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Celebrando 200 anos de relações diplomáticas em 2024, o Brasil e os Estados Unidos

mantêm intenso relacionamento bilateral, especialmente a partir da proclamação da República


no Brasil, em 1889. O evento marca, para Monica Hirst, o início da fase de aliança entre os países,
e as relações passariam por mais quatro: alinhamento, autonomia, ajuste e afirmação. Sob a
chancelaria de Rio Branco, os países firmaram sua aliança não escrita, que culmina, na década
de 1930 e 1940, na equidistância pragmática de Getúlio Vargas, o início da ligação entre a
política externa brasileira e o desenvolvimento nacional. No contexto da Guerra Fria, as
barganhas são novamente tentadas por Vargas e Juscelino Kubitschek, em sinal do alinhamento,
porém os resultados escassos sinalizam a mudança de paradigma, favorecendo uma postura
mais autonomista e universalista trazida pela Política Externa Independente de Jânio Quadros e
João Goulart e intensificada com o Pragmatismo Ecumênico e Responsável de Ernesto Geisel,
consolidando a fase de autonomia. A redemocratização do Brasil e sua busca pela autonomia
pela credibilidade reforça a ideia de ajuste, com retomada de relações privilegiadas. No século
XXI, as relações Brasil-Estados Unidos continuam tradicionais e variável relevante da política
externa brasileira, que inaugura nova fase de afirmação, firmando o Brasil como global player e
país sintonizado às demandas do mundo em desenvolvimento, mantendo posições
frequentemente opostas às visões estadunidenses sem, contudo, trazer danos às relações.

A partir de 1945, inicia-se a fase de alinhamento. Entendendo o Brasil como credor dos
EUA pela participação na Segunda Guerra Mundial, o governo Dutra firma política externa
americanista ideológica, como parte do Ocidente capitalista contra o mundo socialista. Datam
desse período a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca de 1947 e a
assinatura da Carta da Organização dos Estados Americanos em 1948. No campo financeiro,
entretanto, tendo em visto o contexto de Guerra Fria e a colocação da América Latina em
posição securitária secundária, o Brasil não recebe a contribuição para o desenvolvimento
esperada dos EUA. Apesar do anúncio do Ponto IV de Truman, de cooperação para a América
Latina, o estabelecimento da Comissão Técnica Brasil-Estados Unidos limitou-se à recomendar
ao Brasil políticas de abertura para o capital estrangeiro, sem compromissos diretos de apoio
norte-americano. Durante o segundo governo Vargas, o alinhamento com expectativas de
barganhas continuou, com a assinatura de Acordo para Fornecimento de Material Estratégico
em 1951 e Acordo Militar em 1952. O Brasil, no entanto, não recebe a cooperação nuclear
prometida pelo primeiro acordo. A nova Comissão Mista Brasil-EUA renovou as expectativas do
Brasil sobre a cooperação econômica, mas sua descontinuação pelo governo Eisenhower levou
à guinada nacionalista ao final do governo Vargas. Com Juscelino Kubitschek, a abertura
brasileira para capitais estrangeiros e o acordo para base estadunidense para monitoramento
de foguetes em Fernando de Noronha renovam o alinhamento, ainda, porém, sem resultados
de envergadura. O lançamento da Operação Pan-Americana foi recebido com pouco entusiasmo
pelo lado americano, que se limitou a apoiar o papel dos capitais privados. A mudança de
contexto trazida pela Revolução Cubana em 1959 levou à resposta americana à OPA com a
Aliança para as Américas. Entretanto, segundo estudo da CEPAL, os resultados da iniciativa
americana tendiam a trazer mais custos que benefícios reais aos países, afligidos pela
deterioração dos termos de troca.

A fase de alinhamento continua, para Monica Hirst, até o governo Geisel. Cabe ressaltar,
no entanto, as mudanças trazidas pela Política Externa Independente. Entre 1961 e 1964, a
posição de inserção autônoma do Brasil no sistema internacional desgastou a relação brasileira.
Nesse sentido, a retomada das relações com a União Soviética, a nacionalização da ITT e da Light
e a recusa brasileira de expulsar Cuba da OEA em 1962 levantaram pontos de discordância,
levando ao apoio políticos dos EUA ao golpe militar de 1964, através de seu embaixador. O
governo Castelo Branco marca a retomada do americanismo ideológico, com o Brasil rompendo
com Cuba e participando da operação contra o governo de esquerda da República Dominica. A
partir de Costa e Silva, a política externa retoma princípios da PEI, fortalecendo-os até a
presidência de Ernesto Geisel. Entre 1967 e 1974, a relação bilateral enfrentou desafios
relacionados à política comercial, ambiental e o decreto que estendeu o Mar Territorial
brasileiro até 200 milhas náuticas da linha de base, além da não assinatura pelo Brasil do Tratado
de Não Proliferação Nuclear. A fase de autonomia começa com a política de Geisel, guiada pelo
globalismo e ampliando o leque de parceiros brasileiros para a África, Ásia e Europa do Leste. O
acordo nuclear com a Westinghouse, para a construção de Angra I sem transferência de
tecnologia, foi eclipsado pelo Acordo Nuclear com a Alemanha Ocidental com entrega de chaves.
Ademais, o Brasil reconhece as independências de Angola e de Moçambique, lusófonos recém-
independentes com governos socialistas combatidos por grupos internos apoiados pelos EUA.
Ainda, durante a presidência de Jimmy Carter e sua diplomacia dos direitos humanos, as
relações bilaterais atingem ponto alto de tensão com as críticas ao regime brasileira, culminando
na denúncia brasileira do Acordo Militar de 1952.

A redemocratização marca o período de busca por autonomia pela credibilidade. Ainda


nascente no governo de José Sarney, o novo paradigma de ajuste se afirma na política externa
de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso como uma reaproximação entre os países,
a partir da participação do Brasil nos regimes internacionais de controle de armas e de direitos
humanos, além da adoção das medidas liberalizantes defendidas pelo FMI e Grupo Banco
Mundial. Fortalecida pela diplomacia presidencial de FHC, a relação bilateral tem como um dos
grandes marcos a solidariedade brasileira aos EUA quando do atentado contra o World Trade
Center, levando ao acionamento pela primeira vez do TIAR, por parte do Brasil. A partir de 2003,
a política externa ativa e altiva inaugura a fase de afirmação, na qual as relações se encontram
maduras e estáveis, contribuindo para a manutenção da política globalista com proximidade aos
EUA. A diplomacia presidencial se faz novamente presente na relação Lula-Bush e seu encontro
em Camp David. Institucionalmente, os países mantêm Diálogo de Parceria Global, além de
outros instrumentos como o alto fórum de empresários. No campo comercial, as várias
contendas entre os países no sistema de solução de controvérsias da OMC, como a do algodão,
tendem a ter impacto reduzido na dinâmica diplomática. Apesar de perder o posto de maior
parceiro comercial com o Brasil para a China, os EUA continuam como parceiro comercial
essencial, trocando bens primários e industriais, em uma agenda variada, e mantendo-se como
principal investidor estrangeiro no Brasil. No campo político, apesar de atritos entre os governos
Bolsonaro e Biden, Brasil e Estados Unidos continuam como parceiros tradicionais e promotores
da democracia.

A relação bilateral chega aos 200 anos passando por uma ampla série de paradigmas,
do americanismo ideológico ao pragmático. Os ideais de aproximação aos EUA presentes no
Manifesto Republicano de 1870 guiaram os primeiros anos da República e chegam no século XXI
com um relacionamento consolidado e estável. A fase de afirmação é, assim, o auge do
relacionamento, ainda marcado por desafios como a reforma das instituições globais e a
crescente rivalidade sino-americana, porém com instituições de cooperação política,
econômica, energética, cultural e de defesa, marcando a maturidade das relações.

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