A· d • d ..
_' pouca m uencia nessa atitu e, e quan o as racionalizações de um Colbert
induziram-no, bem como aqueles que foram levados por seu talento para a persuasão, sao transmitidas por intermédio de [Anne-Robert-Jacques] Turgot a Saint-Simon e
a um sistemático mal-entendido acerca do que ele e os outros estavam fazendo ou Auguste Com te, é que se começa a perceber a enormidade profética de Versalhes.
deviam estar fazendo." .Não há dúvida de que ali, em Versalhes, estão prefigurados todos os mitos da
SOCiedaderacionalmente organizada e "científica", a sociedade em que não há lugar
Como tantas outras teses da crítica literária transpostas para o contexto da arquitetura, para o acidental, a sociedade governada pelo conhecimento e pela informação, na
a tipologia parece dar certo e, mesmo sem forçar muito a barra, ela nos fornece uma qual todo debate se tornou supérfluo. Se em seguida saturamos esse mito de fanta-

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sias sobre a evolução histórica e, ainda mais, da ameaça da condenação eterna ou do nos leva a introduzir um outro argumento cujo desenvolvimento temos de postergar
culto da crise, podemos chegar perto de um estado de espírito não muito distante do um pouco: que na Villa Adriana estamos na presença de algo parecido com que o hoje
que norteou os primórdios da arquitetura moderna. Mas, se é ca~a .vez mais difícil se costuma chamar de colagem.
conter o riso ante a velha história de que, para evitar o desastre iminente, a huma_
nidade deve conduzir-se em estreita sintonia com as forças inelutáveis do destino, CIDADE-COLISÃO E A POLíTICA DA BRICOLAGEM
então, se nos emancipamos por nosso riso, talvez seja o caso de (a sugestão é feita
com a devida hesitação) consultar o que fomenta, em primeiro lugar, o gosto e, em o culto da crise no período entre as duas guerras mundiais: antes que seja tarde a
segundo lugar, o senso comum. . sociedade deve livrar-se de sentimentos, pensamentos e técnicas obsoletas; e se, no
O gosto não é mais - e talvez nunca tenha sido - uma questão séna ou substancial, intuito de se preparar para sua iminente libertação, ela estiver pronta para fazer tábula
e falar em senso comum deve inspirar igualmente certa reserva. Apesar de toscos, es- rasa, o arquiteto, figura-chave dessa transformação, deve estar pronto para assumir a
ses conceitos podem ser úteis como instrumentos rudimentares para ~ma outra abor- liderança histórica. Porque o mundo construído da habitação e dos empreendimen-
dagem da Villa Adriana. Dada a igualdade de condições no qu~ re~pelta, ~o tamanh~ tos humanos é o berço da nova ordem, e se o arquiteto há de acalentá-lo como deve,
e à perenidade em Versalhes e Tívoli, é quase certo que a ~referenCl~ e~tetlca .espo~ta- precisa estar preparado para se colocar na linha de frente da batalha a favor da huma-
nea dos dias de hoje recai nas descontinuidades estruturais e nas múltiplas vibrações nidade. Embora o arquiteto alegue ser um cientista, é possível que nunca tenha traba-
sincopadas que a Villa Adriana apresenta. Da mesma forma, a despeito da e~c~upu- lhado antes em circunstâncias psicológicas e políticas tão fantásticas. Mas, se tudo'isso
losa preocupação contemporânea com um princípio central, c~m uma cO~~lçao .de são digressões, vemos as razões - razões do coração, como diz Pascal - que fizeram a
total, holística e original continuidade, é evidente que as multlfacetadas. disjunções cidade ser pensada como mero resultado de descobertas "científicas" e de uma cola-
da Villa Adriana, a inferência admitida de que ela foi construída por muitas pessoas boração "humana" absolutamente ditosa. Eis em que se transformou a utopia ativista
(ou regimes políticos) em diferentes épocas históricas, seu aspecto de c~mbinação ~~ do design total. Talvez seja uma visão irrealizável; para aqueles que estão esperando
contraditório com o racional, poderia recomendá-Ia à atenção das sOCledades políti- há cinqüenta ou sessenta anos (muitos já devem ter morrido) o estabelecimento dessa
cas em que o poder muda de mãos com freqüência e tolerância. . cidade utópica, já deve ter se tornado claro que a promessa - tal como foi formulada - não
Levando em conta a controversa atitude antiutópica de Karl Popper e, basica- pode ser mantida. Ou, então, poder-se-ia pensar que, se a mensagem do design total
mente, a insinuação antiouriço de Isaiah Berlin, o favoritismo do argumento já de~e teve uma trajetória um tanto suspeita e muitas vezes provocou ceticismo, ela continua
ter se tornado claro: é melhor pensar numa acumulação de pequenas peças formais, a ser, quem sabe até hoje, o substrato psicológico da teoria urbana e de sua aplicação
ainda que contraditórias (como produtos de diferentes regimes) do que alimenta~ prática. A verdade é que essa mensagem tem sido tão pouco reprimível que, nos úl-
fantasias sobre soluções totalizadoras e "sem falhas", que a estrutura política acabara timos anos, surgiu uma versão renovada e literal dela na forma de interpretações da
, . d odelo
abortando. Isso implica estabelecer a Villa Adriana como uma especie em. . abordagem "sistêmica" e outros achados "metodológicos".
ue demonstra as exigências do ideal e as necessidades do ad hoc; uma outra Impli- Introduzimos as idéias de Karl Popper principalmente para referendar um argu-
q , . d ponto
cação é que esse tipo de instalação está começando a se tornar necessana o mento antiutópico com o qual absolutamente não concordamos; no entanto, a dívida
de vista político. 'te- q.uetemos com Popper deve ter ficado patente em nossa interpretação da utopia ati-
Mas a Villa Adriana não se reduz, decerto, a mera colisão física de obras arqut Vista.De fato, é difícil escapar do ponto de vista de Popper, principalmente quando
bé enta uma
tônicas. Ela não é uma simples reprodução de Roma, porque tam em apres . extensamente desenvolvido como em The Logic of Scientific Discovery (1934) e The
. c " E' t ali parece
iconografia tão complexa quanto sua planta. Aqui uma rererencia ao gl o, Poverty ofHistoricism (1957).11 Poderia ter nos ocorrido que a idéia da arquitetura mo-
. . b fi' mente a
Assim, em ora sica ~erna como ciência, integrada a uma ciência total e unificada, cujo modelo ideal é a
que estamos na Síria, e mais adiante podena ser Atenas.
. . I bé t como uma
villa se apresente como uma versão da metrópole impena ,tam em a ua , 'e ~Islca(a melhor de todas as ciências), dificilmente sobreviveria num mundo que inclui
. . I I " como uma sen Justament e a cn ítiica poppenana
.
ilustração ecumênica da mistura promovida pe o mpeno e, quase, S a essas C· •
rantasias. Mas pensar assim não leva em conta
. V'U Ad . fora o
de recordações das viagens de Adriano. Isso quer dizer que, na I a riana, a e adequadamente quanto o debate na arquitetura é hermético e atrasado. Nas áreas em
d . d na pr
conflitos físicos (ainda que dependendo deles) estamos, antes e mais na a, . o ~que
" a cnítiica poppenana . parece ser d escon hecid
eci a e onde tambem' se presume que a
c' .. bóli EIsS clencia" d os pnmor
" diIOS daa arqurtetura
arcui
sença de uma condição extremamente condensada de relerenClas sim o icas. mo d erna é Iamentavelmente deficiente, nem

307
306
é preciso dizer que os métodos propostos para a solução de problemas são complica_ dificuldades para dar conta de problemas semelhantes, o mito do arquiteto como fi-
díssimos e demorados. lósofo natural do século XVIII - com suas pequenas varetas de medir, suas balanças e
Basta observar atentamente exatidão do processo descrito em Notes
a minuciosa retortas, ao mesmo tempo Messias e cientista, Moisés e [Isaac] Newton (um mito que
on the Synthesis of Form'? para ter uma idéia disso. Trata-se evidentemente de Ulll ficoUainda mais ridículo depois de sua anexação pelo primo pobre do arquiteto, o
processo "limpo", que lida com dados "limpos", atomizados, purificados e nova_ planejador) - deve agora ser confrontado com O pensamento selvagem e com tudo
mente purificados; tudo é obviamente salutar e higiênico. Mas, por resultarem das o que a bricolagem representa.
características inibidoras do compromisso, sobretudo do compromisso com a física, "Subsiste entre nós", escreveu Claude Lévi-Strauss,
o resultado nunca parece tão importante quanto o processo. E algo semelhante pode
ser dito sobre a produção correlata de ramos, redes, diagramas e colméias que, em fins uma forma de atividade que, no plano técnico, nos permite compreender muito bem o que,
dos anos 1960, se tornaram procedimentos tão conspícuos. Ambos são tentativas de no plano da especulação, podia ter sido uma ciência que preferimos chamar de "primeira",
evitar qualquer imputação de desvio tendencioso; e se, no primeiro caso, existe a su- em vez de "primitiva". É o que se costuma chamar, em francês, de "bricolagern"."
posição de que os fatos são verificáveis e isentos de valor, no segundo, atribui-se igual
imparcialidade às coordenadas de um diagrama. É como se houvesse a crença de que, Lévi-Strauss prossegue fazendo uma minuciosa análise dos diferentes objetivos da
tal como os paralelos de longitude e latitude, as coordenadas do diagrama eliminarão bricolagem e da ciência, dos diferentes papéis do bricoleur e do engenheiro.
toda e qualquer tendenciosidade, ou mesmo responsabilidade, na especificação do
detalhe de preenchimento. Em seu sentido antigo, o verbo bricoler se aplicava ao jogo de bola e do bilhar, à caça
Se o observador neutro ideal é sem dúvida uma ficção; se, entre a multiplicidade e à equitação, mas sempre para evocar um movimento incidental: o da bola que ri-
dos fenômenos que nos cercam, nós observamos o que queremos observar; se nossos cocheteia, do cão que corre ao acaso, do cavalo que se desvia da linha reta para evitar
julgamentos são inerentemente seletivos, porque é impossível assimilar toda a quan- um obstáculo. E, em nosso tempo, o bricoleur ainda é uma pessoa que trabalha com as
tidade de informações factuais; e se todo uso literal de um diagrama "neutro" tem mãos, usando meios divergentes em comparação com os do artesão."

Não é nosso propósito apoiar toda argumentação que se segue nas observações de
Â
Lévi-Strauss. O que pretendemos é tão-somente incentivar uma identificação que se
ENTIRE VILLAGE mostre de certa forma útil, de modo que, se nos inclinarmos a reconhecer Le Corbu-
sier como uma raposa disfarça da de ouriço, também podemos imaginar uma tentativa
análoga de camuflagem: o bricoleur disfarçado de engenheiro.

Os engenheiros fabricam as ferramentas do seu tempo. Nossos engenheiros são sau-


A 8 C D
dáveis e viris, ativos e úteis, equilibrados e felizes no seu trabalho [... ] nossos enge-
nheiros fazem arquitetura porque empregam um cálculo matemático que deriva da
~~~~ lei natural."
AI A2 A3 81 82 B3 B4 CI C2 DI D2 D3
A1 contém os requisitos 7, 53, 57, 59, 60, 72, 125, 126, 128. Eis uma afirmação quase cabal do mais conspícuo preconceito dos primórdios da ar-
A2 contém os requisitos 31, 34, 36, 52, 54, 80, 94, 106, 136. quitetura moderna. Comparemos com o que diz Lévi-Strauss:
A3 contém os requisitos 37, 38, 50, 55, 77. 91. 103.
81 contém os requisitos 39, 40, 41, 44, 51. 118, 127, 131, 138. O bricoleur é capaz de executar grande número de tarefas diversificadas, mas, ao con-
82 contém os requisitos 3D, 35, 46, 47, 61, 97, 98. trário do engenheiro, ele não subordina cada uma delas à obtenção de matérias-primas
e ferramentas concebidas e arranjadas sob medida de seu projeto. Seu universo de ins-
Diagrama publicado em Notes on the Synthesis of Form, de Christopher Alexander. trumentos é fechado e as regras do seu jogo sempre implicam arranjar-se com o que

308 309
Se pudermos nos despojar das ilusões do amour propre profissional e da teoria
estiver "à mão", isto é, com um conjunto de ferramentas e materiais que é sempre finito
acadêmica estabelecida, a descrição do bricoleur é muito mais próxima da realidade do
e também heterogêneo, porque a composição do conjunto não tem nenhuma relação
que faz o arquiteto-urbanista que qualquer fantasia "sistêrnica" e "metodológica". Na
com o projeto do momento, nem sequer com qualquer projeto em especial, mas é o
verdade, o impasse da arquitetura é que, por estar sempre, de uma forma ou de outra,
resultado contingente de todas as ocasiões que se apresentaram para renovar ou enri-
preocupada em melhorar, em fazer melhor as coisas segundo algum critério, mesmo
quecer o estoque, ou para conservar-lhe os resíduos de construções ou de destruições
que impreciso, em como as coisas devem ser, ela está sempre irremediavelmente en-
anteriores. Portanto, o conjunto de meios do bricoleur não pode ser definido por um
volvida com juízos de valor e nunca alcança uma resolução científica - pelo menos
projeto (o que pressuporia, ademais, como no caso do engenheiro, que houvesse tantos
nos termos de uma teoria empírica simples dos "fatos". Se é assim na arquitetura, no
conjuntos instrumentais quantos fossem os tipos de projetos, pelo menos em tese). Só
urbanismo (que nem ao menos se preocupa em fazer as coisas resistirem) a ques-
podemos defini-Ia por sua instrumentalidade [...] porque os elementos são colhidos ou
tão de uma solução científica dos problemas só pode piorar. Afinal de contas, se a
guardados devido ao princípio de que "sempre podem servir para alguma coisa". Esses
noção de solução "final" mediante uma acumulação definitiva da totalidade dos da-
elementos são de certo modo especializados, apenas o suficiente para que o bricoleur
dos é, evidentemente, uma quimera epistemológica; se certos aspectos da informação
não necessite do equipamento e do conhecimento de todos os ofícios e profissões, mas
nunca serão discriminados ou revelados, e se o inventário dos "fatos" não pode nunca
não o suficiente para que cada um deles se restrinja a um uso definido e predetermi-
estar completo devido às taxas de mudança e obsolescência, então, aqui e agora, de-
nado. Cada elemento representa um conjunto de relações concretas e possíveis; são
veria ser possível afirmar que os horizontes do planejamento científico da cidade só
"operadores", mas utilizáveis em quaisquer operações do mesmo tipo."
podem ser entendidos como equivalentes aos horizontes da política científica.
Considerando que o planejamento não pode ser mais científico do que a so-
Infelizmente para nós, Lévi-Strauss não se presta a citações razoavelmente lacônicas. Pois
ciedade política da qual é uma instância, nem na política nem no planejamento é
o brico/eur, que certamente encontra um representante no "homem de sete instrumen-
possível adquirir informações suficientes antes que uma ação se torne necessária.
tos", é muito mais que isso. "Todo mundo sabe que o artista tem alguma coisa de cientista
~m ~enhum dos casos, a ação pode esperar a definição do problema num futuro
e de bricoleur?" Mas, se a criação artística está a meio caminho da ciência e da bricolagem,
idealizado para ser afinal resolvido; e se a causa disso é que a possibilidade mesma
isso não quer dizer que o bricoleur seja "atrasado". "Pode-se dizer que o engenheiro ques-
desse. futuro., onde afinal se pusesse fazer tal definição, depende de uma ação im-
tiona o universo, enquanto o bricoleur focaliza uma coleção de sobras produzidas pela
perfeita realizada no presente, então tudo isso anuncia, mais uma vez, o papel da
atividade humana"." Mas também é preciso repetir que não há nisso nenhuma questão
bncolagem , com que a po líítica
. tanto se assemelha e o planejamento urbano certa-
de primazia. O cientista e o brico/eur simplesmente devem ser distinguidos
mente deveria parecer-se .
. .' t t a como .Mas será que a alternativa entre o design total "progressista" (estimulado pelos
pelas funções inversas que eles atnbuem aos aconteCimentos e a es ru ura, .
... . ] . d t s e o brlco' ounçosi')
,.. e a briICOagem
1 "1eu tura 1·ista "(. impulsionada
. pelas raposas?) é, em última
meios e fins, o Cientista cnando aconteCimentos [... por meio e estru ura
anaItse, só o q ue nos res t a para esco lheri Né
er? Nos achamos que SIm, . e, na nossa opinião, as
. d . t 19
leur crindo estruturas por meio os aconteClmen os. conse ..,. ,. .
quencias políticas do design total são realmente devastadoras. Não a condição
" ., ." . 1 cada vez mais atual de compro mISSO . ., . d e vo 1··
e converuencia, , . mas uma combinação
içao e arbítrio,
Já nos afastamos muito da noção de uma ciência exponenCla, . . ·0 como es- sumamente irresiIStíIve1d e " ClenCla e "d estmo"
.
. . -Ó»; ."
- é este o mito não confesso da utopia
exata (uma lancha de corrida que a arquitetura e o ur b anismo segUlra _
•• • •• uma con ó
ahVIstaou hiISt oricista.
.. E e' nesse sentido
. que o design
. total foi. e é uma mistificação. No
uiadores muito mexpenentes). Mas, em compensaçao, temos nao s "d meS
q esign to ta 1·
mundo pratí lCO,desi ..
nao pode significar outra coisa senão controle total e um
frontação entre o "pensamento selvagem" do bricoleur e o pensamento. o dos Controle o btid - por abstraçoes - acerca do valor absoluto da ciência ou da história,
'
m ti o nao
ticado" do engenheiro, mas também uma útil indicação de que esses dOIS ~o tra
. ,. ( engenheiro Ilus m as pelos go . d 1
vemos cna os pe o homem. Esse argumento não precisa ser enfatizado
de pensar não representam uma progressao em sene em que o .
,.. dicê necessar1 seas nunca e' d ernais. diizer que a execuçao_. do design total (por mais amado que seja) )
um aperfeiçoamento do bricoleur etc.). Ao contrano, sao con lçoes al"
c mpre pressupõe algum nível de centralização do controle político e econômico
mente coexistentes e complementares do pensamento. Em outras palavr~s, tu d
. . do " 'I ique au ntvea mOntrole e stI'e que,
evando em conta os poderes ora existentes em qualquer lugar do
estejamos prestes a alcançar uma aproxlmaçao o pensee agI
Undo, nos parece totalmente inaceitável.
sensible", de que fala Lévi-Strauss.
"l"
"O governo mais tirânico de todos, o governo de ninguém, o totalitarismo da téc_
nica" - essa imagem do horror, de Hannah Arendt, nos vem à mente nesse momento ,
e, nesse contexto, o que dizer da bricolagem "culturalista"? É possível antecipar seUs
perigos, mas na qualidade de um reconhecimento deliberado da tortuosidade da his_
tória e da mudança, da inevitabilidade de um futuro de profundas cesuras temporais ,
dos vários matizes da expressão societária, uma concepção da cidade como intrínseca
e idealmente obra de bricolagem começa a merecer uma séria atenção. Se o design
total parece representar uma capitulação do empirismo lógico a um mito nada empí_
rico, e se parece imaginar o futuro (onde tudo será conhecido) como uma espécie de
dialética do não-debate, é porque o bricoleur (como a raposa) não pode alimentar tais
expectativas de síntese conclusiva, já que sua ação se realiza não só num mundo infi-
nitamente extenso, embora sujeito às mesmas generalizações, mas implica uma dispo-
sição e uma capacidade de lidar com uma pluralidade de sistemas fechados finitos (a
coleção de sobras deixadas pela atividade humana) da qual, pelo menos por enquanto,
seu comportamento oferece um importante modelo.
Se estivermos dispostos a reconhecer os métodos da ciência e da bricolagem como
propensões concomitantes, se nos dispusermos a reconhecer que ambas são formas
de tratar os problemas, se quisermos (e não é nada fácil) aceitar a igualdade entre o
pensamento "civilizado" (com seus pressupostos de seriação lógica) e o pensamento A Roma do século XVII exemplifica a dialética de tipos ideais urbanos.
"selvagem" (com seus saltos analógicos), então, restituindo à bricolagem um lugar ao É uma cidade completa, onde as partes integradas afirmam sua identidade.

lado da ciência, talvez se torne possível imaginar a possibilidade de preparar uma dia-
lética futura verdadeiramente útil.
Dialética verdadeiramente útil? A idéia é tão-só a do conflito entre poderes con- viviam numa relação de interdependência, independência e múltiplas possibilidades
correntes, o conflito quase fundamental entre interesses claramente definidos, a legí- de interpretação. A Roma imperial é, de longe, uma afirmação ainda mais dramá-
tima suspeição acerca dos interesses dos outros, da qual provém o processo demo- tica. Porque, com suas colisões mais abruptas, disjunções mais agudas, edificações
crático, tal como é; e então o corolário dessa idéia é meramente trivial: se for esse o formais ainda mais expansivas, com sua matriz discriminada de modo mais radical e
caso, isto é, se a democracia se compõe de entusiasmo libertário e dúvida legalista, se uma ausência geral de inibição "sensível", a Roma imperial, muito mais que a cidade
é inerente a ela uma colisão de pontos de vista e aceitável como tal, então por que não do alto barroco, é a melhor ilustração do espírito do bricoleur em toda sua generosi-
admitir que uma teoria dos poderes concorrentes (todos eles visíveis) fosse capaz de dade - um obelisco daqui, uma coluna dali, uma fileira de estátuas de outro lugar, até
definir uma cidade ideal mais completa do que as inventadas até hoje? ~o detalhe, esse espírito se revela inteiramente. A esse respeito, é divertido lembrar a
Recordando a Villa Adriana, essa proposição nos induz automaticamente (com lllfiuência de toda uma escola de historiadores que, em certa época, se empenhou com
os cães de Pavlov) à situação da cidade de Roma no século XVII, aquela inextricável afinco em apresentar os antigos romanos como engenheiros do século XIX, precurso-
são de imposição e acomodação, aquele congestionamento flexível e resistente, moi res de Gustave Eiffel, que por alguma razão haviam infelizmente perdido o rumo.
bem-sucedido de intenções, uma antologia de composições fechadas e objetos inte Assim, propomos aqui pensar a Roma, imperial ou papal, hard ou soft, como
ticiais ad hoc, que é, ao mesmo tempo, uma dialética de tipos ideais, somada a u ~ma espécie de modelo alternativo ao desastroso urbanismo da engenharia social e
dialética entre tipos-ideais e contexto empírico. E a consideração da Roma do séc o design total. Apesar de reconhecermos que o que temos aqui são produtos de uma
XVII (a cidade completa com a identidade assertiva de suas subdivisões: Traste\'" tOPografia específica e de duas culturas particulares, ainda que não completamente
Sant'Eustacchio, Borgo, Campo Marzo, Campitelli ...) instiga-nos a uma interpreta separáveis, estamos também supondo estar diante de um estilo de argumento que não
equivalente da cidade que a precedeu, onde os prédios do fórum e das termas c carece de universalidade. Isto é: embora a estrutura física e política de Roma mostrem

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o que talvez seja o exemplo mais explícito de campos colidentes e ruínas intersticia' Estamos assim em condições de caracterizar, em parte, as duas formulações de
existem versões mais tranqüilas. Jllodernidade, e, admitindo que existem dois modos contrastantes de "seriedade", po-
Por exemplo, Roma - se você quiser vê-Ia assim - é uma versão implodida de Lo demos agora pensar no Bicycle Seat [Cabeça de touro] (1944), de Picasso, segundo as
dres, e o modelo Roma-Londres pode inclusive ser ampliado a outras comparações, Co palavras do próprio artista:
Houston ou Los Angeles. Mas acrescentar detalhes poderia alongar indevidamente a
gumentação. Só para concluir o assunto: mais que um "elo [hegeliano] indestrutível entr Você se lembra daquela cabeça de touro que eu expus recentemente? Com o guidão
beleza e verdade", mais que as idéias sobre uma unidade futura permanente, preferim e o assento de uma bicicleta eu fiz uma cabeça de touro que todo mundo reconheceu
pensar nas possibilidades complementares da consciência e do conflito sublimado. E, como uma cabeça de touro. Isso completou uma metamorfose, e agora eu gostaria de
precisamos urgentemente tanto da raposa como do bricoleur, também pode ser que, e~ outra metamorfose na direção oposta. Suponhamos que a cabeça de touro fosse joga-
face do cientificismo prevalecente e do laissez aller que salta à vista, as atividades de ambot da no ferro-velho. Talvez, um dia, um operário se aproxime e diga: "Olha só, tem uma
bem poderiam proporcionar a verdadeira e constante Sobrevivência pelo Design. coisa ali que serve bem para guidon de minha bicicleta [...]" e assim, teria ocorrido
uma dupla metamorfose."
CIDADE-COLAGEM E A RECONQUISTA DO TEMPO

Lembrança da função e do valor anteriores (bicicletas e minotauros); mudança de


A tradição da arquitetura moderna - que sempre professou uma aversão pela art contexto; uma atitude que estimula o compósito; exploração e reciclagem do sen-
- entendeu a sociedade e a cidade de modo muito convencional, mediante conceito tido (já se fez disso o bastante?); desuso da função com a correspondente concreção
de unidade, continuidade, sistema. Mas há um método alternativo e aparentement de referências; memória; antecipação; elo entre memória e espírito - eis aí uma
bem mais favorável à "arte" que, até onde se sabe, nunca teve necessidade de aderir lista de possíveis reações à proposta de Picasso. Levando em conta que a proposta
modo tão literal a princípios "básicos". Essa outra tradição de modernidade - estam se dirige obviamente ao "povo", é em palavras desse tipo, em termos que falam de
pensando em Picasso, [Igor] Stravinsky, [T. S.] Eliot, Joyce - está a léguas de distânci prazeres lembrados e valores desejados, de uma dialéÚca entre passado e futuro, do
do ethos da arquitetura moderna. Fazendo da ambigüidade e da ironia uma virtu impacto de um conteúdo iconográfico, de um conflito simultaneamente temporal
não se julga em absoluto dona de um canal de comunicação seja com as verdades e espacial, que, para resumir um argumento anterior, se poderia começar a definir
ciência, seja com os padrões da história. uma cidade ideal do espírito.
"Nunca fiz ensaios ou experiências"; "Não consigo entender a importância que a Partindo da imagem de Picasso, nos perguntamos: o que é "falso" e o que é "ver-
buem à palavra pesquisa"; "A arte é a mentira que nos permite compreender a y, dadeiro", o que é "antigo" e o que é "de hoje"? E por causa da impossibilidade de dar
dade, pelo menos a verdade que nos é dada compreender"; "O artista deve conhecer uma resposta conciliatória a essa agradável dificuldade é que nos vemos obrigados,
maneira de convencer os outros da veracidade de suas mentiras"." Declarações co por.fim, a identificar o problema da presença do compósito (já prefigurado na Villa
essas de Picasso nos fazem lembrar a definição de [Samuel Taylor] Coleridge para Adnana) em termos de colagem. A colagem e a consciência do arquiteto, colagem
obra de arte bem-sucedida (também poderia servir para definir um feito político) co ~omo técnica e colagem como estado de espírito: Lévi-Strauss nos diz que "a moda
aquela que estimula "uma suspensão voluntária da descrença". Talvez Coleridge use lIltermitente di'
. as co agens, que surgIU quando o artesanato estava morrendo, não
tom mais inglês, mais otimista, menos impregnado da ironia espanhola, mas a idéi :de deIXar de ser [... ] outra coisa senão a transposição da bricolagem para a esfera
a mesma, fruto de uma percepção da realidade como algo difícil de lidar. É claro q contemplação".22
logo que começamos a pensar nas coisas dessa maneira, todos nós, a não ser o rn li A reCUsados arqui it e t os d o secu
. 1 . .
o xx a pensar em SImesmos como bricoleurs ex-
empedernido pragmático, começamos a nos afastar do estado de espírito alardeado P ca SUaindif das mai .
faJ. erença a uma as mais Importantes descobertas do século xx; pareceu
das afortunadas certezas do que às vezes se define como o mainstream da arquite tar slllcerid d' 1
ul _ a e a co agem, como se fosse um atentado aos princípios morais, uma
moderna, pois este é um território do qual a maior parte dos arquitetos e urbanistaS teraçao d 1 B
, e es. asta pensar na Natureza morta com cadeira de palha (1911-l2), de
casso su " .
excluíram. O estado de espírito muda completamente: continuamos no século xX, A '. a pnmeIra colagem, para começar a entender por quê.
a ofuscante crença moralista na unidade foi, enfim, posta ao lado de uma apreen nahsando essa obra, Alfred Barr diz o seguinte:
mais trágica da alucinante multiformidade das experiências, que dificilmente se des

314
315
[...) o fragmento da palha do assento da cadeira não é nem real nem pintado m
, as UllJ.
p~daço ~e lona colada ~a tela e depois ~arcialm~nte p.intado. Numa única pintura,
Pícasso Joga com a realidade e a abstraçao em dois meIOS e quatro diferentes ' .
_ nlvelS
ou proporçoes. [E) se paramos para pensar no que é mais "real", nos fiagramos d
·
I~zan d ' . es-
~ entre a estética e a cont~m~lação metafís~ca, pois o que nos parece mais real
e o mais falso e o que parece mais distante da realidade cotidiana é o mais real "
. • . 23 ' Ja que
menos irmtatrvo. .

o fac-símile em lona da palha da cadeira, um objet trouvé apanhado no submundo da


"baixa" cultura e alçado ao ~u~do superior da :'alta" arte, ilustra o dilema do arqui_
teto, uma vez que a colagem e Simultaneamente mocente e astuciosa.
De ~ato, entre os arqu~tetos,.somente Le Corbusier, um grande indeciso, ora raposa,
ora ounço, demonstrou simpatia por esse tipo de trabalho. Seus edifícios, embora não
os projetos urbanos, seguem um processo mais ou menos equivalente ao da colage
m. o terraço da cobertura De Beistégui do colagista Le Corbusier.
Objetos e episódios são obviamente importados e, apesar de conservarem os indícios
de suas origens e fontes, adquirem um efeito inteiramente novo devido à mudança de
contexto. No ateliê Ozenfant, por exemplo, encontramos um grande número de alu- preservar sua integridade e conferir-lhes dignidade, de combinar o informal com o
sões e referências que parecem ser basicamente agregadas pelo sentido de colagem. cerebral, a convenção e a quebra da convenção, opera necessariamente de modo ines-
Objetos díspares reunidos por meios variados, "físicos, óticos, psicológicos", perado. Um método rudimentar, "uma espécie de discordia concors, uma combina-
ção de imagens dessemelhantes, ou uma descoberta de semelhanças ocultas em coisas
a lona, com o detalhe em fac-símile muito evidente e a superfície que parece áspera, aparentemente díspares" - esses comentários de Samuel Iohnson sobre a poesia de
mas na realidade é lisa; [...) parcialmente absorvida na superfície pintada e nas formas [ohn Donne, que seriam igualmente aplicáveis a Stravinsky, Eliot, Ioyce, a boa parte
pintadas por deixá-Ias sobrepostas [...]24 do programa do cubismo sintético, indicam até que ponto a colagem se baseia num
jogo de normas e recordações, num olhar retrospectivo que, na opinião dos que pen-
. :. com pequeníssimas modificações (substituindo-se o fac-símile de lona pela tinta in- sam a história e o futuro como uma progressão exponencial para uma simplicidade
dustrial, a superfície pintada pela parede), as observações de Alfred Barr podiam ser cada yez mais perfeita, somente inspira a conclusão de que a colagem, apesar de todo
usadas para interpretar o ateliê Ozenfant. Não é difícil encontrar outros exemplos de seu virtuosismo psicológico (Anna Livia, toda aluvial), é um entrave deliberadamente
Le Corbusier como colagista: a óbvia cobertura De Beistégui; as paisagens vistas dos interposto ao rígido curso da evolução.
telhados - navios e montanhas - de Poissy e Marselha, pedregulhos espalhados na Evidentemente, a argumentação lida com duas concepções de tempo. Por um
Porte Molitor e no Pavilhão Suíço; um interior em Bordeaux-Pessac; e, especialmente. lado, o tempo se torna o metrô no mo do progresso, atribuindo-se aos seus aspectos
o pavilhão da exposição Nestlé de 1928. seqüenciais um caráter dinâmico e cumulativo; por outro lado, embora a seqüência
Entretanto, é evidente que, à exceção de Le Corbusier, indicações desse estado e a cronologia sejam reconhecidas pelo que são, admite-se que o tempo, privado de
de espírito são esparsas e raras vezes foram bem recebidas. Penso em [Berthold alguns de seus imperativos lineares, se reorganize em função de esquemas experimen-
Lubtetkin, em Hightpoint com suas cariátides Erectheion e pretensas imitações
2, tais. De um lado, a perpetração de um anacronismo é o maior de todos os pecados. De
pintura imitando madeira; penso em Moretti, na Casa del Girasole e seus fragment Outro, a idéia de data é de somenos importância. As palavras de [Filippo J Marinetti no
M 'C
de falsos antigos no piano rústico; e lembro ainda de [F~anco J Albini, no seu pal anltesto Futurista de 1909:
Rosso. Pode-se pensar também em Charles Moore. Mas a lista não é muito longa.
sua curta extensão é um admirável testemunho, um comentário sobre a exclusi Quando vidas têm de ser sacrificadas, não nos entristecemos se brilha diante de nós a
dade. A colagem, freqüentem ente um método de dar atenção às sobras do mundo, colheita magnificente de uma vida superior que sobrevirá à nossa morte [...) Estamos

316 317
no promontório extremo dos séculos! De que vale olhar para trás [...] nós já vivemos ubrovnik, que tenham a ver com o século xx ou o com o século xv. As sociedades e as
absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente. Cantaremos as grandes m p oas se reúnem de acordo com suas interpretações pessoais da referência absoluta
pess
tidões agitadas pelo trabalho; a ressaca multicolorida e polifônica da revolução.25 u do valor tradicional; e, em certa medida, a colagem se acomoda simultaneamente à
~bridaçãO e aos requisitos da autodeterminação.
E suas frases posteriores: Mas apenas em certa medida, porque, se a cidade da colagem pode ser mais aco-
lhedora que a cidade da arquitetura moderna, se ela talvez seja um meio de conciliar
A vitória de Vittorio Veneto e a ascensão ao poder do fascismo são uma realização a emancipação e ao mesmo tempo permitir a expressão legítima de todas opiniões
programa mínimo do futurismo [...] numa situação pluralista, ela não pode ser mais hospitaleira que qualquer outra insti-
O futurismo é estritamente artístico e ideológico [...] Profetas e pioneiros da tuição humana. A cidade aberta ideal, tal como a sociedade aberta ideal, é tão fictícia
de Itália de hoje, nós, futuristas, temos a satisfação de saudar em nosso primeiro- quanto a situação oposta. A sociedade aberta e a sociedade fechada, como possibili-
nistro, que ainda não completou quarenta anos, um maravilhoso caráter futurista. dades práticas, são caricaturas de ideais contraditórios, e é ao domínio da caricatura
que devíamos relegar todas as fantasias radicais de emancipação ou controle. Assim,
poderiam ser uma reductio ad absurdum do primeiro argumento. Já a frase de Pi é preciso admitir o grosso dos argumentos de Popper a favor da emancipação e da
sociedade aberta. No entanto, apesar da evidente necessidade de reconstruir uma teo-
Para mim, não existe nem passado nem futuro na arte [...] As diversas maneiras q~ ria crítica eficiente, que foi por tanto tempo negada pelo cientificismo, historicismo,
usei em minha arte não devem ser vistas como uma evolução ou como passos em . psicologismo, se quisermos construir uma cidade aberta para uma sociedade aberta,
ção a um ideal desconhecido de pintura [...] Tudo o que eu fiz foi para o presente e na teremos de reconhecer que há um desequilíbrio na tese geral de Popper comparável à
esperança de que permaneça sempre no presen t e. 26 que existe em suas críticas da tradição e da utopia. Isso parece dever-se a um foco ex-
clusivo em processos empíricos, que, afinal de contas, são extremamente idealizados,
pode ser interpretada como uma afirmação radical do segundo. Do ponto de vista teo e a uma má-vontade para tentar construir tipos ideais positivos.
gico, um argumento é escatológico, o outro remete à encarnação, mas, apesar de am As exuberantes perspectivas do tempo cultural, os abismos e profundidades histó-
serem necessários, o segundo, mais frio e abrangente, ainda chama a atenção. O segu ricas da Europa (ou onde quer que se julgue estar localizada a cultura), em confronto
argumento poderia incluir o primeiro, mas o inverso jamais será verdadeiro. Dito isso, com a insignificância exótica do "resto" do mundo, abasteceram as épocas anteriores
tamos agora em condições de abordar a colagem como um instrumento sério. da arquitetura, e a condição oposta é que vem distinguindo a nossa era - o desejo de
Considerando a cronolatria de Marinetti e a atemporalidade de Picasso; ten abolir quase todos os tabus da distância física, as barreiras do espaço e, com isso, uma
em vista a crítica de Popper ao historicismo (que também é Futurismo/futurismo determinação análoga para erigir as mais impenetráveis fronteiras temporais. Pensa-
as dificuldades da utopia e da tradição, os problemas da violência e da atrofia, o mos naquela cortina de ferro cronológica que na mente dos devotos pôs a arquitetura
posto impulso libertário e a alegada necessidade da segurança proporci~nada moderna em quarentena contra os males da livre e desembaraçada associação tempo-
.
ordem; levando em conta a estreiteza , . d a arma d ura eêtiica dos arqUitetos e
sectana ral. Mas, se é possível admitir as antigas justificativas (identidade, incubação, estufa), as
. - mais. razoáveis
visoes ,. d o cato l'icismo,
. a con t raçao
- e expansão - pergunto-me q razões para manter artificialmente o calor do entusiasmo começam agora a nos parecer
.. - ., . c d l'mitações da colag estranhas. No entanto, quando se reconhece que a limitação do livre comércio, no es-
outras soluções dos problemas SOCIaISsao viáveis rora as I
Limitações que deveriam ser óbvias o bastante, mas que prescrevem e asseguram paço ou no tempo, não pode sustentar-se indefinidamente sem perda de lucros, que
território aberto. rn ~ livre comércio a dieta fica muito restritiva e provinciana, que a sobrevivência da
. de colagem, que recruta o biJet os ou os retira de seu .
Pensamos que a técnica a~lOação corre perigo, e que, no fim, ocorrerá sempre alguma forma de rebelião dos
texto, é - nos dias de hoje - a única forma de abordar os problemas funda~ent3lS nhdos, tudo isso nos leva a identificar um aspecto da situação - um aspecto provável,
. bi . insendos na
A'

utopia e/ou da tradição, e que a ongem dos o jetos arqmtetolllcoS aspecto que poderia ter sido imaginado por Popper, e do qual as pessoas razoavel-
•• El
A • 1 - o com o gosto en~esensíveis poderiam muito bem se esquivar. Será que aceitação do livre comércio
lagem social não precisa ter grandes consequenClas. a tem re aça
.' ., . "C I 1"
convicção. Os objetos podem ser aristocráticos ou 10 c oncos , a
" cadêmicos . ou phca uma absoluta dependência dele? Os benefícios do livre comércio devem ser
d P' d D é de Detrolt O ompanhados tão-somente por um desenfreamento da libido?
pulares. Não tem importância se provem e ergamo ou o aome.
• A' A

318 319
De certa forma, a filosofia social de Popper é compassiva. É uma questão de ata, possui recursos próprios e, apesar disso, se condena a despesas desnecessárias, haverá
que e détente, ataque a atitudes que não contribuem para a détente. Mas uma pOstura de viver à custa de empréstimos ou do roubo."
intelectual como esta, que, ao mesmo tempo, concebe a indústria pesada e Wall Street
como tradições a serem criticadas e postula a existência de uma arena ideal de debates ComO sempre, Samuel Iohnson nos proporciona uma definição muito melhor de
(uma versão rousseauniana do cantão suíço completada pelo Tagesatzung orgânico?), algo parecido com a colagem do que somos capazes de formular. Suas observações
também pode inspirar ceticismo. propõem um intercâmbio em que todos os componentes retêm uma identidade en-
A versão de [Iean-Iaques] Rousseau do cantão suíço (de pouca utilidade para ele), riquecida pela ação recíproca, em que os respectivos papéis podem ser continua-
as reuniões de uma cidade da Nova Inglaterra (tinta branca e cabana da feiticeira?), a mente transpostos, em que o foco da ilusão está em constante fluxo com o eixo da
Câmara dos Comuns do século XVIII (não exatamente representativa), a reunião de um realidade, e, sem dúvida, alguns desses estados mentais devem instruir todas as
departamento universitário ideal: tudo isso - e mais uma miscelânea de sovietes, kibutz abordagens da utopia e da tradição.
e outras referências à sociedade tribal- faz parte das poucas arenas de discurso lógico e Isso me faz lembrar novamente de Adriano, me faz pensar no cenário distinto e
igualitário planejados ou edificados até nossos dias. E se obviamente precisamos de "privado" de Tívoli. Ao mesmo tempo, penso no Mausoléu (Castel Sant'Angelo) e no
muito mais arenas, enquanto especulamos sobre suas arquiteturas, somos levados a Panteão em suas localizações metropolitanas. E penso, sobretudo, no Panteão e em
pensar se estas seriam constructos meramente tradicionais. Isso introduz, primeira- seu óculo. O que pode suscitar a meditação sobre a publicidade das intenções, neces-
mente, o problema da dimensão ideal dessas diversas arenas, e, em seguida, indaga se sariamente singulares (mantenedora do Império) e a privacidade dos interesses intri-
é possível conceber certas tradições específicas (à espera da crítica) sem aquele grande cados, uma situação que não se parece em nada com a Ville Radieuse versus Garches.
corpo de tradição antropológica que inclui a magia, o ritual e a centralidade do tipo A utopia, platônica ou marxista, foi geralmente concebida como um axis mundi ou
ideal, e que supõe a presença incipiente da mandala da utopia. um axis istoriae. Mas, se ela atuou como uma agregação totêmica, tradicionalista e acrí-
Visto que estamos falando de uma condição de equilíbrio efetivo, embora não de tica de idéias, se teve uma existência poeticamente necessária e politicamente deplorável,
todo evidente, o cantão suíço ideal da imaginação e a comunidade da Nova Inglaterra do isso apenas confirma a tese de que uma metodologia de colagem, que acomoda toda
cartão-postal reclamam agora pelo menos uma breve atenção. Consta que o cantão suíço uma gama de axis mundi (todos utopias de algibeira - o cantão suíço, a cidadezinha da
ideal da imaginação, isolado mas aberto ao mercado, e a cidadezinha da Nova Inglaterra Nova Inglaterra, o Dome ofthe Rocks, a Place Vendôme, o Campidoglio, e semelhan-
do cartão-postal, fechada mas acessível a todas as transações comerciais, sempre preser- tes), bem poderia ser um meio de nos permitir desfrutar a poética da utopia sem nos
varam um obstinado e calculado equilíbrio entre identidade e benefícios. Dito de outra obrigar a passar pelo constrangimento da política da utopia. Isso é o mesmo que dizer
forma, para sobreviver, o cantão e a pequena cidade tiveram de mostrar duas faces. Nesse que, como a grande virtude do método da colagem está em sua ironia, no fato de parecer
ponto, porque é preciso impor ressalvas às idéias de livre comércio e de sociedade aberta, uma técnica de usar coisas e de, ao mesmo tempo, não acreditar nelas, também é uma
lembramos o precário "equilíbrio entre estrutura e acontecimento, necessidade e contin- estratégia que nos permite lidar com a utopia como imagem, trabalhar com fragmentos
gência, interno e externo", de que nos fala Lévi-Strauss." dela, sem nos obrigar a aceitá-Ia in tato. E isso nos sugere que a colagem, mesmo sendo
Ora, a técnica da colagem, por intenção se não por definição, insiste exatamente um suporte de ilusões utópicas de imutabilidade e finalidade, poderia alimentar uma
na centralidade desse ato de pôr em equilíbrio. Um ato de pôr em equilíbrio] Mas: realidade feita de mudanças, movimentos, ações e história.

o humor, como se sabe, é a inesperada copulação de idéias, a descoberta de alguma ["Collage City", fragmento extraído de "Collage City", Architectural Review 158, n. 942
relação oculta entre imagens que parecem ser muito distantes umas das outras. urna (ago. 1975): pp. 66-90. Cortesia do autor e do editor.]
efusão humorística pressupõe, então, um acúmulo de conhecimentos,

.
uma memó-
ria abastecida de noções que a imaginação seleciona para formar novas combinaçõeS-
bi ções coJJl
Seja qual for o vigor do pensamento, ele nunca pode formar muitas com ma
--
1.
2,
France Y t Th
s a es, e Art of Memory. Londres e Chicago: 1966, p. 79.
KarlPopper, C·onjectures and Refutations. Nova York, 1962.
poucas idéias, assim como não é possível tocar muitas variações de tons com p~uCOS 3
, StanfordAnderson, "Arch'itecture an d TradiItIOnTh at Isn ' t Trad Dad", Architectural Association
carrilhões. É verdade que o acaso pode às vezes produzir uma feliz comparaçao o JOurnal, v. 8 o, n. 892, 1956, é uma Importante
.
exceção.
um excelente contraste, mas esses lances da sorte não são freqüentes, e aquele que

320 321
4. Popper, op.cit., p. 13l.
Na verdade, a palavra originalmente usada por Steven Hurtt e Stuart Cohen foi contexturalis-
5. Ibid., pp. 358-60.
6. Public Papers of the Presidents of the United States, Richard Nixon 1969, n. 265. Declaração sob mo, uma combinação de contexto e textura. Estávamos interessados na textura urbana, o que
re al
criação do National Goals Research Staff os italianos chamam de tessuto urbano [ou tecido urbano] e na forma urbana. Não estávamos
7. Isaiah Berlin, The Hedgehog and the Fox. Nova York: 1957, p. 7· interessados em estilo [...] nossos projetos buscavam conciliar o urbanismo moderno com a
8. Ibid., p. 10. cidade tradicional [...] as insuficiências e os problemas da arquitetura moderna são urbanos,
9. Ibid., p. 14· não estilísticos [. ..] É possível fazer cidades de qualidade usando a arquitetura moderna, como
10. William J ordy, "The Symbolic Essence of Modern European Architecture of the Twenties and its bem demonstrou a Escola de Amsterdã na década de 1930.'
Continuing Influence", [ournal of the Society of Architectural Historians, v. XXII, n. 3, 1963.
11. Karl Popper, The Logic ofScientific Discovery, Nova York: 1959, originalmente publicado como
Este artigo contém uma das primeiras exposições da tese da "cidade-colagem" de
título de Logik der Forschung, Viena, 1934; The Poverty ofHistoricism. Londres, 1957.
Rowe, que Schumacher apresenta com intenções normativas. Uma das idéias mais
12.Christopher Alexander, Notes on the Synthesis of Form. Cambridge: 1964.
13.Claude Lévi-Strauss, The Savage Mind. Chicago: 1969, p. 16. importantes dessa teoria é a de que os espaços urbanos sólidos (os volumes dos
14.Lévi-Strauss, op. cit., p. 16. edifícios) e os espaços urbanos vazios (da rua e da praça) podem ser figurativos. O
15.Le Corbusier, Towards a New Architecture. Londres: 1927, pp. 18-19. [Por uma nova arquitetura, emprego de diagramas analíticos de figura-fundo evidencia a importãncia da forma
trad. Ubirajara Rebouças. São Paulo, Perspectiva, 1989]. dos espaços públicos para a criação do caráter da cidade. As cidades européias se
16.Lévi-Strauss, op. cit, pp. 18-19. caracterizam por espaços públicos figurativos bem delimitados, inclusive ruas e praças,
17.Ibid., p. 22. enquanto as cidades norte-americanas tendem a ter planos abertos, ilimitados, com
18.Ibid., p. 19.
jardins, calçadas arborizadas e parques.
19.Ibid., p. 22.
Uma segunda idéia importante da teoria contextualista é a do "edifício diferenciado".
20.Alfred Barr, Picasso: Fifty Years ofHis Art. Nova York: 1946, p. 27l.
Schumacher reconhece uma dívida com o livro de Robert Venturi, Complexidade e contra-
21.Barr, op. cit., p. 24l.
22.Lévi -Strauss, op. cito dição em arquitetura, na elaboração desse conceito. Cita em especial a afirmação de Ven-
23.Barr, op. cit., p. 79. turi de que o edifício deveria compatibilizar condições difíceis sem esconder a acomoda-
24.Ibid., p. 79. ção. O "edifício diferenciado" resume o ideal e o circunstancial, modificando as condições
25.F. T. Marinetti, textos do Manifesto Futurista de 1909 e do apêndice de A. Beltramelli, L'uomo Nuovo, do local e conciliando muitas influências sem perder sua" .rnaçibilidade"? gestáltica.
Milão: 1923. As duas citações estão em [ames [oll, Three Intellectuals in Politics. Nova York: 1960. O contextualismo propõe um meio-termo entre um passado irrealista congelado, que
26.Barr, op. cit., pp. 79-90. não admite nenhum desenvolvimento, e a renovação urbana que destrói toda a estrutura
27.Lévi-Strauss, op. cit., p. 30.
da cidade. Schumacher oferece a estratégia da cidade tradicional de fazer acréscimos
28.Samuel [ohnson, The Rambler n. 194, 25 jan. 1752.
graduais como modelo alternativo à demolição e reedificação em massa das décadas de
1950 e 1960. O modelo da cidade-colagem obteve grande repercussão nas faculdades
de arquitetura dos Estados Unidos, inclusive no Institute for Architecture and Urban Stu-
THOMAS L. SCHUMACHER • CONTEXTUALISMO: IDEAIS URBANOS E dies [IAUSl, onde Rowe lecionou entre 1967 e 1969.
DEFORMAÇÕES
Este manifesto apresenta as novas idéias (cerca de 1970) de Colin Rowe e seus
alunos do Ateliê de Desenho Urbano da Cornell University sobre os problemas da 1.ThomasI. Schumacher,declaraçãonão publicada,maio 1995. ]
construção no contexto da cidade. Como resultado de um balanço do urbanismo 2. A capacidadeque tem o objeto de evocar no observadordeterminada imagem, que pode ser
. a na- chamadade um misto de legibilidadee visibilidade.INTI
moderno, o grupo de Rowe, de quem Schumacher foi aluno, preconizoU
cessidade de dar fim à destruição das áreas do centro da cidade em conseqüên-
o
cia das novas edificações, e propõs a estratégia alternativa do "contextualism "
. S h her reCor
termo com que os estudantes designaram a teoria de Rowe. Thomas c umac
dou recentemente que:

322 323
THOMAS L. SCHUMACHER
edieval, ao mesmo tempo em que destruímos - em nome do progresso - o pouco
me urbanismo tradicional que ainda temos. O critério da obsolescência econômica

Contextualismo: ideais d
passa p
or cima de todos os demais. Se um edifício não compensa mais os custos, é
. _
abandonado. Os projetos de renovação que envolveram demolições em mass~ cna-
.

ram u m fosso entre o novo e o que existe, impedindo um e outro de proporCIOnar


urbanos e deformações um meio ambiente de alguma qualidade." A arquitetura moderna prometeu uma
to ia concebida à imagem da máquina. Mas não cumpriu a promessa. A essa altura,
~té~á para entender a defesa de uma filosofia revisionista e a volta às idéias da ci-
o tempo está maduro para a construção, não para bobagens. dade tradicional. Mas só isso não resolve nossos verdadeiros problemas. O preço da
LE CORBUSIER, 1922 terra e as necessidades econômicas de juntar pessoas em grandes aglomerados urba-
nos limitaram muito a flexibilidade da cidade capitalista. As pressões econômicas e
We can work it out I as preferências dos arquitetos, por exemplo, induzem à padronização da habitação
THE BEATLES, 1966 em pacotes infinitamente repetitivos, mais preocupados com o lucro do que com
a necessidade, e que só podem ser edificados na cidade-no-parque. Conseqüência
Se, por um instante, pusermos de lado nossos problemas urbanos (superpopulação, disso são as estruturas urbanas que nada têm a ver nem com o ser humano nem com
transportes, economia etc.), se nos colocarmos na improvável posição de abstrair um a vizinhança, cuja vida elas interrompem.
pequeno aspecto da realidade, poderemos examinar a forma da cidade urbana inde- Evidentemente, é preciso achar um meio-termo. Recuar para um passado inu-
pendentemente de suas múltiplas funções.' Fisicamente, a cidade do século xx é uma tilmente artificial é uma atitude irrealista, mas deixar que um sistema embrutecedor
combinação de conceitos simples: a cidade tradicional de ruas-corredores, malhas de domine e destrua o urbanismo tradicional é uma irresponsabilidade. O contextua-
ruas e quarteirões, praças etc., e a city-in-the-park [cidade-no-parque J. A cidade tradi- lismo, que se propõe conciliar essas duas idéias, tentou encontrar esse meio-termo.
cional nos oferece fundamentalmente a experiência de espaços delimitados por muros Mas antes de discutir idéias mais específicas, é preciso esclarecer alguns pressupostos
contínuos de edificações, arranjados de modo a fazer sobressair os espaços abertos e básicos da perspectiva contextualista para a solução dos problemas urbanos. Resu-
reduzir a ênfase dos volumes dos prédios. Pode-se caracterizá-Ia como o resultado de midamente, os argumentos são os seguintes: já que a forma não precisa mais corres-
um processo subtrativo de abrir espaços por entre as massas sólidas das construções. ponder à função, as finalidades e os programas das construções não precisam estar
A composição da cidade-no-parque (fenômeno que Le Corbusier definiu de modo expressos nas configurações dos edifícios e das cidades. Isso permite que se façam
cristalino como a Ville Radieuse) é exatamente inversa à da cidade tradicional. Com- compàrações entre diferentes contextos. Conseqüentemente, torna-se possível com-
posta de prédios isolados construídos em meio a uma paisagem de gramados e arvo- parar racionalmente o projeto de uma igreja com o de um conjunto residencial. A
redos, a cidade-no-parque parece realçar os volumes dos edifícios e não os espaços manipulação de formas em grande escala está diretamente ligada ao padrão de or-
que eles delimitam ou sugerem. ganização dos edifícios. As obras de pequena escala servem de análogos aos grandes
Apesar de um tanto arbitrária, a classificação da forma urbana em dois tipos é projetos. Dessa maneira, pode-se compreender a forma urbana como dotada de uma
bem próxima da realidade. Como a cidade do século xx é uma infeliz combinaçãO de vida própria, independente da finalidade, da cultura e das condições econômicas. As
cidade tradicional e diversas interpretações equivocadas da Ville Radieuse, o conta Continuidades formais entre períodos históricos passam a ser importantes fatores a
tualismo tentou resolver o dilema e fazer da cidade que conhecemos uma forma viável levar em conta.' Além disso, a natureza comunicativa da arquitetura como uma arte
para um futuro que promete uma imensa expansão urbana. Diante da realidade d nÜmética assume novo relevo. Essa atitude resulta da proposição de que os concei-
que a orgia de construções numa fase propícia da economia fez da vida nas cidades tos modernistas de utilidade e economia de meios, expressos na teoria funcionalista,
uma tremenda balbúrdia, parece-me imperioso parar e refletir. não são adequados para lidar com as complexidades da experiência moderna, e que
Até agora, a tendência das teorias modernas do urbanismo e suas aplicaçÕ Urn"excedente" de comunicação é um componente indispensável tanto dos edifícios
é de desvalorizar a cidade tradicional. 3 Contudo, não rompemos de todo com cOrnodas cidades." Assim,
Respeitamos e admiramos a graça sedutora e a escala humana da pitoresca ci

324
325
[...] as várias formas de arquitetura [...] constituem, acima de tudo, estruturas ou re-
presentações; isso quer dizer que, na realidade, a arquitetura, como qualquer outra
arte, é ao mesmo tempo realidade e representação."

É impossível verificar a validade dessas hipóteses. Embora elas não pareçam dizer res-
peito diretamente aos nossos inúmeros problemas urbanos, poder-se-ia alegar que
esses problemas não podem ser resolvidos pela arquitetura (ou pelo desenho urbano)
como um meio de comunicação direta, mas sim, provavelmente, pelos processos
econômicos e sociais dos quais a arquitetura é apenas um aspecto. Não se está argu-
mentando contra a relevância do social. O que se "está" discutindo é que, a partir de
certo ponto do processo de planejamento, outros critérios vêm à tona e nos permitem
julgar a forma final de nossas cidades. E, embora seja fácil desconsiderar essa fase (o
que, aliás, sempre acontece nos dias de hoje), é a aplicação consciente ou inconsciente
desses critérios que dá a muitas de nossas cidades sua ambiência particular.

Andréa Palladio, Villa Badoer


Um edifício é como uma bolha de sabão. A bolha fica perfeita e harmoniosa se o sopro
se distribui bem dentro dela. O exterior é o resultado do interior.
LE CORBUSIER, Por uma arquitetura, 1923

Contrastando com o frontalismo, fruto de uma concepção estática da vida, a nova


arquitetura se enriquecerá com o desenvolvimento de efeitos plásticos múltiplos no
tempo e no espaço.
THEO VAN DOESBURG, "24 Pontos da Nova Arquitetura", 1924

As frases acima são típicas de uma visão da forma arquitetônica que, apesar de con-
~ribuir para algumas das mais importantes especificidades da arquitetura e do urba-
nismo modernos como um estilo, também é responsável por muitos problemas com
que nos deparamos hoje para determinar o local dos edifícios e o desenho das cidades.
O conceito de que um edifício deve estar num centro de terreno, separado dos seus
vizinhos, ter múltiplos lados e sem fachadas preferenciais, certamente não é novo."
Nova para a arquitetura moderna é a insistência de que esse tipo de configuração seja
tomado como norma para todos os edifícios e não como uma forma específica para
certos usos particularmente importantes dos edifícios.
É comum descrever o desenvolvimento da arquitetura renascentista como uma
progressão histórica que começa na Loggia degli Innocenti, de Brunelleschi, e vai
até o Tempietto, de Bramante. Esse processo é geralmente caracterizado como um
Constante refinamento de temas, de formas inscritas a formas reais - da superfície
Theo van Doesburg, C. Van Esteren, Projeto para uma residência particular.
ao volume -, culminando com um templo cilíndrico encimado por um domo. Inde-
pendente do entorno, esse pequeno pavilhão circular e idealizado (quase sem função)

327
representou um ideal raramente atingível por edifícios construídos em locais e com
objetivos ligeiramente mais complicados. É possível encontrar alusões à perfeição
do Tempietto em edifícios construídos até o século xx. A igreja de Santa Maria della
Consolazione, em Todi, é um exemplo. Mas, na maioria das vezes, os arquitetos re-
ceberam a incumbência de atenuar o ideal e fazer adaptações tanto às funções como
às condições concretas." A Villa Badoer, de Palladio, é um exemplo das modificações
introduzi das numa forma "ideal", de múltiplos lados, a fim de conciliar as funções
realizadas em cada ala. Essa construção ainda sofre as restrições físicas do local que
geram os elaborados disfarces formais que os prédios urbanos não raro possuem.
O projeto de [Theo] van Doesburg e [Cornelis] van Eesteren para uma residência
particular, em 1922, é uma experiência semelhante à do Tempietto e contrasta com
a Villa Badoer. A construção de Van Doesburg é um edifício figurativo de múltiplos
lados, que depende do isolamento do seu entorno. Mas, além de ser figurativo (como
a Villa Badoer), também é "não-frontal". Esse projeto, em que nenhum plano de re-
ferência indica uma frente e que, portanto, também não tem laterais, assemelha-se
Giorgio Vasari, Palácio dos Uffizi, Florença. à idealização do Tempietto. Como essa igreja, o projeto é um protótipo. Essa idea-
lização dos edifícios tem sido uma constante na arquitetura moderna, seja por uma
preferência puramente formal, como as propostas do movimento De Stijl, seja por
representar uma unidade funcional ou um programa, como nos projetos e edifícios
da Bauhaus. A imagem do edifício como um objeto no centro de um terreno está tão
arraigada na percepção do arquiteto moderno que ele tende a ver edifícios de todas as
idades por essa ótica "escultórica". É por isso que o arquiteto moderno muitas vezes
se decepciona com os edifícios que visita e que não refletem essa preconcepção.
O arquiteto moderno geralmente se esquiva da noção de que algumas formas ideais
podem existir como fragmentos, superpostos como "colagens" em um ambiente em-
. pírico, e que outras formas ideais podem suportar complexas deformações no pro-
cesso de ajustamento a um contexto. Essa atitude foi reconhecida e deplorada por
Robert Venturi, que reivindicou a escolha "do híbrido em vez do 'puro', do distorcido
em vez do 'direito', do ambíguo em vez do 'claro' [... ]".10
O contextualismo busca explicar justamente como é possível adaptar formas idea-
lizadas a um contexto ou de que maneira se pode usá-Ias como "colagem"," os sistemas
de organização geométrica que podem ser abstraídos de qualquer contexto são os que
o contextualismo procura adivinhar como ferramentas para a elaboração de projetos.
Voltando à questão da cidade formada de sólidos "dentro" de vazios e de vazios
"dentro" de sólidos, a comparação entre o Palácio dos Uffizi, em Florença, e a Unité
d'Habitation, em Marselha, oferece uma valiosa analogia. A Unité é um prisma re-
Le Corbusier, Prédio de apartamentos, Marselha. tangular, alongado e sólido. O Palácio dos Uffizi é um prisma retangular, alongado e
Vazio. Ambos podem ser vistos como "figuras" cercadas por um "fundo" e cada qual
representa um modo de ver a cidade. Um vazio arquetípico visto como uma figura no

329
plano é uma ambigüidade conceitual, pois as figuras são geralmente pensadas co aceitar a situação e reconhecer a grande habilidade perceptiva de Peruzzi para "le-
volumes sólidos. Mas quando um vazio possui os atributos de uma figura, recebe~o~ vantar" o edifício, isolando-o do seu entorno.
terminadas propriedades que faltam a um "fundo" vazio. Enquanto a Piazza Barber' ~ Em um ambiente estreito e limitado, é importante reparar na localização de edifí-
em R orna, um "fu n do" . funci
o vazio, J •
nciona perreitamente b em para distribuir o trâ .Uli, cios de grande importância cultural que sofreram deformações específicas. A igreja de
_ " . nSlto,
mas nao para reunir pessoas, a Piazza Navona, um vazio figurativo, reúne pedestres S. Agnese na Piazza Navona talvez seja o mais puro exemplo disso. O partido básico é
com muita facilidade. uma cruz central encimada por um domo (semelhante a S. M. della Consolazione), um
Em sua dissertação de mestrado para a Universidade de Cornell,12não publicada edifício basicamente figurativo. Em virtude da fachada obviamente plana da piazza,
Wayne Copper pesquisou a natureza do vazio como figura e do sólido como fund ' o edifício teve de apoiar-se na geometria existente, contrariando o tipo de partido
o.
"Quando se admite que é possível inverter conceitualmente figura e fundo, conclui-se ideal. A igreja de S. Agnese é as duas coisas. Mantém a fachada da piazza e ao mesmo
sem dificuldade que seus papéis são interdependentes". Pensar num espaço urbano tempo a deforma sem quebrar-lhe a integridade, enquanto o domo parece projetar-se
famoso sem o apoio da massa sólida que lhe serve de "fundo" é obter um quadro in- para fora como convém à sua proeminência simbólica. As deformações do partido de
completo. É claro que a Praça de São Marcos, em Veneza, deve muito de sua vitalidade uma construção em especial, que sustentam uma leitura do prédio como forma ideal,
como espaço figurativo e centro de reunião de pessoas ao acúmulo de áreas densas não são apenas decorrências das influências de um contexto restrito. A diferenciação
circundantes, que a alimentam de pedestres e fornecem o contraste do sólido contra das faces de edifícios completamente figurativos também tem interesse. Colin Rowe
seu vazio. Visualizada em um desenho invertido em preto e branco, a ambivalência afirmou que a idealização absoluta de qualquer edifício útil é impossível do ponto de
do sólido e do vazio parece óbvia, e a tensão criada pela equivalência de "peso" visual vista lógico, porque, mesmo se nenhuma outra pressão influencia o seu desenho, no
suscita algumas perguntas interessantes: será que um espaço regular requer um fundo mínimo a entrada e a orientação agem como influências deformadoras.
de sólidos irregulares? É possível abstrair alguma norma de relações de tamanho entre O efeito dessas influências deformadoras da seqüência de uma entrada pode ser
ruas e praças do exame desses espaços? E, principalmente, será tudo isso irrelevante, observado no Pavilhão Suíço de Le Corbusier, que é geralmente mal compreendido e
tendo em vista que a altura dos edifícios varia e as verdadeiras superfícies que definem emulado como formado por uma laje bidirecional não hierárquica. De fato, há uma
o espaço "realmente" dão ao urbanismo sua ambiência peculiar? (Cabe lembrar aqui laje bidirecional, mas ela tem frente e fundo perfeitamente definidos, que são trata-
a velha idéia de que a Capela Sistina é simplesmente um celeiro, sem sua arquitetura dos da forma mais diferente possível, dentro dos limites de uma superfície plana. A
coberta de pinturas.) Entretanto, conforme observa Cooper, "[ ) seria absurdo tentar fachada de acesso é antecedida por duas superfícies curvas, uma áspera e a outra lisa,
analisar o centro de Manhattan em um único nível de escala [ ) apesar de que, no que realçam a impressão de planura do bloco em si, basicamente compacto. A fachada
caso de Roma, não seria nada demais". É óbvio que essa abstração não dá conta da "do jardim", por oposição, é uma cortina de vidro plana e transparente.
história toda, e no caso de Nova York quase não faz sentido. Como instrumento de Se o Pavilhão Suíço é um exemplo de um edifício "deformado" por um contexto
análise, porém, o desenho de figura-fundo nos põe imediatamente em contato com a relativamente flexível, um exemplo oposto (uma construção não-deformada dentro
estrutura urbana de um contexto específico. de um contexto comprimido) é o edifício da CBS, projetado por Eero Saarinen. Con-
A abstração de idéias pela via do conceito de figura-fundo, ou pela inversão (am- finada na malha viária apertada da cidade de Nova York e localizada na ponta final
bivalência) da relação figura-fundo, dá início à análise das formas ideais que se trans- de um quarteirão, a torre da CBS não dá importância ao fato de que suas quatro fa-
formaram em "urbanismo clássico", assim como dos contextos em que esses ideais chadas enfrentam condições distintas. As duas ruas, uma larga avenida e os prédios
se situam. A cidade ideal do Renascimento, por exemplo, começa como uma urbe adjacentes não foram absolutamente reconhecidos. Na realidade, as necessidades do
medieval, que reúne uma coleção de edifícios idealizados, e termina corno uma abs- local foram tão bem camufladas que é quase impossível descobrir as portas de acesso
tração geométrica imaginada para admitir todas as formas de estruturas individual- ao prédio. Pode-se ver ainda a intersecção do partido idealizado com seu meio circun-
mente idealizadas. Entre as duas está a realidade da cidade renascentista, uma urbe dante numa analogia em pequena escala, um detalhe do Palazzo Farnese de Antonio
medieval que deforma e é deformada pelos edifícios do renascimento que hosped~. de Sangallo, o Jovem. Na porta principal, o corredor central de uma seqüência de três
at tem a largura dos vãos típicos da arcada do pátio interno. Mas os corredores laterais
A città ideale de Peruzzi deve ser contrastada com a localização do Palazzo Rucell ,
que está situado numa rua estreita onde é impossível ter uma visão frontal da ~ua são mais estreitos, o que cria uma discrepância no ponto em que eles se cruzam com
fachada principal. Embora isso contrarie o que o Renascimento pretendia, é preCISO o pátio interno. Essa discrepância é compensada por uma faixa semelhante a uma

330 331
hélice de perspectiva forçada situada no pórtico do pátio. Nesse caso, duas formas
conflitantes são integradas numa solução que não só resolve uma intersecção difícil
como também não dissimula de todo a existência do problema. É uma solução "mais'
ou menos" para um problema de composição que, a despeito de não ser completa
enriquece o conjunto da composição. '
Embora esse exemplo não seja propriamente um microcosmo dos problemas da
forma urbana (principalmente os problemas de projeto), a natureza da solução é aná-
loga; o contextualismo tenta criar um ambiente em que abstrações desse tipo e gran-
des saltos de escala sejam instrumentos úteis.
Numa escala maior, a implantação do Palazzo Borghese e os arranjos produzi-
dos para adaptar uma condição local complexa explica a conseqüência urbana das
adaptações criadas por Sangallo para o Palazzo Farnese. Essa espécie de ajustamento é
diferente do que foi introduzido na igreja de S. Agnese, pelo arranjo estrutural e edifi-
cação mais complicados e pelo modo como responde mais efetivamente às exigências
do local. Aqui, o cortile arquetípico do Renascimento está inserido numa configura-
ção estranha. As incongruências geométricas são resolvidas pelo acréscimo de novas
geometrias que "colhem" e absorvem as direções excêntricas.
Os exemplos da igreja de S. Agnese na Piazza Navona e do Palazzo Borghese
representam configurações em que respostas fragmentárias são arranjadas de modo
a parecerem fazer parte do partido do projeto. Um segundo tipo de configuração ur-
bana no qual os prédios são postos junto com elementos diretamente relacionados ao
contexto e apenas acidentalmente ao prédio em si é o complexo de S. Giovanni, em
Laterano. Com suas dimensões modificadas por acréscimos realizados ao longo dos
séculos e em resposta a exigências específicas, o complexo de Laterano (uma "mega-
estrutura" de escala moderada) exibe as características de uma colagem. A fachada
principal liga-se ao pórtico de S. Giovanni, a benediction loggia relaciona-se com a
Via Merulana (o eixo de Sixtus v da Santa Maria Maggiore), e o Pallazzo Laterano se
articula com a Piazza S. Giovanni. Todos os elementos se juntam no corpo da igreja
que "não" responde às influências deles, mas conserva sua parte interna como uma
basílica arquetípica quase sem modificações.
A Catedral de Florença tem semelhanças com a igreja de S. Giovanni pela adapta-
ção local às condições do contexto. Nesse caso, o conceito do edifício como simulta-
neamente figura e fundo é explorado. A fachada principal serve de fundo ao batistério,
que é totalmente figurativo, e à Piazza S. Giovanni. A parte de trás da catedral fun-
ciona como figura que invade e ativa a Piazza del Duomo. É uma espécie de edifício
diferenciado que consegue responder a muitas exigências do contexto sem perder sua
imagibilidade como Gestalt. Esse tipo de construção é raro na arquitetura moderna [alto à .
, esquerda] Catedral de Florença. Wayne Copper, "Figura-fundo"
(o Instituto de Pensões de Helsinki, projeto de [Alvar] Aalto, é uma exceção, coIllO to
:al , à direita] Stuttgart, Wayne Cooper, "Figura-fundo':
também o são muitas obras de Le Corbusier). O edifício de Aalto é muito diferente embaixo] Gunnar Asplund, Chancelaria Real, Estocolmo. Wayne Cooper, "Figura-fundo"

332
daquela construção moderna tipicamente pitoresca que "[ ... ] separa as funções em Como na pintura cubista, quando as geometrias organizativas não têm fundamento
alas interligadas ou em pavilhões conectados."!' nos próprios objetos, tornam-se quase infinitas as possibilidades de combinar vários
Se associarmos as exigências urbanas reconhecidas nos exemplos que acabo de citar edifícios em um sistema de ordem que distribui a cada construção um pouco da orga-
ao conceito de idealização mediante requisitos programáticos (isto é, se deformarmos nização. Para limitar a gama de possibilidades, usam-se tradicionalmente os sistemas
a bolha de sabão de Le Corbusier), chegaremos a uma construção "contextual" logica_ de rede ou malha urbana. O Departamento de Projeto Urbano da Universidade de
mente equilibrada. O edifício de escritórios, apesar de quase sempre idealizado como CorneU, sob a direção de Colin Rowe, tem feito experiências sobre a interação
um bloco único, pode apresentar qualquer número de formatos funcionais. Um belo de sistemas de redes, diagonais e curvas. No projeto para a área litorânea de Buffalo,
exemplo dessa flexibilidade é o projeto que [Eric] Gunnar Asplund inscreveu no Con- elaborado pelos estudantes sob a coordenação do professor Rowe, as malhas da ci-
curso para a Chancelaria Real de Estocolmo em 1922. Realizado no mesmo período em dade foram exploradas e sobrepostas espacialmente, para facilitar a movimentação e o
que Le Corbusier estava projetando sua Ville Contemporaine, o projeto de Asplund ti- "sentido de lugar" .15 O projeto propõe uma aplicação cuidadosa da ordem, na acepção
nha um ponto de vista oposto. Na Ville Contemporaine, o prédio de escritórios foi idea- cubista, e a introdução de deformações específicas em edifícios idealizados. O sistema
lizado como uma torre cruciforme - uma coleção de conceitos sobre um edifício-tipo_. funciona quase como um processo direto. Os campos são identificados por meio da
apresentado numa forma parecida com um cartoon. Para Asplund, o impacto simbólico abstração da cidade com o auxílio de desenhos de figura/fundo. Os campos mais úteis
específico do edifício-tipo subordinava-se à sua relação com o local. O esquema básico do ponto de vista da localização e atividade são reforçados e demarcados. As áreas de
resultante liga indissoluvelmente o edifício ao contexto numa forma que tende a dissi- choque são realçadas como problemas por resolver. No caso de Buffalo, tomou-se a
mular os limites do terreno da construção. No caso, a importância simbólica relativa área da prefeitura como foco de dois importantes sistemas de malhas, um deles ligado
do conjunto arquitetônico na cidade se realiza localmente pela localização do pórtico à beira-mar e o outro com a cidade. Os dois sistemas são reunidos pela sobreposição
da entrada do eixo principal. Esse pórtico funciona do mesmo modo que a Loggia delle de áreas e de edifícios geometricamente multifuncionais.
Benedizioni da igreja de S. Giovanni em Laterano. A configuração estrutural da chance- Um desdobramento desse enfoque, mas em contexto mais rígido, foi o projeto
laria sugere uma estratégia de "substituição progressiva", em que elementos sucessivos para o Harlem, preparado pelo grupo de Cornell, que participou de uma exposição
se ligam diretamente aos elementos adjacentes. Embora o conjunto arquitetônico res- organizada pelo Museu de Arte Moderna: Novas Cidades, Arquitetura e Renovação
ponda ao contexto local, não se reduz em absoluto a um mero catálogo das exigências Urbana." O projeto estudou as particularidades da Malha de Manhattan. Pratica-
do sítio. Ao contrário, o projeto de Asplund segue a melhor tradição da idéia de Venturi mente sem hierarquia, a malha não oferece nenhuma oportunidade paraa localização
do "tanto [...] como". É simultaneamente receptivo e assertivo, a um só tempo figura e de edifícios importantes ou centros de convivência. Tampouco se nota a existência de
fundo, tanto introvertido como extrovertido, igualmente idealizado e deformado. interseções predominantes: o oposto de uma cidade medieval. Como todas as ruas
Outro salto na escala leva ao estudo de "áreas" ou "campos"!" dentro do plano são iguais, a orientação inicial se perde e torna-se desorientação. Não há nenhum sen-
de uma cidade em particular. Quando abstraídos, são recursos óbvios de organização tido de "lugar", porque nenhum lugar é diferente do outro. Evidentemente, a cidade
para desdobramentos futuros e também esquemas conceitualmente prototípicos para medieval é o oposto disso. Difícil adivinhar a princípio, a cidade medieval logo pro-
edifícios em deformação. Os planos de Stuttgart e Munique revelam a existência de porciona total orientação conforme nos familiarizamos com ela. No caso do Harlem,
áreas geralmente relacionadas com determinados períodos de desenvolvimento. As o solo desigual e a diagonal da St. Nicholas Avenue são as únicas possibilidades de
abstrações de figura/fundo revelam que o acaso, edifícios importantes e grandes es- dar vida à malha. Além disso, a intrusão de enormes áreas habitacionais abandonadas,
paços tendem a dividir a cidade numa série de campos fenomenicamente transparen- exemplos medíocres de conceitos abstraídos da Ville Radieuse, sugeriu como resolver
tes, cuja organização lembra a de uma pintura cubista. "Na pintura cubista", afirma o problema da recuperação da área. Desse ponto de vista, ficou claro que alguma coisa
Cooper, "o espaço pictórico é fragmentado numa interminável colagem de element~s tinha de ser tentada para fazer com que os vários projetos habitacionais parecessem
superpostos, raramente completos em si", cuja "organização se produz por referen- ter sido projetados para conviver uns com os outros e com o ambiente circundante.
cia a elementos maiores, que muitas vezes lhes são sobrepostos". Nos agrupament~S Para isso, ou se "explodiam" os projetos por áreas de predomínio do vazio, demar-
humanos "um campo de objetos pode ser considerado uma unidade quando estes sao cando claramente suas fronteiras, ou se "agrupavam" os projetos a fim de lhes devol-
definidos por certos meios dissimilares de organização, ou quando, em virtude de uma Verum contexto. As áreas de grande atividade, onde novos e importantes espaços fo-
idiossincrasia da forma, polarizam-se num poderoso agrupamento". ram criados, adaptaram-se ao contexto existente mediante edifícios multifuncionais.

334 335
Robert Venturi, Complexity and Contradiction in Architecture. Nova York: Museum ofModern
o conjunto de edifícios situado no grande eixo leste-oeste da 12Sth Street encosta, de 1·O
Art, P: 22.
um lado, nos blocos de prédios fronteiros e, do outro lado, reage quase violentamente l l. Colagem urbana no sentido literal é provavelmente uma impossibilidade semântica, salvo numa
às várias influências sobre sua fachada "jardim", de frente para uma imensa praça. situação como a de Claes Oldenburg, que pôs um batom numa paisagem urbana. Para os fins
O nível de abstração desses projetos permite a idealização dos edifícios ou como deste ensaio, colagem quer dizer a colocação de elementos formalmente díspares em um deter-
símbolos ou como programas. Há uma dependência de certos partidos-tipo da arqui_ minado contexto.
tetura moderna. No Estúdio de Desenho Urbano da Universidade de Cornell várias 12.Wayne Copper, The Figure/Grounds. Ithaca: Cornell University Press, 1967.
vezes atribuímos aos edifícios funções que correspondiam muito grosseiramente à 13.Venturi, op. cit., p. 38.
14.Ver Cohen e Hurtt, op. cit., p. 22.
sua forma-tipo; no entanto, deve-se enfatizar que a intenção primordial foi criar um
15.Buffalo Waterfront Project: Colin Rowe, Werner Seligmann, Ierry Alan Wells, críticos; Richard
método formal abreviado para explicar a um arquiteto imaginário as pressões do Con-
Baiter, Richard H. Cardwell, David W. K. Chan, Wayne Copper, Harris N. Forusz, Alfred H.
texto. Desse modo, quando ele defronta com um problema de projeto para avaliar as
Koetter, Maketo Miki, Elpídio F. Olimpio, Franz G. Ozwald, estudantes.
formas pré-deformadas que lhe foram dadas a título de exercício de desenho urbano , 16.The New City: Architecture and Urban Renewal. Nova York: Museum ofModern Art, 1967.
o arquiteto está de posse de uma informação que lhe mostra como começar a tomar
decisões. O processo só funciona bem se o arquiteto estiver disposto a reconhecer a
flexibilidade de qualquer programa e sua capacidade de envolver qualquer quantidade ROBERT VENTURI E DENISE SCOTT BROWN • UMA SIGNIFICAÇÃO
de concepções de projeto. O fato de o arquiteto conhecer os partidos-tipo para pro- PARA OS ESTACIONAMENTOS DOS SUPERMERCADOS A&P,
gramas de edifícios tradicionais é uma boa ajuda nesse exercício. OU APRENDENDO COM LAS VEGAS
o Neste ensaio, incluído no livro Aprendendo com Las Vegas (em co-autoria com
IG
["Contextualism: Urban Ideais and Deformations", publicado em Casabella n. 359-60, 1971, Steven Izenour, 1972). Robert Venturi e Denise Scott Brown argumentam que os
'"
li
tti
pp. 79-86. Cortesia do autor e da editora.] arquitetos deviam simplesmente" realçar" o que existe no ambiente em lugar de
11
! presumir, à maneira elitista do modernismo, que tudo o que existe é ruim. Apro-
a.
li fundando a provocativa crítica ao mundo urbano que Venturi realizou em Complexi-
1. "A gente pode resolver o problema" [N.T.). dade e contradição em arquitetura, este artigo propõe uma abordagem "revolucio-
2. Essa maneira de abordar o projeto urbano é fruto do trabalho coletivo dos alunos de pós-gradu- nária" para os arquitetos. Os autores prevêem, no entanto, que essa atitude mais modesta
ação da Universidade de Cornell, sob a orientação de Colin Rowe, entre 1963 e esta data. O pro-
e tolerante não será facilmente assimilável pelos arquitetos mais esnobes, treinados para
fessor Rowe é responsável por muitos argumentos usados neste artigo. O termo "contextualismo"
seguir a máxima de Daniel Burham: "Não pensem pequeno".
foi usado pela primeira vez por Stuart Cohen e Steven Hurtt numa dissertação de mestrado não
• Defendendo a inclusão do corredor comercial ao longo das rodovias como válido urba-
publicada, intitulada "Le Corbusier: The Architecture ofCity Planning".
3. A pressuposição do movimento moderno era que as formas ocidentais existentes tinham de ser com- nismo norte-americano, Venturi e Scott Brown afirmam que aLas Vegas Strip é análoga à
pletamente substituídas. O livro de van Doesburg Europe is Lost e o de Le Corbusier There Can Be No piazza romana, com o que estabelecem uma comparação propositadamente provocadora,
New Architecture Without New City Planning são dois exemplos entre muitos outros. já que a piazza é um paradigma dileto para o meio urbano fechado, e os autores admitem
4. Ver Robert A. M. Stern, New Directions in American Architecture. Nova York: George Braziller, 1969. que a Strip 1 é aberta e caótica. Igualmente provocativa é a comparação que os autores
5. Isso lembra as teorias de Julien Guadet. Ver Colin Rowe, "Review ofTalbot Hamlin's Forms and fazem entre a onipresente rede de supermercados A&P e seus estacionamentos e a ar-
Functions of zoth-Century Architecture", Art Bulletin, maio 1953. Ver também Reyner Banham, quitetura paisagística formal de Versalhes. Venturi e Scott Brown descrevem o estaciona-
Theory and Design in the First Machine Age, 1959.
mento como um aspecto da "etapa atual de evolução dos grandes espaços", o que reduz
6. Ver Christian Norberg-Schulz, "Meaning in Architecture", in Charles [encks e George Baird
os sofisticados jardins franceses a um espaço aberto" residual".
(org.), Meaning in Architecture, Nova York: George Braziller, 1969.
Ironias à parte, essas analogias e declarações escandalosas, que parecem não reco-
7. Luigi Moretti, "Form as Structure", AA [ournal Arena, 1967.
8. Alberti fala sobre a localização de templos separados de seu entorno, como faz Palladio. nhecer diferenças qualitativas, fazem parte da estratégia retórica dos autores para forçar
9. Sitte mostrou que no século das 225 igrejas de Roma, apenas seis eram edifícios isolados. Camillo
XIX uma reconsideração dos aspectos da disciplina da arquitetura, que eles consideram mar-
Sitte, City Planning According to Artistic Principies, trad. Collins. Nova York: Random House, 1965, ginalizada e menosprezada. Embora pareçam usar com brilhantismo uma argumentação
p. 26 [A construção das cidades segundo seus princípios artísticos. São Paulo: Ática, 1992). lógica, suas conclusões lançam dúvidas sobre o processo: os resultados caricaturam o

336 337
discurso lógico e válido e deixam os arquitetos conscienciosos intrigados quanto ao A retórica Ide Aprendendo com Las Vegasll ...1é ideologia em sua forma mais pura [...1Venturi
uso
que poderiam dar à "contribuição" desses autores. e Scott Brown [de modo ambivalentel exploram essa ideologia como forma de nos fazer

É preocupante, mas esclarecedor das intenções de Venturi e Scott Brown, que eles perdoar o inexorável kitsch de Las Vegasa

tenham incluído no texto uma negação do conteúdo de sua argumentação: "Las Vegas é
aqui analisada somente como um fenõmeno de comunicação arquitetônica·
'
seus vai
ores
o debate publicado entre Frampton e Venturi e Scott Brown é famosíssimo. Por outro lado,

não são questionados". O que Ihes interessa é o veículo da comunicação (mais que as im- não é difícil entrever certa simpatia pelas opiniões de Venturi e Scott Brown nos escritos do

plicações da mensagem) como parte da questão pós-moderna maior do sentido. Assim arquiteto holandês Rem Koolhaas, que faz uma defesa semelhante da valorização das edge

eles chamam a atenção para o papel semiótico dos anúncios publicitários na paisagem' cities,4 num artigo publicado neste mesmo capítulo.

e o engrandecem para transformá-Io em arquitetura (ver semiótica, capo 2). Afirmam, Por
exemplo, que, se "tirarmos os letreiros, não existe o lugar", o que põe em questão a
1. Strip é o nome popular da maior avenida da cidade de Las Vegas (Boulevard Las Vegas), conhecida pela
insistência dos fenomenologistas na criação do lugar como a contribuição dos arquitetos
localização dos grandes cassinos, hotéis, motéis, restaurantes, clubes noturnos, com seus anúncios e
para a habitação (ver Norberg-Schulz, capo 9; Gregotti, capo 7; Frampton, capo 11). Portanto,
letreiros luminosos. Por extensão, o termo Strip aplica-se a todo corredor comercial situado à margem
para Venturi, Scott Brown e Associados, os edifícios e suas propriedades espaciais são
de estradas de rodagem na paisagem americana. IN.T1
irrelevantes, exceto por fornecerem uma parede que pode ser usada como outdoor. Essa
2. Trata-sedo projeto de Venturi para um museu de futebol que segue o modelo do "galpão decorado': Um
idéia evolui para a preferência, que ambos declaram em outro artigo publicado poucos
enorme painel eletrônico, onde são exibidas imagens de eventos esportivos e outros fatos dignos de
meses mais tarde, pelo decorated shed (o "galpão decorado", uma "caixa bruta" à qual se ser lembrados, domina a suposta entrada do museu. O museu propriamente dito fica atrás do painel
agregou um simbolismo), sobre o duck (" pato", uma forma expressionista funcionalista). e consiste em um espaço abobadado como um galpão. A construção funciona, portanto, como um
A força iconográfica dessa oposição e sua concisão fizeram dela uma das imagens mais quadro para os cartazes. IN.TI
conhecidas, apesar de polêmicas, da teoria recente da arquitetura. 3. Kenneth Frampton, Modern Architecture: A Critical History. Nova York: Thames and Hudson, 1985, p. 291.
4. A edge city caracteriza uma das formas da urbanização norte-americana a partir dos anos 1950, que
O grupo VSBA realizou pesquisas sobre as possibilidades comunicativas da superfície
associa um padrão de periferização a grandes empreendimentos imobiliários (residenciais, de serviços,
da parede em alguns de seus projetos, inclusive no famigerado "edifício-outdoor" Football
de comércio varejista de grande porte e de indústrias limpas) no cruzamento de grandes cinturões rodo-
Hall of Farne? Como quase sempre acontece com projetos que operam nos limites de
viários intermunicipais. Segundo Joel Garreau, elas são definidas por cinco regras básicas: área ]
uma disciplina, eles não foram construídos. Mas isso não Ihes diminui o impacto como
superior a 5 milhões de pés quadrados de espaço para escritório, mais de 600 mil pés quadrados
provocações irônicas. de comércio de varejo de alcance regional, população pendular, destinações tendencialmente
Sempre acentuando que seu ensaio é apenas" um estudo sobre método", os autores exclusivas e a área não deve ter nada de semelhante a uma cidade. Ver Joel Garreau, Edge Citv:
divulgaram sua técnica de análise num ateliê de projeto em Yale, em 1968, do qual também life on the new frontier, Nova York: Doubleday, 1991. IN.R.TI
participou Izenour. Por evitarem assumir uma posição crítica, os autores são vistos como
apologistas da proliferação do corredor comercial nos Estados Unidos. A deprimente e an-
tiecológica expansão dessas áreas comerciais às margens das rodovias ganhou legitimi-
dade devido justamente à atitude indulgente, e até aprovadora, desses influentes teóricos
e educadores. Isso torna compreensíveis as críticas levantadas às opiniões manifestadas
pelos arquitetos do grupo VSBA neste ensaio e no livro Aprendendo com Las Vegas. Em
Geoqreotw of Nowhere (1993), James Howard Kunstler analisa, com indignação, pela ótica
de um jornalista e de um cidadão, a ubiqüidade do fenômeno da Strip e seu impacto so-
ciocultural nas cidades norte-americanas. Outros arquitetos criticaram veementemente a
orientação teórica do grupo VSBA, acusando-a de capciosa e condescendente, inclusive
Demetri Porphyrios e Kenneth Frampton. Os escritos de Frampton sobre o período pós-mo-

derno estão repletos de objeções como as seguintes:

338 339
ROBERT VENTURI E DENISE SCOTT BROWN descobriram a arquitetura rústica e convencional de sua época. Os primeiros arqui-
tetoS modernos se apropriaram do vocabulário convencional da indústria, sem mui-

Uma significação para taSadaptações. Le Corbusier adorava silos e barcos a vapor; a Bauhaus parecia uma
fábrica; Mies aprimorou os detalhes das siderúrgicas norte-americanas para fazer
edifícios de concreto. Os arquitetos modernos trabalham com analogias, símbolos e

os estacionamentos imagens - embora não tenham medido esforços para desqualificar quase todos os de-
terminantes de suas formas, exceto a necessidade estrutural e o programa - e derivam
insights, analogias e estímulos de imagens inesperadas. Há algo paradoxal no processo
dos supermercados de aprendizagem: olhamos para trás, para a história e a tradição, a fim de seguir em
frente; e também podemos olhar para baixo a fim de ir para cima.

A&P, ou Aprendendo Arquitetos que são capazes de aceitar as lições da arquitetura vernacular primitiva, tão
fáceisde captar numa exposição como Arquitetura sem Arquitetos, e da arquitetura ver-
nacular industrial, tão fácil de adaptar-se a um vernáculo eletrônico e espacial nas com-

com Las Vegas plexas megaestruturas neobrutalistas ou neoconstrutivistas, não admitem com a mesma
facilidade o valor do vernacular comercial. Para o artista, criar o novo pode significar a es-
colha do velho ou do existente. Os artistas pop reaprenderam isso. Nosso reconhecimento
da arquitetura comercial existente na escala da rodovia está dentro dessa tradição.
Para um escritor, a substância não consiste somente nas reali- O que a arquitetura moderna fez não foi tanto excluir o comercial vernacular
dades que ele pensa que descobre; ela consiste muito mais nas quanto tentar assumir seu comando, inventando e impondo um vernacular próprio,
realidades que a literatura, os idiomas de seu tempo e as imagens aperfeiçoado e universal. Ela rejeitou a combinação das belas-artes com a arte rudi-
ainda vivas da literatura do passado puseram à sua disposição. mentar. A paisagem italiana sempre harmonizou o vulgar e o vitruviano: os contorni
Estilisticamente, um escritor pode exprimir seu sentimento com ao redor do duomo, a lavanderia do portiere do outro lado do portone do padrone,
relação a essa substância, seja pela imitação, se esta lhe agrada, a supercortemaggiore contra a abside românica. Crianças nuas jamais brincaram em
seja pela paródia, se não lhe cai bem. nossas fontes e r. M. Pei nunca estará feliz na Rota 66.
RICHARD POIRIER1

A~QUITETURA COMO ESPAÇO


Para um arquiteto, aprender com a paisagem existente é uma maneira de ser revolu-
cionário. Não do modo óbvio, que é derrubar Paris e começar tudo de novo, como Os arquitetos se encantaram com um único elemento da paisagem italiana: a piazza. É
sugeriu Le Corbusier na década de 1920, mas de outro modo, mais tolerante, isto é, mais fácil gostar do espaço tradicional da piazza, fechado, intrincado e dimensionado
questionando a maneira como vemos as coisas. na escala do pedestre do que o espraiamento espacial da Rota 66 e de Los Angeles. Os
O corredor comercial, especialmente aLas Vegas Strip - seu exemplo por exce- arquitetos foram educados no Espaço, e o espaço fechado é o mais fácil de manejar.
lência -, desafia o arquiteto a assumir um ponto de vista positivo e não arrogante Durante os últimos quarenta anos, os teóricos da arquitetura moderna (com a even-
ou depreciativo. Os arquitetos perderam o hábito de olhar para o ambiente sem fa- tual exceção de Frank Lloyd Wright e de Le Corbusier) trataram o espaço como o ele-
zer julgamentos porque a arquitetura moderna ortodoxa é progressista, quando não mento essencial que separa a arquitetura da pintura, da escultura e da literatura. Suas
revolucionária, utópica e purista; ela está insatisfeita com as condições existentes. A definições exaltam a singularidade do meio e, embora a escultura e a pintura possam
arquitetura moderna pode ter sido tudo, menos permissiva: os arquitetos preferiraJ1l ter às vezes características espaciais, a arquitetura escultórica ou pictórica é inaceitável,
mudar o entorno existente a realçar o que já existe. porque o espaço é sagrado.
Mas obter um insight a partir do lugar-comum não é nenhuma novidade: a arte . A arquitetura purista foi, em parte, uma reação ao ecletismo do século XIX. As
eru d·ita muitas
. vezes segue a arte pop ul ar. O's arquitetos românticos d o se'culo xvIII
A'
Igrejas góticas, os bancos renascentistas e os palácios de Jaime I da Inglaterra tinham

340 341
um caráter francamente pictórico. A mistura dos estilos representava a mistura dos
não estamos livres das formas do passado e da disponibilidade dessas formas como
meios. Adornados em estilos históricos, os edifícios evocavam associações explícitas
modelos tipológicos, mas [...) se presumimos que estamos livres delas, perdemos o
e alusões românticas ao passado para transmitir um simbolismo literário, eclesiástico,
controle sobre uma área muito ativa de nossa imaginação e capacidade de comunica-
nacional ou programático. As definições da arquitetura como espaço e forma a ser- ção com os outros."
viço do programa e da estrutura não eram suficientes. A sobreposição de disciplinas
talvez tenha diluído a arquitetura, mas enriqueceu-lhe o significado.
porém a maioria dos críticos desprezou a iconologia contínua da arte comercial popu-
Os arquitetos modernos abandonaram uma tradição iconológica em que a pin-
lar, a heráldica persuasiva que permeia nosso ambiente, desde as páginas de publici-
tura, a escultura e o grafismo se combinavam com a arquitetura. Os delicados hieró_
dade da revista New Yorker até os super-outdoors de Houston. E a teoria que defendem,
glifos sobre um arrojado pórtico egípcio, as inscrições arquetípicas numa arquitrave
a da "degradação" da arquitetura simbólica no ecletismo do século XIX, impediu-os de
romana, as procissões em mosaico na igreja de Sant' Apollinare, as tatuageris oblí-
notar o valor da arquitetura figurativa que se espalha ao longo das rodovias. Aqueles
quas nas paredes de uma capela de Giotto, as hierarquias incrustadas em torno de
que reconhecem esse ecletismo das margens das estradas o denigrem, porque ele exibe
um portal gótico, até mesmo os afrescos ilusionistas de uma villa veneziana, todos
ostensivamente tanto o clichê de dez anos atrás como o estilo de um século atrás. E por
contêm mensagens que vão além de uma contribuição ornamental ao espaço arqui- que não? Hoje o tempo passa depressa.
tetônico. A integração das artes na arquitetura moderna sempre foi considerada uma
O motel Miami Beach Modern, situado num trecho descampado de uma estrada
coisa boa. Mas ninguém pintou sobre uma obra de Mies. Painéis pintados flutuavam
do sul de Delaware, lembra aos motoristas esfalfados o luxo bem-vindo de um balneá-
independentes da estrutura por meio de junções invisíveis; a escultura ficava dentro
rio tropical, persuadindo-os, talvez, a desistir da encantadora fazenda do outro lado
ou perto, mas raramente sobre o edifício. Objetos de arte eram usados para reforçar
da divisa com a Virgínia, chamado Motel Monticello. O verdadeiro hotel de Miami
o espaço arquitetônico em detrimento do seu próprio conteúdo. A estátua de Kolbe
alude à elegância internacional de um balneário brasileiro, o qual, por sua vez, deriva
no Pavilhão de Barcelona servia para realçar os espaços direcionados: a mensagem
do Estilo Internacional do Corbu em sua fase intermediária. Essa evolução de uma
era principalmente arquitetônica. As tabuletas diminutas encontradas nos prédios
fonte alta para epígonos baixos, passando por etapas intermediárias, levou apenas
modernos continham apenas as mensagens indispensáveis, como "Senhoras", ênfa-
trinta anos. Hoje, a fonte intermediária, a arquitetura neoeclética das décadas de 1940
ses menores aplicadas a contragosto.
e 1950, é menos interessante do que suas adaptações comerciais. Cópias de beira de
estrada de Ed Stone são mais interessantes que o verdadeiro Ed Stone.'
ARQUITETURA COMO SíMBOLO
O anúncio luminoso do Motel Monticello, a silhueta de uma enorme cômoda
chippendale, pode ser visto da estrada antes mesmo do motel. Essa arquitetura de
que documentaram "o declínio dos símbolos pop ul ares " na
Os críticos e historiadores
estilos e signos é antiespacial; é uma arquitetura mais de comunicação que de espaço;
.
arte apoiaram a atitude dos arquitetos moderno orto doxosoue
oxos, que evi
evitavam o simbo-
. a comu' - d .
. mcaçao ormna o espaço como um elemento na arquitetura e na paisagem.
lismo da forma como uma expressão ou reforço do conteúdo: o significado devia ser
Mas Visaa uma nova escala de paisagem. As associações filosóficas do velho ecletismo
,.
comunicado pelas características fi'sionornrcas meren tes
A' • c
es a rorrna.
ã A criação da forma eVOcava . 'fi d .
m slgm ca os sutis e complexos para serem saboreados nos espaços dóceis
arquitetônica devia ser um processo lógico, livre das imagens da experiência do pas-
de uma paisagem tradicional. A persuasão comercial do ecletismo das margens das
sado, determinada exclusivamente pelo programa e pela estrutura, com a aju. d a even- estradas pr de· .
o uz um torte Impacto no vasto e complexo arranjo de uma nova paisa-
tual da intuição, como sugeriu Alan Colquhoun.i id gem de grandes espaços, altas velocidades e programas complexos. Estilos e signos
Mas alguns críticos recentes têm levantado dú id as quanto ao ruve
UVI ' I de conteu . o estabelecem - . 1
conexoes entre muitos e ementos, a grande distância e vistos depressa. A
que pode ser deduzido de formas abstratas. Outros d emonstraram que o s funCiona . ll1ensage" .
m e grosseiramente comercial, o contexto é basicamente novo.
listas não obstante suas declarações em contrano," d esenvo Ivera m um vocabuláClO Trinta an trá . di '.
os a ras, um motonsta po Ia manter um sentido de onentação no es-
formal, próprio inspirado, sobretudo, nos movimentos
. , .
artísticos con t e mporâneoS
. paço Na' . 1 ilh d
su .' . mais slmp es encruzi a a, uma pequena placa com uma seta confirmava
no vernacular industrial. E seus epígonos contemporâneos, como o grupo Archl~ a tntulção' bi d H .
. as pessoas sa Iam on e estavam. oJe em dia, a encruzilhada é um trevo
têm se voltado, a despeito de protestos semelhantes, para a arte pop e para a indus rOdoviár' . , ,. , . .
41. 10. para dobrar a esquerda e preciso entrar a direita, uma contradição que
espacial. Na realidade, não só ·l.l.lanD'A .
rcangelo evocou de maneira pungente numa gravura. Mas o motorista não

342
343
tem tempo para ponderar sutilezas e paradoxos no meio de um labirinto tortuoso e gens substituíram a persuasão oral do comerciante. Em outra escala, o shoppíng center,
perigoso. Ele confia na orientação das placas de sinalização - enormes letreiros em perto da estrada, traz de volta, em seus corredores de pedestre, a rua medieval.
vastos espaços, em alta velocidade.
A dominação das placas de sinalização sobre o espaço na escala do pedestre TRADiÇÃO HISTÓRICA E O SUPERMERCADO A&P
ocorre nos grandes aeroportos. A circulação numa grande estação ferroviária exigia
um pouco mais que um simples sistema de eixos levando do táxi até o trem, passando o estacionamento do supermercado A&P é a etapa atual da evolução dos grandes es-
pelas bilheterias, lojas, sala de espera e plataforma, praticamente sem sinalização. Os paços desde Versalhes. O espaço que separa a estrada de alta velocidade e os prédios
arquitetos fazem objeção às placas de sinalização nos edifícios: "se a planta é clara, baixos e dispersos não produzem fechamento algum e fornecem poucas orientações.
você pode entender para onde deve ir". Mas programas e situações complexas exigem Andar por uma piazza é mover-se entre as formas altas que a circundam. Mover-se
combinações complexas de meios de comunicação além da simples tríade arquitetô_ nessa paisagem é deslocar-se por uma vasta textura expansível: a megatextura da pai-
nica de estrutura, forma e luz a serviço do espaço. Eles sugerem uma arquitetura de sagem comercial. O estacionamento é o parterre da paisagem do asfalto. Os desenhos
comunicação arrojada em vez da expressão sutil. das fileiras de estacionamento dão tanta orientação quanto os desenhos do calçamento,
o meio-fio, os limites e o tapís verts orientam as pessoas em Versalhes. Redes de pos-
A ARQUITETURA DA PERSUASÃO tes de luz substituem os obeliscos e as fileiras de urnas e estátuas como pontos de
referência e continuidade no vasto espaço. Mas são os letreiros à beira da estrada
o trevo rodoviário e o aeroporto se comunicam com multidões em movimento, de que, por suas formas escu!tóricas ou silhuetas pictóricas, suas posições específicas no
carro ou a pé, por razões de eficiência e segurança. Mas as palavras e os símbolos tam- espaço, suas figuras inclinadas e seus significados gráficos que identificam e dão uni-
bém podem ser usados no espaço para a persuasão comercial. Se nas feiras do Oriente dade à megatextura. Eles estabelecem conexões verbais e simbólicas através do espaço,
Médio não há placas ou letreiros, a Strip é praticamente toda sinais. Nas feiras, a co- comunicando a distância uma complexidade de sentidos em poucos segundos. O sím-
municação se faz pela proximidade. Caminhando por suas estreitas aléias, os compra- bolo domina o espaço. A arquitetura não é suficiente. Como as relações espaciais são
dores sentem e cheiram as mercadorias, e o comerciante se encarrega da persuasão feitas mais por símbolos do que por formas, a arquitetura nessa paisagem se torna
explícita. Nas ruas estreitas da cidade medieval, embora houvesse sinais, a persuasão se símbolo no espaço antes de forma no espaço. A arquitetura define muito pouco: o
fazia principalmente pela visão e pelo cheiro de bolos e pães concretos, através das grande letreiro e o pequeno edifício são a regra na Rota 66.
portas e janelas da padaria. Na Main Street, as vitrines das lojas, à altura dos pedestres, O.le:r~iro é mais importante que a arquitetura. Isso se reflete no orçamento do
e os anúncios luminosos externos, perpendicularmente à rua, para os motoristas, do- pr~~r.letano: o anúncio luminoso na frente do prédio é uma extravagância usual; o
minam a cena de modo quase igual. ~?lfIcIO,atrás, uma necessidade modesta. Barato ali é a arquitetura. Às vezes, o prédio
No corredor comercial, as vitrines dos supermercados não mostram mercadorias. e o anúncio: o restaurante na forma de um hambúrguer é um símbolo escultórico e
Pode haver cartazes anunciando as promoções do dia, mas é para serem lidos pelos Umabrigo arquiteto" ruco. A contra diiçao
- entre o extenor
'" e o interior era comum na
pedestres que chegam do estacionamento. O edifício em si fica longe da estrada e meio arquitetura ant es do rnovi d "
o movimento mo erno, principalmente na arquitetura urbana e
escondido pelos carros estacionados, aliás, como quase tudo no meio urbano. O vasto mo~~mental. Os domos barrocos eram ao mesmo tempo símbolos e construções es-
estacionamento fica na frente do prédio, não na parte de trás, porque, além de uma paciais maior . al
, .' es e mais tos na parte externa do que na parte interna para dominar o
conveniência, ele também é um símbolo. O prédio é baixo, porque o ar-condicionado cenano urbano íbli
. e passar ao pu ICO sua mensagem simbólica. As fachadas falsas das lo-
exige espaços baixos e as técnicas mercadológicas desaconselham um segundo andar. Jas do Oeste t . . h . .
nor e-amencano tm am o mesmo sentido, Eram maiores e mais altas do
A arquitetura do prédio é neutra, porque quase não é visto por quem vem da estrada. que os interiores a '. ,. d .
d P ra comunicar a unportancra a loja e realçar a qualidade e uni-
A mercadoria e a arquitetura estão desconectadas da rodovia. O grande letreiro salta dade da rua. Mas fachadas falsas são da ordem e da escala da Main Street. A cidade do
à vista para ligar o motorista à loja, e ao longo da estrada misturas para bolo e deter- eserto e a a t t d d O d h . -
u o-es ra a o este e oJe nos dao novas e vívidas lições a respeito de
gentes são anunciados pelos fabricantes em enormes outdoors voltados para a estrada. uma arquit tura i d '-
. e ura Impura e comumcaçao. As construções pequenas e baixas, de um
O letreiro no espaço tornou-se a arquitetura dessa paisagem. Do lado de dentro, tOm clnza-a d d c
marronza o como o eserto, atastarn-se e recuam do nível da rua que
voltou ao sistema da feira, exceto pelo fato de que as palavras escritas nas ernb agora é a est d c h dei -
A&P ra a, suas rac a as ra sas estao separadas e postas perpendicularmente

344
345
à estrada como grandes e altos letreiros. Se tirarmos os letreiros, não existe o lugar. A. çãO de uma série posterior de cassinos se estendeu para o sul, na direção do aeroporto,
cidade do deserto é comunicação intensificada ao longo da rodovia. a entrada da cidade na escala dos aviões a jato.
Las Vegas é a apoteose da cidade do deserto. Visitá-Ia na metade da década de A primeira visão que se tem da arquitetura de Las Vegas é uma réplica do termi-
1960 era como visitar Roma no final da década de 1940. Para os jovens norte-ameri_ nal da TW A, projeto de Eero Saarinen, que abriga o edifício do aeroporto local. Além
canos dos anos 1940, que só tinham familiaridade com a cidade na forma da malha dessa peça de imagem arquitetônica, as imagens são dimensionadas para a escala dos
dimensionada para o automóvel e das teorias antiurbanas da geração anterior de ar- carros alugados no aeroporto. Dali se vislumbra a famosa Strip, que, com o nome de
quitetos, os espaços urbanos tradicionais, a escala do pedestre, as misturas e contínuj, Rota 91, liga o aeroporto ao centro da cidade
dades de estilos das piazze italianas foram uma importante revelação. Eles redescobri_
ram a piazza. Duas décadas depois, os arquitetos talvez estejam prontos para receber SISTEMA E ORDEM NA STRIP
lições semelhantes sobre o grande espaço aberto, em grande escala e alta velocidade.
Las Vegas é para a Strip o que Roma é para a piazza. A imagem do corredor comercial é caótica. A ordem da paisagem não é óbvia. A con-
Há outros paralelos entre Roma e Las Vegas: a expansão para a Campagna e o tinuidade da estrada e seus sistemas de conexões são perfeitamente coerentes. Na faixa
deserto do Mojave, respectivamente, que tende a concentrar e a esclarecer suas ima- central estão os retornos necessários para um giro de carro dos freqüenta dores dos
gens. Cada cidade sobrepõe vividamente à estrutura local os elementos de uma escala cassinos, bem como as entradas à esquerda que dão para as ruas laterais que cortam
supranacional: as igrejas na capital religiosa, os cassinos e seus letreiros luminosos na a Strip. O meio-fio permite freqüentes entradas à direita, para a área dos cassinos e
capital do entretenimento. O efeito disso é uma violenta justaposição de funções e outros estabelecimentos comerciais e facilita os difíceis acessos para os estacionamen-
escalas em ambas as cidades. As igrejas de Roma, as ruas transversais e as piazze, são tos. Os postes de iluminação são supérfluos em muitos trechos da Strip que são forte-
abertas ao público; o peregrino, o religioso e o arquiteto podem andar de igreja em mente iluminados, embora de modo intermitente, pelos anúncios luminosos; mas a
igreja. Em Las Vegas, o jogador e o arquiteto, da mesma maneira, podem percorrer regularidade de sua forma e posição, e de sua linha arqueada, já começa a identificar
os vários cassinos ao longo da Strip. Os cassinos e os vestíbulos de Las Vegas, monu- durante o dia o espaço contínuo da rodovia. e seu ritmo constante faz um contraste
mentais e muito decorados, abertos ao público são - com a exceção de alguns velhos eficaz com os ritmos desiguais dos letreiros.
bancos e estações ferroviárias - casos únicos nas cidades dos Estados Unidos. O mapa Esse contraponto reforça o contraste entre dois tipos de ordem na Strip: a ordem
de Roma feito por Nolli em meados do século XVIII mostra as complexas e sensíveis visual óbvia dos elementos da rua e a ordem visual difícil dos edifícios e letreiros. A zona
conexões entre os espaços públicos e os espaços privados da cidade. As construções da estrada é uma ordem compartilhada. A zona à margem da estrada é uma ordem indi-
privadas são marcadas por hachuras em cinzento, cortadas pelos espaços públ~co~. vidual. Os elementos da estrada são cívicos. Os edifícios e letreiros são privados. Com-
exteriores e interiores. Esses espaços, abertos ou cobertos, são minuciosamente indi- binados, esses elementos abarcam a continuidade e a descontinuidade, o ir e o parar,
cados em poché mais escuro. Os interiores das igrejas são lidos como praças e pátios clareza e ambigüidade, cooperação e competição, a comunidade e o mais inflexível in-
dos palácios, com grande variedade de atributos e escalas. Um mapa de Las Vegas tra- dividualismo. O sistema da estrada ordena as funções sensíveis de saída e entrada, assim
çado nos moldes de Nolli revela e esclarece o que é público e o que é privado em outra como a imagem da Strip como uma totalidade seqüencial. Ele gera também locais para a
escala, embora a iconologia dos sinais no espaço requeira outros métodos gráficos. expansão de empreendimentos individuais e controla a direção geral desse crescimento.
Um mapa convencional de Las Vegas mostra duas escalas de movimento dentrO Possibilita, além disso, a variedade e a mudança ao longo de suas margens e acomoda a
da malha da cidade: a da Main Street e a da Strip. A rua principal de Las Vegas é a Fre- ordem contrapontística e competitiva dos empreendimentos individuais.
. . -' 1 li o longo de . Há uma ordem ao longo das margens da rodovia. Grande variedade de atividades
mont Street, e a mais antiga das duas concentraçoes de cassinos oca za-se a .
. .. c . pelo tihntar daS ~eJUstapõe na Strip: postos de gasolina, pequenos motéis e cassinos multimilionários.
três ou quatro quarteirões dela. AlI, os cassinos se parecem com terras eet
. hotéi d F emont Str angalôs convertidos em capelas matrimoniais ("aceitam-se cartões de crédito") com
máquinas caça-níqueis próximas da calçada. Os cassinos e oteis a r de
o acréscimo d e um campanano "'1 I urruna
. d o com neon
. po d em aparecer em qualquer
convergem para a estação ferroviária na cabeceira da rua, onde se juntam as escalas .
. . - doviária é h' entrada rn~ POnto
. da'd . h .
avern a no camin o para o centro da CIdade. Nem é preciso haver uma pro-
movimento da estação e da rua principal. A estaçao ro oviana e OJea
. - c .• . d F mont Street lUmidade
. . d'lata entre fu nçoes
une - a fins, como na Main . Street, em que se pode andar a
movimentada da cidade, mas o foco axial na estaçao terroviana a re
· de a cons pe de 10)'a e m Ioi . - na S'tnp se craz de carro, transitando
0Ja, porque a mteraçao pela estrada.
visual e, possivelmente, simbólico. Isso faz um contraste com a Stnp, on

347
346
Todo mundo vai de carro de um cassino para o outro, mesmo quando são adjacentes, Os letreiros, mais ainda que os prédios, são direcionados para a estrada. O grande
porque a distância real entre eles é grande; por isso, a presença de postos de gasolina letreiro - independente do prédio e mais ou menos pictórico ou escultural- volta-se
de vez em quando é bem vista. na direção da rodovia por sua posição perpendicular à estrada e nas margens dela, por
sua escala e, às vezes, pela forma. A placa luminosa do Aladdin Casino parece acenar
A ARQUITETURA DA STRIP
para a estrada por sua forma inclinada, tridimensional e com partes giratórias. O le-
treiro que indica o Dunes é mais casto: é apenas bidimensional e suas costas repetem
o complexo hotel-cassino típico da Strip inclui um edifício perto o suficiente da rodo_ a frente, mas é uma estrutura da altura de 22 andares que pulsa à noite. O do Mint
via para ser visto detrás dos carros estacionados, mas longe o bastante para acomodar Casino, na esquina da Rota 91 com a Fremont Street, está voltado para o cassino, mas
vias de serviço, retornos de pista e a área de estacionamento. O estacionamento na situado a vários quarteirões de distância. Em Las Vegas, os anúncios luminosos em-
frente é um símbolo: ele tranqüiliza o cliente, mas não obscurece o edifício. É um esta- pregam diversos meios - palavras, imagens, esculturas - a fim de persuadir e informar.
cionamento de prestígio: o cliente paga. A maior parte dos estacionamentos que mar- O mesmo anúncio funciona como uma escultura policromática à luz do sol e como
geiam o complexo tem acesso direto ao hotel e é visível da estrada. O estacionamento silhueta escura contra o sol; à noite, é uma fonte de luz. Ele gira durante o dia e parece
nunca fica atrás. As escalas de movimento e espaço da estrada determinam as distâncias mexer-se pelo jogo de luz à noite. Contém escalas para ser visto em close-up e a distân-
entre os edifícios: devem ser bastante afastados para serem vistos em alta velocidade. O cia. Las Vegas tem o letreiro mais comprido do mundo, o do Thunderbird, e o mais
valor do metro quadrado da frente dos estabelecimentos ainda não alcançou os preços alto, do Dunes. Vistos a distância, alguns mal se distinguem dos hotéis altos da Strip.
da antiga Main Street, de modo que área de estacionamento ainda é uma boa forma de O anúncio luminoso do Pioneer Club, na Fremont Street, fala. Seu caubói, de cerca de
aproveitar o espaço. O grande espaçamento entre os edifícios é característico da Strip. dezoito metros de altura, diz "Howdy Pardner"? a cada 30 segundos. O grande lumi-
Um único cartão-postal pode conter uma vista do Golden Horseshoe, do Mint Hotel, noso do Aladdin gerou um menor, de proporções semelhantes, para marcar a entrada
do Golden Nugget e do Lucky Casino. Mas uma foto da Strip é menos espetacular; seus do estacionamento. "Mas que letreiros!" - diz Tom Wolfe.
enormes espaços devem ser vistos como seqüências em movimento.
A fachada lateral do complexo hotel-cassino é importante porque pode ser vista Eles se erguem em formas diante das quais o vocabulário atual da história é impotente.
da estrada a uma distância maior e durante mais tempo do que a fachada principal. Posso apenas tentar oferecer nomes - Bumerangue Moderno, Palheta Curvilinear, Es-
As empenas ritmadas das laterais compridas e baixas, em madeira entremeada de al- piral Flash Gordon de Alerta Ming, Parábola do Hambúrguer do McDonald's, Elipse
venaria, do Aladdin Casino, com seu estilo inglês medieval, são nitidamente visíveis do Mint Casino, Miami Beach Kidney."
do outro lado do estacionamento pelos letreiros e pela gigantesca estátua do posto
de gasolina Texaco vizinho, e contrastam com o estilo oriental moderno do lado da Os edifícios também podem ser anúncios luminosos. À noite, na Fremont Street, edi-
frente do cassino. As fachadas dos cassinos da Strip geralmente se inclinam, na forma fícios inteiros se iluminam, mas não pelo reflexo de focos de luz; eles mesmos se tor-
e na decoração, para a direita, como que saudando os carros que vêm da pista da nam fontes de luz devido aos tubos de néon colocados bem próximos uns dos outros.
direita. Os estilos modernos geralmente têm um portão largo e alto na diagonal. ~s
estilos internacionais brasilianóides adotam formas livres. Postos de gasolina, motéiS OS ESTilOS DE lAS VEGAS
.
e outros tipos de construções simples seguem em geral esse SIstema d'fl-para
e m exao
a estrada por meio do posicionamento e da forma de seus elementos. Qualque~ que O cassino de Las Vegas é uma combinação de formas. O complexo projeto do Caesar's
seja a fachada, os fundos dos edifícios não têm estilo, porque o prédio todo está VIrado Palace - o mais recente - inclui salas de jogos, salões de jantar e banquete, clubes no-
para a frente e ninguém vê o que está atrás. turnos e au ditó ojas e um hotel completo. É também uma combinação de estilos.
itórios, loi
Para além da cidade, a única transição entre a Strip e o deserto do Mojave é uma A colunata da fachada é São Pedro Bernini na planta, mas Yamasaki no vocabulário e
zona de latas de cerveja oxidadas. Dentro da cidade, a transição é geralmente abrupta na escala: o mosaico azul e dourado é dos primórdios do cristianismo, do túmulo de
.
e impiedosa. Os cassinos, cujas fachadas se articulam com tanta sensi ibilid
I I a d e com a ~alla Placidia. (Naturalmente, a simetria barroca do seu protótipo impede uma infle-
estrada, dão as costas malconservadas eixan doo a VIsta as fo rmas e os
para o entorno, dei ã

lCaoà direita nessa fachada.) Adiante e acima, está uma laje barroca à Gio Ponti-Pirelli
espaços residuais dos equipamentos mecânicos e das áreas de serviço. e, mais al ' I b . il
em, por sua vez, uma a a aixa no est o de motel neoclássico moderno. Esses

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estilos são integrados pela ubiqüidade das telas de Ed Stone. O paisagismo também bui para uma sensação de privacidade, proteção, concentração e controle. O labirinto
é eclético. Dentro da Piazza San Pietro está o estacionamento. Entre os carros estacio_ intrincado sob o teto rebaixado jamais se liga com a iluminação externa ou com o
nados, erguem-se cinco fontes em vez das duas de Cada Maderno; os ciprestes da Vílla espaço exterior. Isso desorienta o visitante no espaço e no tempo. Ele perde a noção
D'Este pontuam ainda mais o ambiente do estacionamento. O rapto das Sabinas , d e de onde está e de que horas são. O tempo é ilimitado, porque a iluminação é a mesma
Gian da Bologna, e estátuas de Vênus e Davi, com pequenos exageros anatõmicos, en- à meia-noite ou ao meio-dia. O espaço é ilimitado, porque a luz artificial mais obscu-
feitam a área em torno do portão de entrada. Quase cortando ao meio uma Vênus, há rece do que define suas fronteiras. A luz não é usada para definir o espaço. Paredes e
um anúncio da locadora de automóveis Avis, indicando o escritório da agência local. tetos não servem como superfícies para refletir a luz, mas são absorventes e escuras. O
A aglomeração do Caesar's Palace e da Strip em seu conjunto lembra o espírito, espaço é fechado, mas sem limites, porque suas bordas são escuras. Os pontos de luz,
senão o estilo, do fórum romano tardio com suas ecléticas acumulações. Mas o lu- os candelabros e as resplandecentes máquinas caça-níqueis, que parecem jukeboxes,
minoso do Caesar's Palace, com suas colunas clássicas e plásticas, está mais para o são independentes das paredes e do teto. A iluminação é antiarquitetõnica. Baldaqui-
etrusco do que para o romano no sentimento. Embora não tão alto quanto o letreiro nos iluminados, mais do que na inteira Roma, pairam sobre as mesas no sombrio e
do Dunes ao lado ou o símbolo da Shell do lado oposto da avenida, a base é enrique- ilimitado restaurante do Sahara Hotel.
cida por centuriões romanos laqueados como os hambúrgueres de Oldenburg, que Os espaços interiores, com iluminação artificial e ar-condicionado, complemen-
espiam por sobre o mar de carros seu império desértico que vai até as montanhas dis- tam a luz ofuscante e o calor do deserto agorafóbico dimensionado para a escala do
tantes. Seu séqüito de esculturas, carregando bandejas de frutas, sugere as festividades automóvel. Mas a parte interna do pátio do motel, atrás do cassino, é literalmente
que acontecem no interior e serve de fundo para as fotos de família dos turistas do o oásis num ambiente hostil. Seja no estilo orgânico moderno ou no barroco neo-
Meio-Oeste. Imensos anúncios luminosos miesianos anunciam artistas caros e anti- clássico, o pátio contém os elementos fundamentais do oásis clássico: jardins, água,
quados como [ack Benny, em letreiros no estilo da década de 1930, apropriado para plantas, uma escala íntima e espaço fechado. Ali estão a piscina, as palmeiras, a grama
Benny, embora não tanto para a arquitrave romana que quase ornamenta. A caixa de e outras culturas importadas, plantadas num pátio pavimentado cercado pelos bal-
luz não está na arquitrave; ela está deslocada do centro, sobre as colunas, para que cões ou varandas das suítes do hotel, de modo a garantir a privacidade. O que torna
fique voltada para a estrada. palpitantes os guarda-sóis de praia e as chaise Zangues é a lembrança recente e vívida
dos automóveis hostis no deserto de asfalto do lado de fora. O oásis do pedestre no
o OÁSIS INTERNO deserto de Las Vegas é o recinto principesco do Alhambra e a apoteose de todos os
pátios internos de motel com piscinas mais simbólicas do que úteis, dos restaurantes
Se os fundos do cassino são diferentes da frente em nome do impacto visual na pai- baixos com interiores exóticos e das galerias comerciais da Strip americana.
sagem dominada pelo automóvel, o interior contrasta com o exterior por outros mo- .
tivos. A seqüência interna, a partir da porta de entrada, passa da área de jogos para o O ESPAÇO GRANDE E BAIXO
restaurante, salas de diversões e de compras até o hotel. Os que estacionam ao lado
e entram por ali podem interromper a seqüência, mas a circulação do todo tem por Em ~as Vegas, o cassino é um espaço grande e baixo. É o arquétipo de todos os espa-
foco as salas de jogos. Em um hotel de Las Vegas, a recepção está sempre atrás de ç~s tnteriores públicos cuja altura é reduzida por causa do orçamento e do ar-condi-
quem entra; à frente, estão as mesas de jogo e máquinas caça-níqueis. O saguão é a ~Ionado. (Os tetos baixos e espelhados também permitem a observação das salas de
sala de jogos. O espaço interno e o pátio, exageradamente separados do entorno, pa- J~g?s.) No passado, o volume era determinado pelo vão estrutural; era relativamente
recem um oásis. facil consegui r aura.
lt H"oje, e 1:'
rac il consegUir. o vão e o volume é determinado por limi-
tações me A • A •

canicas e econorrucas da altura. Mas as estações ferroviárias, os restaurantes


e as arcada . . d
A ILUMINAÇÃO DE LAS VEGAS . s comerciars e apenas três metros de altura refletem uma mudança de
atitude
_ em re 1açao- a, monumenta lid I a d e em nosso ambiente. No passado, os grandes
vaos Com al .
A sala de jogos é sempre muito escura; o pátio, sempre muito iluminado. Mas arn suas turas concorrutantes eram um elemento da monumentalidade arqui-
tetônica M
bos são fechados: a primeira não tem janelas; o segundo abre-se apenas para o céu. ~ d . as nossos monumentos não são o ocasional tour de force de um Astro-
combinação de escuridão e confinamento da sala de jogos e seus subespaços con orne, Um Lincoln Center ou de um aeroporto subsidiado. Estes provam apenas que

350 351
os espaços grandes e altos não criam necessariamente a monumentalidade da ar tlitantes que a compõem. O caos está sempre muito próximo; sua proximidade, e
q
tetura. Substituímos o espaço monumental da Pennsylvania Station por um metrô a vontade de evitá-lo, dá [... ] força"."
superfície, e, se o terminal da Grand Central Station mantém sua monumentali Las Vegas é aqui analisada apenas como um fenômeno de comunicação arquite-
isso se deve principalmente à sua esplêndida conversão em veículo de publicida tônica; seus valores não são questionados. A publicidade comercial, os interesses do
Assim, raramente obtemos uma monumentalidade arquitetônica quando tentam 'ogo e os instintos competitivos são outro problema. A análise de uma igreja drive-in,
nosso dinheiro e nossa habilidade não vão para a monumentalidade tradicional ~esse contexto, corresponde à de um restaurante drive-in, porque este é um estudo
- d id d . di'
expressava a coesao a comum a e por mero e e ementos arqUltetônicos de grandê que sobre método, não sobre conteúdo. No entanto, não há razão alguma pela qual os
escala, unificados e simbólicos. Talvez se deva admitir que nossas catedrais são ca- métodos de persuasão comercial e a silhueta dos luminosos não possam servir ao pro-
pelas sem a nave e que, com exceção dos teatros e dos estádios esportivos, o espa pósito de intensificação cívica e cultural. Mas isso não compete só ao arquiteto.
comunal grande é um espaço para multidões de anônimos sem relações explícitas!
com os outros. Os labirintos grandes e baixos do restaurante à meia-luz com espa, A ARTE E O VELHO CLlCHÊ
ços reservados combinam o estar juntos e, contudo, separados, tal como o cassino de
Las Vegas. A iluminação no cassino forja uma nova monumentalidade para o espaço A arte pop mostrou o valor do velho clichê quando usado num contexto novo para
baixo. As fontes controladas de luz artificial e colorida dentro de recintos escuros ex- obter um significado novo: tornar incomum o comum. Richard Poirier cita Ioyce e
pandem e unificam o espaço por obscurecer seus limites. Não estamos mais na piazza Eliot para referir-se ao que chamou de "impulso des-criativo" na literatura:
limitada, mas sob as luzes tremeluzentes da cidade à noite.
Eliot e Ioyce exibem uma extraordinária sensibilidade [...] para os idiomas, ritmos, ar-
A INCLUSÃO E A ORDEM DIFíCil tefatos associados com certas situações ou ambientes urbanos. Os múltiplos estilos de
Ulisses são tão dominados por eles que há somente sons intermitentes de Ioyce no ro-
Para Henri Bergson, desordem é toda ordem que não conseguimos ver. A ordem mance e nenhum trecho que se possa asseverar ser dele, distinto de um estilo imitado. 10

que emerge da Strip é complexa. Não é a ordem fácil e rígida do plano de renova-
ção urbana ou do elegante projeto da megaestrutura - a cidade serrana medieval O próprio Eliot diz que Ioyce fez o melhor que pôde "com o material à mão"." Os
com ornamentos tecnológicos. Pelo contrário, é a manifestação de uma tendência versos de Eliot em East Coker talvez sejam um réquiem bem apropriado para as obras
oposta na teoria arquitetônica: Broadacre City? - talvez uma caricatura da Broa- de arte irrelevantes que são as descendentes atuais de uma arquitetura moderna que
dacre City, mas uma espécie de vingança das previsões de Frank Lloyd Wright: O já teve significado:
corredor comercial dentro da caótica expansão urbana é, sem dúvida, Broadacre
City, mas com uma diferença. A ordem motivada e fácil de Broadacre City identi- Este era um meio de expor as coisas -
ficava e unificava seus amplos espaços e edifícios isolados na escala do automóvel não muito satisfatório:
onipotente. Cada edifício devia, é claro, ser projetado pelo Mestre ou por sua Ta- Um estudo perifrástico sob forma poética exaurida,
liesin Pellowship," sem lugar para improvisações baratas. Seria exercido um con- Que mesmo assim nos deixa em luta insuportável
trole fácil sobre elementos similares dentro do vocabulário usoniano, universal. Com palavras e significados. A poesia não importa."
com exceção, é claro, de vulgaridades comerciais. Mas a ordem da Strip é inclu-
siva: inclui em todos os níveis, da mistura de meios publicitários aparentemente
incongruentes mais um sistema de motivos de restaurantes neo-orgânicos ou neo ["A Significance for A&P Parking Lots or Learning from Las Vegas, publicado original-
wrightianos, em fórmica imitando nogueira. Não é uma ordem dominada pelo e - mente em Architectural Forum 128, n. 2, mar. 1968, pp. 36-43, 91. Reimpresso em Lotus
pecialista e fácil para os olhos. Os olhos em movimento no corpo em moviment,o International 5, 1968, pp. 70-91. Cortesia dos autores e do editor. É um dos capítulos do
têm de esforçar-se para captar e interpretar uma diversidade de ordens mutávelS livro Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac Naify, 2003.J
.
justapostas, como as configurações cambiantes d e uma pmtura
. d e V'lC t or Vasarely:
É a unidade "que mantém, mas só mantém, um controle sobre os elementoS co

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1.Richard Poitier, "T. S. Eliot and the Literature ofWaste," The New Republic, 20 maio 1967, p. 21.
2. Alan Colquhoun, "Typology and Design Method", Arena, Architectural Association Journal, jun,
1967 (ver Capo 5 desta coletânea).
3. Ibid., p. 14.
4. Edward D. Stone, arquiteto norte-americano que, apesar de ser um expoente da Estilo Internacio_
nal nos anos 1950, empregava vívida ornamentação nas fachadas de seus arranha-céus. [N.T.)
5. Frase típica dos caubóis e xerifes do Oeste, que quer dizer "Como vai, amigo?". [N.T.)
6. Tom Wolfe, The Kandy-Kolored Tangerine Flake Streamline Baby. Nova York: Farrar, Straus and
Giroux, 1965, p. 8.
7. Broadacre City, proposta teórica desenvolvida por Frank Loyd Wright entre 1934-35, é resultado
de muitos anos de reflexão do arquiteto sobre a possibilidade de reconciliação entre um Estado
ideal e a liberdade individual numa sociedade altamente mecanizada. Imbuído dos ideais indi-
vidualistas da democracia americana e inspirado pela crise econômica dos anos da depressão,
Wright propõe a redistribuição da população norte-americana pela área rural do país, tomando
como unidades básicas a residência familiar individual (Usonian Houses) e as pequenas proprie-
dades rurais. Estas unidades básicas, apoiadas por centros comunitários também dispersos, con-
formavam uma rede interligada por automóveis, telefones e toda sorte de invenções industriais de
comunicação que faziam do país ele mesmo uma grande cidade. Ver William Curtis, "Nature and
the Machine: Mies van der Rohe, Wright and Le Corbusier in the 1930'S". Modern Architecture
since 1900. Londres: Phaidon, 1999. [N.R.T.)
8. Taliesin Fellowship, retiro e escola de arquitetura criada por Frank Loyd Wright em 1932, onde jo-
vens arquitetos aprendiam a filosofia orgânica desenvolvida pelo arquiteto norte-americano a partir
não só de projetos, mas também da dedicação concreta ao trabalho diário de auto-sustentação da-
quela comunidade, o que significava o trabalho de arrumação de toda a casa e a fazenda. [N.R.T.]
9. August Heckscher, The Public Happiness. Nova York: Atheneum Publishers, 1962.
10.Poirier, op. cit., p. 20.
11.Id, ibid., p. 2l.

12.That was a way of putting it -I not very satisfactory: 1A periphrastic study in a worn-out poeticaI
fashion, 1 Leaving one still with the intolerable wrestle 1 With words and meanings. The poetry
does not matter. [T. S. Eliot, Four Quartets. Nova York: Harcourt, Brace and CO. 1943, P: 13· A
tradução citada é de Ivan Junqueira, em T.S. Eliot, Poesia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.]

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