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º ano)

Ficha 8 – Os Maias, de Eça de Queirós (11.º ano)

Nome: Turma: N.º: Data:

Avaliação: Professor:

Lê o texto e responde aos itens. Se necessário, consulta as notas.

Carlos esperava, comovido. Sabia que aqueles lábios amados iam fazer revelações pungentes1 para o seu
coração – e amargas para o seu orgulho. Mas a confidência da sua vida completava a posse da sua pessoa:
quando a conhecesse toda no seu passado, senti-la-ia mais sua inteiramente. E, no fundo, tinha uma
curiosidade insaciável dessas coisas que o deviam pungir e que o deviam humilhar.
5 – Sim, conta... Depois esquecemos tudo e para sempre. Mas agora dize, conta... Onde nasceste tu, por fim?
Nascera em Viena: mas pouco se recordava dos tempos de criança, quase nada sabia do papá, a não ser
a sua grande nobreza e a sua grande beleza. Tivera uma irmãzinha que morrera de dois anos e que se chamava
Heloísa. A mamã, mais tarde, quando ela era já rapariga, não tolerava que lhe perguntassem pelo passado; e
dizia sempre que remexer a memória das coisas antigas prejudicava tanto como sacudir uma garrafa de vinho
10 velho... De Viena apenas recordava confusamente largos passeios de árvores, militares vestidos de branco, e
uma casa espelhada e dourada onde se dançava: às vezes durante tempos ela ficava lá só com o avô, um
velhinho triste e tímido, metido pelos cantos, que lhe contava histórias de navios. Depois tinham ido a Inglaterra:
mas lembrava-se somente de ter atravessado um grande rumor de ruas, num dia de chuva, embrulhada em
peles, sobre os joelhos de um escudeiro. As suas primeiras memórias mais nítidas datavam de Paris; a mamã,
15 já viúva, andava de luto pelo avô; e ela tinha uma aia italiana que a levava todas as manhãs, com um arco e
com uma pela2, brincar aos Campos Elíseos. […]
A casa da mamã, no Parque Monceaux, era na realidade uma casa de jogo – mas recoberta de um luxo
sério e fino. […]
Mudaram então para um terceiro andar da Chaussée-d’Antin. Aí começou a aparecer uma gente
20 desconhecida e suspeita. […] Por vezes, entre esta malta, vinha algum gentleman – que não tirava o paletó3,
como num café-concerto. Um desses foi um irlandês, muito moço, Mac Gren... […]
A mamã chamava a Mac Gren o “bebé”. Era com efeito uma criança estouvada e feliz. Namorara-se dela
logo com o ardor, a efusão4, o ímpeto de um irlandês; e prometeu-lhe fazê-la sua esposa apenas se
emancipasse – porque Mac Gren, menor ainda, vivia sobretudo das liberalidades de uma avó excêntrica e rica
25 que o adorava, e que habitava a Provença numa vasta quinta onde tinha feras em jaulas... E, no entanto,
induzia-a sem cessar a fugir com ele, desesperado de a ver entre aqueles valacos5 que cheiravam a genebra6.
O seu desejo era levá--la para Fontainebleau, para um cottage com trepadeiras de que falava sempre, e esperar
aí tranquilamente a maioridade, que lhe traria duas mil libras de renda. Decerto, era uma situação falsa: mas
preferível a permanecer naquele meio, depravado e brutal, onde ela a cada instante corava... […]
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30 – Aí estão as cartas de Mac Gren, nesse cofre... Tenho-as guardado sempre para me justificar a mim
mesma, se me é possível... Pede-me em todas que vá para Fontainebleau; chama-me sua esposa; jura que,
apenas juntos, iremos ajoelhar-nos diante da avó, obter a sua indulgência7... Mil promessas! E era sincero...
Que queres que te diga? A mamã, uma manhã, partiu com uma súcia8 para Baden9. Fiquei em Paris só, num
hotel... Tinha um palpite, um terror que Trevernnes aparecia... E eu só! Estava tão transtornada que pensei em
35 comprar um revólver... Mas quem veio foi Mac Gren.
E partira com ele, sem precipitação, como sua esposa, levando todas as suas malas.
Eça de Queirós, Os Maias, Porto, Porto Editora, 2022, pp. 522-526 (texto com supressões)
Notas
1 pungentes – dolorosas, comoventes. 6 genebra – licor feito de aguardente e bagas de zimbro.
2 pela – bola. 7 indulgência – perdão.
3 paletó – casaco. 8 súcia – conjunto de pessoas mal afamadas, bando.

4 efusão – alegria, manifestações de afeto. 9 Baden – cidade na Alemanha.

5 valacos – relativos à região da Valáquia, na Roménia.


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1. Relaciona o valor expressivo dos adjetivos “pungentes” (linha 1) e “amargas” (linha 2) com as revelações feitas
por Maria Eduarda.

2. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.

No terceiro parágrafo do excerto, são evidentes várias marcas da linguagem e do estilo de Eça de Queirós.
Uma delas é o uso expressivo do diminutivo, como acontece em “irmãzinha” (linha 7) e “velhinho” (linha 12),
a) . Já a comparação das linhas 9 e 10 transmite a ideia de que b) .

No parágrafo seguinte, a expressão “recoberta” (linha 17) é um exemplo do uso expressivo do c) .

a) b) c)

1. destacando a ideia de fragilidade, no 1. o passado pode fazer mal, como 1. adjetivo


primeiro caso, e usado com ironia, no faz mal beber “vinho velho” 2. verbo
segundo caso 2. o passado deve manter-se sem 3. advérbio
2. usado com ironia, no primeiro caso, e “remexer”, para evitar sofrimentos
sublinhando a fragilidade, no segundo no presente
caso 3. beber vinho pressupõe regras,
3. veiculando a ideia de fragilidade, nos como mexer em “coisas antigas”
dois casos

3. Explica o efeito do uso do discurso indireto livre nas linhas 22 a 29.

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11.º ano

Ficha 8 – Os Maias, de Eça de Queirós


1. Carlos sabia que as revelações de Maria Eduarda seriam “pungentes”, ou seja, dolorosas, e, ao mesmo tempo, comoventes, uma
vez que adivinhava que o passado da sua amada tinha sido difícil e que, portanto, sentiria compaixão. Por sua vez, também pressentia
que as palavras dela seriam “amargas”, pois ouvi-la falar da sua relação com outro homem feria o seu orgulho.

2. a) 3.; b) 2.; c) 1.

3. Nas linhas 22 a 29, ao misturar as palavras da personagem, Maria Eduarda, com as suas, o narrador confere ao relato a impressão
de que falam em uníssono, o que faz com que o discurso se torne mais dinâmico, quebrando as regras rígidas do discurso direto e do
discurso indireto e aproximando o discurso literário dos processos próprios da coloquialidade.

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