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AMARAL Textos de Capricornio 1
AMARAL Textos de Capricornio 1
TEXTOS DO
TRÓPICO DE
CAPRICÓRNIO
Artigos e ensaios (1980-2005)
Vol. 1
Modernismo, arte moderna
e o compromisso com o lugar
editoraH34
EDITORA 34
Editora 34 Ltda.
Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
São Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3816-6777 www.editora34.com.br
Assistência editorial:
Glória Kok
Pesquisa:
Regina Teixeira de Barros
Assistência de pesquisa e digitação dos textos:
Valéria Piccoli, Renata Basile da Silva, Ana Maria Mirio
Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica:
Bracher & Malta Produção Gráfica
Revisão:
Nair Kayo, Fabrício Corsaletti, Camila Boldrini
Ia Edição - 2006
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tem, como ponto de partida, o Trópico de Capricórnio, conforme assinalam
sempre as placas nas principais vias que cortam o perímetro de São Paulo:
“Aqui passa o Trópico de Capricórnio”.
Dentro de cada volume, os textos foram reunidos por ordem de reali
zação, trazendo a data de sua primeira redação entre parênteses, logo abaixo
do título, o que permite ao leitor acompanhar o desenvolvimento de nossos
interesses ao longo dos anos.
As únicas exceções a esse critério encontram-se precisamente neste vo
lume 1, em que as duas primeiras partes — “A geração modernista” e “Ten
dências da arte moderna” — seguem o encadeamento cronológico dos as
suntos, de modo a apresentar uma abordagem panorâmica que, espero, pos
sa ter alguma utilidade aos leitores.
Já a terceira parte — “O compromisso com o lugar” — surge como
conseqüência das seções anteriores na medida em que foi somente a partir do
modernismo que a realidade brasileira, nossas peculiaridades e nosso meio
artístico, tornaram-se mais visíveis, bem como as encruzilhadas entre arte e
política que marcam, ainda hoje, as circunstâncias de afirmação do artista
brasileiro contemporâneo.
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Parte 1
A geração modernista
1.
Antecedentes: a luz de Almeida Júnior
[1990]
1 Mário de Andrade, “As artes plásticas no Brasil”, Revista da Academia Paulista de Letras,
ano VII, n° 26, São Paulo, 1944, apudWíarcos Marcondes (org), Almeida Júnior: vida e obra, São
Paulo, Art Editora, 1979.
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A (j LKAÇAU MUDbRNIb I A
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A GER A Ç Ã O M O D E R N IS T A
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6 Quem sabe essa realidade luminosa do interior paulista significasse para ele o mesmo que
para Renoir a descoberta da luz em Argel: “Na Argélia, descobri o branco”. Na África do Norte,
“Tudo é branco: os albornozes, as paredes, os minaretes, a estrada. E, por cima, o verde das laran
jeiras, o cinza das figueiras”. Jean Renoir, Pierre Auguste Renoir, meu pai, São Paulo, Paz e Terra,
1988, p. 224.
7 Não são convencionais os retratos de Joana Liberal da Cunha, do General Couto de Ma
galhães, do dr. José Pinto do Carmo Cintra, assim como o retrato, quase um instantâneo, de Ana
Gertrudes de Campos Toledo.
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A G ERA Ç A O M O D E R N IS T A
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8 Essas obras ocorrem quase à mesma época de interiores rurais já citados, como Saudades e
Cozinha caipira, além dos exteriores rurais como Caipira picando fumo, Apertando o lombilho,
Amolação interrompida, Nhá Chica, Cabeça de caipira, Recado difícil, entre outras.
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rior; foi colaborador em periódicos como a revista Educação (1902), São Paulo (1905), tendo tam
bém publicado Osjesuítas no Brasil (1917). Ver Antonio Barreto do Amaral, Dicionário de histó
ria de São Paulo, Coleção Paulística, vol. XIX, São Paulo, Governo do Estado, 1980.
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A GERA Ç Ã O M O D E R N IS T A
atrai nosso olhar, que fascinado pela luz, segue da esquerda para a direita, do
mais luminoso ao mais sombrio e, aí se detendo, a buscar detalhes que defi
nem o ambiente mais moderno da época, enfatizado pela tapeçaria que pende
da poltrona ao solo, recanto acolhedor para o cão fiel acomodado a seu lado.
O equipamento doméstico é também denunciador de comportamento
urbano. Note-se o apreço pela vegetação disposta em vaso ou dentro de cache-
pô, além de palmáceas e begônias, estas sobre o piano-armário ao lado de um
busto, aparentemente de Beethoven. A partitura aberta sobre o teclado pa
rece indicar um exercício apenas interrompido, ao lado de um contrabaixo,
assinalando, igualmente, a educação musical da família. A fotografia, inven
ção de não mais de cinco décadas, se faz amplamente representar na tela,
como indicadora do apreço pelo passado familiar, seja nas fotos emoldura
das em formato cabinet size,11 em estante de canto atrás do sofá estofado ao
fundo da sala, como através do álbum de fotografias folheado pelo menino,
que é centro da composição, ainda em pirâmide, e subdividida em três gru
pos de esquema triangular (o grupo sobre o tapete, o grupo ao fundo, a fi
gura do engenheiro). Além do tapete que aquece o ambiente, elemento que
distingue marcantemente este espaço urbano das casas de fazenda de piso
lavado, assim como a caixa de costura, o chocalho e a boneca, entretenimen
tos e lazer abandonados na contraluz, em primeiro plano; além da sobrieda
de urbana do vestuário dos retratados, chama-nos a atenção neste interior,
que representa uma nova mentalidade, a presença de três telas a óleo nas
paredes escuras, sendo uma delas uma paisagem. A quarta peça de arte acres
centada pelo pintor à parede é um medalhão de figura em perfil, que acre
ditamos já ter visto retratado em outro quadro anterior de Almeida Júnior,
Ateliê em Paris (1880).
Essa observação aparentemente sem importância nos lembra o próprio
procedimento acadêmico de Almeida Júnior, que reproduz, em muitas de
suas obras, as imagens criadas por ele. É o caso de Caipira picando fumo
(1893), Apertando o lombilho, o foco em close de Nhá Chica (1895), Paisa
gem do rio das Pedras (1899), de bela luminosidade, e que é absolutamente o
11 Formato padrão de aproximadamente 16,4 x 10,7 cm ou 19,8 x 13,4 cm, que surge no
início da década de 1880.
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A N T E C E D E N T E S : A LU Z D E A LM EID A JÚ N IO R
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2.
Oswald de Andrade e as artes plásticas
no movimento modernista dos anos 20
[1990]
1 Oswald de Andrade, Revista de Antropofagia, pp. 3 e 7, São Paulo, maio de 1928. Arqui
vo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
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O SW A LD D E A N D R A D E E AS A R T E S PLÁ STICAS
2 Oswald de Andrade, “Por uma pintura nacional”, O Pirralho, São Paulo, 2/1/1915.
3 Mário da Silva Brito, História do modernismo brasileiro — I. Antecedentes da Semana de
Arte Moderna, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964, p. 61. O artigo de Oswald de Andra
de se intitulou “A exposição de Anita Malfatti” e foi publicado no Jornal do Comércio, São Pau
lo, 11/1/1918.
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A G ER A Ç Ã O M O D E R N IS T A
^ Ver em Mário da Silva Brito, op. cit., os contatos de Oswald de Andrade com Brecheret e
Anita Malfatti amplamente detalhados.
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voluçao Russa, seguida da Revolução Italiana, não nos fizesse sentir uma
quebra dos velhos padrões de viver e de criar. Acentuava-se o frisson nou-
veau trazido por Baudelaire e esse algo nuevo que se procurava desde o prin
cípio do século nos engatinhamentos arquitetônicos do art nouveau. Minha
geração saiu à procura do que se ia fazer para comemorar o primeiro cen
tenário de nossa independência”.^ Daí os monumentos que se preparavam
para a comemoração assinalarem (como aliás Mário de Andrade também re
gistrou com amargura à época) o “mais torpe decadentismo europeu”, se
gundo as palavras de Oswald de Andrade. Daí, para ele, a importância da
descoberta de Brecheret, que trabalha no Palácio das Indústrias, e o entu
siasmo desses jovens pelo escultor como autor do Monumento às bandeiras
(1936/1953).6
Porém, enquanto o intelectual e autor de Os condenados (1922) encon
tra-se muito atento às inovações carregadas no impulso da Semana de 22,
fascina-se, nesse mesmo ano, pela personalidade suave da pintora Tarsila do
Amaral, recém-chegada de Paris. Com ela regressaria à Europa no ano seguin
te em verdadeira lua-de-mel, tanto do ponto de vista afetivo como intelec
tual. Juntos fariam uma verdadeira “descoberta do Brasil” desde Paris, ele
reescrevendo Memórias sentimentais de João Miramar (1928) — que fariam
o texto definitivo ser um contraste com aquele publicado em capítulos no
Brasil — e Tarsila pintando A negra (1923) e Caipirinha (1923).
O fim de 1923, já em contato com Cendrars e, através dele, com artis
tas, literatos e músicos — os pintores Fernand Léger, Albert Gleizes, os es
critores Jules Supervielle, Jean Cocteau, Valéry Larbaud, entre outros — , co
roa um ano de crescimento artístico no sentido de verdadeira absorção da
“modernidade” por parte tanto de Oswald como de Tarsila. Ele já distante
quilômetros de seus poemas franceses publicados antes de 1920, e ela igual
mente longe de suas pinturas iniciadas após o treinamento, em 1920, na
Académie Julien, de Paris.
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A GER A Ç Ã O M O D E R N IS T A
7 Aracy A. Amaral, Tarsila: sua obra e seu tempo, São Paulo, Perspectiva, 1975, pp. 94-5.
Nova edição, São Paulo, Editora 34/Edusp, 2003.
8 Idem, ibidem. Carta de 15/11/1923, p. 369.
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5 Oswald de Andrade, Ponta de lança, 3a ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972,
p. 5.
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13 Oswald de Andrade, “Aspectos da pintura através de Marco Zero", in Ponta de lança, op.
cit., p. 108.
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3.
Oswald de Andrade: um homem vivo
[1990]
1 Oliverio Girondo, Carta a Oswald de Andrade, anos 40, s.d. Arquivo Oswald de Andra
de, Centro de Documentação, Unicamp — Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas.
2 Carta à família de Oswald de Andrade, por ocasião de seu falecimento, autor desconhe
cido (assinatura ilegível), datada do Rio de Janeiro, 25/10/1954. Arquivo Oswald de Andrade,
Centro de Documentação, Unicamp — Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas.
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Semana, mas, impulsivamente, solta uma piada que o afastará para sempre
de seu convívio. E companheiro de Mário de Andrade e destila-lhe maldade
a ponto de, às custas dos risos de alguns poucos, nunca mais ter de volta o
amigo, apesar das duas tentativas feitas alguns anos depois. Admira e é ami
go de Blaise Cendrars, mas também dele se distancia quando se desentende
com Paulo Prado.
Mudou de idéias como ninguém. Se, em toda a sua juventude, fora ex
tremamente religioso — cumprindo promessas, Laus Deo no final dos livros,
preocupado em ir a Roma com Tarsila do Amaral para obter a benção do
Papa antes de se unirem perante a sociedade civil — , afasta-se prontamente
do catolicismo exagerado, após sua súbita mudança política. Faz a campanha
de Júlio Prestes como candidato ao governo e em 1930 já começa a ter incli
nações pela esquerda.
Alguém me disse em depoimento — se não me falha a memória foi Ru
bens Borba de Moraes — que Oswald era capaz, pelo prazer do brilho de um
momento, de trocar um amigo por uma gravata vistosa. Daí a dificuldade de
encarar sua personalidade, ou conseguir, nos anos 60, que contemporâneos
seus ainda vivos nos dessem depoimentos sobre detalhes de sua trajetória; es
cusavam-se polidamente, esquivando-se do assunto. No entanto, Oswald de
Andrade, este católico ferrenho de todos conhecido, homem da situação, que
pedia a Tarsila do Amaral que despertasse em Mário de Andrade a inveja
contando-lhe de suas gravatas Sulka, abruptamente, apresentava-se em come-
ços dos anos 30, conforme nos declarou Vicente Rao, barbudo e declaran-
do-se anarquista.. Como? O homem que se casou tantas vezes e que visitava
Tarsila a cada nova união para fazer-lhe a comunicação pertinente, em par
ticipação cortês, segundo nos narrou a pintora.
Em sua personalidade está implícita também a audácia em mudar dia
metralmente, o que enchia de perplexidade os seus próximos, a ponto de re
conhecer, quando já socialista, o mérito de Monteiro Lobato nos anos 40.
Decidiu, então, lhe escrever uma carta aberta e respeitosa, de revisão do Mo
dernismo (como Mário de Andrade já o fizera em 1942, na conferência “O
movimento modernista”), sob o impacto de uma nova posição: o drama da
guerra e a necessidade de formação.
Dizia corajosamente o que pensava de qualquer artista. Sobre Clóvis
Graciano deixou registrada, sem meias palavras, a sua intuição: “Sempre achei
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O SW A LD D E A N D R A D E: UM H O M E M V IV O
3 Oswald ide Andrade, “Arte moderna e arte soviética”, s.d., São Paulo, Arquivo do Institu
to de Estudos Brasileiros da USP.
^ Texto de 15 de dezembro de 1950, São Paulo, Arquivo do Instituto de Estudos Brasilei
ros da USP.
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4.
Como era Mário de Andrade?
[2004]
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C O M O ERA M Á R IO D E A N DRA DE?
O café e ofumo
Mário se refere a seus hábitos cotidianos: “Quando escrevo fumo cons
tantemente os fumos fortes do meu país. Odeio os fumos preparados euro
peus. E bebo muito café, bem forte, à maneira paulista”. E não se acanha em
confessar, em tempos em que não existiam campanhas contra o fumo: “Adoro
o café e o fumo”.
Fisicamente, quais seus tiques ao trabalhar? “Não tenho nenhum cacoete
nem característica quando escrevo, a não ser encostar de vez em quando a
testa no metal da máquina de escrever e sentir-lhe o friozinho. Também, às
vezes, quando o escrito sai com lentidão, acaricio a máquina com a mão di
reita, como quem passa a mão num cavalo para amansá-lo. Tenho procura
do me consertar desse animismo exagerado, mas não consigo”.
Outro dado de seus hábitos de trabalho: “Detesto jogar cinza no chão,
tenho perto de 30 cinzeiros em meu estúdio e as próprias poltronas dele, de
senhadas por mim, cada uma tem um cinzeiro encrustado nela. Jogo, porém,
cinza de cigarro nas peles de onça que trouxe das minhas viagens, porque isso
lhes faz bem”.
As caminhadas solitárias e a inspiração
“Quando estou cansado de escrever, dou longos passeios a pé e sozinho.
Detesto a companhia dos amigos para esses momentos, principalmente à noi
te. Prefiro a solidão, ou sentar-me num banco de algum jardim e puxar con
versa com desconhecidos, chômeurs, operários, vagabundos. Tenho colhido
de alguns muitas das minhas idéias e fatos. Aliás não tenho nenhum perso
nagem nos meus livros que seja inventado por mim. Todos eles existem ou
existiram. E muitas vezes aproximo personagens que nunca se conheceram e
faço vivê-los juntos. Por causa de Fraülein sou boicotado pelo Deutsche Zei-
tung, jornal alemão de São Paulo. Muito provavelmente alguns dos persona
gens alemães se reconheceram no livro...”
Autores preferidos
“Não tenho escritores preferidos. Rarissimamente volto a ler um livro
de ficção. Em todo caso, poderia citar Molière, Cervantes e Dickens, entre
os meus escritores mais queridos. Em todo caso devo confessar que não
conheço a obra completa de Dickens. Conheço bastante os escritores mo
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C O M O ERA M Á R IO D E AN DRA DE?
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3 Maria Rosa Oliver, idem, ibidem, p. 267. A autora acrescenta ainda que foi no mesmo Rio
de Janeiro que lhe deram a publicação da conferência que Mário de Andrade pronunciou em 1942
no Rio, em comemoração aos 20 anos da Semana. Referimo-nos a “O movimento modernista”.
Nessa conferência, lembra Oliver, Mário refaz o processo de sua geração, recriminando os que
pensam na arte pela arte e se encerram em torres de marfim. Prossegue: “Mário de Andrade não
foi encarcerado pelo que disse, mas se lhe fecharam os periódicos e as tribunas onde poderia se
guir dizendo-o”.
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5.
Blaise Cendrars e os modernistas
[1987]
1 Aracy A. Amaral, Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas, São Paulo, Livraria Martins
Editora, 1970. Nova edição revista e ampliada, São Paulo, Editora 34, 1997.
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BLA ISE C EN D R A R S E O S M O D E R N IST A S
tas aos quais dedica os poemas. Formas quebradas, curtas, remontadas, nu
ma construção nova, válida em si por sua expressão visual, por seu ritmo e
força sonora, que sem nenhuma dúvida causariam impacto em Oswald de
Andrade.
Enquanto Tarsila, a partir de 1923, assume com segurança sua atua
lização formal, o mesmo acontece com Oswald, que moderniza, visceralmen
te, seu Memórias sentimentais de João Miramar (1924). N a raiz dessa alteração
de linguagem de ambos artistas, nesse crucial segundo semestre de 1923, a
pintora e o escritor e poeta, promovem, sem dúvida, a abertura de um mundo
de contatos, debates, intercâmbio com a vanguarda francesa. Para que essa
vinculação pudesse ocorrer, a cada passo do casal paulista aparecia sempre a
guiá-lo a main amie de Cendrars, para apresentá-lo, para fazer um contato
com o crítico de arte Maximilien Gauthier, autor dz L ’Intransigeant (1926),
um encontro com Sonia Delaunay, apresentar Ambroise Vollard, convidar
Cocteau em casa de Tarsila ou para trazer Eric Satie a um jantar brasileiro.
Acreditamos, assim, em sua influência sobre Oswald de Andrade, seja
por respeito à personalidade de Cendrars e à sua obra poética realizada até
1920 (uma vez que depois disso ele se expressaria esporadicamente por poe
mas), seja pela afinidade de temperamento de ambos. Afinal, Oswald an-
tropofágico se nutriria à exaustão, com toda a sua verve irreverentemente
deliciosa, do convívio de Cendrars. Foi a editora de Cendrars, Au Sans Pareil,
que publicou Pau-brasil, de Oswald de Andrade. Além do mais, foi por su
gestão sua que Paulo Prado convidaria o poeta francês para vir a São Paulo,
em 1924, onde a ligação entre Paulo Prado e Cendrars duraria até o faleci
mento do autor de Retrato do Brasil (1928), em 1943. Quando Oswald de
Andrade rompe com Paulo Prado, Cendrars, por fidelidade ao amigo, se afas
ta do modernista daí em diante.
Por volta de 1920, Blaise Cendrars deixara, praticamente, de fazer poe
mas. Mas é muito interessante o fato de o Brasil tê-lo inspirado novamente
à poesia, como é o caso de Feuilles de route, ilustrado por Tarsila, que regis
tra sua viagem do Havre a Santos em 1924, e, dois anos mais tarde, escreve
ria o longo poema “São-Paulo” como introdução ao catálogo da artista pau
lista em sua primeira individual em Paris, na Galerie Percier.
Cendrars se expressava, nos anos 20, por meio de uma prosa luxuriante
em suas narrativas alucinadas sobre pessoas, coisas e ambientes do Brasil, país
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II v ji - i \n v ^ nu M O D E R N IS T A
que lhe ficaria, por longos anos, como um tema apaixonante, depois de sua
visita entre nós. Para Cendrars, a magia é inerente ao clima brasileiro, a ve
getação tropical embriaga seus olhos europeus e os fatos que descobre ou per
cebe no Brasil — o maníaco sexual Febrônio índio do Brasil: o prisioneiro
que devorava corações para absorver a força vital de seu possuidor, como o
faziam chefes tribais africanos; a Revolução de 1924 de Isidoro Dias Lopes e
o bombardeio de São Paulo na ocasião — , tudo foi motivo para uma devo
lução em forma de prosa encantada.
Como é o Brasil e os brasileiros a partir da ótica de um europeu? É uma
curiosidade permanente que temos, cheia de inquietação. O dado importante
na vinda de Cendrars ao Brasil é o elo que se estabelece entre ele e o nosso
país em sua obra a partir de 1924. Assim, o Brasil comparece desde Feuilles
de route, mas também em Aujourd’h ui (1931), Histoires vraies (1937), Bour-
linguer (1948), Utopialand, Le pays qui nest àpersonne (1952), Trop c’esttrop
(1957), Du monde entier au coeur du monde (1957), Etc... Etc (unfilm 100%
brésilien) (1976).
João Alves das Neves, neste nosso país de débil memória, foi o primei
ro — além de Sérgio Milliet, da geração do poeta — a registrar em vários ar
tigos a presença da temática brasileira na obra cendrariana (em textos de 1959
a 1964).
Não descartamos também, considerando nossa conhecida necessidade
de afirmação, que a “descoberta do Brasil” pelos modernistas que com ele ti
veram contato pode ser parcialmente creditada ao seu entusiasmo. E claro que
já estava implícito entre os modernistas, no ambiente nacionalista das co
memorações do Centenário da Independência em 1922, aquilo que Mário
de Andrade já descreveria em 1923 a Tarsila como “matavirgismo”, rogan
do-lhe para que voltasse ao Brasil e se preocupasse menos com as novidades
francesas.
Mas, a essa altura, Tarsila já produzira, em Paris, A negra (1923), a partir
da qual tem início a sua postura de revolução formal, marcada, simultanea
mente, pela força telúrica e pelo desejo de modernidade radical, o que seria
impossível sem o “serviço militar do Cubismo”, feito através dos estágios nos
ateliês de André Lhote e Gleizes, além de ter freqüentado também o estúdio
de Léger. Esses dois últimos artistas, dos quais se torna não apenas admira-
dora mas também amiga, foram-lhe apresentados por Blaise Cendrars.
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BLA ISE C EN D R A R S E O S M O D E R N IS T A S
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v vjc.iw\ vt.a u m o d e r n is t a
2 “Tarsila, pequeno pássaro do Belo Pau-Brasil/ Desculpe-me/ Não pude vir esta noite/ Mas
lhe ofereço minha cabeça e Modigliani”. [N. da E.]
3 Entre eles uma tela de Léger e uma das famosas Torre Eiffel de Robert Delaunay, que atual
mente pertence ao Art Institute de Chicago, além da sintética escultura Nouveau Né, de Constantin
Brancusi, do Museu Hirshhorn de Washington.
4 Blaise Cendrars, Trop c‘esttrop, Paris, Denoel, 1957, p. 156. Tradução da Autora.
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BLA ISE C EN D R A R S E O S M O D E R N IST A S
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6 .
1 Pedro Alexandrino (1864-1942), seu primeiro professor de desenho, já lhe dissera que “um
artista não tem idade”.
2 M. de A., “França — Feuilles de route, Blaise Cendrars”, A Revista, Seção “Os livros e as
idéias”, ano 1, n° 1, Belo Horizonte, 1925, p. 54.
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BLA ISE C EN D R A R S E TA R SILA
3 “Eu certifico que este exemplar í o primeiro a sair da gráfica.” [N. da E.]
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/v Vjü KAÇAO m o d e r n is t a
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BLA ISE C EN D R A R S E TA RSILA
que o Brasil certamente será moda em Paris, posto que já se “fala da nossa
terra como há quinze anos se falava da Rússia”.5
Da sugestão de um convite de Paulo Prado para que Cendrars viesse ao
Brasil à chegada do poeta ao país tropical não se passou muito tempo. A vi
sita encantaria este viajante em plena disponibilidade, em termos de senti
dos e tempo, e que empreende, em sua qualidade de globe trotter, na compa
nhia de seus novos amigos, um processo de intimidade com a terra nova em
que pisa, sua história, seu fabulário. O Brasil passa a se tornar um tema cons
tante, sua segunda pátria espiritual, como ele mesmo diz, na poética emotiva
de Cendrars.
Entusiasma-se ao ver os primeiros quadros pintados de Tarsila no Bra
sil, após as viagens ao Rio de Janeiro — para apreciar o Carnaval carioca —
e a Minas Gerais — para assistir à Semana Santa nas cidades históricas do
ciclo do ouro. A partir daí, Cendrars passa a encorajar Tarsila a realizar mais
telas na linha do Morro da favela (1924). O que significaria essa recomenda
ção? Talvez, em respeito à autoridade intelectual de Cendrars, conhecedor do
meio artístico parisiense, o fato é que Tarsila abandona o tom de “Pau-Bra
sil construtivo” que caracteriza telas como São Paulo, A gare, E.F.C.B., en
tre outras de 1924, e começa a projetar imagens de paisagens nativas, com
elementos rurais, predomínio absoluto da cor e sensualidade de linhas ondu-
lantes em suas composições. Talvez ela tenha levado às últimas conseqüên
cias o estímulo formulado por Cendrars, encantado com a viagem pelo inte
rior de Minas. Assim, a par da vontade manifestada pela artista, antes mes
mo dessa excursão, os diversos elementos dos quadros — pessoas, plantas, ani
mais, casario, vegetação — , desprovidos de sombras, recortados sobre o fun
do, passam a se constituir em obras para sua primeira exposição em Paris.
Tarsila e Oswald de Andrade passaram o Natal e o fim de 1924 com
Raymone e Blaise Cendrars, em Le Tremblay-sur-Mauldre. O poeta aguar
dara com impaciência a chegada de Oswald. O mês de dezembro foi cheio
de interesse, pois Oswald recebeu de Blaise Cendrars o exemplar de Le For-
mose (1924) no dia 13 e, no dia seguinte, Oswald pede Tarsila em casamen
to, formalmente, por carta escrita em casa de Cendrars.
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A U ER A Ç A O M O D E R N IS T A
6 “Eu gostaria de fazer urna edição luxuosa da minha história do General Suter. Será que
Tarsila não gostaria de fazer as ilustrações? Há ali uma bela matéria para ela, uma bem pequena
dificuldade em certos capítulos: o lado NORTE-americano”. E acrescenta: “Mas isso não é grande
coisa. Tarsila conhece a gravura em madeira e se quiser fazê-la, não seria muito cansativo para
ela”. Ver de Aracy A. Amaral, Tarsila: sua obra e seu tempo, São Paulo, Perspectiva, 1975, vol. 1,
p. 158. Nova edição, São Paulo, Editora 34/Edusp, 2003, pp. 178-9.
7 “Senhora Tarsila do Amaral, a única pintora brasileira que não é nem francesa, nem ita
liana, nem outra coisa.” Carta de Tarsila à família, Paris, 4/11/1924.
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Revista de Antropofagia sob o título de “Moquém I — Aperitivo”, assinado pelo pseudônimo “Ta-
mandaré” e, entre outras coisas, diz: “O livro é ruim, não vale um caracol, está cheio de injustiças
e inverdades”, agredindo diretamente o autor por sua crença em Capistrano de Abreu e em cro
nistas, e por aí vai. Ver Diário de S. Paulo, São Paulo, 7/4/1929.
O distanciamento entre Cendrars e Oswald de Andrade também seria total. Durante a con
ferência de Oswald de Andrade, em Belo Horizonte, proferida em 1944, portanto, em plena Se
gunda Guerra Mundial — paralela, como postura e revisão, à conferência “O movimento mo
dernista” de Mário de Andrade, em 1942, e proferidas, sintomaticamente, as duas sob o calor dos
debates sobre a postura da intelectualidade nesse período excepcional — , Oswald de Andrade fa
ria uma referência que sempre nos chocou a propósito de Cendrars. Dizia ele sobre a contribui
ção da Europa em nosso meio cultural: “Se alguma coisa eu trouxe das minhas viagens à Europa
dentre as duas guerras, foi o Brasil mesmo. O primitivismo nativo era o nosso único achado de
22, o que acoroçoava então em nós, Blaise Cendrars esse grande globe trotter suíço já chamado pi
rata do lago Lémano, e que de fato veio se afogar, não numa praia nativa, mas num fundo de gar
rafa da política de Vichy” (“O caminho percorrido”, in Oswald de Andrade, Obras completas/Ponta
de lança, 3a ed., São Paulo, Civilização Brasileira, 1972, p. 96). Pela biografia de Cendrars, entre
tanto, vemos que não é verídica essa declaração de Oswald.
56
7.
A gênese de Operários, de Tarsila
[2004]
57
A G ER A Ç Ã O M O D E R N IS T A
58
r A G Ê N E SE D E OPERÁRIOS, D E TA RSILA
59
vje.k a ^AU m o d e r n is t a
3 Aracy Amaral (org.), Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral, São Pau
lo, Edusp/IEB-USP, 2001, p. 110.
4 V. Kulaguina, “Dia Internacional da Mulher Trabalhadora” (litografia, 107 x 71 cm),
1930, Museu Central Estatal da História Contemporânea da Rússia, na exposição “Gráfica Utó
pica/Arte Gráfica Russa 1904-1942”, São Paulo, CCBB, dez. 2001-fev. 2002.
60
A G Ê N E SE D E OPERÁRIOS, D E TA R SILA
V. Kulaguina, Dia
Internacional da Mulher
Trabalhadora, 1930,
litografia, 107 x 71 cm,
Museu Central Estatal da
História Contemporânea
da Rússia.
61
_ivhjUHKNISTA
^ Nesse mar de rostos em pirâmide, somente alguns, na verdade, segundo Tarsila, corres
pondem a retratos verídicos de seus contemporâneos: de Eneida (Eneida Costa de Morais, 1903-
1971), Osório César, Gregori Warchavchik, do administrador da fazenda de seu pai, de Camar
go Guarnieri e Elsie Houston.
62
8.
Foujita no Brasil:
pesquisa em andamento
[2001]
63
_____ vV , v w m \_ /i_ * n .K iN 1 5 1 A
64
FOUJITA NO BRASIL: PESQUISA EM ANDAMENTO
bre franja de menina ingênua: — de menina ingênua que tivesse cabelos gri
salhos, usasse óculos de tartaruga, pertencesse à raça amarela, e (principalmen
te) que não fosse ingênua...”.4
Esse “gentleman do Oriente”, como o denomina Pedrosa, ao contrário
do que fizeram todos os artistas viajantes do século XIX e XX quando che
garam ao Rio de Janeiro, não começou a desenhar imediatamente “estatelado
no solo, bêbado de emoção”, “o perfil da baía da Guanabara”. Foujita con
fessa a seu interlocutor que o que o comove mesmo “é a natureza humana”.
“Ninguém de boa-fé poderá negar que o ritmo, a linha ondulante de certas
montanhas, perdidas ao longe, não faça vibrar sua sensibilidade de artista,
tanto como o ritmo de um belo corpo, a ele, cuja arte finíssima se explica
quase apenas pela suprema aristocracia das linhas”, afirma o artista.5
Retraçando seu percurso, de estudante da escola de artes no Japão e em
Paris, conta o seu choque diante dos desenhos de Pablo Picasso, ao chegar à
França. Mas, na verdade, Foujita soube não se curvar ante os modismos da
Escola de Paris e chegou a seu estilo peculiar, suave, sensível, talvez um tan
to adocicado para muitos, mas que, como diz Pedrosa, soube encontrar um
lugar único na Arte Moderna: o de ter feito o milagre de “fundir na sua fa
tura a água e o óleo, o Ocidente e o Oriente”.
Na verdade, o próprio articulista menciona que Foujita preferiu fixar
aspectos diferenciados do Rio de Janeiro, como as figuras de meninos negros:
“Certos negrinhos, certos tipos de rua. Ninguém os desenhou, ninguém os
desenhará assim, com aquela visão especial”.6
Mas qual é o meio artístico que Foujita encontra ao chegar ao Rio de
Janeiro em 1931? Qual é o nível do intercâmbio entre este artista “exótico”
e os nativos e como se estabelecem as relações entre este artista e os artistas
brasileiros? Onde Foujita vive e tem seu ateliê no Rio? Os artistas do Rio de
Janeiro já conheciam o Modernismo, pelos artistas dos anos 20, e suas in
65
A GERAÇÃO MODERNISTA
7 Frederico Morais, Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro, 1816-1994, Rio de Ja
neiro, Topbooks, 1995, p. 148.
66
FOUJITA NO BRASIL: PESQUISA EM ANDAMENTO
8 Ver “O japonês de Paris”, Revista Veja, São Paulo, 22/6/1988, a propósito da exposição
“Herança do Japão”, realizada em Brasília.
5 Entrevista de Álvaro Cotrim à Equipe Projeto Portinari, em 1983. Gentileza Arquivo Pro
jeto Portinari.
67
A GERAÇÃO MODERNISTA
10 Entrevista de José Moraes à Equipe Projeto Portinari, em 1983. Gentileza Arquivo Pro
jeto Portinari.
11 Entrevistas de Marisia Portinari e Francisco Mignone à Equipe Projeto Portinari, 1983.
Gentileza Arquivo Projeto Portinari.
68
FOUJITA NO BRASIL: PESQUISA EM ANDAMENTO
12 Romey, “Fin de saison” (Crônica Social), Folha da Manhã, São Paulo, 11/3/1932.
69
A GERAÇÃO MODERNISTA
70
FOUJITA NO BRASIL: PESQUISA EM ANDAMENTO
15 Mário de Andrade, “Fujita”, Diário Nacional, São Paulo, mar. 1932. E termina o artigo
como que intrigado pelo trabalho de Foujita: “É antes como falei, uma arte admirada, pasmada
— conseguindo com a permanência duma estética definida aquele mesmo estágio idílico de ad
miração diante de si mesmo, de suas próprias forças e dos fatos do mundo que a criança tem. A
arte de Fujita está longe de ser infantil pela sua realização técnica, mas é da melhor infantilidade
no seu significado espiritual. Sendo uma arte sem profundeza e fácil a ponto de conseguir a ade
são universal, a obra de Fujita conserva sempre esse lado espiritual admirável que força os mais
raros à condescendência”.
71
/v utKAÇAO MODERNISTA
16 Em Buenos Aires, 60 mil pessoas visitam sua exposição e, em Rosário, 27 mil pessoas, o
que é expressivo do público de artes na Argentina desse tempo. Ver de S. e D. Buisson, op. cit.
Tocado ao ver numa vitrine da rua Florida uma paisagem de Paris feita por ele e vendida a um
marchand parisiense, Foujita se comove até as lágrimas, quando, no dia seguinte, Madeleine lhe
oferece a obra, tendo pago 850 vezes o que ele recebera quando vendera a peça dezoito anos atrás.
Pesquisa generosamente oferecida à Autora por Patricia Maria Artundo, em 20 de junho de 1999.
Há referência à exposição de Foujita em Buenos Aires em La Nación, 3/5/1932. Passam a ser par
te da coleção do Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires seu belíssimo Auto-retrato, doa
do por Kenkichi Yokohama, e Trois chats au poisson, oferecido pela Coletividade Japonesa à Re
pública Argentina, segundo Patricia Artundo, ambas obras referidas no La Nación de 28 de julho
de 1932.
17 No ano seguinte, 1935, fará dois afrescos, sendo um em Osaka e outro o teto para o
grande Café Colombiano, em Ginza, também destruído durante a guerra. Segundo Buisson, um
de seus biógrafos, “O tema do café está na moda; é um dos símbolos da ocidentalização”, op. cit.,
p. 168.
72
FOUJITA NO BRASIL: PESQUISA EM ANDAMENTO
73
A GERAÇÃO MODERNISTA
1 Ralph Camargo, Portinari desenhista, Rio de Janeiro/São Paulo, Museu Nacional de Be
las Artes/Museu de Arte de São Paulo, 1978, p. 130
76
ISMAEL NERY: UMA PERSONALIDADE INTENSA
77
A GERAÇÃO MODERNISTA
2 Antonio Bento, Panorama da pintura moderna brasileira, vol. 1: 1913-1939, Rio de Ja
neiro, Ediarte, 1966.
78
r ISMAEL NERY: UMA PERSONALIDADE INTENSA
ma com uma linguagem própria, peculiar a seu drama, já desvestido das ad
mirações que naturalmente afloram nos períodos anteriores (Picasso, Matisse,
Chagall, De Chirico, de qualquer forma uma seleção rigorosa), graças tanto
à sua informação como à sua habilidade de artista consumado precocemente.
79
A GERAÇÃO MODERNISTA
80
ISMAEL NERY: UMA PERSONALIDADE INTENSA
O ARQUITETO
Passaram-se quatorze anos desde sua morte, em 1934, até a série de ar
tigos publicados por Murilo Mendes em 1948, quase simultaneamente em
jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, nos quais revive a personalidade excep
cional de Ismael Nery, bem como a admiração por seu pensamento, trazendo
dados inéditos a ampliar as possibilidades de leitura de sua obra. Contudo,
essa postura admirada de discípulo não permaneceria imune ao tempo. Se
gundo depoimento de Antonio Bento, na ocasião da exposição de Nery, em
meados dos anos 60, no Rio de Janeiro, Murilo Mendes lhe declararia que já
não ratificaria todas as suas abordagens anteriormente expressas sobre Ismael
81
A GERAÇÃO MODERNISTA
Nery, sobretudo depois de sua vivência em Roma, mas que, no entanto, elas
testemunhavam um dos aspectos da curiosidade da. alma humana.3
Foi, sem dúvida, essa individual realizada na Petite Galerie, em 1966,
que fez com que o público, o mercado, artistas e colecionadores redesco-
brissem, de fato, Ismael Nery. Os marchands mais sensíveis, no caso, Franco
Terranova e Giuseppe Baccaro, foram responsáveis pela grande difusão das
obras de Ismael Nery pelas duas capitais.
Na verdade, tendo Murilo Mendes devolvido a Adalgisa Nery uma gran
de quantidade de originais de Ismael Nery até então sob sua guarda — a ele
se deve, realmente, sua preservação — , a viúva do artista confiou-os a Maria
Lacerda, tendo em vista sua comercialização. Daí porque muitos desenhos e
aquarelas não assinados portam no verso, freqüentemente, suas iniciais (ou
seu nome), à maneira de autenticação. Por volta da mesma época, também
por iniciativa de Maria Lacerda, Nery foi incluído em coletiva na Galeria
Astréia, em São Paulo, ocasião em que se dá uma das primeiras oportunida
des de aquisição de suas obras, por gente de São Paulo.
A grande concentração de trabalhos de Nery em São Paulo — desenhos
e aquarelas — deve-se também ao fato de Baccaro e Benjamin Steiner terem
adquirido, ainda nessa década, um lote de quatrocentos desenhos das mãos
de Maria Lacerda, que, trazido para a capital paulista, teve grande recepti
vidade, onde se concentra atualmente cerca de 90% da produção do artis
ta, espalhada por vários colecionadores particulares, em especial Chaim José
Hamer e Rodolfo Ortenbald Filho.
Algumas entidades públicas também possuem obras de Nery, como o
Museu de Arte Contemporânea (MAC), com um óleo e dez desenhos de
Nery, e o Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB), com dois óleos e
desenhos que pertencem à coleção particular de Mário de Andrade.
Duas grandes exposições de Ismael Nery ocorreram em São Paulo, se
guindo-se àquela do Rio de Janeiro: uma no Museu de Arte Brasileira, da
FAAP, em 1970, e outra, comemorativa dos 40 anos do falecimento do ar
tista no Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1974, com apresentação
de Giuseppe Baccaro, de sabor místico, bem ao clima de Ismael Nery.
82
ISMAEL NERY: UMA PERSONALIDADE INTENSA
83
A GERAÇÃO MODERNISTA
mento do único livro sobre Ismael Nery, de autoria de Antonio Bento. A reu
nião de uma antologia crítica sobre Ismael Nery até 1973, fruto de pesquisa
realizada por Senir Lourenço Fernandes, sob nossa orientação, foi ampliada
e atualizada, aproveitando-se a ocasião para divulgação de excertos da série
de artigos de Murilo Mendes sobre o artista, datada de 1948.
A compreensão e o apoio de todos os colecionadores e patrocinadores,
em particular do Banco Cidade de São Paulo, foram essenciais para a reali
zação desta visão de “Ismael Nery — 50 anos depois”.
84
10.
85
A GERAÇÃO MODERNISTA
86
AS TRÊS DÉCADAS ESSENCIAIS NO DESENHO DE DI CAVALCANTI
como deste romântico Retrato de moça (c. 1921), sua obra mais antiga nesta
coleção. É o tempo a que Mário de Andrade se referiria, chamando-o de “me-
nestrel dos tons velados”, ou a que ele mesmo faria menção como o período
de seus trabalhos “penumbristas”.
Na Semana de 22, Di é todo atividade: de idealizador do evento a par
tir do modelo do Festival de Deauville, na França, a ilustrador das capas do
catálogo e de seu festival de artes plásticas, realizado em linoleogravura, ar-
ticulador dinâmico entre o grupo do Rio e os modernistas de São Paulo. A
obra O beijo, de Di Cavalcanti, de 1921, da coleção do MAC-USP, é bem
representativa de sua mobilidade inquieta, modernidade ainda não bem cap
tada em composição estilizada com sinuosidades românticas, num clima car
navalesco, pleno de langor.
A aquarela começa a surgir com qualidade segura, válida em si, a partir
dos desenhos de 1923, em sua primeira estada em Paris, ou como cromatismo
necessário a desenhos em nanquim, nesta que é, por certo, sua fase máxima,
como de todos os modernistas (Tarsila, Gomide, Brecheret, Rêgo Monteiro)
nos anos 20. Em Di, diferentemente destes citados, embora assinalando a
observação aguda das lições do Cubismo em seu rigor plástico a extirpar-lhe
a “estilização” modernosa anterior, a percepção do Expressionismo alemão,
o “encontro”, por afinidade, com a arte de George Grosz, segundo ele mes
mo nos confessaria pessoalmente, vem revelar a força dramática de sua visão
sarcástica da sociedade, satirista preocupado com os destinos do mundo em
que vive. O universo expressionista, assim, se fixa desse momento em diante
na obra de Di Cavalcanti.
Como para outros modernistas, esta estada de dois anos em Paris é de
finitiva para a arte de Di Cavalcanti. Na capital francesa sua vivência artísti
ca se enriquece com a observação da obra de De Chirico, Picasso, Braque,
Léger, com o conseqüente enxugamento visível em seus desenhos, e o desa
parecimento total da estilização semi-art nouveau que caracterizara muitas de
suas ilustrações dos anos 10 (e que o aproximara, por exemplo, de Beardsley).
De volta ao Brasil, a intensificação de seu trabalho como pintor traria a
criação de telas como Cinco moças de Guaratinguetá (1930), e o surgimento
e fixação da mulher como tema principal de sua obra, enquanto o seu liris
mo mencionado parece, a partir de então, se alternar entre a constância da
presença feminina e a preocupação social.
87
A GERAÇÃO MODERNISTA
Mas este boêmio inveterado, amigo da noite, amigo dos amigos, mu
lherengo, perdulário e generoso quando em seus bons dias, e tenso e irritado
quando o dinheiro lhe faltava, era atropelado por suas necessidades financei
ras e, de certa forma, é possível que o artista sacrificasse a qualidade de sua
pintura em função do rendimento pecuniário que ela poderia lhe render. Para
Di, na verdade, o importante talvez residisse, depois de determinado momen
to, em “poder viver”, intensamente, e, neste aspecto, talvez a arte lhe fosse
um instrumento poderoso e não um fim último.
No entanto, é possível que tenha sido por suas mencionadas maiores
qualidades — perdulário e generoso quando o dinheiro lhe chegava, ou an
gustiado e tenso quando a situação se invertia — , que o vemos (como Bal-
zac, que escrevia à luz de velas varando a noite para pagar os credores que o
assediavam pela manhã) ostentar um elenco tão impressionante de exposições
que se sucedem, mesmo nas décadas de 60 e 70, inencontrável em outros de
seus contemporâneos.
A chamada “brasilidade” de Di Cavalcanti, por outro lado, já constata
da desde inícios dos anos 30 por um Mário de Andrade, e afirmada por tan
tos outros, pode estar também articulada com uma irregularidade qualitati
va de sua produção e não exclusivamente à sua temática (de mulatas, paisa
gens tropicais com pescadores e um clima cálido transparecendo de seu co
lorido intenso). Daí a razão pela qual ainda falta a Di Cavalcanti um estudo
mais aprofundado de sua obra, que pouco atrai os pesquisadores tendo em
vista esse descuido, por parte do próprio artista, na manutenção do nível de
sua pintura em seus últimos anos.
As frases pronunciadas por Di Cavalcanti quando da doação de seus
desenhos ao MAC-USP têm, todavia, muito a ver com sua visão, sua inteli
gência viva, sua consciência diante de sua insegurança, que ele não escondia
aos mais íntimos; no caso, diante do projeto a que se dedicou com sofrimento
para o mural gigantesco do Teatro de Cultura Artística, em São Paulo, oca
sião em que manifestou a Noêmia insatisfação diante de seus próprios resul
tados até a aprovação do projeto, que lhe infundiu novamente estímulo e
autoconfiança.3
88
AS TRÊS DÉCADAS ESSENCIAIS NO DESENHO DE DI CAVALCANTI
4 Declara Di Cavalcanti: “Mudei sim, mas as mudanças representam apenas minha evolu
ção e não incoerência, pois não me afastei um milímetro sequer do sentido estabelecido no início
de minha carreira. [...] Doando esta coleção ao Museu de Arte Moderna, quero expressar minha
gratidão a São Paulo, a que tudo devo. Aqui comecei a carreira de pintor. Aqui vivi a maior parte
destes últimos trinta anos”. Apud Aracy Amaral (org.), op. cit., p. 194.
89
A GERAÇÃO MODERNISTA
90
AS TRÊS DÉCADAS ESSENCIAIS NO DESENHO DE DI CAVALCANTI
a destruiria por completo [...]”.6 Os amigos lhe são sempre muito importan
tes. E nessa mesma carta se refere a Mário Pedrosa como o mais chegado, ou
outros conhecidos (“mas são tão brasileiros, no sentido Revolução de 30 e
Aliança, que fico triste e desisto”), fazendo referência especial a Salles Gomes:
“[...] um estudante Paulo Emílio. Este é inteligente e não quer saber mais do
Pecegueiro [...]”, evidente menção ao Partidão. Sua preocupação naquele en
tão, mais que com os eventos políticos vivenciados no cotidiano, parece es
tar centralizada no seu trabalho: “[...] prefiro sobretudo, aqui, estudar, aper
feiçoar minha arte e minha cultura literária”.7
Necessitado de apoio para seu trabalho na Rádio Paris Mundial, onde
realiza as emissões em língua portuguesa, Di Cavalcanti nessa mesma carta
não hesita em pedir a Newton Freitas que envie cartas em espanhol à emis
sora com elogios ao programa em português a fim de obtenção de melhores
condições de trabalho.
Em correspondência seguinte deixaria entrever, por transcrição de nos
tálgico poema de Léon-Paul Fargue, seu estado de espírito saudoso do Bra
sil. Por outro lado, manda o seguinte recado a Lidia Besouchet, mulher de
Newton Freitas: “meu amigo André Breton deu-me notícias muito interes
santes do lembrado Léon que lá no México com Rivera forma a dupla soli
tária da arte e da inteligência”. Outras notícias lhe chegam de brasileiros de
outros lados. Como de Mário Pedrosa, já nos Estados Unidos, que de Nova
York lhe mandou “uma tarjeta postal contando maravilhas. Notícias do Brasil
só recebo do Astrogildo. Ele sempre o bom amigo cavaqueando pelo correio
com uma paciência enorme”.8
Suas ligações de amizade que se estirariam ao longo dos anos —- e Di
era homem que tinha sua roda de amigos em Buenos Aires, em São Paulo,
no Rio de Janeiro ou em Paris — marcaram sua personalidade. Daí porque,
em 1967, quase trinta anos após essas cartas que antecederam a Segunda
Grande Guerra, em Paris novamente, escreveria ainda — e sempre — a
Newton Freitas — discorrendo exatamente sobre a “amizade”: “Na escola
91
A GERAÇÃO MODERNISTA
92
AS TRÊS DÉCADAS ESSENCIAIS NO DESENHO DE DI CAVALCANTI
monstra em sua carta a Ciccillo profundo desalento diante das coisas que o
rodeiam: “Nada mais me anima nessa minha triste vida. Até a política pus
de lado porque em nada mais acredito. Se pinto é porque é esta minha nova
profissão — e só posso pintar uma magoada pintura melancólica, digamos
mesmo uma miserável pintura. Os trabalhos de decoração que alimentam a
vida, desejava abandoná-los para só viver fazendo meus quadros. Mas temos
que dar jeito à vida”.13
A vertente reflexiva de seu trabalho, presente sobretudo em sua pintura
de cavalete, impulsiona-o também a escrever poemas, trocar correspondên
cia com amigos, a expressar-se liricamente na captação nostálgica, a nosso ver,
do homem do povo, das mulatas tão decantadas, deusas morenas, de cenas
que, se não são ilustrações para um texto dado, são, sem dúvida, de realida
des interiores. E o caso da surpreendente série de estudos surrealizantes ou
de clima marcadamente onírico da coleção do MAC.
Vista quase sempre como uma permanente extensão de seu afeto, a mu
lher em Di Cavalcanti, personagem principal, é a mulher criatura querida,
ou fatal, ou lambisgóia, ou ingênua, ou maternal em suas carnes, ou picante,
ou prostituída, mas sempre fixada em retrato terno, ou envelhecida, porém
faceira. E também a mulher do povo, anônima, comparecendo em sua ima
gem de simplicidade e modéstia. Assim como a mulata, que ostenta sempre
a pose de modelo paciente, em sua plasticidade inigualável.
O inacabado nos desenhos chama a atenção do apreciador desta série
de 564 desenhos de Di Cavalcanti no MAC. Na série de estudos, muitos
deles, parcialmente executados a lápis, parte em nanquim elaborado, ou parte
a lápis e só linear o traço a nanquim. Em outros, todos a lápis, a composição
linear cedendo parte de sua superfície ao modelado, em acabado paciente
13 Carta datada do Rio de Janeiro, de 7/2/1951, Arquivo Fundação Bienal de São Paulo,
São Paulo. Termina a carta enviando um soneto seu, recém-feito, a Ciccillo, “Soneto n° 12”. Aliás,
essa colaboração pessoal a Matarazzo por parte de Di Cavalcanti não lhe faltaria também às vés
peras da II Bienal, quando, em 1953, Di telegrafa a Siqueiros confirmando que ele e Oscar
Niemeyer enviariam seus trabalhos à II Bienal, tão polemizada e contestada, em princípio, pelos
artistas de esquerda. E envia o telegrama da própria Metalúrgica Matarazzo, portanto, sob solici
tação de Ciccillo, em 8/7/1953.
93
A GERAÇÃO MODERNISTA
mente realizado por este artista que seria mais tarde considerado descuidado
no final de sua vida.
Esse inacabamento seria pura inconstância? Ou indolente abandono de
uma obra em meio à execução sem retomada possível? Ou seria, quem sabe,
o desejo de ver os desenhos “em aberto”, e não encerrados numa elaboração
total de formas concluídas que não o atrairiam? Na verdade, grande parte de
seu encanto reside precisamente nessa transparência do processo, nos dese
nhos não totalmente “revestidos” pelo artista e que revelam muito de seu ca
ráter no mistério da superfície abordada por ele. Em geral, o político orto
doxo é pesado, casto, sério em demasia. Apesar de suas posições de esquerda
— com as desilusões inevitáveis conforme manifesta a correspondência cita
da a Newton Freitas — , inclusive com seu breve período de conversão ao Ca
tolicismo em inícios dos anos 40, longe de Di Cavalcanti a possibilidade de
se isolar por suas convicções políticas. Homem do mundo, não deixando nun
ca de freqüentar seus amigos da alta sociedade, em sua maturidade, seu cír
culo mais próximo era, sem dúvida, o dos intelectuais e artistas, os amigos
de longos anos de convívio fiel.
E, ao mesmo tempo, esse gordo elegante era um carioca apaixonado por
sua cidade natal. Mas o Rio para Di era o centro da cidade, e terminava no
túnel de Copacabana. O Rio era o centro, o resto era balneário, diria, e, ao
escolher a rua do Catete para local de residência de seus últimos anos, afir
mava que nesse bairro todos são autênticos: o soldado é soldado, a prostitu
ta, prostituta. Diferentemente do engodo que, segundo ele, envolvia o com
portamento artificial da Zona Sul.
Este primeiro levantamento de Áurea Pereira da Silva da cronologia da
vida agitada de Di e a tentativa de bibliografia, feitos com seriedade, embora
sem a pretensão de se apresentar como definitivos, constituem-se importan
te contribuição, porque revelam o elenco talvez mais extenso entre os artis
tas que nos anos 50 realizam painéis e murais; os arquitetos comungando com
os artistas plásticos para dotar os edifícios públicos e privados de decorações
em pintura ou em pastilhas de vidro, sobretudo nos mosaicos de Vidrotil.
Mas, justamente por ser essa sua contribuição, sobretudo dos anos 50, pou
cos projetos se acham compreendidos nestes desenhos e estudos, porquanto
a coleção foi doada pelo artista em fins de 1952, em pleno início da década
dos painéis. Trabalho da equipe do Museu de Arte Contemporânea da USP
94
AS TRÊS DÉCADAS ESSENCIAIS NO DESENHO DE DI CAVALCANTI
I
95
11.
Desenhos de Di Cavalcanti
[Década de 1980]
96
DESENHOS DE DI CAVALCANTI
1 “Trinta anos de pintura — Di Cavalcanti doa ao Museu de Arte Moderna sua coleção de
desenhos”, Folha da Manhã, São Paulo, 21/12/1952.
97
A GERAÇÃO MODERNISTA
2 Ver Aracy Amaral (org.), Desenhos de Di Cavalcanti na Coleção do MAC, São Paulo, Gru
po CNEC/Museu de Arte Contemporânea da USP, 1985.
3 Di Cavalcanti, “A exposição de Tarsila, a nossa época e arte”, Diário Carioca, Rio de Ja
neiro, 15/10/1933.
98
D E S E N H O S D E D I CAVA LCAN TI
100
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
101
A GERAÇÃO MODERNISTA
102
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
103
A GERAÇÃO MODERNISTA
^ Nesses estudos para dona Olívia Guedes Penteado vemos que Segall registra também o
nome de Galeria de Arte Moderna, em vez de “Pavilhão Moderno”, denominação pela qual seria
posteriormente mais conhecido.
6 O recinto era decorado, de acordo com as fotos, com a tela de Fernand Léger, Compotier
atixpoires, hoje no MASP, peça de Lipchitz, além das pinturas de Segall que ornamentavam o forro
e as paredes da sala.
7 Esse “calor tropical” seria perceptível também em Menino com lagartixa, de 1924, e Pai
sagem brasileira, de 1925, visivelmente inspirados na pintura pau-brasil de Tarsila.
104
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
8 Segall já realizara, por volta de 1920/22, xilos nas quais o fundo é composto com formas
geométricas. Como se trata de produção anterior à sua chegada definitiva ao Brasil, mencionamos
esses trabalhos de sua fase européia para registrar antecedentes de elementos construtivos em sua
obra. Da mesma forma, em Figura feminina com espelho, de 1922, o fundo é verdadeira pintura
construtiva, de caráter geométrico, de extrema sobriedade cromática.
105
A GERAÇÃO MODERNISTA
9 Ver, de Elvira Vernaschi, Gomide, São Paulo, MWM/Knorr/Edusp, 1989. Esta pes
quisadora coloca as datas de “c. 1922” tanto para o Casal abraçado, como para a Composição geo
métrica. Segundo a autora, a datação dos trabalhos dos anos 20 e 30 de Gomide, que não datava
usualmente seus desenhos, foi baseada na observação estilística dos trabalhos dos anos 20 e 30,
assim como na grafia de seu nome, que é diferenciada para as duas décadas. Depoimento telefô
nico de Elvira Vernaschi a Aracy Amaral em 25 de março de 1997. Pode-se considerar, entretan
to, como mais possíveis de serem da década de 30 os estudos abstrato-geométricos em vertical, que
pressupõem uma utilização para desenhos de vitrais, aceitos a partir de inícios dos anos 30, mais
que na década anterior, na arquitetura paulistana.
106
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
10 P. M. Bardi, “Prefácio”, in John Graz, São Paulo, Museu de Arte de São Paulo (MASP),
1974.
107
A GERAÇÃO MODERNISTA
11 Ver “Decoração moderna”, Vanitas, São Paulo, vol. III (32): 41, 1933.
108
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
12 Um contato também que poderia tê-la marcado melhor — o que não ocorreu nesse 1931
— foi Vantongerloo. O participante do grupo De Stijl e autor do LArt etson avenir, que fundava
em fórmulas matemáticas suas esculturas realizadas com materiais plásticos, desenvolvia então in
tensa atividade: “Nem me lembro como o conheci. Mas fiz parte de um grupo de artistas que sob
sua direção reformou um velho e empoeirado apartamento em Paris, de um seu amigo, transfor-
mando-o, segundo os preceitos mais atuais, num ambiente moderníssimo, onde só estavam pre
sentes as cores claras”, segundo Tarsila. In: Aracy Amaral, Tarsila: sua obra e seu tempo, São Pau
lo, Perspectiva/Edusp, 1975, p. 307 (Coleção Estudos) (3a edição: São Paulo, Editora 34/Edusp,
2003, p. 350).
109
A GERAÇÃO MODERNISTA
110
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
15 “Obras de Picasso, De Chirico, Lhote, Léger, Gleizes, Brancusi, Ssako, Dufy, Delau-
nay, Foujita, Vuillard, Juan Gris, Marie Laurencin, Lipchitz, Pompon, e Sara Afon aí aparece
ram, dando ao público de São Paulo oportunidade única de conhecer, nos originais, telas de au
tores de que apenas havia ouvido falar ou vira reproduções quase sempre imperfeitas”. Paulo Men
des de Almeida, “Rápida notícia sobre a SPAM”, Revista Anual do Salão de Maio/RASM, 1939,
São Paulo, s.p.
111
A GERAÇÃO MODERNISTA
16 Flávio de Carvalho, “Manifesto do III Salão de Maio”, in Revista Anual do Salão de Maio/
RASM, São Paulo, 1939, s.p. Da comissão de aceitação de obras do III Salão fizeram parte: o pin
tor Lasar Segall, o escultor Victor Brecheret, o pintor Antonio Gomide, o arquiteto Jacob Ruchti
e o próprio Flávio de Carvalho, que se auto-intitula “engenheiro e pintor”, além de ser o respon
sável pelo Salão. Ao mesmo tempo, a multiplicidade de interesses de Flávio de Carvalho faria com
que o catálogo fornecesse panorama amplo do ambiente cultural, cobrindo as áreas de literatura e
arquitetura, prestando simultaneamente homenagem ao cineasta Alberto Cavalcanti (“Um nome
brasileiro na cinematografia mundial”).
112
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
113
A GERAÇÃO MODERNISTA
114
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
culo, que, como a escultura, maneja o espaço real. De outra parte a pintura
de cavalete não satisfaz mais as exigências da nova estética”.18
Léon Degand, diretor do novo Museu de Arte Moderna de São Paulo,
faria palestras na Biblioteca Municipal da capital paulista, no segundo semes
tre de 1948, discutindo o tema do abstracionismo. Seu intuito era preparar
os espíritos para a exposição inaugural do MAM-SP, Do Figurativismo ao
Abstracionismo, a ter lugar em abril de 1949, com artistas trazidos da Euro
pa pelo crítico e com a inclusão de apenas três artistas do Brasil, todos recém-
chegados ao abstracionismo: Cícero Dias, Flexor e Cordeiro, cada um repre
sentado por um trabalho, sempre datado de 1948.19
18 Idem, ibidem. Ver, a propósito do interesse pela matemática, a conferência de Max Bill
reproduzida em Very Estimar, revista dirigida por Romero Brest, em 1950, pp. 50-4.
19 “Do figurativismo ao abstracionismo”, textos de Sérgio Milliet e Léon Degand, São Paulo,
Museu de Arte Moderna, 1949, edição trilíngüe (português, francês, inglês). Este cuidado catálogo
expõe as idéias de Léon Degand não apenas com referência ao figurativismo como em relação ao
abstracionismo. Coloca expectativa especial, neste aspecto, no abstracionismo informal ou lírico,
afirmando que arte geométrica sempre existiu, porém que a “arte abstrata, enquanto arte-expres-
siva, está nos seus primórdios. Ficará ela nisso? Constituirá ela a arte do futuro? O crítico de arte
não é profeta” (p. 48). Como se sabe, a exposição era constituída sobretudo de obras da Galerie
René Drouin e da Galerie Denise René, a primeira privilegiando o abstracionismo informal e a
segunda o abstracionismo geométrico. Ver, a propósito desta exposição, o ensaio “História de uma
coleção”, in Amaral, Aracy (org.), Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo:perfil
de um acervo, São Paulo, Techint/MAC-USP, 1988.
115
A GERAÇÃO MODERNISTA
116
SURGIMENTO DA ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO BRASIL
22 Mário Barata, O Jornal, Rio de Janeiro, 11/7/1948. In: Cícero Dias:peintures 1950-1965.
23 “Museu de Imagens do Inconsciente”, apudAlmir Mavignier etal., Bilder des Unbewussten
aus Brasilien/Imagesfrom the Unconsciousfrom Brazil/Brasil: Museu de Imagens do Inconsciente, São
Paulo, Câmara Brasileira do Livro, 1994, pp. 25 e 31-9 (Brasiliana de Frankfurt).
24 Ivan Serpa realiza também, a partir de 1947, experimentações abstratas, gestuais, enca
minhando-se gradativamente para a abstração geométrica. Ver Ivan Serpa: retrospectiva 1947-1973,
texto de Reynaldo Roels (Rio de Janeiro, Centro Cultural Banco do Brasil, maio 1993); Ivan Serpa,
desenhos: retrospectiva comemorativa dos 25 anos de carreira do artista, texto de Aracy Amaral (Rio
de Janeiro, Museu de Arte Moderna, 1971); e Retrospectiva Ivan Serpa, texto de Roberto Pontual
(Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, 1974).
117
A GERAÇÃO MODERNISTA
118
13-
Do Modernismo à Abstração (1910-1950)
[1985]
119
A GERAÇÃO MODERNISTA
1 Anita Malfatti foi também caricaturista, pois, segundo parece, este gênero era quase ob
gatório entre jovens artistas, pela popularidade de que gozavam nas revistas culturais e políticas
do momento.
120
DO MODERNISMO À ABSTRAÇÃO (1910-1950)
121
A GERAÇÃO MODERNISTA
122
DO MODERNISMO À ABSTRAÇÃO (1910-1950)
123
A GERAÇÃO MODERNISTA
Junto aos modernistas, além dos artistas de transição como Eliseu Vis-
conti, Georgina de Albuquerque e Henrique Cavaleiro, no incipiente mer
cado local triunfavam os acadêmicos consagrados ou mais jovens, como Pe
dro Alexandrino, Oscar Pereira da Silva, Levino Fânzeres, Antônio Parreiras,
entre outros. Por outro lado, desenvolveram intensa atividade, em São Pau
lo dos anos 20, artistas que podemos chamar “independentes”, não relacio
nados com os modernistas, quase todos vinculados com a média e alta bur
guesia ■— por uma questão de impossibilidade de comunicação entre classes
sociais diferentes — , quase sempre autores de uma arte próxima ao Im-
pressionismo, sem relação com o Academicismo.
Como disse recentemente o gravador Odetto Guersoni, as correntes
modernistas e dos artistas independentes correriam paralelas em São Paulo;
seus componentes se aproximariam bastante uns dos outros através das ex
posições coletivas dos anos 30, mas se uniriam numa única classe — os ar
tistas contemporâneos — , sem maior preocupação em refletir as vanguardas
ou ater-se à pintura como pintura (como nos tempos da Família Artística
Paulista dos anos 30) somente a partir de fins da década de 40, com a cria
ção dos museus de arte de São Paulo.
Reunidos em salões particulares, debatendo suas posições na imprensa,
com mecenas da alta sociedade, o elitismo dos modernistas não passaria inad
vertido para os mais sensíveis, como Di Cavalcanti, que expressou sua amar
gura por esta característica do movimento; como Mário de Andrade, um dos
teóricos do movimento e que, em 1928, escrevia que o grupo “vive isolado e
amparado apenas na sua própria convicção”. Por essa razão, Andrade afirmava
que se tratava de uma minoria que constituía “o único setor da nação que faz
do problema artístico nacional um caso de preocupação quase exclusiva. Ape
sar disso, não representa nada da realidade brasileira. Está fora de nosso rit
mo social, fora de nossa inconstância econômica, fora da preocupação brasi
leira. Se esta minoria está aclimatada dentro da realidade brasileira e vive na
intimidade com o Brasil, a realidade brasileira, em troca, não se acostumou
a viver em intimidade com ela. Por tudo isto me vejo obrigado a verificar”
— termina Mário de Andrade — “que a dita minoria não representa nada
dentro da vida contemporânea do país, no que diz respeito às artes plásticas”.
No entanto, o próprio Mário de Andrade reconheceu que, indubita
velmente, por sua insubordinação ao status acadêmico vigente, o movimen
124
DO MODERNISMO À ABSTRAÇÃO (1910-1950)
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A GERAÇÃO MODERNISTA
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DO MODERNISMO A ABSTRAÇÃO (1910-1950)
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A GERAÇÃO MODERNISTA
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DO MODERNISMO À ABSTRAÇÃO (1910-1950)
129
A GERAÇÃO MODERNISTA
esse grupo abriria à classe média a prática da arte, privilégio até então das clas
ses altas, como evidenciam os grandes nomes da pintura pernambucana da
primeira metade do século XX: Vicente do Rêgo Monteiro, Cícero Dias e
Francisco Brennand.
Nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, eram raras as
galerias de arte moderna — como Heuberger (1936) no Rio e Casa e Jardim
(1938) em São Paulo, ambas do mesmo proprietário — e somente em mea
dos dos anos 40 surgiriam as primeiras galerias mais ativas, como Askanazy
no Rio e Domus em São Paulo.
Para dizer a verdade, até o início dos anos 50, o mercado local era qua
se inexistente e a maioria dos artistas tinha outra profissão para garantir sua
subsistência.
Por sua vez, a crítica de arte no Brasil até metade do século estava em
mãos de jornalistas, literatos e poetas, como Sérgio Milliet, Mário de An
drade, Geraldo Ferraz, Luís Martins e Rubem Navarra. A partir dos anos 40,
aparecem outras figuras destacadas, como Lourival Gomes Machado e Má
rio Pedrosa. Este último sustentou uma tese sobre a “Teoria da afetividade
da forma”, no Rio de Janeiro, em 1948. Pedrosa começou a apoiar artistas
cariocas que experimentavam as novas tendências e que, gradualmente, se in
teressavam pela abstração, entre eles, Lygia Clark.
Em São Paulo, o crítico argentino Romero Brest pronunciou, em 1948,
inflamadas conferências que suscitaram uma polêmica em torno da impor
tância da arquitetura e seu caráter construtivo no contexto da arte contem
porânea. Essas idéias receberiam vigoroso impulso a partir da I Bienal de São
Paulo em 1951, com a representação suíça e com a mostra de Max Bill, que
obteve grande êxito em São Paulo, em 1950.
Mário de Andrade, já em 1938, Sérgio Milliet até 1940 e Luís Martins
em 1946, sustentaram em São Paulo a necessidade de criar museus para os
artistas contemporâneos, seguindo o exemplo de outros países ocidentais.
No entanto, foi somente em 1947, no período do pós-guerra, próspero pa
ra o Brasil, que Assis Chateaubriand, proprietário de uma cadeia de diá
rios, revistas, rádios e, posteriormente, emissoras de televisão, fundou o Mu
seu de Arte de São Paulo — MASP. Esse museu, dirigido por Pietro Maria
Bardi, desenvolveu uma atividade até então desconhecida entre nós: cur
sos de iniciação artística, conferências, exposições. O museu conta também
130
DO MODERNISMO A ABSTRAÇÃO (1910-1950)
com um acervo perm anente que abarca desde a arte do R enascim ento até o
Im pressionism o.
A concepção de “museu vivo” foi também o objetivo perseguido pelo
industrial Matarazzo Sobrinho, que criou o Museu de Arte Moderna de São
Paulo em 1948, no mesmo ano em que nascia o Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro e com as mesmas metas. O MAM de São Paulo (que foi o iní
cio do Museu de Arte Contemporânea da USP, a partir de 1963) começou
a funcionar em 1949, sob a direção do crítico belga Léon Degand. Nele se
realizou a grande exposição internacional “Do Figurativismo ao Abstracio
nismo” e foi, desde o começo, um fator preponderante no Brasil para a difu
são da informação internacional. A mesma função tiveram as Bienais de São
Paulo, a partir de 1951, criadas também por Matarazzo Sobrinho e que in
fluenciaram significativamente as atuais tendências da arte local.
131
n u
14.
São Paulo e Rio de Janeiro:
a constante polêmica
[1984]
132
SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO: A CONSTANTE POLÊMICA
1 Ina Von Binzer, Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil,
São Paulo, Paz e Terra, 1980, p. 72.
133
A GERAÇÃO MODERNISTA
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SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO: A CONSTANTE POLÊMICA
135
'1
A GERAÇÃO MODERNISTA
136
SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO: A CONSTANTE POLÊMICA
138
SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO: A CONSTANTE POLÊMICA
Daí por que não se pode falar no que o “Modernismo ofereceu nos anos
30”, porquanto essa década político-social no mundo ocidental oferecia ou
tras preocupações aos artistas de todos os países, e o Brasil não era exceção.
O que nos parece é que em vez de distorções do gênero, como a de querer
incluir tudo num mesmo balaio, a partir da coleção Gilberto Chateaubriand,
poder-se-ia ser mais atento à História da Arte de nosso século. A coleção de
Gilberto Chateaubriand é incrivelmente rica para propiciar análises acura
das e pertinentes.
Os caminhos da arte mudaram, como mudou também a natureza da
arte após os anos 60. Agora, colocar como as maiores figuras de nosso Mo
dernismo os artistas do Grupo Santa Helena, ou Maria Helena Vieira da Sil
va, que esteve no Brasil pouco tempo e, embora tenha produzido obras ad
miráveis entre nós, não pode ser considerada artista brasileira, mas sim “visi
tante”, é um pouco excessivo. Neste ponto consideraríamos uma grande au
sência Ernesto De Fiori, artista excepcional radicado em São Paulo, às vés
peras da Segunda Guerra Mundial, momento que sacudiu os meios artísti
cos pelas migrações ocorridas de artistas da Europa para as Américas. Se bem
que todo o texto do catálogo foi inspirado na seleção feita pelos curadores da
exposição e daí nossas discordâncias com a conceituação feita.
Dizer também que Volpi e Guignard são as maiores figuras da segunda
metade do século XX em nossa pintura faz-nos lembrar que o controle de
qualidade, por nós já mencionado, falha, embora em menores proporções,
também nestes artistas, e, no caso, em função da pressão das “encomendas”
de um mercado que os comprime ao final de suas existências. Não consegui
mos ver, por outro lado, nenhum compromisso “nacionalista” em nossos dois
grandes gravadores, Goeldi e Livio Abramo. O primeiro sempre imerso em
sua noturna imagética urbana e o segundo, artista dos anos 30 em diante,
atento aos acontecimentos sociais dessa década, tendo sido o único artista
brasileiro que se saiba afetado, como tema, pela Guerra Civil Espanhola, ante-
sala e campo de experimentações da Segunda Guerra Mundial.
O Modernismo concentrado em suas conquistas (sem falatório, com
poucos manifestos, e meio difuso em sua estética; sua grande virtude, aliás,
como o diz Mário de Andrade) cumpriu, a nosso ver, seu papel na História
da Arte do Brasil do século XX. O ápice da Modernidade brasileira viria dé
cadas depois, nos anos 50, quando se firma a aspiração de um país inserido
139
A GERAÇÃO MODERNISTA
140
Parte 2
Tendências da arte m oderna
15.
Volpi: construção e reducionismo
sob a luz dos trópicos
[1998]
1 Seus próprios contemporâneos já ihe reconheciam, em início dos anos 40, “um amadure
cimento que vai alcançando nestes últimos tempos o seu ápice”. Assim registra o crítico Sérgio
Milliet, sob o pseudônimo de S. de Santo Adolfo, em texto de 1941, em que menciona estar Volpi
fixando-se no “essencial, numa síntese ousada e de grande força expressiva”. E termina dizendo:
“No se encontrar a si mesmo, o que Volpi vem conseguindo, sem preocupações atualistas ou so
ciais, encontra o artista o homem de carne e osso, de paixões, de sofrimentos: o poeta. E é o poeta
na sua encarnação plástica que eu admiro em Volpi, chefe de fila acatado por quase todos os artis
tas de São Paulo e, na sua incomensurável modéstia, tão ignorado do grande público”. “Alfredo
Volpi”, Planalto, 15/10/1941, apud CD-Rom Alfredo Volpi, Sociedade para Catalogação da Obra
de Alfredo Volpi, Logos Engenharia/APK.
143
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
2 No caso de Alfredo Volpi, poder-se-ia dizer o mesmo que Robert Hughes registrou
propósito de Morandi, quando de sua retrospectiva no museu Guggenheim de Nova York, em
1981: “E se as formas são simples, sua simplicidade é muito enganadora: pode-se reconhecer ne
las a destilação de uma sensibilidade muito pura, sob cujo olhar o tamanho da pintura, o silêncio
do motivo e a profundidade interior do olhar são uma coisa só”. Robert Hughes, “Giorgio Mo
randi”, apudA toda crítica: ensayos sobre artey artistas, Barcelona, Editorial Anagrama, 1992, pp.
215-18.
144
VOLPI: CONSTRUÇÃO E REDUCIONISMO SOB A LUZ DOS TRÓPICOS
po na Itália, em Veneza, onde passa quarenta dias. Nessa ocasião faz dezoito
visitas à Pádua para ver os afrescos de Giotto (1267-1337), conhece Roma,
Nápoles e a Sicília.
Nos anos 50, artistas de São Paulo e Rio de Janeiro também ficariam
curiosos com a obra de Volpi, que se interessa, nessa década, pelas realizações
dos concretos (nunca, porém, sendo um deles) e obras abstrato-geométricas,
ao observar, com a agudeza que lhe era peculiar, as experimentações desses
moços dos anos 50. Para Volpi, são exercícios que ele pratica como num jogo
de variações que se desdobram em estudos de cor, até seu esgotamento, ou
como ponto de partida para outras experimentações em que a preocupação
cromática é dominante.
Mário Pedrosa faz uma clara distinção entre o “soberbo modelado” de
Portinari, “classicamente separado das cores”, enfatizando sua excelência en
quanto desenho, ao passo que “Tarsila, Volpi, Guignard, Pancetti, se dão às
cores pelas cores. Amam-nas”. E finaliza com a frase: “Volpi é, aliás, o mes
tre da cor pura no Brasil”.3 Em outro texto, Pedrosa, escrevendo a propósito
da retrospectiva de Volpi no Rio de Janeiro, diria que “representa o grito de
independência da pintura brasileira em face da pintura internacional ou da
Escola de Paris”.4 Essa afirmação se aproxima daquela de um crítico francês
nos anos 20, Maurice Raynal, ao se referir à pintura de Tarsila nessa déca
da.5 Tanto o crítico francês quanto Pedrosa se baseiam, portanto, na preo
cupação moderna de assinalar um artista que pudesse ser identificado com o
Brasil. Artista que, embora impregnado, por sua formação visual, de obras de
várias épocas e artistas que admira, não deixa de trazer para a tela uma pe
culiaridade que tem muito a ver com a nossa realidade. Essa preocupação, di
3 Mário Pedrosa, “A primeira Bienal”, apudMundo, homem, arte em crise, São Paulo, Edi
tora Perspectiva, 1975, p. 261.
^ Mário Pedrosa, “O mestre brasileiro de sua época”, apud Dos murais de Portinari aos espa
ços de Brasília, São Paulo, Editora Perspectiva, 1981, p. 62.
5 Maurice Raynal refere-se às “luminosas e cativantes composições de Tarsila cujo esfor
ço deve marcar uma data na história da autonomia artística do Brasil”. “Exposition Tarsila”,
LIntransigeitnt, Paris, 13/6/1926, apud “Catálogo Tarsila/São Paulo 1929”, p. 12. Tradução da
Autora.
145
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
gamos, política, por parte do crítico, de localizar o artista dentro de seu es
paço/tempo, corresponde a toda uma postura geracional hoje não mais exis
tente (embora os especialistas de fora insistam em querer identificar nossa rea
lidade político-social, assim como nossa visualidade tropical ou subtropical,
com a obra de nossos artistas).
Talvez essa seja a razão pela qual críticos estrangeiros que escreveram
sobre a arte brasileira freqüentemente focalizam artistas como Tarsila, Volpi
e Guignard como primitivos ou ingênuos, como foi o caso do erudito críti
co argentino Jorge Romero Brest em 1945. E claro que em alguns períodos
a obra desses artistas pode deixar transpirar uma simplicidade aparente, a
despeito de sua formação. Mas essa maneira “simples” é um assumir uma
identificação com o popular que nos rodeia ou envolve por toda a parte; ao
passo que em outros é conseqüência de um modismo, ou “popularismo”,
como o denominaria o crítico Mário Schenberg, referindo-se à tendência vi
gente, nos anos 30 e 40, em artistas da Família Artística Paulista, de origem
operária. Ou pode ainda configurar-se como uma vontade de ascese, como é
em parte o caso de Volpi.
A exposição de Volpi na XXIV Bienal de São Paulo não oferece um pa
norama completo de sua trajetória, porém objetiva ser um recorte de sua obra.
Ao sair da forte expressão que marcou suas pinturas dos anos 40, ele parte
para um reducionismo marcante dos elementos compositivos, enfatizando
fortemente o dado cromático que envolve sua produção de maneira muito
particular nos anos 50 e 60. Volpi não pode ser considerado um antropófa
go, e ele mesmo daria de ombros a tal problemática, como a tudo o que fos
se teórico em relação à sua contribuição. A verdade é que este artista, o maior
pintor de nosso século para o Brasil (repito e não há nenhuma originalidade
em dizê-lo), opera uma projeção de um encontro de raízes através de sua
visualidade. Sob esse aspecto pode-se vê-lo como um artista afetado pela an
tropofagia na arte, que não é senão, em palavras chãs, a incorporação de ele
mentos de outras culturas, outras informações ou repertórios que se mesclam
às nossas tradições visuais. No caso de Volpi, com rara sabedoria.
Ao deparar com um significativo desenho de Volpi — do qual freqüen
temente se diz não ser um desenhista, posto que seus trabalhos sobre papel
são também pictóricos, preâmbulos de pinturas que realizará — na coleção
de Isaias Melsohn, percebo a matriz de muitas de suas pinturas das décadas
146
VOLPI: CONSTRUÇÃO E REDUCIONISMO SOB A LUZ DOS TRÓPICOS
s Esse desenho, segundo Isaias Melsohn, foi adquirido há algumas décadas, na Galeria As-
tréia, de Stefan Geyerhahn, localizada na praça Ramos de Azevedo, ao lado do Teatro Municipal
de São Paulo.
7 Sempre identificara os mastros como uma referência aos mastros de festas juninas, tipica
mente brasileiras, ao passo que após ver este desenho penso num hibridismo de procedência dessa
imagem, que retorna regularmente na produção de Volpi a partir de inícios dos anos 70.
8 Filippo Baldinucci, Vocabolario toscano deWarte dei disegno (1681), Florença, SPES, 1975,
apud Georges Didi-Huberman, Devant l’image (capítulo “LArt comme renaissance et 1’immorta-
lité de Phomme idéal”), Paris, Les Editions de Minuit, 1990, p. 93.
147
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
148
VOLPI: CONSTRUÇÃO E REDUCIONISMO SOB A LUZ DOS TRÓPICOS
9 Ver, de Aracy Amaral, “Alfredo Volpi: pintura”, in Alfredo Volpi: pintura (1914-1972),
apresentação em catálogo de retrospectiva no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, organi
zada pela Autora, out./nov. 1972. Publicado pela autora na obra Entre a feijoada e o x-burguer,
São Paulo, Editora Nobel, 1982.
10 Murilo Mendes, “Volpi: do instinto à planificação”, s.L, s.d.
149
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
150
VOLPI: CONSTRUÇÃO E REDUCIONISMO SOB A LUZ DOS TRÓPICOS
11 Deve-se observar que, sintomaticamente, Volpi não se preocupava em dar títulos às suas
telas. Para ele eram “pinturas”, simplesmente, composições, e cada colecionador freqüentemente
as nomeava tentando individualizá-las, e esses nomes permaneceram como títulos.
12 Presente na exposição “Arte Construtiva no Brasil: Coleção Adolpho Leirner”, no Mu
seu de Arte Moderna de São Paulo, no mesmo momento desta Bienal de 1998.
13 Muitas referências e títulos de obras dariam a esta forma e a suas variantes o título de
“vela”, e seria, sob várias formas, incorporada a outras pinturas da década de 70.
151
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
152
16.
J{ ceia, de Alfredo Volpi
[1996]
1 Jean Louis Vaudoyer, “La Renaissance italiènne (La Peinture)”, apud Eugbne Pittard
al., Histoire Générale de 1’Art, vol. II, Paris, Flammarion, 1951, p. 34.
154
A CEIA, DE ALFREDO VOLPI
155
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
156
A CEIA, DE ALFREDO VOLPI
3 Uma delas na casa de Moussia e Carlos Pinto Alves, doada nos anos 60 ao MAC-USP.
Esse afresco foi retirado da parede por Vittorio Gobbis para poder ser transportado e colocado em
chassis a fim de se integrar à coleção do museu — ocasião em que sofreu discutível intervenção
por parte desse pintor contemporâneo de Gomide. Outra Ceia de Gomide, óleo sobre tela, per
tence à coleção Jayme Marques da Costa. Bela pintura de tema religioso, bem ao estilo art déco
deste artista, seria ainda Descida da cruz (coleção Mário de Andrade, Instituto de Estudos Brasi
leiros, USP).
4 A outra ocasião em que Volpi poderia ter sido estimulado à temática religiosa foi quan
do viajou à Bahia com Theon Spanudis, em 1954. Dessa oportunidade, contudo, emergiriam pin
turas abstratizantes mais vinculadas à espacialidade e à luminosidade das arquiteturas religiosas
visitadas. Não se deve esquecer, por outro lado, três importantes pinturas murais de Volpi: uma
na Igreja do Cristo Operário, na Estrada do Vergueiro, São Paulo, 1951 (ao lado da Cooperativa
Unilabor, na qual estava envolvido, além de Geraldo de Barros, o dominicano frei João Batista).
E duas outras obras realizadas em Brasília: uma na Igreja Nossa Senhora de Fátima, na Superquadra
Sul, mas hoje destruída; e o afresco Dom Bosco, realizado em 1966, no Ministério das Relações
Exteriores.
157
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
158
A CEIA, DE ALFREDO VOLPI
Alfredo
Volpi,
A ceia, início
dos anos 40,
óleo s/ tela,
81,4 x
60,3 cm,
MAC-USP,
São Paulo.
159
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
vador com toda sua majestade. As únicas zonas visíveis de sombra aparecem,
no primeiro plano, nas áreas sob a mesa.
Talvez seja o quadro mais bem realizado de Volpi. Quem tivesse até
agora alguma dúvida sobre Volpi como um pintor formalista perceberia neste
quadro as preocupações deste artista que manipulava a cor como um mes
tre, e a expressividade, nos anos 40, articulando-as em sua definição para o
uso do espaço. Aqui o desenho não é como em algumas pinturas de Itanhaém,
um baile de gestos sobre a pintura-suporte da obra. Neste trabalho o dese
nho e a pintura se articulam e são interdependentes intrinsecamente. O de
senho está implícito no “desígnio” do esquema compositivo. A emoção emer
ge na própria fatura expressiva, com tintas diluídas e com pinceladas de cali
grafia visível, nas gamas de cinzas/ocres/negros da composição de aparência
simples. Porém, nunca Volpi foi tão sofisticado como concepção e realiza
ção. Nada é casual, cada detalhe, na aplicação da cor, exala extrema elabora
ção, sob controle, e no entanto dotado de visceralidade impressionante. Seja
nas atitudes dos personagens da Ceia, seja na dramaticidade de suas postu
ras, seja na secura da composição “fechada” que faz convergir uma densida
de emotiva assombrosa para a cabeceira da mesa onde está sentado o Mes
tre, como a aguardar a consumação do que estava previsto. Cada pincelada é
de uma síntese/sutileza refinada, desde a construção da tristeza acabrunhadora
de São João à sua esquerda, até as mãos pousadas do Mestre sobre a mesa,
como a expressar o peso de sua própria entrega.
Como os holandeses, Volpi opta por travestir seus personagens com o
traje cotidiano de seus contemporâneos e de sua classe operária. O ambiente
que se projeta nesta Ceia, como nos quadros Trabalhadores à mesa (coleção
Luciano Mario Lo Re) ou Jogadores de dados (ou, ainda, Fim de tarde, na co
leção Domingos Giobbi), da mesma época, é o meio do operário imigrante,
vivesse ele no Cambuci ou no Brás desses tempos. O clima cezanneano que
domina a pintura tanto em sua construção como no colorido, em Reunião à
mesa e Trabalhadores à mesa, é similar. Neste último, a composição é centra
lizada na disposição trapezóide dos quatro personagens soturnos em sua pos
tura silenciosa e relaxada simultaneamente, um ângulo de parede e a indica
ção de uma porta fechando a composição, equilibrada com a pesada figura
da extrema direita. Mário Pedrosa se exalta com esta pintura, que menciona
como de “sopro cezannesco”, constituindo, a seu ver, “realmente, uma glória
160
A CEIA, DE ALFREDO VOLPI
da nossa pintura. Compare-se esta tela com uma grande composição de Segall
como Pogrom ou Navio de emigrantes, e ver-se-á onde está o vigor épico, a
grandeza monumental, a integração dos espaços circundantes magistralmente
tratados com as Figuras, pesadas de vida, argamassadas numa matéria pictó
rica rica poderosamente sintetizada em formas de admirável sentido plástico
e fundida nos mais belos acordes de cores”.5
Diversa é a composição de Jogadores de dados, a pirâmide de primeiro
plano compensada pela triangulação de linhas — a rua à direita, e o arvore
do sobrepondo-se ao casario urbano — em linhas multidirecionais, já insi
nuadas pelas diagonais dos quadrados das lajotas do piso. Porém, sempre pre
sente a desnecessidade da eloqüência verbal, em faces freqüentemente sem
definição de olhos, boca ou nariz (como ocorreria igualmente no belo retrato
de Bruno Giorgi, da mesma época). Para Volpi, a postura do corpo é suficien
te indicação do comportamento, despojado o quadro de maior detalhamen
to. A expressão está na pincelada que define a atitude, o gesto, denunciando
a profunda capacidade de observação de seu entorno por Alfredo Volpi.
O que está evidenciado nesta Ceia — pois não me restam dúvidas sobre
o tema desta pintura exemplar — é a expressão, sem a preocupação de repro
dução de cadeiras ou banquetas (que importa?), pois está resguardado o cli
ma emotivo à flor da pele. Aqui não está contida apenas a sabedoria acumu
lada ao longo dos anos de pintura, mas também a vivência humana que per
passa por toda sua obra e que alcança o ápice nesta década de 40.
5 Mário Pedrosa, “O mestre brasileiro de sua época”, 1957, apud}Ai.no Pedrosa, Dos mu
rais de Portinari aos espaços de Brasília, São Paulo, Editora Perspectiva, 1981, p. 60.
161
17.
Anotações a propósito de Bruno Giorgi
[19 9 1 ]
162
ANOTAÇÕES A PROPÓSITO DE BRUNO GIORGI
163
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
fins de 30 e início de 40. Uma união ditada por interesse mútuo, portanto
fruto das circunstâncias da guerra por explodir.
Ao ser finalmente libertado, em 1935, Bruno Giorgi, depois de voltar
ao Brasil, viaja para Paris. Era época de plena Guerra Civil Espanhola (1936-
1939) e desejou engajar-se como voluntário. Todavia, como então pertencia
ao Partido Comunista, seus superiores solicitaram que não o fizesse por ser
sua presença útil em Paris, por seu conhecimento do fascismo na Itália, as
sim como da luta antifascista. Foi esse o período em que Bruno Giorgi tra
balha no curso livre da Academia Ranson, em escultura, num ateliê sob a di
reção de Aristide Maillol, que, uma vez por semana, acompanhava o desen
volvimento dos alunos, detendo-se, com particular atenção (o que não dei
xava de causar certos ciúmes), nos trabalhos de Bruno Giorgi.
Desse mestre francês, Bruno Giorgi absorveria a tendência que marca
ria, em particular, a década de 40 em sua obra: na postura de seus nus, de
seus temas inspirados na Antigüidade clássica, de suas figuras femininas ple
nas, túrgidas, de jovens de dezenove anos, como bem afirmou Mário de An
drade ao escrever ensaio sobre a produção de Bruno Giorgi no início dos anos
40, já destacando sua maturidade como artista. Sempre me ficou registrado
em mente que um artista, para sê-lo, deve doar sua vida à carreira, que um
pintor pode ser “maduro” aos 35 anos, ao passo que um escultor leva mais
tempo para alcançar a maturidade. Mas hoje esse dado é muito relativo se
pensarmos em termos da velocidade do ritmo da vida, dos ciclos das modas
na arte, ou da maneira com que se silencia um artista tendo em vista o apa
gar das luzes de sua tendência artística. É muito frívolo, assustadoramente ar
tificial, esse modo de riscar uma personalidade por “onda” crítica ou de mer
cado, sobretudo num país onde não há museus.
A distingui-lo de Maillol, surgiria o tratamento “impressionista” da su
perfície da escultura, o modelado evidenciando a mão do escultor, que deixa
sua caligrafia plena de pictoricidade marcada no barro ou no gesso. Se esse
dado é visível em suas figuras dessa primeira metade dos anos 40, é mais pa
tente ainda nas três cabeças excepcionais que Bruno Giorgi realizou nesse
período, focalizando Mário de Andrade, seu grande amigo Alfredo Volpi e
Sérgio Milliet. Mas, já por volta de 44 ou 45, aparecem suas figuras não ape
nas bem plantadas sobre o solo como robustamente concebidas em seus mem
bros inferiores a nos lembrar tanto os exageros voluntários de Rivera ou Pi-
164
ANOTAÇÕES A PROPÓSITO DE BRUNO GIORGI
casso, como os pés da Negra de Tarsila. É o que nos chama a atenção em par
ticular na Mulher de Mococa, de 1950, a denunciar uma virada no estilo do
escultor.
Nos anos vividos em São Paulo, Bruno Giorgi participa intensamente
da vida cultural e artística da cidade, em coletivas e eventos, como da última
exposição da Família Artística Paulista no Rio de Janeiro e do Salão das In
dústrias de 1940. Seu ateliê, na praça Marechal Deodoro, segundo Volpi,
torna-se ponto de encontro dos artistas que trabalham a partir de estudo de
modelo vivo. É um tempo especialmente rico, com a presença também na
capital paulista de um grande escultor como Ernesto de Fiori, radicado en
tre nós durante a guerra, e a quem Ciccillo Matarazzo apóia oferecendo-lhe
uma casa onde morar. O grupo de Bruno Giorgi, nesse tempo, era consti
tuído por artistas como Volpi, Bonadei, Rebolo e Di Cavalcanti.
Mário Barata recorda com precisão que o Monumento à juventude
(1942/46), para o Ministério da Educação, foi a obra que projetou o artista,
nacionalmente falando. É exatamente no ano de 1945 que Murilo Miranda
lhe dedica um número especial da Revista Acadêmica (números especiais ante
riores tinham sido dedicados a Portinari, Tarsila e Segall). Apresentado por
Mário de Andrade ao ministro Gustavo Capanema, este lhe oferece um es-
paço-ateliê para trabalho na Praia Vermelha, momento em que deixa São
Paulo e se radica no Rio de Janeiro até 1950.
Como pode um escultor conceber e realizar um nu, com toda a vibra
ção que o tema demandaria sobre “material tão inerte e rígido”?, pergunta-
se Paul Valéry ao fazer divagações sobre este assunto. Ele mesmo tenta res
ponder a essa dificuldade: “A despeito da inércia da matéria e a abstração da
forma, o homem com uma profunda compreensão de ambos pode uni-los
com tanto êxito que seu trabalho finalmente se aproxima da essência viva,
irradiando esse sentimento misterioso que nos chega na presença de coisas
cujo modelado e cujo ser procedem da mesma necessidade”.1
Por outro lado, são pouco numerosos os escultores carismáticos que
marcaram o século XX. E para os escultores-escultores — e não aqueles ar
1 Paul Valéry, Degas, Manet, Morisot, in The Collected Works ofPaid Valéry, vol. 12, New
Jersey, Princeton University Press, 1989, pp. 199-201.
165
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
166
ANOTAÇÕES A PROPÓSITO DE BRUNO GIORGI
grafia de Brasília. Essas peças estão previstas, a partir de fins de 60 e dos anos
70, e entre elas poderiam ser citadas como exemplos pontuais Meteoro (1967),
o exemplo mais clássico dessa articulação escultura-arquitetura a partir de
1960, assim como as obras Asa, Labareda, Pássaro e Condor.
A partir de 70, Bruno Giorgi também empreende um retorno à figura,
com ênfase no brilho, coloração e beleza do mármore polido, nele deixando
a marca do princípio da síntese do corpo, talvez mais sensível à superfície, o
que nos remete à sua experiência com a linha, tão presente em fins de 50 e
início de 60. Mas em Bruno Giorgi as diversas fases têm uma seqüência que
assinala mais o desenvolvimento de sua atividade como escultor atento a seu
tempo que um artista preocupado com radicalismos. O próprio Harold Ro-
senberg questiona com procedência a “ruptura” da chamada “arte revolu
cionária”, embora reconhecendo que “a única tradição vital da arte do século
XX a que poderá recorrer à crítica é a da derrubada da tradição”.2
Antológico para o meio artístico brasileiro, este escultor traz implícita
toda uma dignidade pegada a seu profissionalismo, ensimesmado em seu tra
balho, mantendo com ele o diálogo mais expressivo de sua vida. Pertence à
geração dos artistas, como Gonzalo Fonseca, que acreditam no fazer, acima
de tudo. O risco, o desenho, o estudo em maquete ou em barro, são para ele
esboços destinados a se apagar diante da obra realizada. Integra-se, de fato,
como escultor, à estirpe cada vez mais infreqüente dos que acreditam no tra
balho artesanal, intocado em sua carreira pela experimentação acenada pelo
Conceitualismo, mantendo-se em sua postura de artista-escultor, que já mar
cou um tempo na história da arte pública do Brasil moderno.
167
18.
Anos 40: a reflexão crítica sobre a pintura
[1983]
1 Santa Rosa, “O perigo das fórmulas”, Revista do Brasil, n° 34, Rio de Janeiro, mar. 1941.
168
ANOS 40: A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PINTURA
2 Rubem Navarra, “La pintura contemporânea en el Brasil”, Sur, n° 96, Buenos Aires, set.
1942.
3 Cita também os mais jovens, como Moacir da Costa, Percy Deane, José de Morais, A.
Toledo, Athos Bulcão, G. Borsol, Augusto Rodrigues, Bianco, Inês da Costa e A. Correia. Além
dos ingênuos Luís Soares, Heitor dos Prazeres e Luís Santos e, entre estes, a “surpresa do presente
Salão, Djanira Gomes”. Embora mencione ainda, de Recife, os irmãos Rêgo Monteiro, os dese
nhistas Luís Jardim e Manuel Bandeira. De São Paulo, refere-se a uma longa lista de pintores: to
dos “possuem uma fina sensibilidade luminosa”, como os paisagistas Rebolo, Bonadei, Zanini,
Figueira e os “brasileiros adotivos” Volpi, Mecozzi, Belloni, Pennacchi, ou Kaminagai. Mais vin
culados à figura humana estão Clóvis Graciano, Manuel Martins, Carlos Scliar, Oswald de An
drade Filho, Noêmia Mourão, Flávio de Carvalho e Antonio Gomide, entre outros.
4 Lourival Gomes Machado, “IX Salão do Sindicato dos Artistas Plásticos”, Clima, n° 15,
São Paulo, out. 1944.
169
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
po, de escola. Observa ainda: “Outra objeção que se fará à pintura paulista
há de relacionar-se com a hostilidade marcada de nossos pintores pelas ten
dências sociais ou intelectuais das correntes modernas. Com efeito, poucos
se apresentarão no Rio de Janeiro com uma bagagem, socialmente, surrealista
ou abstracionista. Em geral, os nossos pintores revelam uma alma prudente,
provinciana, desconfiada. Pisam somente em terreno firme e os ‘ismos’ os
amedrontam”. Mas indaga-se, a seguir, “se essa característica não será um
dado positivo, o contrapeso necessário ao brilhantismo brasileiro”.5
Em número anterior da mesma revista Planalto, Sérgio Milliet já men
cionara com desencanto a distância entre os artistas mais audaciosos e o pú
blico, quando escreveu a propósito da exposição de De Fiori na Galeria Casa
e Jardim: “[...] enquanto De Fiori vende uma simples aquarela, os inúmeros
fabricantes de quadros em série, estabelecidos nas imediações, renovam coti-
dianamente seus estoques. Se os artistas de São Paulo progridem, e dia a dia
mais se impõem nos meios artísticos internacionais, o público não os ajuda,
mantendo-se em um nível baixíssimo de gosto e de compreensão, preso às
mais ridículas e vulgares fórmulas acadêmicas. Qual a solução?”.6
Para Sérgio Milliet, a única saída seria a criação de um museu de arte
moderna, “a exemplo dos que já existem em quase todos os países do mun
do”. Enquanto isso não ocorre, “o crítico deve conformar-se com um papel
elucidador”.7
Mas um ilustre viajante estrangeiro entre nós, Pierre Chabloz, vê diver
samente essa indiferença pela arte que ele constata também. E, diga-se de
passagem, estabelece uma relação entre essa indiferença e a frivolidade de uma
sociedade inculta: “[...] se no Brasil se reverencia respeitosamente a Ciência,
brinca-se, por outro lado, com os valores artísticos (plásticos sobretudo) com
uma elegância e uma desenvoltura perfeitamente aristocráticas; com uma su
perficialidade que permite todos os charlatanismos e deprecia a obra dos ar
170
ANOS 40: A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PINTURA
tistas autênticos”. Essa ausência de respeito pela criação é vista por Chabloz
em função de uma distorção: “A noção de arte e de artista persiste, no espí
rito da maioria dos brasileiros, sob o seu aspecto romântico, ao qual vem se
juntar uma nuança de mundanismo — e os verdadeiros artistas, tanto nacio
nais quanto estrangeiros, teriam o direito de se ofenderem com isto, se não
tivessem bastante espírito para perceber o lado ridículo da coisa”.8
A exposição de Carlos Scliar, então um jovem promissor, a exposição
de Antonio Pedro em 1941, a exposição dos 40 pintores paulistas no Rio, tais
foram os principais acontecimentos dos primeiros anos da década de 40 no
meio artístico paulista. No Rio, a presença de Maria Helena Vieira da Silva.
Em São Paulo, o Salão da Feira Nacional de Indústrias, com a presença de
vários artistas expondo, a mostra de mosaicos do ateliê Osirarte, o concurso
promovido pelo Patrimônio, fazendo com que os artistas se iniciassem na
pintura de imagens e na arquitetura colonial paulista. Mas, pairando nos ór
gãos mais alertas, a preocupação com a guerra, o sentido da política pan-ame-
ricana de Washington, ou seja, o interesse dos Estados Unidos pela América
Latina durante a guerra e o prestígio de Portinari, “fazendo enormes afrescos,
na arte que a pintura do México revolucionário ressuscitou”.9
Em 1944, no pico da Segunda Guerra, a revista Diretrizes aborda o pro
blema do envio do Corpo Expedicionário Brasileiro à Europa, afirmando não
se tratar apenas de lutar “pela garantia de uma eficiente participação militar
do Brasil nas frentes de combate”, mas desejando o fim do fascismo no mun
do. O objetivo é também “conseguir uma sólida frente nacional, dentro do
Brasil, reintegrando na vida da nação todos os antifascistas que se acham dela
afastados ou segregados”.
E por essa razão que nesse período de luta pela formação de uma frente
de influência para a formação da opinião pública nacional se reorganiza a Liga
8 Jean Pierre Chabloz, “O Brasil e o problema pictural”, Clima, n° 8, São Paulo, jan. 1942.
®“O homem da rua”, Diretrizes, n° 2, mai. 1938. O crescimento industrial de São Paulo
também é focalizado (“São Paulo possui hoje 7.840 fábricas. O valor da produção dessas fábricas
atinge 2.918.943$000, ao passo que o valor da produção agrícola é pouco superior a 2.400.000$000.
O número de trabalhadores é de 213.668 operários”. Os principais centros depois da capital: São
Bernardo, Sorocaba, Jundiaí, Campinas, Taubaté e Santos).
171
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
10 Lourival Gomes Machado, Clima, n° 4, São Paulo, set. 1941. Ao abordar a programa
ção da nova revista Clima, Sérgio Milliet comentaria, meses antes, ser “por certo curiosa essa ten
dência vencedora dos paulistas para a crítica, em detrimento do romance e da poesia, tendência
que se vem afirmando desde 1922 quase sem solução de continuidade”. Mário de Andrade, autor
de Macunaíma, Oswald de Andrade, autor de Serafim Ponte Grande, e as Novelas paulistanas, de
Antonio de Alcântara Machado, constituem “exceções, ao contrário do que ocorre no norte e no
sul do País”. Sérgio Milliet, “Opiniões sobre Clima , Clima, n° 3, São Paulo, 1941.
172
ANOS 40: A REFLEXÃO CRITICA SOBRE A PINTURA
11 Mário de Andrade, “Esta paulista família”, O Estado de S. Paulo, s.d., apud Flávio Motta,
“A Família Artística Paulista”, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, IEB-USP,
n° 10, 1971 (separata).
173
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
10 Lourival Gomes Machado, Clima, n° 4, São Paulo, set. 1941. Ao abordar a program
ção da nova revista Clima, Sérgio Milliet comentaria, meses antes, ser “por certo curiosa essa ten
dência vencedora dos paulistas para a crítica, em detrimento do romance e da poesia, tendência
que se vem afirmando desde 1922 quase sem solução de continuidade”. Mário de Andrade, autor
de Macunaíma, Oswald de Andrade, autor de Serafim Ponte Grande, e as Novelas paulistanas, de
Antonio de Alcântara Machado, constituem “exceções, ao contrário do que ocorre no norte e no
sul do País”. Sérgio Milliet, "Opiniões sobre Clima", Clima, n° 3, São Paulo, 1941.
172
ANOS 40: A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PINTURA
11 Mário de Andrade, “Esta paulista família”, O Estado de S. Paulo, s.d., apud Flávio Motta,
“A Família Artística Paulista”, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, IEB-USP,
n° 10, 1971 (separata).
173
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
tico menciona que, morando no Rio nessa época, “numa fuga a São Paulo,
eu via encantado o Segundo Salão que a Família Artística Paulista apresen
tava”. E se pergunta: “Por que ao menos não mandaram esses moços? Está
claro que não vou desde logo afirmar sejam eles grandes expressões de plás
tica, mas a verdade é que todos esses paulistas estão pintando excelentemen
te bem. Muito melhor que no Rio”.12
Mário não deixaria, contudo, de afirmar, ao final de seu texto, que, ape
sar dessa sapiência de bem pintar, faltava à Família “o estouro, falta o estalo
de Vieira, falta a coragem de errar”, uma audácia, enfim, que lhe conferisse
caráter e lhe fosse uma marca.13
Em fins de 1944 (em novembro e dezembro), uma grande exposição de
artistas brasileiros é, por sua vez, apresentada em Londres, na Royal Acade-
my of Arts, cuja renda reverteria em benefício da R.A.F. (Royal Air Force),
os artistas, assim, participando do esforço de guerra contribuindo com seu
trabalho.
Porém, o Brasil enviaria, organizada por Marques Rebelo, este inquie
to fundador de museus (de Florianópolis, de Rezende, de Cataguazes), uma
exposição de pintura que circulou, em 1945, pela Argentina, em La Plata e
Buenos Aires, e pelo Uruguai, em Montevidéu.14 Tempos férteis em que a
disponibilidade dos críticos propiciava a apreciação mais demorada e a pos
sibilidade do registro imediato de suas reflexões, resultando em dois livros
publicados a propósito de nossa arte exposta nos dois países vizinhos: o La
pintura brasilena contemporânea, do crítico Romero Brest, editado pela Po-
seidon em 1945, e o Sentido humanista de la pintura brasilena contemporânea,
de Cipriano S. Vitureira, editado em Montevidéu, em 1947. Em 1946, uma
12 Idem, ibidem.
13 Em São Paulo, em 1941, também ocorreria o Salão da Feira de Indústrias, com grande
exposição de artes plásticas a “iluminar” o empreendimento do governo e da iniciativa privada,
exibindo o toque de criatividade, o toque humano, do mesmo ambiente que avançava industrial
mente e enfatizando a existência da indústria e das artes. Não apenas a máquina, mas a sensibili
dade do homem está presente. Um artifício?
14 A exposição se intitulou “20 artistas brasilenos” e foi apresentada no Museo Provincial
de Bellas Artes, em La Plata, e no Museo Nacional de Bellas Artes, em Buenos Aires.
174
ANOS 40: A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PINTURA
nova coletiva, desta vez organizada por Berco Udler, foi levada ao Chile (San
tiago e Valparaíso).
O Brasil também receberia mostras de pintura estrangeira visitante nes
ses anos da guerra, tendo sido as mais marcantes, sem dúvida, as duas ex
posições francesas: uma em 1940 e a outra em 1945. “Justamente quando os
franceses proclamavam o seu luto nacional”, chegada a nós pouco após a ren
dição da França frente aos nazistas, a exposição causa emoção, pela densida
de de informação, com “a serena alegria de sua arte, tal como uma vingança
do espírito contra a força”.15 Eugène Delacroix, Theodore Gericault e artis
tas contemporâneos, como Pierre Bonnard, Robert Delaunay, Henri Matisse,
André Lhote, Vicent van Gogh, Paul Cézanne, Henri Rousseau, Edouard
Manet, Claude Monet, Paul Gauguin, André Derain, Georges Braque, Mau-
rice Utrillo, entre outros, são vistos pelos artistas locais em verdadeira pere
grinação à mostra.
Em 1944, realiza-se igualmente a “Exposição de Pintores Norte-Ameri-
canos e Brasileiros” no Museu Nacional de Belas Artes, evento significativo
tanto mais que o crítico Sérgio Milliet publicara, um ano antes, A pintura
norte-americana, fundamentado, sobretudo, em bibliografia essencial que pu
blica em sua introdução ao texto. O objetivo do livro foi, segundo Milliet,
ser suficiente “para despertar o desejo de vê-la”, ou aduz ele ainda, “pelo me
nos, de melhor penetrá-la através de obras mais completas”.16
Uma das coletivas mais significativas dos primeiros anos 40 parece ter
sido aquela promovida por Juscelino Kubitschek em 1944, quando prefeito
de Belo Horizonte, levando a Minas uma grande caravana de artistas plásti
cos. Viajando em grupo pela região de Ouro Preto, e depois chegando à ca
175
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
17 “Arte moderna em Belo Horizonte”, Leitura, Rio de Janeiro, n° 18, mai. 1944.
18 Idem, ibidem.
176
ANOS 40: A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PINTURA
gozo do Prêmio de Viagem pelo País, “teve então rasgada à gilete uma natu-
reza-m orta » . 19
A propósito dessas depredações, Dinah Silveira de Queiroz escreveria,
surpresa diante dos preconceitos arraigados entre nós, que o amante do es
tilo, da forma, dos clássicos é forçosamente um “fascista”, um reacionário,
politicamente falando. E prossegue: “tão dolorosa, revela tanta estreiteza de
idéias, que só pode ser comparada com outra: a dos moços que se rebelam
contra as obras do modernismo — como encarnação do ‘comunismo’”. E
prossegue: “Atitude tão considerável e odiosa representada nas selvagens de
predações da Exposição de Arte Moderna — em Belo Horizonte”.20
Escrevendo demoradamente sobre o processo e o “clima” da escola de
Guignard, Mário compara-os com os de Portinari, e se envolve no ambiente
da iniciação à arte proporcionada pela nova escola de Belo Horizonte, atra
vés de observações em duas visitas a Minas feitas no espaço de um ano. Nes
sa primeira etapa, segundo Mário, “Guignard está se demonstrando um pro
fessor consciente e apaixonado de sua profissão. O proveito geral é franco e
Belo Horizonte possui uma verdadeira escola de pintura”.
Mas, ao mesmo tempo, faz uma advertência, considerando o processo
de formação de um artista: “Mas é preciso que esses alunos, de que o mestre
conseguiu desenvolver tão rápido a possibilidade de fazer o quadro, perse-
verem na desilusão próxima. Porque a desilusão vai chegar. Talvez o maior
perigo duma orientação inicial muito boa seja isso, sobretudo em ambien
tes sociais em que a cultura duma arte não é manifestação permanente de
profissionalismo”.21
19J. Moraes trabalharia, em 1945, com Santa Rosa e Athos Bulcão, no mural realizado por
Portinari na Capela da Pampulha. “J. Moraes e a gilete da reação”, Leitura, Rio de janeiro, dez.
1945.
20 Dinah Silveira de Queiroz, “Arte e política”, Leitura, Rio de Janeiro, n° 30, jun. 1945.
21 Diz Mário de Andrade: “Adquire-se com rapidez a obra de arte. Se atinge num salto a
difícil idade da adolescência. A idade da espinha. E então vem a etapa de marcar passo. O artista
principia piorando!”. E, se depois de repetir, de querer “reacomodar o aprendido dentro dum es
tilo pessoal”, “depois dum marcar passo ruminante, si ele tem mesmo o que dizer, pode ser que
um processo técnico imaginado, pode ser também um assunto, desvenda a vereda insuspeitada. E
o pintor novo tem que desbastar a sua vereda e transformá-la num caminho. E ainda tem veredas
177
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
que não levam a nenhum destino... Mas si o caminho está certo, si o artista manteve paciência
para procurá-lo bem, então estranhamente, como sem querer, lhe voltam aquelas aprendidas no
princípio. Elas se impõem, não mais como receitas, mas como verdades e se incorporam à perso
nalidade e ao estilo, sem nada mais desnortear, fortificando tudo”. Idem, ibidem.
22 M. N. (Mário Ney), “Arte degenerada”, Leitura, Rio de Janeiro, n° 18, abr. 1945.
23 Fazendo referência às aquisições de obras de Jaramillo, “coisa rara a um pintor estrangei
ro que expunha pela primeira vez entre nós”, a revista cita que “entre aqueles que adquiriram os
seus trabalhos basta citar um nome para honrar o artista: Cândido Portinari”. “Uma grande ex
posição”, Leitura, Rio de Janeiro, n° 32, ago. 1945. Os títulos das obras definem bem a linha da
exposição: A gaita, Acidente na mina, Idílio, Lavadeiras, Professora rural, Mulher camponesa, com
grandes figuras dominando poucos elementos, a composição.
178
ANOS 40: A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PINTURA
24 Amélie Barthauld, “Visitando a Exposição Francesa”, Leitura, Rio de Janeiro, n° 34, out.
1945.
2^ “Arte italiana contemporânea”, Joaquim, Curitiba, n° 6, nov. 1946.
26 Gianfranco Bonfati, “De como não ensinar pintura”, Joaquim, Curitiba, n° 7, dez. 1946.
179
\
27 Idem, ibidem.
180
19.
181
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
a revista Horizonte, entre outras. Vasco Prado, por exemplo, enviou trabalhos
para a Bienal e, depois, por obediência partidária, retirou seu envio. Surgiria
também certa amargura por parte de membros desse grupo pela participação de
Portinari no evento — um artista denominado “progressista”. E você, Artigas,
escreveu sobre a Bienal.
VILANOVA ARTIGAS — Escrevi na revista Fundamentos e também num
rodapé que foi publicado na Tribuna Popular ou Imprensa Popular, do Rio
de Janeiro. Esse rodapé, que infelizmente não tenho, saiu exatamente no dia
da inauguração da Bienal. Foi publicado também no Notícias de Hoje ou Hoje,
o jornal do Partido Comunista aqui em São Paulo. O pessoal aqui achou
muito corajoso o artigo. Foi preciso enfrentar aquilo meio na bruta, e fiquei
mais ou menos sozinho na liderança por caracterizar politicamente o que eu
achava. Mesmo para algumas pessoas que trabalhavam no Museu de Arte
Moderna, como Eva Fernandes.
ARACY AMARAL ■
—• Quem era ela? Por que o nome dela aparece em várias
exposições da época, como na O DA, a Oficina de Arte?
VILANOVA ARTIGAS — Era uma amiga de Alice Brill. Hoje é casada com
José Eduardo Fernandes, médico, que foi diretor da primeira fase de Funda
mentos, que, depois passou para minhas mãos, no início de 50. Em Funda
mentos havia também alguns artigos sobre arte dos loucos etc., e estes tinham
um significado ideológico que valeria a pena considerar, fazendo um relato
sincero e leal, para poder contribuir com uma informação para você.
ARACY AMARAL — Sua posição em relação à Bienal então se aproximava
daquela do grupo do Sul?
VILANOVA ARTIGAS — É preciso saber que o grupo paulista sempre foi
muito independente, não só do grupo do Sul como do grupo carioca. Aqui
valeria a pena prestar atenção ao fato de que esse grupo de São Paulo ficou
junto conosco e não participou da Bienal — inclusive muitos pintores que
já tinham nome feito. Outros não tinham tanto nome, não era gente ligada
a nós, que estivessem comprometidos com o Partido Comunista: Mário
Gruber, Octavio Araújo e só. Mas Octavio mais de longe... Quem fazia a
frente dessa campanha era eu, particularmente, mas só no plano teórico, por
que em relação à arquitetura tem que se ver isoladamente.
182
O PANORAMA DOS ANOS 50: ENTREVISTA COM VILANOVA ARTIGAS
183
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
ARACY AMARAL — Assim como você na área de arquitetura, ele parece ter
sido o teórico das artes plásticas desse grupo... No Rio não havia outra pessoa?
VILANOVA ARTIGAS — No Rio, você poderia fazer perguntas ao Moacir
Werneck de Castro, o jornalista.
ARACY AMARAL — E Paulo Werneck?
VILANOVA ARTIGAS — Foi um pintor progressista, do Partido Comu
nista, e todo mundo dava trabalhos murais para o Paulo Werneck, mas nunca
tive contato com ele. Era amigo do Oscar Niemeyer, promovido pelo PC
desse tempo, do Rio.
184
O PANORAMA DOS ANOS 50: ENTREVISTA COM VILANOVA ARTIGAS
ARACY AMARAL — Como você coloca sua posição v e rsu s uma posição como
a do Mário Gruber, por exemplo, que não queria falar de limitações de um rea
lismo, digamos, socialista? Ele dizia que a posição dele era de uma abertura, den
tro da própria militância. Em relação a Fernando Pedreira, parece que a posi
ção dele era bem antagônica, diante do que dizia Gruber. E preciso considerar
também a obra dele desse tempo para que se veja o que sefazia e o que sefalava.
VILANOVA ARTIGAS — Não é verdade. Não havia discrepâncias, havia até
uma unidade relativamente grande. Havia diferenças de participação pessoal,
mas isso não implicava luta, nem os debates do ponto de vista teórico eram
tidos como aceitos por todos. Veja: o Pedreira tinha bastante independên
cia, mas nunca achamos bom nem ruim o que ele fazia. Ele escrevia o ponto
de vista dele. Depois, pelas próprias colocações dele, a gente já via certas po
sições de abertura que levaram ao período de 1956, mas não provocaram um
confronto entre nós.
ARACY AMARAL — Vocês tinham um bom relacionamento com o Sul?
VILANOVA ARTIGAS — Não, eu não, nunca os tolerei, mas isso por po
sições teóricas, como arquiteto. Nesse período de Horizonte e Fundamentos,
nós aqui em São Paulo (eu particularmente, não posso falar em nome de
Pedreira), mas eu me sentia oposição frontal, tanto assim que naquele arti
go que faço sobre arquitetura por volta de 1950/51, e que considero a coisa
mais importante que se fez no Brasil em torno disso, mas é minha opinião
pessoal, Caminhos da Arquitetura Moderna, termina dizendo: “O que se de
ve fazer é tomar uma atitude crítica em relação à realidade” — posição que
se pode manter até hoje. Posição crítica em relação ao real é a de uma filo
sofia crítica.
Em conseqüência, os camaradas da direção do Partido ficaram muito
aborrecidos comigo por causa daquilo e reuniram esse pessoal sectário, da
esquerda, que era o pessoal do Rio Grande do Sul, que propunha uma arte
regionalista, e que passaram a desenhar homem com laço e cavalo de fron
teira. Há umas gravuras do Scliar muito bem-feitas, uma cerca de arame e um
homem com um laço. Eu não tolerava isso, achava uma visão pobre... Em
relação à arquitetura, no fundo, pensavam que o realismo socialista que de
fendiam estaria necessariamente vinculado ao fazer uma arquitetura colonial,
como o Lucio Costa tinha inventado, que viria do passado.
185
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
186
O PANORAMA DOS ANOS 50: ENTREVISTA COM VILANOVA ARTIGAS
em termos plásticos que não quer saber nada da história, dos arcos ou dos
capitéis, de Bramante etc., e então você tem um Adolf Loos — “o ornamen
to é um crime”. Os mais radicais vêm e dizem que a técnica moderna, a in
dústria moderna, os novos materiais resolverão todos os problemas, inclusive
os sociais. Então cria-se, aqui, a história do trabalho, do homem como ciên
cia, tecnologia e produção. E nega a história, que é a história do próprio ho
mem, como se a burguesia estivesse cansada de toda a história, e surgisse um
caminho novo em que não aparece mais a classe operária. Então, essa van
guarda moderna nega a burguesia, mas para se pôr a favor da burguesia sem
programa histórico nenhum — porque sem o homem. E então as vanguar
das — inclusive as vanguardas artísticas do tipo das concretistas — supõem
uma posição a-histórica. Isso também acontece com o arquiteto. Isso serve
aos oportunistas, porque obviamente você não precisa mais conviver com a
história. E também, do ponto de vista filosófico, não querem assumir com
promisso sobre o futuro do homem. Eles negam o futuro, porque desvin
culados totalmente do passado.
Certo que essa é uma posição filosófica ligada a pontos radicais, posto
que a história não vai liquidar o amanhã. Mas mesmo trabalhando nessa di
reção, você acaba revalorizando a história. E inevitável. Pude chegar em 1954,
agora volto novamente. Renascer. Posso renascer daqui, fruto da história. E
vou ver aquilo da história que me interessa conservar, que é patrimônio da
humanidade, acima de ser patrimônio da classe operária. De modo que é
patrimônio de todos, você não precisa nem estar ao lado da classe operária
para poder participar desse patrimônio. E uma visão de humanismo inteira
mente novo, e que só ele mesmo justifica a posição do marxismo. E então se
pode estender a mão para todo mundo sem perguntar quem é você, e pode
se olhar para as posições de um Haroldo de Campos mais criticamente.
A arte moderna tinha essa característica de abrir mão de todas as infor
mações que mais ou menos vinham da história da arte para fazer uma arte
que não tinha história, que era inventada por cada indivíduo isoladamente,
e que seria o Abstracionismo que iria buscar fatos, meia dúzia de fatos que
não tinham nada a ver com o passado. Eles asseguram Mondrian, porque es
tabelecia uma lógica. Vão até o Cubismo, porque dá uma lógica da aprecia
ção dos volumes no espaço. Mas você vê que sempre procuram relações pseu-
docientíficas e abstratas em relação ao espaço do quadro e da manifestação
187
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
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O PANORAMA DOS ANOS 50: ENTREVISTA COM VILANOVA ARTIGAS
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1 hNDENCIAS DA ARTE MODERNA
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O PANORAMA DOS ANOS 50: ENTREVISTA COM VILANOVA ARTIGAS
ARACY AMARAL — Isto é, não foi implantado, mas ficou como um marco?
VILANOVA ARTIGAS — Nenhum arquiteto paulista tomou conhecimen
to daquilo, nenhum.
ARACY AMARAL — Nesses anos que estamos abordando, como seu trabalho
de arquiteto correspondia ao seu ideário? No Rio de Janeiro, como sempre se men
ciona, foi implantada a arquitetura brasileira, porque as iniciativas eram oficiais,
o Estado Novo dava a possibilidade da emergência da arquitetura que fornecia
uma nova imagem. Agora, você aqui em São Paulo: quais obrasfez? Ou você acha
que se vive sempre num clima de contradição, que persiste até hoje entre os ar
quitetos, entre o que se pensa e o que se faz? Havia a possibilidade de conciliar
essas coisas?
VILANOVA ARTIGAS — Para falar a verdade, não havia nenhuma. As con
dições da produção da burguesia paulista ou do governo paulista eram de não
dar trabalho a não ser para arquitetos que eram empregados públicos, no
DOP (Departamento de Obras e Edifícios Públicos). O que tem de interes
sante nessa coisa toda é que o problema era vender seu projeto. Mas, para o
Estado, você só podia fazer com concorrência pública, com projetos que eles
davam para o lado de lá, então não havia condições de se trabalhar com o Es
tado. Os arquitetos paulistas, mesmo se você considerar o Oswaldo Bratke,
o Rino Levi, todos, independentemente de qualquer posição que tenham to
mado, só podiam viver da iniciativa privada.
O governo jamais nos encomendou coisa nenhuma. Quando vinham
para cima de nós era na base de concursos indignos, onde o construtor par
ticipava junto com o arquiteto — como foi o concurso do Paço Municipal,
onde eu ganhei o segundo lugar junto com Warchavchik. Mas esse pessoal
nunca nos deu uma encomenda, em suma, a burguesia paulista só conhece
arquitetura no nível quantitativo, não no nível de construção. Ela nunca se
interessou por nada, nada, nada. E as manifestações artísticas, nossas, dos
pintores, inclusive, foram sempre individualizadas e sozinhas, miserabilizadas.
E eles atiravam para nós — quando compravam nossos quadros ou nos man
davam fazer as nossas obras de arquitetura — um óbolo. O que sobrava da
mesa deles. E você verá que tenho razão por isso, porque as posições desses
grandes nomes paulistas aparecem por aí, como Yan de Almeida Prado, Paulo
Duarte, são posições generosas que batem a mão na cabeça dos mocinhos que
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O PANORAMA DOS ANOS 50: ENTREVISTA COM VILANOVA ARTIGAS
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TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
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O PANORAMA DOS ANOS 50: ENTREVISTA COM VILANOVA ARTIGAS
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ANOS 50: A EMERGÊNCIA DO INTERNACIONALISMO NA PINTURA
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TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
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ANOS 50: A EMERGÊNCIA DO INTERNACIONALISMO NA PINTURA
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21.
Nos anos 50: Alberto Greco em São Paulo
[1991]
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NOS ANOS 50: ALBERTO GRECO EM SÃO PAULO
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TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
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NOS ANOS 50: ALBERTO GRECO EM SÃO PAULO
vai do Rio de Janeiro. Como Nicola não possuía meios para se deslocar para
o Rio, tentou dissuadi-lo. Greco produziu então alguns desses guaches que
fazia para vender, e vendeu-os. Voltou a Nicola dizendo-lhe que já tinha
meios para pagar duas passagens de ida para o Rio de Janeiro. Diante da re
cusa da viagem em tão precárias condições, Greco reafirmou sua intenção de
ir ao Rio. “Falta-me, no entanto, uma fantasia para o Carnaval”, disse ele.
Norberto Nicola lembrou-se de um caften de veludo verde ordinário que já
usara numa festa de Carnaval. Greco vestiu-o. Com uma toalha na cabeça,
amarrada com um cordão, parecia fantasiado de árabe. Vestido assim embar
cou para o Rio, sem bagagem, uma semana antes do Carnaval, voltando de
lá somente duas semanas depois, ainda vestido da mesma maneira.
Norberto Nicola rompeu depois com Greco por considerá-lo definiti
vamente amoral pela maneira como se conduzia diante das pessoas. Alberto
Greco, contudo, conheceu então um casal italiano que se encantou com ele,
passando a sustentá-lo, em troca da promessa de aulas. Viviam em Santo
Amaro e, na verdade, segundo Nicola, também paternalizaram o Greco, que
se queixava do casal que regulava sua vida: só o deixavam ir ao centro nos fins
de semana, quando lhe davam o dinheiro suficiente para o transporte. Mas
não ficaria com eles mais que dois ou três meses.
Foi quando decidiu voltar à Argentina. Comprou passagem de navio
para Buenos Aires e teve a idéia de levar uma exposição de arte brasileira, só
de desenhos, pois era mais fácil de transportar. Só papel. Convidou vários ar
tistas, entre os quais Leopoldo Raimo. Nicola estranhou que ele não o hou
vesse convidado, pois tinha sido seu hóspede muito tempo, ao que Greco ex
plicou que um dia ele entenderia porque não fora incluído na exposição. Uma
espécie de honestidade ao contrário, na verdade, pois esses trabalhos nunca
voltaram a seus autores. Depois de expostos em Buenos Aires, Greco os ven
deu e embolsou o dinheiro...
Norberto Nicola veria Greco ainda duas vezes, quando de sua passagem
pelo Brasil. Numa dessas ocasiões, quando o navio se deteve em Santos, to
mou um táxi e veio visitá-lo em São Paulo. Mas não o encontrou, porque
Nicola estava expondo na Galeria OCA, no Rio de Janeiro. Quando o navio
tocou no Rio, Greco foi procurá-lo e estiveram juntos.
22.
Da produção concreta à expressão neoconcreta
[Década de 1990]
209
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
210
DA PRODUÇÃO CONCRETA À EXPRESSÃO NEOCONCRETA
211
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
seus trabalhos, material que é a riqueza maior de seu estado natal, Minas
Gerais. No Rio de Janeiro, então capital do país, os primeiros concretos fo
ram Lygia Clark, Ivan Serpa, Franz Weissmann, Hélio Oiticica; além de
Lygia Pape, que passou da xilografia concreta ao tridimensional, realizando
o Livro da criação (1959), verdadeiro poema plástico, além de criar em 1958,
com Reinaldo Jardim, um Ballet neoconcreto.
Falar na dificuldade de projeção internacional de concretos e neocon-
cretos brasileiros seria ignorar que, além de Ivan Serpa, do Rio de Janeiro,
também Fiaminghi, como Cordeiro, Sacilotto e Charoux foram contatados
por carta pela Galeria Denise René, interessada em suas obras. Como sua
condição era o artista se radicar em Paris durante dois anos antes de expor
em sua galeria, e como nenhum dos brasileiros aceitou tal imposição, o gru
po não foi incluído na prestigiosa galeria. Não foi o caso, por exemplo, do
argentino Julio Le Pare (1928), que, tendo obtido uma bolsa do governo fran-,
cês em 1958, vive até hoje em Paris.
A rigidez dogmática dos concretos de São Paulo, entre os quais se ali
nhavam Nogueira Lima e Judith Lauand, impunha uma direção para as obras
em pintura, baseada no respeito à bidimensionalidade do suporte, a supre
macia da racionalidade contra a expressão (“a arte, enfim, não é expressão,
mas produto”, escreveu Cordeiro), jogos de espaços reais versus espaços vir
tuais, presença modular, polimento exemplar da superfície, suporte industria
lizado (tipo conglomerado de madeira ou alumínio, por exemplo), assim
como o início da utilização do esmalte em substituição ao óleo tradicional.
Já os neoconcretos do Rio de Janeiro, após a ruptura em 1957, vão se
apresentar como uma experiência que privilegia o momento gerador da obra,
ao mesmo tempo que se abrirá caminho para a expressividade. Por essa aber
tura dos neoconcretos do Rio, o artista chegará, como diz Fernando Cocchia-
rale, ao âmbito da subjetividade que levaria ao sensorial, transcendendo o
racional. Esse é o grande salto do grupo carioca, que o leva ao encontro das
experimentações vigentes nos anos 60.
Ferreira Gullar, o grande teórico do Neoconcretismo, define a diferen
ça dos dois grupos (concretos e neoconcretos), mencionando que os neocon
cretos rejeitavam totalmente a idéia da “forma seriada e dos efeitos puramen
te óticos” e adotavam a forma orgânica, sendo que seus trabalhos implicam
“numa descida à fonte mesma da experiência, donde a obra de arte brotará
212
DA PRODUÇÃO CONCRETA À EXPRESSÃO NEOCONCRETA
2 Ferreira Gullar, “Da Arte Concreta à Arte Neoconcreta”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
18/7/1959.
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
Esmeraldo é, por sua vez, pesquisador de efeitos cinéticos com seus Excitáveis,
realizados em Paris, em meados dos anos 70. Na área da abstração sensível é
interessante o percurso solitário da obra em permanente processo de Arthur
Luiz Piza, depois de ter se dedicado muitos anos à gravura e que, atualmen
te, trabalha em relevos monocromáticos sobre cartão.
Inúmeros artistas se aproximariam dos concretos no Nordeste do Bra
sil, ou dos abstrato-geométricos de São Paulo e Rio de Janeiro; mesmo um
artista da Bahia, como Rubem Valentim, de temática vinculada aos rituais
afro-brasileiros, seria afetado pelo Construtivismo, em seu caso, simbólico.
Essa aproximação não seria permanente, mas, na maior parte dos artistas,
ocorre como um período de exercício de rigor, ao qual se seguiriam retornos,
seja à figuração, seja à abstração informal.
214
23.
Joan Ponç
[1984]
215
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
tas, com participação impactante de 1957, com materismo que marcaria for
temente artistas brasileiros das novas gerações: tempo em que Modest Cui
xart obtém, em 1959, um prêmio internacional de pintura, tendo ambos si
do companheiros de Ponç no grupo Dau al Set, nos anos 40.
Alunos seus de então, como Mary Kuperman, José Nemirovsky, Jeanete
Musatti, Ricardo Smith e Moisés Baumstein foram os que pudemos contatar
neste breve espaço de tempo que tivemos para o preparo desta mostra que
contou, para sua realização, com o empenho de Lisbeth R. Gonçalves, Ana
Lúcia B. Ottoni, Lúcia M. Carvalho, Sônia Salzstein e Manolo Moran. Agra
decemos, em particular, ao apoio de Francesc Petit i Reig, a quem devemos
a possibilidade do registro da mostra.
216
24.
jyjavignicr 75 anos
[2000]
217
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA I
nho de Dentro, no Rio de Janeiro, sob a direção da dra. Nise da Silveira, ob
servando a emergência da criatividade em artistas privados de plena cons
ciência; sua formação em Ulm, onde estuda de 1953 a 1958, sobretudo co
mo aluno muito próximo de Josef Albers; sua experiência que resulta no ál
bum Permutações (1960/61), a desencadear toda uma série nova de suas pin
turas; seu trabalho como organizador em 1961 de uma exposição — “Novas
Tendências” — com artistas de Zagreb, na Iugoslávia de Tito; e a criação de
“aditivos”, ou seja, a justaposição de cartazes que, desvestidos de textos, uni
dos em seqüência vertical/horizontal, adquirem uma escala não mais de ar
tes gráficas porém de arte maior, por sua poderosa visualidade.
Sua experiência no Ateliê do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Den
tro a partir de setembro de 1946 foi fundamental para sua formação, sendo
que ele próprio a reconhece como sua grande escola. Mário Pedrosa defini
ria em poucas palavras a razão da empolgação do jovem artista Almir Ma
vignier, como monitor do Ateliê de Terapia, em seu artigo sobre a primeira
exposição do Engenho de Dentro, em 1947, no Correio da Manha-, “Uma das
funções mais poderosas da arte — descoberta da psicologia moderna — é a
revelação do inconsciente, e este é tão misterioso no normal como no cha
mado anormal. [...] As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem
simbólica que o psiquiatra tem por dever decifrar. Mas ninguém impede que
essas imagens e sinais sejam, além do mais, harmoniosas, sedutoras, dramá
ticas, vivas ou belas, constituindo em si verdadeiras obras de arte”.1 Daí tam
bém a observação assombrada do jovem artista-monitor frente aos desenhis
tas e pintores internos. A importância desse trabalho pioneiro de Mavignier
junto à dra. Nise da Silveira é exaltado de certa maneira quando no II Con
gresso Internacional de Psiquiatria em Zurique, em 1957, frente a uma ex
posição dos internos no Engenho de Dentro, C. G. Jung diz à dra. Nise da
Silveira que se impressionara com as pinturas, porque, embora fosse visível
que fossem obras de esquizofrênicos, observara em outros “planos a harmo
nia de formas e de cores que não é habitual na pintura dos esquizofrênicos”.
Então, indaga-se surpreso; “Como é o ambiente onde esses doentes pintam?
218
MAVIGNIER 75 ANOS
S u p o n h o q u e tr a b a lh e m c e rc a d o s d e s im p a tia e d e p e sso a s q u e n ã o tê m m e
d o d o in c o n s c ie n te ” .2
Para Pedrosa, Almir Mavignier, “instruído por Nise, carregava ainda
consigo uma fé ardente e romântica, e que não transmitia a ninguém: a de
que dentro da câmara escura daquele esquizofrênico havia um gênio. Assim,
o monitor-artista se havia proposto uma missão extra: a de oferecer a seus
monitorados as melhores condições possíveis para que pudessem ‘criar’ li
vremente, sem que nada, absolutamente nada, os impedisse”. Daí porque,
ainda segundo Pedrosa, este espaço terapêutico se transformaria num “atelier
vivo e movimentado pelos doentes que ali se acostumavam, como se fosse a
casa deles”.3
O aprendizado da pintura com Arpad Szènes foi precioso não apenas
por instruí-lo na manipulação das tintas e composição como no sentido de
tê-lo colocado em contato com outros jovens artistas. É nessa época que divi
dia entre as aulas de desenho livre e pintura em suas atividades no Engenho
de Dentro, que conhece a Ivan Serpa e que Renina Katz o apresenta a Abra-
ham Palatnik. Serpa, Palatnik e Mavignier serão, assim, os três colegas jovens
de uma geração. O encontro com Mário Pedrosa, nesse fim dos anos 40, foi
também marcante: o grande crítico era um espírito aberto e generoso e quan
do conhece, por intermédio de Mavignier, os artistas do Engenho de Dentro,
se entusiasma vivamente, chegando, como ele mesmo narra, a visitar Raphael
em sua casa, em momentos de licença. Pedrosa alimenta sua curiosidade pe
las artes visuais, oscilando entre a expressão criativa das crianças e loucos —
nos cursos de Ivan Serpa e no ateliê de Mavignier no Engenho de Dentro —
e a racionalidade que percebe nas tendências abstrato-geométricas que come
çam a surgir em São Paulo e no Rio de Janeiro a partir de 1947 e 1948.
Ter Mário Pedrosa como interlocutor foi realmente um privilégio des
sa geração que vivia no Rio de Janeiro nesse período, assim como acompanhá-
2 Mário Pedrosa, “Introdução”, idem, ibidem, p. 10. Era verdadeira sua suposição, pois a
afetividade rodeava a atividade desses doentes no Ateliê de Engenho de Dentro ao iado de Almir
Mavignier. Conseguida a licença para que Raphael, por exemplo, passasse um tempo em casa de
sua mãe, lá visitaram-no não apenas Mavignier, para dar seqüência às sessões de pintura, como o
próprio Mário Pedrosa. Texto citado, idem, ibidem, p. 9.
3 Mário Pedrosa, idem, ibidem, p. 9.
219
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
lo a ver, em São Paulo, a exposição de Max Bill em 1950, junto com Mary
Vieira e Palatnik.
Nesse mesmo ano é o próprio Mário Pedrosa quem assina a apresenta
ção de sua primeira individual no LA.B do Rio de Janeiro, expondo obras fi
gurativas e as primeiras abstratas: “Ele quer atingir, na rigorosa bidimen-
sionalidade, a pura sucessão de formas numa escala alta de cores líricas, aé
reas, que convidam em geral à expansão espacial”. Era uma referência, sem
dúvida, a obras como a sua primeira aquarela abstrata, em 1949, e estava
ansioso por explorar esse campo não-figurativo que se abria a seus olhos. É
por essa razão que Pedrosa afirma tê-lo interessado, na exposição de Bill em
São Paulo, o sentido de ordem presente em seus trabalhos: “Em suas 15 va
riações estava a chave de sua pintura concreta”. Mavignier decide então, as
sim como Mary Vieira, ir para a Europa.
Antes de embarcar para Paris no ano seguinte, Mavignier expõe somente
obras abstratas no Museu de Arte Moderna de São Paulo, novamente apre
sentado por Pedrosa, que acompanha, em seu texto, o início das incursões
pelo Abstracionismo por parte do jovem artista: “fase de experiência, por ve
zes ingênua, no domínio das puras pesquisas formais”, referindo inclusive que
essa passagem “do figurativismo festivo e lírico, com Bonnard, à abstração de
purada de Mondrian e Max Bill, se processou aos poucos, seriamente, tendo
ele, na fase ascética de transição, se escorado em Morandi, silencioso mestre
das claridades profundas, tímidas e transparentes”.
Assim, pertence a uma geração que teve o privilégio de estudar, convi
ver, e crescer diretamente em contato com os intelectuais e artistas que mais
admirava, na corrente da arte — Concretismo — marcante em nosso século
XX. Tendência de sua eleição para sua trajetória como artista. Em seu caso,
com Max Bill, Josef Albers, Vordemberghe-Gildewart, Otl Aicher, Max
Bense, por exemplo, ao estudar em Ulm, na Escola Superior da Forma (Hoch-
schule für Gestaltung), concebida e projetada, como arquitetura, por Bill.
Como os demais brasileiros com os mesmos ideais que lá estiveram de pas
sagem, estudando ou expondo, como Geraldo de Barros, Mary Vieira, Ale
xandre Wollner e Abraham Palatnik.
Em Paris surgiriam suas primeiras pinturas concretas, no ateliê de De-
wasne, na Grande Chaumière, já se utilizando de esmalte sobre aglomerado
de madeira, evitando assim, segundo os princípios seguidos igualmente pe-
220
MAVIGNIER 75 ANOS
jos concretos de São Paulo, a tela e os processos artesanais, optando, por su
porte industrializado e tinta passível de aplicação com pistola. E já aparecem
pela primeira vez, pontos que seriam a marca de sua pintura. (Chego até
a pensar na incorporação intuitiva por Mavignier, embora não registrada por
seu intelecto, dos pontos que um interno, como Arthur Amora, eliminara de
composições intrigantes com dominós, trabalhos que tanto Mavignier admi
rara, nos tempos do Engenho de Dentro... Seria “uma viagem” de minha
parte?) Pontos que ressurgem nas pinturas de Almir Mavignier, em vários
momentos, sob diferentes formas, e de pontos a partículas de pigmento puro
e que, posteriormente, em Ulm, assumem um caráter definido, depois do
contato com Albers.
Mavignier lembra que Bill afirmara que o que importava era o caráter
objetivado. Assim, se a mancha é necessária para uma determinada estrutura
cogitada, que se trabalhe com a mancha, portanto, em franca defesa da au
tonomia no processo de criação artística. Desta forma surge em 1956 seu
Nove quadrados que, à primeira vista, pode parecer uma entrada na abstra
ção informal ou uma demissão do Concretismo. Na verdade significava o
início do trilhar de seu próprio caminho: nove quadrados estruturados a partir
de minúsculos pontos a projetar uma imagem virtual dos quadrados pinta
dos com pontos, em tons baixos sobre fundo negro ou cinza escuro. Em cada
núcleo, tênues pontos de tons surdos, delicados, pastel, em relevo (ocre, azul
claro/cinza, lilás/cinza, verde-claro). E em cada núcleo um ponto de cor au
sente do núcleo, porém presente em toda a tela.
Quadrado deformado, no ano seguinte (1957), na justaposição de minús
culos pontos e pontos de pigmento em intensidade variada, nos traria à tona
o convexo/côncavo, que ele exploraria em ampla série a partir de início dos
anos 60.
Da mesma forma, em reação contra o Tachismo vigente em fins dos
anos 50 e início dos 60, aparece a tela Dois quadrados virtuais sobrepostos,
aparentemente brancos porém com leveza de intenso materismo, como em
rajadas de suave colorido, em azul claríssimo, amarelo claríssimo, verde
claríssimo.
Aliás, o tema do quadrado, herança evidente do mestre Albers, reapa
rece em toda a trajetória profissional de Mavignier, sob inúmeras formas: nas
pinturas, no cartazismo, no formato dos catálogos. Frontal, estático, hierático,
221
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
parecem ser as normas que dirigem suas concepções pictóricas. Um dos ra
ros momentos em que o quadrado desaparece talvez seja Estrutura em rota
ção (1958, elaborado em Ulm), onde o movimento se insinua. Ou quando
o quadrado é colocado em diagonal (Estrutura azul, verde e marrom, 1959)
onde a superfície semovente da matéria informal parece desafiar a existência
dos quatro quadrados retidos dentro do quadrado maior.
Frente a Mavignier não estamos diante apenas de um artista gráfico ex
cepcional, de realizações exemplares. Estamos frente a um pintor que não abre
mão de sua vocação como artista plástico, e cujo trabalho nutre o cartazismo
que o tornou reconhecido na Europa, mas cuja pintura também se nutre da
intimidade com os mistérios da cor, das justaposições e sobreposições cromá
ticas de que se vale enquanto artista gráfico.
Na verdade, pode-se perguntar: o que permanece de suas origens, do
Brasil, neste artista gráfico e pintor há quase cinco décadas vivendo fora de
seu país de nascimento? Eu diria de imediato que o rigor estrutural e com-
positivo de toda a sua obra espelha sem dúvida a Hochschule fur Gestaltung,
a Escola Superior da Forma, de Ulm, que ele, com justa razão, se orgulha
de ter freqüentado, com mestres com os quais pôde conviver. Esta postura
apreendida em Ulm se reflete em seu espaço pessoal, seu grande ateliê de
Hamburgo, impecável em sua ordem e organização, como dirige a concep
ção de seus cartazes e sua pintura. A série dedicada ao alfabeto de Albers, in
corporado em vários cartazes de Mavignier — inclusive no cartaz da exposi
ção que comemorou seus 70 anos — , reflete esse respeito. Assim como o culto
pela Antigüidade clássica, tão genuinamente germânica, já está integrada na
personalidade e no gosto deste artista carioca que não vacila em afirmar que
“sem passado não há futuro nem presente”. Mesmo que no caso de um bra
sileiro seja um passado, como a Antigüidade egípcia tão cara a Mavignier,
tomada de empréstimo através da admiração por um processo civilizatório
que não o nosso. Que na Europa, sim, possui um nexo, por ter passado pelo
Mediterrâneo para a Grécia e depois Roma, e daí ao território europeu, po
rém que de nós está a uma distância estelar.
O “ateliê pequeno” deste artista e sua casa também transpiram o espíri
to de Ulm, nos transportam à organização do espaço de mestres de nosso sé
culo, como Saarinen, Le Corbusier, Alvar Aalto, Charles Eames, entre outros.
A obsessão do detalhe ou o perfeccionismo perseguido no design de cada to
222
MAVIGNIER 75 ANOS
CRONOLOGIA
1925 Almir da Silva Mavignier nasce no Rio de Janeiro, a Io de maio, filho mais novo
dentre quatro irmãos (três irmãos e uma irmã), sendo sua mãe Margarida da Sil
va Mavignier, de origem maranhense e seu pai Melchizedeck Eliezer Mavignier,
da Paraíba. Foi Mário Pedrosa quem o informou que o nome Mavignier apare
cia em texto de Gilberto Freyre. Trata-se de referências citadas em Sobrados e
mucambos (volumes 2 e 3, Rio de Janeiro e São Paulo, José Olympio, 1951, pp.
1.028/9 e 625/6); “Em 1848, jornais como o Diário de Pernambuco ainda tra
ziam anúncios de retratistas romanticamente a pincel como Cincinato Mavignier.
Fazia Mavignier constar ao ‘respeitável público’, pela edição de 12 de outubro
do mesmo jornal, que recebera da França, no seu sobrado da Travessa do Carmo
223
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
224
MAVIGNIER 75 ANOS
225
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
rém, à artista portuguesa Maria Helena Vieira da Silva, sua mulher, que o esti
mula a tomá-lo por aluno, Szènes aceita Mavignier. Começa então a freqüentar
duas vezes por semana, à tarde, o ateliê de Arpad Szènes, no Grande Hotel In
ternacional, em Santa Teresa, onde também entra em contato com Frank Schaef-
fer e outros. E desse período o Retrato de Arpad Szènes (1947), hoje na Coleção
Gilberto Chateaubriand.
Expõe no Salão Nacional de Belas Artes o Retrato de ateliê, onde se revelam suas
possibilidades como colorista. Na ocasião, o crítico Santa Rosa já destaca o jo
vem artista.
1947 Depois da Segunda Guerra Mundial, o casal Maria Helena Vieira da Silva e
Arpad Szènes regressa à Europa. Szènes deixa Leskoschek na Pensão Interna
cional como orientador de seus alunos. Mavignier, por algum tempo, freqüenta
também o ateliê de Henrique Boese. Os internos do Engenho de Dentro conti
nuavam a trabalhar intensamente. Raphael passava temporadas em casa e Almir
fazia sessões de trabalho na casa dele, distribuindo os objetos e frutas a compor
para as naturezas-mortas que desenhava. Já Emygdio pintava a natureza, ele pró
prio selecionava suas inspirações-temas.
Expõe coletivamente no Ateliê Silvestre, no Rio de Janeiro.
1948 A gravadora Renina Katz apresenta-o a um amigo, brasileiro, porém recém-che-
gado de Israel, Abraham Palatnik. A partir daí forma-se o grupo dos três jovens
amigos artistas: Mavignier, Serpa e Palatnik. Mavignier leva-os a conhecer o ate
liê do Engenho de Dentro.
“I Exposição do Engenho de Dentro”, no Ministério da Educação. Por ocasião
dessa mostra, vê um homem ajoelhado para melhor analisar um desenho de
Raphael: era o crítico Mário Pedrosa, que depois visitaria o Engenho de Dentro
com Mavignier e ficaria encantado com a excelência das obras expostas. Léon
Degand, primeiro diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo, interessa-se
por levar a exposição ao novo museu paulista.
Mavignier reconhece: “Minha grande escola de arte foi o Engenho de Dentro,
porque percebi as fontes da criatividade, o nascedouro da criação, e aprendi a hu
manamente respeitar as pessoas”. Ao mesmo tempo, depois de perceber que
“Emygdio pintava sempre da esquerda para a direita, e quando enchia toda a su
perfície recomeçava a pintar sobre a imagem já pintada, aprendi a fornecer-lhe
mais telas em branco, propiciando-lhe uma pintura nova sobre novo suporte”.
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MAVIGNIER 75 ANOS
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TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
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MAVIGNIER 75 ANOS
do convidada por Max Bill para ser professora na Escola, o que termina não se
concretizando. Mary Vieira será professora em Basiléia, Suíça, onde se radica.
Ao ver os Fotoformas (1946/1951), de Geraldo de Barros, Max Bill convida o ar
tista paulista para ser professor em Ulm. Impossibilitado de ir, por razões fami
liares, Geraldo indica Alexandre Wollner, para estudar em Ulm.
Viagem com Mário Pedrosa, a Veneza e Florença. Em Veneza, extasiam-se com
a Sala de Bellini. Viagem a Bolonha, onde Mário Pedrosa faz visita a Morandi.
Um detalhe curioso: não puderam visitar o “quarto de pintura” de Morandi, por
ser um recinto trancado, ao qual nem a empregada tinha acesso, a fim de que a
poeira fosse preservada sobre os arranjos para suas composições, garrafas, tigelas
e vasos que pintava em suas naturezas-mortas, a fim de dar-lhes a atmosfera que
é peculiar a seus quadros, sem o brilho dos vidros e cerâmicas. Mavignier lem
bra-se de Morandi ter mencionado como uma de suas grandes admirações a
Madonna dei Parto (1467), de Piero delia Francesca. Em Florença, Mário Pedrosa
detém-se com especial encantamento diante de A Anunciação (1333), de Simo-
ne Martini, nos Uffizi.
Adquire uma Vespa, com side-car, com a qual realiza viagens pela Europa.
Inicia suas primeiras pinturas abstrato-geométricas em Paris. Pinta Progressão e
rotação (1952/53).
Expõe no Salon de Mai, Paris.
1953 Participa do Salon Réalités Nouvelles, em Paris.
Viaja a Portugal e à Espanha com sua Vespa.
Início do funcionamento da Escola Superior da Forma, de Ulm {Hochschulefur
Gestaltung). Mavignier postula sua inscrição. Contudo, Max Bill declarara a
Mavignier em Zurique, no ano anterior, que Ulm seria uma escola para jovens
alemães que foram culturalmente isolados pela guerra e não para artistas român
ticos que viviam em Paris. A escola nasce, portanto, dedicada à memória do gru
po Weisse Rose, que fora uma reação silenciosa, subversiva, contra Hitler, a par
tir da família dos irmãos Scholl, ativos em Munique. Escola com informação
política, áreas de comunicação visual, design e arquitetura. Convidam Max Bill
para realizar o projeto arquitetônico da escola. Bill concebe um centro que seja
como a reabertura da Bauhaus, ou uma nova Bauhaus, em memória do irmão
de Inge-Scholl Aicher, casada com Otl Aicher, este um dos primeiros artistas grá
ficos alemães do pós-guerra. Bill não desejou repetir o problema assinalado na
229
TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
Bauhaus com a presença de artistas na escola: “Arte não está em nosso progra
ma”, afirmava. “Mas, se houver gente que faça arte de hoje, esta também se fará
aqui.” Uma aparente recusa da arte, embora ele fosse um artista. Max Bense era
professor de Semiótica (Seção de Informação Visual) e Bill era professor da Se
ção de Arquitetura. Outros professores: Friedrich Vordemberghe-Gildewart, Otl
Aicher, Josef Albers, Helene Nonné-Schmidt (viúva de Joost Schmidt, autor do
cartaz da Bauhaus de Weimar, de 1923).
Mavignier consegue inscrever-se em novembro, graças ao apoio de Mary Vieira
junto a Bill. Matricula-se no setor de Comunicação Visual. Passa, desta forma, a
ter direito à bolsa do Itamaraty, assim como a receber do Hospital de Engenho
de Dentro seu ordenado. No curso, que teria cinco anos de duração, contaria tam
bém, por um ano, com bolsa oferecida pela viúva de Kandinsky. As dificuldades
eram grandes, porém vivia-se, segundo lembra, em “clima de inconsciência feliz
da juventude”.
1954 Inicia seu aprendizado em Ulm, sob a direção de Nonné-Schmidt, realiza aqua
relas em que desenvolve exercícios cromáticos de estrutura absolutamente geo
métrica de extrema leveza. As lições de Klee (sobre encontros de linhas e pontos,
ou seja, quando duas linhas se encontram forma-se um ponto de energia), assim
como as de Albers, a quem era extremamente próximo como aluno, a partir do
quadrado, passam a ser inspiradores para seu trabalho.
Realiza trabalhos de sua série Interpenetração, em guache sobre cartão, a partir de
dois quadrados virtuais. Interpenetração de dois quadrados a partir de círculos (pon
tos circulares) já fora apresentado quando postula para inscrever-se em Ulm, no
final de 1953.
Assim, com estas Interpenetrações voltam experimentações com círculos-pontos
de valores cromáticos, depois dos exercícios do Curso Fundamental. E nesse pe
ríodo que a personalidade artística de Mavignier é considerada em Ulm, quando
Josef Albers manifesta que “nossa escola precisa de um estudante como Almir”,
enquanto personalidade diferenciada do padrão alemão dominante. Já surge seu
primeiro quadro com pontos.
Agosto: o teórico, artista e um dos líderes do movimento concreto argentino,
Tomás Maldonado, chega a Ulm, tendo escrito em Buenos Aires um livro sobre
a obra de Bill (Max Bill, publicado em Buenos Aires, pela Editorial Nueva Vi
sion, 1955).
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MAVIGNIER 75 ANOS
1955 Realiza sua primeira individual em Berna, na Galerie 33, organizada por Wla-
dimir Murtinho.
Na Escola de Ulm começam a se formar, em relação a Max Bill, gradativamente,
dois grupos em oposição: os maldonistas e os billistas. Maldonado conta com o
apoio de Aicher. Segundo Alexandre Wollner, que estudou em Ulm no período,
“para Bill, de acordo com a tradição bauhausiana, o artista era elemento decisivo
para a produção industrial. Ao artista não era possível uma desejável combina
ção harmoniosa intuitivo-tecnológica. Já para Maldonado e Aicher, “a produção
artesanal é contrária à filosofia do design, por produzir um produto nobre e ina
cessível”. Karl-Heinz Bergmiller, que se forma em Ulm, estudando diretamente
com Max Bill, e, em seguida, vem radicar-se no Brasil, onde vive, confirma as
declarações de Wollner, afirmando, por sua vez, que Bill sempre defendeu a cen
tralização da direção da escola: “Bill colocava sempre o artista acima de tudo, pois
ele era essencialmente um artista, arquiteto e teórico. Mas é claro que com sua
saída a metodologia evoluiria, como de fato ocorreu”.
Por volta de 1955/56, a estrutura dos quadrados é apenas visível e Mavignier tra
balha com pequenos pontos minúsculos de pigmentos de tons e subtons, reali
zando obras com a mesma estrutura porém com fundos diferentes. E como se
operasse a atomização do quadrado através dos pontos. O trabalho — um po-
líptico — intitulado Progressão deformada apresenta essa mesma elaboração, frag
mentação da forma a partir dos pontos-luz.
1956 Expõe em outubro no Serviço Cultural da Legação do Brasil.
1957 Fevereiro: realiza seu primeiro cartaz, em Ulm.
Max Bill deixa a direção da escola que fundara. Um grupo de reitores sucede a
Max Bill: Otl Aicher, Hans Gugelot, Vordemberghe-Gildewart e Tomás Mal
donado. Maldonado assume a presidência deste grupo.
Setembro-dezembro: participa da IV Bienal do Museu de Arte Moderna de São
Paulo com as pinturas Três centros e duasfiguras (1956) e Formas plásticas (1956).
Novembro-dezembro: exposição individual em Stuttgart, com apresentação de
Max Bense, na Galerie Gansheide 26.
Exposição individual no Museu de Ulm, e em Zurique, Neumarkt 17.
1958 Termina seus estudos em Ulm, onde continua residindo, com diploma do De
partamento de Comunicação Visual.
Fase de pinturas totalmente concretas.
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TENDÊNCIAS DA ARTE MODERNA
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MAVIGNIER 75 ANOS
Pare, Joel Stein e Morellet (França), Graevenitz, Kammer, Heinz Mack, Gott-
hard Muller, Herbert Oehm, Otto Piene, Uli Pohl, e Zehringer (Alemanha),
Julije Knifer (Iugoslávia). Mavignier participa da mostra com quatro trabalhos,
de acordo com carta oficial, de Bozo Bek, da Gradska Galerija, de Zagreb, de abril
desse ano. A mostra exibia vários aspectos do desenvolvimento da pintura abs-
trato-geométrica até o objeto, passando pela arte que posteriormente seria de
nominada de op art.
Em exposição na Galerie Nota o cartaz da exposição seria seu primeiro “aditivo”:
maneira como denominaria a justaposição de cartazes já concebidos para tal fim,
formando um grande painel, seja na vertical como em seqüência horizontal, ou
seja, alterando por meio da escala a imagem concebida primeiramente como um
cartaz e conferindo-lhe um status de arte maior, como visualidade.
1962 Expõe em Ulm — Studio f — o álbum Permutações (48 permutações de três sé
ries, ou seja, três variações compositivas, com 16 permutações, em edição de 50
exemplares), trabalhos em serigrafia que vinha desenvolvendo desde 1960/61. A
partir de dois quadrados estabelece-se um jogo de alterações visuais pelo proces
so serigráfico com a troca de cores que afetam totalmente a visualidade da ima
gem em cada permutação cromática. Seria uma programação que o aliena de seu
próprio trabalho, ou seja, “uma experiência de libertação da obra do gosto pes
soal do artista”. As permutações provocariam o surgimento de pinturas a partir
dessa experiência. Expõe individualmente na Kleine Galerie, em Schwenningen
am Neckar.
Coletiva em Leverkusen, exposição “Construtivistas”. Participa de coletiva igual
mente em Amsterdã, no Stedelijk Museum, “Exposition Nul”.
Surgem os primeiros quadros da série côncavo-convexo, em preto e branco.
Murilo Mendes e sua esposa Saudade Mendes visitam Ulm.
1963 Expõe individualmente: no Museu de Ulm; na Casa do Brasil, em Roma —
mostra organizada por Murilo Mendes; no Museu de Arte Moderna (cartazes e
pinturas), no Rio de Janeiro e na Fundação Armando Alvares Penteado, em São
Paulo, no Brasil.
Visita à Bahia.
Expõe no Studio a, de Otterndorf.
Participa de coletiva no Museu de Arte e Artesanato, em Hamburgo.
Realiza o logotipo e marca para Form, em Ulm.
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É o primeiro artista gráfico a resgatar o alfabeto gráfico criado por Josef Albers
— schablonenschrifi— entre 1923 e 1926, aplicando-o em seus cartazes. Realiza
oito cartazes baseados nesse alfabeto, de 1983 a 1995, com variações de cor.
1984 Individual na Galerie Edition Meissner, em Hamburgo.
Participa da coletiva “Azimuth & Azimut” no Pavilhão de Arte Contemporânea
de Milão.
1985 Individual nos Arquivos da Bauhaus, em Berlim. Prêmio Stankowski. Individual
no Museu Josef Albers, em Bottrop.
Coletiva “Zero: Um Movimento Europeu”, no Museu Carolino Augusteum,
em Salzburgo.
1986 Individual no Museu e Associação Artística de Ulm.
Participa de coletiva na Bienal de Veneza: “Arte e Ciência”.
Projeta um cartaz com temática ibero-americana, censurado por seu conceito
etnológico.
Participa da exposição “Artistas Estrangeiros na Alemanha” em Berlim (Grosse
Draugerie), Bochum (Museum Bochum), Frankfurt (Paul Skirche), Saarbrucken
(Stadtgalerie) e Stuttgart (Kultur Unterm Turm).
1987 Individual em Otterndorf, Studio a.
Participa de coletiva sobre a Escola Superior da Forma de Ulm.
Projeta variações ibero-afro e euro-afro-americana, inspiradas pela censura ao
projeto apresentado no ano anterior.
Coletiva sobre “Cartazes Exóticos” em Stuttgart. Coletivas também em Muni
que, Hanover e Ludwingshafen.
1988 E convidado a fazer uma exposição individual de cartazes na Academia de Arte
de Xangai. Visita Pequim, Hangzou, Xian, com Sigrid e seu filho Delmar.
Coletiva sobre a Escola Superior da Forma de Ulm no Centro Georges Pom-
pidou, em Paris. Coletiva “30 anos de Arte Concreta” na Galerie Suzanne Bol-
lag, em Zurique.
1989 Expõe individualmente no Instituto de Pesquisas de Métodos de Orientação e
Utilização Científica em Ulm.
Viaja ao Brasil. Individual no Museu de Arte Contemporânea da USP em São
Paulo, e seminários com cartazes no Museu de Arte de Brasília, em Curitiba, no
Instituto de Artes de Porto Alegre e em Caxias do Sul.
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ARTE NO BRASIL DE HOJE
incursões também pelo vídeo, assim como pela música (tendo liderado uma
banda performática), extravasando em livro, através de textos e imagens, sua
personalidade efervescente.
Luiz Paulo Baravelli pertence a uma geração intermediária. Exemplo tí
pico do artista urbano, sofisticado por formação e aspiração cosmopolita, se
impôs, em inícios de 70, por seus trabalhos densos de certa nostalgia art déco,
em madeiras recortadas, polidas, envernizadas de rara qualidade artesanal,
resultado de um bom gosto refinado, a nos remeter à arte elaborada do ar
quiteto dominando as relações espaciais com uma habilidade preocupante.
Mas Baravelli se afirmaria, através do senso de humor, com elementos que
sempre conferiram uma comunicabilidade imediata a seu trabalho. Nesta fase,
de shaped-surfaces, ele nos propõe impacto imagético intrigante em sua crueza
de jogo divertido e leve, com planos habilmente dispostos a dialogar com o
espectador.
Já Tunga, escultor conceituai bem representativo de fins dos anos 70,
permite-nos, através de suas invenções inteligentes, desencadear uma leitura
cheia de perplexidade diante de seus objetos intrigantes. A seu lado, causa
contraste Vicente Kutka, pintor brilhante em sua agradável pintura plena de
efeitos, jovem artista quase desconhecido do meio cultural e, no entanto, com
sua produção toda comprometida com o mercado — sendo um renomeno
Ç A
245
26.
Situação da crítica no Brasil
[1987]
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SITUAÇÃO DA CRÍTICA NO BRASIL
247
O COMPROMISSO COM O LUGAR 1
em seu mister jornalístico, pela linha editorial desses órgãos. De outros esta
dos não poderíamos deixar de citar as contribuições de Maristela Tristão
Ladjane Bandeira, a primeira em Belo Horizonte e a segunda em Recife
Embora ligeiro este perfil, que objetiva um retrospecto rápido da críti
ca no Brasil, devemos mencionar a crítica estimuladora de profissionais co
mo Aline Figueiredo, Márcio Sampaio e Adalice Araújo, respectivamente
em Cuiabá, Belo Horizonte e Curitiba, entre tantos outros que gostaríamos
de destacar, especialmente no Sul do Brasil, como Carlos Scarinci e Icléia
Cattani.
Com o início dos anos 80, percebemos que a safra oferecida pela Uni
versidade, em São Paulo, parece ampliar-se, com destaque para as contribui
ções dos críticos Annateresa Fabris e Tadeu Chiarelli, mas, sobretudo, a par
tir dos cursos de Estética, com reflexos também no jornalismo de São Paulo,
para onde parecem convergir profissionais de vários pontos do país, atraídos
pela efervescência cultural da cidade, tal como ocorrera nos anos 40 e 50 com
o Rio de Janeiro, quando era capital federal.
Até que ponto o jornalismo dedicado às artes visuais — Leonor Ama-
rante, Antonio Gonçalves Filho, Rui Moreira Leite, Marion Strecker Gomes,
Lisette Lagnado — divulga ou reflete suficientemente o fazer artístico ou as
polêmicas subjacentes às exposições ou eventos? Até que ponto os críticos que
poderiam ser, de fato, mais atuantes encontram-se tolhidos pela limitação de
espaço e por diretrizes impostas pelos próprios meios de comunicação? Até
que ponto nos satisfaz o noticiário ligeiro que elimina a reflexão e impede o
debate por ser a crítica de artes visuais referente à área que atrai um público
reduzido e elitista? Até que ponto os críticos, tão raros, de nossos jornais e
parcas revistas — que apenas agora, com alegria, vemos reaparecer com es
perança de crescimento — cumprem a função que nos anos 50 parecia mui
to mais viva, apesar do meio pequeno em comparação com a realidade de
nossos dias? Até quando os meios de comunicação de massa impedirão um
espaço mais amplo para a divulgação das artes no Brasil?
Por todas estas indagações lembramos as palavras de Mário Pedrosa —
num momento de perplexidade da crítica diante de um “impasse” criado pela
apresentação do “porco empalhado” de Nelson Leirner, no Salão de Brasília
de 1967 (como experimentaria a crítica essa mesma perplexidade diante de
Antonio Manuel, que se apresentaria como obra, perante o júri de um Salão
248
SITUAÇÃO DA CRÍTICA NO BRASIL
1 Mário Pedrosa, Mundo, homem, arte em crise, São Paulo, Perspectiva, 1975, p. 233.
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250
27.
A arte e o artista brasileiro:
um problema de identidade e afirmação cultural
[1988]
251
O COMPROMISSO COM O LUGAR
2 Carlos Rangel, Del buen salvaje al buen revolucionário, Caracas, Monte Ávila Editores,
1976.
3 Darcy Ribeiro, “Introducción: la cultura”, in Roberto Segre (relator), América Latina en
su arquitectura, México, Siglo XXI/Unesco, 1975-
252
A ARTE E O ARTISTA BRASILEIRO
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A ARTE E O ARTISTA BRASILEIRO
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O COMPROMISSO COM O LUGAR
dades tanto por parte dos outros países com o Brasil como de nós para com
eles. Além disso, ocorre um desconhecimento mútuo que só não é total pela
informação veiculada através das Bienais de São Paulo.
Entretanto, não existe uma articulação, sempre mencionada, persegui
da como objetivo a ser alcançado porém nunca posto em prática de maneira
efetiva. Ocorre na América Latina o mesmo que no caso do fenômeno afri
cano, onde as ex-colônias mantêm suas relações culturais não com seus vizi
nhos territoriais, mas somente com suas ex-metrópoles (Senegal com Fran
ça, Quênia com Inglaterra, Zaire com Bélgica). Na verdade, esse desejo de
“sair de nossa realidade”, aproximando-nos da Europa ou dos Estados Uni
dos no que tange à área de artes plásticas (porque, na verdade, isso não ocor
re com a literatura e o cinema, muito mais identificados com nosso espaço/
tempo), talvez seja sintomático do fazer artístico como uma atividade impor
tada e não original do nosso país, que não detém, como nos demais países
latino-americanos, uma forte tradição pictórica, como aquela herdada da Es
panha.
Assim, no plano das artes visuais, prosseguimos como uma cultura de
pendente do exterior. Afinal, deveu-se a Arthur Rubinstein o estímulo que
impulsionou Villa-Lobos — ou, quem sabe, o reconhecimento da expressão
musical brasileira a partir das composições de Darius Milhaud, inspirado em
nossa música, quando foi secretário do embaixador Paul Claudel no Rio de
Janeiro — , mas esses casos não seriam isolados. Foi sem dúvida a partir da
convivência parisiense de 1923 que Oswald de Andrade e Tarsila emergem
já maduros em suas criações nativistas de 1924. Aliás, vários artistas brasilei
ros “descobrem o Brasil” ou a América Latina e sua originalidade, quando,
distantes de nosso continente, se radicam na Europa, nos Estados Unidos ou
se aproximam dos latino-americanos, percebendo uma evidente familiarida
de cultural.
O meio artístico encara com expectativa a exibição em Paris dessa tra
jetória da arte brasileira, que focaliza da renovação modernista ao final da
década de 1980. A sua peculiaridade, que consiste em sua criatividade mais
intensa, poderá surpreender ou deixar indiferentes os apreciadores franceses,
mas será, por certo, uma reação bem diferente daquela experimentada pelo
público francês quando Henrique II sobe ao trono em Rouen, em 1550, e
se apresenta um espetáculo “extraordinário”, à margem do Sena: uma selva
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257
O COMPROMISSO COM O LUGAR
1 Mário de Andrade, “O Aleijadinho”, irt Aspectos das artes plásticas no Brasil, São Paulo,
Livraria Martins Editora, 1965, p. 28.
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rigor formal que abrange a seleção cromática nas composições em que privi
legia o hierático de objetos emblemáticos dos ritos afro-brasileiros. É por essa
razão que o crítico Jayme Maurício a ele se refere como uma das “raras to
madas de consciência intelectualizada de nossa cultura popular”. Seus pro
nunciamentos veementes em defesa de nossas raízes africanas são o testemu
nho dessa excepcional conscientização. Suas criações extrapolam a bidimen-
sionalidade, expressando-se através de gigantescas peças escultóricas, fiéis a
simbologia e redução formal.
Um dos precursores do Concretismo no Brasil, Almir Mavignier ini
ciou-se nessa tendência, ao absorver as possibilidades de pesquisa através de
livres associações, abandonando cedo o Naturalismo, estimulado sobretudo
pela personalidade de Mário Pedrosa, segundo o seu depoimento pessoal.
Após o impacto da I Bienal de São Paulo, admirado pela obra de Max Bill e
estimulado pelos contatos com os concretos argentinos, vai para a Europa,
onde se radica na Alemanha, realizando experiências na linha de arte op e em
artes gráficas. Participa da X Bienal de São Paulo, como integrante da dele
gação da Alemanha, além de já ter sido representado por duas vezes na Bienal
de Veneza.
Octavio Araújo fez parte da exposição “Grupo dos 19”, em fins dos anos
40, de onde emergiram alguns novos valores dessa década. Desenhista de
densa carga expressiva, ganhou um prêmio de viagem da revista Para Todos
para a China, em 1957, e para Moscou, em 1960, onde residiu até 1968. De
sua estada na União Soviética absorveu o clima do Surrealismo eslavo então
em voga entre os artistas soviéticos dissidentes, e sua pintura passaria a se de
senvolver nessa direção desde então. Fora do tempo, ou concebendo um es
paço representacional com uma temporalidade própria, Octavio Araújo tra
balha sobretudo a lápis grafite ou a óleo, dominando com rara mestria o de
senho, ou na pintura com composições povoadas de iconografia rica em ale
gorias que nos remetem à Antigüidade, à memória nebulosa da infância, as
sim como à justaposição de imagens em situações oníricas que evidenciam,
com clareza, o universo enclausurado em que se encerra o artista. O resgate
de fragmentos de inspiração renascentista faz conviver, em clima insólito,
recortes da atualidade (correspondência, pedaços de jornais), assim como as
paisagens renascentistas coexistem com os retratos de personagens contem
porâneos em acumulação preciosística, excessiva. Mas, para este artista, se
263
O COMPROMISSO COM O LUGAR
gundo sua própria afirmação, seu universo é sua carga reunida ao longo dos
anos — de situações vivenciadas, objetos observados, obras admiradas — , e
nessa exaltação do passado estudado reside para ele o reencontro consigo
mesmo — quase como “eu sou os meus objetos juntados”. Apesar da elabo
ração surrealizante dos temas nesse horror vacui de suas telas, acumuladas de
elementos ainda não decifrados, a dramaticidade da busca de identidade pa
rece se esgueirar, sub-repticiamente, como em Conhece-te a ti mesmo ou As
várias faces da angústia (1978), nos remetendo à expressividade tortuosa do
Octavio Araújo de 1947.
De uma geração intermediária, Emanoel Araújo abandonaria, em iní
cio dos anos 70, a figuração que trabalhara nos anos 60, embora sempre de
maneira ordenada, através da gravura em madeira. Mas os planos retangula
res que se movimentam amplamente sobre grandes superfícies verticais ou
horizontais, cruzando-se em ritmos sobrepostos, em oblíquas ou em arti
culações circulares, deixam entrever, na transparência do papel, as direções
das fibras da matriz em madeira e o “materismo” da xilo acompanharia todo
esse período de sua fase abstrata construtiva. Gradativamente, porém, a insi
nuação do relevo se apresenta cada vez mais, seja através do cromatismo de-
nunciador e de planos posteriores, seja através de faixas recobertas sempre de
elementos geométricos em técnica de xilogravura e que, como trama, confe
rem uma tridimensionalidade, de fato, a estas gravuras recortadas e monta
das, por volta do início dos anos 70. Da matriz da xilo à abordagem do pró
prio lenho em composições com a movimentação em oblíqua dominando o
espaço e com tratamentos diversos de superfície, a madeira seria, durante al
guns anos ainda, o suporte para seu trabalho. A matéria vegetal expõe-se vi
sual e estruturalmente, embora absorvida sempre sob a forma de planos re
tangulares justapostos em movimentação compositiva, ou velada, como a
partir de fins dos anos 70, em policromia que privilegia invariavelmente o
vermelho e o negro, cores de Exu, e, portanto, em evidente simbologia da
ritualística afro-brasileira. Datam exatamente deste período os últimos traba
lhos que Emanoel Araújo realizaria controlados pela moldura retangular que
se impõe freqüentemente. Assim, suas formas angulosas, agressivas, dançan
tes ou hieráticas — nunca distantes de rituais expressos pelos próprios títu
los conferidos pelo artista — , passam a se inserir tanto na paisagem como no
espaço, entreabertas ou interrompidas no ar, em jogo constante de obtenção
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viva entre sua produção e sua circulação num grande centro. Extremamente
jovem, iniciou-se na pintura, como Adir Sodré, estimulado pela atuação de
Aline Figueiredo e Espíndola, e, como seu conterrâneo da mesma geração,
percebe-se em suas pinturas a inserção do cotidiano, não raro com conotações
irônicas e humorosas em relação a seu meio. Nas últimas pinturas de Gerva-
ne, percebe-se regularmente a metade inferior da tela ocupada pela para
fernália de objetos ou de recortes da vida urbana, com grandes figuras que
podem ser de inspiração primitiva, neo-fauve ou de comics a dominar a com
posição, diante de um céu infinito de fortes contrastes cromáticos. Na for
mação de um artista, a “informação” é um dado basilar. Distante, no espa
ço, das fontes geradoras dos movimentos mais atuais de arte, este jovem
cuiabano de 27 anos se inspira em obras vistas em livros de arte, revistas no
ticiosas, Bienais ou em artistas que eventualmente visitam sua cidade. Nes
sas incursões, que a crítica Aline Figueiredo denominou com precisão de “an-
tropofágicas” e nas quais “a tônica é transitar, com lirismo debochado, tanto
pela arte mato-grossense como pela história da arte universal”, Gervane “ca
minha solto pelos ícones decorativos dos quadrinhos e seus personagens”,
registra Aline. Visível nesta vertente da produção dos artistas “cultos” de as
cendência africana está presente também um dado da desculturação, carac
terística de todo o nosso meio artístico das artes visuais, sem tradição, e no
qual os artistas se debatem por encontrar uma singularidade que é, simulta
neamente, uma busca de identidade. Crise que marca todo o meio artístico
brasileiro das artes plásticas e visuais, da pintura à arquitetura.
Por outro lado, destaca-se como personalidade contundente deste gru
po de artistas a gaúcha Maria Lídia Magliani, profundamente amarga em sua
visceralidade, ao focalizar o corpo feminino, em expressiva caligrafia gestual.
Das formas poderosas que explodem, o retângulo da tela passou, mais recen
temente, a focalizar suas figuras a partir de uma perspectiva cênica, sempre
em estilização dramática da figura e ironia incorporada como clima.
A liberdade emerge no domínio de seus meios na plena maturidade de
Juarez Paraíso, que opta pela incorporação da pintura em seus assemblages, mas
cuja criatividade reside em suas peças tridimensionais, oriundas, como forma
e textura, de um universo orgânico submerso em constante movimentação.
A dimensão ilusória da pintura está mais uma vez patente nas compo
sições atuais de Jameson Pedra, nas quais o signo, linearmente projetado so
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DIVERSIDADE E VITALIDADE DO MEIO ARTÍSTICO BRASILEIRO
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portação de modelos para uma atualização constante. Por outro lado, a rup
tura representada pelos anos 60 teve profundas conseqüências. O abandono
da tela pelos novos materiais, com total liberdade de incorporação de elemen
tos segundo o exemplo do pop norte-americano (os EUA como o novo figu
rino a ser digerido antropofagicamente, a partir dessa década de 60), os acon
tecimentos mundiais e continentais, como o início da implantação das dita
duras na América Latina, o golpe militar no Brasil (1964), a morte de Che
Guevara na Bolívia (1967), impulsionam os artistas a sair de seus ateliês, a
conviver com a rua, participando dos eventos e realizando obras com ironias
veladas ou denúncias abertas. É o momento da emergência de toda uma nova
geração, na qual se destacaria Antonio Dias, com obras viscerais, de grande
dramaticidade, e da qual surgiriam artistas como Collares, Antonio Manuel,
Rubens Gerchman, e, em São Paulo, Marcelo Nitsche, Carmela Gross, Cláu
dio Tozzi, José Roberto Aguilar e Nelson Leirner.
Um mercado de arte incipiente — que só começaria a se solidificar a
partir dos anos 70 com o efêmero “milagre econômico” brasileiro — possi
bilitou sempre aos artistas, em sua maioria autodidata até os anos 80, cons
tantes mudanças em suas tendências, sendo ainda poucos, até fins da década
passada, os que podiam viver exclusivamente de sua produção.
Ao mesmo tempo, um dado interessante: o Brasil nunca foi um país
exportador de artistas, tal como a Argentina, por exemplo, com um grande
contingente de pintores em Paris e em Nova York. Os brasileiros, assim como
os mexicanos, vão e regressam a seus países. Daí porque excepcional é, nesse
aspecto, um Cícero Dias ou um Antonio Bandeira, durante tantos anos resi
dentes em Paris. Assim como Sérvulo Esmeraldo, Arthur Luiz Piza e Sérgio
de Camargo, além de Antonio Dias — hoje dividindo seu tempo entre Mi
lão, Berlim e o Rio de Janeiro — , como Flávio Shiró, Krajcberg, Mary Vieira
ou Almir Mavignier.
Passada a onda conceituai peculiar dos anos 70, na qual se destacaram
as propostas de Cildo Meireles, o artista brasileiro que melhor soube conci
liar com familiaridade o rural e a inquietação intelectual urbana de sua gera
ção, o meio cultural brasileiro apresenta-se já há 15 anos de forma bem di
versa daquela existente 40 anos antes, quando o Rio de Janeiro e São Paulo
centralizavam a vibração artística. Atualmente os pólos regionais existem e são
bem demarcados. O Rio Grande do Sul, através de sua capital, Porto Alegre,
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possui seu mercado de arte local, e tradições próprias, num meio artístico
desenvolvido. Minas Gerais, relativamente longe dos grandes centros, oferece
uma poética bem visível nos trabalhos de Fernando Lucchesi e Marcos Ben
jamim, originais pelo distanciamento relativo da informação internacionalista,
o mesmo se podendo dizer do construtivismo dos veteranos Amilcar de Cas
tro e Celso Renato. No Ceará e no Nordeste, uma nova geração parece ex
plodir na pintura, e no Norte, em Belém, artistas como Emanuel Nassar e
Osmar Pinheiro já circulam nacionalmente, assim como vem de Mato Grosso
uma figuração saborosa, como a do autodidata Adir Sodré e Gervane de Pau
la, que buscam se firmar ao nível do país a despeito do isolamento regional.
Expondo no MAM do Rio de Janeiro em 1970, um núcleo de artistas de
São Paulo — Fajardo, Nasser, Baravelli e Resende — , ex-discípulos do cos
mopolita brasileiro Wesley Duke Lee, autor do primeiro happening em São
Paulo, em 1963, apresentaram então um conjunto de trabalhos em que se
privilegiava uma rigorosa execução e a opção por materiais nobres (em plena
época de manifestações de arte efêmera com materiais precários), como a
madeira, mármore, metal polido, granito ou alabastro. Articularam-se de ime
diato com um grupo jovem do Rio de Janeiro, com os quais estabeleceram
uma vinculação intelectual que se mantém até hoje e, também, com afinida
des com a produção refinada do escultor Sérgio Camargo e com a atuação
do jovem crítico Ronaldo Brito. Referimo-nos a Waltércio Caldas e Tunga,
o primeiro numa linha cool, de aguda inteligência, em propostas executadas
com o perfeccionismo dos passes de mágica, em permanente diálogo da ma
téria com o espaço circundante. Já Tunga traz em si uma força telúrica e poé
tica inerente a cada proposta que realiza.
Na Bahia, Mário Cravo Neto pesquisa materiais de requintadas super
fícies que utiliza para suas instalações, bem como cultiva esse approach sen-
sorial, a partir da iluminação, em suas realizações fotográficas. Em contra
posição à presença do imigrante europeu no Sul do Brasil e do asiático em
São Paulo, onde se desenvolveu, nos anos 60, um grupo do abstracionismo
informal nipo-brasileiro, com Mabe, Tomie Ohtake, Kusuno, Wakabayashi,
entre tantos. Pernambuco é o estado, no Nordeste brasileiro, que se orgulha
em expressar a tradição de um espírito que considera como o mais significa
tivo do Brasil. A partir dessa ótica, num país com múltiplos pontos de vista,
sobressaem personalidades artísticas como Francisco Brennand, com figuras
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30.
O purgatório do artista
[19 9 1 ]
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O PURGATÓRIO DO ARTISTA
cultural. Se bem que, como diz um desses artistas, é difícil encontrar aqui a
pluralidade civilizada de um ambiente como Nova York, onde pode ocorrer
uma diversidade de posições e, ao mesmo tempo, um respeito pela produ
ção mútua, independente dos pontos de vista de cada um. Aqui é como se
essa pluralidade não tivesse lugar. E todos perdem com isso. Todos estão
conscientes das posições de um micro-universo como o do caderno “Ilustra
da”, do jornal Folha de S. Paulo, cultura de massa de vivência restrita, apoia
da em alguns poucos nomes solicitados e projetados, sem questionamento,
ad infinitum. Entretanto, não se abrem com respeitabilidade outras frentes,
e o artista, ou pertence àquela tendência ou é omitido, como se não existisse,
seja ele abstrato ou figurativo, por não pertencer “ao meio”, que é reduzido
aos artistas de Raquel Arnaud, aos irmãos Campos, a Giannotti, Baravelli,
Arnaldo Antunes e uns poucos nomes mais. Ao final, uma redução provin
ciana, por sua própria limitação e autopatrulhamento. O caso de Baravelli é
típico: inteligente, artista singular no início dos anos 70, com uma ótima
exposição de pintura na galeria Luisa Strina, em 1980, é um pintor irregular
na qualidade de suas especulações. No entanto, tem espaço aberto na impren
sa, escreve com espírito e, por vezes, com razão, porém chega a fazer boba
gens inomináveis como o “salão” indefensável que produziu no Paço das Ar
tes no ano passado (1990), confundindo um meio cultural pouco informa
do, e mesmo jovens artistas, como se tudo não passasse de um reles processo
de pasteurização, no qual ele poderia estar incluído.
Na verdade, falta ao artista autocrítica, auto-rigor, controle de qualida
de, para usar expressão corrente numa sociedade industrializada. Ignoro se
isso é indício da ausência de uma crítica de nível presente em jornais, onde
não comparece mais, ou é sinal evidente da “geléia geral” brasileira. Percor
rer os ateliês de artistas jovens dá bem idéia desse drama. A geração que co
meça a surgir no começo dos anos 80, apesar do sucesso precoce que gozou
(e ainda usufrui), sabe em sã consciência que nem tudo o que produz é bom?
Quantos artistas têm noção exata de que produzem freqüentemente trasb que
deveriam deixar de lado e não ousar oferecer ao mercado ou expor? Poucos,
bem poucos. Dizer que falta crítica para dizer que o rei estava nu é tolice, pois
o tempo resulta implacável e filtrará naturalmente.
Mas os galeristas, sobretudo, se conhecessem melhor arte, se exigissem
qualidade plus criatividade ou deixassem o artista trabalhando para obtenção
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31.
Indefinições a enfrentar e prioridades
na pesquisa sobre a arte brasileira
[1993]
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mais com cânones importados, porém com nossa circunstância e nossa pro
dução plástica.
O mesmo poderia dizer-se da pintura do século XIX, pintura ingênua
no sentido de autodidata, mesmo embora inspirando-se ou freqüentando ar
tistas “eruditos”. O caso de Miguelzinho Dutra (1812-1875) não é único,
pois temos também um “brasileiro” Jean Baptiste Debret (1768-1848), nas
obras encantadoras de João Pedro, o Mulato, de Curitiba, que precede em
alguns anos o próprio neoclássico francês fundador da Academia do Rio de
Janeiro. No Brasil, foram raras as obras neoclassicizantes, como Degolação de
São João Batista (1855), de Victor Meirelles (1832-1903). Na verdade, a ter
minologia mais adequada seria a palavra “acadêmica”, quando os artistas fre
qüentaram a Academia Real de Belas Artes. Dentro da Academia havia os
românticos ao lado dos realistas. E dentre os românticos, por que não incluir
os pintores de naturezas-mortas inspiradas em temática nacional, como as de
Agostinho José da Motta (1824-1878), de aspiração localista?
Em nosso país, mais importante que o Impressionismo francês e a “des
coberta da luz” talvez tenha sido a descoberta de nosso meio ambiente, a
motivar as telas românticas de tantos pintores inspirados na literatura que
mencionava o índio, embora idealizado, ou mesmo nossa paisagem, a partir
de 1870. Literatura e pintura: essa virada fundamental da pintura brasileira
no século XIX. A terra, a paisagem, o homem. Parecem títulos de capítulos
de Euclides da Cunha, mas, na verdade, é por aí que Almeida Júnior se dis
tancia da capital do Império, e opta por permanecer em São Paulo, em em-
patia pela vivência, luz e gente interioranas, que ele funde com sua própria
experiência vital e artística.
O Impressionismo vem de fora, sendo a novidade que João Batista Cas-
tagneto (1862-1900) e os irmãos João (1879-1932) e Artur Timóteo da Costa
(1882-1922) nos revelariam. Eliseu Visconti é outro internacionalista que já
vibrava com a pintura pré-rafaelita, visível na Dança das Oreades (1899) e em
Giuventú (1898), obras que devem ter parecido estranhas à época.
Nosso país é de economia instável, politicamente sempre mutante, ple
no de surpresas, onde a planificação e os projetos a longo prazo estão ausen
tes. Como desejar encontrar artistas de trajetória harmoniosa e coerente? Di
fícil. Daí porque sucumbe aquele que pensa encontrar permanente preo
cupação de vanguardismo, mesmo em nossos modernistas. Anita Malfatti é
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bem exemplo desta colocação, porém ela não está só. O ano de 1930 foi apa
rentemente uma data fatal, marco de mudanças de todo gênero para o país,
no meio cultural e social. Tarsila, Di Cavalcanti (que, como Tarsila, só pode
começar a ser chamado de modernista a partir de 1923), além de Gomide,
modificam suas tendências e qualidade de pintura a partir de 1930. Mesmo
Rêgo Monteiro interrompe sua produção por longos anos. Guignard, depois
de estudar na Europa no começo dos anos 30, passa a ser um artista pratica
mente ingênuo (para o olho de quem desconhece sua biografia), retornando
depois à observação poética da paisagem e casario de Minas Gerais até che
gar a pintá-los de cor, fantasiando-os na mais livre transfiguração.
Quando, durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil enviou um gru
po de artistas para uma exposição em benefício da RAF, em Londres, Mário
de Andrade irritou-se porque a crítica local chamou nossos pintores de secun
dários, como se criadores de segunda ou terceira água, do ponto de vista de
quem vê essa produção. Para os ingleses, nossos pintores eram imitadores tar
dios de tendências superadas pelas vanguardas. Cada povo, cada cultura, po
rém, tem sua trajetória, seu tempo, seu ritmo, sua história, suas etapas. O caso
da Rússia, que “queimou etapas” com o Suprematismo, é um fenômeno pe
culiar, e eles tinham um passado cultural, dentro do qual se pode inserir a
religiosidade de um Kasimir Malevich (1878-1935) diante da arte.
Entre os inúmeros problemas que a pesquisa da História da Arte no
Brasil nos apresenta estão as prioridades. A partir do início dos anos 40, o
SPHAN deu prioridade aos estudos sobre a arte e arquitetura colonial brasi
leira. Esqueceu-se do século XIX, que só há cerca de dez anos está sendo de
vidamente estudado. A pintura do século XIX, porém, ainda está à espera de
que se rompam os preconceitos em relação à sua produção entre nós. Nem a
abertura do Museu d’Orsay, em Paris, serviu de estímulo suficiente para que
houvesse interesse maior por esse momento tão instigante da arte brasileira,
um período de transição em uma cultura híbrida...
A partir dos anos 60, a História da Arte no Brasil prioriza o século XX.
Pessoalmente, foi um desafio a investigação das primeiras décadas, pois de
sejávamos conhecer nossos antecedentes, isto é, os ancestrais mais imediatos
de nossa contemporaneidade. Acredito, no entanto, que somente depois que
tivermos razoavelmente coberto a pesquisa do moderno e do contemporâneo
é que nos voltaremos, nas universidades brasileiras, para outros desafios que
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são prementes para que o Brasil possa integrar o meio de História da Arte no
âmbito internacional.
Não me refiro somente à arte do exterior, muito timidamente aborda
da, porém à arte da Antigüidade egípcia, clássica (greco-romana), medieval,
renascentista, entre outras, sem falar na Arte Oriental e em suas escolas. Por
uma questão política, a abordagem da arte na América Latina começa a des
pertar maior interesse na Universidade de São Paulo, pois, nos anos 70, quan
do abrimos esta disciplina na Faculdade de .Arquitetura e Urbanismo, fomos
considerados excêntricos. Enfim, poderia ser elaborado, na própria USP, um
projeto de abertura de canteiros de obras com essas prioridades, aquisição de
material bibliográfico, feitura de diapositivos, localização nos estados e no país
de obras originais dessas épocas.
No entanto, um historiador de arte sente-se como um outsider na USP.
Há História da Arte no Departamento de História, na Escola de Comunica
ções e Artes, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Porém, por incrível
que pareça, não se conseguiu ainda, na Universidade de São Paulo, a implan
tação de um Instituto de História da Arte, em nível de graduação (e poste
riormente de pós-graduação), a fim de formar futuros pesquisadores e histo
riadores. Para suprir as lacunas de um convívio necessário à complementação
da formação autodidata, organizam-se rápidas reuniões e encontros nacionais
e, para alguns poucos, internacionais. Sabemos que a Unicamp já deu os pri
meiros passos nessa direção, em nível de pós-graduação, pressupondo que os
que se candidatam a seus cursos tiveram, na graduação, uma formação sóli
da em História da Arte, o que é bastante duvidoso e parece uma continuida
de da situação existente desde fins dos anos 60, sem nenhum progresso. Lem-
bro-me de que em rápida conversa com um crítico inglês bastante frívolo,
Edward Lucie-Smith, em São Paulo, há uns dois anos, ele enfatizou que edi
ções sobre arte latino-americana (ou brasileira, no caso) só teriam interesse
na Inglaterra e nos Estados Unidos enquanto houvesse disciplinas obrigató
rias sobre esses temas em universidades desses países. Do contrário, as edito
ras não se abririam para traduzir ou publicar. Lentamente, vemos que o ho
rizonte parece abrir-se. Léon Degand, na ocasião em que foi diretor do MAM
de São Paulo, em 1948, afirmava que um meio artístico-cultural somente se
afirmaria mediante a existência de um tripé: mercado de arte, colecionismo
e produção artística. Esta sua afirmação, quando li pela primeira vez, me cho
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cou bastante, mas atualmente percebo que talvez ele tivesse razão. Na verda
de, é do contexto que nasce um meio cultural sólido. E a pesquisa de arte, a
economia e as finanças participam deste contexto tanto quanto uma real efer
vescência criativa, como a do Brasil nesses últimos anos. Mas uma se apóia
na outra. Daí porque nos queixamos tanto de nossos museus, suas carências,
sua ineficiência, o desapoio que sofrem por parte de nossas autoridades. A
pressão para sua existência e florescimento é um esforço conjunto que deve
vir de todos os lados. A Universidade e a política cultural devem traçar, jun
tas, uma prioridade que não pode ser para um ano ou dois, mas o planeja
mento deve existir paralelamente a qualquer recessão e ser posto em prática
em etapas, a despeito do fugidio momento presente.
32.
A sabedoria do compromisso com o lugar:
Tarsila, Volpi, Oiticica, Meireles e Benjamim
[1993]
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tre brasileiro de sua época”, abordando a pintura de Volpi, ele acentuou que
dois elementos “mais facilmente verificáveis” se apresentavam na exposição
que ele analisa: “a insuperada mestria técnica do pintor e o caráter brasileiro
de sua arte”. Mesmo quando se refere à sua fase “expressionista” dos anos 40,
Pedrosa não pode deixar de enfatizar a “força monumental, absolutamente
ímpar na pintura brasileira”. Referindo-se exatamente a esse período que
muitos parecem ignorar, é que o crítico, ao lado da menção à “palheta sensí
vel”, afirma que o artista se exalta “nos tons mais puros, mais ricos, mais subs
tancialmente brasileiros da pintura nacional de todos os tempos”. Mesmo
diante das paisagens de Itanhaém de Volpi, Pedrosa reconhece ter o pintor
captado “a nossa paisagem como era em estado bruto”, filtrando-a e depois
dando-nos “a essência pictórica e plástica universal” através de sua “alma poé
tica”. Por todas essas razões, aponta Volpi nessa exposição como aquele que
“representa o grito de independência da pintura brasileira em face da pintu
ra internacional e da Escola de Paris”.5
Algo um tanto parecido ao que escrevera, nos anos 20, Maurice Ray-
nal sobre a obra de Tarsila, ao referir-se a ela como um “marco” na pintu
ra brasileira. O que é importante enfatizar é que até hoje se busca, portan
to, uma identificação entre a obra e o “lugar”, por assim dizer. Ou seja, por
mais internacionalista que seja a aspiração dos meios ditos cultos, há sem
pre implícita uma ansiedade por marcar uma originalidade própria de um
espaço/tempo.
Nos anos 60, Hélio Oiticica, um artista que fazia “arte ambiental” (se
gundo a terminologia dessa década, mas é freqüentemente visto como con
ceituai), a despeito de suas próprias idéias, registrou a propósito do conflito/
coexistência entre o universal e nacional: “O problema da imagem se coloca
aqui objetivamente — porém posto que é universal, também proponho este
problema num contexto que é tipicamente nacional, tropical e brasileiro. Eu
queria enfatizar esta nova linguagem com elementos brasileiros, uma tenta
tiva extremamente ambiciosa de criar uma linguagem que fosse nossa, carac
5 Mário Pedrosa, “O mestre brasileiro de sua época”, Jornal do Brasil, 18/6/1957, apud Má
rio Pedrosa, Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília, São Paulo, Editora Perspectiva, 1981,
pp. 59-62.
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Esse “relativismo de distâncias”, segundo Bhabha, é objeto de análise do filósofo Bernard Williams,
em Ethics and the Limits ofPhilosophy.
^ Bibliografia desenvolvida a partir de sua própria bibliografia anglo-saxã, raramente com
consulta a um inventário de publicações de nossos países. Ver, como exemplo, de Edward Lucie-
Smith, Latin American Art o f the 20 th Century, Londres, Thames & Hudson, 1993.
Thomas McEvilley, “Ouverture du piege: 1’exposition posmoderne et ‘Magiciens de la
Terre’”, in Magiciens de la Terre, op. cit., p. 21. Tradução da Autora.
16 Citado em Pierre Gaudibert, “La Planete toute entière, enfin...”, in Magiciens de la Terre,
op. cit., p. 19.
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33.
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exceções. Assim, sempre mencionamos Alfredo Volpi como uma das exce
ções, artista que mantém um alto nível qualitativo durante a maior parte de
sua vida, e consideramos como rara a coerência de concretos como Lothar
Charoux e Luiz Sacilotto, que, nos anos 50, integraram o movimento cons-
trutivista. Em inícios dos anos 60, outros artistas concretos, como Geraldo
de Barros, Maurício Nogueira Lima e Ivan Serpa, por exemplo, aderiram à
figuração expressiva (antes de retornar à abstração geométrica); Waldemar
Cordeiro, líder do grupo concreto, denominou os seus trabalhos dos anos 60
de arte “popcreta”, sem mencionar suas incursões pelo gestualismo, arte
cinética e de crítica social, num momento de intensa crise política no país.
Por essa razão, como uma faca de dois gumes, a ausência de mercado
sempre tem concedido a grande parte dos artistas brasileiros uma liberdade
de especulação e pesquisa, não constatável em outros centros — como o eu
ropeu ou o norte-americano, onde freqüentemente um artista é consagrado
por uma identificação que o acompanha por toda a vida — , sendo sua única
motivação sua inquietação intelectual. Os riscos inerentes a essa contingên
cia são visíveis, e cada artista tem a possibilidade de enfrentá-la ou ser refém
desse excesso de autodeterminação. Caberá à nossa História da Arte resgatar
e valorizar os bons momentos criativos desses artistas, que, não raro, se ante
ciparam a artistas consagrados do Ocidente, e assinalar, com responsabilida
de, o caráter efêmero de suas contribuições.
No Nordeste, fora as raras exceções já citadas, persiste o apego ao figura-
tivismo, visível na pintura de João Câmara, de Pernambuco, enquanto a tradi
ção barroca do período colonial, assim como dominantes de natureza sexual,
impregnam a obra tridimensional, simultaneamente decorativa e agressiva, de
Francisco Brennand. O popular como fonte de inspiração, asséptico e dirigi
do, por sua vez, se faz presente na gravura de Gilvan Samico, desse mesmo
estado. Não é raro ouvir-se no Nordeste a afirmação de que o verdadeiro Bra
sil se localiza nessa região, e não no Sul ou Sudeste, onde a presença da imi
gração — sobretudo nos estados do Sul e em São Paulo — alterou o com
portamento e o ritmo de vida de suas populações, desde fins do século XIX.
Assim, as tendências internacionalistas penetram com facilidade no ex
tremo Sul, no Rio Grande do Sul, onde a atividade de artistas como Vera
Chaves Barcelos, Patrício Farias, Karin Lambrecht, Karin Schneider, Lucia
Koch, Fernando Limberger (estes três residentes em São Paulo), se contra
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por Jac com as notas de 100 cruzeiros, no início dos anos 80, a roda de di
nheiro, em pleno período inflacionário em nosso país, resultou também num
trabalho de êxito.
Outro artista jovem que emerge com imenso interesse é Vik Muniz, que
reproduz, como um neo-realista, imagens de outros, seja a foto antológica de
Baudelaire por Félix Nadar, seja através de uma fotografia de Freud, seja na
imagem de Napoleão a cavalo, ou uma foto de multidão ou de Jackson Pol-
lock pintando em seu ateliê. Refaz essas imagens com chocolate, conta-gotas
e a paciência quase oriental de um presidiário. Seu procedimento não se de
tém aí. Sua obra é a fotografia. Fotografa, assim, a imagem de segunda gera
ção obtida, em apenas três cópias — ou seja, tiragem de três — em cibacrome,
captando, neste processo por certo maneirista, a surpreendente similitude da
imagem original e a copiada, assim como o brilho reluzente da coloração de
liciosa do chocolate que aflora em suas obras/fotografias.
Vimos, ainda, a apropriação realizada por Karin Schneider e Nicolas
Guagnini, apresentada na Galeria Luisa Strina, de obras de Lygia Clark, Hélio
Oiticica, de artistas concretos poloneses —- no caso Strzeminsk e Katarzyna
Kobro — , além do concreto argentino Raul Lozza, pesquisados pelos dois
jovens artistas. Tratou-se, simplesmente, de expor fotografias, em close, ligei
ramente desfocadas, de fragmentos de seleção de obras desses artistas, com a
câmera Polaroid, apresentando, sobre as paredes da galeria, a série de imagens
em seqüência. O trabalho da jovem dupla objetivou, de maneira primordial,
um vídeo sobre a obra desses artistas, que, em seleção de fotogramas, se apre
sentou na galeria como introdução ao trabalho maior que, para eles, seria o
vídeo. De qualquer forma, tratou-se de uma mostra aberta em galeria e, por
tanto, entende-se, autônoma em si. Imagens produzidas a partir de imagens
outras, logo de segunda ou terceira geração, e onde a eventual inventividade
dos jovens pesquisadores se centraliza na seleção das obras, dosagem de luz,
qualidade técnica de documentação fotográfica. Ou, no caso, em terem se
esmerado por conseguir uma bela impressão para documentar esse trabalho.
O rei estava nu? Ou trata-se de inteligente exercício de releitura de obras da
História da Arte Moderna e Contemporânea, fruto de uma inquietação in
telectual que, no caso deste jovem casal, é comprovado pelo vídeo e projetos
de vídeos documentais em andamento?
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35.
Arte num período difícil (1964-c. 1980)
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ARTE NUM PERÍODO DIFÍCIL (1964-C. 1980)
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1 Nuria Enguita, “Lugares de divagación: una entrevista con Cildo Meireles”, in Cildo
Meireles, Valencia, IVAM Centre dei Carme, Generalitat Valenciana, 1995, p. 25. Na entrevista,
Cildo lembra ainda que, tendo em vista o clima de repressão a manifestações à época, fazendo um
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I ARTE NUM PERÍODO DIFÍCIL (1964-C. 1980)
Além de Ferreira Gullar, exilado também por vários anos, Mário Pe-
drosa, crítico de arte e pensador, estimulador dos movimentos construtivistas
no Brasil nos anos 50 e ex-diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo,
refugia-se no exterior a partir de fins da década de 60. No Chile, dirige o
Museu da Solidariedade Salvador Allende e, posteriormente, reside por al
guns anos em Paris. Isso significou perda de presenças preciosas no país, du
rante esses “anos de chumbo” do regime militar.
A música popular desempenha, nesse período duro, um papel mobiliza-
dor fundamental, por seu caráter de reunião em grandes auditórios, um públi
co que o meio das artes visuais sempre desconheceu. Assim, Geraldo Van-
dré, Chico Buarque, Maria Bethânia, Tom Zé, entre tantos, são expoentes
de um movimento que deixa a bossa nova como referência mais vinculada
aos anos 50, plenos de otimismo da era Juscelino Kubitschek.
Os anos 60 se configuram como uma década de intensa vibração no
meio teatral, vanguardista e polêmico. Nele se inspiram artistas plásticos, em
particular, depois do golpe de 1964, para a formação do grupo Opinião, que
teria, em 1965, um espetáculo de enorme êxito no Rio de Janeiro e em São
Paulo, seguido de exposição com o mesmo nome. Na verdade, essa mostra,
que contaria com artistas europeus e brasileiros, seria um marco. Não um
marco, como enfatiza Ferreira Gullar, no sentido de “uma mudança históri
ca na pintura”, mas na medida em que os artistas “descobriram também que,
do outro lado, na vida de todo dia, havia muita coisa, para não dizer tudo”.
Este é o ponto de destaque da mostra: “interesse pelas coisas do mundo, pe
los problemas do homem, da sociedade em que vivem. E daí a possibilidade
de toda uma nova arte que se define como humanista”.2
paralelo entre seus desenhos e os Cantos virtuais que desenvolveria por esse tempo, compara os
Cantos com os cruzamentos de rua, fáceis para a manifestação pública e/ou a repressão: “E ao mes
mo tempo começava a fazer os Cantos, que é uma situação de espaço negativo. Os cruzamentos
de ruas são os lugares de ação por excelência. Os Cantos eram os lugares onde não existia a ação,
os lugares de refugio total. Era um trabalho geométrico sobre o módulo de Euclides”. Idem, ibidem.
Tradução da Autora.
2 Ferreira Gullar, “Opinião 65”, Revista Civilização Brasileira (4), set. 1965, apudArte em
Revista (2), mai./ago. 1979.
321
O COMPROMISSO COM O LUGAR
322
ARTE NUM PERÍODO DIFÍCIL (1964-C. 1980)
323
O COMPROMISSO COM O LUGAR
que traz como conseqüência uma repressão cada dia mais intensa aos anti-
militaristas, militantes de esquerda que começam a se organizar em diferen
tes grupos de ação. Estimulados pela ação militante, artistas começam a abor
dar a temática do momento: no caso, o militarismo — conforme se vê em
gravuras de Ana Maria Maiolino, com a xilogravura O herói (1966), e em
Antonio Henrique Amaral, que teve um trabalho retirado da Bienal da Ba
hia, em 1967, da série de “generais”.
Fatos mais gritantes foram, contudo, os ocorridos durante o IV Salão
de Brasília. Em 67, ano da morte dramática do revolucionário Che Guevara
na Bolívia, Cláudio Tozzi expôs um grande tríptico Guevara, vivo ou morto,
trabalho que foi agredido e desapareceu, sendo devolvido mutilado ao artista
somente seis meses depois. Além do trabalho de Tozzi, outros artistas tive
ram suas obras retiradas: Rubens Gerchman, que também abordou a temática
do Che em Um bilhão de dólares e Só, além de Ele, de José Roberto Aguilar.6
Testando seu poder de comunicação através da arte ou fazendo provo
cações ao regime militar, os artistas expuseram bandeiras em silk-screen, na
Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, Rio de Janeiro (1968), e na Ave
nida Brasil, em São Paulo. Casos como os de Tozzi, com o rosto de Guevara
morto, ou de Samuel Szpiegel, com uma reprodução fantasiosa de um go-
vernador-geral do Brasil, no período colonial, com o apelo eleitoreiro “Vote”
(quando não havia eleições no Brasil em função da ditadura militar...), faziam
parte dessas apresentações públicas como provocações. Da mesma forma, na
exibição de rua na Avenida Brasil foi exposta a serigrafia de Hélio Oiticica, a
partir de desenho enviado a São Paulo pelo autor e impresso em silkscreen por
Tozzi e Marcelo Nitsche, com os dizeres de Oiticica: “Seja marginal, seja he
rói”, a propósito de um jovem criminoso morto pela polícia no Rio de Ja
neiro. Ou seja: os artistas faziam provocações e expunham suas obras.7
6 “DOPS não quer Guevara em exposição”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22/12/1967,
p. 10. O intuito dos artistas, declara-nos hoje Cláudio Tozzi, era fazer provocações ao status quo,
ou, como declarou à reportagem na época, apresentar esse tipo de obra, no caso o painel de
Guevara, para “pesquisar o poder de comunicação deste tipo de pintura”.
7 É o caso do álbum O meu e o seu, de Antonio Henrique Amaral, lançado em 1968, com
alusões bastante claras ao militarismo, e que contou com um prefácio de Ferreira Gullar, decla
radamente de esquerda.
324
r ARTE NUM PERÍODO DIFÍCIL (1964-C. 1980)
325
O COMPROMISSO COM O LUGAR
Hulten, da Suécia, presente ao debate em Paris, retirou a delegação sueca depois que Pol Bury e
Pierre Restany desistiram da exposição “Arte e Tecnologia” que ele estava preparando; Takis, Le
Pare, Raysse, Haacke, Kowalski, Kosice, César e Marta Minujin também se retiraram, entre ou
tros. Aracy Amaral, “Art Abroad/São Paulo: The Bienal Boycott: Extension and Meaning”, Arts
Magazine, Nova York, mar. 1970.
9 “A reação das pessoas foi muito diversa, alguns ficaram furiosos, outros estavam indigna
dos... mas houve um homem que veio falar comigo. Foi muito carinhoso, era o Presidente da As
sociação Protetora de Animais de Belo Horizonte. Não sei se agora faria esse trabalho, mas na
quele momento me pareceu pertinente.” Idem, ibidem, p. 19.
326
ARTE NUM PERÍODO DIFÍCIL (1964-C. 1980)
10 Como no caso do carimbo Quem matou Herzog?, em referência direta à morte de jorna
lista assassinado, em 1975, pelos órgãos militares da repressão em São Paulo.
11 Idem, ibidem, p. 23. E acrescenta a esse propósito: “A transitoriedade do tempo não im
plica em não permanência. Esta possibilidade aumenta à medida que a memória se faz mais cole
tiva. Esse seria seu corolário. Fora disso nos moveríamos no domínio da materialidade, que é um
território muito precário”.
327
O COMPROMISSO COM O LUGAR
muito peculiar. Foi, talvez, o trabalho mais forte e direto de Cildo sobre o
momento vivenciado pelo Brasil.12
A metáfora comparece em muitos artistas, como foi o caso de Marcelo
Nitsche, com suas Bolhas infláveis, em particular a Bolha amarela (1968), que,
à primeira vista, sob a aparência de trabalho lúdico, expande-se, dominando
todo o espaço, pressionando o público visitante contra as paredes da galeria,
o que leva a refletir sobre uma situação verdadeiramente vivenciada pelos cria
dores na área de artes. Da mesma maneira alusiva, o escultor Ivens Machado
apresentou dramáticas Camisas-de-força sobre um tablado, na Bienal de São
Paulo de 1973, aludindo à censura então vigente. Alguns anos depois, em
1979, ele voltaria ao tema da violência — embora o historiador Sérgio Buar-
que de Holanda tenha uma tese que aborda o Brasil como o país da “cordia
lidade” — com o trabalho Mapa mudo, um gigantesco mapa do Brasil, em
concreto, com sua superfície revestida de cacos pontiagudos de vidro.
A pintura não deixaria de se manifestar por metáfora, como no caso de
Antonio Henrique Amaral, que, em meados dos anos 70, realiza toda uma
série em que as bananas são antropomorficamente utilizadas como expressão
da tortura.13 A ambigüidade estaria presente, ainda, na busca de linguagens
sinuosas, como foi o caso da série de 100 litografias e dez gigantescas e po
derosas pinturas de João Câmara Filho, abordando a trajetória política e o
tempo de Getúlio Vargas.
A arte pelo correio, mail art, foi também um recurso em tempo de res
trições à liberdade de expressão e crise econômica, para que os artistas pudes
sem passar suas mensagens subversivas ou undergrounds, sendo enviadas pelo
correio, ou entregues pessoalmente, com textos e reproduções xerocopiadas
em tiragens limitadas. Vários grupos participaram dessas ações, em particular
devemos citar Paulo Bruscky, em Recife, e Mario Ishikawa, em São Paulo.
Ishikawa apresenta, num desses trabalhos seriais, a Declaração Universal dos
12 O título da instalação, Fiat Lux, tem a ver igualmente com uma marca conhecida de fós
foros existente no Brasil, Fiat Lux. Assim, Faça-se a Luz, na tradução do latim, adquire um duplo
sentido, revestindo-se de ambigüidade neste trabalho conceituai de Meireles.
13 Em particular, podemos citar o trabalho Morte no sábado: homenagem a Vladimir Herzog
(1975), em memória ao jornalista morto na prisão militar, em São Paulo.
328
ARTE NUM PERÍODO DIFÍCIL (1964-C. 1980)
329
Sobre os textos deste volume
331
12. “Surgimento da abstração geométrica no Brasil” — Publicado em Aracy Amaral
(org.), Arte construtiva no Brasil: Coleção Adolpho Leirner, São Paulo,
DBA/Melhoramentos, 1998.
13. “Do Modernismo à Abstração (1910-1950)” — Publicado com o título “Brasil:
dei Modernismo a la Abstracción: 1910-1950” em Damián Bayón (org.),
Arte moderno en América Latina, Madri, Taurus, 1985.
14. “São Paulo e Rio de Janeiro: a constante polêmica” — Publicado no catálogo da
exposição “Coleção Gilberto Chateaubriand: retrato e auto-retrato da arte
brasileira”, Museu de Arte Moderna, São Paulo, 1984.
15. “Volpi: construção e reducionismo sob a luz dos trópicos” -— Publicado como texto
introdutório à Sala Alfredo Volpi no catálogo da XXIV Bienal de São Paulo
(Núcleo histórico: “Antropofagia e histórias de canibalismos”), organização de
Adriano Pedrosa, São Paulo, Fundação Bienal, 1998, pp. 372-85.
16. “A ceia, de Alfredo Volpi” — Publicado no Jornal da Tarde, São Paulo, ?/4/1996.
17. “Anotações a propósito de Bruno Giorgi” — Publicado no catálogo da exposição do
artista na Galeria Skultura, São Paulo, ago. 1991.
18. “Anos 40: a reflexão crítica sobre a pintura” -— Publicado em Cadernos de Crítica,
n° 2, ABCA, 1983.
19. “O panorama dos anos 50: entrevista de Vilanova Artigas a Aracy Amaral” —
Entrevista realizada em 6/11/1980, publicada na revista Projeto, n° 109,
São Paulo, abr. 1988.
20. “Anos 50: a emergência do internacionalismo na pintura” — Texto inédito da
década de 1980.
21. “Nos anos 50: Alberto Greco em São Paulo” — Publicado com o título “Alberto
Greco en el Brasil (recuerdos de Norberto Nicola recogidos por Aracy Amaral)”,
em Alberto Greco, IVAM Centre Julio González, Generalitat Valenciana,
Fundación Cultural Mapfre Vida, 1991/92. Reconstituição a partir de
testemunho de Norberto Nicola à A., a 22/7/1991.
22. “Da produção concreta à expressão neoconcreta” — Texto inédito da década de
1990.
23. “Joan Ponç” — Texto originalmente publicado como apresentação ao catálogo da
exposição do artista no MAC-USP, com obras do acervo do museu, São Paulo,
abr.-jul. 1984.
332
24. “Mavignier 75 anos” — Texto publicado como apresentação ao catálogo da
exposição retrospectiva de Almir Mavignier no Museu de Arte Moderna,
São Paulo, jul.-ago. 2000.
333
índice onomástico
Aalto, Alvar, 222 Almeida, Caetano de, 316 168-9, 172-4,177, 199,
Abramo, Cláudio, 183, 190 Almeida, José Américo de, 246, 254, 257, 259, 288,
Abramo, Fúlvio, 190 127 292, 318-9
Abramo, Livio, 125, 128, Amado, Jorge, 127 Andrade, Oswald de, 24-35,
134,139, 189-91,318 Amaral, Antonio Henrique, 42-3, 45-6, 49-53, 55-6,
Abramo, Radhá, 247 244, 254, 278, 302, 324, 59, 97, 119-20, 122-3,
Adair, Maria, 268 328 137-8, 169, 172, 199,
Adrian, Marc, 232 Amaral, Tarsila do, 13, 27-9, 246, 251,254, 256, 274,
Aguilar, José Roberto, 244, 31-2, 34-6, 42-6, 48, 58, 280,318, 322
254, 276, 324 60, 62, 66, 77, 83, 87, André, Antonio Mendes,
Aicher, Inge-Scholl, 229 98, 102-4, 109-10, 121, 199
Aicher, Otl, 220, 229-31 123, 125, 134, 137-8, Antelo, Raul, 291
Aita, Zina, 29 145-6, 148, 156, 165, Antunes, Arnaldo, 281
Albers, Josef, 112, 136, 202, 199, 200, 254, 256, 273- Apollinaire, Guillaume, 42
208,218,220-1,230, 237 4, 280, 288,291-6, 301, Aquino, Flávio de, 246
Albuquerque, Alexandre de, 306, 318 Aranha, Graça, 29, 122
69 Amarante, Leonor, 248 Araújo, Adalice, 248
Albuquerque, Georgina de, Amoedo, Rodolfo, 16 Araújo, Emanoel, 259, 261-
124 Amora, Arthur, 117, 221, 2, 264, 271
Albuquerque, Lucílio de, 76 225 Araújo, Octavio, 128, 182-3,
Aleijadinho (Antônio Ana Letícia, 270 262-4, 269
Francisco Lisboa), 45, Andrade, Abigail de, 260 Araújo, Olívio Tavares de,
259,315 Andrade, Mário de, 13-4, 154, 247
Alexandrino, Pedro, 45, 259, 24-8, 30, 34, 36, 38-41, Arciniegas, German, 257
315 44, 48-50, 56, 60, 71, Arnaud, Raquel, 281
Almeida Júnior, José Ferraz 74-5, 82, 87-8, 97, 110, Arrabal, Fernando, 322
de, 13-9, 21-3, 25, 260, 120, 122, 124, 130, 138- Artigas, João Batista
287 9, 155, 157-8,164-5, Vilanova, 181-99
334
Artundo, Patrícia, 39, 72 Barsotti, Hércules, 213 Bogoricin, Júlio, 115
Assumpção, Antonio Baudelaire, Charles, 24, 27, Bonadei, Aldo, 127, 129,
Augusto, 72 317 165,169
Astrogildo, 91 Baumeister, Willi, 125 Bonnard, Pierre, 175, 220
Ayala, Walmir, 246 Baumstein, Moisés, 216 Botero, Fernando, 241
Azevedo, Militão Augusto Bava, Ubi, 225 Braga, Luiz Antonio de
de, 16 Bayón, Damián, 114 Almeida, 102
Azevedo, Roberto Marinho Bazin, Germain, 195 Braga, Rubem, 96
de, 247 Beardsley, Aubrey, 77, 87 Braga, Teodoro, 247
Azevedo, Vera Vicente de, Beckmann, Max, 125 Bramante, Donato, 187
59 Bek, Bozo, 233 Brancusi, Constantin, 46,
Baccaro, Giuseppe, 75, 82 Belluzzo, Ana Maria, 86, 50, 111, 123, 166
Baeta, Olga, 197 103 Braque, Georges, 87, 110,
Baldinucci, Fillipo, 147 Benjamim, Marcos Coelho, 125, 175
Baluschek, Hans, 58-60, 62 292, 294, 300-1, 310 Bratke, Oswaldo, 194, 198
Balzac, Honoré de, 68, 315 Bense, Max, 220, 230-1 Brecheret, Victor, 26-7, 33,
Bandeira, Antonio, 209, Bento, Antonio, 66, 75, 77- 77, 86-7, 112, 120-1,
262, 268, 276 8, 81, 83, 116, 227 123, 138, 156, 306,316
Bandeira, Ladjane, 248 Bento, José, 310 Brennand, Francisco, 130,
Bandeira, Manuel, 67, 75, Benton, Thomas Hart, 138 198, 266, 277, 307
122, 169 Bergmiller, Karl-Heinz, 231 Brest, Jorge Romero, 114-6,
Bandeira, Rafael Pinto, 260 Berni, Antonio, 190 129-30, 146, 174, 203,
Barata, Mário, 116-7, 165, Besouchet, Lidia, 91 209, 228
246 Bethânia, Maria, 321-2 Breton, André, 91
Baravelli, Luiz Paulo, 245, Beuttenmuller, Alberto, 247 Brett, Guy, 299, 303
254, 277, 281 Beuys, Joseph, 234 Brill, Alice, 182
Barbosa, José, 268 Bhabha, Homi, 302-3 Brito, Mário da Silva, 25-6
Barcelos, Vera Chaves, 307 Biasi, Alberto, 232 Brito, Ronaldo, 247, 254,
Bardi, Pietro Maria, 83, 107, Biezus, Ladi, 151 277, 280
130 Bilac, Olavo, 119 Brocos, Modesto, 260
Barlach, Ernst, 125 Bill, Max, 115, 118, 130, Bruand, Yves, 195
Barreto Filho, 75 195,209,211,215,217, Bruscky, Paulo, 278, 328
Barreto, Leonel, 268-9 220-1, 227-32, 263, 275, Buarque, Chico, 321-2
Barreto, Lia Menna, 308 293 Bueno, Cunha, 107-8
Barrio, Artur, 329 Birolli, Renato, 179 Buisson, Dominique, 63-4,
Barros, Emygdio de, 225-7 Bischoff-Culm, Ernst, 273 72
Barros, Geraldo de, 118, Bittencourt, Paulo, 209 Buisson, Sylvie, 63-4, 72
157, 203, 209-10, 220, Boal, Augusto, 322 Burle Marx, Roberto, 224
229, 307 Boese, Henrique, 226
335
Cabanel, Alexandre, 14, 16, Catunda, Leda, 245, 279, Cordeiro, Waldemar, 108,
293 309 115-6, 188-9, 192, 195,
Caldas, Waltércio, 254, 277, Cavaleiro, Henrique, 124 203, 209-12, 227, 275,
280, 309, 316 Cendrars, Blaise, 24, 27, 29, 307
Calder, Alexander, 112, 117, 31-2, 34, 42-6, 48-56, Corinth, Lovis, 125, 178,
127, 136, 202, 208 64, 110, 254, 273-4, 303 273
Calixto, Benedito, 148 Cendrars, Raymone, 51 Corrêa, Alvim, 227
Câmara Filho, João, 254, Cervantes, Miguel de, 37 Corrêa, José Celso Martinez,
278, 307, 328 César, Osório, 57, 60, 62, 322
Camargo, Iberê, 179, 242, 246 Costa, Artur Timóteo da,
302 Cézanne, Paul, 31, 101, 110, 287
Camargo, Sérgio de, 213, 153, 175 Costa, João Timóteo da, 287
254, 276-7 Chabloz, Pierre, 170-1 Costa, Lígia Martins, 14-6
Campofiorito, Quirino, 68, Chagall, Marc, 74, 78-9 Costa, Lucio, 76, 137, 173,
137,179, 246 Charoux, Lothar, 128, 203, 185, 285
Campos, Augusto de, 203, 210, 212, 307 Costa, Toni, 232
210-1 Chateaubriand, Assis, 130, Cotrim, Álvaro, 67-8
Campos, Haroldo de, 187-9, 136, 208 Courbet, Gustave, 14
203,210 Chateaubriand, Gilberto, Coutinho, Wilson, 247
Camus, Albert, 227 132, 134, 139, 226 Couturier, 46
Carmelo, Jesuíno do Monte, Che Guevara, Ernesto, 276, Cozzella, Damiano, 211
13 324 Cravo Neto, Mário, 277,
Carvalho, Flávio de, 60, Chiarelli, Tadeu, 248 305
111-2, 123, 127, 136-7, Chiggio, Ennio, 232 Cruz-Diez, Carlos, 241
169, 200-1,274 Churchill, Winston, 183-4 Cuixart, Modest, 217
Carvalho, Lúcia M., 216 Clark, Lygia, 130, 134, 140, Cunha, Euclides da, 122,
Carvalho, Ronald de, 28, 203, 212-3, 275, 280, 287
102 302, 309, 317 Cunha, Mariano Carneiro
Carvão, Aluísio, 203, 213 Claudel, Paul, 256 da, 260
Castagneto, João Batista, Cláudio, José, 262, 266 Dacosta, Milton, 86, 126,
287 Cocchiarale, Fernando, 212 213, 228
Castellani, Enrico, 232 Cocteau, Jean, 27, 43, 50, De Chirico, Giorgio, 74, 79,
Castiel, 192 123 87, 110-1
Castro, Amilcar de, 140, Coelho, Edísio, 269 De Fiori, Ernesto, 128, 139,
203, 211, 277, 300, 310 Collares, Raymundo, 254, 148, 153, 165, 170, 295
Castro, Moacir Werneck de, 276 Debret, Jean Baptiste, 287
184 Corbusier, Le, 132, 186, Debussy, Claude, 50
Castro, Willys de, 213 222, 274 Degand, Léon, 114-7, 131,
Cattani, Icléia, 248 209, 226-7, 289
336
Delacroix, Eugène, 175 Elejaide, Paulo, 224 Franco, Siron, 244, 278,
Delaunay, Robert, 46, 110- Eneida, 62, 67 302, 305
1, 125, 175 Erni, Hans, 112, 202, 208 Freitas, Newton, 90-2, 94
Delaunay, Sonia, 43, 45, 50 Errazuris, Madame, 50 Freud, Sigmund, 30, 56,
Delima, 269 Escostégui, Pedro, 164 274, 317
Demuth, Charles, 138 Esmeraldo, Sérvulo, 213, Freyre, Gilberto, 30, 223-4
Derain, André, 175 276, 302, 305 Gabo, Naum, 266
Desnos, Robert, 63 Espíndola, Humberto, 254, Gance, Abel, 45, 52
Dewasne, Jean, 220, 228 267 Gaudibert, Pierre, 303
Di Cavalcanti, Emiliano, 26, Fabris, Annateresa, 248 Gauguin, Paul, 31, 175
29,31,39,77, 85, 87-98, Fajardo, Carlos, 254, 277, Gauthier, Maximilien, 43, 50
120-1, 123-4, 137-8, 309 Geiger, Ana Bella, 309, 329
165, 198, 254, 273, 288, Fânzeres, Levino, 124 Géo-Charles, 110, 125
293, 306, 318 Fargue, Léon-Paul, 91 Gerardo, d., 225
Diabo, Chico, 269 Farias, Patrício, 307 Gerchman, Rubens, 254,
Dias, Antonio, 243-4, 254, Febrônio índio do Brasil, 41 276, 324, 326
276, 303, 311, 323 Feininger, Lyonel, 125 Gericault, Theodore, 175
Dias, Cícero, 66, 78, 103, Féjer, Kazmer, 203, 210 Gerstner, Karl, 232
115-7, 129-30, 136-7, Fernandes, Eva, 182 Giacometti, Alberto, 166
169, 209, 227, 276 Fernandes, José Eduardo, Giobbi, Domingos, 144, 160
Dickens, Charles, 37 182 Giorgi, Bruno, 128, 161-7,
Doctors, Márcio, 247 Fernandes, Millôr, 322 242
Dome, José de, 268 Ferraz, Geraldo, 130, 246 Giorgi, Ferdinando, 163
Domingues, Raphael, 219, Ferreira, Procópio, 191 Giorgi, Giuliana, 163
225-7 Fialdini, Dan, 70 Giotto, Ambrosio B., 145
Dorazio, Piero, 232 Fiaminghi, Hermelindo, Girondo, Oliverio, 33
Drewes, Werner, 112, 202, 211-2 Gleizes, Albert, 27, 44-5, 49,
208 Figueiredo, Aline, 248, 267 50, 110-1, 123, 273
Duarte, Paulo, 191, 194 Figueiredo, Celso, 108 Goeldi, Oswaldo, 121, 125,
Duarte, Paulo Sérgio, 103 Fitzgerald, Scott, 76 134, 139
Dubugras, Victor, 136, 186 Flexor, Samson, 115-6, 215, Goeritz, Mathias, 241
Duchamp, Mareei, 313, 316 227 Gomes, Marion Strecker,
Duhamel, 97 Fonseca, Gonzalo, 150, 167 248
Duncan, Isadora, 30 Fontana, Lucio, 232 Gomes, Paulo Emílio Salles,
Duprat, Rogério, 210-1 Fonteles, Bené, 278 91
Duque, Gonzaga, 246 Foujita, Tsuguharu, 63-73, Gomide, Antonio, 66, 87,
Dutra, Miguel Benício, 13 111 103, 105-7, 112, 121,
Eames, Charles, 222 Franco, Maria Eugênia, 246 123, 137-8, 156-7, 169,
Elbrick, Charles, 325 200, 288, 306
337
Gonçalves Filho, Antonio, 139, 145-6, 169, 176-7, João Pedro, o Mulato, 287
248 179, 288 Juliano, Miguel, 197
Gonçalves, Danúbio, 129 Gullar, Ferreira, 73, 211-3, Jung, C. G., 218
Gonçalves, Lisbeth R., 216 246, 275, 280, 320-2, Júnior, Telles, 13
Goulart, João, 319 324 Jurema, Aderbal, 86
Goya, Francisco de, 313 Haar, Leopold, 203, 210-1 Jurgen-Fischer, Klaus, 232
Graciano, Clóvis, 34-5, 127, Hamer, Chaim José, 82, 109 Kammer, 233
129, 137, 169, 178, 183, Hara, Toshio, 242 Kanazawa, 242
198-9 Haro, Martinho de, 126 Kandinsky, Wassily, 178, 230
Graeff, Edgar, 181 Hélion, Jean, 112, 202, 208 Katz, Renina, 190, 219, 226
Graeser, Camille, 228 Henrique II, 256 Kelly, Celso, 128
Graevenitz, Gerhard, 233 Herbin, August, 110 Klee, Paul, 178, 230
Gramsci, Antonio, 184, 210 Hermano, Luís, 303 Klein, Yves, 232
Granato, Ivald, 262, 266 Heuberger, Theodor, 125, Klemperer, Otto, 60
Grassmann, Marcelo, 128 130 Klintowitz, Jacob, 247
Graz, John, 105, 107, 120-1, Hill, Gary, 314 Knifer, Julije, 233
123, 136, 200, 208 Hindemith, Paul, 60 Kobro, Katarzyna, 317
Graz, Regina Gomide, 105- Hirst, Damien, 312 Koch, Lucia, 307
8, 120, 123 Hitler, Adolf, 229 Koelreutter, H. J., 35
Greco, Alberto, 204-7 Holanda, Sérgio Buarque de, Kokoschka, Oskar, 125, 178,
Greenaway, Peter, 314 328 210
Grinspum, Ester, 309 Holding, Eileen, 112, 202, Kollwitz, Kaethe, 117, 125,
Gris, Juan, 110-1 208 127, 189
Gropius, Walter, 101 Hollein, Hans, 316 Krajcberg, Frans, 276, 310
Gross, Carmela, 276, 309 Holty, Carl, 112, 202 Kubitschek, Juscelino, 129,
Grostein, Márcia, 243 Holzer, Jenny, 314 175-6
Grosz, George, 87, 125 Hopper, Edward, 138 Kulaguina, V., 60-2
Gruber, Mário, 182-3, 185, Hora, Abelardo da, 129 Kuperman, Mary, 216
190, 197-8 Hosek, Arne, 112, 202 Kusuno, Tomoshige, 277
Guagnini, Nicolas, 317 Hughes, Robert, 144, 148 Kutka, Vicente, 245
Guarnieri, Camargo, 35, 62 Hulten, Pontus, 283, 325 Kyriakakis, Geórgia, 309
Guarnieri, Gianfrancesco, Ianelli, Arcangelo, 278, 302 Lacaz, Guto, 278-9
322 Igino, José, 270 Lacerda, Maria, 82
Guarnieri, Rossini, 199 Inarra, Francisco, 265 Lagnado, Lisette, 248
Guayasamín, Oswaldo, 241 Ishikawa, Mario, 328 Lam, Wifredo, 306
Guersoni, Odetto, 124, 198 Ives, 235 Lambrecht, Karin, 307
Gugelot, Hans, 231 Jaramillo, Alípio, 178 Landa, 30'
Guignard, Alberto da Veiga, Jardim, Reinaldo, 212 Landi, Edoardo, 232
86, 123, 129, 134, 137, Jesus, José Teófilo de, 286 Larbaud, Valéry, 27
338
Lassaigne, Jacques, 325 Lobato, Monteiro, 26, 29, Manet, Edouard, 165, 175
Lauand, Judith, 212 34, 120, 138 Manuel, Antonio, 248, 276,
Lazo, Antonio, 282 Loeb, Gérard, 103 325
Leão, Múcio, 67 Loewensberg, Verena, 228 Manzoni, Piero, 232
Lee, Wesley Duke, 254, 277 Lohse, Richard Paul, 209, Marcoussis, Louis, 110
Léger, Fernand, 27, 31, 44- 227-8, 275 Maré, Rolf de, 31-2
6, 49, 50, 53, 74, 87, Loos, Adolf, 187 Marighella, Carlos, 325
103-4, 110-1 Lopes, Isidoro Dias, 44 Marigo Filho, Carlos, 102
Legrain, Pierre, 54 Lourenço, Maria Cecília Marinetti, F. T., 24, 46,
Leirner, Adolpho, 103, 106- França, 14, 20 119, 137
8, 136, 151 Lozza, Raul, 210, 317 Marinho, Justino, 269
Leirner, Jac, 309, 311, 316 Lucchesi, Fernando, 277, 310 Marino, João, 151
Leirner, Nelson, 248, 276 Lucie-Smith, Edward, 289 Martins, Cosme, 268
Leirner, Sheila, 247 M ’Boy, Cássio, 108 Martins, Ibiapaba, 246
Leite, José Roberto Teixeira, Mabe, Manabu, 277 Martins, Luís, 14-5, 17, 57,
66, 246-7 Machado, Aníbal, 75 130, 246
Leite, Rui Moreira, 248 Machado, Ivens, 302, 328 Martins, Paulo Egydio, 196
Leontina, Maria, 86, 134, Machado, Lourival Gomes, Martyn, François de, 112,
228 14, 130, 168-9, 172, 227, 202
Lequeux, Madeleine, 63-8, 246 Masereel, Frans, 110
70, 72 Mack, Heinz, 232-3 Massironi, Manfredo, 232
Leskoschek, Axl, 128, 225-6 Magliani, Maria Lídia, 262, Masson, André, 110
Leuppi, Leo, 209 266-7 Matarazzo Sobrinho,
Levei, M., 52, 54 Magnelli, Alberto, 112, 127, Francisco (Ciccillo), 92-
Levi, Alexandre, 13 136, 202, 208 3, 97, 113, 131,154,
Levi, Rino, 113, 194, 198, Magno, Montez, 278 165, 184, 202, 209, 255
202 Maiakóvski, Vladimir, 188 Mathieu, Georges, 205
Lévi-Strauss, Claude, 266, Maillol, Aristide, 164 Matisse, Henri, 78, 144,
303 Maiolino, Ana Maria, 309, 166, 175
Lhote, André, 44-5, 49, 110- 324 Matta, Roberto, 150
1, 123, 175, 273 Malagoli, Ado, 126 Maurício, Jayme, 246, 263
Liberato, Isaac, 225 Maldonado, Tomás, 209, Mavignier, Almir, 117-8,
Libman, Saul, 150 230-1 203, 209, 217-30, 232-
Lichtenstein, Roy, 314 Malevich, Kasimir, 288 38, 262-3, 276, 310
Lima, Maurício Nogueira, Malfatti, Anita, 24-6, 29, 68, Mavignier, Cincinato, 223
212, 307 86, 101, 120-1, 123, Mavignier, Delmar, 235,
Limberger, Fernando, 307 137-8, 148, 178, 273, 237-8
Lippi, Fra Filippo, 154 287, 306 Mavignier, Margarida da
Lizar, 268 Maluf, Antonio, 116, 209 Silva, 223
339
Mavignier, Melchizedeck Mondrian, Piet, 108, 112, Negret, Edgard, 241
Eliezer, 223 116, 121, 187, 201,210, Nemirovsky, José, 83, 216
Mavignier, Simplício, 224 220 Nepomuceno, Alberto, 13
McEvilley, Thomas, 303 Monet, Claude, 175 Nery, Adalgisa, 76, 82
Medeiros, Delina, 262 Monteiro, Paulo, 278 Nery, Ismael, 66-7, 74-9,
Meireles, Cildo, 254, 276, Moore, Henry, 166, 210 80-4, 98, 109, 121, 123,
278, 292, 294, 299, 300- Moraes, José, 68, 176-7 273
1, 309, 320, 326-8 Moraes, Rubens Borba de, Neto, Ernesto, 309
Meirelles, Victor, 16, 287 34, 120, 122 Neves, João Alves das, 44
Mello Júnior, Donato, 73 Moraes, Vinicius de, 96 Newman, Barnett, 151
Melo Neto, João Cabral de, Morais, Dulcina de, 191 Nicola, Norberto, 204-7
322 Morais, Frederico, 66, 134, Niemeyer, Oscar, 93, 173,
Melsohn, Isaias, 146-7 208, 246, 279, 299, 323, 184, 186,191, 195-6,
Mendes, Gilberto, 203, 326 274, 308
210-1 Moran, Manolo, 216 Nitsche, Marcelo, 254, 276,
Mendes, Murilo, 75, 77, 81- Morandi, Giorgio, 143-4, 324, 328
2, 84, 149, 233 148, 220, 229 Nóbrega, M., 178
Mendes, Saudade, 233 Morellet, François, 233 Nonné-Schmidt, Helene,
Méndez, Leopoldo, 129 Moreyra, Álvaro, 67 230
Mendonça, Casemiro Xavier Moreyra, Eugênia Álvaro, 67 Novaes, Israel Dias, 102
de, 247 Morgan, Maria Assumpção, Nunes, Benedito, 30
Mendonça, Rivadávia, 191 72 Obregón, Alejandro, 241
Mendonça, Rubens, 197 Mota, Edson, 126 Odriozola, Fernando, 215
Messias, Manuel, 269 Motta, Agostinho José da, Oehm, Herbert, 233
Mestrovic, Matko, 232 287 Ohtake, Tomie, 277
Meyer, Ruth K., 75 Motta, Flávio, 36, 155,173, Oiticica, Hélio, 134, 140,
Michelangelo, 205, 315 198 203, 212-3, 275, 280,
Mignone, Francisco, 68 Mourão, Noêmia, 86, 88, 282, 291-2, 294, 296-9,
Miguez, Fábio, 278 169 301, 309, 317, 324
Milano, Dante, 66 Mugnaini, Túlio, 69 Okumura, Lydia, 243-4, 265
Milhaud, Darius, 31, 256 Muller, Gotthard, 233 Oliveira, Felipe de, 59
Millet, François, 14 Muniz, Vik, 317 Oliveira, Hélio de, 269, 271,
Milliet, Sérgio, 14, 44, 115- Murtinho, Wladimir, 231 262
6, 120, 122-3, 130, 143, Musatti, Jeanete, 216 Oliveira, Willy Correa de,
164, 168-70, 172, 175, Nadar, Félix, 317 203, 210
183, 191, 246 Nassar, Emanuel, 277, 305 Oliver, Maria Rosa, 39, 41
Miró, Joan, 110 Nasser, Frederico, 254, 277 Ortenbald Filho, Rodolfo,
Modigliani, Amedeu, 46 Navarra, Rubem, 129-30, 82
Molière, 37 168-9, 175, 227, 246 Osir, Paulo Rossi, 127, 144
340
Otero, Alejandro, 241 Pignatari, Décio, 192, 203, Quin, Arden, 209
Ottoni, Ana Lúcia B., 216 210 Raimo, Leopoldo, 207
Ovalle, Jayme, 92 Pinheiro, Luciano, 278 Ramos, Graciliano, 127
Pacheco, Nazareth, 309 Pinheiro, Osmar, 277 Ramos, Nuno, 278, 309
Palatnik, Abraham, 117, Pinochet, Augusto, 299 Ramosa, Edival, 262, 265,
209, 219-20, 226-7, 236 Pinto, Adolfo Augusto, 18- 269
Pancetd, José, 126, 129, 21, 23 Rangel, Flávio, 322
134,137,145, 169 Pinto, Carvalho, 198 Rao, Vicente, 34
Pape, Lygia, 212 Piza, Arthur Luiz, 214, 276, Rauschenberg, Robert, 314
Paraíso, Juarez, 267 310 Raynal, Maurice, 145, 295-6
Pare, Julio Le, 212, 232, 326 Piá, Teté, 64 Re, Luciano Mario Lo, 160
Parreiras, Antônio, 124 Pohl, Uli, 233 Rebelo, Marques, 129, 174
Pasta, Paulo, 309 Pollock, Jackson, 205, 317 Rebolo, Francisco, 127, 129,
Paula, Gervane de, 266, 277 Pomodoro, Arnaldo, 265 137,165,169, 178, 183,
Pedra, Jameson, 267, 271 Ponç, Joan, 215-6 195, 198
Pedreira, Fernando, 184-5, Pontual, Roberto, 103, 117, Rêgo Monteiro, Vicente do,
246 247 29, 66, 77, 83, 87, 102,
Pedro II, d., 16, 121 Portinari, Cândido, 27, 31, 110, 121, 123, 125, 130,
Pedrosa, Mário, 75, 91, 115, 39, 66-8, 76, 126, 128-9, 138, 156, 169, 200, 251,
117-8, 121, 130, 144-5, 137,145, 156,161,165, 254, 274, 288, 293, 306
160-1, 166, 172, 190, 169, 171, 173, 177, 178- Rego, José Lins do, 127
195, 211, 218-20, 223, 9, 182, 198-9, 225, 274, Rembrandt (Harmensz van
226-9, 246, 248-9, 263, 296, 306,318 Rijn), 156
275, 280, 295-6, 321-2 Portinari, Maria, 66, 68 Renato, Celso, 277, 300,
Pedrosa, Raul, 64-5 Portinari, Marisia, 68 310
Peláez, Amélia, 86 Prado, Caio, 108 Rennó, Rosângela, 309, 311,
Pennacchi, Fulvio, 156, 169 Prado, Marinette, 55 315
Penteado, Olívia Guedes, Prado, Paulo, 33-4, 43, 45, Resende, José, 254, 277, 309
45, 104, 110, 122, 136 51, 55, 110, 122 Revel, Jean François, 252
Péret, Benjamin, 46 Prado, Vasco, 129, 181-2, Reverón, Armando, 150
Petit, Francesc, 216 308 Reynolds, Joshua, 316
Pettini, Leopoldo, 113, 202 Prado, Veridiana, 16 Ribeiro, Darcy, 252
Pevsner, Anton, 266 Prado, Yan de Almeida, 90, Ribeiro, Demétrio, 181, 186
Picasso, Pablo, 30-1, 65, 74, 194 Ribeiro, Flávia, 309
78, 87, 110-1, 125-6, Prestes, Júlio, 34 Ribeiro, Samuel, 69
173, 210, 227, 306, 313 Quadros, Jânio, 319 Riegl, Alois, 100
Picchia, Menotti dei, 26, Quarch, Sigrid, 235, 237 Riskallah, Alfredo, 106
119-20, 122, 191 Queiroz, Dinah Silveira de, Rivera, Diego, 39, 72, 89,
Piene, Otto, 232-3 177 91-2, 96, 164, 173, 191
341
Rocha, Glauber, 323 Schamberg, Morton, 138 Soares, Luís, 169
Rocha, Wilson, 268 Schenberg, Mário, 144, 146, Soares, Valeska, 311
Rockefeller, Nelson, 193 153, 200, 246 Sodré, Adir, 267, 277-8
Rodin, Auguste, 166, 169 Schendel, Mira, 134, 213, Sodré, Niomar Muniz, 325
Rodrigues, Augusto, 68, 169 278, 302 Soto, Jesus, 241
Roels, Reynaldo, 117, 135, Schlemmer, Oskar, 104 Souza, Emigdio de, 148,
137 Schmidt, Joost, 230 153, 295
Romagnolo, Sérgio, 315 Schmidt-Rottluff, Karl, 125 Souza, Gilda de Mello e, 15
Romero, César, 268 Schmied, Wieland, 235 Souza, Nelson de, 181
Ronsard, Pierre, 257 Schneider, Karin, 307, 317 Spanudis, Theon, 102-3,
Rosa, Santa, 168-9, 177, Schwarz, Roberto, 322 144, 246
179, 226-7 Scliar, Carlos, 129, 171, Staden, Hans, 30
Rosenberg, Harold, 167 181, 185-6, 319 Stein, Joel, 233
Rosenberg, Léonce, 46, 52, Segall, Lasar, 31, 45, 104-5, Steiner, Benjamin, 82, 105
110 107, 110, 119, 121, 125, Stella, Joseph, 138
Rossi, 153 136-7,161, 165,173, Stickel, Erico, 83
Rousseau, Henri, 175 200, 208 Stockinger, Francisco, 308
Rubinstein, Arthur, 256 Segre, Cario, 163 Strzeminsk, Wladyslaw, 317
Ruchti, Jacob, 112-3, 116, Seitz, William, 234 Supervielle, Jules, 27, 50
136, 202, 208 Serpa, Ivan, 117, 166, 203, Szènes, Arpad, 128, 219,
Rudofslty, Bernard, 113, 209, 212, 219, 225, 307 225-6
128, 202 Sheeler, Charles, 138 Szpiegel, Samuel, 324
Runge, Phillip Otto, 238 Shiró Tanaka, Flávio, 190, Taeuber-Arp, Sophie, 209,
Saarinen, Eero, 222 276, 310 275
Sacilotto, Luiz, 106, 116, Sigaud, Proença, 126, 137 Talman, Paul, 232
128, 203, 209-10, 212, Silva, Áurea Pereira da, 94 Tamayo, Rufino, 241
307 Silva, Estevão, 260 Tápies, Antoni, 215
Saia, Luís, 157 Silva, José da Paixão, 269 Tarquínio, Orlando, 70
Salzstein, Sônia, 216 Silva, Maria Helena Vieira Tenreiro, Joaquim, 126
Samico, Gilvan, 307 da, 128, 139, 171, 226 Terranova, Franco, 82
Sampaio, Márcio, 248 Silva, Oscar Pereira da, 124 Teruz, Orlando, 68, 169
Santomaso, Giuseppe, 179 Silveira, Nise da, 121, 218-9, Tinguely, Jean, 232
Santos, Agnaldo dos, 271 224 Tiradentes (Joaquim José da
Santos, Luís, 169 Silveira, Regina, 309, 315, Silva Xavier), 326
Santos, Miguel dos, 262, 329 Toledo, Francisco, 270
266 Siqueiros, David, 92, 127 Toledo, Pedro de, 69
Sassu, Aligi, 179 Smith, Ricardo, 216 Torres-García, Joaquín, 103,
Satie, Erik, 31, 43, 50 Smith, Robert, 195 150, 266
Scarinci, Carlos, 248 Soares, Genilson, 262, 265 Torrinha, Francisco, 155
342
Tozzi, Cláudio, 254, 276, Vieira, Mary, 116, 118, 209, Wood, Grant, 138
324 217, 220, 227-30, 235, Worringer, Wilhelm, 100
Traba, Marta, 114, 293 276, 310 Wyss, Mareei, 232
Tristão, Maristela, 248 Vignelli, Massimo, 235 Xceron, John, 112, 202, 208
Truman, Harry, 183 Villa-Lobos, Heitor, 28, 32, Youki, 63-4
Tunga, 245, 254, 277, 309 123, 256 Zamor, Emanuel, 260
Udler, Berco, 175 Vinci, Leonardo da, 154-6, Zanini, Mário, 144
Uecker, Gunther, 232 158,313 Zanini, Walter, 102, 246
Ungaretti, Giuseppe, 97 Viola, Bill, 314 Zé, Tom, 321
Utrillo, Maurice, 175 Visconti, Eliseu, 124, 287 Zehringer, W., 233
Vaccarini, Bassano, 179 Vitureira, Cipriano, 129, Zervos, Christian, 169
Valdemberg, 268 174 Zílio, Carlos, 309
Valentim, Rubem, 214, 262, Vlaminck, Maurice de, 110 Zweig, Stefan, 273
265, 271 Vollard, Ambroise, 43, 50,
Valéry, Paul, 165 52
Valladares, Clarival do Volpi, Alfredo, 97, 127, 129,
Prado, 268-9, 271 134,137, 139, 143-54,
Valmier, Georges, 110 156-62, 164-5, 178, 198-
Van Doesburg, Theo, 109 9, 213, 242, 275, 291-2,
Van Dongen, Kees, 78 294-6, 301-307
Van Eyck, Jan, 153 Von Schmidt, Carlos, 247
Van Gogh, Vincent, 31, 175 Vordemberghe-Gildewart,
Vandré, Geraldo, 321 Friedrich, 220, 230-1
Vargas, Getálio, 66, 125-8, Wakabayashi, Kazuo, 277
195, 274, 319, 328 Warchavchik, Gregori, 66,
Velásquez, Diego, 153, 313, 136, 194
316 Warhol, Andy, 282, 314
Venâncio Filho, Paulo, 247 Weber, Hilde, 153, 157, 178
Vergine, Lea, 236 Weber, Max, 138
Vermeer, Jan, 153 Weissmann, Franz, 116,
Vernet, Horace, 293 166, 203, 212, 302, 309
Veronese, Paolo, 155 Werneck, Paulo, 184
Verônica, Irmã, 76 Whitaker, Paulo, 309
Viana Filho, Oduvaldo, 198, Wilde, Oscar, 77
322 Wladyslaw, Anatol, 203, 210
Viaro, Guido, 129 Wollner, Alexandre, 118,
Vieira, José Geraldo, 246 209, 220, 229, 231
Vieira, Maria Chrisdna de Wols (Alfred Otto
Andrade, 57 Wolfgang), 262
343
Relação dos textos da coleção
344
23. Joan Ponç
24. Mavignier Tb anos
345
18. Um olhar sobre a América: Damián Bayón
19. Alteridade e identidade na América Latina
20. Colômbia: um contexto peculiar
21. Artes visuais sob a ótica de José Neistein
22. Artes visuais: contatos com a Argentina
346
51. Imagem da cidade moderna: o cenário e seu avesso
52. Criação: arquitetura e arte
53. Um olhar sobre a cidade
54. Modernidade e nacionalismo no Brasil
55. Brasil: perfil de um meio artístico marcado pela violência
56. “Arte-Cidade”: intestinos expostos
347
25. Mira Schendel
26. Geórgia Creimer
27. Amilcar de Castro: o vigor da expressividade fundada na geometria
28. Fernando Lucchesi
29. Emmanuel Nassar
30. Marco Giannotti
31. Leda Catunda
32. Quatro artistas
33. A propósito do trabalho de Beralda Altenfelder
34. Uma nova geração
35. A efervescência dos anos 80
36. Guto Lacaz: entre o urbano, a memória e a “Aerobrás”
37. A mulher nas artes
38. Carmela Gross: um olhar em perspectiva
39. Jeanete Musatti: do abismo entre o onírico e a memória
40. Uma geração emergente
41. Espelhos e sombras
42. Voluntarismo de Cravo Neto
43. Visita a Caetano de Almeida
44. Geórgia Kyriakakis
45. A propósito da arte construtora: das poéticas visuais às interferências urbanas
46. Marcelo Grassmann, gravador
47. Regina Silveira: vocação internacionalista
48. Uma trajetória: Giselda Leirner
49. A mulher é o corpo
50. Lugar chamado arte
51. Arte paulistana
52. Vik Muniz: o ilusionismo além da aparência especular
53. Artur Lescher: a tática da elegância
54. Gregório Gruber
55. León Ferrari: os anos paulistas (1976-1984)
56. Conversação com Evandro Carlos Jardim: imagens revisitadas
348
Agradecimentos
349
Sobre a autora
Aracy Abreu Amaral (São Paulo, SP, 1930) graduou-se em Jornalismo na PUC-
SP em 1952, obteve o mestrado pela FFCLH-USP em 1970 e o doutorado pela ECA-
USP em 1971. Livre-Docente (1983), Professor-Adjunto (1985) e Professora-Titular
(1988) de História da Arte pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universida
de de São Paulo (hoje aposentada). Em 1978 recebeu bolsa da Fundação Guggenheim.
Foi diretora da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1975-79) e do M useu de Arte Con
temporânea da Universidade de São Paulo (1982-86). Participante de colóquios e semi
nários no Brasil e no Exterior, foi membro do Comitê Internacional de Premiação do
Prince Claus Fund, Haia (2002-03 e 2004-05), e co-curadora/coordenadora-geral do
Projeto “Rumos” Itaú Cultural (2005-06). Vive e trabalha em São Paulo.
Entre as várias exposições que organizou, destacam-se: “Tarsila: 50 Anos de Pin
tura” (1969), “Alfredo Volpi: Pintura 1914-1972” (1972), “ExpoProjeção” (1973), “A
Nova Dimensão do Objeto” (1986), “Modernidade: Arte Brasileira do Século XX” (com
Marie Odile Briot, Frederico Morais e Roberto Pontual, Paris, 1987; São Paulo, 1988),
“Brasil: LaN uevaG eneración” (Caracas, 1991), “Espelhos e Sombras” (1994), “De Bra
sil: Alquimias y Procesos” (Bogotá, 1999), “Mavignier 75” (2000), “Política de las D i
ferencias” (Recife/Buenos Aires, curadora pelo Brasil, 2001), e “Arte e Sociedade” (2003).
Vive e trabalha em São Paulo.
Livros publicados:
Blaise Cendrars no Brasile os modernistas. São Paulo: M artins, 1970 (São Paulo: Editora
34, 1997, 2a ed.).
Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Perspectiva, 1970 (Coleção Debates) (São
Paulo: Bovespa, 1992, edição especial; São Paulo: Editora 34, 1998, 5a ed.).
Desenhos de Tarsila. São Paulo: Cultrix, 1971.
Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1975 (Coleção Estudos) (São
Paulo: Tenenge, 1986, 2a ed.; São Paulo: Editora 34/Edusp, 2003, 3a ed.).
350
M ário Pedrosa. Mundo, homem, arte em crise (organização e apresentação). São Paulo:
Perspectiva, 1975.
Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962) (organização e texto). Rio de Janeiro:
M EC-Funarte/M AM -RJ; São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo/Pinacoteca do Estado, 1977.
A rtey arquitectura en el modernismo brasileno (organização e texto). Tradução de M arta
Traba. Caracas: Ayacucho, 1978.
A hispanidade em São Paulo. São Paulo: Nobel, 1981.
Mário Pedrosa. Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília (organização e apresen
tação). São Paulo: Perspectiva, 1981.
Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burger (1961-1981). São Paulo: Nobel, 1983.
Arte para quê? A preocupação social na arte brasileira (1930-1970). São Paulo: Nobel, 1984
(2003, 3a ed.).
IsmaelNery: 50 anos depois (organização e texto). São Paulo: Banco Cidade de São Pau-
lo/M AC-USP, 1984.
Desenhos de D i Cavalcanti na coleção do M A C (organização e texto). São Paulo: C N E C /
M AC-USP, 1985.
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo: perfil de um acervo (organi
zação e texto). São Paulo: Techint/M AC-USP, 1988.
Arquitectura neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos (organização e texto).
São Paulo: Memorial da América Latina/Fondo de Cultura Econômica, 1994.
Tarsila do Amaral. Buenos Aires: Banco Velox/Fundação Finambrás, 1998 (Projeto
Cultural Artistas do Mercosul).
São Paulo: imagens de 1998 (organização com Rubens Fernandes Jr. e texto). São Paulo:
Bovespa, 1998.
Arte construtiva no Brasil: Coleção Adolpho Leirner (organização e texto). São Paulo: DBA/
M elhoramentos, 1998.
Marcos Coelho Benjamim/Fernando Luechesi/José Bento (organização e textos). São Pau
lo: Banco ABC Brasil; Belo Horizonte: C l Arte, 2000, 3 vols.
Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral (organização, introdução, cro
nologia e notas). São Paulo: Edusp/IEB-USP, 2001 (Coleção Correspondência de
Mário de Andrade, 2).
Tarsila cronista (organização e introdução). São Paulo: Edusp, 2002.
Arte e sociedade no Brasil (1930-2003) (3 vols., com André Toral). São Paulo: Callis,
2004.
351
Historiadora da arte brasileira e, ao mesmo tempo, crítica
atenta dos movimentos artísticos contemporâneos, Aracy Amaral
reúne em sua trajetória aspectos bastante incomuns: ao trabalho
minucioso da pesquisa é capaz de associar o golpe de vista ousado
do crítico que acompanha de perto as últimas tendências, do cura
dor que monta exposições para revelar a arte que ainda está por vir,
ou da intelectual que, à frente de instituições museológicas, propõe,
na teoria e na prática, a discussão profunda sobre o lugar da arte e
do artista na sociedade.
Textos do Trópico de Capricórnio, que ora se publica com apoio
do Programa Petrobras Cultural, reúne em três volumes —• “Mo
dernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar” (vol. 1),
“Circuitos de arte na América Latina e no Brasil” (vol. 2) e “Bienais
e artistas contemporâneos no Brasil” (vol. 3) — cerca de 150 en
saios, artigos e entrevistas realizados pela autora entre o início dos
anos 80 e 2005.
Primeiro título da coleção, este volume traça uma abordagem
panorâmica do modernismo brasileiro, desde seus primórdios até
os desdobramentos da década de 50, sem jamais perder de vista sua
relação com a cena internacional. Num terceiro momento, a auto
ra reexamina criticamente as posturas da arte moderna e contem
porânea, à luz fios cruzamentos entre estética e política que mar
cam o final do século XX e o início do XXI.
Patrocínio:
PETROBRAS U M P A l S D E
GOVERNO FEDERAL
T O D O S
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ISBN fl£-73at,-3h4-H
9 7 8 73 editora 34 X