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24 Contos Africanos
24 Contos Africanos
CONTOS
AFRICANOS
1. A GAZELA E O CARACOL
Uma gazela encontrou um caracol e disse para ele:
– Caracol, você é incapaz de correr, só se arrasta pelo chão.
O caracol respondeu:
– Venha aqui no domingo e você verá!
O caracol arranjou cem folhas de papel e em cada uma delas escreveu: “Quando vier a gazela e disser:
“Caracol”, você responderá com estas palavras: “Eu sou o caracol“. Dividiu os papéis pelos seus amigos
caracóis dizendo a eles:
– Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier.
No domingo, a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, ele tinha pedido aos seus
amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram.
Quando a gazela chegou, disse:
– Vamos correr, você e eu, e você tu vai ficar para trás!
O caracol se meteu num arbusto, deixando a gazela correr. Enquanto ela corria, ia chamando:
– Caracol!
E havia sempre um caracol que respondia:
– Eu sou o caracol.
Mas nunca era o mesmo, por causa das folhas de papel que ti-
nham sido distribuídas para os amigos do caracol.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo
de falta de ar. O caracol venceu por causa da sua esperteza
de ter escrito nas cem folhas de papel.
2. TODOS DEPENDEM DA BOCA…
Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou:
– Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante?
Os olhos responderam:
– O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e vemos as coisas.
– Somos nós, porque ouvimos — disseram os ouvidos.
– Estão enganados. Nós somos mais importantes, porque agarramos as coisas — disseram as mãos.
Mas o coração também tomou a palavra:
– Então, e eu? Eu sou importante: faço funcionar todo o corpo!
– E eu trago em mim os alimentos! — interveio a barriga.
– Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas, fazemos.
Estavam nisto quando a mulher trouxe a macarronada, chamando todos eles para comer. Então, os
olhos viram a macarronada, o coração emocionou-se, a barriga esperou ficar farta, os ouvidos escuta-
vam, as mãos podiam tirar pedaços, as pernas andaram… mas a boca se recusou a comer. E continuou
a recusar.
Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças…
Então, a boca voltou a perguntar:
– Afinal, qual é o órgão mais importante no corpo?
– É você, boca — responderam todos em coro. Você é a nossa rainha!
3. CORAÇÃO-SOZINHO
O leão e a leoa tiveram três filhos; um deu a si próprio o nome de Coração-Sozinho; o outro escolheu
o de Coração-com-a-Mãe; e o terceiro, o de Coração-com-o-Pai.
Coração-Sozinho encontrou um porco e o capturou, mas não havia quem o ajudasse, porque o seu
nome era Coração-Sozinho.
Coração-com-a-Mãe encontrou um porco, capturou-o, e sua mãe veio logo para ajudá-lo a matar o bi-
cho. Os dois comeram ele.
Coração-com-o-Pai também pegou um porco. O pai veio logo para ajudá-lo. Mataram o porco e come-
ram ele juntos.
Coração-Sozinho encontrou outro porco, capturou ele mas não conseguia matá-lo. Ninguém foi em
seu auxílio. Coração-Sozinho continuou nas suas caçadas, sem ajuda de ninguém. Começou a emagrecer,
a emagrecer, até que, um dia, morreu.
Os outros continuaram cheios de saúde por não terem um coração sozinho.
4. O FIM DA AMIZADE ENTRE O
CORVO E O COELHO
O corvo era muito amigo do coelho. Combinaram, um dia, que um iria transportar o companheiro nas
costas alternadamente, indo de povoação em povoação para mostrar às pessoas a amizade que os unia.
O corvo começou a carregar o coelho. Andou com ele nas costas pelas aldeias e os moradores, quando
os via, perguntava:
– Corvo, o que você traz aí?
– Trago um amigo meu que acaba de chegar de Namandicha.
Passou, assim, com ele, por muitas terras.
Chegou, depois, a vez do Coelho a carregar o corvo. Ao passar por uma aldeia, os moradores pergunta-
ram para ele:
– Coelho, o que você traz nas costas?
– Ora, trago penas, penugem e um grande bico — respondeu, brincando, o coelho.
O corvo não gostou que o companheiro gozasse dele daquela maneira, saltou logo para o chão e deixa-
ram de ser amigos.
5. O
ELEFANTE, ESCRAVO DO COELHO
Certa vez, o coelho estava passeando e encontrou um grande ajuntamento de animais sentados à
sombra de uma árvore. Cheio de curiosidade, quis logo saber do motivo daquela reunião e perguntou:
– O que está acontecendo? Que novidades há por aqui?
Um dos animais explicou:
– Trata-se de uma discussão e estamos à espera do elefante, o nosso chefe, para resolvê-lo.
– O quê? O quê? O elefante é o chefe de vocês? — perguntou o coelho, franzindo a testa.
E continuou:
– O elefante não é chefe nenhum! O elefante é meu escravo e me leva sempre nas costas para qual-
quer lugar que eu quiser!
Alguns do grupo ficaram admirados:
– Como pode o elefante ser seu escravo se você é tão pequeno?
– Ser pequeno nada tem a ver com o meu valor — replicou o coelho.
E, em tom autoritário, acrescentou:
– Já disse para vocês e volto a dizer que o elefante não é chefe, é meu escravo, e por isso, vocês podem
ir embora daqui, porque nesta coisa de resolver discussões ele não tem nada que se meter.
Dito isto, o coelho foi para a casa dele, e muitos animais também foram embora dali, por terem acre-
ditado nas suas palavras.
Algum tempo depois, chegou o elefante e perguntou:
– Então, onde estão os outros que estão faltando? Se atrasaram na viagem?
– Não! — explicaram os poucos animais que tinham ficado por lá. — Os que estão faltando foram em-
bora há pouco tempo, porque passou neste lugar o Coelho e disse que você, elefante, não é o chefe, mas,
sim, um escravo dele.
O elefante tremeu todo de indignação e, muito furioso, resmungou:
– Ah, coelho malandro! Coelho vigarista!... Deixe que, hoje mesmo, você vai responder por essas pala-
vras tão injuriosas e tão vis!...
Entretanto, o coelho chegou na casa dele e fingiu que estava doente. A companheira coelha, cheia de
pena, foi estender uma esteira e o coelho deitou-se nela.
Alguns momentos depois chegou a Impala, que era cunhada do coelho, avisando de que o elefante já
se aproximava para fazer mal a ele. E, transmitido o recado, retirou-se.
O coelho, manhoso, entrou, então, em grandes convulsões, soltando, ao mesmo tempo, gemidos tão
lastimosos que era mesmo de partir o coração.
Chegou o elefante, que se pôs a gritar, muito bravo:
– Coelho, seu malandro! Venha aqui pra fora, que você tem que me acompanhar.
O Coelho murmurou, gemendo e entrecortando as palavras:
– Por... fa... vor! Des... descul... pe... porque eu... não... es...tou... bom!... dói mui...to... o cor… po to...
do! Isto foi... um mal que me deu de re... pen... te...
– Não quero saber! Seja como for, você tem que vir comigo ao lugar onde estão reunidos os outros
animais, porque ouvi dizer que você teve o descaramento de ridicularizar o meu título de chefe e dizer que
eu sou seu escravo — replicou o elefante.
– Você tem to... da a ra... zão... mas o cer... to é que eu... não aguen... to ca... mi... nhar... para po...
der… acom... pa... nhar vo… cê!
– Já disse, você tem que vir comigo, custe o que custar, mesmo que eu tenha de levar você nass cos-
tas - ordenou o elefante.
– Então só se for desse jei...to, mas fi... ca... sa... ben... do que mes... mo assim a via... gem vai ser mui-
to... pe... no... sa.
E, logo a seguir, chamou a coelha e disse, chorosamente:
– Me dê a minha ca... mi... sa nova. Hi... Hi... Hi... Hi... Vá tam... bém bus... car as minhas cal... ças no... vas.
E, depois:
– Já traz tam... bém os meus sa... pa... tos no... vos! É que po... de a... con... te... cer que eu morra e, ao
me... nos, que... ro morrer com os meus tra... jes mais ricos.
Com o coelho vestido e calçado, o elefante abaixou-se e o Coelho saltou para as costas dele, onde se
instalou muito bem instalado.
Estava um calor de rachar. Antes de partir, o coelho gritou para a sua companheira:
– Passe minha sombrinha, porque está muito calor... e posso piorar a minha indisposição com alguma
insolação.
O elefante, em grandes e rápidas passadas, pôs-se a caminho da reunião. Quando se aproximavam
do lugar, o coelho, deixando de fingir que estava doente, ficou com uma atitude de pessoa importante e
esboçou um sorriso feliz.
Os outros animais ao verem o coelho assim, todo solene e importante nas costas do elefante, come-
çaram todos a exclamar:
– Olha! Olha!... É verdade o que o coelho dizia! O elefante é escravo dele, porque está trazendo ele
nas costas!
Quando o elefante parou, o coelho deu um salto muito ágil e elegante para o chão e, tomando a pala-
vra, dirigiu-se assim aos outros animais:
– Estão vendo?... Estão vendo?... Eu não disse que o elefante é meu escravo?
Todos os animais começaram a gritar:
– É verdade, sim senhor, é verdade. Você, elefante, não é chefe nenhum!... É escravo do coelho, pois
está carregando ele nas costas!
Só então o elefante percebeu a estupidez que tinha cometido e saiu correndo, envergonhado.
6. O PORCO E O MILHAFRE
O porco e o milhafre eram muito amigos, mas o porco invejava o fato do
milhafre poder voar. Assim, pediu que o amigo lhe arranjasse asas, para que ele
pudesse voar também.
O milhafre, então, tentou satisfazer o desejo do amigo. Arranjou penas e,
com cera, colou-as no ombro do amigo. Os dois começaram a voar lado a lado,
até que a cera começou a derreter e as penas foram caindo. Então, o porco de-
sabou, batendo o focinho no chão, que ficou com um aspecto achatado.
O porco deixou de ser amigo do milhafre, porque achou que o acidente ti-
nha acontecido por culpa dele.
7. O JABUTI E O LEOPARDO
“
De repente… caiu numa armadilha!
Um buraco profundo coberto por folhas de palmeiras, que havia sido cavado na trilha, no meio da flo-
resta, pelos caçadores da aldeia para aprisionar os animais.
O jabuti, graças ao seu casco grosso, não se machucou na queda, mas… como escapulir dali? Tinha que
encontrar uma solução antes do amanhecer se não quisesse virar sopa para os aldeões…
Estava ainda perdido em seus pensamentos quando um leopardo caiu também na mesma armadilha!
O jabuti deu um pulo, fingindo ter sido incomodado em seu refúgio, e berrou para o leopardo:
– Que é isto? O que você está fazendo aqui? Isto são modos de entrar na minha casa? Não sabe pedir
licença?!
E continuou gritando…
– Você não vê por onde anda? Não sabe que não gosto de receber visitas a essa hora da noite? Saia
já daqui! Sua onça mal-educada!
O leopardo, bufando de raiva com tal atrevimento, agarrou o
jabuti… e, com toda a força, jogou ele para fora do buraco!
O jabuti, feliz da vida, foi andando para sua casa tranquilamente!
Espantado ficou o leopardo…
Conta-se que um antropólogo, ao visitar uma tribo africana, quis saber quais eram os valores huma-
nos básicos daquele povo. Para isso, ele propôs uma brincadeira às crianças.
Ele, então, colocou uma cesta cheia de frutas embaixo de uma árvore e disse para as crianças que a
primeira que chegasse até a árvore poderia ficar com a cesta.
Quando o sinal foi dado, algo inusitado ocorreu. As crianças correram em direção à árvore todas de
mãos dadas. Assim, todas chegaram juntas ao prêmio e puderam desfrutar dele igualmente.
O homem ficou bastante intrigado e perguntou:
– Por que vocês correram juntos, se apenas um poderia ganhar todas as frutas?
Ao que uma das crianças prontamente respondeu:
– Ubuntu! Como um de nós poderia ficar feliz enquanto os outros estivessem tristes?
O antropólogo ficou, então, emocionado com a resposta.
Ubuntu é um termo da cultura Zulu e Xhosa que quer dizer “Sou quem sou porque somos todos nós”.
Eles acreditam que com a cooperação se alcança a felicidade, pois todos em harmonia são muito
mais plenos.
14. LENDA DA RAPOSA
E O CAMELO
A lenda da raposa e o camelo é originária do Sudão do Sul, um
país que fica no Nordeste da África.
Conta a lenda que havia uma raposa, de nome Awan, que adorava
comer lagartixas. Ela já tinha devorado todas de um lado do rio, mas
queria atravessar para a outra margem, para comer mais.
Acontece que Awan não sabia nadar e teve uma ideia para solucio-
nar o problema. Ela procurou seu amigo Zorol, um camelo, e disse:
– Olá, amigo! Eu sei que você gosta muito de cevada, e se você me
levar nas suas costas eu te mostro um caminho!
Zorol prontamente aceitou:
– Suba! Vamos!
Awan, então, subiu na corcunda de seu amigo e logo indi-
cou para que ele cruzasse o rio. Quando chegaram lá, Zorol foi
até o campo de cevada para comer, enquanto Awan se deliciava
com as lagartixas.
A raposa logo ficou satisfeita, mas o camelo ainda comia. Awan,
então, foi até o campo de cevada e começou a gritar e correr. A
gritaria da raposa chamou a atenção dos donos do campo de ceva-
da, que foram até lá e deram uma pedrada fortíssima na cabeça do
camelo, que caiu machucado.
Quando Awan encontrou Zorol caído no chão, disse:
– Vamos embora, já está anoitecendo.
Zorol, então, questionou:
– Por que você gritou e começou a correr? Por sua culpa eles me
machucaram e eu quase morri!
– Eu tenho a mania de correr e gritar depois que como lagartixas!
— disse Awan.
– Vamos para casa, então! — falou Zorol.
Awan subiu nas costas de Zorol e o camelo começou a dançar quan-
do estavam cruzando o rio. A Awan ficou desesperada e perguntou:
– Por que você está fazendo isso?
– É que eu tenho a mania de dançar depois que como cevada — res-
pondeu Zorol.
Nesse momento, a raposa caiu das costas do camelo e foi levada pelo
rio. O camelo, por sua vez, chegou à outra margem sem problemas.
Awan então recebeu uma lição por sua imprudência.
15. Lenda da Girafa e Rinoceronte
A lenda da girafa é uma dessas histórias que explicam a Natureza. Nela, conta-se o motivo desse
animal ter o pescoço tão longo.
Segundo a lenda, a girafa era um animal com um pescoço normal, assim como o de outros bichos. Até
que houve um período de seca terrível, em que os animais já haviam comido todas as ervas rasteiras e
precisavam andar muito para conseguir beber água.
Um dia, em uma dessas andanças em busca de água, a girafa encontrou um rinoceronte, e os dois co-
meçaram a se lamentar. A girafa disse, então:
– Veja só, amigo... Muitos animais escavando o chão em busca de alimento, tudo está tão seco, mas as
acácias continuam verdes.
O rinoceronte concordou. E a girafa prosseguiu:
– Seria maravilhoso poder comer essas folhagens que se encontram no alto das copas. É uma pena
que não possamos subir nas árvores.
O rinoceronte, então, teve uma ideia:
– E se fôssemos falar com o feiticeiro? Ele é muito poderoso e pode ajudar.
A girafa adorou a ideia e eles foram até a casa do feiticeiro explicar o que gostariam.
O feiticeiro disse que isso seria muito fácil, e pediu para que ambos voltassem no dia seguinte para
que ele lhes desse uma poção, a fim de que seus pescoços e pernas crescessem e pudessem alcançar as
folhas macias das acácias.
No outro dia, a girafa foi até a casa do feiticeiro, mas o rinoceronte não compareceu, pois estava muito
feliz comendo algumas ervas que tinha encontrado pelo caminho.
O feiticeiro ofereceu o feitiço apenas à girafa e sumiu.
A girafa comeu a poção mágica e logo começou a sentir suas pernas e pescoço se alongando. Ela ficou
tonta, mas, quando abriu os olhos, percebeu como tudo estava diferente.
Logo avistou uma acácia e pôde se deliciar com as folhas verdinhas.
O rinoceronte, de repente, se lembrou do compromisso e correu até a casa do feiticeiro, mas já era
tarde e não havia mais poção. Ele ficou furioso, pois imaginou que tivesse sido enganado.
Desde então, passou a perseguir o feiticeiro pela floresta e corre atrás também de todas as pessoas
que cruzam seu caminho.
16. CONTO OLUKWÊ
Olukwê vivia a labutar,
Trabalhando incansável, não importava o lugar.
Dia, noite, madrugada, com Sol ou tempestade,
Olukwê não parava, seguia com vontade.
Aiiiiiiiiiiiiiuuuuuuu. Aiiiiiiiiiiiiiuuuuuuu.
Riiiiiiiiiiiiuuuuu. Riiiiiiiiiiiiuuuuu.
Das tocas, dos ninhos dos pássaros, dos lugares mais profundos, emanava um la-
mento infinito. As árvores rangiam de sede e a terra se partia de dor.
Um dia, um jovem corajoso chegou correndo ao povoado. Tinha descoberto algo
que poderia salvar sua tribo e a selva. Ele sabia que, se as árvores morressem, tudo na
terra morreria.
– Eu já vi isso. O monstro abóbora.
– Ahn? Ahn?
– O monstro abóbora.
– O quê? O quê?
– O monstro abóbora é quem traga a água.
– Oh! Oh!
– Eu vi com meus próprios olhos. Ele mora no sopé da grande montanha. Cobre-se
com as folhas enormes que crescem de seus ramos e, quando a chuva vai cair, abre
sua boca grande. Parece que se parte em dois e traga a chuva toda. Quando os rios
vão passar do seu lado, também os engole.
As pessoas da tribo começaram a entoar uma canção. Pouco a pouco, os animais
e os insetos de toda a selva se uniram a eles. Durante toda a noite, se ouviu esta
melodia:
Bong, que era o nome daquele garoto, decidiu marchar para lutar contra a terrível
abóbora. Demorou dias para chegar ao sopé da grande montanha onde vivia o mons-
tro. Bong sentiu um pouco de medo quando o viu de longe. Era enorme. Parecia uma
boca grande, como um túnel, uma caverna interminável. Dava para escutar as águas
profundas e negras correndo pelo estômago descomunal.
Bong cantou com força o lamento de seu povo e atacou com toda a vontade seu ini-
migo, mas a abóbora enorme nem se alterou. Depois, tentou atirar pedras, feri-la com
a sua lança, cravar-lhe sua adaga afiada de sílex, mas foi inútil. Passou várias semanas
tentando vencê-la. Já havia perdido suas forças quando, em sua mente sedenta, uma
ideia se iluminou. Bong buscou um galho seco. Com muito trabalho, esvaziou-o por
dentro, encheu de pedrinhas e tapou os dois extremos. O instrumento soava como
água. Bong se aproximou cautelosamente do monstro, preparou grossos troncos de
madeira dura e resistente. Começou a fazer soar seu instrumento. A abóbora, quan-
do ouviu o som da água, abriu sua boca enorme e esperou. Bong, ajudado por alguns
macacos e elefantes, foi travando a caverna descomunal com os troncos grossos do
baobá. Logo depois, a água prisioneira quis se unir às gotas que soavam fora da prisão
e saíram para molhar a terra, as árvores, os animais e os seres humanos. Os rios volta-
ram a se encher de águas que corriam tempestuosas, os lagos transbordaram em suas
bacias; os meninos, as mulheres e os homens chapinharam nos charcos durante muitos
dias, cantando e dançando.
Bong é, hoje, o guardião da gruta da abóbora, pois não pode deixar que os troncos
de madeira se rompam e que o monstro feche a boca e volte a engolir a água.
22. O VELHO QUE
ASSUSTAVA O MEDO
O menino se aproximou, curioso, do ancião. Tinham dito ao garo-
to que era o velho mais sábio do continente africano. Passava os dias
sentado embaixo do grande baobá que dava sombra à savana. A árvo-
re era seu trono, e ele, o rei das terras quentes e secas.
O menino tinha os olhos grandes e brilhantes como bolas de cristal
preto, o cabelo cacheado e a pele escura como uma linda noite. Em seu
olhar, sempre transparecia uma pergunta. Queria conhecer o mundo,
queria saber como era a África.
O ancião tinha palavras incrustadas em suas rugas, suas mãos ti-
nham se acostumado a tecer histórias, sua voz sabia voar como os pás-
saros, brilhar como as estrelas, escorrer entre as sombras como os pei-
xes coloridos.
Contou ao garoto que queria saber tudo que a única forma de conhe-
cer a África e o mundo, era ouvir todos os contos e todas as lendas. As
palavras que viajam desde os tempos remotos dentro das histórias dizem
mais do que significam. Elas estão escritas como os fios da noite.
— E como vou descobrir os contos? Quem vai me contar as lendas?
Apressou-se a dizer o garoto de olhar ansioso. O velho sorriu. Naquele
sorriso, havia mistério, sabedorias que vinham do passado, magia de ou-
tros mundos.
Encheu a vasilha de barro negrusco que sempre o acompanhava com
um punhado de terra e pedrinhas. Depois, levantou o recipiente por cima
da cabeça e derramou a terra. Misturou-se no ar e caiu entre a grama e as
folhas secas. O menino o escutava em silêncio, estudava todos os movi-
mentos e ações do velho. Sabia que seu gesto, suas ações e suas palavras
tinham um significado mágico. Mais tarde, encheu a vasilha de água e
pediu ao garoto que o acompanhasse até o rio. Derramou o líquido sobre
o torvelino das águas correntes.
— Escute como a terra se mistura com o vento. Escute as palavras que
as águas dizem quando arrastam outras águas.
Estava muito sério. Sabia que tinha que fazer o garoto compreender a
importância de aprender o que a terra queria nos contar.
— Todo mundo na África sabe que só precisamos escutar a terra. Os
contos estão nela.
As palavras do velho pareciam ficar presas nos galhos de baobá. Nos
contos, se escondem segredos, cada palavra serve para algo além de
dizê-la e deixá-la voar ao vento. As palavras podem matar pessoas ou
podem acariciar os ouvidos nas noites frias. Se maltratarmos a natureza.
Os relatos se perderão, é a terra que conta, pois as histórias nasceram
nela. Por isso dizemos que na África se contam contos para o medo dormir.
23. KIRIKU E A FEITICEIRA
Logo após o nascimento de Kiriku, seu tio foi até Karabá, a feiticeira, para exigir o fim de suas malda-
des contra a aldeia. Kiriku insistiu em acompanhá-lo, mas ele não permitiu a presença do sobrinho, que
se escondeu em seu chapéu. Disfarçado, Kiriku conseguiu salvar o tio de uma morte certa. O pequeno
guerreiro foi movido pela curiosidade, pela energia e desejava saber o motivo de tanta maldade. Em uma
dessas tentativas, a bruxa tentou matá-lo, mas ele fugiu. Um dia, com a ajuda da mãe, ele armou um plano
para visitar o sábio da montanha e aprender mais sobre a feiticeira. Kiriku descobriu o motivo de tanta
maldade de Karabá e a libertou da maldição quebrando os feitiços que ela fizera contra a sua aldeia. No
filme, dirigido por Michel Ocelot (1998), é possível enxergar altruísmo, astúcia, perdão, a importância da
coletividade e do amor na aldeia de Kiriku. Mario Tenório, que elege o nascimento de Kiriku como um dos
momentos mais marcantes da história, utiliza o filme em seu curso de ensinamentos sobre lendas africa-
nas para que seus alunos abordem questões sobre a própria espiritualidade proibida.
24. POR QUE A COBRA MUDA
DE PELE
No princípio, a morte não existia. A morte vivia com Deus, e Deus não queria que a morte entrasse
no mundo. Mas a morte tanto pediu que Deus acabou concordando em deixá-la partir.
Ao mesmo tempo, fez Deus uma promessa ao Homem: apesar da morte ter recebido permissão para
entrar no mundo, o Homem não morreria. Além disso, Deus prometeu enviar ao Homem peles novas, que
ele e sua família poderiam vestir quando seus corpos envelhecessem.
Deus pôs as peles novas num cesto e pediu ao cachorro para levá-las ao Homem e sua família. No cami-
nho, o cachorro começou a sentir fome. Felizmente, encontrou outros animais que estavam dando uma
festa. Muito satisfeito com sua boa sorte, pôde matar a fome.
Depois de comer fartamente, deitou numa sombra para descansar. Então, a esperta cobra aproximou-
-se dele e perguntou o que é que havia no cesto. O cachorro lhe disse o que havia e porque estava levando
ele para o Homem. Minutos depois, o cachorro caiu no sono. Então, a cobra, que ficara por perto a esprei-
tá-lo, apanhou o cesto de peles novas e fugiu silenciosamente para o bosque.
Ao despertar, vendo que a cobra tinha roubado o cesto de peles, o cachorro correu até o Homem e
contou o que tinha acontecido. O Homem dirigiu-se a Deus e contou o ocorrido, exigindo que ele obrigas-
se a cobra a devolver as peles. Deus, porém, respondeu que não tomaria as peles da cobra, e, por isso, o
Homem passou a ter um ódio mortal da cobra, e sempre que a vê procura matá-la.
A cobra, por sua vez, sempre evitou o Homem e sempre viveu sozinha. E, como ainda possui o cesto
de peles fornecido por Deus, pode trocar a pele velha por outra nova.
Diagramação:
Wellington Souza
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