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Educação Literária

− Comparar textos de diferentes épocas em função dos temas, ideias, valores


e marcos históricos e culturais.
− Reconhecer valores culturais, éticos e estéticos manifestados nos textos.

Texto A

Lê o texto, constituído pelas estâncias 96 a 98 do Canto V de Os Lusíadas. Se necessário,


consulta as notas.

96 Vai César1 sojugando toda França


E as armas não lhe impedem a ciência2;
Mas, nũa mão a pena e noutra a lança,
Igualava de Cícero3 a eloquência.
O que de Cipião1 se sabe e alcança
É nas comédias grande experiência.
Lia Alexandro1 a Homero4 de maneira
Que sempre se lhe sabe à cabeceira.

97 Enfim, não houve forte Capitão


Que não fosse também douto5 e ciente6,
Da Lácia7, Grega ou Bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão-somente.
Sem vergonha o não digo, que a rezão
De algum não ser por versos excelente
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque quem não sabe arte, não na estima.

98 Por isso, e não por falta de natura,


Não há também Virgílios8 nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias9 nem Aquiles10 feros11.
Mas o pior de tudo é que a ventura
Tão ásperos os fez e tão austeros,
Tão rudos e de ingenho12 tão remisso13,
Que a muitos lhe dá pouco ou nada disso.

CAMÕES, Luís de, 2020. Os Lusíadas (Org. de Emanuel Paulo Ramos),


Canto V, est. 96-98. Porto: Porto Editora (p. 211)

1. César, Cipião, Alexandro: heróis militares da Antiguidade que foram alvo de cantos de poetas; 2. ciência: conhecimento, cultura;
3. Cícero: escritor, orador e filósofo romano; 4. Homero: poeta épico da Grécia Antiga, autor da Ilídia e da Odisseia; 5. douto: sábio;
6. ciente: informado, culto; 7. Lácia: romana; 8. Virgílios: referência a Virgílio, poeta épico romano, autor da Eneida; 9. Eneias: herói
épico, protagonista da Eneida; 10. Aquiles: herói épico, protagonista da Ilíada; 11. feros: ferozes; 12. ingenho: temperamento; 13.
remisso: indo- lente, frouxo.
Educação Literária

1Seleciona a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.

Na estância 96, através dos exemplos de chefes militares da Antiguidade, o poeta


ilustra o ideal do , sintetizado no verso 3, e conclui, na estrofe seguinte, que os
portugueses se desse modelo.

(A) herói letrado … aproximam


(B) herói letrado … afastam
(C) capitão austero … aproximam
(D) capitão austero … afastam

Relaciona
2 a conclusão introduzida pelo conector «Enfim» (est. 97, v. 1) com a crítica efetuada na
estância 97.

Justifica
3 os sentimentos expressos pelo narrador na estância 97, atendendo ao assunto da
reflexão.

Texto B

Lê o excerto de A Abóbada, de Alexandre Herculano. Se necessário, consulta as notas.

Mestre Ouguet entrou na Casa do Capítulo, quando já os últimos cavaleiros do séquito real
iam saindo pelo lado oposto a caminho da igreja. Com as mãos metidas no cinto de couro
preto que trazia, e o passo mesurado1, o arquiteto caminhou até ao meio daquela desconforme
quadra 2 . O som dos passos dos cavaleiros tinha-se desvanecido e mestre Ouguet dizia
5 consigo, olhando para a porta por onde eles haviam passado:
– Pobres ignorantes! Que seria o vosso Portugal sem estrangeiros, senão um país sáfaro 3
e inculto? Sois vós, homens brigosos4, capazes dos primores das artes ou, sequer, de entendê-
-los?… Lá vão, lá vão os frades celebrar um auto! Não serei eu que assista a ele: eu que vi os
mistérios de Covêntria 5 e de Widkirk6! Miseráveis selvagens, antes de tentardes representar
10 mistérios, fora melhor que mandásseis vir alguns irmãos da Sociedade dos Escrivães de

Paróquia de Londres, que vos ensinassem os verdadeiros momos7, ademanes8 e trejeitos9


usados em semelhantes autos.
Mestre Ouguet estava embebido neste mudo solilóquio em louvor da nação que lhe dava
de comer, e, o que deveria pesar-lhe ainda mais na consciência, da nação que lhe dava de
beber,
15 quando, erguendo casualmente os olhos para a maciça abóbada que sobre ele se arqueava,

fez um gesto de indizível horror e, como doido, correu a bom correr pela crasta solitária […].

HERCULANO, Alexandre, 2021. A Abóbada. Porto: Porto Editora (pp. 32-33)

1. mesurado: compassado; 2. quadra: sala quadrada; 3. sáfaro: estéril, árido; 4. brigosos: desordeiros; 5. Covêntria: cidade inglesa
(Coventry); 6. Widkirk: cidade inglesa (Woodkirk); 7. momos: bobos; 8. ademanes: gesto feito com as mãos; 9. trejeitos: gestos.

Explicita
4 o valor irónico das palavras do narrador nas linhas 13-14, tendo em conta a fala de
Mestre Ouguet no parágrafo anterior.
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Texto C

Lê o excerto de Os Maias. Se necessário, consulta as notas.

Afonso, no entanto, perguntava também ao Ega pela comédia. O quê! Já abandonada?


Quando acabaria então o bravo John de fazer bocados incompletos de obras-primas?… – Ega
queixou-se do país, da sua indiferença pela arte. Que espírito original não esmoreceria, vendo
em torno de si esta espessa massa de burgueses, amodorrada 1 e crassa 2, desdenhando a
5 inteligência, incapaz de se interessar por uma ideia nobre, por uma frase bem feita?
– Não vale a pena, Sr. Afonso da Maia. Neste país, no meio desta prodigiosa imbecilidade
nacional, o homem de senso e de gosto deve limitar-se a plantar com cuidado os seus
legumes. Olhe o Herculano…
– Pois então – acudiu o velho – planta os teus legumes. É um serviço à alimentação pública.
10 Mas tu nem isso fazes!
Carlos, muito sério, apoiava o Ega.
– A única coisa a fazer em Portugal – dizia ele – é plantar legumes, enquanto não há uma
revolução que faça subir à superfície alguns dos elementos originais, fortes, vivos, que isto
ainda encerre lá no fundo. E se se vir então que não encerra nada, demitamo-nos logo
volunta-
15 riamente da nossa posição de país para que não temos elementos, passemos a ser uma fértil e
estúpida província espanhola, e plantemos mais legumes!
O velho escutava com melancolia estas palavras do neto, em que sentia como uma
decomposição da vontade, e que lhe pareciam ser apenas a glorificação da sua inércia. Termi-
nou por dizer:
20 – Pois então façam vocês essa revolução. Mas pelo amor de Deus, façam alguma coisa!
– O Carlos já não faz pouco – exclamou Ega, rindo. – Passeia a sua pessoa, a sua toilette
e o seu faetonte3, e por esse facto educa o gosto!

QUEIRÓS, Eça de, 2016. Os Maias. Porto: Porto Editora (pp. 396-397)

1. amodorrada: adormecida; 2. crassa: grosseira, 3. faetonte: pequena carruagem descoberta.

5 Descreve os comportamentos de Ega e de Carlos que justificam as exortações de Afonso,


nas linhas 9-10 e 20, tendo em conta as falas das personagens e o discurso do narrador.

Considera os textos A, B e C.

6 Explica de que modo o tema explorado nas estâncias de Os Lusíadas é represen-


tado nos excertos das narrativas de Alexandre Herculano e Eça de Queirós.
Soluções

Educação Literária

Educação Literária, p. 28 5. Afonso exorta Ega e Carlos à ação, incita-os a


1. (B) fazerem «alguma coisa» (l. 20) e a tomarem uma ini-
ciativa prática que ponha termo à «decomposição da
2. Depois de exemplificar os líderes capazes de con- vontade» (l. 18) dos dois jovens e à sua falta de ativi-
ciliar a destreza nas armas com o cultivo das letras, o dade, uma vez que não se dedicavam afincada e de-
poeta conclui, na estância 97, que apenas os capi- cididamente a qualquer projeto. Ega mantinha por
tães portugueses, ao contrário dos romanos, gregos concluir as obras literárias que planeava, justifi- cando-
ou bárbaros, se não mostram cultos e que a razão se com o país, a sua «indiferença pela arte» (l. 3) e a
para tal facto se encontra no desprezo que votam a «prodigiosa imbecilidade nacional» (ll. 6-7). Carlos
«verso e rima». Por esse motivo, não estimam a arte limitava-se, segundo Ega, a passear «a sua pessoa, a
e, como «quem não sabe arte, não na estima», não sua toilette e o seu faetonte» (ll. 21-22), resignando-se
há quem valorize através da poesia as figuras ou os a aceitar a falta de proatividade por- tuguesa e
feitos dignos de louvor. entregando-se, na perspetiva de Afonso, à
3. O poeta manifesta a sua «vergonha» e tristeza por «glorificação da sua inércia» (l. 18).
ser obrigado a reconhecer que, «não por falta de na- 6. O tema do desprezo e da indiferença dos português-
tura» (est. 98, v. 1), mas por desconhecimento e de- ses pela arte e pelas letras, merecedor da reflexão do
sinteresse pela arte, os capitães portugueses se poeta nas estâncias de Os Lusíadas, é focado igual-
afastam do perfil clássico do herói letrado, mos- mente nos textos B e C. No excerto de A Abóbada, a
trando-se ainda «ásperos», «austeros» (est. 98, v. 6) partir da visão de um estrangeiro, que destaca a in-
e indiferentes a esse desprezo pelas artes. sensibilidade artística dos lusitanos, a sua falta de
4. As palavras do narrador salientam o interesse me- criatividade e a necessidade de inspiração nas obras e
ramente mundano de Mestre Ouguet por nos autores de outros países. No excerto de Os
Portugal, país que, conforme revela na sua fala, Maias, a partir das críticas de Ega e de Carlos dirigi-
das à falta de «inteligência» (l. 5) do público e à «pro-
desconsidera em termos de capital humano e
digiosa imbecilidade nacional» (ll. 6-7), capazes de
artístico e cujas manifestações culturais menospreza.
fazer esmorecer quaisquer iniciativas artísticas.
Através da re- ferência ao «louvor» que dirige à
nação lusitana, o narrador coloca em evidência o
carácter dissimu- lado do arquiteto, que critica e
desvaloriza o país que lhe garante o sustento.

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