A língua é indiscutivelmente uma das características mais importantes da identidade e
cultura de um povo. Ela não se resume apenas a um conjunto de palavras, frases ou regras gramaticais, ela ganha sentido sempre que um falante se socorre dela para se expressar e, assim, se posicionar na sociedade, seja de forma política, ideológica, cultural ou social. Quer isto dizer que língua e sociedade estão intrinsecamente ligadas, uma existe por influência da outra. Por essa razão, ao longo da história da humanidade, vários autores têm explorado a relação entre o idioma e a identidade de uma nação. Gostaria de começar pela intervenção do professor catedrático da Universidade de Coimbra, Carlos Reis, no Congresso Nacional de Segurança e Defesa (Lisboa, junho de 2010): “A língua é um bem simbólico e parte do património imaterial de um povo certo de que a noção de bem se desdobra em dois sentidos: um sentido jurídico-económico, que sublinha o princípio da riqueza ou do ativo a preservar e a valorizar; [outro] fator de enriquecimento humano, comunitário e identitário (de certa forma e em resumo: fator de felicidade)”. (…) Para além do professor Carlos Reis, em 1991, ao receber o Prémio Europália, em Bruxelas, Vergílio Ferreira prestou e inscreveu na nossa memória coletiva uma das mais expressivas homenagens à língua portuguesa enquanto capital simbólico e cultural de um povo cuja identidade é indissociável do mar: “Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi em nós a da nossa inquietação.” Estes autores, entre muitos outros, oferecem diferentes perspetivas sobre como a língua pode moldar a identidade de um povo e como a resistência linguística pode ser uma forma de preservar e afirmar uma identidade cultural distintiva. Cada um contribui para a compreensão complexa e multifacetada dessa relação. De facto, a língua reflete valores, tradições e histórias de uma comunidade, ajudando na preservação e transmissão de tradições. Contos, mitos e lendas são, desde os primórdios da humanidade, transmitidos oralmente como parte integrante da identidade cultural. Um indivíduo, ao nascer, começa a receber a herança cultural, que lhe vai garantir a formação, orientação e desenvolvimento como ser social. Para além disso, a língua pode desempenhar um papel crucial na formação da identidade nacional. A identidade nacional passa também por fatores socioculturais cujo peso varia consoante a nação considerada. Em Portugal, a língua é um traço distintivo importante, afirmando-se pela diferença em relação ao resto da Europa. A língua é o repositório da memória coletiva, da cultura e da tradição de um povo. Como defende Fernando Pessoa, “A base da pátria é o idioma. […] O idioma, por isso mesmo que é uma tradição verdadeiramente viva, a única verdadeiramente viva, concentra em si, indistintiva e naturalmente, um conjunto de tradições, de maneiras de ser e de pensar, uma história e uma lembrança, um passado morto que só nele pode reviver”. Assim, segundo Pessoa, a língua é uma das bases para a formação de um império de cultura português. É também de salientar a influência da língua na Arte e na Literatura. A língua é constantemente expressa por meio de formas artísticas, como poesia, música e literatura. Existem diversas manifestações que celebram a língua como veículo de expressão cultural, tais como, por exemplo, o poema de Vasco Graça Moura «Lamento para a língua portuguesa» ou «Esta língua Portuguesa», de José Jorge Letria ou ainda o espetáculo «Outra Língua», criado por Keli Freitas e Raquel André, estreado no Teatro Viriato, aqui bem perto de nós. (…). Em suma, considero que o idioma é, efetivamente, um elemento vital da identidade cultural e do património de um povo, definindo a nossa perceção do mundo e influenciando a nossa maneira de pensar. Termino lembrando as palavras de Bernardo Soares no «Livro do Desassossego»: «A minha pátria é a língua portuguesa».