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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

Quando A Lua Surgir


Lori Handeland

DESEJOS A MEIA-NOITE
Depois de passar pela pior dor que um ser humano pode passar, Cassandra decide
viajar para o Haiti, onde, segundo rumores, vive um sinistro mestre do vodu que
pode ressuscitar os mortos. O ambicioso Devon Murphy aceita guiar Cassandra até
lá em segurança, porém o apelo sensual de Devon promete um outro tipo de perigo...
Enquanto Cassandra e Devon seguem para o misterioso vilarejo no coração da selva,
a atração entre eles explode num desejo inebriante, e Cassandra começa a questionar
sua resolução de nunca mais se apaixonar.
É impossível resistir ao charme de Devon, mas a descoberta do segredo do macabro
ritual pode implicar num alto preço a pagar... Atormentada por sonhos assombrosos
que se tornam mais vívidos à medida que a lua cheia se a próxima, Cassandra terá de
descobrir a chocante verdade sobre uma antiga maldição antes que esta a leve a
destruir a si mesma e a todos que ela ama...

Digitalização: Marina Campos


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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

Revisão e Formatação: MoniCat

Copyright © 2006 by Lori Handeland


Originalmente publicado em 2006 pela St. Martins Press.

PUBLICADO SOB ACORDO COM ST. MARTIN'S PRESS


NY, NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou
mortas terá sido mera coincidência.

TÍTULO ORIGINAL: Midnight Moon


EDITORA Leonice Pomponio
ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia Chaves
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Débora Guimarães
Revisão: Marina Nogueira
© 2008 Editora Nova Cultural Ltda.

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Prólogo

Na noite passada, sonhei com uma praia no Haiti. A areia morna e as ondas
brancas refletiam a luz da lua cheia. O sonho ainda me persegue, porque naquela
praia disse adeus a tudo que fui e en¬contrei a mulher que seria.
Já fui mãe e dona-de-casa na Califórnia. Dirigia uma van grande demais para
transportar uma menina de cinco anos para as aulas de bale e era casada com um
homem que pensei ser minha alma gêmea.
Então, tudo desmoronou. Passei do paraíso ao inferno e me tornei uma
sacerdotisa do vodu.
Sim, tive uma certa ajuda do programa de proteção à testemunha. Não foram
eles, porém, que sugeriram que eu passasse anos estudando a antiga religião
africana, viajasse ao Haiti e fosse iniciada, depois adotasse o nome de Sacerdotisa
Cassandra e abrisse um centro de vodu no Quarteirão Francês. Não. Todas essas
idêias foram minhas.
Escolhi o nome Cassandra porque significa "profeta". Sacerdotisas do vodu
são sempre convocadas para prever o futuro, mas eu nunca fui sensitiva. Apesar do
nome, ainda não sou.
O vodu é uma religião fluida, adaptável e inclusiva. Os praticantes acreditam
em magia, zumbis e encantamentos de amor. Gosto muito de tudo nela, exceto de
uma coisa: a teimosia com que a religião afirma que não existem acidentes.
Não consigo acreditar nisso, porque se não existissem acidentes, eu teria de
aceitar que minha filha de cinco anos morreu por uma razão, e não consigo imaginar
qual seria. E eu procurei.
Não sou a primeira pessoa a ter problemas com alguns dogmas dessa religião.
Mas isso não significa que não acredito nela. ' No Haiti, naquela praia, eu me
comprometi inteiramente com o vodu. E tive uma boa razão para isso.
Planejava levantar minha filha dos mortos.

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Capítulo I

Desci do avião em Porto Príncipe pela segunda vez em minha vida. Era uma
ensolarada tarde de outubro e nada parecia ter mudado naquele lugar escaldante.
— Princesa Cassandra?
Eu me assustei. O que havia parecido um bom nome em Nova Orleans, agora
soava pretensioso aos pés da montanha onde o vodu ganhara adeptos e força.
— Só Cassandra, por favor.
Tentei adivinhar como aquele homem me reconhecera. Por eu ser a única
mulher branca a desembarcar, talvez? Ou teriam sido meus olhos azuis e meus
cabelos escuros, também incomuns por ali? Não. O que me destacava em um grupo
era a mecha branca na têmpora.
Ela havia surgido logo depois da morte de minha filha. Sei que devia ter
coberto a mecha com tinta, porque era uma testemunha sob proteção, mas os cabelos
brancos serviam para lembrar minha filha e minha missão. Como se eu precisasse de
ajuda para isso.
A mecha também era meu castigo. Eu não havia cumprido meu sa¬grado
dever de mãe em sua forma mais pura e direta; não havia pro¬tegido minha filha
contra tudo e todos. Até mesmo contra o pai dela.
O homem na minha frente inclinou a cabeça.
— Sou Mareei, Cassandra.
Apenas isso. Cassandra. Eu nem tinha mais um sobrenome. Depois de depor
contra o maldito traficante que havia sido meu marido, eu me tornei a Sacerdotisa
Cassandra. Apenas um nome, como Cher ou Madonna.
O pessoal do programa de proteção à testemunha acrescentara um Smith ao
meu nome, mas o sobrenome só servia mesmo para eles. Para mim não tinha
nenhum significado.
— Monsieur Mandenauer reservou um quarto no Hotel Oloffson — Mareei
avisou, pegando a valise que eu carregava.
Recentemente, passei a fazer parte de um grupo governamental conhecido
como os Jáger-Suchers. Para quem tem um alemão tão nulo quanto o meu, o nome
significa Caçadores-Investigadores.

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Os Jáger-Suchers caçam monstros, e não estou usando um eufe¬mismo para


referir-me a seres humanos que deveriam estar em jaulas. Estou falando de monstros,
criaturas com peles que se recobrem de pêlos, com dentes que se transformam em
presas... bestas que bebem sangue humano e estão sempre querendo mais.
Edward Mandenauer era meu novo chefe. Ele me enviara ao Haiti para
descobrir o segredo de despertar um zumbi. Havia sido maravilhoso descobrir que
interesses profissional e pessoal convergiam. De repente podia quase acreditar
naquela história sobre "não existir acidentes".
— Por aqui, por favor — Mareei convidou-me, indicando a saída do
aeroporto.
Eu o segui, deixando para trás o espaço fresco e confortável para enfrentar a
agitação quente e ensolarada de Porto Príncipe.
Pouco tempo depois, o carro parou na frente do Hotel Oloffson, uma imensa
mansão vitoriana.
O gerente esperava por mim e logo fui levada ao espaçoso quarto com
varanda. Era possível ver a cidade dali.
— Monsieur Mandenauer marcou um encontro entre você e um amigo —
Mareei disse.depois de deixar minha valise no chão.
— Edward tem amigos aqui?
— Ele tem amigos em todos os lugares. Com essa ajuda especial, vai poder
encontrar o que procura.
— E você sabe o que estou procurando?
— Sei sobre um probleminha qualquer com uma maldição. E isso? Eu não
teria me referido à besta que assolava Nova Orleans como
um probleminha, mas tudo indicava que Mareei sabia somente o básico. Eu já
havia visto coisas espantosas na Cidade Crescente, mas nada tão fantástico quanto
um homem que se transforma em lobo e volta a ser homem.
— Edward disse por que me mandou?
— Para anular uma maldição, é preciso contar com a rainha vodu que a criou,
e ela está morta.
— Há cento e cinqüenta anos, mais ou menos.
— E sua missão é levantá-la do túmulo. Zumbi.

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Não exatamente. Erguer da sepultura um pesadelo decadente e putrefato não


era minha aspiração ali. Um zumbi típico de filme de terror podia ser suficiente para
satisfazer Edward, mas não era o bas¬tante para mim. Não podia sentenciar minha
própria filha a ser essa criatura repugnante e assustadora.
Procurava por meios de dar vida aos mortos desde a última vez em que
estivera ali. Tudo que havia encontrado fora mais morte. En¬tão, comecei a ouvir
murmúrios sobre um poder incrível naquelas montanhas, uma capacidade que ia
além da mera reanimação de um cadáver. Porém, não dispunha de meios para voltar
ao Haiti, nem de fundos para vasculhar a ilha e pagar por esse segredo, porque sabia
que devia custar caro.
Até agora.
Fui até a varanda e olhei para as montanhas distantes. Em algum lugar ali
havia um sacerdote vodu que, de acordo com os últimos rumores, podia levantar os
mortos e trazê-los novamente à vida. Como se eles jamais houvessem morrido.
Era difícil acreditar nisso, mas eu queria crer. Queria minha filha de volta.
— Quando vou encontrar o amigo de Mandenauer?
— Ele virá procurá-la quando for a hora.
Sem dizer mais nada, Mareei abriu a porta e desapareceu.
Nem me dei ao trabalho de tirar minhas coisas da valise, porque sairia dali
assim que tivesse as informações de que precisava.
Exausta, caí na cama e dormi ainda com as roupas de viagem, calça jeans,
camiseta preta e ténis. Quando acordei, havia anoitecido.
Era lua nova. O céu escuro era tão desprovido de estrelas quanto meu porta-
jóias havia estado vazio antes de eu descobrir os lobisomens.
Agora eu tinha anéis nos dedos e um crucifixo no pescoço. Minha proteção.
Amuletos que eu mantinha visíveis.
Virei a cabeça sobre o travesseiro e fiquei gelada. A porta do quarto estava
entreaberta, e havia alguém na varanda.
— Quem está aí?
— Ah, Sacerdotisa...
Eu me sentei na cama. O tom sibilante lembrava o de Lazaras, o sacerdote que
eu deixara em Nova Orleans. Ele havia sido meu único amigo até a lua crescente
levar Diana Malone à minha vida.

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Criptozoóloga, ela fora enviada a Nova Orleans para investigar relatos sobre a
existência de um lobo, e acabara tendo a grande sur¬presa de sua vida ao se deparar
com algo muito maior do que isso, Diana fora ao meu centro vodu para investigar
uma maldição e teve uma imediata empatia entre nós.
Acendi a luz do quarto e olhei para a mulher que passava pela porta da
varanda. Ela era alta, voluptuosa, bela e muito velha. A pele era de um tom café com
leite, os olhos eram azuis como os meus. Ela vestia um robe longo e amplo, e havia
em sua cabeça um turbante na mesma estampa floral. Essa era a aparência que devia
ter uma sacer¬dotisa vodu. Pena eu nunca ter conseguido me transformar tanto.
— Meu nome é Renee. Quer saber sobre a maldição da lua cres¬cente?
Não sei por que, mas esperava que o amigo de Mandenauer fosse um homem.
— Ah, sim... A lua crescente — respondi. — É verdade que uma maldição
vodu só pode ser removida por aquele que a lançou?
— Sim, é verdade.
— E se essa pessoa estiver morta?
— Ah, entendo. Veio para saber sobre os zumbis.
— Exatamente.
Renee franziu a testa. Não havia uma só ruga em seu rosto. Então, por que eu
havia deduzido que ela era velha? Devia ser alguma coisa em seus olhos. -— Erguer
os mortos é um objetivo sério e perigoso.
— Mas é possível?
— É claro que sim.
— Já fez isso?
— É contra as leis dos homens e de Deus.
Eu não me preocupava mais com nenhuma delas. A lei não podia fazer contra
mim nada que fosse pior do que Deus já havia feito.
Depois de perder minha filha, passei a duvidar da existência de Deus, e essa
descrença me acompanhara por algum tempo. Comecei a estudar o vodu por uma
única razão, Sarah, mas acabei me encan¬tando com o que descobri.
O vodu é uma religião complexa. Adaptável, tolerante, monoteísta. Muito do
que eu aprendia fazia sentido. Por exemplo, não pode haver mal, a menos que haja o
bem.
E eu acredito no mal. Muito mais do que acredito em qualquer outra coisa.

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— Já levantou os mortos? — eu insisti.


— Não.
Eu suspirei desapontada.
— Mas conheço alguém que já fez isso.
A esperança foi como uma onda inebriante inundando meu corpo.
— Onde posso encontrar essa pessoa?
— Erguer os mortos é um ato executado somente por um bokor. Sabe o que é
isso?
— Um hougan que serve aos espíritos com as duas mãos. Um sacerdote do
mal.
— Não existe nada tão absoluto. Qualquer hougan precisa conhe¬cer o mal
para poder combatê-lo, como um bokor já deve ter se aliado ao bem em algum
momento, ou não poderia ter a esperança de sub¬vertê-lo.
— E se alguém levanta os mortos pelo bem?
— Nada de bom pode advir de tal gesto. Na morte há paz eterna. Os vivos a
temem, mas os mortos a aceitam de bom grado. Eles não querem voltar.
— E você já falou com muitos mortos? Eles disseram isso?
— A morte chega para todos em seu devido tempo. Não há aci¬dentes.
— Não acredito nisso.
Ela me encarou intrigada. Eu precisava ser cautelosa, ou acabaria
desmascarada. A mulher não era tola. Perceberia que eu estava no Haiti por mais
motivos do que a questão dos Jãger-Suchers, e então eu não conseguiria nada.
— Isso nâo importa — eu disse com mais calma. — Edward quer que eu
encontre um meio de pôr fim à maldição da lua crescente. Pelo que pude descobrir,
para isso terei de trazer de volta a rainha vodu que lançou a maldição, porque só ela
pode removê-la. Pode me ajudar a descobrir como isso é possível?
— Eu... Bem, há um homem em Porto Príncipe... esse homem não tem nada
para ensinar. Nada que queira aprender.
— Sabe o nome dele?
— Nomes têm poder. Não pronunciarei o dele.
— Preciso conhecer esse homem.

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— Não, você não precisa. Para trazer de volta a rainha vodu, só precisa
conhecer a cerimônia. Traga-a para fora da sepultura por um instante; ela fará tudo
que pedir; depois, ponha-a de volta no lugar a que ela pertence.
— E o homem nas montanhas? Ele faz algo... diferente?
— Já ouviu falar do Egbo?
— Não.
— Nos maus tempos, quando o povo da África era raptado e ven¬dido em
grilhões, havia uma tribo conhecida como os Efik do Velho Calabar. Eles assumiram
o controle de todo o tráfego de escravos.
— Uma tribo que vendia a própria gente? Nunca ouvi falar nisso.
— Não vendiam o próprio povo. Na África há divisões, guerras, ódio... Um
grupo lutava contra o outro, e o vencedor vendia seus prisioneiros para os Efik, que
vendiam esses prisioneiros para mer¬cadores brancos.
Eu balancei a cabeça. As pessoas, independentemente de sua cor, não eram
mesmo muito boas umas com as outras.
—Os Efik tinham uma sociedade secreta conhecida como os Egbo. Eles
começaram como um grupo de juízes, mas, em um determinado período, mantinham
tantos escravos que precisaram encontrar uma forma de mantê-los sob controle. Os
Egbo se tornaram um clã temido que distribuía severas e cruéis punições pelos
menores erros. Sussur¬rar o nome deles era suficiente para acovardar os cativos e
mantê-los submissos.
Compreendi como essa tática seria útil. Escravos revoltos causa¬vam medo,
especialmente quando a população oprimida era duas ve¬zes maior do que a
opressora. E o Haiti havia sido berço da única revolta escrava bem-sucedida da
história.
— Isso tudo é muito interessante, Renee, mas não sei o que eu tenho a ver...
— O homem nas montanhas... Dizem que ele é um Egbo.
— Por que ainda haveria um Egbo? Não há mais escravos.
— Tem certeza disso, Sacerdotisa?
— A escravidão é ilegal. Não é?
— Só quando os infratores são pegos.
— Não. Ela é ilegal. Sempre! Renee sorriu.

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— Tão jovem e inocente, apesar da dor em seus olhos. Eu não queria discutir a
dor nos meus olhos.
— Está tentando dizer que o bokor é um mercador de escravos?
— É claro que não. Isso é definitivamente ilegal.
— Então...?
— Não vou falar sobre o bokor. Não vou levá-la até ele. Deve ficar longe desse
homem. Ele é perverso e, pelo que ouvi, é insano.
Exatamente o tipo de homem que eu precisava encontrar.
— Certo. Quando vou aprender a levantar a rainha vodu de sua sepultura?
— Mandarei um hougan ao seu encontro.
— Pensei que só um bokor pudesse levantar os mortos.
— Só um bokor concordaria com isso. Mas qualquer sacerdote ou sacerdotisa
pode saber como fazer.
Pena eu nunca ter conhecido um deles.
— Levantar os mortos vale o risco de perder-se, Cassandra?
— Sim.
Renee assentiu. Eu abaixei a cabeça. Quando levantei o olhar, ela havia
desaparecido.
Sozinha, decidi que tinha de encontrar o bokor. E precisava sair de Porto
Príncipe antes de Renee descobrir o que eu pretendia, se é que ela já não sabia.
Ela contaria a Edward. Ele iria me buscar, ou enviaria alguém. Haveria uma
discussão, acusações feitas aos berros, e ele me levaria de volta.
Não conhecia Edward muito bem, mas conhecia o suficiente para ter certeza
de algumas coisas. Uma delas é que ele não gosta de ser desobedecido. E eu não
havia sido enviada ao Haiti para procurar um homem violento e louco. Não tinha
treinamento para isso.
Se Edward mandasse um de seus subordinados ir me buscar, eu perderia a
única esperança que tinha de trazer minha filha de volta. Ela explodiria numa
flamejante bola de fogo... o método normalmente utilizado pelo Jãger-Sucher para
lidar com problemas.
Por outro lado, apenas os lobisomens explodiam quando eram atin¬gidos por
objetos pontiagudos de prata. Eu não sabia o que acontecia com sacerdotisas do vodu
que se desviavam do caminho ordenado.

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Não podia permitir que isso acontecesse antes de descobrir o que eu precisava
saber, por isso tranquei minha porta e saí do hotel pela varanda.
Dizem que o dinheiro fala. E verdade. E graças a Edward, eu tinha muito
dinheiro. Menos de duas horas e várias centenas de dólares mais tarde, entrei em um
bar num bairro miserável de Porto Príncipe.
Eu levava na cintura a faca com que conseguira entrar no país, cortesia da
influência de Edward. Não era muito boa com armas, mas a faca era outra história.
Depois de meu mundo ter desmoronado, tornei-me compreensivel¬mente
assustada. Fiz aulas de caratê e aprendi a manejar a faca. Podia até arremessá-la e
acertar um alvo com precisão impressionante.
Nas últimas horas, eu descobrira que não existia um único haitiano vivo que
se atrevesse a chegar perto do bokor. Mas Devon Murphy iria. Pela quantia
adequada, ele venderia a própria alma. E eu preci¬sava desse homem para me guiar
pelas montanhas.
O Chwal Lanme, ou Cavalo Marinho, a julgar pela placa, cheirava a cerveja e
suor. A taverna lembrava um lugar frequentado por velhos marinheiros, com um
balcão de madeira escura e um leme de navio no lugar do lustre. Um homem branco
estava sentado sozinho em uma mesa manchada, os olhos semicerrados e uma
caneca de cerveja entre as mãos.
— Murphy? — indaguei. Ele parecia velho com aquela barba cin¬zenta e
desgrenhada e olhar perdido, vazio. — Posso? — Fui logo puxando uma cadeira.
Ele esvaziou a caneca em um gole, deixou-a sobre a mesa e apontou para ela
num gesto significativo.
Chamei o garçom e pedi mais uma bebida para o sujeito. Depois de pagar por
ela, fui direto ao assunto:
— Soube que você é o homem com quem devo falar, caso queira ir às
montanhas.
Murphy grunhiu.
— Quanto tenho de pagar para me levar ao bokor"?
O homem bebeu sua cerveja em silêncio, a testa franzida e o olhar vagando
pela sala. Ele abriu a boca, mas não disse nada. Seus olhos giraram nas órbitas e ele
caiu para frente com a cabeça sobre a mesa. Desacordado.
— Filho de uma...
— Isso é jeito de uma dama falar?

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Eu me virei assustada. O homem parado atrás de mim era...


A melhor palavra para descrevê-lo era "exótico". Os cabelos eram longos,
abaixo dos ombros, de um castanho claro com mechas dese¬nhadas pelo sol. As
pontas eram adornadas por contas e penas de origem desconhecida.
Sua pele era bronzeada. Braceletes de bronze adornavam os bíceps
desenvolvidos, exibidos pela camisa branca cujas mangas haviam sido arrancadas. A
calça caqui fora cortada logo abaixo do joelho, deixando à mostra as panturrilhas
definidas e os pés descalços.
Mas o que realmente me espantava era aquele rosto. Com maçãs salientes,
queixo quadrado e olhos entre o azul e o cinza, ele era impressionante. Havia uma
argola em sua orelha esquerda. O con¬junto me fez pensar em piratas e Errol Flynn.
— Procurando por mim, mademoiselle?
As primeiras palavras haviam soado com um leve sotaque irlandês; agora ele
falava com acento francês. Olhei para o bêbado caído sobre a mesa e voltei a encará-
lo.
— Puxa, espero que sim!
— Somos dois, então. Venha comigo ao meu escritório. Atravessamos o bar
em direção à porta dos fundos. A noite tropical
era morna, perfumada. Ele parou ao lado de uma cerca que separava o Chwal
Lanme de outro negócio de origem desconhecida. Ali, sem nenhuma preocupação
aparente, ele levou aos lábios uma garrafa de cerveja que segurava na mão direita.
Ele me ofereceu a bebida enquanto limpava a boca com o dorso da mão
esquerda. A ideia de pôr meus lábios onde os dele haviam estado era tão inquietante,
que recuei um passo.
— Quem... quem é você?
— Quem quer que eu seja? —- O quê?
— Pela quantia certa, serei quem ou o que você quiser.
Agora o sotaque era americano. E eu começava a me sentir tonta.
— Não entendo...
— Quem está procurando?
— Devon Murphy.
— Então veio ao lugar certo.
— E você?

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— Sim, sou eu.


Eu não sabia o que dizer. Podia sentir no meu corpo o calor que o dele
emanava, e estava muito, muito perturbada.
Por quê? O que havia em Devon Murphy que me inquietava tanto? Beleza?
Mistério? Força? ,
Talvez fosse só minha privação. Não me relacionava com um ho¬mem desde
que soubera a verdade sobre meu marido. Antes disso, havia existido apenas Karl.
Pensava ter morrido por dentro, mas agora percebia que me enganara.
— Eu... soube que conhece bem as montanhas.
— Sim, conheço.
— Pode me levar a um lugar nelas?
— Depende de que lugar é esse.
— Não sei onde fica. Só sei que é nas montanhas e que preciso chegar lá. Há
um homem...
— Procura alguém nas montanhas? Por quê? O que faz aqui?
— Não interessa. Só precisa saber que posso pagar por seus ser¬viços.
— De que serviços está precisando, afinal?
— Quero que me leve ao bokor.
Ele apertou os olhos. Seus olhos brilharam mais do que antes.
— Mezareau?
Senti um arrepio intenso, apesar da noite quente, como se alguém olhasse
intensamente para o centro de minhas costas. Olhei em volta e constatei que não
havia ninguém ali.
— Você o conhece?
— Não pessoalmente.
— Mas sabe onde encontrá-lo?
— Talvez.
— Quanto quer para me levar até lá?
— Cem mil. Eu ri.
— Dólares? Esqueça! Ele encolheu os ombros.
— Como quiser.
Achei que devia insistir no assunto.

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— Soube que faz qualquer coisa por dinheiro. Murphy sorriu.


— O que há de tão terrível nas montanhas? Por que ninguém quer ir lá?
— As pessoas não evitam as montanhas. Elas evitam Mezareau. O homem...
não é certo.
— E quem é?
— O que a fez tão amarga, minha cara...?
— Cassandra.
— Cassandra de quê?
— Só Cassandra.
— Segredos, mon cherl Francês com sotaque irlandês.
— Como faz isso? — eu indaguei.
— Isso... o quê?
— Muda de sotaque a cada instante. De onde é?
— De todos os lugares. De lugar nenhum. Daqui.
— Segredos? — eu o imitei.
— Conte-me os seus, e eu contarei os meus.
— Quando o inferno congelar.
— Não quer partilhar?
— Partilhar sempre me meteu em encrencas. Além do mais, sei que não vai
contar nada, mesmo. Seria apenas um amontoado de mentiras.
Ele levou a mão ao rosto num gesto dramático. Havia uma aliança de prata em
seu polegar.
— Não confia em mim, mas espera que eu a guie pela selva sombria e
deserta...
— Não há mais selva alguma.
Boa parte do Haiti era marcada pela ausência de árvores. O desma-tamento
causado pela total dependência da madeira como combustível e fonte de energia
dizimara as matas nativas antes do século vinte.
— Força de expressão — Murphy explicou. — Como sabe que não vou pegar
seu dinheiro e fugir?
— Bem, eu sei porque você só vai receber quando voltarmos.
— E como eu sei que você tem o dinheiro?

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— Eu tenho.
Ele balançou a cabeça.
— Tenho uma ideia melhor.
Os olhos dele passearam pelo meu corpo.
Eu forcei um suspiro aborrecido, como se o olhar não me afetasse.
— É melhor ter outra ideia, porque essa é péssima.
— Que pena... Ela parece estar enraizada nos meus pensamentos.
— Nos seus e nos da maioria dos homens. Há mais alguém que eu possa
contratar?
Ele riu.
— O que você acha? t
Eu sabia que não. Já havia percorrido toda a cidade em vão, porque todos
sentiam verdadeiro pavor do bokor. A única pessoa que parecia não sentir medo era
Murphy. E ele era o único que ousava pronunciar o nome do bokor e parecia saber
onde encontrá-lo.
O que eram cem mil dólares comparados à vida de minha filha e ao fim da
maldição da lua crescente? Edward concordaria comigo.
— Escute, você me diz por que quer conhecer Mezareau e eu a levo até ele por
um valor razoável.
— Por quê?
Murphy encolheu os ombros e desviou o olhar.
— Você parece estar desesperada.
Ele não parecia ser o tipo de homem que se importa com isso.
— O que é uma quantia razoável?
— Dez mil mais as despesas.
Isso era razoável. Se não tivesse de incluir a alma na barganha...
— Tudo bem — concordei estendendo a mão.
Os dedos envolveram os meus, longos e suaves, e eu pensei num pianista. Os
calos das palmas destruíram essa ideia. Notei que nume¬rosos cortes e cicatrizes
marcavam-lhe a pele.

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Murphy continuava segurando minha mão, e quando percebi que ele


prolongava o contato, eu arranquei meus dedos dos dele sem tentar esconder a
inquietação, esfregando a mão na calça jeans.
Ele não parecia insultado. Não que isso fosse importante. Agora o homem
trabalhava para mim.
— Vai querer fazer isso aqui mesmo ou prefere entrar? Eu o encarei com os
olhos arregalados.
— O quê? — disparei. Ele riu.
A jornada não seria fácil. Nem eu esperava que fosse.
— Prometeu me contar por que quer conhecer obokor...
— Ah, sim... Mas não disse quando — eu respondi irritada.
Passava da meia-noite quando voltei ao hotel. Assim que acendi a luz do
quarto, soube que alguém havia estado lá dentro. Não era a camareira.
Normalmente, elas não desenham símbolos na parede so-bre a cama.
Vermelho brilhante. Podia ser sangue.
Aproximei-me do desenho e deslizei meu dedo pela parede.
Não pretendia ficar e esperar por uma análise. Também não pla¬nejava
chamar as autoridades para falar sobre isso. Precisava encontrar Murphy, pois
certamente a polícia não me deixaria partir depois de ver aquela sujeira.
No Haiti, todos sabiam que desenhar os ícones de um esquife e uma cruz
invocava o loa Barão Samedi, Senhor da Morte, guardião do portão para o outro
mundo.
Loas são os espíritos imortais do vodu. Uma ponte entre Deus, conhecido
como o Gran Met, e a humanidade, eles parecem santos, anjos e demônios do
Catolicismo.
E numa coincidência que provavelmente não era, o Barão Samedi lambem
preside o processo de transformar os mortos em zumbis e modificar a forma de
animais.
Eu não sabia o que aquilo significava, mas tinha certeza de que queria sair dali
antes de descobrir. Virei-me para sair de perto da parede e meu pé esmagou alguma
coisa.
Havia terra desenhando um rastro desde a porta até a cama. Eu pisava nela
desde que entrara no quarto.

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Sussurros de milhares de vozes me cercavam. Eu cambaleei, febril e tonta.


Alguém havia enviado os mortos.
Alguém? Não. Só um bokor poderia realizar o mais temido de todos os
encantamentos da magia negra.
O mago apanha um punhado de terra da sepultura de cada espírito invocado
para entrar no corpo da vítima. A quantidade esparramada pelo chão de meu quarto
explicava por que eu ouvia tantas vozes, por que sentia inúmeras mãos me
empurrando, puxando, beliscando, pres¬sionando minha cabeça enquanto tentavam
invadir minha mente.
Se conseguissem, eu enlouqueceria e morreria. A única maneira de pôr fim a
esse encantamento era pela interferência de um poderoso praticante do vodu.
Esforçando-me para pensar além das vozes e da confusão, procurei por uma
resposta e pensei em um plano.
Cada loa tem um lado de luz e um lado sombrio. Invocar o lado sombrio exige
sangue, normalmente de um animal de grande porte, quase sempre um porco.
Meus olhos buscaram os desenhos na parede. Eu podia apostar que aquele
sangue já havia estado no corpo de um suíno.
O Barão Samedi é um Gede, um espírito da morte. Para mandá-lo embora, eu
precisava invocar um espírito da vida, e não havia nenhum mais forte que Aida-
Wedo, a deusa da fertilidade. Mais conveniente ainda, ela era esposa do meu espírito
guardião, Danballah. Nunca tive problemas invocando nenhum deles, e algumas
vezes eles até se apre¬sentavam sem que eu õs chamasse.
Murmurando uma prece, enfiei a mão na minha valise e suspirei aliviada ao
encontrar o pequeno pedaço de giz que mantinha ali.
Ofegando e lutando contra as imagens insanas de sangue, escuri¬dão e
isolamento que passavam por minha mente, desenhei no chão um arco-íris, o
símbolo de Aida-Wedo, que governa os domínios da nova vida.
— Ajude-me — murmurei.
Os espíritos urravam no interior da minha cabeça. Meus ouvidos doíam. Por
um momento, cheguei a pensar que os houvesse enfure¬cido ainda mais, mas então
uma luz caiu sobre meu rosto.
Um arco-íris invadiu o quarto, ofuscando minha visão com suas cores
brilhantes, música suave tomou o lugar das vozes ávidas e an¬gustiadas. Eu estava
cercada de paz. O arco-íris de Aida-Wedo é a calmaria que segue toda tempestade.

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

A dor e os sussurros desapareceram. Quando as cores sumiram, os símbolos


de sangue na parede também se foram.
Assim que parei de tremer e consegui respirar novamente, eu te¬lefonei para
Edward.
— Já tem a resposta? — ele perguntou.
Quase perguntei qual era a questão, mas Edward era totalmente destituído de
senso de humor.
Sem dúvida, lutar contra monstros na seis últimas décadas, fizera ele perder a
vontade de rir.
— Senhor, cheguei há menos de um dia...
— O que conseguiu?
— Há um homem que sabe como levantar os mortos.
Eu não precisava revelar que o homem era a personificação do mal, que podia
ser insano, inclusive, ou que eu subiria a montanha na companhia de um mercenário
oportunista para encontrá-lo. Também não precisava contar que havia sido
ameaçada. O que ele poderia fazer?
— Aconteceu alguma coisa?
Ele sempre sabia de tudo. Às vezes eu me perguntava se Edward era humano.
— Não, eu... estou bem.
— A verdade, Cassandra.
Algo na voz dele me fez arrepiar. Antes de romper em lágrimas, lalei sobre o
que havia encontrado no quarto e como havia me de¬fendido.
— Tem certeza de que não imaginou o símbolo? Teve uma viagem longa, sua
vida anda difícil...
Eu gelei. Ninguém sabia sobre as dificuldades da minha vida.
— O que disse?
— Acha que eu aceitaria qualquer pessoa que quisesse trabalhar para mim?
Investiguei seu passado.
— Eles prometeram...
• — Eles sempre prometem.
Somente dois ou três representantes do governo americano conhe¬ciam meu
passado e minha antiga identidade, mas Edward tinha co¬nexões poderosas. Havia
pouco que ele não pudesse fazer ou saber. Então, por que eu estava tão surpresa?

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

— Nunca confie em ninguém, Cassandra. Assim viverá para sempre.


— Quer dizer que não devia ter confiado em você?
— A escolha é sua. Mas saiba que sou capaz de tudo para destruir os
monstros.
De tudo mesmo.
Bem, pelo menos ele era honesto. E eu não poderia acusá-lo de nada, porque
também seria capaz de qualquer coisa para ter minha filha de volta.
— Estava falando em levantar os mortos... O que isso significa?
— Significa que um poderoso bokor não está muito feliz com minha presença
aqui.
— Foi o que pensei. Mas como esse homem sabe que você está aí? Foi quando
eu me dei conta... Renee se recusara a dizer o nome
dele. Tinha a sensação de que a reticência não era só uma demons¬tração de
antipatia ou temor.
Quando Murphy pronunciara em voz alta o nome do bokor, eu experimentara
a estranha sensação de estar sendo observada.
— Cassandra, como ele sabe?
Revelei meus pensamentos rapidamente, tomando o cuidado de não
pronunciar a palavra "Mezareau".
— Esse homem parece mais uma, lenda do que alguém real.
— Bem, lidar com lendas que se tornam reais é a descrição de cargo dos
integrantes do Jàger-Suchet, não é? — apontei.
— Por isso está no Haiti.
Era isso. Lá fora, o céu começava a ficar mais claro no horizonte, como minha
disposição diante de uma nova constatação.
— Invocar os mortos é vodu sério — murmurei.
Alguém que podia realizar tal mágica, e a uma distância tão grande, devia ser
poderoso.
— Em outras palavras, se ele pode invocá-los, também pode le¬vantá-los —
deduziu Edward.
— Eu diria que sim.
— Onde ele está?

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— Nas montanhas, mas contratei um guia que sabe tudo sobre a região. Ele
pode me levar até lá. Estarei de volta antes que sinta minha falta.
— Pronta, benzinho? — Murphy perguntou ao me ver no corredor do
segundo andar da taverna, para onde o garçom me havia enca¬minhado.
— Pode apostar nisso. E não me chame de benzinho.
— Eu a chamaria de sra. Qualquer Coisa, se soubesse qual é seu nome.
— Como sabe que sou senhora?
— Você tem aquele olhar de quem já foi magoada por alguém. Aposto que é
divorciada. Ele a traiu. E isso. Quer ir procurar o bokor para matá-lo?
Eu sorri. Se quisesse Karl morto já poderia tê-lo matado muitas vezes. Mas a
morte seria uma saída fácil demais para ele.
— Você vai saber porque preciso ver o bokor quando me levar até ele.
— Bem, eu tentei...
O quê? Tentara seduzir-me, tentara descobrir meus segredos...? Não tinha
importância. Ele não havia conseguido, e não conseguiria enquanto eu não quisesse.
E não ia querer. Podia até revelar alguns segredos, mas se deixar seduzir?
Nunca! Já havia dormido com um mentiroso trapaceiro e oportunista, e não
pretendia repetir a dose.
Murphy entrou no quarto para pegar dois grandes fardos. Ele me entregou
um deles e apoiou o outro nas costas. Tirei da valise as coisas de que precisava e as
guardei na minha nova mochila.
— Aluguei um jipe — Murphy contou. — Hoje vamos viajar de carro, mas
amanhã... amanhã estaremos a pé. Já fez trilhas antes?
Eu encolhi os ombros, apesar do peso da mochila.
— Cassandra, já fez trilhas antes?
— Eu vou conseguir. Não se preocupe comigo.
— Nunca esteve nas montanhas, não é?
— Não.
— Uma floresta? Uma colina? Qualquer lugar menos plano que um shopping?
— Estive em lugares que você não pode nem imaginar. Havia conhecido o
inferno na terra.
— As montanhas são perigosas. Precisa saber o que vai encontrar lá em cima.

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— Se eu soubesse, não precisaria de você.


— Tudo bem. Então... apenas faça o que eu disser quando eu disser.
Quando passamos pelo garçom, ele se despediu de Murphy cha-mando-o de
Koboy, e não consegui conter minha curiosidade.
— Do que ele o chamou? Koboy?
— É caubói, porém com sotaque creole.
— Caubói? Por quê?
— É como eles chamam todos os americanos. Ah! Então, Murphy era
americano.
— Não eu — respondi.
Ele se virou para trás e me olhou da cabeça aos pés.
— Você não parece um caubói.
Eu o imitei, olhando-o da cabeça aos pés. Com os enfeites nos cabelos e o
brinco na orelha, ele parecia mais um índio, mesmo sendo quase louro.
— Então, é americano? — pressionei. Ele sorriu.
— E o que você acha?
O sotaque retornara com força total. O homem era irritante!
De repente, ele segurou minha mão e me puxou para o jipe como se estivesse
com pressa. Ele me soltou, saltou para dentro do veículo e ligou o motor, e eu mal
tive tempo de me jogar dentro do carro antes de ele sair em alta velocidade. .
Antes de fazer a primeira curva, Murphy olhou pelo retrovisor e resmungou:
— Droga...
O tom era tão casual que me limitei a ficar olhando para ele com ar atónito,
sem entender toda a movimentação. Irritado, ele segurou minha cabeça e a puxou
sobre seu colo, e no mesmo instante eu ouvi os primeiros tiros.
Ele não parou. Não se encolheu. Apenas continuou dirigindo, e em poucos
instantes deixamos os atiradores para trás.
A coxa de Murphy pressionava meu rosto. O zíper da calça ma¬chucava
minha cabeça. Não tivemos tempo para tirar as mochilas das costas, e a minha estava
retorcida entre meu corpo e o assento. A dele o empurrava contra o volante.
Eu me sentei, removi a mochila e a joguei no banco de trás, depois o ajudei a
fazer o mesmo.

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— Seus amigos? — perguntei.


— Não pareciam muito amistosos.
— O que eles queriam?
— Minha morte, eu acho.
— Posso entender o sentimento, mas o que fez para merecê-lo? Ele riu.
— Também me quer morto, docinho? Dessa vez o sotaque era americano.
Sulista.
— Talvez não morto — concedi. Afinal, ele era o único que se dispunha a me
levar ao bokor.
— Se não morto, então... o quê?
— Sincero.
Ele realmente sabia onde encontrar o bokor? Ou me levava para as montanhas
com propósitos escusos relacionados, se não à minha pessoa, ao meu dinheiro e à
minha vida?
Queria confiar nele, mas não conseguia.
— No instante em que for sincera comigo, docinho, serei absolu¬tamente
sincero com você.
Ele tinha razão. Porém, não revelaria meus reais objetivos enquan¬to não
estivéssemos bem longe de Porto Príncipe.
— Por que aqueles sujeitos atiraram em nós? Quem eram?
— Não sei. Não os conheço.
— Então... por que fugimos?
— Podiam estar atrás de você.
— Não há ninguém atrás de mim — menti. — Sou só a Sacerdotisa
Cassandra, uma simpática praticante de vodu vinda diretamente de Nova
Orleans.
— Você o quê?
— Eu não havia mencionado? Ah, desculpe... É só o meu trabalho. Não se
preocupe.
Murphy apertava as mandíbulas revelando grande tensão. Eu con¬seguira
aborrecê-lo, e nem havia me empenhado muito.

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— Veio ao Haiti e me pediu para levá-la às montanhas ao encontro ile um


feiticeiro vodu, mas esqueceu de me contar que é uma sacer¬dotisa vodu. E devo
achar que isso é normal?
— Não está sendo pago para pensar sobre minhas atitudes.
— Esse é o problema com algumas pessoas, sabe? Elas não con¬seguem deixar
de pensar. Mesmo que não sejam pagas para isso. E você não parece uma sacerdotisa
vodu.
— Ah, eu sempre ouço isso.
Deixamos Porto Príncipe para trás pela rota litorânea, depois vol¬tamos ao
continente e tomamos a direção das montanhas.
Não houve mais tiros e ninguém tentou nos deter.
O dia chegava ao fim quando Murphy parou o veículo em uma estrada de
terra batida. Estávamos na base de uma montanha coberta por árvores, e a folhagem
era uma paisagem tão incomum ali que não conseguia desviar meus olhos dela. O
silêncio era ensurdecedor.— Vamos acampar aqui.
— Já? — Eu me surpreendi. Ainda tínhamos uma hora antes do anoitecer.
— E inútil continuar esta noite. Melhor descansarmos e retomar¬mos a viagem
ao amanhecer. — Murphy virou-se para pegar sua mochila.
Eu desci do jipe e caí.
Ele correu e se ajoelhou do meu lado.
— Está sentindo alguma coisa?
— Não. Esse é o problema. Não sinto minhas pernas.
— Não paramos para comer ou esticar as pernas. Foi um erro grave.
Murphy ajudou-me a levantar, mas não me soltou.
— Quer morrer aos pouquinhos, meu docinho?
— Ah, não! Agora vai fazer rimas? Pare com isso!
— Está certo. Mas deixar de comer nesse calor, e nas condições de tensão em
que estamos... Você vai acabar desmaiando.
— A tensão não importa mais. Despistamos aqueles sujeitos. Ninguém mais
vai atirar em nós.
— Deus te ouça!
— O que quer dizer?

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— Assim que chegarmos lá — ele apontou para as árvores —, será 9 aberta a


temporada de caça. 1
— Temporada... do que está falando?
— Por que acha que ninguém mais quis levá-la aonde você quer ir?
— Porque não sabiam onde encontrar o bokor"]
— Porque ninguém quer vir aqui. Eles chamam o lugar de Montanha Sem
Volta.
— Por quê?
— Porque as pessoas têm a péssima mania de desaparecer quando vêm
procurar por Mezareau.
Eu não estava gostando nada disso, mas me recusava a me deixar intimidar
por rumores e apelidos estúpidos. Mesmo assim, olhei de soslaio para as sombras à
nossa volta. A escuridão tornava o cenário ainda mais ameaçador e sombrio.
— Devíamos parar de usar o nome dele.
— Por quê?
— Porque ele é um bokor, um feiticeiro. Falar seu nome em voz alta permite
que ele nos veja, talvez até que nos escute. Ele saberá que viemos antes mesmo de
chegarmos lá.
— Sei.
— De que outra maneira você explicaria o desaparecimento das pessoas?
— Ah, eu não sei... — Ele abriu os braços. — Guardas truculentos detendo
todos os invasores?
— Talvez.
Mas eu não acreditava nisso. Sentia-me observada desde que Murphy
pronunciara o nome do bokor. Podia ser paranóica, mas isso não queria dizer que
não havia alguém me espionando.
A sensação piorou no meio da noite, e eu tive certeza de ter ouvido i um
grunhido e o farfalhar de folhas e galhos. Apavorada, me virei no saco de dormir e vi
um par de olhos na escuridão.
Murphy dormia. O rifle estava ao lado dele, e eu não hesitei em pegar a arma
e atirar.
O estampido o acordou. Ele acendeu a lanterna, examinou toda a área... Nada.
— Tem certeza de que não era um lobo?

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— No Haiti? — ele riu. — Você estava sonhando. Talvez...


Por outro lado, Nova Orleans também não abrigava lobos, e, no entanto...
Edward dizia que os lobisomens estavam evoluindo, usando todo tipo de
magia para se reproduzirem e se tornarem mais fortes, mais letais. Talvez usassem
vodu no Haiti.
— Vá dormir — disse Murphy. — Não há ninguém aqui além de nós.
Olhei para as montanhas escuras.
Por alguma razão, ele não conseguia me convencer de que éramos apenas nós
dois.

Capítulo II

Naquela noite eu não dormi. Como poderia? O sol ainda estava nascendo
quando Murphy acordou e anun¬ciou que era hora de partir.
— Quanto mais cedo nos embrenharmos na floresta, mais fácil vai ser nos
afastarmos de quem estiver nos seguindo.
— Pensei que os houvéssemos despistados.
— Talvez não. Melhor sair daqui antes de descobrirmos. Recolhemos nossas
coisas e dividimos barras de granola e água.
— Vai deixar isso aí? — eu perguntei apontando para o jipe.
— Não consigo pensar num jeito de levá-lo.
Na minha opinião, abandonar o carro ali era como desenhar uma grande seta
apontando para nós.
— Isso é uma encruzilhada — Murphy comentou com tom sério. — Deve
saber o que isso significa.
Eu assenti.
Encruzilhadas e cemitérios eram as moradas da magia negra. Ne¬nhum
haitiano com um mínimo de auto-respeito chegaria perto desses lugares, a menos
que fosse absolutamente necessário.
Murphy e eu viajamos num ritmo constante, vencendo a subida moderada
que fazia minhas pernas reclamarem. O calor tropical me fazia suar muito, desde a

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cabeça coberta por meu novo boné do New Orleans Saints até os pés dentro das
botas de caminhada.
Na medida em que subíamos, a vegetação ia se tornando mais exuberante e
densa. Ali não se via sinal do desmatamento que des¬truíra as reservas verdes do
país.
Por volta do meio da tarde, eu percebi que havia perdido o senso de
orientação.

QUANDO A LUA SURGIR... 29


— Como sabe aonde temos de ir?
— Acha que eu teria aceitado esse trabalho de guia se não conse-1'iiisse me
mexer nessa área?
Por dinheiro ele aceitaria qualquer trabalho. E isso me intrigava, porque era
evidente que Murphy havia sido bem-educado. Conhecia vários idiomas, era
eloquente, confiante... Sem as penas e as contas r com um bom corte de cabelo, ele
poderia encontrar colocação nos Estados Unidos. O que fazia no Haiti?
Seguimos viagem em silêncio, oprimidos pelo calor e pela selva ameaçadora.
Ao cair da noite, eu senti cheiro de água. Ou seria minha sede? Bebíamos sempre,
mas com parcimônia. Numa viagem como aquela, ninguém levava água em
quantidade suficiente.
Murphy usou o machado para abrir caminho entre a vegetação que cercava
um lago emoldurado por lindíssimas samambaias. O som da agua batendo
gentilmente nas margens, o cheiro de umidade, o frescor agradável do ar... Era como
estar em um lugar fora do tempo.
Dei alguns passos na direção do lago, mas Murphy estendeu o In aço
impedindo-me de prosseguir.
— Tire o braço da minha frente ou vai morrer — eu ameacei.
— Pode haver cobras.
— Meu animal de estimação é uma píton. Sou capaz de lidar com cobras.
— Você tem... uma píton?
Devia ser estranho para um não-iniciado.
— Sou uma sacerdotisa vodu. Preciso de uma serpente.
— Se você diz...

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Na verdade, a cobra nunca havia sido uma necessidade; eu a de¬sejara, só


isso.
Lazarus não era exatamente um animal carinhoso, mas depois da traição de
meu marido e da morte de minha filha, ser tocada me dei¬xava nervosa. Por isso eu
havia gostado da ideia de ter uma serpente. I .azaras era leal e raramente fazia xixi no
tapete.
— Tome cuidado — Murphy disse ao baixar o braço.
Bebi a água fresca e limpa com avidez, depois mergulhei a cabeça no lago,
deixando os braços submersos até me refrescar.
Quando voltei a me sentir quase humana, olhei em volta certa de que Murphy
fazia o mesmo que eu, ou montava acampamento, mas, cm vez disso, ele olhava para
mim.
Com os cabelos molhados e gotas de água escorrendo por seu rosto e pelo
pescoço, ele parecia uma divindade da floresta.
Passei o dorso da mão pela boca, e os olhos dele, agora verdes como as
árvores, seguiram o gesto.
— Você não sabe, não é?
— Não sei o quê? — estranhei. Ele se aproximou lentamente, tenso.
— Não tem ideia de quanto é sexy com a pele quente e a boca molhada,
fresca...
— Eu não... Eu não...
Minha mente estava paralisada. Não tinha tempo para me sentir sexy, para
namorar ou fazer qualquer outra coisa que não fosse me dedicar à missão de resgatar
Sarah, mas esse homem me fazia pensar em sexo o tempo todo.
— O que está procurando, Cassandra?
Ele tocava meu braço, e eu nem havia notado que se aproximara ainda mais.
Estava tão confusa, tão perturbada...
Sem dizer nada, tentei me afastar, mas ele me tomou nos braços. E me beijou.
Òu melhor, ele me devorou. Atordoada, agarrei-me em seus ombros e colei meu
corpo ao dele, sentindo as mãos explorando meu corpo com uma mistura de ousadia
e desespero.

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Ainda nos beijávamos, quando ouvi um estrondo. Era como um trovão


distante, um som parecido com o que ouvira na noite anterior, quando Murphy
insistira em dizer que tudo não passara de um sonho.
Afastei minha boca da dele e olhei em volta, para as árvores.
Meu sonho nos seguira até ali, afinal.
— Para o chão! — gritei.
Murphy se jogou e eu o segui. A coisa saltou das árvores, passou por cima de
nós e caiu no chão.
Não era um urso ou um felino, mas um homem. Isso não significava que não
era uma besta... ou que não havia sido na noite anterior.
Por que eu considerava nosso atacante animalesco? Devia ser pelo grunhido
que ainda emanava de seu peito. O trovão distante.
E ele se movia muito mais rápido do que a média dos haitianos. Murphy e eu
nos levantamos rapidamente, mas a criatura já investia contra nós.
No rosto escuro brilhava um par de olhos claros, cinzentos, verdes ou azuis,
eu não saberia dizer; estava hipnotizada por ver como ele rolava e se retorcia, como
se estivesse amarrado, talvez, ou ensandecido.
O homem saltou sobre Murphy, e os dois rolaram no chão. Nossas armas,
machado, rifle, faca, tudo havia ficado à beira do lago, onde nos beijamos e
esquecemos a natureza de nossa missão. A luta era feroz. O atacante exibia os dentes
como se pretendesse morder o rosto de Murphy.
— Que diabo está fazendo? — Murphy estranhou.
Eu sabia. Alguns zumbis da lenda tinham uma marcada avidez por carne
humana.
Corri até o lago. Em vez de pegar uma das armas de fogo de Murphy, que
certamente não estariam carregadas com prata, sal ou qualquer outra coisa útil
naquelas circunstâncias, abri uma das mo¬chilas para pegar o pó revelador de zumbi
que eu mesma havia pre¬parado e escondido entre as provisões.
Não que houvesse funcionado antes, mas... não custava tentar.
— Cassandra! — Murphy gritou.
Rasguei a embalagem e derramei um pouco do pó na minha mão, correndo
para os dois combatentes e me preparando para soprar a substância no rosto do
atacante. No momento em que soprei o pó, Murphy arremessou longe a criatura,

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recebendo como prêmio por seu alo heróico uma nuvem de poeira reveladora de
zumbis.
— Opa!
Ele tossiu. Partículas caíam de seus cílios.
— Para o chão!
Eu me joguei. Um punho passou por cima de minha cabeça. Murphy agarrou
o braço da criatura e a jogou no chão novamente.
— A arma! — ele gritou.
Dei um passo na direção do lago, mas parei ao perceber que a criatura
conseguira se colocar sobre Murphy e mordia o ar na frente de seu rosto. Arranquei
do pescoço a corrente com o crucifixo e bati com uma das extremidades na nuca do
estranho ser.
Ele grunhiu. Mas não era um lobisomem, porque não explodiu. Rápido, girou
o braço para trás e me atingiu com o dorso da mão, no chão com um tranco doloroso.
— A arma! — Murphy repetiu.
Corri até a mochila e peguei a pistola. Por precaução, peguei também minha
faca no chão, na margem do lago.
A criatura estava quase mordendo o nariz de Murphy.
Sem pensar, arremessei a faca e acertei a região central das costas da criatura,
entre os ombros. Mais uma vez, não houve explosão, chamas ou faíscas. Aquilo não
era um lobisomem.
A coisa emitiu um som horrível e levou as mãos às costas, tentando arrancar a
faca. Ele conseguiu o que queria, e eu percebi meu erro. Agora ele tinha a faca e
Murphy!
— Cassandra!
O estampido da pistola foi ensurdecedor na quietude da selva. O atacante
estremeceu. A faca caiu; ele também caiu. Bem e cima de Murphy.
— Ufa... — Murphy conseguiu sair de baixo do corpo inerte ensangüentado.
O atacante não se movia; não respirava. As balas funcionava com os zumbis
ou então ele não era um zumbi.
E se não estava morto antes...
Olhei para a primeira pessoa cuja vida eu tirava e não me senti nada bem.
Havia sido necessário, mas nem por isso eu deixava de tremer e me sentir enjoada.

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— O que ia fazer? — Murphy se aproximou e tirou a pistola da minha mão. —


Ele ia me matar! E queria morder meu nariz... Que coisa absurda!
Eu caí, porque minhas pernas tremiam tanto que não sustentavam o peso de
meu corpo. Não conseguia desviar os olhos do homem morto.
Murphy se ajoelhou ao meu lado.
— Você está bem?
— Não... quero dizer, como posso estar bem... depois disso? Ele correu até a
mochila e pegou um saco de dormir, usando-o
como um cobertor para envolver meus ombros.
— Ei, foi necessário! Você não teve escolha!
Murphy me abraçou. Era tão bom em oferecer conforto quanto havia sido ao
me beijar. Murmurando palavras doces, mas sem sen¬tido, ele massageava minhas
costas e me manteve em seus braços até os arrepios cessarem. E mesmo assim, não
me soltou. Descobri que não queria que ele se afastasse de mim.
A noite caiu e eu continuei ali, me sentindo segura nos braços de Murphy.
Quando ele tentou se afastar, eu o beijei. Suas mãos passeavam por meu corpo,
apagando todas as lembranças. Era essa a intenção.
O beijo foi ganhando ardor, sensualidade, intenção... As mãos buscavam
lugares mais escondidos, íntimos. Ele começou a me despir, mas então lembrei...
— Pare! —gritei.
Murphy me encarou espantado.
— O que foi?
— Não posso... Quero dizer, não aqui, com ele... ali... — Apontei na direção do
homem morto, sem forças para olhar para o cadáver.
Murphy olhou na direção que eu apontava e, devagar, encarou-me
apreensivo.
— Se o problema é a presença do corpo, seus problemas acabaram —
murmurou.
Intrigada, olhei para o local onde a criatura havia caído... e não vi nada. O
corpo havia desaparecido.
Nós nos levantamos de um salto, quase como se fôssemos um só corpo. O
momento de sensualidade estava esquecido.

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— Mas o quê...? Se ele não estava morto, por que não tentou nos matar? —
Murphy perguntou, olhando em volta com evidente ner¬vosismo.
— Acho que nosso amigo já estava morto. Por isso foi tão difícil matá-lo. De
novo.
— Já estava... O que significa isso?
— A prata não causou uma explosão de fogo, por isso ele não era um
lobisomem. E o crucifixo...
— Não pode estar falando sério.
— É claro que estou. Acha que o homem que nos atacou era só isso? Um
homem?
Murphy não respondeu. Não sabia o que dizer.
— Não acredita em magia? — tentei novamente.
— Benzinho, essas coisas não existem. Acredito no que posso locar. Bebida,
mulheres, dinheiro...
A resposta me incomodou, mas eu não sabia por quê. Eu acreditava cm magia.
Sabia que o sobrenatural fazia parte do nosso dia-a-dia. Se Murphy não tinha
esperança, fé ou alma, em que isso poderia me afetar?
Bem, ele me beijara. E eu quase o deixara preencher aquele grande vazio
dentro de mim. Saber que ele era ainda mais vazio que eu... Bem, por que isso não
me perturbaria?
— Acredita em monstros? — ele quis saber. — Bestas do mal que atacam na
calada da noite?
— Sim.
— Isso explica por que estava preocupada com as árvores. Pelo menos agora
eu sabia que o atacante não era um animal, mas
uma pessoa. Se é que um zumbi podia ser chamado assim.
Mas meu alívio durou pouco. O homem que nos atacara não havia falado,
apenas grunhido, o que não combinava muito com um zumbi completamente
humano. Por outro lado, ele se movia bem demais para um morto, sem a lentidão e o
desequilíbrio característicos, e parecera tão vivo quanto qualquer outro homem.
— Vamos voltar para Porto Príncipe assim que amanhecer — Murphy
anunciou.
— Não!

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— Cassandra, não há nenhum zumbi. Se eu soubesse que era isso que estava
procurando, nem teria... não teria concordado com esse trabalho se soubesse que é...
— O quê? Maluca? Você disse que faria qualquer coisa por di¬nheiro.
— Não me deitaria com você por dinheiro.
— Eu não faço parte da negociação.
— Não foi a impressão que tive há alguns minutos.
— Não parecia estar muito preocupado com dilemas de consciên¬cia.
— Não, mas... Ah, não importa. Vamos preparar o acampamento — ele
sugeriu com tom gentil.
Tive a sensação de que Murphy planejava alguma coisa. Como, por exemplo,
encontrar um meio de me levar de volta a Porto Príncipe e entregar-me aos cuidados
de um psiquiatra.
Ajudei a montar acampamento e preparar o jantar, mas não parei de pensar
nem por um segundo. Não podia mais confiar nele, se é que havia confiado em
algum momento.
Devíamos estar perto do povoado de Mezareau, ou não teríamos sido
atacados por um zumbi. Seria melhor prosseguir sozinha, em vez de seguir
cegamente o sujeito que acabaria me internando em um hospício. Mas como eu
poderia escapar sem que ele me visse?
Simples.
Pó de vodu para dormir.
O pó era, na verdade, um medicamento herbal que eu vinha utilizando desde
a morte de Sarah. E se ele me fazia dormir, apesar de indo, Murphy não teria a
menor chance de resistir ao sono.
E quando ele apagasse, eu escaparia. Quando acordasse, ele não se daria ao
trabalho de me seguir, pois teria a seu lado o dinheiro do pagamento pelo serviço.
Foi fácil misturar o pó para dormir em sua comida. Ele comeu o puré de maçã
da embalagem descartável sem notar o que consumia, ou sem se incomodar com isso.
A noite havia caído por completo. Um crescente um pouco maior do que da
noite anterior flutuava no céu sobre a selva à nossa volta. Murphy mantinha o rifle
sobre suas pernas.
— Vou ficar vigiando.

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Ele jamais conseguiria se manter acordado para isso. Além do mais, a arma
não teria nenhuma utilidade se a estranha criatura deci¬disse voltar.
Quinze minutos mais tarde, Murphy cochilou pela primeira vez. A cabeça caiu
sobre o peito e ele acordou assustado, olhando em volta. Mais alguns minutos, e ele
adormeceu novamente com a cabeça caída sobre o peito. Esperei uns quinze ou vinte
minutos, só para ter certeza, depois peguei minhas coisas.
Desenhei um círculo de sal em torno de Murphy para protegê-lo durante o
sono. Nenhum zumbi podia passar pelo sal.
Antes de ir, joguei o dinheiro no chão na frente de Murphy. Ele não teria
motivo algum para me seguir. Estávamos quites.
Enquanto caminhava para as árvores, eu me recusei a sentir tristeza por isso.
Tinha muitas outras coisas pelas quais me entristecer. Como
0 inferno para o qual me dirigia. Como subíamos a montanha em direção ao
norte, decidi manter esse curso. Senti um certo desconforto por pensar que esse era o
caminho mais fácil, quase como uma estrada <le tijolos amarelos ao contrário, um
caminho que me levaria para 1onge do mago, em vez de me levar até ele. Mas... eu
não tinha escolha.
Era seguir em frente ou desistir. E eu nunca desistiria.
Viajei durante toda noite, certa de que a trilha me levaria a algum lugar. Ouvia
apenas os insetos, e tudo permaneceu quieto e tranquilo a hora mais escura da noite,
pouco antes do amanhecer, quando a lua e as estrelas desaparecem e o céu fica negro
como o poço do inferno. Odiava essa hora. Era quando os sonhos chegavam. Sonhos
com Sarah.
— Hoje não vai haver nenhum sonho — murmurei. — Porque não vou
dormir.
Parei, porque não conseguia mais enxergar a trilha, e peguei meu cantil.
Apoiada ao tronco de uma árvore, bebi devagar observando o céu, esperando pela
luz que anunciaria o fim da noite e assinalaria a chegada do sol. Mas nada acontecia.
— Talvez aqui o processo seja um pouco mais demorado — sussurrei.
Mas o som de minha voz não me acalmava.
De repente um barulho. O som no meio da vegetação era tão aba¬fado que eu
nem o teria ouvido, se estivesse caminhando. Devia ser um animal pequeno, talvez
peludo.

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Minha mão direita buscou a faca, mas não chegou a sacá-la. Antes disso, uma
figura surgiu do meio das árvores.
— Sarah...
Queria tocá-la, mas não ousava. Não podia ser real. Eu queria muito que fosse,
mas sabia que não era possível. Se a tocasse, ela desapareceria numa nuvem de
fumaça.
Sarah vestia a roupa com que havia morrido, o uniforme azul ma¬rinho e
branco da escola particular. Seu cabelo escuro, muito seme¬lhante ao meu, estava
escovado, e ela tinha as faces coradas e saudá¬veis, cheias de vida. Os olhos
castanhos como os de Karl brilhavam intensamente. A única coisa estranha era que
ela não usava meias ou sapatos.
Eu devia estar sonhando, mas continuava ali em pé, com as costas apoiadas ao
tronco da árvore.
Mudei de posição e minhas botas rasparam a terra, fazendo um ruído
característico. Bati a mão contra o tronco da árvore. A dor ex¬plodiu em meu braço.
Mamãe...
O som era um murmúrio do vento.
Lágrimas inundaram meus olhos. Eu devia mesmo estar perdendo a razão.
Está tudo bem.
Não. Não realmente. Nada,havia estado bem desde que ela morrera.
Mamãe, ela repetiu, correndo na minha direção.
Eu me ajoelhei e estendi os braços, e ela passou por mim como primeiro sopro
gelado de outono.
Fechei os olhos e pude sentir seu cheiro. Aquela fragrância particular que era
só dela, doce e marcante, uma mistura de branco leitoso fluorescente, sol, sombra e
terra. Não sentia aquele cheiro há muito tempo.
— Tudo bem?
Abri os olhos. Estava sentada no chão, cem as costas apoiadas na árvore. O sol
já havia nascido, criando um halo em torno da cabeça de Murphy.
Eu pisquei confusa.
— Que horas são?
— É só isso que tem para dizer? Você me dopou!
— Eu não!

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Havia dormido e sonhado com Sarah. O desapontamento enchia meu peito,


entorpecendo todas as outras sensações. Se não havia sido um sonho, minha filha era
um fantasma.
Perdera horas de viagem e me deixara alcançar por Murphy.
— O que está fazendo aqui? — perguntei.
— Vou levá-la ao bokor, lembra?
— Não, quer me levar para a casa dos doidos. Ele riu.
— Não ouço essa expressão desde que minha santa mãe morreu.
— Se ameaçar dar tapinhas na minha cabeça, juro que vou esmur-t iir seu
nariz.
Murphy sorriu.
— Assim é melhor. Agora, diga-me com o que me drogou, e por quê.
— Pó para dormir. Ervas, somente. E não funcionou muito bem.
— Dormi até o amanhecer. Não era essa sua intenção?
Olhei para o céu novamente. Pela posição do sol, devia ser meio • la tarde.
Incrível!
— Não pensei que se incomodaria. Deixei o pagamento, então...
— Acha que eu pegaria seu dinheiro e voltaria feliz para Porto I 'i íncipe,
deixando-a sozinha na floresta encantada para ir ao encontro iln morte?
— Não acha que está dramatizando demais a situação?
— Não.
— E por que chamou a floresta de encantada?
— Só queria ser engraçado. Por que nunca ri?
— Eu rio.
-- Só se for em silêncio. Nunca ouvi o som da sua risada.
— Não vejo muitos motivos para rir nesse mundo.
Murphy tocou meu rosto.
— Sinto muito por isso.
— Não é sua culpa.
— Mesmo assim, queria poder chutar o traseiro daquele sujeito que a acertou.
Percebi que ele não falava mais da minha tristeza, mas do olho roxo.
— É impossível chutar o traseiro de um zumbi.

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— Ah, não... De novo isso?


— Sempre isso.
— Como posso convencê-la de que zumbis não existem?
— Não pode, porque eles existem.
— Cassandra...
— Sabe que houve um etnobotânico em Harvard que provou que o fenómeno
zumbi é real?
— Duvido.
— E sério. No início da década de oitenta houve dois casos do¬cumentados de
pessoas que apareceram vivas no Haiti anos depois de terem sido declaradas mortas.
Wade Davis, o etnobotânico, des¬cobriu que um veneno extraído do baiacu levava a
vítima a um estado de transe profundo no qual ela parecia morta.
— Ouvi alguma coisa sobre isso. A vítima "morria", depois era chamada de
sua sepultura pelo bokor e vendida como escravo em algum lugar bem longe de casa.
— Isso mesmo. E quando retornava à vida, ela era chamada de zumbi.
— Mas ela nunca esteve realmente morta, o .que significa que não era um
zumbi.
— Exatamente. Mas não estou interessada em veneno para zumbi.
— Então, por que estamos tendo essa conversa?
— Porque você disse que zumbis não existem. Mas eles existem.
— E suponho que os lobisomens e vampiros...
— Também existem. Há um mundo inteiro sobre o qual as pessoas pouco ou
nada sabem.
—Talvez por isso ele não exista fora da sua cabeça. Sabe, Cassandra, você me
preocupa. Mezareau não é um homem muito... bom.
Eu me encolhi ao ouvir o nome do bokor. Esperei pelo arrepio e pela sensação
de estar sendo observada, mas não senti nada. O que não queria dizer que Mezareau
não estivesse nos espionando.

— Ele não terá paciência para os seus contos de fada. Não quero que
desapareça como todos os outros desapareceram.
— O homem é um bokor — eu disse. — A palavra em si é a prova cie que meu
pedido não vai espantá-lo.

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— Ele já enviou um homem para nos matar. E quanto mais eu penso naqueles
sujeitos em Porto Príncipe, mais acredito que podem ter sido enviados por ele,
também.
— Ele não sabe o que eu quero — argumentei. — Por que estaria (ão agitado?
— De acordo com você mesma, pronunciar o nome dele já confere poder ao
sujeito. Ele sabe quem somos, onde estamos e o que quere¬mos. Não foi isso que
disse?
— Sim, foi isso.
— Muito bem, Porém, se tentar adotar o ponto de vista mais equi-li brado, o
homem tem gente em todos os lugares e todos querem cair nas graças do bokor.
Farão qualquer coisa para agradá-lo.
Isso ainda não explicava por que alguém havia tentado me matar.
Olhei em volta, examinando a pequena clareira. Talvez tenham tentado me
enlouquecer duas vezes.
Mezareau enviara Sarah? Como ele podia saber sobre ela? Seria capaz de ler
mentes?
Se o bokor era tão poderoso, não havia como prever o que ele podia fazer. As
perspectivas me assustavam e enchiam de entusiasmo.
— Ele não quer ser encontrado — eu disse.
— Ah, você acha? — Murphy resmungou sarcástico.
— Só preciso de um pouco de conhecimento. Seria pedir demais?
— Talvez ele não queira dividir o que sabe.
Eu não havia considerado essa possibilidade. A religião vodu era inclusiva,
cheia de gentileza, amor e generosidade. Mas um feiticeiro vodu não devia seguir as
mesmas regras.
Eu me levantei. Murphy estendeu a mão e, sem pensar, eu a segurei.
— Quem é Sarah?
De repente eu perdi o ar. Pensava nela o tempo todo. Chamava por ela à noite.
Mas ninguém jamais havia pronunciado o nome de Sarah em minha presença nos
últimos tempos. A palavra parecia ras¬car meu coração.
— Onde ouviu esse nome? ,
Minha voz era rouca. Murphy franziu o cenho.
— Você o balbuciava quando cheguei aqui. Quem é ela?

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— Minha filha.
Os dedos dele apertavam os meus.
— Onde ela está?
— Califórnia.
Cemitério Bellehaven. Califórnia.
Ele virou minha mão è deslizou um dedo pela marca deixada por minha
aliança.
— Marido?
— Não tenho mais.
— Bem, já é um alívio.
— Alívio?
— Prefiro não beijar mulheres casadas.
— Não tem jeito de quem se importa com isso.
— Você não me conhece.
Ele estava certo. Estava zangada comigo, não com Murphy. Não queria desejá-
lo, mas era impossível controlar o que eu sentia.
Retirei minha mão da dele, virei-me para pegar a mochila e notei uma marca
no solo, um sinal meio escondido pela vegetação. Incli-nei-me para afastar as folhas
do arbusto, e nesse momento ouvi um estrondo vindo dò céu.
— A tempestade se aproxima — Murphy comentou. E melhor fi¬carmos aqui
e esperar que ela passe. Não vai demorar. Nunca demora.
O sol havia desaparecido. Havia sombras estranhas, móveis. Eu não conseguia
desviar os olhos da pegada que em princípio parecera mais próxima, mas afastava-se
na medida em que eu continuava olhando para ela. Pequenina. Perfeita. Dedos
roliços, calcanhar redondo...
Devagar, comecei a caminhar na direção das árvores. Havia outra pegada. E
outra.
Murphy foi atrás de mim. Quando ele me alcançou, eu já havia contado dez
pegadas, todas levando na mesma direção.
— Cassandra!
Eu não parei. Não podia. Nem mesmo quando o céu se abriu e a chuva caiu
devastadora, ensopando-nos em poucos minutos.

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Escorreguei na terra molhada, mas Murphy me pegou antes que eu caísse.


— O que está fazendo?
— Veja essas pegadas!
Murphy me seguiu de volta ao ponto de partida. Eu olhava para o chão, e
depois de alguns passos me ajoelhei na lama.
Não havia pegadas. Não mais. Em algum momento houvera? Os que
importava, se agora haviam desaparecido como a própria lua? Tomei consciência de
outro som, mais alto que o ruído da chuva
os estrondos distantes de trovões.
Inferno. Estávamos em uma montanha e a água descia em abun¬dância.
— Veja a enxurrada — gritei. Mas Murphy balançou a cabeça, lim vez de
correr, o que teria sido minha escolha, ele segurou
minha mão e me levou na direção do som.
Tentei me libertar, odiando a idéia de morrer antes de ter tentado nulo para
recuperar minha vida, mas Murphy era mais forte e, por alguma razão, estava
determinado.
I ile me fez atravessar um pequeno bosque de palmeiras, e eu cheguei ao outro
lado ofegante, pronta para ser varrida por uma onda gigantesca que descia a encosta
carregando tudo o que encontrava no
■ aminho.
Em vez disso, meus olhos se arregalaram diante da maior cachoeira eu jamais
vira.
— É isso — Murphy murmurou. — Aqui vive o bokor.
— Onde?
— Diz a lenda que há uma caverna atrás da cachoeira, e do outro Indo da
caverna... o bokor.
— Obrigada por ter me trazido. Agora eu vou ficar bem.
— Já que vim até aqui. Vou com você até o fim.
— Por que arriscar sua vida?
— Por que arriscar a sua?
Eu o encarei, recusando-me a desviar o olhar.

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— Ah... — Ele estreitou os olhos. — Não me contou que sua filha estava
morta.
Eu devia saber que um homem como Murphy era adepto da leitura inicial.
Duas ou três informações, uma expressão mais eloqüente, e deduzia toda a história.
Não teria sobrevivido por tantos anos se mio fosse assim.
I iu me virei. A chuva continuava caindo com força impressionante, i nino se
quisesse competir com a cachoeira.
— Por que pensa assim? — perguntei.
— Seria melhor perguntar por que não pensei nisso antes.
Ele me segurou pelos ombros. Foi um grande esforço não me dei¬xar cair
sobre seu peito, buscar o calor de seu corpo másculo. Mas Murphy ainda era um
estranho, e agora ele conhecia meu mais pro¬fundo e sombrio segredo.
— Não vai dar certo, Cassandra.
— Vai — respondi com firmeza, cerrando os punhos até sentir as unhas na
palma da mão.
— A morte é o fim; não há caminho de volta. ,
— Está enganado. A morte é o começo.
— Talvez seja, mas é o começo de outra coisa. Alguma coisa de qual ela não
vai querer voltar.
Ouvi o eco das palavras de Renee, mas ignorei-as como as havia ignorado
antes.
— Ela vai voltar.
— Mesmo que fosse possível levantar os mortos, a quem você desejaria uma
existência de zumbi?
Eu me virei para encará-lo.
— Escute — ele continuou —, imagino que perder uma filha seja terrível, mas
o que você está fazendo não vai consertar as coisas.
— Está enganado. Ressuscitar Sarah vai consertar tudo.
— O bokor é um homem perigoso. Ele está tramando alguma coisa em seu
esconderijo.
— Exatamente.
— Refiro-me a drogas. Armas. Talvez até escravidão, o que explicaria os
visitantes desaparecidos. ,

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— Escravidão? Estamos vivendo no mesmo século?


— Nunca ouviu falar em escravidão branca?
— É claro que sim, mas não creio que haja tantas pessoas branca por aqui.
— Nós, por exemplo. Eu mordi o lábio. Agora ele havia tocado num ponto
crucial.
— Além do mais, escravidão branca não é uma menção à raça Trata-se de
escravidão sexual... de todas as raças!
— Você perdeu o juízo!
— Não. Você perdeu. E perdi também a paciência.
— Se está tão preocupado com o que o bokor pode fazer comigo por que me
trouxe até aqui, afinal?
Murphy desviou o olhar.
Estava escondendo alguma coisa, mas... O quê?
Senti um certo desconforto. Talvez ele estivesse associado a Mezareau no
negócio de tráfico de escravas brancas, e nesse caso cu acabaria a semana trancada
em um bordel no estrangeiro.
Meus dedos buscaram o cabo da faca.
Podia estar enganada, mas não perderia nada deixando Murphy nervoso.
— Trabalho para o governo — anunciei. — Eles sabem que estou
.te ] 11
Não exatamente ali, mas no Haiti, e Murphy não precisava dos detalhes.
Eu não tinha dúvida de que Edward me encontraria, se eu desapa-i iresse, ou
pelo menos enviaria alguém com esse propósito. Se deixasse uma de suas agentes ser
vendida como escrava branca, que impressão ele daria da organização?
Eu me agarrava a fios de esperança, mas, nesse momento, esses I ios eram
tudo que eu tinha.
— O que faz para o governo?
— Sou uma Jãger-Sucher. Sociedade dos caçadores de monstros. Tudo muito
sigiloso.
Murphy encarou-me em silêncio por alguns segundos. Depois riu.
— Quase conseguiu me enganar.
— É sério.

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O riso morreu; seus olhos estavam cinzentos, agora que não havia mais tanta
luminosidade.
— Não precisa inventar histórias. Não vou matar você e jogar seu ri H po do
alto de um precipício, nem mantê-la viva para vendê-la pela melhor oferta.
Eu não convenceria Murphy da existência do Jãger-Sucher, a me¬nos que o
convencesse da existência de monstros. Tinha a sensação que isso não seria tão difícil,
uma vez que chegássemos ao outro lado da cachoeira. Comecei a caminhar para o
lago.
Aonde vai?
O que você acha? Osu vi um suspiro longo e aborrecido seguido pelo som de
um corpo cilando na água. Murphy me seguia.
As mochilas são à prova d'água? — perguntei.
E um pouco tarde para perguntar, mas, felizmente, a resposta f sim.
Alguns metros depois, nós nos deparamos com a cachoeira. Preparei-me para
mergulhar e atravessá-la.
— Espere — Murphy pediu. — Vamos fazer isso juntos. Senti-me tocada por
seu gesto. Devia insistir que ele ficasse ali,
porque podíamos estar mergulhando para a morte, mas deixei que ele
segurasse minha mão, e entramos juntos na cachoeira.
Era de se esperar que fôssemos empurrados para o fundo pela força da água,
mas emergi do outro lado apenas com um pequeno lapso de respiração.
Ainda segurava a mão de Murphy, mas ele parecia estar paralisado. Nada
acontecia. A cortina de água me impedia de vê-lo, e a pele molhada era difícil de
segurar. Se eu o perdesse, o que aconteceria? Não queria nem pensar nisso.
Não conseguia encostar os pés no fundo, por isso estava desequi¬librada.
Murphy continuava do outro lado da queda d'água, ou ficara preso nela. Neste
último caso, eu não tinha muito tempo para salvá-lo do afogamento.
Estendi os braços e segurei as mãos dele com força.
— Por favor — murmurei, puxando-o com meu corpo e minha mente.
Murphy emergiu da cachoeira e caiu em cima de mim, empurrando-me para o
fundo. Minha boca se encheu de água e eu me debati, chutando e esperneando até
voltar à superfície tossindo e enchendo os pulmões de ar.
— Tudo bem? — perguntou Murphy.

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— Sim, mas não é graças a você. O que aconteceu?


Ele começou a tossir como se houvesse engolido metade do ocea¬no.
Descarreguei minha frustração batendo em suas costas. Depois de alguns bons tapas,
ele segurou meu braço e me fez parar. Desmancha-prazeres.
— Você passou, mas eu fiquei preso. Minha boca se enchia de água, e eu tinha
de engolir para não sufocar e...
— Por que não soltou minha mão?
— Por quê? Não podia deixar você seguir sozinha.
Murphy se arriscara a morrer afogado por mim? Ele era quase um herói.
— Então, ouvi você dizer "por favor", e de repente estava voando — ele
continuou. — Não sabia que era tão forte.
— Nem eu. Foi como... magia.
— Foi adrenalina, docinho, só isso.
Que herói. Não sei por que confiei nele, afinal.
Murphy caminhou cambaleante para a margem do lago, puxando pela mão.
Chegamos na caverna, conforme ele previra. Era um lugar muito escuro, porque a
única luz ali era a do sol além da cachoeira. O silêncio me incomodava mais do que a
escuridão. Murphy tirou a mochila das costas, e depois de alguns ruídos abafados,
um feixe de luz inundou a caverna. A lanterna, é claro.
— Então, não existe magia, não é? — murmurei.
Murphy continuou girando a lanterna em todas as direções, ilumi¬nando as
paredes, mas era impossível mudar a realidade. A cachoeira havia desaparecido.
— Deve haver uma explicação lógica — ele disse.
— Para a transmutação de água em pedra? Se conseguir explicar 11 processo,
será um prazer ouvi-lo.
Minha voz era alegre. Eu não podia me conter. Se a entrada da i averna era
mágica, devia haver mais magia lá dentro.
— No seu lugar, eu não estaria tão animado. Como vamos sair daqui?
— Deixe para pensar nisso quando chegar a hora de ir.
— Vamos pensar nisso agora.
Ele deu um passo na direção do lago, e eu agarrei seu braço. A lanterna
mergulhou na água e a caverna foi invadida novamente pela escuridão.
— Não creio que aquilo seja à prova d'água.

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— Não... — Murphy resmungou furioso.


— Não temos outra?
— Não.
— Você não é exatamente um especialista na arte do planejamento.
— Não podia imaginar que ia jogar a lanterna na água.
— Eu não joguei.
— Talvez eu jogue você.
A sensação era muito boa. " — Acha que eu não seria capaz? liu parei de rir.
— Ei, o que aconteceu com o Murphy que segue sempre em frente, i lesviando
de balas e enfrentando inimigos?
— Ele se afogou. i.
— Já sei. Não gosta de lugares pequenos, escuros e fechados. Não \ e isso.'
— Conhece alguém que goste?
Eu estendi a mão e bati em seu peito. Murphy estava mais perto do que eu
imaginava.
Deslizei minhas mãos por seus ombros, pelos braços e pelas mãos, até
entrelaçar meus dedos nos dele.
— Siga-me.
— Não. Acho que devemos esperar aqui.
— Para o caso da cachoeira reaparecer magicamente?
— É possível.
— Deve ter sido assim que todas as outras pessoas desapareceram. Ficaram
presas... em algum lugar.
— Ah, isso me faz sentir muito melhor.
— Venha, há um túnel — eu insisti, puxando-o pela mão.
— Túnel? — A voz dele, antes rouca, agora soava estridente.
— Relaxe. É grande o bastante para passarmos por ele de carro. Você vai ficar
bem.
A escuridão nunca me incomodou; eu sempre era capaz de me orientar. A
menos que fosse a escuridão teórica da alma, é claro; então eu me perdia.
Estendendo a mão livre para frente, fui caminhando até alcançar a parede,
depois segui tocando nela até meus dedos caírem no vazio.

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Continuamos andando, exaustos e inundados de adrenalina; a com¬binação


fazia zumbir meus ouvidos. Um zumbido que eu ignorei, até que ele começou a me
lembrar alguma coisa.
Eu parei e Murphy se chocou contra minhas costas.
— O quê...?
— Shhh — eu sussurrei.
Meus ouvidos ainda zumbiam. Eu me sentia desorientada na es¬curidão; não
conseguia determinar se o som emanava de dentro de mim ou não.
— Veja — Murphy murmurou. Eu os vi.
Somente olhos. Mais nada. Pareciam flutuar no ar a uns quinze metros de nós.
Havia algo de estranho neles, mas eu não tinha tempo para tentar discernir o que era.
Um grunhido inconfundível retumbou na caverna, um som mai! animal do
que humano, embora o eco dificultasse a identificação.
— Sua faca — Murphy sussurrou.
Ele estava armado, mas não podia atirar dentro de uma caverna. r Jiló sem
correr o risco de um ricocheteio fatal.
Por outro lado, a faca também não resolveria o problema. Eu preparava do pó
revelador de zumbis, que, se funcionasse, mandaria de qualquer zumbi para onde ele
havia saído.
Coloquei a bolsa que eu levava escondida na calça. O jeans ensopado nu- fez
rezar para que o conteúdo da bolsa não estivesse arruinado.
Derramei um pouco de pó na palma da minha mão, suspirando aliviada ao
sentir as partículas secas.
Pegue um palito de fósforo. Não faça fogo até eu dizer que é Una.
Não queria que a criatura fugisse assustada antes de eu me aproximar o
suficiente para usar o pó revelador.
('ura uma das mãos segurando o pó, a outra tocando o cabo da Uca, comecei a
me mover. Murphy seguia a meu lado. Percorremos mis cinco metros, e de repente
os olhos piscaram... e desapareceram.
fiquei tão assustada que derrubei o pó. Praguejando, estendi a mão pura frente
e toquei pêlos. Recuei imediatamente, temendo que meus peitos fossem arrancados.
Acenda o fósforo — eu disse. O ruído foi seguido pela luminosidade
alaranjada da chama. Meus "lhos, desacostumados à luz, perderam o foco. Alguma

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coisa correu e transpareceu além da curva mais próxima e, sem pensar, eu também
corri. Cheguei à curva no exato momento em que o fósforo se apagou. Eu esperei por
um momento. Um movimento, um ataque... O que você viu? — Murphy riscou outro
fósforo. A luminosidade dourada apenas revelou pedra, terra e nada mais. Meu olhar
encontrou o dele.
Uma cauda preta — murmurei. — Só vi a ponta. Talvez não tenha sido nada.
— Eu queria que não fosse nada. Nós dois ouvimos o grunhido. Você ouviu? Ouvi.
senti os pêlos.
Item, o sujeito podia estar usando uma pele para cobrir-se... ou usa parecida.
li ele também usava um rabo?
— Você disse que não tinha certeza sobre cauda e... Ah, quem sabe?
— Certo. Então, estamos falando aqui de um louco, zumbi, ou de uma enorme
coisa peluda que grunhe e anda por aí em lugares onde não devia estar.
— Por que sinto dor de cabeça sempre que você fala?
— Causo esse efeito em muita gente.
— Ah... Viu alguma coisa estranha naqueles olhos? , — Sim, mas... Não sei
bem o que era.
— Áreas brancas. Sim. Era isso.
Só seres humanos têm áreas brancas em torno da íris; nenhum outro animal
possui essa característica. A menos que se trate de um lobisomem.
Inferno.
— Que significado tem isso para você?
— Isso... o quê ? — perguntei.
— Olhos humanos.
O homem era rápido. Mesmo sem ver meu rosto, ele sabia que eu escondia
alguma coisa.
— Bem... na forma animal, os lobisomens mantêm seus olhos hu-' manos —
respondi. — Vamos.
— Vamos? Quer ir atrás daquela coisa assustadora?
— Sim. Vamos segui-lo. Além do mais, temos de seguir em frente. Atrás de
nós não há nada!
— A menos que a cachoeira tenha voltado.

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— Quer perder horas tentando descobrir?


— Não. Prefiro lutar contra uma criatura desconhecida a ficar pa¬rado
naquele lugar escuro e pequeno até o fim dos tempos.
Foi então que eu vi. Uma luz no fim do túnel. Literalmente.
E comecei a correr. Murphy corria comigo.
Emergimos em uma clareira iluminada por uma lua crescente. O | ar quente e
o cheiro de flores e vegetação foram minha primeira impressão daquele lugar. O
brilho da lua emprestava a tudo uma luz etérea e as cores eram mais vivas e
cintilantes.
Ali, do outro lado da caverna, havia uma selva de verdade, densa e úmida.
Onde estávamos? Eu acreditava em magia. Sabia que po¬díamos ter atravessado a
caverna para... qualquer lugar.
Murphy olhava em volta com evidente surpresa.

QUANDO A LUA SURGIR... 49


Um farfalhar chamou minha atenção para a densa vegetação ras¬teira.
Devagar, eu removi a faca da bainha em minha cintura. Murphy empunhou o rifle.
Talvez ainda funcionasse, mesmo depois do mergulho. O estampido nos daria algum
tempo, e eu poderia usar a faca antes da coisa rasgar minha garganta ou a dele.
Um homem surgiu da selva. Murphy mantinha o rifle pronto para ser usado.
Talvez estivesse aprendendo.
O homem era alto, magro, com pele escura e olhos claros. Ele vestia uma calça
caqui. Mais nada.
— Kijan ou ye? — Murphy ofereceu o tradicional cumprimento haitiano.
Como vai?
— M'pa pi mal — respondeu o homem.
A voz dele era forte e clara. Não era um zumbi. Não um zumbi típico, porque
esses só resmungavam e bufavam. Melhor assim.
Ou não, porque então ele podia ser...
Eu me adiantei e, antes que o desconhecido pudesse perceber, encostei a ponta
da faca em seu braço.
Ele não reagiu, o que era estranho. Uma pessoa normal ficaria perturbada com
minha atitude.

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

— Desculpe-me — eu pedi recuando. — Viu algum animal por aqui?


Ele inclinou a cabeça, um gesto que me fez pensar em um cachorro.
— Animal?
Pelo menos falava inglês.
— Sim, um cachorro, coiote, lobo...
— Não há coiotes ou lobos aqui.
— Aqui... onde? ----No Haiti.
— Alguém tem um cachorro muito grande e peludo que...
— Não, Sacerdotisa.
Eu pisquei e olhei para Murphy. Ele encolheu os ombros.
— Como sabe quem eu sou?
O 'homem se virou sem responder.
— Aonde vai?
— Se quer conhecer o bokor, venha comigo.
— Estou indo.
Murphy segurou meu braço.
— Vai seguir um estranho na selva?
— Eu segui você.
Murphy soltou meu braço. Depois de olhar para o desconhecido com um
misto de receio e desconfiança, ele decidiu:
— Tudo bem, eu também vou.
Nosso amigo nos levou a um pequeno e pitoresco povoado onde não se via
evidência de doença ou pobreza. As estruturas eram sólidas, muitas delas novas, e
havia fogo para cozinhar na frente de quase todas elas.
Era tarde, mas os habitantes ainda se moviam pelo lugar. Mulheres faziam
pão, homens consertavam ferramentas. A única concessão à hora era a ausência de
crianças; deviam estar na cama. Quando en-tramos no povoado, muitas pessoas
interromperam o que estavam fazendo para virem ao nosso encontro.
— Pierre — murmuraram com harmonia sobrenatural. Nosso guia inclinou a
cabeça.
— Leve a sacerdotisa para seus aposentos.

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

Duas mulheres muito altas e fortes se adiantaram. Eram parecidas, irmãs,


talvez, e juntas elas seguraram minhas mãos, sem se importar com a faca em uma
delas.
Na verdade, era estranho que ninguém se incomodasse com nossas armas.
Eu parei, exigindo que minhas acompanhantes fizessem o mesmo, e esperei
por Murphy. Depois olhei para Pierre.
— Estamos procurando por um homem chamado Mezareau.
— Poderão vê-lo quando ele voltar. Murphy e eu trocamos um olhar
intrigado. -— Ele vive aqui? — eu perguntei.
— Sim, esse é seu vilarejo.
Não sei por que pensei que encontraria o bokor sozinho. Depois de iniciado,
um sacerdote vodu cria a própria comunidade, onde fun¬ciona como conselheiro,
curador, assistente social e líder religioso. Seus seguidores buscam seus conselhos em
todas as situações.
Um hougan existia para guiar seu povo. A viagem de Mezareau pelo lado
escuro e sombrio da prática não negava sua responsabilidade de guia e líder.
Olhei para os moradores do vilarejo e senti um arrepio gelado. Ele os guiava,
sim, mas... para onde?
— Onde ele está? — perguntei.
— Não está aqui.
— E quando retomará?
— Quando voltar. Descanse, Sacerdotisa. As provas não foram fáceis.
— Que provas?
— Pensou que poderia simplesmente caminhar até o vilarejo?
— Foi o que fizemos.
— Não. Foi impedida de vir, mas prevaleceu. Só os dignos con¬seguem passar
pela cachoeira.
— Dignos de quê?
— Saberá quando o mestre chegar. O mestre?
— Como sabe que ela é uma sacerdotisa? — Murphy perguntou.
— O mestre tudo sabe porque tudo vê. E agora, recolham-se e descansem.

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

Como eu não pretendia ir embora sem falar com Mezareau, por que não?
Além do mais, estava cansada.
— Certo, vamos nos recolher — eu concordei. — Mas ficaremos juntos.
Pierre balançou a cabeça.
— Sacerdotisa, não pode ficar na mesma casa com um homem com quem não
é casada.
— O quê? Em que século estamos?
— Vinte e um. Mesmo assim, temos nosso estilo de vida aqui. A pureza do
corpo leva à pureza da mente e à realização de todos os desejos.
A idéia era promissora, mas eu ainda não estava certa de que queria me
separar de Murphy. Porém, como casamento estava fora de cogi¬tação, decidi aceitar
o alojamento separado.
Fui levada para uma casa em uma das extremidades do povoado e Murphy foi
acomodado no extremo oposto.
A cabana era pequena e mobiliada com simplicidade. Havia apenas uma
mesa, uma vela, uma esteira e um cobertor. Era o suficiente. Despi minhas roupas
molhadas e sujas e me enfiei sob o cobertor. O mundo escureceu assim que fechei os
olhos.
Na profunda escuridão da noite, o grunhido furioso de um animal selvagem
retumbava. Eu me mexi na esteira. Havia algo de estranho naquele som; alguma
coisa não fazia sentido. Mas, na manhã seguinte, eu nem conseguia lembrar o que
havia escutado. Nem sabia se o som havia mesmo sido real.
Além do mais, tinha outras coisas com que me preocupar naquela manhã. Por
exemplo... Onde estavam minhas roupas? E minha mo¬chila, minha faca...
— Ei!
Eu estava nua sob o cobertor, mas esperava que alguém me ouvisse do lado de
fora. Caso contrário, teria de sair enrolada no cobertor, e a ideia não me agradava.
A cortina que servia de porta foi afastada, e as mulheres que me haviam
acompanhado na noite anterior apareceram. Uma delas car¬regava uma blusa branca
e uma saia colorida, o traje mais comum no Haiti, e a outra trazia uma bacia com
água e roupas secas. Elas dei¬xaram tudo sobre a mesa, sorriram, fizeram mesuras e
partiram sem dizer nada.
Rápida, lavei o rosto e me vesti.

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

A atividade no vilarejo era febril. Pessoas se moviam de um lado para o outro


cuidando de suas tarefas, e eu tive a impressão de que o povo ali se preparava para
uma ocasião especial.
Por um instante, tive a impressão de ver o zumbi comedor de nariz
espreitando por entre as árvores, mas quando pisquei, ele desapareceu, e como não
acreditava que alguém, especialmente um zumbi, pudesse se mover tão depressa,
deduzi que me havia enganado. Mas não havia mal algum em perguntar.
As mulheres que me serviam esperavam por mim perto da fogueira diante da
minha cabana. O desjejum, vegetais fritos e pão quente, havia sido deixado sobre
uma pedra que servia de mesa.
— Há alguém encarregado de guardar o vilarejo?
Uma delas, a irmã que usava um bracelete vermelho, ergueu os olhos do fogo
onde era preparada a comida.
— Pierre é o guardião.
— Não. Refiro-me a um homem grande que gosta muito de narizes. Ele nos
atacou do outro lado da cachoeira.
Ela balançou a cabeça.
— Qualquer um que esteja do outro lado pertence ao outro mundo,
Sacerdotisa. E não estaria aqui.
Tive de me contentar com a resposta.
— Onde estão minhas coisas?
— Suas roupas estão sendo lavadas.
— E a mochila? A faca?
— Em local seguro.
— Mas...
— Tudo será devolvido.
Desisti de protestar. Não podia reclamar por terem confiscado mi¬nha arma.
Eu teria feito o mesmo, e bem antes.
Comi o pão e os vegetais sem gosto, e quando pedi chá, uma das
mulheres torceu o nariz.
— Não é permitido, Sacerdotisa. Essas coisas são só para os loas. Desde
quando? Sabia que café e tabaco eram exclusivos dos loas,

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mas chá? E mesmo que oferecessem a bebida aos loas, isso não im¬pedia que
os vivos também a consumissem. Não em outros lugares,
pelo menos.
Mas eu não podia reclamar; a comunidade não me pertencia e não havia uma
autoridade suprema na religião vodu, alguém que deter¬minasse o que era certo ou
errado. Cada hougan criava e aplicava regras e rituais próprios.
Considerando todas as regras ali, Mezareau mantinha controle de ferro sobre
sua gente, e esse era um problema dele, não meu. Precisava cumprir minha missão
ali, depois iria embora. Voltaria para a terra do café, do chá e dos preservativos.
Precisava parar de pensar nisso.
— Mezareau volta hoje?
A mulher mais perto de mim olhou-me assustada.
— Ele é o mestre.
Eu me negava a chamar o homem de mestre.
— Certo. Posso vê-lo?
— Ele mandará chamá-la quando estiver pronto.
Respirei fundo e decidi que perder a cabeça agora seria improdutivo.
Alimentada, atravessei o vilarejo na direção da cabana de Murphy. As
mulheres correram atrás de mim. Eu não conseguia entender se elas eram ajudantes
ou guardas. De qualquer maneira, estavam me
irritando.
— Levante-se! — Eu disse ao afastar a cortina.
Mas o lugar estava vazio. E parecia ter estado assim nos últimos meses. Ou a
cama não havia sido usada, ou alguém a arrumara bem cedo e cobrira com uma fina
camada de poeira.
— Onde ele está?
As mulheres trocaram um olhar confuso.
— Quem? ,
— Murphy. O homem que veio comigo.
— Mas, Sacerdotisa... — respondeu aquela que parecia ser a única a falar. —
Chegou aqui sozinha!

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Passei o dia todo procurando por Murphy, e à noite eu não conseguia mais
disfarçar minha preocupação. Com ele, comigo e com minha sanidade mental. Helen,
a mais falante das duas irmãs, serviu-me um jantar sem gosto de nada que eu não
consegui engolir, e pouco depois eu pretextei cansaço para me retirar antes mesmo
do pôr-do-sol.
Precisava pensar, planejar... Antes, enquanto Murphy estivera co¬migo, eu
tivera certeza de que sairia dali e voltaria à vida. Mas agora... Agora temia
desaparecer como as outras pessoas que ousaram subir a montanha.
Mais uma noite se passou, e eu começava a me desesperar. Mesmo à noite, as
pessoas trabalhavam incansáveis, quase obsessivas, e outra descoberta intrigante
mexia com meus nervos. As crianças que eu pen¬sara dormir na noite da minha
chegada não existiam. E também não havia idosos. Comecei a imaginar um vilarejo
habitado por adultos jovens e criado por um propósito específico... mas eu não sabia
qual.
Estava perdida. Teria de esperar Mezareau me receber e torcer pelo retorno de
Murphy.
— Socorro... — murmurei desesperada. A súplica soou aflita, solitária e inútil.
Devo ter cochilado, porque despertei sabendo que não estava so¬zinha. Um
som sibilante chamou minha atenção, e eu virei a cabeça e me vi cara a cara com uma
serpente.
Muitas mulheres teriam sofrido um colapso, mas as cobras nunca me
incomodaram, antes mesmo da adoção da jibóia. Pelo contrário, elas me fascinavam.
A cobra era o símbolo do loa Danballah, meu met tet, um termo cujo
significado era "mestre da cabeça". Como os anjos da guarda do Cristianismo, o met
tet cuidava de seu protegido por toda a vida.
Olhei para a cobra e lembrei que havia pedido ajuda.
Eu me sentei. O réptil rastejou até a porta e parou, como se espe¬rasse por
mim. Eu me levantei para segui-lo.
O vilarejo estava quieto, mais vazio do que antes, embora não estivesse
totalmente deserto. Onde estavam as mulheres que me se¬guiam por todos os
cantos? Ninguém parecia me ver seguindo a ser¬pente na direção das árvores.
Por um momento, pensei que ainda dormia, o que explicaria a falta de
interesse em minha partida e a facilidade com que eu atravessava a selva antes

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impenetrável. Então, pisei em uma pedra e a dor me fez ter certeza de que estava
acordada.
Seguimos em frente na noite escura. Talvez essa fosse a punição por minha
recente falta de cuidado com meu met tet. Estivera ocupada demais com lobisomens
para fazer as oferendas de comida, rum e coisas brilhantes. Esquecera de usar a cor
de Danballah, o branco, em seu dia, a quinta-feira.
Mas não era uma punição. E a prova disso estava ali, bem na minha frente,
além das árvores que pareciam se abrir como uma cortina. Uma cabana.
A cobra havia desaparecido.
Enquanto eu refletia sobre os meus pecados, minha guia se fora. E agora?
Aproximei-me da cabana que, percebi ao afastar suas cortinas, estava
ocupada. O corpo perto da parede não se movia. Mesmo sa¬bendo que corria perigo,
que podia ser atacada e até morta, eu me aproximei da forma humana e imóvel.
— Murphy! — gritei, caindo de joelhos ao lado dele.
Mas o corpo estava frio, rígido e...
Morto?

Capítulo III

Nãããooo! — eu gritei. Toquei o corpo inerte tentando virá-lo e aproximei meu


rosto do dele para sentir sua respiração. Fraca. Muito fraca. Consegui encontrar o
pulso na base de seu pescoço, mas os batimentos cardíacos eram tão fracos que eu
nem conseguia ouvi-los.
— Socorro... — murmurei.
Levantei uma de suas pálpebras, tentando ver se a pupila estava fixa, mas a
escuridão me impedia de ver. Eu suspirei e deixei cair a cabeça até quase encostar
meu nariz no dele.
— Vamos, Murphy...
Ele abriu os olhos. A resposta foi tão imediata, que eu me assustei e recuei
abafando um grito. Tentei me afastar, mas ele se sentou como se contasse com a
ajuda de uma mola, depois me agarrou pelos braços e me sentou em seu colo.
— O quê...?

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Eu não consegui terminar a pergunta, porque Murphy me calou com um beijo.


Os lábios dele tinham um sabor doce e intoxicante, e com a língua ele explorou
o interior de minha boca. Eu levei as mãos à nuca de Murphy, encorajando-o,
sentindo o calor das mãos fortes em minhas costas conforme ele me virava e
amoldava o corpo ao meu, para que eu sentisse sua ereção.
— Cassandra — ele sussurrou contra meus lábios. — Pensei que você tivesse
morrido...
Eu tinha pensado a mesma coisa dele, o que tornava nossa união naquele
momento uma celebração à vida, além de um encontro de amor. Eu me sentira tão
assustada, tão sozinha... Precisava daquele contato, pois só assim conseguiria afastar
os temores e a solidão.
Murphy aprofundou ainda mais o beijo, e minhas mãos se moviam como que
por vontade própria, acariciando o peito largo, descendo para o ventre rijo, até
alcançar o cós da calça. Estremeci quando Murphy segurou meus seios e, em seguida,
levantou minha blusa e tirou-a, expondo-me a seus olhos, sob a claridade do luar que
se infiltrava pela janela.
Murphy roçou a língua ao redor de um mamilo, enquanto nossos corpos se
moviam em sintonia. Estávamos caminhando para algo es¬plendoroso e, naquele
momento, isso era tudo em que eu me concen¬trava. Com dedos trêmulos, tentei
abrir o zíper da calça de Murphy, mas ele afastou minha mão e, em dois segundos,
livrou-se da calça. Não sei como, mas minha saia foi parar, enxovalhada, sobre meus
pés, e quando dei por mim, minha calcinha estava nos joelhos. Ar¬queei o corpo para
facilitar a entrega, e gemi quando Murphy penetrou meu corpo, ao mesmo tempo
que sugava um mamilo.
Agarrei com força os ombros dele e nossos corpos adquiriram um ritmo mais
intenso, enquanto eu o sentia pulsar dentro de mim.
A sensação perdurou por longos minutos depois que alcançamos juntos o
clímax, embora eu sentisse o ar esfriar rapidamente à nossa volta. Então, puxei um
cobertor sobre nós, criando um casulo que logo produziu um calor reconfortante,
enquanto permanecíamos ali, abraçados, e nossa respiração pouco a pouco voltava
ao normal, mas não por muito tempo. Minha curiosidade não tinha fim.
— Você foi levado para aquela cabana do outro lado do vilarejo; na manhã
seguinte, quando fui procurá-lo, disseram que...
— Que eu estava morto? Foi o que me disseram sobre você.

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— Na verdade, eles me disseram que você não existia. Que eu havia chegado
sozinha ao vilarejo.
— Isso não faz sentido.
— E alguma coisa aqui faz? Quero dizer, como veio parar em uma cabana no
meio do nada, sozinho?
— Não sei. Acordei aqui na manhã seguinte à nossa chegada. Quero dizer,
acho que foi na manhã seguinte. Eu estava tonto, tinha calafrios... Pierre estava aqui.
Ele explicou que eu teria de ficar isolado porque contraíra uma febre. A mesma febre
que já havia matado você.
Ele me abraçou, e eu me senti emocionada com o gesto.
— Como me encontrou? -
Ignorei a pergunta. Havia coisas mais urgentes a serem discutidas.
— Vamos voltar ao vilarejo.
Murphy não discutiu, e sua reação me surpreendeu.
— Vamos — ele respondeu enquanto começava a se vestir. — Esteve com o
bokorl
— Não. Eles dizem que eu serei avisada quando ele chegar.
— Que coisa mais irritante. Eu ri.
Murphy se levantou, mas cambaleou e tive de ampará-lo.
Saímos da cabana e examinamos a área. Nenhuma cobra; estáva¬mos por
nossa conta. Eu comecei a andar na direção de onde viera.
Murphy me acompanhava. íamos devagar, porque ele estava pá¬lido demais.
Se desmaiasse, eu não conseguiria carregá-lo.
— Acho melhor voltar e buscar ajuda — sugeriu.
— Ah, é claro! Eles têm sido tão prestativos! Mais uma vez, ele tinha razão.
— Tudo bem. Mas me avise se sentir que vai desmaiar.
— Se pude levar uma mulher ao orgasmo, acho que posso cami¬nhar até o
vilarejo.
— Ah, inferno... — murmurei.
— Para mim foi o céu.
— Eu quis dizer que esquecemos do preservativo...
— Inferno! — ele exclamou assustado.

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— Tarde demais.
Ele assentiu e respirou fundo algumas vezes antes de voltar a andar.
— Perdi a capacidade de raciocínio. Sinto muito...
Eu não sentia, mas não ia dizer isso a ele. Tentávamos ser adultos ali. Não
podia simplesmente confessar que também havia perdido a razão quando ele tocara
meu corpo. Esse era o caminho mais curto para um coração partido, e o meu ainda
estava longe de se recuperar.
— Tudo bem — murmurei.
— Conte-me sobre seu marido — ele pediu. — O que aconteceu com ele?
Apressei o passo, tentando fugir da conversa. Foi inútil.
— Eu mereço saber, Cassandra.
Merecia. Mas nem por isso eu tinha de ser doce e simpática en¬quanto falava.
—- Karl me traiu, provocou a morte de nossa filha e está preso. Espero que
apodreça na prisão.
— O que foi que ele fez?
— Mentiu. Sobre quem era e o que fazia. Karl era empresário, mas, eu não
sabia em que ramo de negócios ele atuava. Sabia que era bem-sucedido. Tínhamos
dinheiro... muito dinheiro. Ele pagava as contas; eu cuidava da casa e da nossa Sarah.
Murphy segurou minha mão.
— Ele não era empresário?
— Era o maior traficante de drogas de toda Costa Oeste. E não sei por que
nunca percebi. Talvez por não querer ver...
— E Sarah?
—Karl entrou numa disputa com um fornecedor. Ele raptou Sarah e a matou.
Um silêncio prolongado me fez olhar para Murphy. Era impossível ler sua
expressão.
— Como se envolveu com o vodu?
— Eu estava sempre sonhando com uma cobra. A serpente sim¬boliza
Danballah, e sonhar com ela tantas vezes significa que o sujeito está destinado ao
sacerdócio.
— No Haiti!

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— Não. Em qualquer lugar onde se esteja estudando para isso. Danballah é


um loa muito poderoso. Meu professor ficou impressionado.
No início eu só estudava e seguia os passos determinados, queren¬do alguma
coisa de minha nova religião sem dar nada em troca.
Com a aparição persistente de Danballah em meus sonhos, passei a acreditar
que estava fazendo a coisa certa, a única que eu podia fazer.
— Eu estava perdida — expliquei. — Confusa, incerta, sozinha. Estava
procurando, e encontrei alguma coisa em que me agarrar. Ago¬ra sei que vou
descobrir um jeito de trazer Sarah de volta.
— Cassandra, isso é insano.
— É? Bem, vamos ver. — Eu respirei fundo. — Para terminar a história, eu
precisava de uma nova identidade, e Sacerdotisa Cassandra foi uma ótima escolha.
— Está no programa de proteção à testemunha?
— Eu disse isso?
Mesmo que houvesse me entregado a esse homem e feito com ele coisas que
jamais fizera com ninguém, não podia contar a ninguém sobre o programa de
proteção à testemunha.
As regras eram claras. A única maneira de desaparecer era deixar meu
passado para trás. Porém, eu não conseguia. Não inteiramente. Porque Sarah ainda
estava lá, no meu passado.
Mas eu seguia todas as outras regras. Nunca revelava meu verda¬deiro nome,
nunca dizia a ninguém que era uma testemunha protegida.
— Qual é seu verdadeiro nome?
— Não é tão bonito quanto Cassandra.
— Não gosto de dormir com uma mulher cujo nome não sei.
— Não dormimos.
— Não vem ao caso.
-— Para um homem que usa contas e penas no cabelo e uma argola na orelha,
você é bem conservador. Meu nome é Cassandra, Murphy. Só isso.
— Devon.
— O quê?
— Meu nome é Devon. Depois do que fizemos na cabana, acho que você pode"
me chamar pelo primeiro nome.

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Eu havia desnudado minha alma, ou o que restava dela. Agora era a vez de
Murphy.
— Depois do que fizemos na cabana, pode pelo menos me dizer de onde veio.
Murphy respirou profundamente.
— Nasci no Tennessee. Nas montanhas. Sou tão americano quanto o carvão
que meu pai extraía das minas. Dez filhos. Não tínhamos nada. A mina foi fechada...
Minha mãe morreu...
— Quantos anos você tinha?
— Quinze. No dia seguinte ao enterro eu parti.
— Aos quinze anos?
— Por que não? Eu já vivia praticamente sozinho. Não ia me meter naquelas
minas, mesmo que não estivessem fechadas. Fui para Nova York com a cabeça cheia
de sonhos, mas a cidade grande não era como eu pensava. Havia milhões de rostos
bonitos. Acabei nas ruas, onde vivi por algum tempo e fiz coisas de que não me
orgulho.
— Como veio parar no Haiti?
— Arrumei um emprego na área de construção civil, e depois daquele último
furacão varrer o Caribe, fui convidado a me juntar ao grupo que participaria da
reconstrução do país. Depois que o trabalho terminou. Eu fiquei.
Para alguém que afirmava amar dinheiro, Murphy estava no lugar errado. De
qualquer maneira, ele tornava meu espírito mais leve. Era honesto sobre quem era e
o que queria. Para uma mulher cuja vida havia sido arruinada por segredos e vivia
escondida, um homem como ele era uma novidade irresistível.
Embora a cobra me houvesse levado à cabana, eu voltava sem nenhuma
dificuldade, trilhando um caminho que só eu podia ver. Esperava chegar ao vilarejo
em poucos minutos, mas, quando afastei a cortina formada pelas árvores, encontrei
uma clareira que jamais vira antes.
A luz da lua penetrava pelas folhas, tingindo de prata a relva que insistia em
crescer entre as pedras do calçamento. Em menos de uma hora o sol nasceria. Eu não
conseguia acreditar que havia passado a noite toda vagando.
— O que é aquilo? — Murphy perguntou.
Havia uma cabana do outro lado da clareira. Murphy correu para lá, e eu o
alcancei quando ele afastava as cortinas que serviam de porta.

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— Olhe só para isso!


Havia uma cama, cadeiras, prateleiras com livros e um altar. Em uma das
paredes havia a pele de um leopardo completa, com cabeça, dentes e olhos muito
verdes e cintilantes.
— Lembra quando senti pêlos na caverna e você disse...
— Eu disse que podia ser alguém usando uma pele. Nós dois olhamos para a
pele de leopardo.
— Acho melhor sairmos daqui — eu disse.
— Em um minuto. — Murphy começou a vasculhar o lugar.
Eu me aproximei do altar. Ao lado dele havia um ason, um cho¬calho usado
em rituais do vodu. Feito de casca de abóbora, um ason era recheado de vértebras de
cobra e decorado com colares de contas coloridas e brilhantes.
— O que é isso?
Murphy estendeu a mão para o chocalho.
— Não! Um ason só pode ser tocado pelo sacerdote a quem ele pertence. Ele é
o símbolo sagrado do nosso serviço.
— Sacerdote?
O tom de voz de Murphy me fez chegar à mesma conclusão a que ele já
chegara.
— Mezareau... — murmurei. ,
— Procurando por mim?
Mezareau era menor do que eu imaginava. Esbelto, vestido com
camisa de linho e calça, ele se mantinha muito ereto e usava os cabelos curtos
e negros bem-penteados.
— Sacerdotisa Cassandra, ouil
A voz rica e profunda arrancou-me do torpor.
— Sim. Senhor.
Ele sorriu. Seus dentes eram brancos e alinhados.
— Você é Mezareau? — Murphy perguntou.
— Jacques Mezareau, oui, e você deve ser o homem que devia estar morto.
— E você estava tentando me matar.
— Ah, não, ele deve estar falando da febre — interferi.

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— Não. Monsieur Murphy está certo; tentei mesmo matá-lo. Por que quer
protegê-lo, Sacerdotisa? Ele a traiu.
Eu sabia que a acusação era tola, infundada e impossível. Eu mal conhecia o
homem! Como ele poderia ter me traído?
— Cassandra...—Murphy começou.
— Cale-se! — Mezareau trovejou.
Ele se adiantou sem pressa e segurou Murphy pelo pescoço, tirando-o do chão
sem nenhuma dificuldade.
— Pare com isso! — protestei.
Mezareau me ignorou, enfiando uma das mãos no bolso da calça de Murphy,
de onde tirou alguma coisa. Satisfeito, ele soltou a presa com um movimento brusco.
Murphy cambaleou, e eu o amparei antes que caísse.
— Esse homem é um ladrão e um mentiroso, Sacerdotisa. Ele merece a morte.
— Mezareau abriu a mão para exibir um enorme diamante. Uma pedra que ele havia
retirado do bolso de Murphy. — Ele veio por isto. Não foi por você, Sacerdotisa. Eleja
havia tentado passar pela cachoeira antes — continuou. — Mas só os dignos podem
passar, e ele não é digno.
— Então, como ele conseguiu passar?
— Segurando sua mão quando estava sob a água.
Eu me sentia uma idiota. Derreti-me toda pensando que Murphy era doce,
gentil e heróico, mas não era a primeira vez que me enganava a respeito de um
homem.
— Suponho que tenha deixado esse homem se fartar em seu corpo. Eu me
encolhi. Não só porque a suposição era verdadeira, mas
pela linguagem.
— Tola! Ele a está usando desde o início.
Mezareau estalou os dedos, e dois homens corpulentos apareceram na porta.
— Não! — eu gritei.
— Ainda o protege depois do que ele fez?
— Não quero que ele seja morto.
— Pensei que todas as mulheres traídas desejassem a morte do traidor.
— Não eu.

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Mentira! Eu desejava a morte de Karl.


Mas havia traições e traições. Murphy não fizera nada além do que eu havia
pedido. Mesmo que tivesse me usado, eu conseguira o que queria. Especialmente o
sexo.
Mezareau disse alguma coisa a seus seguidores e os homens agar¬raram
Murphy.
O sorriso de Mezareau tornou-se ainda mais largo quando Murphy
desapareceu além da cortina da cabana.
— Você mandou aquele homem ao nosso acampamento — eu deduzi.
— Oui.
— Ele era difícil de matar.
— Receio que ele não seja muito bom da cabeça.
— Eu percebi. Especialmente quando ele tentou mastigar o nariz de Murphy.
Mezareau jogou o diamante para cima e o aparou na palma da mão.
— Murphy é um ladrão, Sacerdotisa. Há muito tempo.
— Já ouviu falar em telhado de vidro?
— Está insinuando que eu roubei o diamante?
— Sim, estou. — Eu não tinha motivos para mentir. — Você é um bokorl
Ele assentiu.
Eu hão sabia como perguntar se ele era mesmo capaz de levantar os mortos.
Mas tomei coragem para fazer outra pergunta:
— Sabe como trazer os mortos de volta à vida? i
— Mas... é claro que sim.
— Pode me ensinar?
— Se quiser... Porém, levantados mortos é um ato realizado por um bokor.
Então, se aprender a realizar o ritual, você será como eu.
Eu sabia. Só havia evitado pensar nisso por medo de desistir. Mas agora,
diante do fim da minha busca, da perspectiva de vida após a morte, eu compreendi
que nada tinha importância.
— Farei qualquer coisa.
— Eu esperava que dissesse isso.
— Pode me ensinar agora?

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

— O ritual só pode ser realizado na lua cheia. Uma semana!


— Até lá, você será minha hóspede.
Os capangas voltaram. Eles me seguraram e me levaram para mi¬nha cabana,
a uns duzentos metros dali.
Os grandalhões me empurraram para dentro e ficaram na porta montando
guarda. Eu não era hóspede. Era prisioneira.
O dia passou. A noite também. Mais dias e mais noites... Perguntei por
Murphy, mas os guardas não respondiam. Se entendiam meu idio¬ma, fingiam não
entender. As duas irmãs desapareceram. Eu esperava que não houvessem sido
punidas por me deixarem escapar. Punição ali era um assunto sério.
Finalmente, a lua se ergueu cheia e os guardas me deram um robe vermelho.
A cor só era usada em rituais Petro, quando òs loas mais violentos eram invocados.
Isso nunca era feito em um templo, mas do lado de fora, em uma encruzilhada, em
campo aberto ou na floresta.
Eles me levaram à clareira de calçamento de pedras. Mezareau esperava por
mim vestido por um robe semelhante ao meu, segurando o ason em uma das mãos e
uma faca na outra. Aos pés dele, Murphy estava amarrado e amordaçado.
— Que diabo está acontecendo aqui? — perguntei.
— Quer aprender o ritual, não quer? — Ele se ajoelhou ao lado de Murphy,
que arregalou os olhos ao ver a faca. — Vamos começar.
— Não vou permitir que o mate.
— Mas, minha cara, você disse que faria qualquer coisa.
Acha que levantar os mortos é uma proposta simples? Acredita que podemos
realizar o feito apenas com a força de vontade, sem o sacrifício de sangue?
Não havia pensado nisso. Estendi uma das mãos para detê-lo, re¬cuei um
passo e colidi com um dos guardas. Eles me empurraram para frente e eu tropecei,
mas me equilibrei a tempo de ver Mezareau levantando a faca.
— Não... — sussurrei.
Mas ele não me ouvia, ou não me dava importância.
Com um movimento rápido, ele baixou a lâmina. Pontos negros dançaram
diante dos meus olhos. O que eu havia feito? Trocado uma vida por outra? A de
Muiphy pela de Sarah?

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— Para sorte de vocês dois, esse ritual só exige sangue. Não pre¬cisamos da
alma.
Os pontos negros se desfizeram no ar. Murphy não estava morto. Apenas
sangrava. Mezareau recolheu o sangue que pingava de seu braço em um recipiente
de madeira.
Murphy estava pálido; eu sentia náuseas. Mezareau sorria.
Um movimento de cabeça do mestre, e os guardas agarram Murphy e o
levaram dali.
— Imite meus movimentos. Repita tudo que eu disser. Exatamente. —
Mezareau pediu.
Ele deixou a vasilha com sangue no chão e pegou outra com água, depois
sacudiu seu chocalho.
Eu abri os braços e ele apontou para uma casca de abóbora ao lado da vasilha.
Eu nunca havia utilizado um ason que não fosse meu, mas segui as orientações de
Mezareau, brandindo o chocalho enquanto o seguia pela clareira.
Ele aspergia a água, nutrindo a terra. Na metade do círculo, entre-gou-me o
recipiente. Fiz como ele havia feito, seguindo-o até fechar¬mos o círculo, estando os
dois do lado de dentro.
Ele começou a cantar, emanando emoções nas palavras.
— Volte para nós agora. Volte. A morte não é o fim. Viva nova¬mente como já
viveu. Esqueça que morreu. Siga-me para o mundo. Volte para nós agora. Volte...
Eu repetia o cântico e ia caminhando atrás dele, descrevendo cír¬culos cada
vez menores em direção ao centro da clareira.
Não entendia como ele podia levantar mortos que nem estavam ali. E não
precisávamos de um nome? De que outra maneira o morto saberia quem estávamos
chamando de volta?
— Beba.
Mezareau segurava duas canecas, uma em cada mão, e oferecia-me uma delas.
De onde haviam surgido?
Eu hesitei, mas ele sorveu todo o conteúdo de sua caneca, deixando-me sem
alternativa. Reconheci o sabor: kleren, um tipo mais rús¬tico de rum branco
produzido no Haiti.

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Mezareau jogou sua cabeça por cima do ombro. Eu fiz o mesmo. O mundo
girou. A lua parecia maior, mais próxima, e ela falava comigo.
Logo. Em breve. Você vai fazer qualquer coisa.
Mezareau não parecia afetado. Ele se colocou na minha frente, e dessa vez
segurava o recipiente com sangue.
O robe se abriu, revelando o diamante pendurado em seu pescoço. Eu também
não teria deixado a pedra em qualquer lugar.
O ar tornou-se mais denso. O tempo passava mais devagar. O sangue caiu
sobre a terra num fio vermelho. A lua fazia brilhar a jóia no centro de seu peito.
Eu sabia que não devia falar, mas não conseguia me conter.
— Onde está o corpo?
Minha língua estava mais grossa, pesada; a voz que ouvi não era a minha.
Mezareau não respondeu. Não foi necessário.
O sangue caiu sobre a terra, tornando-se negro sob a luz prateada da lua
pouco antes da meia-noite.
Meu olhar foi atraído pelas pequenas plantas que eram como dedos brotando
da terra sob os pedregulhos; e de repente compreendi que não pareciam dedos.
Eram dedos.
A terra tremeu e se abriu como na história do Mar Vermelho. Corpos
brotavam do chão.
Eu caí ao lado de uma das mãos que buscavam o céu. Havia naquele braço
uma pulseira vermelha.
O rosto de Helen surgiu na minha frente. A seu lado estava a irmã. Elas
haviam sido punidas mais duramente do que eu imaginara. Le¬vantei-me com
dificuldade e olhei em volta procurando por Mezareau, mas ele havia desaparecido.
Estava sozinha em um cemitério do qual brotavam mortos!
Corri para a cabana, temendo que eles agarrassem meus tornozelos ou me
seguissem, mas nada se movia. Eles continuavam parados. Mortos.
Mezareau havia misturado alguma coisa ao rum. Eu via manchas coloridas,
colunas de fumaça, e ouvia vozes sussurrando à minha volta. Mas não havia
ninguém na cabana. Só eu.
Meu corpo estava coberto por uma fina camada de suor. Minha respiração era
ofegante, difícil. Eu só queria deitar e dormir até o pesadelo acabar.

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E teria dormido, não fossem o retumbar dos tambores. Corri até a porta, mas a
clareira estava vazia, exceto pelos corpos.
Corri para a selva tentando identificar a origem do som, mas era impossível.
Minha pele parecia pequena demais para meu corpo. As unhas coçavam. O
nariz ardia. Acho que estava com febre.
— Mezareau! — gritei abrindo os braços. — Venha me buscar! Eu girava,
batendo as mãos nos galhos e enviando folhas em todas
as direções. Comecei a rir, um riso ébrio, se não drogado, até tropeçar em
alguma coisa e cair de joelhos.
O grunhido reverberou do solo e vibrou por meu corpo, atingindo até os
dentes. Devagar, levantei a cabeça e me vi frente a frente com um leopardo. Ele
exibia os dentes, exatamente como a pele na cabana de Mezareau.
A coluna de fumaça girou diante de meus olhos; todas as cores se fundiram.
Eu desmaiei e cai com o rosto sobre a terra.
Quando acordei, o leopardo havia desaparecido. Mas Sarah estava ali, no
limite da floresta, chamando-me com os olhos. Eu me levantei e corri, mas ela
também correu. Sua risada enchia a noite; o perfume de sua pele pairava no ar; a dor
de tê-la perdido me fazia seguir em frente.
Eu estava perto o bastante para tocá-la, quando ela se virou, olhou para mim e
gritou. E correu ainda mais.
Olhei para baixo e descobri que eu era o leopardo. E meu pêlo estava coberto
de sangue.
Acordei novamente em uma cabana banhada pelo luar. Nua, meu corpo se
enroscava em outro. Eu conhecia aquele cheiro, aquela pele, o sabor da boca sobre a
minha.
— Murphy...
Duvidava de que ele fosse mais real que Sarah, mas precisava de um sonho
melhor. Agarrei-me a ele como se minha vida estivesse em fogo. Minha sanidade
certamente estava.
A cabana ficou escura quando a lua desceu no céu. Eu precisava <la escuridão;
queria fazer com ele coisas que não eram feitas à luz do sol. Entreguei-me a ele sem
reservas, deixando-o inundar meu ( oipo com sua semente. Quanto mais tempo
durasse aquele sonho, melhor...

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Enquanto sonhava, eu esqueci a lua, o leopardo e os tambores, mas,


estranhamente, ainda queria o sangue.
O sol aqueceu meu rosto e eu despertei. Sentia o corpo dolorido. A noite
anterior havia sido terrível, cheia de sonhos estranhos. Abri os olhos... e me deparei
com os de Murphy!
— Aaaaahhhh! — gritei, puxando todo o cobertor sobre meu corpo.
— O que é isso? Depois de tudo que fizemos, não posso ver seu corpo nu?
— Aquilo foi um sonho.
— É mesmo? E de onde veio isso? — Ele levantou os cabelos para mostrar
uma marca em seu pescoço.
Não havia sido um sonho.
Eu gemi e cobri o rosto com as mãos.
— Como cheguei aqui? — perguntei.
— Não sei. Depois da sangria, fiquei um pouco tonto. Ele exibiu o braço
coberto por uma bandagem suja.
— Sinto muito.
— Eu sobrevivi. Por outro lado, com Mezareau por perto, não sei por quanto
tempo vou poder me gabar disso. Eu desmaiei. Quando acordei, você estava nua em
meus braços.
— E, é claro, você não perdeu tempo...
— Pensei que fosse um sonho. Mas, quando acordei... Drogas, perda de
sangue... De uma forma ou de outra, os dois
haviam perdido o controle e a consciência. O que eu não entendia era , por
que, de repente, podíamos ficar na mesma cabana.
Notei minha mochila no canto do aposento e fui examinar seu conteúdo. Foi
uma enorme alegria encontrar minhas roupas, o sonífero herbal e o pó revelador de
zumbis, mas a maior surpresa foi encontrar minha faca.
Eu me vesti, guardei o pó revelador no bolso da calça e prendi a faca na
cintura. Já me sentia melhor, agora que estava vestida e armada.
— O que Mezareau disse sobre mim?
Murphy também se vestira, mas estava fraco e abatido. E desde quando ele se
incomodava com o que diziam dele?
— Ele disse que você era um ladrão. Há muito tempo.

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— Hum... É verdade.
— Pensei que trabalhasse na área de construção civil.
— Sim, eu trabalhei, mas fui um ladrão... na adolescência, quando saí de casa.
Às vezes não tinha escolha...
Jovem, sozinho, faminto... Roubar era até compreensível. Naquele tempo.
— Devo deduzir que não rouba mais?
—Já viu os calos nas minhas mãos? Eu trabalho duro para sobreviver. Só ouvi
rumores sobre o diamante quando cheguei aqui, no Haiti.
— Pensei que ninguém conseguisse sair desse lugar.
— Alguém deve ter saído, ou não haveria rumores.
— Tem razão. Então, em vez de ir embora quando o trabalho terminou, você
ficou.
— Sim, porque pensei... — Ele encolheu os ombros. — Só mais uma vez. A
última. Se conseguisse, nunca mais teria de me preocupar com dinheiro. Nunca mais
acordaria no meio da noite com medo de voltar para as ruas, de ser assassinado ou...
coisa pior. Nunca mais sentiria fome. E que mal havia em roubar um feiticeiro do
mal?
— Roubo é roubo, Murphy. Você sabe disso. Ele abaixou a cabeça.
Eu me aproximei da janela e olhei para fora. A agitação parecia ainda maior
entre os habitantes do vilarejo. Todos andavam de um lado para o outro e
conversavam. Ninguém prestava atenção em nós.
— Vamos — eu decidi.
Murphy e eu deixamos a cabana e ninguém protestou.
Caminhamos até a clareira. Eu pisei na terra revolvida recente¬mente. Os
cascalhos do calçamento haviam desaparecido, talvez mis¬turados à terra pelos
mortos. Não havia nenhuma planta ali, nenhum dedo brotando do chão. Eu me
ajoelhei no local de onde Helen brotara e, usando minha faca, comecei a cavar.
— Cassandra, o que está fazendo?
— Há corpos aqui.
Rápida, resumi tudo que vira na noite anterior, sem deixar de cavar. Abri um
grande buraco na terra, mas não encontrei nenhum sinal de ossos.
— Não há nada aí, Cassandra.
— Eles foram levantados. Por isso a população do vilarejo cresceu.

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— Coisas estranhas acontecem no Haiti — ele murmurou. — Mas levantar os


mortos? Seria estranho demais. Mesmo para o Haiti.
— Como pode duvidar? Foi o seu sangue que os levantou!
— Um maluco me cortou e jogou meu sangue no chão. Isso não prova nada.
Precisa superar essa obsessão, Cassandra. Vá para casa. Procure ajuda.
— Acha que sou maluca?
— Acho que sente falta de sua filha. É compreensível. Mas precisa deixar
Sarah descansar em paz e seguir em frente com sua vida.
— Não posso. Sem ela não há vida.
— Construa uma nova vida.
— Não sabe o que está dizendo. Você nunca teve um filho. Aposto que nunca
amou ninguém — disparei irritada.
— Tem razão. E ninguém nunca me amou.
Silêncio. Estávamos alterados. Ele e eu tínhamos os punhos cer¬rados. Aquela
alteração não nos levaria a nada.
— Se existe uma chance de trazê-la de volta, mesmo que remota, eu vou
descobrir. Aconteceu alguma coisa aqui ontem à noite.
— Você foi drogada. Imaginou tudo. Nenhum morto se levanta. É impossível!
Agora eu estava furiosa, talvez por temer que ele estivesse certo. Se estivesse...
o que eu faria?
Voltei ao centro do vilarejo disposta a encontrar Mezareau e interro¬gá-lo, mas
parei petrificada ao ver as duas irmãs que haviam cuidado de mim nos primeiros
dias. Elas pareciam muito vivas e felizes, ambas muito envolvidas com o que parecia
ser uma típica conversa entre vizinhos.
— Vou mostrar o que é impossível — resmunguei, levando a mão ao bolso da
calça para pegar o pó revelador de zumbis.
Derrubei tudo que tinha na palma da minha mão, criando um mon¬tinho. Era
muito, mas eu estava com pressa.
Caminhei para o grupo, mas, antes de alcançá-lo, o vento soprou do nada e
espalhou as partículas no ar. A nuvem se espalhou e atingiu o rosto de todos que ali
estavam.

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Não sei o que eu esperava. Provavelmente, o mesmo nada que acontecera nas
outras vezes, sempre que eu usara o pó. Afinal, se ele tinha mesmo algum valor ou
alguma utilidade, por que Mezareau me deixara conservá-lo?
O que eu não esperava ver era duas dúzias de pessoas gritando em agonia
enquanto derretiam como a Bruxa Malvada do Oeste.
A carne se desprendia de seus ossos e os olhos perdiam todo e qualquer
vestígio de vida. Unhas e cabelos se alongavam. As feridas que os mataram
reapareciam. Nunca eu havia visto nada parecido, e nem queria repetir a experiência.

Capítulo IV

O que você fez? A voz poderosa de Mezareau me fez desviar os olhos da pilha
de came e ossos no chão.
Murphy colocou-se na minha frente. Mezareau o atingiu com um golpe tão
violento que ele foi arrancado do chão e arremessado do outro lado do terreno onde
nos encontrávamos.
Eu me apavorei. Essa força não podia ser humana.
Mezareau me agarrou pelo pescoço. Sem pensar, toquei seu rosto deixando o
restante do pó grudado em sua pele. Ele me apertou com mais força, e eu comecei a
ver estrelas.
Empunhei a faca, mas ele me sacudia como se eu fosse uma boneca de pano, e
a arma caiu da minha mão. Pelo jeito, prata também não poria fim à vida dele.
De repente, ele me soltou. Eu caí com um estrondo.
— O que você fez?
Levantei-me com dificuldade. Murphy parecia estar inconsciente.
— Pó revelador de zumbi... — respondi com voz rouca.
— Eu testei o seu pó. Não era eficiente.
— Diga isso aos seus amigos.
— Qual é a fórmula?
— Um pouco disso, um pouco daquilo...
— Usou sal?
— Não.

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— Então, não pode funcionar. Era o que eu pensava. Até hoje.


Mas, até hoje, eu nunca havia experimentado o pó em nenhum bumbi de
verdade.
Mezareau olhou para mim como se Compreendesse tudo de repente.
— Não são os ingredientes que produzem o pó, mas a pessoa que os combina.
Você é muito mais forte do que eu imaginava.
Eu massageei meu pescoço.
— Posso dizer o mesmo de você. Ele abriu os braços para mostrar o vilarejo.
— Esse lugar é especial. Por isso o escolhi. Quanto mais tempo passar aqui,
mais forte vai se tornar.
— Isso tudo é besteira — Murphy interferiu.
Ele conseguira se sentar. Um olho já fora fechado pelo inchaço. Os dois
trocaram um olhar carregado de fúria e ameaças. Se pas¬sasse ao confronto físico, eu
sabia quem venceria. E quem morreria.
— Qual é a ligação entre sal e zumbis? — perguntei, tentando encerrar o
confronto.
— São mutuamente exclusivos — Mezareau respondeu carrancu¬do. — Um
zumbi não existe depois de ser tocado pelo sal. — Ele olhou para Murphy. — A
sacerdotisa o encontrou antes de concluir sua purificação, por isso não foi possível
realizar a transformação nessa lua cheia.
— Ia transformar Murphy em um zumbi?
— E claro.
— É claro — Murphy debochou. — Por que não?
— Você tem qualidades que admiro. Força, agilidade, dedicação ao objetivo,
mesmo que seja só por dinheiro... Além do mais, depois de morto você não poderia
continuar tentando roubar meu diamante.
— Tem certeza? Eu não contaria com isso.
— Um zumbi só cumpre as ordens de quem o levantou do túmulo.
— O que está dizendo? — eu indaguei.
— Zumbis são escravos, Sacerdotisa. —Não! Eles são humanos novamente.
Como se nunca houvessem
morrido.

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— Os meus zumbis parecem humanos. Porém, eles não morrem como


humanos normais.
— Só precisamos de uma pitada de sal — Murphy ironizou nova¬mente.
Nós o ignoramos.
Não morrer como qualquer ser humano era positivo, não era? Eu não queria
que Sarah morresse novamente. Só teria de mantê-la longe do mar. Iríamos viver em
Topeka, por exemplo.
Mas as revelações me deixavam muito perturbada.
— Mas... os zumbis têm de ser escravos? Não pode libertá-los?
— Não sei. Nunca tentei.
— Como planeja me zumbificar? — Murphy indagou.
— A morte torna-se viva. — Mezareau abriu os braços. — O ritual.
— Mas eu não estou morto.
— Isso teria sido resolvido com enorme facilidade depois da sua purificação.
— Está matando pessoas para depois levantá-las do túmulo? — Minha voz
soou estridente.
— De que outra maneira eu poderia criar meu exército com os dignos?
— Um exército de zumbis! — Murphy se levantou e cambaleou um pouco,
mas logo parou ao meu lado. — Por quê?
— Meus ancestrais já estiveram no comando desse lugar no pas¬sado. Quero
retomar o poder.
Murphy e eu nos olhamos.
— Está dizendo que vai...
— Tomar o país. Não será difícil.
— Não com um exército de imortais — Murphy concordou. Olhamos para.a
pilha de carne e ossos. Nem tão imortais assim.
— Vai me matar também? — eu perguntei.
— Por quê? Você é a mais poderosa sacerdotisa vodu que jamais conheci. Eu
esperava por você — Mezareau continuou. — Pedi ao Senhor da Morte que me
enviasse uma parceira poderosa. Não posso criar todo o exército sozinho.
Especialmente agora, depois de você ler desintegrado um mês inteiro de trabalho.

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Ele invocava o Senhor da Morte, o Barão Samedi, o guardião dos portões para
o outro mundo e protetor dos zumbis. Eu devia saber. Mas havia algo na revelação
que me aborrecia, e eu não conseguia identificar o que era.
- Ela só vai matar mais de seus zumbis — Murphy avisou. Mezareau riu.
- Ela não vai conseguir produzir mais pó enquanto estiver aqui.
- Como sabe?
Ah, minha querida, eu sei. Se tentar qualquer coisa contra mim, inalarei seu
amante e o embalsamarei com sal para que ele nunca ii ia is possa ser levantado.
— Ele não é meu amante — protestei. Não havia amor nessa his¬tória.
Murphy me olhou como se a declaração o magoasse. Qual era o
problema com ele?
— Mesmo assim, tenho certeza de que não vai querer o sangue de
Murphy em suas mãos.
Assim que ficamos sozinhos na cabana, eu olhei para Murphy e notei que ele
parecia ter envelhecido décadas em poucas horas. Depois de passar fome, ser
ameaçado e ter o sangue roubado para uma ceri-monia de criação de zumbis, o que
se podia esperar? A viagem até a montanha, aquele lugar, meus problemas... A culpa
era minha.
— Lamento ter envolvido você nisso, Murphy.
— Eu sabia o que estava fazendo.
— Acho que não.
— Você já tem o que veio buscar; agora é hora de sairmos daqui.
— Por que a pressa?
Ele virou as costas para a porta, onde dois guardas impediam nossa passagem
e pôs a mão no bolso da calça.
— Porque Mezareau vai me matar mesmo se descobrir que estou
com isto aqui.
Ele abriu a mão e eu vi o diamante.
Aflita, eu o peguei e joguei dentro da minha calça. Murphy tentou recuperá-lo,
mas eu bati na mão dele.
— Como conseguiu isso?
— Sou perito em abrir caixas e outros recipientes seguros.

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— Pensei que houvesse desistido de roubar.


— Não vim até aqui para ser drogado, raptado, dar o sangue, lite¬ralmente, e
ter meu nome inscrito na lista dos dez mais de um bokor, para ir embora de mãos
vazias. Devolva a pedra.
—Não. E melhor que fiquei comigo. Ele precisa de mim para criar
o exército, lembra?
— Mezareau vai perceber que o diamante desapareceu.
— Não pretendo estar aqui quando isso acontecer.
— Ah... E tem alguma ideia de como vamos sair desse lugar ma¬luco?
— Não. Mesmo que possamos passar pelos guardas, ainda resta a
questão do desaparecimento da cachoeira.
— Não conheço nenhum encantamento que possa nos levar de volta a Porto
Príncipe?
0 tempo passava devagar, e eu não conseguia pensar em um jeito de sair do
povoado. Naquela noite, antes de dormir, peguei minha laca de prata e a coloquei do
meu lado. Não que fosse servir para muita coisa ali, mas...
— É bonita — Murphy comentou.
— É prática. Até pouco tempo atrás, a prata matava praticamente ludo.
— Usou isso para matar...?
— Não — admiti. — Não sou esse tipo de Jãger-Sucher.
— Ah..; E que tipo você é?
— Nem sei se sou realmente uma. Conheço vodu, e como o último problema
com lobisomens envolvia uma maldição vodu, fui procu¬rada pelo grupo para
ajudá-los. A maioria dos Jãger-Suchers é com¬posta por lutadores. Matadores. Nada
os impede de cumprir uma ta¬refa, porque eles sabem que, se fracassarem, pessoas
morrerão.
— O que é isso, afinal?
Eu hesitei. Os Jãger-Suchers eram um grupo secreto. Mas como cu não tinha
muita esperança de sair dali com vida... Ah, que diabo!
— O Jãger-Sucher é uma sociedade de caça aos monstros chefiada por Edward
Mandenauer. Ele foi espião na Segunda Guerra. Sua mis¬são era descobrir as tramas
de Hitler.
— Uma missão grandiosa.

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— Mais do que todo mundo ficou sabendo. Hitler era fascinado por lobos e
lobisomens. Talvez porque seu nome Adolf significasse "Lobo Nobre". Quem sabe?
Ele escolheu o título fuhrer porque se refere ao líder de uma matilha de lobos
caçadores. Hitler chegou a san-i ionar uma organização terrorista secreta
denominada os lobisomens.
— O que eles faziam?
— Perto do final da guerra, quando as coisas começaram a piorar para a
Alemanha, os recrutas eram encontrados entre os membros «la Juventude de Hitler,
da SS, do exército e na população civil. ( orno lobisomens, eles pareciam ser gente
comum à luz do dia, mas à noite levavam morte e destruição ao inimigo usando
todos tis meios disponíveis.
— E eram mesmo' lobisomens?
Eu nunca havia pensado nisso.
— Edward não disse. Talvez nem ele saiba.
— O que seu chefe descobriu sobre Hitler?
— Já ouviu falar em Josef Mengele? O médico que fazia expe¬riências com
judeus, ciganos e... bem, com quem quisesse.
— Que maluco!
— Multiplique a loucura por dez. Hitler ordenou que Mengele criasse um
exército de lobisomens, e foi o que ele fez.
— Como?
— Um pouco disso, muito daquilo... Ninguém sabe ao certo, já que Herr
Doktor destruiu todos os registros.
— Mas ele não destruiu os lobisomens.
— Não. Esses ele libertou. Desde então eles têm se multiplicado, como muitas
outras coisas que ele criou em sigilo no laboratório da Floresta Negra. Edward devia
eliminar os monstros, mas chegou lá tarde demais. Desde então, ele tem se dedicado
a essa árdua missão.
— Se Mandenauer foi espião na Segunda Guerra, ele deve ser muito velho.
— Sim, ele é. Mas ainda atira muito bem. E tem praticado com regularidade.
Ele administra todas as divisões dos Jãger-Suchers, em¬bora conte com a ajuda da
neta. Eles também têm um laboratório...
— Nesse laboratório também são criados monstros?

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— Não. — Pelo menos eu acreditava que não. — Eles tentam encontrar curas
para diversas mutações. Elise, a neta de Edward, é virologista. Atualmente, ela
trabalha pela cura do vírus da licantropia.
— Licantropia é como um resfriado? Ou como o resultado do uso de
esteróides?
— De certa forma, sim. A maldição é transmitida pela saliva quan¬do a vítima
é mordida, causando alterações no DNA.
— Os vírus não são difíceis de curar por estar sempre mudando e evoluindo?
O vírus da licantropia havia mudado. Principalmente porque os lobisomens
haviam começado a combinar seu poder com magia num esforço para dominar o
mundo.
Até agora, os Jãger-Suchers haviam conseguido frustrar todas as tentativas.
Porém, mais cedo ou mais tarde...
— Os vírus são difíceis de controlar. E a licantropia é ainda mais difícil. Mas
Elise é competente e dedicada.
— Como acabou se envolvendo com os Jãger-Suchersl
— Houve um lobisomem em Nova Orleans que foi criado por uma cainha
vodu na época da Guerra Civil.
— E essa coisa continua andando pela cidade e produzindo outros
lobisomens? Puxa, me lembre de nunca ir visitar Nova Orleans!
— Henri foi capturado; Elise o levou para o laboratório. Edward me mandou
aqui para descobrir tudo o que for possível sobre a maldição.
— Pensei que estivesse aqui para aprender como levantar sua filha.
— Por conveniência, meu desejo e o deles são convergentes. Pelo que pude
descobrir, temos que levantar a rainha vodu que lançou essa maldição e obrigá-la a
removê-la.
— Ah... Quanto tempo levou para se habituar a esse universo pa¬ralelo?
— Eu ainda não me acostumei.
— Que alívio... — ele murmurou. Depois me beijou.
Não sei o que havia nesse homem, mas cada vez que ele me tocava cu parava
de pensar. Mas a presença dos zumbis do outro lado da porta era inesquecível.
— Não estamos sozinhos... — Murphy gemeu.

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— Não, mas eu tenho uma ideia. O pó para dormir. Podemos dá-lo aos
guardas!
— Ah... E como vamos convencê-los a engolir o pó?
— Ainda não cheguei nesse ponto do plano, mas estou disposta a Indo para
sair daqui.
— Eu também. Mas e os outros? E Mezareau? Você nem .sabe se o pó funciona
com os zumbis!
— Temos outra possibilidade? — Eu o segurei pelos ombros e esfreguei os
seios em seu peito.
— Continue assim, e vou esquecer que não estamos sozinhos. Eu ignorei o
comentário. Só queria distrair os guardas, dar a im¬pressão de que estávamos muito
ocupados.
— Há um jeito de multiplicar um efeito para todos os seres seme¬lhantes.
— Não entendi.
- Imagine que uma mulher quer uma poção de amor, mas ela quer que todos
os homens a amem. Combinando esse encantamento IIIIII uma única poção de amor
utilizada em um só homem...
- Todos os homens a amariam. Ei, esse encantamento chegou em IHKI hora! O
que precisa fazer?
— Só preciso repetir um encantamento verbal enquanto a poção, ou o pó ou
outra coisa qualquer estiver sendo administrada.
— E... puf! Funciona com todo mundo?
— Teoricamente.
Aprendi o encantamento quando ainda era estudante, mas nunca tentara usá-
lo. De acordo com meu professor, só um praticante de incrível poder seria capaz de
fazê-lo funcionar.
— Nesse caso, nós também dormiremos, Cassandra.
— Não somos zumbis.
— Ah, é... Mesmo assim, o bokor continuaria acordado.
Ele havia lembrado! Não pronunciara o nome. Murphy estava co¬meçando a
compreender como as coisas funcionavam por ali.
— Ele não parece vir muito ao vilarejo, especialmente à noite. Prefere ficar na
cabana confortável de senhor do feudo.

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— Então... talvez ele nem perceba nossa ausência. Não até a manhã seguinte...
— Quando já estaremos bem longe.
O plano era simples; tinha de funcionar.
Ou seria um fracasso absoluto.
Enquanto Murphy distraía um dos guardas, eu guardei todas as coisas dentro
da mochila, inclusive o diamante que tirei de dentro da calça, e a deixei perto da
porta, sempre contando. Quando cheguei ao noventa e oito, tinha a blusa ensopada
de suor. No cem eu pedi:
— Ouça-me, Simbi, Mestre da Magia...
Simbi, o senhor da magia branca, era invocado nos encantamentos benignos.
-
O guarda olhou para mim. Teria sido melhor se eu pudesse apenas pensar,
mas o encantamento tinha de ser dito em voz alta.
— Dê-me o poder!
Senti um formigamento nas mãos. A sensação se espalhou rapi¬damente como
uma corrente elétrica, uma onda de energia. Meu ca¬belo se moveu, apesar de não
haver nenhuma brisa, e a cabana ganhou uma luminosidade inexplicável.
Um trovão retumbou. A voz de Simbi. Ele me ouvia. E respondia.
O guarda começou a caminhar na minha direção, mas parou antes de
alcançar-me. E recuou. Ele também sentia. Agora a noite me per¬tencia, e não havia
nada que ele pudesse fazer. Dei um passo na direção dele, e o grandalhão correu.
Lá fora, o trovão ainda retumbava; o ar cheirava a enxofre, mas o céu era claro
como um lago azul. Nenhum sinal de chuva.
— Dê força à minha magia — eu continuei enquanto seguia o guarda. —
Espalhe-a para todos de uma mesma espécie.
Ele caiu de cara no chão como uma árvore atingida por um raio. Passei por
cima de seu corpo inerte.
Murphy também estava no chão, e por um instante temi que ele dormisse,
como o guarda, mas ele levantou a cabeça e tentou pôr-se em pé. Corri para ajudá-lo.
A estranha energia desapareceu assim que concluí o encantamento.
Peguei minha bolsa ao lado da porta e Murphy e eu corremos para a floresta.
Não havia ninguém no povoado. Mesmo assim, eu tinha a sensação de que alguém

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nos seguia. E pelo jeito como Murphy olhava para trás a cada quinze segundos, ele
sentia a mesma coisa.
— Quase... — ele murmurou.
Foi quando aconteceu o inesperado. Gritos cortaram o ar. Sombras surgiram
na noite. Formas animais pairavam sobre nossas cabeças. Um gato, um cachorro, um
porco e alguns pássaros. A vegetação se abriu e dela surgiram um duende
deformado e um troll retorcido, e eu entendi o que eram aquelas criaturas.
— Ele mandou os bakas
— Devo começar a gritar?
— Eles não são reais.
— Parecem bem verdadeiros para mim.
— Os bakas são espíritos maus que vagam pela noite; podem rou¬bar sua
vida, se você deixar, ou levá-lo à loucura.
— Como nos livramos deles?
— Olhe nos olhos deles, e desaparecerão.
— É claro. Isso sempre funciona.
— Pare de fazer piadas e faça o que estou dizendo.
Era difícil fitar aqueles olhos, mas eu me concentrei no troll à minha direita.
Pensei em Sarah e no que aconteceria, se eu não saísse dali. O medo evaporou. O
demônio também.
Os outros avançaram. Um dos pássaros se chocou contra minha cabeça. Olhei
para ele furiosa, sem nenhum medo, e todos desapare¬ceram. Quando baixei os
olhos, Murphy e eu estávamos sozinhos novamente.
Ele me beijou nos lábios.
— Fantástico! — exclamou entusiasmado, como se tudo fosse um jogo.
— Venha, vamos sair daqui.
Quando eu já imaginava que nunca mais sairíamos da floresta, nós vimos a
caverna. Infelizmente, o luar só penetrava na caverna em seus primeiros metros.
Depois tivemos de seguir tateando as paredes, ten¬tando nos orientar pelo som da
água corrente. Por mais que eu aguçasse a audição, eu só ouvia um ruído de
pedregulhos atrás de nós.
Tentei não entrar em pânico. Podia ser qualquer coisa. Muitas coisas.
— Ouviu isso?

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Água! Podia até sentir o cheiro de umidade no ar. Murphy riscou um fósforo e
nós vimos... Um lago. Nada de cachoeira.
— Estamos perdidos — Murphy murmurou.
Olhei na direção que ele apontava e vi... olhos brilhantes se apro¬ximando.
Olhos baixos, muito mais baixos do que estariam se fossem de um homem da altura
de Mezareau.
Ouvi um grunhido.
A faca estava em minha mão. O que era aquilo? Homem? Besta?
Eu não tinha ideia.
Um rugido ecoou na caverna. Eu me obriguei a encarar os olhos sem corpo.
A criatura saltou em minha direção. Eu arremessei a faca.
A arma atingiu o alvo com um baque surdo. Um grito sobre-humano ecoou na
caverna, e Jacques Mezareau caiu com minha faca cravada em seu peito.
Assim que Mezareau caiu, o barulho de água corrente encheu a caverna.
Fiquei olhando aturdida para a cachoeira que surgiu do nada na parede de pedra.
Mezareau devia ter usado algum tipo de encantamento de invisibilidade, mas a
magia se desfez quando ele perdeu a consciência... ou pior.
—Belo arremesso—Murphy resmungou enquanto se aproximava do corpo.
Ajoelhado, ele verificou o pulso de Mezareau, arrancou a faca de seu peito,
limpou-a na camisa da vítima e voltou para perto de mim, pegando minha mochila
ao passar.
— Vamos.
— Ele está...?
— Está. — Murphy guardou a faca na minha mochila e a pôs de volta em
meus ombros.
Depois de me empurrar para dentro do lago e me puxar pela mão até bem
perto da queda d' água, ele me pegou nos braços e atravessou a cachoeira.
Por um momento, pensei que me afogaria. Não enxergava nada e não
conseguia respirar. Mas, tão depressa quanto entráramos na ca¬choeira, saímos dela
do outro lado.
A lua brilhava no céu quando saímos da água e deitamos na mar¬gem do
lago.
— Acha que os zumbis virão atrás de nós?

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— Não — eu respondi. — Acho que os zumbis continuam dor¬mindo.


— O que vai acontecer quando eles acordarem?
— Não sei. Agora que o mestre está morto, eles podem ficar con¬fusos.
— Você... Por que fez isso?
Decidi não mencionar o que vira na caverna. A altura dos olhos, a forma do
corpo...
— Ele ia matar você.
Eu me sentei. Murphy também se sentou. Ele estendeu a mão aber-la e exibiu
o diamante.
— É, tem razão.
— Como...?
Era óbvio. Murphy havia tirado a pedra da minha mochila ao guar¬dar a faca.
Ele era um ladrão. Um mentiroso. Mas meu estômago ainda dava saltos
quando eu olhava para ele. Se não tomasse cuidado, acabaria se apaixonando por ele,
e eu não podia permitir que isso acontecesse, lira hora de deixar o Haiti... e Murphy.
O jipe estava exatamente onde o havíamos deixado. Murphy me levou
diretamente ao aeroporto, e ele me acompanhava ao terminal quando três policiais
uniformizados nos abordaram. O trio estava in-kicssado em Murphy.
— Você está preso por invasão.
- Invasão? — Eles já levavam Murphy para a porta. Eu os segui. Onde?
— Muitos lugares.
— Eu estava com ele.
Murphy emitiu um suspiro irritado.
— Cassandra, cale a boca.
— Eu estava mesmo!
— Sua fiança foi paga, sacerdotisa. Sacerdotisa? Como eles sabiam disso?
— Quem pagou? — perguntei.
— Tem amigos em postos elevados.
Edward. Eu não sabia como ele havia tomado conhecimento da situação tão
depressa, mas não me surpreendia que já estivesse agindo.
— Eu pago a fiança de Murphy.
— Há outros problemas.

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— Sempre há — Murphy comentou. — Vá para casa, Cassandra. Eu encontro


você lá.
Eu estava ansiosa para voltar à Califórnia, mas, se não fosse a Nova Orleans
levantar a rainha vodu, Edward me seguiria até o oeste e me levaria de volta. Além
do mais, eu preferia testar a cerimonia antes de usá-la com Sarah.
—Vou resolver esse problema e depois irei encontrá-la—Murphy continuou.
— Talvez esta noite.
Um dos policiais riu.
— Ou amanhã.
— Mas...
Ele se inclinou e me beijou.
— Acha que vou deixar você sair da minha vida agora? Era exatamente o que
eu havia pensado.
Os policiais o levaram.
— Sra. Cassandra! — Mareei surgiu do nada, e eu nem achei que fosse
estranho. — Vim para colocá-la no avião.
Eu ainda olhava para a porta pela qual Murphy havia desaparecido. Apesar
das palavras dele e do beijo, eu não acreditava que voltaria a vê-lo.
— Não tenho passagem.
— Monsieur Mandenauer cuidou de tudo. Venha comigo, por favor. Eu o
segui.
Quando desembarquei no Aeroporto Internacional Louis Armstrong, minha
amiga Diana Malone Ruelle esperava por mim. Ela me conduziu pela alfândega em
poucos minutos, sem que ninguém sequer olhasse para nós. Trabalhar para Edward
era ótimo.
— O que descobriu?
Diana não era de perder tempo com conversa amena. Eu sabia que cia estava
feliz com minha volta, apesar do tom direto e frio, e gostaria muito de poder dizer
que estava feliz por ter voltado, mas não seria verdade. E preferia não examinar esse
sentimento, porque, então, teria de pensar em Murphy, e isso era algo que eu não
queria. Habituara-me a tê-lo por perto depois de duas semanas de convivência.
Diana ligava o motor quando eu lembrei a razão de sua impaciên¬cia. Sua
nova vida estaria arruinada, caso eu não conseguisse destruir a maldição da lua

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crescente. Seu marido era um dos descendentes de uma longa linhagem de


amaldiçoados. Adam ainda não era um demónio, mas seria, como Luc, seu
encantador filho de oito anos, en¬teado de Diana.
— Já sei como levantar a rainha vodu — eu disse. — Se ela vai pôr fim à
maldição... — Eu abri as mãos.
Ninguém sabia.
Diana levou-me ao centro vodu em Royal Street. Meu apartamento ficava
atrás da loja, e nós entramos juntas.
— Descobriu onde a mulher foi enterrada? — eu perguntei.
— Ah, foi fascinante!
Edward contratara Adam para ser um caçador, e há anos ele matava as coisas
que seu grandpère criara, mas Diana era uma Jàger-Sucher mais no sentido da
pesquisa, como eu.
— Há um cemitério de escravos não muito longe da Mansão Ruelle — ela
continuou. — Eu a encontrei lá.
— Não pode ter sido tão fácil.
— Foi mais fácil do que muitas outras coisas ultimamente.
— Que bom — respondi enquanto abria a porta do apartamento. Deixei a
mochila perto da porta e fui ver Lazaras. Ele me recebeu
com um som ameaçador.
— Ei, só estive fora por duas semanas!
— Qual é o problema? — Diana perguntou da cozinha.
— Ele me ameaçou!
— Porque me viu, provavelmente, e ficou confuso.
Eu acendi a luz. Lazaras atacou, batendo a cabeça na tela de ga¬linheiro que
revestia sua jaula. Eu recuei chocada. Ele continuava laçando com tanta violência,
que tive medo de que se machucasse.
— Qual é o problema com ele? — Diana perguntou.
— Não sei.
Peguei o telefone e liguei para o primeiro veterinário que encontrei no
catálogo: Infelizmente, ele não conhecia as últimas psicoses ofídicas e não podia me
ajudar.
— Sugiro que procure um zoólogo especializado em cobras — ele disse.

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Eu desliguei e olhei para Diana.


— O que é?
— Ele disse que eu devia procurar um zoólogo.
Ela se aproximou da jaula. Lazaras se enfiara na caixa no canto da gaiola e
escondia a cabeça. Melhor que o comportamento agressivo de antes, mas ainda
preocupante.
— O que você acha? — perguntei.
— Bem, não sei. Minha especialidade é outra. Os lobos... Não sei nada sobre
répteis, exceto que não gosto deles. Mas Lazaras parece bem agora. Talvez tenha
apenas demonstrado seu descontentamento por você ter se afastado.
— Talvez... — Mas eu sabia que havia algo errado.
— Vamos beber alguma coisa enquanto você me conta tudo o que sabe.
Depois que Diana saiu, fechei a porta e voltei à cozinha, passando pela jaula
de Lazaras que sibilou ao me ver. O som era estranhamente malévolo.
Peguei mais uma taça de vinho e minha mochila e fui para o fundo do
corredor, onde eu mantinha um quarto, um banheiro e uma sala de estar. A cozinha e
o escritório eram as áreas comuns que separavam os espaços onde eu vivia e onde eu
trabalhava.
Ali, na sala do meu modesto apartamento, eu liguei para Edward. A secretária
eletrônica me pediu para deixar uma mensagem, e foi o que eu fiz:
— Estou em Nova Orleans, senhor. O bokor está morto, mas não sei se posso
dizer o mesmo sobre os zumbis. Talvez alguém possa ir verificar e me dar notícias.
Podemos realizar a cerimónia com a rainha na noite de lua cheia. Até lá.
Pretendia tomar um banho, beber meu vinho e ir para a cama, mas cometi o
erro de esvaziar a mochila antes.
Roupas amassadas e úmidas. Minha faca. Sacolas plásticas vazias.
Tudo cheirava mal, e eu decidi ser prática e jogar tudo fora. Menos a faca, é
claro.
Examinei bem as sacolas e o fundo da mochila para ter certeza de que não me
desfazia de nada importante, e meus dedos tocaram a pedra fria e lisa.
Pensei em Murphy sendo levado do aeroporto. Preso. Todos os seus pertences
seriam confiscados, enquanto eu caminhava tranquila para o avião, onde embarcaria
sem problemas. E sairia do país.

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Série Criaturas da Noite Livro 5 Quando a Lua Surgir Lori Handland

Não acha que vou deixar você sair da minha vida agora, acha?
Não. De jeito nenhum.
Não enquanto eu tivesse o diamante.
Quando Murphy apareceria?
E por que estava tão magoada, tão ferida?
Havia nutrido alguma esperança de que ele aparecesse por mim? Murphy era
um ladrão, um mentiroso! Não se incomodava com nin¬guém além de si mesmo.
Mas ele havia conseguido me convencer de que sentia alguma coisa por mim, então...
Não. Já havia derramado um oceano por Karl. Nunca mais choraria por outro
homem. Não permitiria que ele arruinasse minha primeira noite em casa.
Levando o terceiro copo de vinho, meti-me na banheira tentando relaxar, mas
era inútil. Quando sai dela, eu cambaleei. O calor, a longa viagem e três copos de
vinho no estômago vazio me haviam deixado (onta. Bem, eu não tinha nada melhor
para fazer, mesmo... Joguei-me na cama nua e adormeci imediatamente.
Foi um sono agitado, inquieto. Nua, eu me debatia na cama com muita sede,
mas água não saciaria essa urgência. Precisava de algo mais denso, mais forte, mais...
Vermelho. Mais vermelho até que o vinho.
Era atraída pelo som de água corrente. Estava na caverna, no lago... Sozinha.
Ou não? Ouvia um grunhido brotando da escuridão, mas não sentia medo.
Pelo contrário, o som me excitava.
A água fria lambia meus seios, enrijecendo-os de desejo. Eu ca¬minhei para as
pedras, para os olhos que.se materializaram na noite.
O grunhido ecoou nas paredes da caverna e eu continuava me aproximando,
saindo do lago, caminhando com a água escorrendo por meu corpo. Minha peleja
não estava em fogo. Eu sentia arrepios. Os som da minha respiração era um eco das
batidas de meu coração.
— Mostre-se — sussurrei.
A besta se colocou na luz.
Esperava um lobo, por isso não registrei de início aquilo que via.
Um pêlo brilhante, músculos evidentes, manchas negras sobre fun¬do âmbar,
dentes e olhos de um leopardo.
A besta caminhou em minha direção, emitindo sons abafados que já não
reverberavam. Eu não sentia medo. Afinal, era só um sonho.

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O felino saltou, atingindo-me no peito e jogando-me ao chão, que agora era


recoberto por uma relva macia e perfumada.
Não havia dor. Apenas curiosidade. Por que um leopardo, em vez de um
lobo?
A resposta era simples. A sociedade do leopardo. A pele na parede da cabana
de Mezareau. As lembranças haviam gerado o sonho.
A besta cheirou meu pescoço, beijou meus seios, e eu fechei os olhos
desejando acordar.
Mas não acordei. A língua do felino passeava sobre meu seio. Abri os olhos,
mas a caverna estava escura. Não conseguia ver nada. A língua prosseguia em sua
viagem por meu corpo, saboreando ventre, pernas, parte interna das coxas... Prazer e
medo se misturavam, e eu mal podia respirar.
Só podia ser um sonho. Um leopardo jamais lamberia meu pesco¬ço. Antes,
ele o rasgaria com os dentes.
Um leopardo também não lamberia a parte mais íntima da minha
feminilidade, atormentando-me e despertando em mim aquela neces¬sidade febril.
Não. O animal beberia meu sangue. Mais nada.
O animal aproximou-se um pouco mais, e sua ereção roçou minha coxa.
Eu fiquei tensa e fechei as pernas. Mesmo que fosse um sonho, eu não ousaria
ir tão longe.
Houve um segundo de trégua, e quando eu já pensava que tudo houvesse
acabado, uma boca humana beijou a minha. Agora eu podia deixar o sonho seguir
em frente. Mais calma, abracei meu amante fantasioso e correspondi ao beijo,
recebendo-o entre minhas pernas e vivendo a experiência mais erótica que uma
mulher pode ter. Foi um orgasmo intenso, violento, tornando ainda mais vibrante
pelo fato de meu amante no sonho também explodir ao mesmo tempo, inun-dado-
me com sua semente.
Abri os olhos. A escuridão se partia como uma névoa dissipada pelo sol. A
meu lado havia um leopardo ofegante, exausto. Olhei para o meu corpo procurando
sinais de sangue, mas eu também era um leopardo.
Acordei gritando e me debatendo. Sentia na boca o gosto do pânico.
O dia nascia. Eu toquei meu corpo. Ainda era o de uma mulher.
Os efeitos típicos de um orgasmo ainda me deixavam trémula, com certas
partes do corpo excessivamente sensível.

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Eu me levantei e fui tomar banho. Não consegui suportar a água quente, por
isso a deixei mais morna, quase fria. Quando terminei, já me sentia quase humana
outra vez. Como teria de esperar até a pró¬xima lua cheia para poder levantar a
rainha vodu, decidi buscar um pouco de paz na confusa rotina da minha vida diária.
Escovei os dentes e os cabelos, e finalmente olhei para o espelho.
O que vi me deixou paralisada.
Quando meus olhos haviam ficado verdes?
Eu me aproximei, pisquei, virei a cabeça de um lado para o outro... o ri.
Não. Meus olhos eram azuis. Como sempre.
Estava só impressionada com o sonho. Devia ter um reflexo da luz do
banheiro, mais nada.
Decidida a superar o desconforto causado pelo sonho, eu me vesti, preparei
chá e fui examinar a papelada no escritório.
Duas horas mais tarde, eu estava pronta para abrir a loja. Quando intrei nela,
Lazaras enlouqueceu, atirando-se contra a tela da gaiola muitas vezes seguidas.
Havia mesmo algo de errado com ele.
— Você vai para o veterinário, rapaz.
O som da minha voz o deixou ainda mais furioso. Lazaras atacava »'«m mais
força e maior velocidade, até que, com o focinho sangrando, ele caiu inconsciente.
Aproveitei para transferi-lo para a gaiola portátil e, preocupada, i omecei a
ligar para todos os veterinários do catálogo telefônico, até encontrar um especialista
em cobras.
Quando cheguei em Gretna, no subúrbio, Lazaras havia acordado, H julgar
pelo sibilar ininterrupto e pelo som de seu corpo se chocando i outra a gaiola.
Felizmente, a jaula portátil era fechada, e nós não podíamos nos ver. Então, por que
ele estava tão zangado?
Entrei na sala de espera, e os três cães que já estavam ali começa-i iiiii a uivar.
O som era ensurdecedor e os donos não conseguiam acalmar os animais. Os três
cachorros olhavam para mim de soslaio entre um uivo e outro.
— É um gato? — perguntou um dos proprietários.
— Uma píton — expliquei. O homem franziu o cenho.
— Estranho... Ele nunca se incomodou com cobras.
A mulher ao lado dele tentou conter seu pastor alemão.

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— King nunca viu uma cobra.


Aproximei-me da recepcionista. Não havia dado nem o terceiro passo, quando
os três cães rastejaram para baixo das cadeiras de seus donos. Os uivos se tornaram
gemidos desesperados.
O barulho atraiu o veterinário, um senhor idoso com grandes cos¬teletas
brancas, mas calvo no topo da cabeça.
— O que está acontecendo?
Os donos dos cães apontaram para mim.
— Ela tem uma píton — contou um dos homens. — Os cachorros entraram em
pânico.
— Venha comigo — pediu o veterinário.
Eu o segui para uma sala nos fundos e deixei a gaiola sobre uma mesa de
exame.
— É estranho — o homem comentou intrigado. — Nunca vi um cachorro se
incomodar tanto com uma cobra. Qual é o problema com o animal? — ele perguntou,
abrindo a jaula e segurando a serpente pela parte de trás da cabeça.
— Ele...
Lazaras sibilou ao ouvir minha voz e começou a se debater. O veterinário o
devolveu à gaiola e fechou-a. A caixa vibrou sobre a mesa, depois ficou imóvel.
— Ele é seu?
— Sim, é meu.
A gaiola voltou a vibrar.
— Você não parece ser o tipo de mulher que mantém uma píton em casa.
— As aparências enganam. Gosto de cobras. Sempre gostei.
— Há quanto tempo tem esse animal?
— Três anos.
— Sabe quantos anos ele tem? Meu coração acelerou.
— Disseram que ele tinha dois anos quando o comprei. Então... uns cinco,
mais ou menos.
— Ainda é jovem. Pode ser apenas a puberdade ofídica.
— A... o quê?
O veterinário riu.

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—Brincadeira! Mas uma senhorita píton poderia ajudar a melhorar o humor


do nosso amigo aqui.
— Tem razão — Eu ri. Estendi a mão para a caixa, e Lazaras sibilou e investiu
contra a parede interna com tanta força que quase a derrubou.
O veterinário franziu a testa.
— Acho que devia deixá-lo para alguns exames. Parasitas, vírus... Ele vai ter
de ficar isolado em baixa temperatura por algumas semanas.
— Algumas semanas? — A ideia de passar tanto tempo sem Lazarus me
perturbava, mas eu o perturbava ainda mais.
— Tudo bem — concordei. Eu me afastei. Lazarus ficou quieto.
— Qual é o nome dele?
— Lazarus.
— Um nome estranho para um réptil.
— Por favor, a vi se-me se descobrir alguma coisa, por favor.
— Será a primeira a saber.
Fui para casa, e meus dias voltaram ao normal, ou tão normal quanto são os
dias de uma sacerdotisa vodu.
A loja estava sempre cheia. Eu nunca ficava sozinha. Diana ia me visitar
sempre. Murphy não apareceu. Não telefonou. Não escreveu. Eu já começava a
imaginar que ele podia estar morto. Ou preso. Nada além disso o impediria de vir
recuperar o diamante roubado de Mezareau.
E eu estava muito nervosa. Logo seria lua cheia, e eu teria de levantar uma
rainha vodu morta, se é que a magia funcionaria con¬forme o esperado. Se tudo
desse certo, em dezembro eu teria Sarah de volta.
Devia estar mais feliz do que estava.
Lazarus continuava na clínica veterinária. O médico não havia encontrado
nada de errado com ele, mas marcara a data para ele cruzar com uma fêmea. Ele
queria supervisionar a sessão, uma idéia que me pareceu um pouco pornográfica,
mas concordei. A jaula onde Lazarus passava seus dias continuava vazia.
Duas noites antes da lua cheia, eu me sentei diante da janela de meu quarto
com uma taça de vinho tinto. Ele era meu preferido desde que voltara do Haiti.

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As semanas na selva deviam ter me deixado um pouco anêmica. Era a única


explicação que eu encontrava para minha súbita depen¬dência de carne vermelha,
considerando que antes sempre havia pre¬ferido peixe e carne branca.
A noite era agitada no Quarteirão Francês. Eu ouvia risadas, vozes e buzinas,
sirenes e gritos. Cansada, terminei meu vinho e fui para a cama vestindo apenas a
calcinha e uma camiseta muito fina. As sire¬nes invadiram meus sonhos.
Basin Street, perto do cemitério St. Louis Um, uma área imprópria para
turistas, exceto durante o dia. Senti cheiro de perfume. Um cheiro forte. O ruído de
saltos finos contra o piso de ladrilhos era alto o bastante para incomodar.. Quanto
mais eu me aproximava, mais de¬pressa ela andava, como se pressentisse minha
presença e sentisse medo.
A mulher virou à direita, para St. Louis Dois, uma região ainda mais
imprópria. Tentei chamá-la, preveni-la, mas não conseguia falar. Então, andei mais
depressa. E ela também.
Uma sombra materializou-se na névoa, uma mulher, e ela respirava ofegante,
em pânico. Senti o cheiro do terror misturado ao perfume. Ela olhava frequentemente
para trás, por cima do ombro, o que me permitiu chegar mais perto. Queria falar e
acalmar seus temores, mas não conseguia.
Ela cedeu ao pânico e começou a correr; eu também corri, ou a perderia de
vista. Em alguma lugar na noite eu sentia cheiro de co¬mida, e minha boca se encheu
de água. Meu estômago roncou alto. Os sonhos são estranhos...
Nunca havia sido muito veloz, mas naquela noite eu corria muito. A mulher
tropeçou na calçada mal-conservada e caiu. Um grito es¬capou de seu peito. A névoa
tornou-se mais densa. Eu não conseguia ver mais do que uma sombra, mas ouvia a
respiração arfante e suas tentativas de se pôr em pé.
Meus passos ecoavam na neblina, mas havia algo de estranho ne¬les. Eram
abafados, como se eu estivesse descalça, e ecoavam como se eu tivesse mais de dois
pés. Olhei para trás, mas não havia ninguém atrás de mim.
Eu me virei, e a névoa se desfez. Os olhos da mulher ficaram maiores, e seu
grito me assustou. Abri a boca para dizer que estava tudo bem, mas emiti apenas um
rugido baixo.
O choque do som deveria ter me acordado, se não os gritos da presa
aterrorizada. Em vez disso, fui invadida por um estranho poder, uma mistura de

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força e magia. Entreguei-me à besta, erguendo a cabeça e chamando a noite e suas


criaturas.
Eu sentia fome. Era uma fome que pulsava em meu corpo, em minhas veias.
Queria que a mulher corresse, e ela correu. Dei a ela alguns se¬gundos de vantagem;
depois flexionei os músculos e parti atrás dela.
Esperei que ela se sentisse segura o bastante para reduzir a velo¬cidade dos
passos e respirar melhor. Então saltei... e a atingi no centro das costas, derrubando-a
sob o peso de meu corpo.
Rasguei sua garganta antes que ela pudesse gritar; o sabor de seu sangue era
muito melhor que o do vinho.
Eu acordei. Havia lágrimas em minhas faces. Sentei-me, olhei para minhas
mãos e esfreguei o sangue que sentia nelas, embora não pu¬desse ver.
Lá fora, no meio da noite e da escuridão, um pequeno animal morria gritando,
e eu me levantei de um salto para ir olhar pela janela, mas caí deitada sobre a cama
antes de dar o primeiro passo.
Havia um homem na porta do quarto.

Capítulo V

Eu empunhava a faca antes mesmo que ele pudesse falar. — Assustada,


docinho? Murphy. Eu devia saber.
— Você nem imagina — respondi, devolvendo a faca ao escon¬derijo sob o
travesseiro.
Eu sabia por que ele havia ido me procurar. Entregaria o diamante, e ele sairia
da minha vida para sempre. Então não teria mais de passar dias e noites esperando,
esperando... Seria melhor assim.
Tentei me levantar, mas ele se aproximou e apoiou a mão em meu peito.
— Aonde vai?
— Vou buscar o...
A boca desceu sobre a minha, e eu pensei... Por que não? Só mais uma vez
para guardar de lembrança!
Eu acariciei seu peito. Ele fez o mesmo comigo.

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Sentiria falta disso.


Se eu já não estivesse decidida e entregar o diamante, seu desem¬penho me
teria convencido.
Ele me possuiu. E era bom nisso. Melhor do que o leopardo no sonho.
Fiquei subitamente tensa, mas ele murmurou indecências no meu ouvido,
excitando-me ainda mais. Chegamos ao orgasmo juntos.
Ele levantou a cabeça e fitou-me nos olhos. Algo em sua expressão me deixou
sem fôlego, como se houvesse ali uma conexão mais pro¬funda que a ligação entre
nossos corpos.
— Jolis yeux verts — ele murmurou antes de me beijar. Francês era o idioma
apropriado para o momento. As palavras |
musicais, o sotaque sexy... Eu não queria que acabasse. Por isso o estreitava
entre os braços, retendo-o dentro de meu corpo.
— Cassandra...
Eu me negava a abrir os olhos. Não sabia o que dizer. Não sabia o que fazer.
Murphy me abraçou, puxou o lençol sobre nós dois e murmurou:
— Durma...
Eu sabia que era um engano, mas relaxei e me deixei levar pelo sono.
Acordei sozinha. Não sei por que fiquei surpresa. Depois de um rápido banho
frio, vesti short e blusa e fui para o escritório levando minha xícara de chá. Tudo
parecia intocado sobre a mesa.
Girei o mecanismo de segurança do cofre, puxei a porta e olhei para o espaço
vazio onde deveria haver um diamante. Eu sabia que seria assim, mas meu estômago
estava oprimido.
Batidas na porta me fizeram pular e derramar chá na coxa nua. Resmungando,
bati a porta e girei o mecanismo para acionar a trava do cofre, depois corri pela loja
escura. Quem poderia estar batendo àquela hora da manhã?
Por um momento, imaginei Murphy do outro lado, e meu coração se alegrou.
Mas por que ele bateria, seja havia encontrado o caminho para o quarto na noite
anterior?
Pensando bem, como ele conseguira entrar? Além das portas tran¬cadas, havia
um muro alto cercando o terreno e arame farpado no alto do muro.
Diana entrou na loja brandindo um jornal.

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— Já viu isto? — Ela se encaminhou para a cozinha. — Ainda não aprendeu a


beber café?
— Não.
— Droga! Então, vou ter de me contentar com chá.
— Um dia vai me agradecer por isso. Qual é o problema? Dormiu descoberta?
— Adam ainda não voltou. Durmo mal quando ele está fora de casa. Você, por
outro lado... E impressão minha ou seus olhos brilham mais do que o normal?
— É impressão sua. O que há de tão importante no jornal?
— Um ataque. Animal. Meu coração disparou.
— Lobo?
— Eles nunca revelam.
— Pensei que Adam houvesse posto fim aos feitos de Henri.
— Nem todos estavam em Nova Orleans. Por isso ele viaja tanto. Adam
vagava pelo mundo exterminando os lobisomens que seu grandpère havia criado e
libertado, matando também todas as outras criaturas estranhas que encontrava pelo
caminho.
— A mulher morreu na cidade — disse Diana. — Não que isso elimine a
possibilidade de um dos lobos de Henri ter sido o autor do ataque, porque eles vão
aonde bem entendem, mas...
Fui buscar o chá para Diana. Minha mão tremia tanto, que acabei derramando
algumas notas. Felizmente, ela não notou.
— Uma mulher? — perguntei num fio de voz.
— Sim, uma mulher. Foi perto de St. Louis Um. Nós duas sabemos que a área
é solo fértil para bestas e outras criaturas temíveis.
Pontos negros dançavam diante de meus olhos. Eu pisquei e bebi um pouco
de chá. A dor do líquido quente escaldando minha língua me fez voltar à realidade.
Eu não podia ter me transmutado e matado a mulher; havia estado em minha
cama.
Além do mais, não havia sido mordida por um lobo. Não que a mordida fosse
a última maneira de se adquirir licantropia, mas...
— Como sabem que foi um animal? — perguntei.
— Garganta rasgada. O de sempre. Preciso ligar para Edward.

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— Vamos examinar o local antes — sugeri depressa. — Não há motivo para


alarme enquanto não tivermos certeza.
— E não temos? Desde quando houve algum ataque com animais no
Quarteirão Francês que não envolvesse lobisomens?
— Há sempre uma primeira vez para tudo — resmunguei cheia de esperança.
Fomos até Basin Street a pé. Antes mesmo de nos aproximarmos o suficiente
para distinguirmos a fita amarela delimitando a cena do crime, eu vi a multidão e
tive de me esforçar para continuar andando. O grupo estava reunido exatamente no
local com que eu sonhara na noite anterior.
Paramos do outro lado da rua.
— Não vamos descobrir nada com toda essa gente aqui — Diana reclamou. —
Os policiais não vão nos deixar ultrapassar a fita.
Vi uma cabeça loura muito familiar.
— A menos que façamos Sullivan falar.
Já havíamos lidado com o detetive da homicídios antes. Ele não gostava de
nós; estava sempre insinuando que tramávamos alguma coisa, embora não soubesse
exatamente o quê. Mesmo assim, não havia mal nenhum em tentar.
— Detetive!—eu gritei acenando.
Ele me olhou carrancudo. Certamente se lembrava de mim.
Havíamos tido alguns problemas durante a investigação do inci¬dente com o
loup-garou e nós nos tratamos com certa hostilidade a partir do primeiro
interrogatório. Depois... Depois as coisas ficaram ainda piores.
O detetive atravessou a rua e caminhou em nossa direção.
— Sacerdotisa...
— Detetive.
— É curioso que tenham aparecido por aqui. Por que demoraram tanto?
— Estávamos apenas dando uma volta, detetive.
— Perto de St. Louis Um? E também andavam por aqui ontem, por volta das
duas da manhã?
— Lamento, não.
— Tem um álibi?
— Preciso de um?

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— Talvez.
— O que aconteceu, detetive? Ele encolheu os ombros.
— Os jornais já qualificaram o ataque como incomum. Presumo que esteja
aqui por isso, não?
Nenhuma de nós respondeu.
— Os peritos contratados pelo departamento garantiram que só havia um
lobo raivoso na área. E ele foi morto. Apesar de ninguém ter conseguido explicar
como um lobo apareceu por aqui, não há um lobo há décadas!
Sempre que havia algum caso de ataque animal inexplicável, Edward era
notificado. Ele aparecia ou enviava alguém, dando as desculpas pa¬dronizadas da
Jãger-Sucher sobre animais raivosos e coisas do tipo.
Os lobisomens eram eliminados e a população recebia uma expli¬cação
plausível. Aparentemente, Edward não se preocupara muito com os detalhes em sua
última viagem.
— Tem certeza de que foi um lobo? — perguntou Diana.
-— Não. Estamos esperando um zoólogo de... Ei, você é uma zoó-loga!
— Criptozoóloga.
— É especialista em lobos.
— E daí?
— Bem, temos aqui algumas evidências. Gostaria que desse uma olhada nelas.
Nós o seguimos para o outro lado da rua.
— Pegadas de lobo lembram enormes pegadas de cachorro — Diana
comentou. — Mas não temos pegadas. Temos rastros.
— Rastros? — eu repeti.
— Em termos leigos, eles querem que eu examine fezes de ca¬chorro.
— E você conhece o assunto? — Sullivan perguntou.
— Mais do que gostaria.
— Ótimo! — Sullivan nos levou para perto do corpo coberto por um plástico
negro. Tentei ignorá-lo, mas não consegui. Havia sangue na calçada e um sapato de
salto alto perto do meio-fio. O mesmo salto que eu vira no sonho.
Uma tontura intensa se apoderou de mim. Como eu poderia ter sonhado com
tudo isso?

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— Ali — Sullivan disse, apontando para uma pilha de fezes no canto da


calçada.
Não fosse pela quantidade, eu pensaria que alguém havia saído para passear
com o cachorro e esquecera de levar o saco de lixo. Mas eu nunca vi fezes caninas
daquele tamanho. Não que fosse uma es¬tudiosa no assunto, mas... Bem, Diana era.
— Isso não é excremento de lobo — ela anunciou, abaixando-se para olhar
para a pilha. — Isso foi deixado por algum tipo de felino.
Sullivan coçou a cabeça.
— Deve ser um gato bem grande!
— Não me refiro a um felino doméstico, detetive. E algo maior.
— Nunca tivemos linces nessa região.
— Talvez tenham agora.
Sullivan praguejou e se afastou apressado, certamente para ir no¬tificar seus
superiores. Se Edward não tivesse de voltar para a cerimónia da rainha vodu, teria
de voltar para matar a criatura que havia atacado aquela mulher. Eu só esperava que
não fosse eu.
Diana já se afastava com o celular na orelha. Eu a segui a tempo de ouvir a
pergunta sussurrada:
— A licantropia pode ser transmitida entre espécies diferentes? Ela devia estar
falando com Edward, porque olhou para mim e
balançou a cabeça transmitindo a resposta. Não.
— Tudo bem. Certo. Vejo você lá, então.
— O que ele disse? — perguntei ao vê-la desligar.
— Como licantropia refere-se por definição a um lobisomem, ele nunca ouviu
falar em transmissão entre espécies. Porém, pode ser apenas porque os lobisomens
gostam de morder as pessoas.
— E ele vem para cá?
— Ele disse que daria alguns telefonemas, conversaria com Elise, depois viria.
— De onde?
— Montana.
O que significava que chegaria no dia seguinte. Até lá, eu tinha de descobrir o
que estava acontecendo.
— Tem algo para me dizer, Cassandra?

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— O que poderia ter? — Eu estava me tornando uma ótima atriz. Mas Diana
era esperta. Ela me segurou pelo braço.
— Foi ao Haiti para encontrar um feiticeiro do mal. Um homem que tinha o
poder de trazer os mortos de volta à vida, que podia fazer uma cachoeira aparecer e
desaparecer, um homem que vive em uma selva em um país onde não há mais selvas
há muitas décadas, e esse homem é membro de um grupo muito antigo e secreto
chamado... sociedade do leopardo.
— E daí?
— Chegou a vê-lo mudando de forma?
— Não. — O que não queria dizer que ele não se transformasse. Mesmo
assim... — Mezareau está morto.
— Tem certeza disso?
— Razoavelmente. — Murphy havia verificado o corpo. — Eu o acertei no
coração com uma faca de prata. Normalmente, isso leva à morte.
— Ele explodiu?
— Não. O que significa que não mudava de forma.
— E mesmo que ele esteja morto — Diana continuou — há algo mais a
considerar. A Egbo é uma sociedade secreta. Definição: mais de um elemento.
— Está dizendo que pode haver um bando de leopardos vagando por Nova
Orleans? — eu perguntei apavorada.
— Não seriam leopardomens?
— Nunca ouvi falar nisso, mas... Não. Não posso acreditar que estamos
discutindo leopardomens!
— Mas lobisomens não são tão absurdos?
— Acreditei neles antes de você. E Edward já disse que nunca ouviu falar em
outras espécies se transformando.
— Não. Ele disse que não tinha informações sobre licantropia sendo
transmitida entre espécies diferentes. Há mais coisas no mundo do que conhecemos.
Sabemos que o lobo cria o lobisomem. Outros animais criam outros monstros.
— Certo. Tudo bem, pode haver leopardomens, então, mas... Por que aqui?
— Boa pergunta. Nova Orleans pode ter alguma coisa que eles querem?
— Gente?

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— Há gente em todas as cidades do mundo, e muito mais no Haiti do que em


Louisiana. Além do mais, era de se supor que eles gosta¬riam de permanecer onde
há outros leopardos, porque assim não cha-mariam muita atenção.
— Não há leopardos no Haiti. Nunca houve. Como nunca houve lobos em
Louisiana, e nem por isso o loup-garou foi para outro lugar. Ele veio para cá.
— Aquilo era uma maldição. Mas, se os leopardos também apa¬recem por
causa de uma maldição, isso deve estar relacionado à so¬ciedade dos leopardos. Que
se originou na Africa, onde há leopardos.
— Certo.
— E isso explicaria por que os leopardos apareceram no Haiti, ou aqui.
— Explicaria? Por quê?
— Porquê os Egbo estão aqui. Ou um deles está aqui.
— Por quê? — eu repeti.
— Não podem estar atrás de você?
— Parece que estavam atrás dela — respondi, apontando para o cadáver.
— Aquilo era só comida. Ou companhia, se ela se levantar.
— Agora que mencionou essa possibilidade, acho que devemos fazer alguma
coisa.
— O que sugere, sacerdotisa?
— Não sei!
— Exatamente. Vamos deixar Edward cuidar disso, e vamos voltar ao
problema em questão.
— Que é...?
— Que motivos os Egbo podem ter tido para segui-la? O que você tem que
eles querem?
Eu não conseguia pensar em nada que houvesse tirado do Haiti além de
conhecimento.
E um diamante. Mas eu não o tinha mais. Murphy o tinha.
Eu não acreditava nesse ridículo mistério do leopardo, mas alguma coisa
estranha acontecia ali, e eu estava bem no meio dela.
De volta à loja, preparei mais chá e contei à Diana o que ainda não havia
contado.

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— Murphy roubou o diamante — ela concluiu por mim.


— Duas vezes.
— Hum... A pedra pode ter poderes mágicos de que os Egbo ne¬cessitam.
— Ou pode valer uma fortuna.
— Ou isso. E você sonhou com o ataque como se fosse a atacante. Mas não
pode ter sido você.
— Teoricamente, não. No horário do ataque eu estava na cama com um ladrão
de diamantes.
— Acha que foi só um sonho?
— Como não acordei coberta de sangue, acredito que sim.
— Há outra explicação, e você não vai gostar dela.
— Não gosto de nada do que está acontecendo.
— Sabe que uma pessoa mordida por um lobisomem se transforma cm vinte «
quatro horas. Dia, noite... Não importa. O que você não sabe é que, durante esse
período, eles experimentam uma espécie de consciência coletiva, imaginando a
mudança iminente, lembrando coisas que aconteceram aos outros. Sentem a dor, o
poder, o terror e ;i Icntação.
— Então... acha que o sonho foi a lembrança de alguém e eu a compartilhei?
— É melhor do que pensar que é uma recordação sua, não é? Eu não tinha
tanta certeza. Mesmo que não houvesse atacado aque¬la mulher, logo estaria
matando alguém.
Diana telefonou na manhã seguinte e me acordou de um sono profundo.
— Cassandra? Tudo bem?
Eu devia soar atordoada, porque era assim que me sentia.
— Sim. Que horas são?
— Dez e meia. Ainda está na cama? Eu me sentei. E levantei.
— Não.
Droga! A loja já devia estar aberta! Fui ao banheiro, e um rápido olhar para o
espelho me fez franzir o cenho. Eu estava horrível.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Edward chegou. Ele quer marcar uma reunião para hoje à noite.
— Hoje?

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— Lua cheia. Levantar os mortos. Acabar com a maldição. Isso tudo soa
familiar?
Levantei a cabeça e olhei para o espelho tomada pelo pavor. Meus olhos
estavam verdes.
Derrubei o telefone. O estrondo do aparelho se chocando contra o chão me fez
voltar à realidade. Abaixei para pegá-lo e, quando levantei, meus olhos estavam
azuis novamente. Que diabo era isso?
— Cassandra?
— Desculpe. Derrubei o fone.
— Devia tomar café.
— Não bebo café.
— Devia começar, então.
Olhei novamente para o espelho. Meus olhos continuavam azuis, embora
menos que antes.
— Diana, encontro vocês na mansão ao anoitecer. Depois do pôr-do-sol.
Vamos tentar o ritual.
— Certo. Até lá, então.
Voltei ao quarto, sentei-me na cama e massageei a testa. Estava cansada.
Segui o conselho de Diana e fui até o Café du Monde. O líquido quente e
aromático despertaria até os mortos! Talvez eu devesse der¬rubar café sobre o
túmulo da rainha vodu e esquecer aquela história sobre sangue.
Consegui abrir a loja por volta do meio-dia. Ninguém parecia notar ou se
incomodar com meu atraso. Meio de semana, novembro... O movimento de turistas
na cidade era muito pequeno.
Usei o tempo livre para telefonar para os hotéis na cidade e perguntar por um
certo Devon Murphy." Ele não estava registrado em nenhum lugar.
Não que eu esperasse encontrá-lo. Murphy devia estar em Oahu com os bolsos
cheios de dinheiro, resultado da venda do diamante. Passaria o resto da vida na
praia, sem pensar em mim.
Eu precisava esquecê-lo.
Uma hora antes do pôr-do-sol, fechei a loja sem ter atendido um só cliente o
dia todo, e preparei uma bolsa com todos os itens que poderiam ser necessários. Uma

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faca, duas tigelas, meu ason, uma xícara, rum, uma garrafa com água e bandagens.
Providenciaria o sangue no local.
Pouco tempo depois, chegávamos a um pequeno terreno cercado e afastado da
estrada. Diana parou o carro numa trilha secundária e nós seguimos a pé para o
interior do cemitério. O sol já desaparecera, mas ainda havia uma faixa vermelha
sobre o horizonte. Logo a lua estaria surgindo no céu. Cheia e brilhante.
A luz nebulosa do anoitecer, o velho cemitério escravo era uma foto
envelhecida de um tempo há muito encerrado, mas nunca esquecido.
Nos reunimos em torno da pedra que marcava a sepultura. Se algum dia
houvera um nome, chuva, vento e o tempo o apagaram. Mas Diana tinha certeza de
que estávamos no lugar certo, porque só alguém de grande importância teria uma
pedra marcando o local de sua sepultura.
— Tem certeza de que essa é a rainha vodu que procuramos? Não há outra?
— Por que não pergunta a ela? — Diana disparou irritada.
— Sabe o nome dela?
— Não realmente. Ela era chamada de mulher de grande magia.
— Isso pode ser um problema. O ritual exige que o nome do morto seja
repetido três vezes para que ele seja levantado do túmulo.
— Era o que Mezareau fazia?
Eu franzi a testa tentando lembrar.
— Acho que não.
— Acha que não? — Edward repetiu. — Não sabe?
— Conheço o ritual —t eu disse, evitando revelar detalhes que poderiam me
prejudicar. — Vamos tentar sem o nome. Se ela não atender, talvez alguém aqui
atenda...
Saia do caminho — Edward ordenou furioso. Ele tirou do bolso um pedaço de
papel que abriu sobre a pedra da sepultura. Com um lápis, ele começou a riscar o
papel, enquanto Diana e eu olhávamos para aquilo sem entender o que ele fazia.
— O que está fazendo? — perguntei.
— Extraindo as informações do túmulo. Eu costumava fazer isso quando era
adolescente e não tinha nada para fazer numa noite de sábado.
A informação não me surpreendia.

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— O nome dela era... — Edward franziu a testa, levantou-se e estendeu o


papel na nossa direção.
A palavra Mawu havia surgido no meio dos rabiscos de lápis. Assustador.
— O que isso significa? — Diana indagou.
— Mawu era uma deusa da lua. Notamos que a lua cheia surgia no céu.
— Acho que isso explica por que Henri ficou tão apavorado com meu nome —
Diana murmurou. — Ele foi amaldiçoado por uma deusa da lua; e eu apareço com o
mesmo nome, mas em outro idioma.
— Engraçado ele nunca ter mencionado a similaridade.
— Henri nunca falou muito. Comentava apenas que queria me matar, ou me
possuir, talvez as duas coisas ao mesmo tempo. Queria beber meu sangue, se banhar
nele, e toda essa baboseira.
— Ele não parecia ser o tipo que se incomodava com os nomes de seus
escravos ou seu significado — eu disse. — Pelo que sabemos dele, ele deve ter
mudado o nome da mulher para Susie e encerrado a história.
— Provavelmente — Diana concordou. — Agora que conhecemos o nome
dela, vamos continuar.
— Como pretende mandá-la de volta? — quis saber Edward.
— Como assim?
— Não posso permitir que a rainha vodu saia do cemitério.
— Não. Alguém poderia notar uma morta andando pelas ruas — Diana
debochou. — Mesmo em Nova Orleans.
-— Há algo que eu não contei sobre os zumbis do bokor. Eles não são
exatamente zumbis. Eles voltam à vida como se nunca houvessem morrido. Parecem
completamente humanos.
Os dois me olharam como se eu houvesse perdido a razão. Depois riram.
— Estou falando sério!
— Tudo bem — Diana conseguiu conter o riso. — Mostre-me! Olhei para o céu
escuro onde a lua cheia reinava soberana. Então,
usando minha faca, cortei meu braço.
— O que está fazendo? — Diana inquietou-se.
— O ritual. — Deixei o sangue pingar na vasilha antes de fazer um curativo e
estancar o sangramento. — Afastem-se.

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Fiz como Mezareau me havia ensinado, enchendo uma segunda tigela com a
água da garrafa e espargindo-a num círculo em volta da sepultura. Fiquei dentro do
círculo. Diana e Edward ficaram fora dele. Sacudi meu ason e recitei o encantamento.
— Volte para nós agora. Volte. A morte não é o fim. Viva como já viveu.
Esqueça que morreu. Siga-me para o mundo. Volte para nós agora. Volte.
Bebi o rum, joguei a caneca por cima do ombro e ergui a vasilha com o sangue.
Esperei pela tontura que me havia acometido na última vez, mas ela não veio. Tudo
bem. Como precisava concluir o ritual sozinha, era melhor que estivesse consciente e
firme.
Inclinei o recipiente e vi o sangue cair sobre o solo da sepultura.
Nada aconteceu.
— O nome — Edward murmurou. Ah, sim.
— Mawu. Mawu. Mawu.
O encantamento se completou.
O solo tremeu. A terra escura se misturou ao que parecia ser areia branca. Eu
olhei para os outros dois.
Diana olhava horrorizada e fascinada para a cena. Edward estudava o chão
com calma impressionante. Segui a direção de seu olhar e fiquei boquiaberta.
O que eu pensava ser areia era osso! Nada disso acontecera no Haiti, mas lá os
mortos eram recentes, não poeira, como nesse caso.
Os ossos se moviam sozinhos numa marcha desajeitada para a reunião; e
quando se encontravam uniam-se como se tivessem ímãs. Um esqueleto emergiu da
sepultura. Sons estranhos ecoavam pelo local, e a carne se materializou do nada.
Devagar, a figura tomou a forma de uma mulher que se levantou.
Mas havia algo de errado nela*
Os cabelos haviam crescido em alguns pontos, deixando grandes áreas calvas
em sua cabeça. A carne retornara, mas não completamente, e havia buracos aqui e ali
por onde se viam os ossos. Os dentes estavam podres. Os olhos permaneciam
fechados. Teriam voltado?
— Ah, sim, parece mesmo um ser humano — Diana resmungou.
— Quieta — exigi nervosa. Onde eu havia errado?
Os olhos do zumbi se abriram e fitaram os meus. Eram escuros, poços
profundos de dor. O que eu havia feito?

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— Senhora — ela disse. — Como posso servi-la?


— Senhora? — Edward sussurrou. — Não estou gostando disso.
— Nem eu.
— Você é Mawu, a rainha vodu?
— Sim, senhora.
— Por que me chama de senhora?
— Ergueu-me dos mortos para ser sua escrava.
— Não.
Ela inclinou a cabeça. Parte de seu nariz caiu. Diana conteve a ânsia de
vômitos. Eu também estava enjoada.
— Essa é a única razão para se erguer um zumbi. Por isso tememos tanto a
condição.
— Não entendo.
— Meu povo era escravo. Só a morte podia nos libertar. Perma¬necer
escravizado depois da morte era o que mais temíamos.
— Pergunte a ela — Diana interrompeu. — Não sabemos de quan¬to tempo
dispomos.
— Mawu, você amaldiçoou um homem. Henri Ruelle.
— Invoquei a lua para torná-lo uma besta.
— Como desfazemos essa maldição?
— Ele era mal antes mesmo da maldição. Por que querem liber¬tá-lo?
Henri havia sido um senhor de escravos e um estuprador de cativas. Mas não
era isso que estava em questão ali.
— Sabemos o que ele fez com você. E concordamos com a neces¬sidade de
uma punição. Mas... é verdade que com a morte de Henri o próximo homem na linha
de descendência torna-se um loup-garoul
— Sim. É assim que acontece.
— Já se foram cento e cinquenta anos. Conhecemos um homem que não
merece isso. E ele tem um filho.
— Henri ainda sofre?
Elise tentara curá-lo, mas como ele havia sido amaldiçoado, não

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mordido, a cura não funcionara muito bem. Agora ele passava muito tempo
urrando como um louco atrás das grades de sua jaula.
— Ele sofre muito — respondi.
Mawu sorriu. Não foi uma visão muito bonita.
— Bom.
— Soubemos que só você pode encerrar a maldição.
— Não.
— Obrigue-a — disse Diana. — Ela é sua escrava.
— Mas...
— Cassandra, pense em Luc! Em Adam! Em mim! Ordene que ela liberte
Henri. Foi por isso que a levantamos do túmulo.
— Eu não queria forçar a pobre mulher a nada, mas Diana estava certa. Eu fiz
o que tinha de ser feito.
— Ordeno que remova a maldição da lua crescente lançada contra a família
Ruelle.
— Eu não disse que não o faria, senhora; disse que não podia fazer o que
espera de mim.
— Fui informada de que a rainha vodu que lançou a maldição poderia
removê-la.
— Não é verdade. Uma maldição só pode ser removida pela rea¬lização do
maior sacrifício. Só então Henri e seus descendentes serão libertos.
— E que sacrifício é esse?
— Só Henri pode decidir.
— Inferno!—Diana resmungou.
— Deseja mais alguma coisa, senhora?
— Sabe por que se levantou dessa maneira?
— Porque minha senhora me trouxe de volta.
— O bokor que me ensinou o ritual levantava os mortos e os trazia de volta à
vida completamente. Por inteiro.
— Para modificar a forma do morto, o bokor que o levanta deve poder
modificar sua natureza. E necessário um lougaro.
— Um o quê?

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— Alguém que muda a própria forma.


— Um lobisomem?
— Um lougaro pode ser qualquer coisa. Edward aproximou-se de mim.
— O que ela disse?
Nada que eu quisesse contar a ele.
— Ela disse que me enganei. Os mortos não podem voltar a ser como antes,
quando eram vivos.
Edward olhou para mim com ar piedoso, e eu fiquei pensando se ele não sabia
mais do que eu imaginava.
— Não deve mais levantar os mortos — disse Mawu.
— E quanto aos que não deveriam estar mortos?
— A morte é só o começo — disse Mawu. —- Começo de quê?
— Da próxima aventura no nosso caminho.
O urro inesperado de algo grande e peludo nos fez virar a cabeça.
— Um lince — murmurei, esperando estar certa. Mawu estava apavorada.
— Por favor, devolva-me à morte, senhora. Depressa.
— Sabe como devolvê-la ao túmulo? — Edward perguntou. Levantei a mão e
joguei sal em seu rosto. Uma luz cintilante quase
nos cegou. O corpo explodiu em milhões de partículas prateadas. Quando abri
os olhos novamente, a rainha vodu havia desaparecido. Guardei meus utensílios na
bolsa.
— De acordo com Renee, só um bokor pode levantar os mortos — Edward
comentou.
— E daí?
Ele entrou no círculo e pressionou um crucifixo de prata contra minha testa.
Eu recuei apavorada.
— Tire isso daí!
— Você acabou de levantar uma morta. E uma feiticeira do mal.
— Fiz o que você mandou!
— Isso não faz de você alguém menos perigosa. Ou má.
—Não sou má. Não mais do que qualquer de vocês. E pode desistir de me
atacar com uma estaca de prata.

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Exibi meus dedos, que mantinha adornados com prata desde que havia
conhecido Henri. Depois ergui a faca e apontei para a ferida que abrira com ela.
Edward encolheu os ombros.
— Ninguém aqui disse que a prata funciona contra magia negra.

Capítulo VI

A perda do sonho me deprimia.tPor isso, quando entrei em casa naquela


noite, eu me senti ainda mais sozinha. Estava tão per¬turbada, que não notei a
presença do homem em meu quarto até ser agarrada por ele.
Pensei em gritar, em chutá-lo ou tentar me defender com os pu¬nhos, já que a
faca continuava dentro da bolsa, mas me virei e reco¬nheci os cabelos longos de
Murphy.
— Seu idiota! Podia ter morrido com uma faca no peito! — gritei. O choque
levou-me às lágrimas.
— Ei — ele murmurou, tomando-me em seus braços. — O que aconteceu?
— Eu... eu... levantei a rainha vodu!
— Bem, devia estar feliz, então. Não era isso que queria?
— Sim, mas...
Eu resumi todos os pontos que seguiriam o "mas".
— Está dizendo que Mezareau só conseguiu levantar todos aqueles zumbis
com aparência humana porque ele era um lobisomem?
— O animal em questão não era um lobo, mas um leopardo. Eu acho...
— Ah... E que nome seda a isso?
— Leopardomem. Não acredita em mim?
— Escute o que está dizendo, Cassandra.
— Você viu os zumbis, a cachoeira, os bakas... Mas não acredita no
leopardomem?
— Em algum lugar deve haver um limite para toda essa loucura.
— Eu o matei. E arruinei toda e qualquer chance de rever Sarah.
— Talvez isso não seja tão ruim.

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— Nunca amou ninguém como eu a amei!


— Obsessivamente?
— Não sou obsessiva; sou... mãe! E o que faz aqui, afinal? E onde esteve?
— Por aí.
— E por que veio?
— Por que será?
— Pelo diamante. x
— Já tenho o diamante.
— Onde?
— Em um lugar seguro?
— Diana acredita que há alguém da Egbo na cidade procurando pela pedra.
Precisamos devolvê-la.
— Achado não é roubado.
— Você roubou a pedra.
— Onde quer chegar com essa conversa?
Ignorei a questão, porque não tinha uma resposta para ela.
— Se há um membro da Egbo, a sociedade do leopardo, criando pêlos e
atacando as pessoas em Nova Orleans, então... Temos um ser que muda de forma!
— O Jâger-Sucher não mata essas criaturas?
— Sim, mas talvez eu acabe sendo a próxima vítima. A próxima morte.
Ele me tomou nos braços. E me beijou. Eu não resisti, porque precisava sentir
seu calor mais uma vez antes de destruir minha vida. Murphy parecia tão
desesperado quanto eu, o que era incompreensí¬vel. E eu não faria perguntas,
porque temia levá-lo a deduzir que a ideia de estar comigo não era das melhores,
afinal.
— Cassandra...
— Quieto — eu murmurei, segurando seu rosto entre as mãos e beijando-o na
boca.
Estava apavorada. Murphy e eu éramos amantes em amor, parcei¬ros sem
confiança. Éramos como dois navios que colidiam à noite. Se eu não tomasse
cuidado, acabaria naufragando quando ele seguisse viagem para portos distantes.
Um homem como ele jamais poderia viver com uma sacerdotisa vodu. Especialmente

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quando eu me trans¬formasse em um ser mutante e erguesse do túmulo uma filha


zumbi.
Eu bani esse pensamento da mente. Acabaria arruinando o clima.
Desesperada, entreguei-me ao sexo e às sensações febris que preenchiam o
horrível vazio em minha alma. Precisava me sentir viva, mesmo que tudo em mim
estivesse morto. Sonhos, esperança, filha... Tudo morto.
Restava apenas a febre que eu sentia quando estava com Murphy, a paixão, o
desejo.
Quando tudo acabou, quando Murphy saiu de meu corpo, eu me senti vazia.
Por quê? Nunca antes havia desejado que ele ficasse!
Olhei para ele e ele para mim.
— Obrigada — murmurei. Murphy sorriu.
— Mis yeux verts.
— O que significa isso?
— Belos olhos verdes.
Eu me levantei e corri para frente do espelho. Eu tinha os olhos verdes e
brilhantes de um felino selvagem.
A dor explodiu em minha cabeça e eu caí de joelhos, dominada pela agonia.
Tentei chamar por Murphy, mas só conseguia ganir como um animal ferido. O
relógio da sala marcava meia-noite com suas ruidosas badaladas.
Eu não conseguia respirar; meu corpo estava em chamas. Uma segunda onda
de dor me atingiu e, felizmente, eu desmaiei.
Acordei em um beco. As vozes na rua ecoavam em minha cabeça; cheiros
distintos invadiam meu olfato. Olhei para a lua cheia no céu. Ouvi sua canção
pulsando em minhas veias. Em meu sangue.
Falando em sangue...
Respirei profundamente. Havia muito sangue em algum lugar pró¬ximo dali.
Eu me levantei e vi o homem morto. Sua garganta estava aberta. Rasgada.
Meu estômago roncou, emitindo o som característico da fome. Por que eu sentia
cheiro de carne?
Estava tonta, estranha, mas me sentia forte e alerta. Os membros não
obedeciam ao comando do cérebro. Eu só conseguia engatinhar.

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Tentei lembrar como havia chegado ali, e a dor voltou. Baixei a cabeça e fechei
os olhos, e permaneci assim até a dor ceder.
Quando abri os olhos, notei as marcas de sangue deixadas no chão por patas
enormes. Ergui a cabeça esperando ver um leopardo, mas eu estava sozinha no beco.
As marcas... eram minhas.
Tentei rir, porque sabia que estava sonhando outra vez, mas o som que saiu de
minha boca foi o rugido furioso de um felino selvagem.
Eu me afastei do homem morto. Queria cheirá-lo, prová-lo, mas não podia.
Pelo que sabia, uma experiência, por menor que fosse, e o sonho passaria a ser real.
E não era isso que eu queria?
Aproximei-me do corpo. A ideia do que estava prestes a fazer me repugnava e
excitava.
Baixei a cabeça. Minha língua tocou o corpo. E o estampido de uma arma
rompeu o silêncio.
Olhei para cima; havia um homem na entrada do beco. Eu o co¬nhecia.
Edward não esperou por minhas explicações. Apenas atirou contra mim.
A bala acertou-me no ombro, porque eu me movi no instante em que o
reconheci. A dor me fez cambalear, mas continuei correndo sem explodir.
Acordei com o sol em meu rosto. Pássaros cantavam lá fora. Eu , tinha pés,
não patas. A vida era boa.
Movimentei o ombro. Tudo bem. Toquei-o tentando encontrar um ferimento
de bala. Nada. O braço que eu havia cortado com a faca de prata estava intacto, sem
cicatrizes.
Cocei a testa e senti algo estranho sobre a pele. Quando olhei para meus
dedos, vi sangue seco.
Corri para o banheiro, chutando alguma coisa pequena e dura sob a cama, mas
não tinha tempo para examinar o que era. Aliviada, tomei um banho, escovei os
dentes e olhei para o espelho sabendo o que veria. Meus olhos estavam verdes.
Definitivamente verdes.O telefone tocou. O som quase me fez gritar. Corri de volta
ao quarto para atendê-lo antes do segundo toque. A campainha estridente fazia
minha cabeça doer.
— Já sei o que aconteceu com seu píton. Eu havia esquecido Lazaras.
O veterinário prosseguiu:

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— Ontem um técnico esqueceu de guardar um dos pacientes. O animal se


aproximou da gaiola de Lazaras, e a píton enlouqueceu. Era um felino. Algumas
cobras odeiam felinos.
A notícia explicava tudo.
Lazaras entendera tudo antes mesmo de eu desconfiar do que acon¬tecia.
Depois de me despedir do veterinário, fiquei sentada na beirada da cama
pensando no que seria de minha vida. Eu esperava que tudo houvesse sido um
pesadelo, mas como justificar o sangue, a cicatriza-ção do braço e do ferimento à
bala... Havia existido algum ferimento?
Eu me abaixei para pegar o objeto em que havia tropeçado pouco antes. A bala
de prata. Meu corpo a expelira no momento em que eu havia recuperado a forma
humana.
Eu não teria de adquirir a capacidade de mudar de forma. Já a desenvolvera.
Mas como, se não fora mordida?
Ainda havia buracos na minha lógica. Se os seres que podiam mudar de forma
eram capazes de levantar zumbis, o que dera errado no cemitério?
A campainha soou. Sem parar. Ou o botão havia travado, ou era uma
emergência. Eu me vesti e corri para a loja.
Quando abri a porta, Edward estava parado do outro lado. Desar¬mado.
— Renee acabou de telefonar — ele disse, entrando sem esperar por um
convite. — Ainda há relatos de pessoas desaparecendo no Haiti. Não disse que o
bokor estava morto?
— Estava. Está.
— Você verificou?
— Não pessoalmente. Estava um pouco perturbada por ter matado um
homem. Foi Murphy.
— Homens como o bokor não morrem facilmente. Especialmente quando não
estão na forma humana.
— Mas... ele não era um lobisomem.
— Cassandra, ontem à noite atirei contra um leopardo que também não
explodiu. O animal havia acabado de matar um homem.
O animal era eu. Eu havia matado um homem. E não lembrava. Não lembrava
muitas coisas recentemente.

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Edward interpretou minha expressão de pânico de maneira errada.


— Se vai trabalhar para mim, não pode ser tão sensível. Limitei-me a mover a
cabeça em sentido afirmativo.
— Não temos certeza de que a vítima não vai levantar. Atirei no animal com
prata, mas é pouco provável que dê certo. Estou pensando que os leopardomens
podem precisar de outro material.
Eu estava pensando a mesma coisa.
— Vou telefonar para Renee. E vou mandar Diana pesquisar. —
Ele abriu a porta para sair, e o sol inundou a loja. — Seus olhos... Eram azuis.
— Ah, são... lentes de contato — improvisei.
Edward assentiu e partiu. Mas ele voltaria. E com tudo que julgasse necessário
para matar um leopardomem.
Sozinha, eu me desesperei e sentei com a cabeça entre os joelhos. Sim, havia
desejado poder mudar de forma, porque assim traria de volta minha filha ao mundo
dos vivos. O que eu não havia pensado era que enviaria dezenas de pessoas ao
mundo dos mortos antes de levantar Sarah de sua sepultura.
A porta da loja se abriu, e eu me preparei para o pior. Edward devia ter tirado
as próprias conclusões, e agora voltava para elimi-nar-me, pondo um fim no perigo
que eu representava para a cidade. Levantei a cabeça com um suspiro resignado, mas
quase desfaleci ao reconhecer o visitante.
Ali, diante da minha frente, em meu centro vodu, estava ninguém menos que
Jacques Mezareau.
— Sacerdotisa — ele sorriu, entrando e fechando a porta. — Vejo que hoje se
depara com um mundo inteiramente novo.
— Como...?
— Logo suas perguntas terão respostas. Mas, antes, tenho uma questão
específica. Onde está o diamante?
— Não está comigo.
Ele me atingiu com um golpe tão violento, que caí contra uma estante de
garrafas. As prateleiras desabaram sobre mim.
— Eu sei que você o tem.

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— Não... — Não revelaria que a pedra estava com Murphy, mesmo sabendo
que em breve ele perceberia a verdade. Precisava ganhar tempo. — Pode procurar, se
quiser.
Mezareau vasculhou a loja, e eu não fiz nada para detê-lo. Mesmo que
quisesse, não poderia.
— Tentei levantar um zumbi — contei.
— Ah... e seu zumbi não apareceu como você imaginava.
— Não.
— Sabe por quê?
— Imagino.
— Só sob a lua cheia e à meia-noite, durante uma cerimónia rea¬lizada por um
leopardomem, um morto pode ser trazido de volta à vida. Até a lua da meia-noite,
quando ocorreu sua primeira transformação completa, você não era uma de nós. Não
tinha o poder para levantar os mortos e trazê-los de volta à vida.
— Então, lua da meia noite, cerimónia realizada por um leopardomem... Mais
alguma coisa?
— O maldito diamante! Senti um arrepio.
— Precisamos do diamante?
— Onde está a pedra?
— Não sei.
Dessa vez eu estava preparada, e consegui segurar a mão dele antes do golpe.
E o empurrei para longe com uma força que nem imaginava ter.
— Por que fez isso comigo? — gritei.
— Por que está tão zangada? Você me procurou pedindo para conhecer meu
segredo.
Ele tinha razão. Por outro lado, ele podia ter me prevenido sobre a
transformação.
— O que você fez, exatamente?
— Só uma pequena maldição. Nada com que tenha de se zangar.
— Não me lembro de nenhuma maldição.
Lógico. Depois de beber o kleren, eu me lembrava de muito pouco.
— Foi mais uma poção, para ser honesto.

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Ah... Isso explicava por que eu havia ficado aturdida depois de beber seu rum,
mas não sentira nada depois de beber o meu.
— O que era aquilo?
— Um segredo transmitido por meus ancestrais. E ele não ia me dar a receita.
— Existem mais leopardomens andando por aí?
— Ainda não. Mas... — Ele se aproximou e farejou meu rosto. — Talvez
possamos criar alguns.
Eu o empurrei com força. Ele se manteve afastado.
— Vai mudar de ideia — Mezareau disse sorrindo e lambendo os lábios,
deixando os olhos passearem por meu corpo. — Logo será como eu. A excitação da
caçada, o prazer de matar... E melhor do que sexo.
Eu estremeci e lembrei sonhos que não haviam nem sido meus.
— Eu... me lembro de coisas que não aconteceram.
— Posso entrar nos seus sonhos, sacerdotisa. Se quiser, pode entrar nos meus.
— Não me sinto má.
— Mas vai se sentir...
— Eu matei um homem.
— Ontem à noite? Não. Fui eu. Mas, da próxima vez, talvez você i tenha
esse prazer.
— E se eu não quiser?
— Temos de partilhar do sangue humano na noite de lua cheia, ou
enlouquecemos.
— Mas eu não... não...
— Sim, você teve sangue. Só não consegue lembrar. Lembrei do sangue que
havia encontrado em meu rosto ao desper¬tar. Ele estava certo.
— Então, somos como lobisomens? — indaguei.
— Nada sei sobre eles. Nem me interessa saber.
— A prata não pode nos matar.
— Nada pode. Eu duvidava disso, mas voltaria ao assunto mais tarde.
— Por que uma poção, em vez de uma mordida?
— Porque não somos infectados.
— Apenas amaldiçoados.

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— Prefiro dizer que somos abençoados.


— No seu caso, talvez... Se a transformação não era resultado de um vírus,
Elise não poderia
me curar. Como não pudera curar Henri. E desde quando eu começara a
pensar em cura?
Desde que vi o sangue em minhas mãos. Depois de trazer Sarah de volta, não
poderia continuar me transformando a cada lua cheia. O que os vizinhos diriam?
— Não me transformei com a lua cheia — lembrei.
— Da mesma forma que o sol chega ao pico ao meio-dia, a lua chega ao ponto
mais alto à meia-noite. A primeira transformação exige esse poder. Desse ponto em
diante, o poder fica em você. E agora... o diamante!
— Se somos seres tão poderosos, por que precisamos de uma pedra?
— O diamante dá foco à lua e à magia. Foi encontrado na terra mãe.
— Na Alemanha?
— Tem conversado muito com Mandenauer. O diamante foi reti¬rado do solo
da Africa. Há poder de muitas eras naquelas facetas. Quando a Egbo se formou, o
diamante era o centro de tudo. Os membros aprenderam o segredo de mudar de
forma olhando para seu centro cintilante.
— Está dizendo que a Egbo era uma sociedade de leopardos... com leopardos
de verdade?
— Como acha que eles mantinham os escravos na linha?
— Tortura?
— Não. Teria sido divertido, mas ver um homem se transformar em leopardo,
arrancar corações e beber sangue sempre funcionou melhor. E também havia a
ameaça real de eles serem transformados em zumbis.
— A Egbo transformava pessoas em zumbis?
— Minha querida, onde acha que tudo isso começou?
A porta da loja se abriu. Devon Murphy entrou carregando duas canecas de
café e um saco de beignets. Desde quando ele usava a porta da frente?
Ele não nos viu no canto mais escuro da loja. Não percebeu que o lugar havia
sido revirado. Estava ocupado demais equilibrando o café e os confeitos, tentando
fechar a porta com um pé.

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O sorriso de Mezareau ganhou um toque predador. Seus dentes pareciam


mais pontudos.
— Talvez não saiba onde está o diamante, sacerdotisa, mas ele sabe.
Murphy se virou ao ouvir a voz de Mezareau. Talvez tivesse con¬seguido
equilibrar nosso café da manhã, não fosse o golpe violento com que o bokor o atacou.
Eu me coloquei entre os dois.
— Não — disse com firmeza. — Ele não sabe de nada. Murphy não ia desistir
da pedra. O bokor acabaria por matá-lo. Mezareau riu.
— Ele entregou a pedra a você, sacerdotisa, ou a escondeu em sua bagagem,
porque mandei detê-lo no Haiti, antes do embarque, e ele não tinha nada na mochila.
Depois ele a seduziu para recuperar a pedra. Pensei que fosse mais esperta, mas
ainda é só uma mulher.
-— Não vejo o diamante desde o Haiti — menti.
— Talvez isso refresque sua memória.
O bokor sacou uma faca feita de pedra afiada e cabo de madeira. Ele encostou
a lâmina em nieu pescoço, e minha pele começou a queimar. Eu gritei.
— Pare com isso! — Murphy me puxou para trás.
Mezareau olhou para nós com um sorriso debochado.
— Posso cravar isto em seu peito, sacerdotisa. Seria o suficiente para fazê-la
explodir numa bola de fogo.
— Pensei que nada pudesse nos matar! Foi o que você disse!
— Eu menti.
— O que está acontecendo? — Murphy perguntou.
— Ele me transformou em leopardomem. Murphy respirou fundo.
— Quer seu diamante?
— Agora você entendeu. Devolva o que me pertence, e não trans¬formo a
moça em sobremesa flambada.
— Eu entrego a pedra.
Mezareau parecia surpreso com a capitulação rápida e simples de Murphy.
— Vou com você — ele disse.
— Acha que deixei uma jóia daquele tempo em um quarto de hotel ou em um
cofre alugado? O diamante está em local seguro, protegido. Em um lugar onde

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alguém em quem confio a mudará no instante em que alguém aparecer por lá. E essa
pessoa levará a pedra mesmo que alguém apareça comigo.
— Já fez isso antes. Tudo bem, traga-me a pedra em uma hora.
— Não é tão perto. — disse Murphy.
— Quando?
— Hoje à noite.
— Estarei esperando aqui.
— Preciso dela para...
— Esqueça! Acha que vou deixar a sacerdotisa sair de perto de mim? Acha
que me incomodo com suas necessidades? Não sou es¬túpido! Traga-me o diamante,
ou ela morre.
Eu balancei a cabeça. A única esperança que tínhamos de deter Mezareau era
mantendo o diamante longe dele.
— Não faça isso — eu protestei. — Antes ele me matar do que criar um
exército do mal.
— Não posso deixar que ele a mate — Murphy sussurrou. Depois saiu sem
dizer mais nada.
— Ora, ora, é mais importante do que um diamante, sacerdotisa! Devia estar
feliz com isso.
— Você não vai me matar.
— Não?
— Escolheu-me para amaldiçoar. Teve uma razão para isso, ou teria escolhido
outra pessoa.
— Sim, você foi escolhida.
— Por quem?
— Por mim.
— Mas eu fui procurá-lo.
— Porque eu queria que fosse. Você tem o poder necessário para trazer os
mortos de volta à vida.
—Pensei que esse poder estivesse na transformação e no diamante.
— E em você. Não poderia ter transformado outra pessoa em leo-pardomem.
Você é a favorita dos loas.

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— Nunca fiz nada mais poderoso do que outros sacerdotes.


— Mandei os mortos, e você os expulsou. Só uma mambo de incrível poder
pode fazer tal coisa.
Ele tinha razão.
— E conjurou sua filha em minha floresta. De repente eu senti frio.
— Aquilo foi um sonho.
— Seus sonhos sempre deixam pegadas?
— Onde ela está?
— Morta, ainda, mas, por um instante, ela esteve com você. E pode estar
novamente, para sempre, se me ajudar na próxima lua da meia-noite. Juntos
levantaremos um exército.
— E depois?
— Depois eu lhe darei o diamante.
A noite caiu. A lua se ergueu no céu.
Eu já começava a pensar que Murphy não voltaria, quando ouvi a voz dele.
— Abram a porta! Mezareau foi recebê-lo.
Meu coração disparou. Murphy arriscava a vida, o futuro... Nin¬guém jamais
fizera tanto por mim. O que podia significar esse sacrifício?
— Onde está o diamante?
— Seguro.
Eu cheguei a crer que poderia evitar novas surpresas, mas Mezareau era muito
mais veloz do que eu. A faca estava outra vez em minha garganta, queimando a
carne.
— Agora chega!
— Tudo bem! — Murphy retirou a pedra do bolso. — Deixe a faca no chão, e
farei o mesmo com o diamante. Cassandra, quero que saia daqui assim que ele baixar
a faca.
— Acha que está no comando? Posso matá-lo sem nenhuma difi¬culdade,
Murphy! — Mezareau vociferou.
— Não seria tão fácil.
— Não? Vamos ver! — Mezareau me soltou, e eu caí no chão do quintal atrás
da loja, perto da porta.

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Quando olhei para cima, Mezareau tinha o rosto e as mãos voltados para a
lua. O brilho prateado contornava sua silhueta, criando uma impressão quase irreal.
Era como se a luz penetrasse em seu corpo, tornando-o brilhante. Tive de
piscar. Quando abri os olhos, havia um leopardo onde antes estivera o bokor.
Ele rugiu.
Murphy não parecia sentir medo. Estava ocupado demais olhando
boquiaberto para o animal. Agora ele acreditava em leopardomens.
— Entre! — eu gritei enquanto me levantava.
Ele não me ouviu. Devagar, ia caminhando em volta do leopardo, que também
o contornava.
Vi a faca no chão, mas nem tentei pegá-la. Eu com uma faca, Mezareau com
dentes e garras... Não seria muito bonito.
Olhei para a lua e soube o que tinha de fazer. Depressa, ergui o rosto é as
mãos, torcendo para que a magia fosse suficiente.
A luz que penetrava meu corpo era quente. Borbulhando sob a superfície, ela
me induzia à transformação.
Esperei pela dor, mas só havia centelhas de luz. Milhares delas. Eu cambaleei.
Fechei os olhos, e quando os abri novamente, estava mais baixa.
Devia ter alguma relação com as patas.
Mezareau preparou o bote, e eu me atirei sobre ele. Ele se esquivou. Eu passei
por cima dele e bati com a cabeça em uma fonte. Ainda não estava habituada a esse
corpo. Mas Mezareau estava.
Não podia ficar ali enquanto Mezareau matava Murphy. Não sa¬beria viver
sem ele.
Eu corri, mas um segundo antes de o leopardo atingir o pescoço de Murphy
com suas presas, Murphy estendeu um braço. Sua mão encontrou o peito do animal,
que explodiu numa bola de fogo.
A faca caiu no chão, enquanto Murphy protegia o rosto com os braços.
Como ele conseguira pegar a arma? Devia ter tirado proveito do momento de
distração que proporcionei com minha transformação.
— Cassandra, por favor, pode reverter a mudança agora? Está me assustando.

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Reverter... Oh, sim, eu esperava poder voltar. Olhando para o céu, imaginei-
me humana. Nada aconteceu. E agora? A única pessoa que conhecia as regras de ir e
voltar virava churrasco no meu quintal!
— Invocar a lua pode funcionar — Murphy sugeriu. — Uivar, talvez. Ouvi
muitos uivos recentemente.
Não custava nada tentar. Levantei o focinho e rugi... Em algum lugar, um lobo
respondeu ao chamado. Maldição!
Eu não tive tempo para me preocupar. Vi as fagulhas de luz, senti o calor... e
segundos depois estava abaixada no meio do quintal, nua.
— Gostei desse truque — Murphy riu, entregando-me as roupas. Enquanto eu
me vestia, Murphy se debruçou sobre a fonte e lavou
o rosto.
— E agora? O que faremos? Quero dizer, o que vamos fazer com você?
— Comigo?
— Temos de parar com essa coisa do leopardo! Olhei para as cinzas de
Mezareau.
— Talvez você já tenha acabado com a maldição. E, nesse caso, Sarah
continuaria morta.
Eu precisava saber.
Olhei para a lua, ergui os braços... e os abaixei depressa ao sentir o calor e ver
os pontos luminosos.
— Não — disse. — A maldição persiste. Como a da lua crescente.
— Não parece muito aborrecida.
— Não estou, porque agora sei que posso trazer Sarah.
— Quando vai desistir disso? Não pode trazer sua filha de volta!
— Eu posso, se me emprestar o diamante.
— Não quis dizer que não era capaz disso. Disse que não pode porque não é
certo. Não quero que faça isso.
— Não posso deixá-la lá.
— E por que não pode começar uma vida nova? ' — Como leopardomem?
—Tenho certeza de que alguém com seu poder e com suas ligações com o
Jãger-Sucher pode se livrar disso.

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— É melhor que eles nem saibam disso. Criaturas que se transfor¬mam


costumam provocar reações intensas e radicais nessa gente.
— Por que será?
— Eu devolvo o diamante assim que terminar o que tenho de fazer. Ou... Você
pode voltar para a Califórnia comigo.
Foi um choque descobrir que o queria comigo. Queria muito. Não tinha
coragem para sugerir que Murphy fosse viver comigo e minha filha zumbi, mas
também não podia deixá-lo partir. Ainda não.
— Acha que estou preocupado com o diamante? Fique com ele, Cassandra.
— Não. Quero dizer, vou ficar com ele por enquanto. Mas você...
— Pensei que precisasse dele, mas estava enganado. Eu só preciso... Alguém
tossiu, e por um instante pensei que Mezareau houvesse
renascido das cinzas. Mas não era o bokor que estava parado no meu quintal
empunhando sua faca de pedra. Era Edward. E eu não sabia o que era pior.
Edward olhou para a faca no chão. E olhou para nós.
— Qual dos dois é o leopardomem?
— Eu — Murphy respondeu. Edward arremessou a faca sem pedir
explicações.
Eu não queria viver sem ele. Não faria sentido. Por isso o empurrei, jogando-o
no chão.
A faca se enterrou em meu ombro.
Edward olhava para mim boquiaberto. Murphy também olhava para mim,
mas furioso.
— Droga, Cassandra! — Murphy se levantou. — Você podia ter explodido!
Mas não explodi. O que estava acontecendo? Edward arrancou a faca de meu
ombro. Quase desmaiei de dor, mas consegui segurar seu pulso antes que ele a
cravasse em Murphy.
— O que está fazendo?
— Diana descobriu que só uma faca feita de diamante negro pode pôr fim à
vida de um leopardomem.
Eu enfrentava Edward com toda a força de meu corpo, mas me sentia
enfraquecer rapidamente. Logo não poderia mais evitar o golpe. Murphy arrancou a
faca da mão de Edward.

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— Disse que é diamante negro? Deve ser raro...


— São muito raros na África... e você não é um leopardomem.
— Não? — Murphy jogou a faca na fonte.
— Tocou a lâmina e não se queimou. E não explodiu. Edward olhou para a
pilha de cinzas no chão.
— Mezareau? — perguntou.
— Sim.
Ele me encarou.
— Você...? Apontei para Murphy.
— Foi ele.
— Humph — Edward grunhiu irritado.
Algo macio tocou minhas costas. Murphy havia despido a camisa e a
pressionava contra meu ferimento. Infelizmente, a ferida não se fechava sozinha. Eu
precisaria de alguns pontos.
— O que aconteceu, afinal?
— Ela precisa de um médico, Edward.
Edward sacou sua arma e a apontou para nós dois. Eu contei tudo. Com
riqueza de detalhes.
— É preocupante — Edward comentou ao final do relato. — Cassandra
sempre teve mais poder do que percebe. Combinado ao conhecimento que ela obteve
com Mezareau e à força inerente às criaturas que se transformam, como lobisomens e
leopardomens... Lamento, mas não posso deixá-la solta no mundo.
— Não cabe a você decidir!
— Está enganado, rapaz. — Edward estalou os dedos e o quintal se encheu de
gente. Pelo número de armas, todos ali eram Jãger-Suchers.
— Esperem — pedi, lutando contra a dor, a náusea e a tontura. — A faca não
me fez explodir. O ferimento não está cicatrizando como antes. Deixem-me ver se
consigo me transformar.
— Para quê? Para rasgar a garganta de todos aqui?
— Edward, você não permitiria. — Eu sorri com esforço, suando frio.
— E como a deteríamos? A prata não funciona com leopardomens. O
Diamante negro não funcionou com você.

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— Que sorte a minha. Devo ser uma supermutante!


Elise surgiu no quintal. Ela não estava armada, nem precisava. Elise era um
lobisomem.
Era de se estranhar que o mais temido caçador de monstros tivesse
uma neta que criava pêlos. Mas a história de Edward e Elise era longa e não
muito agradável.
Eu já havia encontrado Elise antes, uma vez, durante o incidente com Henri.
Nós nos cumprimentamos com um aceno de cabeça, mas eu não estava com
disposição para trocar gentilezas. A perda de san¬gue estava me enfraquecendo.
— Ela não parece ter mudado. Ainda é como antes, quando a vi pela primeira
vez.
— O que está dizendo, Elise? Vai julgar pela aparência? Acha que o mal
mostraria sua cara?
— Não, mas eu sentiria seu cheiro.
Elise tocou minha testa e fechou os olhos. Como já a vira fazendo o mesmo
com Henri, não tentei me esquivar.
Segundos mais tarde, ela baixou a mão e olhou para Edward.
— Nada. Ela está limpa.
— Assim? Simples? E toda a confusão, as perguntas, a desorien¬tação...
Geralmente é assim quando você conclui uma cura.
— Não precisei curá-la. Ela não é um leopardomem. Não mais, pelo menos.
— Tem certeza?
— Se não acredita em mim, Sacerdotisa, tente transformar-se. Eu tentei. Nada.
Nem calor, nem luzes piscando... A lua era só a
lua. E eu era só uma mulher. Olhei para Murphy.
— Agora chega! —Murphy anunciou com firmeza. — Vou levá-la para o
hospital.
— Um momento! — pediu Edward. — Elise, desde quando seus poderes vão
além dos lobisomens?
— Só posso curar lobisomens, e às vezes nem eles, mas ainda sinto a energia
da transformação em outras criaturas. Especialmente... — Ela levou os dedos à testa.
— Uma terrível dor de cabeça.
— E tem testado seus poderes com eles, agora?

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— Eles quem? Por favor, sabe que há muito mais coisas por aí do que
lobisomens.
— Infelizmente, sim.
— Eu tinha tempo... Decidi fazer uma pesquisa. A propósito, já conversamos
sobre matar primeiro e fazer perguntas depois, vovô. Podia ter matado esse homem.
— Teria sido horrível, reconheço, mas não posso correr riscos.
Elise balançou a cabeça e olhou para Murphy.
— Edward tentou matá-lo. Ouvi a conversa de onde eu estava. Só não entendo
por que Cassandra está sangrando.
— Ela se colocou na frente da faca.
— Ah! O maior sacrifício! Eu levantei a cabeça
— O que disse?
— Li o relatório de Diana. Só um sacrifício grandioso pode pôr fim a uma
maldição vodu.
— E daí?
— Você foi amaldiçoada.
Por que não pensei nisso antes? Mas agora...
—Minha vida nada significa para mim. Não foi um grande sacrifício.
— Mas a vida de sua filha é importante.
Eu parei. Agora as palavras de Elise faziam sentido. Lágrimas queimavam
meus olhos, e eu escondi o rosto no peito de Murphy.
— Cassandra, o que é isso? — A voz dele tremia. Ele soava as¬sustado.
Eu balancei a cabeça, incapaz de falar.
— Ela não pode mais trazer a filha de volta do mundo dos mortos — Elise
explicou. — Mezareau está morto e a fórmula da maldição morreu com ele. Ela
salvou sua vida, mas... O preço foi a vida de Sarah.
Eu desmaiei. Não saberia dizer se,foi a perda de sangue ou a dor. Para uma
mulher que nunca havia desmaiado na vida, eu estava me especializando nisso.
Acordei no hospital com Diana ao meu lado.
— Desde quando um corte exige cama e internação? — perguntei.
— Não foi o corte. Foi o desmaio.
— Se continuar assim, vou perder minha credencial de Jàger-Sucher.

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— Duvido.
— Diana, eu... Espero que me desculpe por não ter contado tudo.
— O que foi que não me contou?
— Sobre Sarah.
— Se eu perdesse um filho, também não ia querer falar sobre o assunto.
— É muito compreensiva.
— Não. Estou preocupada com você. Só isso.
— Comigo? Por quê?
— E que... Murphy partiu. E levou o diamante.
Eu chorei. Chorei como não chorava desde a morte de Sarah.
— Eu sabia — solucei. — Sabia que ele não ia ficar.
— Elise queria muito estudar aquele diamante, mas... Bem, ela se contentou
com a faca de diamante negro.
Edward entrou no quarto, e eu enxuguei as lágrimas.
— Melhor?
— Sim, senhor.
— Ótimo. Renee foi ao vilarejo.
— Ela conseguiu encontrá-lo?
— De acordo com o relatório, a cachoeira era só uma cachoeira, a caverna era
só uma caverna, e além dela havia só mais montanha e nenhuma selva.
Fazia sentido. A cachoeira reaparecera quando derrubáramos Mezareau,
mesmo tendo sido apenas uma temporária inconsciên¬cia. A morte do feiticeiro
devia ter revertido todo o cenário ao seu estado original.
— E os zumbis? — eu indaguei.
— O vilarejo estava deserto. Havia apenas ossos.
— A magia morreu com Mezareau — deduzi.
O que significava que os zumbis não eram realmente vivos, afinal.
— Isso sempre acontece — Edward lembrou. — A magia desa¬parece quando
o feiticeiro perece.
— Mas não as maldições — Diana lamentou.
— Não as maldições — ele concordou. — Mandei meus homens atrás de
Murphy.

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— Não se incomode por mim — murmurei, lutando contra uma horrível dor
de cabeça.
Se ele não me queria, eu também não o queria.
— Você o ama? — Edward me perguntou.
— Não.
— Melhor assim. Odeio quando meus agentes se apaixonam. É tão...
complicado!
— Não é complicado. Agora tem dois agentes em vez de um. E prático —
Diana protestou.
— Não importa. Eu não estou procurando Murphy por causa de Cassandra,
mas pelo diamante.
— Boa sorte — eu disse. Edward jamais o encontraria.
— Minha segunda preocupação é com você.
— Estou bem, obrigada.
— Não me refiro a sua saúde, mas a sua magia.
— Como assim?
— Foi transformada em leopardo homem por causa do seu poder. Mesmo que
tenha voltado ao normal, ainda é uma sacerdotisa vodu. E levantou uma mulher
morta, o que faz de você uma feiticeira supostamente do mal. Sei que estava
cumprindo minhas ordens, porém, não quero ser chamado aqui novamente para
cuidar de você, caso decida... entrar em parafuso.
— Entrar... em parafuso?
— Tem alguma vontade de dominar o mundo?
— Ah! Não consigo administrar minha própria vida!
— Não me obrigue a meter uma bala na sua cabeça, Cassandra.
— Farei o melhor que puder, senhor. Edward saiu sem se despedir.
— Vai ficar em Nova Orleans? — Diana perguntou quando fica¬mos sozinhas
novamente.
— Para onde mais eu iria?
— Para qualquer lugar.
— Mas você está aqui.
Ela sorriu; eu sorri. Tudo havia sido perdoado.

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Saí do hospital no mesmo dia, voltei à loja e, uma semana mais tarde, reabri o
centro.
Peguei Lazarus e soube que ele seria pai, de acordo com o veteri¬nário, e a
serpente se comportou como se não me visse há anos, enroscando-se em meu pulso e
oferecendo todo o amor de que um réptil era capaz.
Retomamos nossa rotina. Tudo voltou ao normal. Eu estava sozi¬nha outra
vez. Sempre estivera, mas agora era diferente. Não havia mais a promessa de Sarah
em meu futuro. Eu não sabia o que esperar. Por que continuar vivendo.
E então, uma noite, eu encontrei a resposta.
Estava dormindo, mas despertei com a brisa que entrava pela ja¬nela. E eu
nem havia deixado a janela aberta!
— Por que foi embora? — perguntei.
Murphy materializou-se das sombras. Estava mais magro, tornar abatido e
novas penas nos cabelos, agora ainda mais longos.
— Você me odeia por eu tê-la tirado de você.
— Ela me foi tirada há muito tempo, Devon. E não foi você. Senti que ele ficou
tenso ao se aproximar um pouco mais de mim.
Queria tocá-lo, mas temia estender a mão e fazê-lo fugir.
— Como pode dizer que sua vida não tem significado?
— Não tem.
— Você me salvou, Cassandra. Eu não ia a lugar nenhum, não tinha planos
nem sonhos... Até que a conheci.
— Eu também.
— Eu amo você.
Eu sorri ao compreender a verdade.
— Eu também.
Ele se sentou na cama, a meu lado.
— Vai passar o resto da vida tentando encontrar outro jeito de trazê-la de
volta?
— Não.
Eu não havia admitido. Não até aquele instante. Sarah estava morta e não
havia nada que eu pudesse fazer para modificar essa realidade. Porque levantar

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minha filha da sepultura era um ato tresloucado, um objetivo insano, e eu queria ser
normal. Com ele.
— Promete? — Murphy sussurrou.
— Sim, eu prometo.
As palavras, a promessa, eram mais do que pareceram naquele momento.
Eram votos que consagramos mais tarde. Passamos as ho¬ras seguintes consumando
nossa união. Éramos bons nisso.
Estávamos quase dormindo, quando uma pergunta final me des¬pertou.
— Onde está o diamante?
— Que diamante?
Olhei para ele e vi um sorriso.
— Edward vai adorar isso — eu disse.
Murphy adormeceu sorrindo a meu lado. Eu não conseguia dormir. A lua me
chamava.
Saí da cama e fui até o quintal, onde fiquei olhando para o disco perfeito e
prateado no céu. O relógio na sala marcava meia-noite com suas ruidosas badaladas.
Era o momento mais poderoso da lua mais poderosa. Deixei a luz prateada se
derramar sobre mim enquanto me despedia.
Jamais esqueceria Sarah, mas não precisava levantá-la dos mortos para tê-la
sempre comigo, em meu coração, em minha alma e em minhas lembranças. Ela era
minha filha, minha menininha, e ninguém jamais poderiam tirar isso de mim.
Mamãe?
Ela já não usava mais o odiado uniforme, mas uma longa camisola branca.
Agora você está bem?
— Acho que sim.
Que bom. Eu não podia seguir para aquele lugar melhor enquanto você não
me deixasse ir.
— Desculpe. Tudo vai ficar bem.
Ela me havia dito a mesma coisa na selva, mas eu não estava ouvindo.
O homem com aquelas contas lindas no cabelo... Gosto dele.
— Eu também.
Ele vai ser um bom pai.

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— O quê? Adeus.
Sarah começou a desaparecer. Não tentei retê-la. Era hora de dei¬xá-la ir.
Eu me virei e vi Murphy atrás de mim. Algo em seus olhos me fez perguntar:
— Você a viu?
— Sim. — Ele olhou para o céu e seu brinco brilhou à luz da lua. — O que ela
estava dizendo sobre eu ser um bom pai?
Considerei o que havíamos acabado de fazer no quarto. Na cama. E como
havíamos feito. Sem proteção.
— Acho que tivemos um pequeno acidente.
Ele se aproximou de mim e me abraçou. Murphy beijou meus cabelos onde
eram grisalhos, depois sussurrou:
— Não existem acidentes.
Eu sorri, porque sabia que ele estava certo.

Fim

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