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Ao noroeste do Reino de Friedônia ficava o local que, em alguns anos, seria chamado

de Planícies do Pesar.

De acordo com as histórias, dos lamentos de uma bela jovem pela perda de seu amado,
um lago foi criado a partir de suas lágrimas. De fato, havia um lago nas Planícies
do Pesar e os fazendeiros da região o usavam como fonte de água para irrigar suas
plantações. Era dito que essa lenda de um amor trágico encantou diversas jovens que
visitavam aquelas terras.

Entretanto, aqueles que sabiam da verdade por trás da lenda só conseguiam sorrir
ironicamente ao observá-las.

Separador Tsun

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— Uou — disse Liscia, admirando a paisagem do lado de fora da janela da gôndola.

Nesse exato momento, estávamos bem alto no céu. Eu até voaria nas costas de Naden,
mas se Liscia quisesse se juntar a mim, a proteção da ryuu não a cobriria. Por
causa disso, Liscia e eu estávamos na gôndola criada originalmente para o
transporte wyvern, porém após um pequeno ajuste, pedi para Naden puxá-la em sua
forma ryuu.

Naden movia-se no ar mais rápido do que um wyvern conseguiria voar. Ao observar o


cenário em constante mudança, Liscia disse relativamente animada: — Estou surpresa,
Souma. Ela é muito mais rápida que um wyvern.

— Gwah! — respondi.

— Espera, qual o problema?! Por que você está agarrando seu peito do nada?

— Não… eu já vi essa fala em um RPG antigo, mas ouvir você soltar ela do nada… foi
um choque…

— Mas por quê?!

É, ela nunca entenderia o motivo da minha dor, nem precisava. Eu abracei Liscia
enquanto ela me encarava perplexa.

— Por favor, não me deixe. — Eu lhe disse.

— Não sei o que te deixou tão preocupado, mas… claro que não vou. — Liscia
descansou sua cabeça em meu ombro. — Nós dois… ficaremos juntos para sempre.

— Liscia…

— Eeeeeeeeeeeeeeei! — Quando a atmosfera começou a ficar boa, um rugido irritado


trovejou de cima. — Vocês me pediram para carregar essa budega por aí só para me
fazer ficar de vela?!

— Ah, desculpa — falei — Não consegui me segurar…

— O que você quis dizer com isso?! Para começo de conversa, você podia só montar
nas minhas costas!
— Mas aí, nós três não conseguiamos conversar.

Em sua forma ryuu, Naden se comunicava usando algo parecido com telepatia, então
podia falar ignorando as paredes da gôndola, ou o som do vento uivando. Mas se eu
montasse nas costas dela, não conseguiria conversar com Liscia na gôndola.

Liscia se inclinou e suspirou no meu ouvido, sussurrando: — Você está fazendo isso
de propósito, não está? Só porque as reações da Naden são super fofas.

— Claro que não — sussurrei de volta. — Bom, talvez um pouquinho.

— Você desenvolveu um belo de um traço de mau caratismo, sabe disso, né?

— Bom, com tantas garotas complicadas ao meu redor, acabei treinando bastante.

— … você está me incluindo nisso aí?

— Fala sério, eu falei para vocês não me excluírem da… que…? — A reclamação da
Naden foi cortada no meio. Enquanto me perguntava qual o motivo, Naden acrescentou
do nada: — Ei, vocês dois podem olhar para o chão por um momento?

Eu abri a janela e olhamos para o chão enquanto nos encolhemos por causa de todo
vento que entrou repentinamente no interior da gôndola.

— Mas o quê?! — Eu e Liscia gritamos ao mesmo tempo.

Nos campos abaixo de nós, havia vários buracos de todos os tamanhos. Crateras,
pequenas e grandes, se formaram lá. Parecia que a área foi atingida por uma chuva
de meteoritos.

— Parece que a área foi bombardeada por um grupo de wyverns… — Liscia sussurrou.

— Bombardeada?! Hakuya não me falou coisa alguma sobre isso! — gritei.

— Espera, Souma! Aqui é bem perto da vila onde Aisha e os outros estão nos
esperando, não é?!

— Ah! Temos que nos apressar. Naden, estou contando com você!

— É pra já!

Naden mergulhou na hora em direção a vila onde Aisha e os outros esperavam.

Pedimos que ela descesse perto da vila e assumisse sua forma humana, para então
entrarmos na vila pelo portão de entrada. Diferente dos campos surrados, a vila não
parecia nada diferente de quando viemos pela primeira vez.

Ué, mas que diabos eram aqueles buracos, então? — Enquanto eu pensava isso…

*Stomp* *Stomp* *Stomp* *Stomp* *Stomp*

Eu ouvi o som de passos pesados e…

— Vossa Majestaaaaaaaaaaaadeeeeee!

Vi Aisha correndo em disparada na nossa direção.


Com aquele desespero todo, ela parecia mais um cavalo em disparada ou um
rinoceronte selvagem. Conforme ela se aproximava, eu conseguia ouvir o som de
sinos de alarme tocando na minha cabeça. Merda, isso não ia dar certo. Eu tentei me
virar e correr para o outro lado, mas…

— Vossa Majestaaaadeeeee! Finalmente, eu te encontreeeeeeeeeeiiii!

— Gwah!

— Souma?! — Liscia e Naden gritaram de susto.

Sem nem conseguir me virar direito, ela me alcançou e se lançou contra mim com
tudo. Parecia que eu fui atropelado por um carro pequeno.

… ai, essa doeu. Merda… devo ter quebrado… o que, umas duas costelas nessa
brincadeira?

Entretanto, meu inferno só havia começado.

— Por que você sumiu do nada?! Que maldade, me abandonar assim sem mais nem menos!
Me deixe ficar do seu lado para sempre!

As palavras até que eram fofas e ela parecia uma criança carente pedindo por
atenção, mas essa era Aisha, a guerreira mais poderosa de todo nosso país. Com sua
força, quando ela me deu um abraço de urso, eu conseguia sentir meus ossos
rangerem.

— Aisha! Isso não é mais só um abraço! É um abraço de urso! — Eu gritei


desesperado.

— Mas senhooooooor! — Ela gritou de volta, me apertando mais ainda.

— Desisto, desisto, já falei que desisto! — Eu tentei dar dois tapinhas no chão,
mas ela não queria nem saber.

Incapaz de continuar assistindo, Liscia disse para Naden enquanto suspirava. — …


Naden, se incomoda?

— Eu posso? No estado atual, vou acabar acertando o Souma também, sabe?

— Eu diria que é parcialmente culpa dele. Você tem minha permissão.

— … é pra já.

Com essa fala, Naden ergueu um dedo em nossa direção.

Quê?! Mas o que que ela tá pensando em fazer?!

— Tudo bem, eu consigo ajustar o nível de poder.

— Não, não, não é esse o problema aqui…

— Toma essa!

*Bzaap*

— Gyaaaaaaaaa!

Ao levar um choque da magia de Naden, eu e Aisha acabamos esparramados de costas no


chão.

Apesar de finalmente estar livre do abraço de urso, eu ainda queria ter sido salvo
de uma maneira mais pacífica. Sinceramente… fui derrubado, apertado, esmagado e,
finalmente, eletrocutado. Esses últimos minutos já acabaram com todas as minhas
forças.

Quando chegamos no hotel onde Aisha e os outros se encontravam, Tomoe me


recepcionou com um sorriso que parecia o desabrochar de uma flor.

— Irmãozão! Graças a deusa, você está bem!

Afaguei sua cabeça gentilmente, enquanto perguntava. — Desculpa por te preocupar,


onde estão os outros?

— Sobre isso… — Ela respondeu enquanto olhava para trás.

Seguindo sua linha de visão, eu vi Hal, Kaede e Carla desmaiados numa mesa. As
feições em seus rostos pareciam dizer: “Estou pior que o pão que o diabo amassou”,
toda energia e vitalidade sumiram de seus rostos. Suas roupas estavam um pouco
surradas também.

— Mas… mas o que aconteceu aqui…?

— Os três… deram o seu melhor.

Tomoe deu um olhar distante conforme relatava o que aconteceu no tempo que eu
estava fora.

Separador Tsun

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A história se passou a alguns dias atrás…

— Senhor… Senhoooooooooooooor!

Halbert por pouco desviou da espada larga de Aisha que ela balançava por aí
enquanto chorava. — Uou! Essa foi por pouco!

Tendo cortado nada além do ar, a espada de Aisha continuou acertando o chão,
deixando marcas de uns cinco metros de distância. Ao ver aquele poder, Halbert
estremeceu.

— Is… isso aí já é apelação demais, vou morrer com um só golpe. Não era para ser só
um treinamento de combate?

— Se prepare. — Carla disse, segurando com firmeza sua espada. Ela estava ao lado
de Halbert. — Temos uma luta de verdade em nossas mãos agora.

— Ai… que droga. Como que a gente se meteu nessa…? — Halbert disse com um suspiro,
segurando sua lança curta favorita com ambas as mãos. — Sinceramente… vou guardar
rancor por essa, Souma.

— Não é culpa do Mestre, mas… não posso dizer que não compreendo o sentimento. —
Carla concordou.

— Digo o mesmo. — Kaede disse. Ela estava atrás dos três com ambas as mãos no chão.
— Acho que vou pedir a Vossa Majestade um extra por causa do perigo… droga!

*Crack!* *Crunch!*

Enquanto Kaede pressionava o chão com ambas as mãos, o chão ao redor de Aisha se
ergueu, formando paredes para cercá-la. Eles pensaram que seria o suficiente para
segurá-la, mas…

— Por que, senhor… por que…? — Com olhos lacrimejando, Aisha acertou de novo e de
novo as paredes que a cercavam.

Segundos depois, as paredes de terra se quebraram, desmoronando como um monte de


blocos de madeira. Porém, na verdade, a terra foi cortada em pedaços do tamanho de
tijolos. Pedras duras e terra macia foram ambos cortados em formatos exatamente
iguais. Isso teria sido impossível sem uma força assustadora e uma espada afiada
feito navalha.

Quando o grupo viu aquilo, todos estremeceram.

— Gosto de pensar que sou bem forte, mas… — Halbert começou.

— Eu consigo sentir meu orgulho como uma mulher do exército se esvaindo. — Carla
confessou. — Porém, reconheço que sou uma criada agora.

— Estou seriamente considerando uma estratégia onde nós só jogamos Madame Aisha no
meio de um exército inimigo sozinha. — Kaede disse.

Sem prestar atenção aos seus companheiros claramente perturbados, Aisha continuava
a gritar — Senhooooooooooor! Por que, por que você me abandonou e foi embora?!

— Ela fala como se o Souma/Mestre/Vossa Majestade estivesse morto! — Os três


falaram ao mesmo tempo.

— O que eu faço agora que você se foooooi?!

— O Souma/Mestre/Vossa Majestade não está morto, sua maluca!

Os três continuaram a apontar o óbvio, mas Aisha não estava nem aí.

Agora, quanto à pergunta do motivo de Aisha e os outros três estarem lutando, tudo
começou no dia antes de ontem, quando Souma acabou indo para a Cordilheira do
Dragão Estrela sozinho. Apesar das circunstâncias das pessoas da região tornarem o
ocorrido inevitável, ainda permanecia um fator de que Souma foi raptado do nada.
Aisha, que também era guarda-costas dele, além de ser uma candidata a segunda
rainha primária, ficou muito perturbada com isso.

Quando uma das Sacerdotisas do Dragão a serviço da Mãe dos Dragões Tiamat foi
despachada para se encontrar com ela, Aisha tentou intimidar a emissária com um
olhar ameaçador. Felizmente, Halbert e Carla conseguiram segurá-la, então o
incidente não tomou proporções desnecessárias.

Porém, foram eles que começaram o problema, então a Sacerdotisa do Dragão ainda se
desculpou. Apesar disso, a situação poderia facilmente ter se transformado em um
grande problema diplomático.

Mesmo depois de receber uma explicação, Aisha ainda estava amuada. Ela chegou em um
nível de preocupação com Souma que sua mente sempre parecia estar em outro lugar.

Tomoe começou a se preocupar com ela, então conversou com Carla sobre o que elas
poderiam fazer e decidiram que treinar ajudaria a distraí-la.

Sim, isso começou como um treinamento.

— Wahhhhhh…. Senhoooooor…

Porém, quando enfim começaram, o treino se tornou um meio para Aisha desestressar.

Aisha sempre foi reconhecida por sua proeza marcial, mas parecia que ela sempre se
segurava. Agora, com seus sentimentos à flor da pele, o limitador que controlava
sua força não estava funcionando. Com isso, o chão estava cheio de buracos feitos
por sua força desenfreada e seus parceiros de treino, Halbert, Kaede, e Carla,
estavam surrados e exaustos.

Enquanto assistiam a Aisha chorar como uma criança, Carla sorriu ironicamente. — Se
ela se importa tanto com ele, o Mestre é um homem de sorte.

— É um amor pesado. — Halbert disse, girando seus ombros para relaxar o corpo. —
Mas de um jeito esmagador. Espera, não vamos chamar reforços? Você enviou um
mensageiro kui para o castelo, não?

— Parece que o melhor que eles conseguiram foi colocar uma fita de segurança e
manter a população civil longe dessa área — disse Kaede. — Eles devem estar
dependendo da gente para fazer algo em campo. Não podem deixar pessoas que não
sabem da situação em um lugar onde a futura segunda rainha primária pode estar
fazendo algo para se humilhar.

Os ombros de Halbert desceram levemente. — Você faz isso parecer tão fácil. Eles
não sabem do nosso sofrimento aqui em campo.

— Choramingar não vai resolver nada — disse Carla . — Mantenha o foco no problema
em nossas mãos, Senhor Halbert. — Apesar dela estar tão surrada quanto ele, Carla
parecia cheia de vida por algum motivo.

— Ei… por que você parece tão energética? — perguntou Halbert.

— Eu posso sentir o sangue de guerreiro dentro de mim ardendo pela primeira vez em
um bom tempo. Não fiz nada além de serviços domésticos ultimamente, então estava
quase esquecendo que já fui uma mulher do exército. Ah, mas não se preocupe.
Comparado a humilhação de ser forçada a usar aquela roupa sexy —feita pela sádica
maluca, Serina— e atuar como Senhorita Dran, a comandante que apareceu no tokusatsu
Super-Pratamen, um espetáculo com ótimas avaliações rodando por todo o Reino de
Friedônia por meio da transmissão de voz da jóia, isso não é nada!

Halbert, alguém que até recentemente foi forçado a participar no treinamento da


unidade Dracotropas proposta por Souma, não conseguia deixar de simpatizar com
outra vítima sendo escravizada pelos seus superiores.

Olhando para aquela dupla, Kaede só deu de ombros desanimada — Eu acho que já foi o
suficiente dessa conversa boba, sabe.

— Não chame ela de boba! É importante pra gente, tá bom?!

— Estou falando para vocês que agora não é a hora! Se vocês deixarem os guardas na
mão… acabarão mortos.
— Augh, aff! — Tendo sido avisado, Halbert olhou para Aisha, que estava com a
espada larga pronta. — Ai, foda-se! Vamos fazer isso!

Halbert e Carla tomaram impulso, avançando com tudo contra Aisha.

A batalha desses dois só tinha começado.

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— … e foi assim que nós paramos onde estamos agora. — Tomoe disse.

— O quanto ela se descontrolou para deixar o Hal e os outros naquele estado? —


perguntei.

— Eles tentaram evitar incomodar os aldeões, pelo menos, ao levar ela em direção
aos campos perto da vila e lutar lá. Mas ainda foi bem assustador, com explosões
como se houvesse uma guerra rolando.

— O que? Foram vocês que fizeram todos aqueles buracos no chão? — disse brincando
olhando para Aisha, apesar de claramente não estar falando sério. Mas Aisha desviou
deliberadamente seu olhar e fingiu que não me ouviu.

Quando Aisha se soltava de fato, conseguia mudar a topografia de uma área? Eu


pensava nela como um leal cão de guarda, mas quando ela chegava nesse ponto,
parecia mais uma arma de destruição em massa.

Vou contactar o castelo e pedir para os servos arrumarem aquela bagunça depois.

Por agora, decidimos esperar enquanto Hal e os outros se recuperavam. Depois fomos
para o quarto onde eles ficavam, no qual pude apresentar Naden para todos.

— Essa é Naden Delal, uma ryuu da Cordilheira do Dragão Estrela com quem vou firmar
um contrato. Para começo de conversa, ele tem como base que nós nos casemos, então
está planejado que ela seja minha segunda rainha secundária. Naden, essa guerreira
elfa sombria é minha futura segunda rainha primária, Aisha. A garotinha lobo
mística é minha irmãzinha honorária, Tomoe. Os outros três são meus vassalos,
Halbert, Kaede, e Carla.

Carla era na verdade minha escrava, mas explicar todos esses detalhes demandaria
tempo demais, então vassala teria de servir.

Naden se virou para todos e curvou levemente a cabeça. — Eu sou Naden. É um prazer
conhecê-los.

— Oooh, Madame Naden, sim? Como rainhas companheiras, vamos trabalhar juntas para o
bem de Vossa Majestade. — Aisha balançou a mão de Naden de maneira amigável.

… que?

— Eu estava bem certo que você não ia gostar disso… não?

— Hm? Por que?


— Não, é que, você quase matou a emissária da Cordilheira do Dragão Estrela, não?

— Foi porque eles te raptaram do nada! — Aisha explicou enquanto bufava. — Eu


estava brava com eles porque tiraram meu Senhor de mim. Mas Madame Naden trouxe meu
Senhor de volta. Eu tenho todo motivo para ser grata a ela e nenhuma para estar
brava.

— Eu realmente não entendo a lógica por trás disso aí…

— Pessoas que tomam sua comida são más. — Aisha explicou. — Pessoas que te dão
comida são boas.

— É tão simples?! E, espera, eu sou comida agora?!

Bom, considerando quão devota Aisha era com a comida, eu não me sentia mal por
saber que ela me amava tanto quanto. Mas, me preocupava que minha segunda esposa
primária estava se tornando cada vez mais como uma filhote de cachorro.

— Então… você não quer monopolizar toda comida? — Liscia perguntou a Aisha.

Que tipo de pergunta era aquela?!

Aisha encarou ela inexpressiva e inclinou sua cabeça para o lado, confusa. — Hm?
Melhor do que monopolizar tudo, a comida não teria um gosto melhor se nós
comêssemos todos juntos em família?

Liscia riu. — Ahahah! Estou feliz que você é desse tipo de pessoa, Aisha!

— ???

Liscia sorriu conforme um monte de interrogações flutuavam acima da cabeça de


Aisha.

Me sinto mal por dizer isso quando havia um clima tão harmonioso rolando entre
elas, mas era um pouco assustador ser tratado como comida de todo mundo.

… bom, era melhor do que elas quererem pular na garganta uma da outra, pelo menos.

Enquanto pensava nisso, Tomoe se introduziu para Naden. — Eu sou a irmãzinha


adotada do Irmãozão e da Irmãzona. É um prazer te conhecer, Naden.

— É um prazer te conhecer, também. Você parece uma garota fofa e inteligente, assim
como Liscia me contou.

— Hehe! Eu sou mesmo?

— Sim. É uma outra vantagem, ganhar uma irmãzinha fofa como você!

— Eeek! Faz cócegas!

Naden abraçou Tomoe. Naden era pequena, mas ainda muito maior do que uma garota de
onze anos como a Tomoe, que só chegava no peito dela.

Agora, terminadas as introduções, eu expliquei resumidamente os acontecimentos para


todos que ficaram segurando as pontas aqui. Eu lhes contei sobre o motivo da Madame
Tiamat ter me chamado e a tempestade que ela estava preocupada. Isso e sobre como
Naden era um ser um especial chamado de ryuu.

— Esse é o meu senhor, sempre encontrando indivíduos talentosos onde quer que ele
vá! — Aisha declarou.

Ela escolheu algo estranho para ficar impressionada. O que eu sou? Um porco que
encontra trufas…?

De qualquer forma, quando terminaram de ouvir a história, Carla foi a primeira a


levantar a mão.

— Eu entendo que Liscia é capaz de vir conosco agora, mas o limite de pessoas que
você poderia levar para Cordilheira do Dragão Estrela era de cinco, não? Vamos
ficar com uma pessoa a mais?

— Sim… sobre isso, estava pensando em deixar Tomoe aqui na vila.

— Que…? — Tomoe ficou embasbacada quando soube que seria deixada para trás.

Me senti culpado ao ver sua feição, como de uma criança cuja viagem ao campo foi
cancelada por causa da chuva, mas a segurança dela vinha em primeiro lugar.

— Agora que nós temos o elemento desconhecido da “tempestade” na Cordilheira do


Dragão Estrela, não posso mais trazer Tomoe conosco — Expliquei. — Por mais
patético que seja, estou numa posição onde eu preciso da proteção dos outros. Pode
surgir uma situação onde eles não consigam proteger a nós dois. Nada pode acontecer
comigo, mas se alguma coisa acontecesse com a Tomoe, eu não conseguiria me perdoar.

— … eu entendo. — Tomoe disse, sendo a garota razoável que ela era, mas o jeito que
sua cauda e orelhas caíram indicavam claramente seu desapontamento. — Eu vou
esperar vocês voltarem.

Afaguei Tomoe na cabeça. — Quando esse assunto com Cordilheira do Dragão Estrela
terminar, pretendo ficar viajando até o número de propostas de casamento que eu
recebo no castelo diminuir. Quero tentar visitar outros países também e eu com
certeza te trarei junto comigo, então gostaria que você fosse paciente por agora. É
uma promessa.

— Tá bom… Irmãozão.

Quando fiz uma promessa de dedinho com ela, as orelhas e cauda da Tomoe se
levantaram um pouco.

Todos ficaram aliviados ao ver a Tomoe mais alegre, então Liscia pode perguntar: —
Eu entendo o que você está dizendo, mas nós vamos deixar a Tomoe sozinha na vila
assim? Isso me deixa um pouco preocupada.

— Está tudo bem — respondi. — Apesar deles não terem se mostrado, os membros da
Gatos Negros foram enviados para essa vila. Então, ela não vai ficar sozinha.

— Sério?

— Sim… Inugami.

A porta do quarto se abriu e um homem com uma máscara de cachorro preto entrou. Era
Inugami, um membro da unidade de operações clandestinas, a Gatos Negros, e o braço
direito do líder Kagetora.

Inugami parou na minha frente, então se curvou pondo um joelho no chão. — Eu vim a
seu comando.

— De fato — disse. — Enquanto estivermos na Cordilheira do Dragão Estrela, eu quero


que a Gatos Negros cuidem da Tomoe.

— Seja feita sua vontade.

— Também, Inugami, quanto a você pessoalmente, em vez de vigiá-la das sombras, eu


quero que você fique ao lado da Tomoe para que ela possa conversar com alguém. Você
tem permissão para tirar a máscara enquanto estiver nesta vila.

— … entendido.

Com isso, Inugami tirou a máscara que estava usando para revelar o rosto de um
homem fera com cara de lobo. Quando ele viu aquela face, Hal se levantou da
cadeira.

— Vo… você! Você é o Beo –

— Tome cuidado com sua língua, Oficial Halbert. — Ele disse com aspereza. — Eu sou
apenas Inugami.

Preste atenção no que fala.

— … — Hal olhou para mim.

Não, ele podia olhar para mim o quanto quisesse, mas eu não lhe daria uma
explicação. Os únicos que conheciam o Beowulf eram Liscia e Hal, que já
participaram do Exército antes.

Olhando para Inugami, Tomoe inclinou sua cabeça para o lado. — Você é um lobo
místico também, Sr. Inugami?

— Não, meu povo se chama de raça do lobo cinzento. Porque nossos rostos não são
humanos, no final das contas.

— Mas, nós dois somos pessoas-lobo, certo? Vamos ser amigos, por favor?

— Você é gentil demais, Irmãzinha. — Inugami curvou sua cabeça para Tomoe.

Eles eram um lobo cinzento e uma loba mística, duas raças com aparências similares
e com uma diferença de vinte anos de idade, então qualquer um que olhasse para eles
pensariam que eles eram um par de pai e filha. Apesar disso, eles estavam em uma
posição estranha em que o pai estava se curvando para sua filha. Bom, parecia que
eles estavam se dando bem, então provavelmente tudo ficaria bem.

Com isso resolvido, me virei para os outros — Naden nos levará de volta para
Cordilheira do Dragão Estrela. Se partirmos agora, chegaremos no meio da noite,
então sairemos de manhã bem cedo. Se planejem de acordo.

— Então, ficaremos nessa vila nesta noite? — Kaede perguntou e eu assenti.

— Isso deve significar um sim. Então, vamos ver como dividiremos os quartos…

— Que tal um quarto para dois e dois quartos para quatro? — Liscia disse antes que
eu pudesse falar algo. — Halbert, Kaede, Carla, e Inugami ficarão com um. Naden,
Tomoe, e eu ficamos com o outro. Souma e Aisha, vocês ficam com o quarto de duas
pessoas.

— Nós podemos?! — Ao saber que ela dividiria o quarto comigo, um sorriso radiante
brotou no rosto de Aisha.
Não tinha como discutir com um rosto daquele, então eu sussurrei para Liscia. —
Éee… tem certeza disso?

— Você quase matou ela de preocupação, então o mínimo que você pode fazer é ser
legal com ela hoje.

— … tá bom.

Não sabia o que dizer. Liscia estava se tornando uma mulher cada vez melhor para se
tornar a primeira rainha primária.

Nem era só ela também. Juna, Roroa, e até a Aisha, cada uma delas cresceu desde o
dia em que eu as conheci e todas estavam ficando mais atraentes também. Estava
certo de que seria a mesma coisa com a Naden.

Eu precisava crescer também, para me certificar de que elas não me abandonariam.

Naquela noite, eu e Aisha dormimos no mesmo quarto.

Você quase matou ela de preocupação, então o mínimo que você pode fazer é ser legal
com ela hoje. — Me lembrei do que Liscia disse mais cedo.

… ela está certa. Preocupei ela demais dessa vez, então, hoje eu vou ser muito doce
com a Aisha. Farei tudo que puder para ela, o que ela quiser.

Eu estava preparado para tudo, mas…

Aisha me fez um pedido surpreendente.

— Você só quer isso? Tem certeza? — perguntei.

— Sim! É o que eu mais quero, senhor.

Então, agora eu estava sentado na cama, enquanto Aisha estava deitada de lado com
sua cabeça no meu colo. Aisha só pediu para deitar no meu colo e afagar sua cabeça
gentilmente. Só de passar levemente minha mão na cabeça dela e afagar seu cabelo,
que estava solto na hora, foi o suficiente para fazer Aisha derreter de alegria. A
expressão em seu rosto era fofa.

Com um olhar como se estivesse em transe, Aisha sorriu satisfeita para mim. —
Quando você deitou no meu colo na viagem para cá, eu pensei: “nossa, eu gostaria
que Vossa Majestade fizesse isso comigo também”. Estou muito satisfeita agora.

— … você está me perdoando meio fácil demais, não? — Não consegui deixar de sorrir
ironicamente, me perguntando se algo tão simples era bom o suficiente. — Sabe, eu
estava pronto para fazer qualquer coisa por você. Liscia me disse para ser doce com
você hoje, então, se você quiser, nós poderíamos fazer algo mais… quente, Aisha.

Caceta, que vergonha alheia falar uma coisa dessas!

Mas considerando o fato que foi a própria Liscia que colocou a gente no mesmo
quarto… provavelmente, era essa a intenção dela.

Se a Aisha engravidasse antes da Liscia isso resultaria em uma crise na sucessão do


trono, mas como ela era de uma raça bem longeva, não deveria ser tão fácil isso
acontecer. Mesmo que nós chegássemos aos finalmentes, era praticamente impossível
dela engravidar antes da Liscia.

— Provavelmente, foi por isso que Liscia nos colocou no mesmo quarto. — Eu disse
com uma leve vergonha.

Aisha riu. — Hehe. É tão a cara dela. Ela não só pensa em vocês dois, como ela
também pensa em mim, Madame Juna, Madame Roroa e… era Madame Naden, o nome da
novata? Talvez seja estranho que eu diga isso, mas achei ela uma mulher adorável.

— … com certeza ela é.

— É por isso que eu quero ser tão boa com ela também. Bom, claro, eu gostaria que
você fizesse amor comigo, mas se eu me entregar ao desejo agora, só estaria me
aproveitando da gentileza de Madame Liscia. Não quero fazer isso. — Aisha bufou. —
É por isso que eu vou esperar até que você e Madame Liscia tenham um filho. Não
importa a competição, independente do meu oponente, e mesmo que seja uma batalha no
amor, eu quero uma luta justa.

Luta justa no amor, hein. Era tão a cara da Aisha falar algo do tipo.

— Eu acho que você é bem adorável também. — Eu disse.

— Hehe… assim você me faz corar.

Então, Aisha se sentou e se virou para mim, seus olhos cheios de anseio. — Mas,
senhor, ainda estou pensando sobre quanto gostaria que você fizesse amor comigo,
sabe? Quando você sumiu do nada, fiquei tão só.

— Cer… certo.

— Então, por favor, se apresse e faça um bebê. O mais rápido que puder.

— … darei meu melhor.

Aisha se aproximou, pressionando seus lábios contra os meus.

Parando para pensar… este era meu primeiro beijo com ela.

Enquanto meus olhos ainda estavam arregalados com a surpresa, Aisha sorriu para mim
e disse, — Me permita isto, ao menos. E… quando você fizer aquele bebê, não se
esqueça de fazer um comigo também, sim? Meu querido.

Nem preciso dizer que um gesto fofo como esse me deixou tão vermelho quanto um
tomate maduro.

No dia seguinte…

— Agora, Vossa Majestade! Vamos partir para Cordilheira do Dragão Estrela!

O rosto de Aisha estava radiante enquanto ela falava, tão cheia de energia que
Liscia e Naden me deram aquele olhar de quem já sabia de tudo.

Ao lembrar da nossa conversa na noite passada, só consegui me sentir embaraçado.


— Hmm hmm-hmm hmm-hmm! — Naden viajava pelo céu em sua forma ryuu, enquanto
cantarolava.

Montado em suas costas, esfreguei suas escamas e perguntei: — Naden, tudo bem? Sou
muito pesado?

— Hmm? Tranquilo, por que a pergunta? — Naden respondeu como se realmente não fosse
nada demais.

Havia um motivo para eu estar nas costas da Naden. Já que Aisha se juntou aos
outros na gôndola, ficou cheio demais. A gôndola era tão grande quanto um iate
pequeno e, normalmente, dez adultos caberiam lá confortavelmente, mas nós estávamos
nos preparando para a “Tempestade”, então cerca de sete dos dez espaços estavam
cheios de coisas que trouxemos do reino.

Imaginei que uma gôndola poderia ficar bem pesada quando carregada até o limite. E
quando isso acontecia, eram necessários de dois a quatro wyverns para carregá-la,
mas Naden estava aguentando essa carga toda sozinha. Em sua forma ryuu, ela era bem
maior que um wyvern; mas isso realmente não era pesado demais?

— Todos os dragões são tão fortes assim?

— Não sei sobre os outros, mas é tranquilo para mim. Pensando bem, é como se
estivesse carregando uma tábua de madeira pela água…

— Hmm…

Isso significava que ela estava manipulando inconscientemente a gravidade? Bom, ela
conseguia fazer seu corpo gigante flutuar, então tinha de haver alguma magia
envolvida nisso.

— Hmm hmm-hmm hmm-hmm! — Ela começou a cantarolar novamente.

— Você está num ótimo humor.

— Hmm hmm-hmm! Bom, claro que estou. Dessa vez, você está viajando nas minhas
costas.

— É tão diferente assim de quando estou na gôndola?

— Ah, sim. Completamente diferente. Mas… pode ser difícil de explicar para alguém
que não seja um dragão. Quando você viaja em minhas costas, parece que tudo está em
seu devido lugar, ou algo assim. Como coçar uma coceira, tipo isso. Me deixa mais
tranquila, de alguma forma.

— Hmm….

Se ela mesma estava dizendo, deveria estar certo. O cavalo favorito de Liscia
sempre parecia tão animado quando ela estava nas costas dele. Mas, realmente, eu
não devia comparar minha noiva com um cavalo…

— Mas… — Naden adicionou, em um tom preocupado — está tudo bem? Trazer Liscia e os
outros sem pedir permissão?

Ela estava aparentemente pensando sobre as palavras da Madame Tiamat, que meus
companheiros seriam convidados depois.

— Bom, não sabemos o que essa “tempestade” é ainda, então eu gostaria de ter meus
companheiros ao meu lado quando algo acontecer — falei. — Ela vai nos perdoar por
não pedir permissão previamente.

— Eu acho que você está certo. Mas sendo assim, eu queria que a Tomoe tivesse vindo
também.

— Sim… eu queria mostrar a ela a paisagem em Dracul.

A Grande Cachoeira… a Grande Árvore de Ladão… havia muitas vistas fantásticas. Eu


amaria mostrá-las para Tomoe, que era extremamente curiosa sobre o mundo.

Naden de repente disse: — Quê? Souma, Liscia e os outros estão dizendo algo.

Eu estava nas costas dela, então não conseguia ouvir a conversa na gôndola. Se eu
quisesse falar algo para eles, Naden precisaria transmitir minhas palavras com sua
telepatia.

— O que eles estão dizendo?

— Vamos ver… “Olhem na direção da Cordilheira do Dragão Estrela”… eles estão


preocupados com algo.

— A Cordilheira do Dragão Estrela?

Naden estava indo para lá, então estava sempre bem na minha frente. Não havia nada
de estranho até um momento atrás, mas…

— QUÊ?!

A Cordilheira do Dragão Estrela era uma cadeia de montanhas do tamanho do Monte


Fuji. Mas no meio do céu acima delas, havia uma nuvem enorme.

— Aquilo não está bem acima de Dracul?! — Naden gritou em pânico.

Ela estava falando sobre o platô onde os dragões viviam. Quando cheguei lá pela
primeira vez, Madame Tiamat me teletransportou, então não consegui observar o
lugar, mas jazia realmente no centro da Cordilheira do Dragão Estrela. A nuvem
gigantesca e a tempestade que ela me contou antes… eu tinha um mau pressentimento
sobre isso.

— Na sua previsão, não havia um sinal de tempestade chegando, havia?

— Não, não havia. E é estranho que só haja uma nuvem acima de Dracul.

— … Não deve ser só uma nuvem. Por agora, vamos nos aproximar. Estamos longe
demais, e não tem como sabermos como estão as coisas em Dracul.

— Certo. — Naden foi em direção à nuvem. Era visível mesmo daqui, mas conforme nos
aproximamos, sua escala gigantesca se tornou aparente.

A nuvem era cônica, com um topo parecido com um domo manchado. Mais do que isso, ao
observar mais de perto, haviam muitas nuvens reunidas, indo da esquerda para
direita ao longo da superfície da nuvem maior. As nuvens… estavam formando um
tornado?

— Eu nunca vi algo assim.

— Sim, eu só vi esse tipo de nuvem em um filme.

— Filme? — Ela repetiu a palavra estranha.


— Só falando sozinho. De qualquer forma, parece ser grande o bastante para cobrir
Dracul.

Olhando para baixo, essa nuvem só cobria o platô, bloqueando toda a luz e deixando
tudo num breu. Pelo visto, uma chuva intensa caía. Os ventos pareciam bem
violentos, então o clima lá devia estar bem pesado. Apesar disso, fora da nuvem, o
clima estava limpo. Que coisa estranha.

— Está focado um pouco demais para ser só uma chuva torrencial.

— Por que você está tão calmo?! Sem chance de estar chovendo só em Dracul!

— A pressa é a inimiga da perfeição. Primeiro, nós precisamos observar com calma.

Enquanto esfregava o pescoço da Naden, eu inspecionei a nuvem. Havia muita chuva.


Desse jeito, um desastre em larga como aquele na Floresta Protegida por Deus
aconteceria aqui. Daquela vez também foi por causa da chuva prolongada, mas tanta
água em um único lugar teria o mesmo efeito em bem menos tempo.

Mas para pensar em contramedidas… é, vamos precisar entrar lá para descobrir mais.

— Naden, você conseguiu subir uma cachoeira, então chuva e vento devem ser moleza,
certo?

— Si… sim.

— Bom, então… não queria ter de dizer isso, mas você pode mergulhar naquela nuvem
gigante?

— Queeeeee?!

Ela ficou surpresa, mas não resolveríamos nada observando as coisas do lado de
fora. Felizmente, não haviam sinais de relâmpagos, então ainda seria seguro ver as
coisas lá dentro.

— Vai ser difícil de entender a situação daqui — expliquei — Teremos que entrar na
nuvem para investigar e também ir em direção ao Castelo de Cristal. Claro, se você
sentir que está em perigo, se afaste imediatamente. Diga a Liscia e os outros na
gôndola para se prepararem.

— Tá…

Ela foi lentamente em direção às nuvens rodopiantes. Depois de hesitar por um


momento na frente delas, a ryuu preparou sua mente e entrou devagar.

Inicialmente, parecia como uma névoa, mas conforme progredimos, escurecia cada vez
mais. O vento e a chuva acertando meu corpo aumentavam rapidamente de intensidade.
Menos de um minuto depois de entrar, meu corpo estava sendo surrado pela chuva
torrencial e ventos laterais. Se não fosse pela proteção de Naden, eu teria caído
há muito tempo.

— Naden! Você está bem?! — Eu disse enquanto tentava permanecer firme em meio a
tempestade.

— Sim! Não sei o motivo, mas consigo ver algo como um fluxo aqui!

Certo, ela estava navegando pelo céu da mesma forma que antes. Não devia ter
duvidado de uma ryuu, a raça dita ser capaz de viajar por nuvens, ventanias,
relâmpagos e chuva. Mesmo tamanha tempestade não era o suficiente para intimidá-la.

Dragões comuns, por outro lado, não conseguiriam voar aqui. O vento forte
atrapalharia o bater de suas grandes asas.

Espera… por que tinha de ser a Naden?

Somente ela conseguia voar aqui. Madame Tiamat disse que ela era a chave. Então,
dizendo que havia um ser que me carregaria, ela fez com que eu me encontrasse com
Naden.

Então, era com essa chuva e vento na “tempestade” que ela estava preocupada?

Eu tentei observar meus arredores, mas a escuridão e a chuva não me deixavam ver
muito.

— Naden! Vê algo?

— Não! Escuro demais!

Então, ela gritou: — Souma! Estou bem, mas Liscia e os outros na gôndola podem
estar em perigo!

Com uma tempestade desse nível, ventos batendo na gente e esse barulho da chuva,
meu grupo devia estar com muito medo. A gôndola retangular não era muito
aerodinâmica e, se ela quebrasse, teríamos uma tragédia em mãos.

— Precisaremos tentar depois… vamos pousar no Castelo de Cristal!

— Sim! — Ela começou a descer suavemente.

Quando ela o fez…

— …nã…

Quê?!

Estava certo que ouvi algo.

— Espere um pouco, Naden! Você ouviu algo?!

— Quê? Não ouvi.

— O… você es… va… fa… so… is…

— Aí! Você ouviu, certo?!

— Sim…

Essa era… uma voz, talvez? Eu ouvi palavras, tenho certeza.

Mas, pelo visto, Naden não concordava comigo, pois disse: — Sim, mas… não entendo o
que estão tentando dizer.

Que? Ela não sabe? Mesmo ela escutando?

— Havia um “você” ali… não ouviu?

— Foi isso o que disseram? Não consegui entender mesmo.


Mas o quê? Sem chance de eu conseguir ouvir algo que Naden não conseguisse, não é?

Algo estava errado. Além disso, essa voz… algo nela me incomodava. Era aguda demais
para ser de um homem e aparentava ser de uma mulher, mas ainda assim havia algo
errado…

— Se ain… nã… ficien…

Ouvi de novo. Essa voz… estava vindo de cima?

Olhando para cima, eu vislumbrei, mesmo que só um pouco, uma sombra negra entre as
nuvens. Mas com elas atrapalhando, só consegui ver de relance, mas aquela sombra
parecia bem grande mesmo que devesse estar bem longe. Devia ser algo bem enorme.

— Eu… vo… destruir… para…

Destruir?!

Destruir. Eu ouvi essa palavra perigosa bem claramente.

Aquela sombra grande estava escondida pelas sombras. Naden deve ter saído delas,
porque conseguia ver uma Dracul encharcada aparecendo abaixo de nós. O som estático
da chuva já começava a me irritar também.

Aquela voz, falou em uma língua que eu reconhecia… sem sombra de dúvidas.

Algo estava naquelas nuvens.

Na chuva, nós pousamos na frente do Castelo de Cristal.

Devia ser uma linda vista na luz do dia, mas nessa escuridão o castelo parecia bem
ordinário.

Conforme Naden começara a voltar para forma humana, eu pulei de suas costas e corri
para a gôndola. Quando abri a porta e me perguntava se os outros estavam bem,
Liscia, Aisha e Kaede rastejaram para fora com seus rostos pálidos. Hal e Carla
seguiram. Todos pareciam bem.

Eu corri em direção a eles. — Vo… vocês estão bem?

— Blech… Souma, você é imprudente demais. — Liscia murmurou.

— O vento nos balançou tanto, eu me sinto mal… Blech.

— Ah… éee… desculpa.

Eu esfreguei suas costas para confortá-los enquanto vomitavam. Hal e Carla estavam
cuidando da Kaede.

— Vocês dois estão bem?

— Eu era da Força Aérea e voava muito em wyverns — Carla disse.

A experiência de Carla na Força Aérea e a do Hal no treinamento das dracotropas


deve ter feito eles se acostumarem com esse tipo de coisa.

Me incomodou ver Hal encarando a distância, mas… de qualquer forma, era melhor ir
para algum lugar com um telhado, do que ficar debaixo dessa chuva.
— Hal e Carla, amarrem a gôndola para ela não ser arrastada! — gritei. — Todos os
outros, vamos entrar! Naden, guie a gente!

— É para já!

Nós entramos no Castelo de Cristal. Quando os outros se acalmaram e Hal e Carla


voltaram, eu perguntei a Naden: — Quero encontrar com a Madame Tiamat. Para onde eu
vou?

— O grande salão, eu acho. Quando há uma crise aqui, os dragões se reúnem no grande
salão do Castelo de Cristal.

— Tudo bem, então vamos para lá.

Decidimos pedir para Naden nos levar até lá. Só levou um momento quando Madame
Tiamat me teletransportou, mas correr nesse castelo ridiculamente grande era um
saco. Pelo visto, ia levar um tempo até chegarmos.

Quando chegamos no grande salão depois de cinco minutos correndo, haviam duas
surpresas esperando. Uma era que o salão era tão grande que “grande” não fazia jus
a ele. A outra era que, ao observar de perto, o grande salão era o espaço que a
Madame Tiamat me trouxe quando cheguei em Dracul pela primeira vez.

Haviam umas cem pessoas no centro. Todas possuíam caudas e chifres, deveriam ser
dragões em forma humana.

Pelo que Naden me disse, havia umas trezentas pessoas — dragões — vivendo na
Cordilheira do Dragão Estrela.

Até considerando seu tamanho enorme, era uma densidade populacional incrivelmente
baixa para um país.

Já que esse número também incluía jovens dragões e sacerdotisas a serviço de Madame
Tiamat, significava que as pessoas aqui eram todas dragões adultos que podiam
deixar as montanhas.

No momento que entramos, sentimos o clima de tensão. Num lugar que caberia dezenas
de milhares de humanos, os dragões estavam reunidos em uma área compacta por algum
motivo.

O lugar estava bem barulhento e parecia que ninguém nos notou. Pelo visto, nem
Madame Tiamat estava aqui ainda, então o que aconteceu?

Independente do que fosse, nos aproximamos do grupo até que…

— Naden! — Uma garota com um vestido saiu do grupo. Era uma… amiga da Naden… Pai,
talvez?

Ela se encontrou com sua amiga, que lhe deu um abraço bem apertado. — Pai!

Naden tinha uma expressão aliviada em seu rosto e o desespero de Pai diminiu.

— Naden, onde você estava?! Estava tão preocupada.

— Ah, desculpe, fiz uma visitinha no país de Souma….

— País do Souma? Quem?


Ah! Verdade, não falei meu nome real para Pai. Parecia que Naden acabou de lembrar
disso também.

— Talvez você se lembre se eu chamar de país do Kazuma. O Reino de Friedônia.

— Friedônia?! Tão longe assim?! Como… ?

— Ahaha, é uma história longa…

Naden tentou resumir a história, mas Pai a cortou na hora. Uma expressão séria
havia em seu rosto conforme ela agarrava uma Naden insatisfeita.

— Por favor, Naden! Me escute! Nesse ritmo, a Ruby vai…

Ruby? Ruby era… a dragão vermelho que sempre queria brigar com a Naden?

Pai explicou a situação atual para nós.

Aqui a história voltava um pouco.

Pelo visto aquela nuvem misteriosa que apareceu do nada surgiu nesta manhã.

Apesar dos céus estarem claros até aquele momento, a nuvem surgiu do nada e trouxe
consigo uma tempestade violenta. O temporal pesado fez os lagos de Dracul
transbordarem e árvores caírem.

Em resposta, os dragões se reuniram no Castelo de Cristal.

O vento e chuva pareciam estar só afetando Dracul, então imaginei que eles só
teriam evacuado para outro lugar, mas havia um motivo para isso.

Era porque os ovos de dragão estavam debaixo do Castelo de Cristal.

Já me disseram que quando um dragão formava um contrato com um cavaleiro e punha um


ovo, este era deixado aos cuidados das pessoas na Cordilheira do Dragão Estrela.
Aparentemente, a simples passagem do tempo não era o suficiente para fazê-los
chocar.

Eles eram deixados num lugar chamado Berçário, abaixo do Castelo, e lá permaneciam
até o tempo de seu despertar. Este só viria quando pudessem encontrar a pessoa a
qual estavam destinados a formar um contrato. Havia casos quando um ovo não
chocaria por quase um século e era por isso que eles não podiam ser criados por
seus pais.

Como os ovos não podiam ser tirados do Berçário, os dragões tinham que defender
esse lugar a todo custo.

Foi este o motivo que levou os dragões a investigar essa nuvem bizarra, mas os
seres alados não conseguiam voar por causa da ventania forte e ninguém conseguia
alcançar as nuvens.

Em resposta, os dragões se voltaram para Madame Tiamat em busca de orientação.

Ela respondeu: — Um dragão sem asas poderia voar nesse temporal. Aquele que possui
a chave. Até seu retorno, eu protegerei as crianças, os ovos que esperam o tempo de
seu despertar.

Então, ela tomou as sacerdotisas do dragão com ela e foi para o Berçário.
Os dragões deixados para trás estavam quase entrando em pânico. Era assustador,
pois lhes disseram que não havia qualquer coisa que pudessem fazer para resolver a
situação. Eles pensaram quem seria o dragão sem asas e logo lembraram de Naden
Delal. Poucos não sabiam que Naden era um dragão que não tinha asas.

Entretanto, quando estavam para procurar Naden, Pai os impediu. Ela lhes disse que
ninguém usou a caverna de Naden pelos últimos dias.

Quando foram checar, Naden não estava lá.

Naturalmente, ela havia partido para o Reino de Friedônia comigo e, nesta manhã,
nós estávamos na vila perto da fronteira onde Aisha e os outros nos esperavam.

E, então, os dragões estavam estupefatos. Naden, quem Madame Tiamat lhes garantiu
que conseguiria resolver o problema, não estava lá.

— De primeira, alguns estavam descontentes, dizendo: “Onde ela foi numa hora
dessas?” — Pai explicou. — Mas, porque ela não estava aqui, não importava.
Eventualmente, a pergunta mudou para: “Por que Naden não está aqui?”. Dali, eles
chegaram a conclusão de que era por causa dos seus próprios sentimentos em relação
a Naden. Eles zombaram dela por ser um dragão sem asas, uma minhoca. “Talvez ela
ficou cansada de ser chamada de minhoca e foi por isso que ela foi embora?”. Eles
começaram a pensar. E, então, eles se viraram contra Ruby e os amigos dela.

Todos sabiam que Ruby sempre zombava de Naden, o que fez as duas brigarem várias
vezes. Então, todos condenaram Ruby e suas amigas. Este era o motivo da comoção
atual.

Pai continuou agarrada em Naden e disse: — Ruby é do tipo emocional que não pensa
bem antes de fazer algo e ela é orgulhosa, então ela disse que assumiria
responsabilidade pelas suas ações assim como as de Sapphire e Emerada. Eu estava
tão brava sobre tudo que ela disse antes, mas ao ver todos se virarem contra ela
daquele jeito…. me senti tão mal por ela…

— Não faça isso comigo — Naden disse com uma voz dolorida.

Quando olhei para ela, o cabelo da Naden brilhava e se levantava por causa da
eletricidade. Era como a materialização da raiva e indignação de Naden.

Naden deixou uma Pai chorosa comigo, então foi em direção ao grupo de dragões, seu
rosto uma máscara de fúria.

— Eles são tão egoístas!

— Naden…. — Um dragão arfou.

Por um momento, eu pensei que deveria pará-la. Ela não era a pessoa sendo
crucificada agora. Pelo contrário, ela era a peça chave para resolver o problema,
então com certeza Naden conseguiria ser respeitada em Dracul. Não havia motivos
para ela comprar uma briga com os dragões e piorar sua posição. Eu gostaria de
observar Naden analisar a situação e tomar uma decisão inteligente como essa.

Então, eu lhe disse: — Você deveria fazer o que quiser. Mesmo que eles não gostem,
seu lugar é no Reino de Friedônia… nosso lar.

— Você disse que queria ser parte da família, Naden. — Liscia confirmou — Então, há
apenas um único lugar para você voltar.

— A família sempre volta para o lugar aconchegante o qual chamam de lar, no final
das contas — Aisha adicionou, com uma piscadela charmosa.

— Souma, Liscia, Aisha…

— Então, bota pra quebrar, Naden! — gritei.

— É pra já!

Naden secou seus olhos levemente, então assumiu sua forma ryuu, arregalou a boca e
rugiu o mais alto que podia.

— *Roaaaaaaaaaaaaaar*

O rugido dela foi tão alto que fez o grande salão estremecer, fazendo com que todos
se voltassem para ela. Então, conforme os dragões observavam, Naden alçou voo no
ar.

— Mentira… Naden está voando… — Pai cobriu sua boca levemente aberta. Os outros
dragões pareciam não conseguir acreditar no que viam também.

O corpo de Naden serpenteou elegantemente diante deles.

Conforme Pai encarava embasbacada, uma única lágrima caiu de seus olhos. — Entendi…
é por isso que Madame Tiamat… fico feliz por você, Naden…

Tendo dito isso, Pai secou seus olhos e sorriu conforme chorava. Ela devia estar
preocupada com a amiga todo esse tempo. Naden tinha uma boa amiga.

Quando Naden ocupou o espaço acima dos dragões, ela gritou: — Cheeeeeeeeeeeeeega!

*Crackle!* *Crackle!*

Ela fez relâmpagos caírem onde os dragões estavam em pé. Houve gritos aqui e ali e
os dragões caíram um após o outro.

… Ela estava ao menos tentando se segurar? Que sons assustadores… eu senti o cheiro
de queimado também. Bo… bom, eles eram dragões. Um choquinho não devia ser nada
para eles… ao menos foi o que eu pensei, mas o olhar tenso de Pai me disse o
contrário. Pelo visto, até para dragões, ela exagerou. Naden não deve ter
conseguido se segurar.

A comoção parou na hora e Naden pousou no centro do grupo, onde ninguém estava de
pé, em sua forma humana. Então, Naden olhou para a dragoa que jazia aos seus pés.

Aquela era… Ruby? Seu cabelo estava uma bagunça, os cantos de sua boca estavam
cortados e sua roupa estava em frangalhos. Em resumo, ela estava bem acabada.
Estava claro que foi linchada.

Naden olhou uma vez para Ruby, então se virou e começou a gritar de novo: — Fala
sério! Eu nunca gostei da implicância da Ruby, mas vocês que zombavam de mim pelas
costas eram tão ruins quanto ela! E agora?! Agora que não é mais conveniente, vocês
só vão jogar a culpa toda em cima da Ruby e bater nela assim?! Vocês são
retardados?!

Era como se uma barragem tivesse rompido. As emoções acumuladas dentro dela todo
esse tempo foram liberadas. Os sentimentos sombrios, ocultos que ela guardou dentro
de si, incapaz de expressá-los.

— Nó… nós só…


Alguns dragões tentaram responder, mas foram silenciados no final pelo discurso
inflamado de Naden.

— É tarde demais para isso! Vocês zombaram de mim todo esse tempo, me chamando de
minhoca, dragão que não voa e agora querem jogar todos seus problemas nas minhas
costas?! Vocês têm asas, não têm?! São melhores que eu, não são?! Então, que tal
saírem daqui e fazerem algo sobre essa merda vocês mesmos!

— Naden… — Com um tom triste, Pai começou a andar em direção a sua amiga, mas eu a
impedi. Agora, era o momento dela tirar tudo isso de seu peito. Eu senti… que era
algo que ela precisava para prosseguir com sua vida.

— Vocês só se divertiram às minhas custas! Agora que têm algo que só eu posso
fazer, vocês vêm com a maior cara lavada para me pedir um favor? Estão de sacanagem
com a minha cara?! Melhor me escutarem, eu odeio a atmosfera aqui na Cordilheira do
Dragão Estrela! Fora Pai e Madame Tiamat, eu odeio os dragões também! Por que eu
devia fazer qualquer coisa por vocês?! Eu não dou a mínima se esse lugar for
destruído!

Naden encarou os dragões que estavam sem palavras, e pisou com força.

— Vocês falavam mal de mim pelas costas toda hora! “Ela é uma minhoca”, “Ela devia
aprender qual é o seu lugar!”, e mais! Quem foi que deu o direito a vocês de vir
aqui querer qualquer coisa de mim? E qual é o meu lugar, de qualquer forma? Talvez
vocês queiram pôr as testas no chão e implorar? Talvez isso me faça mudar de ideia?

Ah… ela exagerou um pouco no veneno e agora ela perdeu um pouco a noção.
Provavelmente, Naden nem percebia mais o que ela estava dizendo. Aff.

— Vamos lá, nós temos que correr… — Pai disse.

— Tá bom, vamos acabar com isso.

Eu coloquei uma mão no ombro de Naden e a parei.

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Souma pegou no meu ombro com um olhar sério no rosto. — Acho que você já falou o
bastante. Se passar disso, você estará se rebaixando, Naden.

O quê? Não fique no meu caminho. Pensei enquanto tirava sua mão do meu ombro, então
me voltei com raiva e gritei com ele.

— Qual é o meu valor, de qualquer jeito?! Que eu consigo voar mesmo sem asas?

— Não.

— Meu valor é que eu consigo voar na tempestade? “Então vá e voe”, é isso?

— Não.

— Bom, o que é então?!


— Seu coração não se prende no valor das coisas. É isso que te torna valiosa,
Naden!

Souma colocou suas mãos nos meus ombros de novo e disse com firmeza. Ele estava me
agarrando com firmeza, tanto que doeu um pouco. Aquela dor… me fez voltar a mim.

— Sua habilidade de ver o lado bom das coisas, independente do que qualquer um
diga, este é o seu charme, Naden! Se é divertido, você lerá novelas de romance do
mudo de fora e até assistir Transmissão de Voz da Jóia do Império. Você até
consegue se dar bem com um estrangeiro como eu, que apareceu do nada, como se não
fosse nada demais. Você não liga para o que os outros pensam. Você faz o que você
quiser. Aquele seu espírito livre, comum, é o que eu amo sobre você. Não foi com
qualquer dragão que eu quis formar um contrato, foi você, Naden!

Eu fiquei em silêncio.

Ouvir ele dizer que me amava fez minha cabeça esfriar rapidamente. Não, muito pelo
contrário. Fez ela ferver. Meu rosto estava queimando. Minha cabeça abria e fechava
como se eu fosse um peixe arfando por ar e nenhuma palavra saía.

Souma continuou como se isso não importasse. — Se você vai pisar nas personalidades
dos outros só porque as posições mudaram, você se transformará naquilo que mais
odeia. Eu não quero ver você se tornar alguém assim.

— S-Souma…

— Além disso, não há mais necessidade de você aguentar essas coisas sozinha.

A próxima coisa que notei, Liscia e Aisha estavam do nosso lado.

— Naden, você é parte da família agora, então dependa da gente quando precisar —
Liscia disse.

— De fato — Aisha concordou. — Não sou esperta como os outros, então darei meu
melhor com minhas habilidades de luta. Se alguém te machucar, Madame Naden, deixe-
me cortar essa pessoa com minha lâmina.

Liscia tinha um sorriso irônico em seu rosto e Aisha estava dizendo coisas bem
perigosas com uma risada calorosa.

Ah… agora entendi. — Eu tinha tantas pessoas agora, não só a Pai, que veriam a
minha dor como as suas próprias.

Eu me virei para Souma e os outros com uma mesura. — Desculpem. Eu acabei me


excedendo aqui.

— Haha, bom, todo mundo precisa dar uma extravasada de vez em quando — disse Souma.
— Além disso, estamos irritados também. Então, vamos torcer a faca um pouco.

Com isso, Souma se virou para os dragões que assistiam ao longe. Huh? O que ele ia
fazer?

— Eu sou o Rei Souma Kazuya do Reino de Friedônia. — Souma se apresentou do nada.

Houve burburinho entre os dragões.

— E… ele disse o rei… ?!


— E de Friedônia?! Aquele país grande do leste?!

Já era um fato surpreendente que humanos vieram aqui antes da Cerimônia de


Contrato, e não só isso, ele disse que não era do Reino dos Cavaleiros Dragão
Nothung, mas sim o próprio Rei de Friedônia.

Até Pai, que conhecia Souma, ficou surpresa — Espera, Kazuma é o Souma? E um rei
ainda por cima? — Piscando involuntariamente.

Em uma voz régia, Souma continuou: — Nesta ocasião, Eu, Souma Kazuya, vim para
formar um contrato com Naden sob orientação de Madame Tiamat. Este também é um meio
de lidar com a “tempestade”. Em outras palavras, Naden Delal se tornará uma das
rainhas de Friedônia — Souma encarou os dragões. — Então, se algum de vocês
incomodarem a Naden depois disso, se preparem para enfrentar um incidente
diplomático.

Quando ele intimidava os dragões dessa forma, Souma parecia menos com o rei de um
país humano e mais com um rei demônio. Ele disse que torceria a faca, mas essa faca
era grande demais. Era como uma estaca, que Souma estava martelando neles, para
prendê-los no chão, se certificar de que eles ficassem lá e entendessem bem a
seriedade da situação. Como prova disso, os dragões estavam congelados, incapazes
de falar um “a” sequer.

Na verdade, ele era só um humano frágil que eles podiam acabar só com um sopro, mas
Souma dominava o salão. Me dava um novo senso do quão grande era o país que ele
carregava nos ombros.

Mas Souma não agia normalmente como se quisesse usar esse tipo de autoridade. Quero
dizer, ele até usou um nome falso quando nos conhecemos. Se ele estava dependendo
de sua autoridade para intimidá-los… ele devia estar bem, bem bravo, certo?

Por minha causa, porque eles zombaram de mim… não, talvez eu esteja sendo
pretensiosa demais.

Enquanto pensava nisso, eu vi Ruby, espancada e jogada no chão, no canto de meu


olho. Lentamente, fui em direção a ela.

Eu olhei para ela, jazendo no chão, sua respiração irregular. Era o oposto de todas
aquelas vezes que ela me menosprezava do céu.

Eu lhe fiz uma pergunta.

— Acordada, Ruby estúpida?

— Sim, estou acordada, Naden burra.

Surrada ou não, parecia que ela ainda estava bem o suficiente para responder a
altura. Mesmo nesse estado, Ruby era Ruby. Talvez porque eu acabei de extravasar
minha raiva, eu não tinha rancor o bastante para ela. Eu ainda tinha muita coisa
para reclamar sobre ela, mas não conseguia ligar para isso agora.

— Eu diria que os dragões exageraram, mas você mereceu metade disso.

— Hmph… !

— Quero dizer, você não podia ter sofrido menos? Tipo, se tivesse dito que eu fugi.

— Se eu fizesse isso… seria a mesma que eles — Ruby disse indignada. — Tudo que
eles fazem é falar sobre as pessoas pelas costas. Eu não quero ser assim. Se eu
penso em algo, eu vou e falo na sua cara.

— Essa sua atitude não foi nada além de um incômodo para mim.

Bom, já que isso serviu como uma motivação para mim, pode ter sido melhor do que os
outros dragões que só falavam pelas minhas costas. Quando eu fiquei brava, consegui
acertá-la com um choque elétrico no final das contas. Se ela tivesse ficado quieta,
eu não teria conseguido fazer aquilo.

Ruby soltou um pequeno suspiro — … Você tem sorte demais. Você não tem asas, mas
ainda consegue voar. E ainda vai casar com um rei? Só me fala, quão especial é
você? Não consigo sentir mais inveja nem se eu tentasse.

Inveja… parecia que o que Souma disse era verdade. Apesar de eu não saber como
reagir. No final das contas…

— Tantas vezes, eu queria ter nascido como um dragão comum como você, Ruby.

Se eu tivesse sido um dragão comum, nunca teria passado por nada daquilo. Se eu
tivesse sido normal como Ruby. Mas, agora, ela me diz que tinha inveja do quão
especial eu era.

Comum e especial. Se apenas nossas posições pudessem ser invertidas… mas,


provavelmente, não era tão simples. Se eu fosse comum, eu desejaria ser especial e
se Ruby fosse especial, ela desejaria ser comum. Todos só queriam ser as coisas que
não eram, no final das contas.

— Naden… as coisas não acabaram tão bem assim para nenhuma de nós.

— Essa é a vida, Ruby.

Ambas sorrimos ironicamente.

Sinceramente… as coisas nunca acabam bem.

— Naden, venha conosco — Souma me chamou. Parecia que estava na hora de planejar
como lidaríamos com a tempestade.

— Eles estão me chamando.

— Sim, sim. Vá para onde quiser. Se for para as nuvens ou para o reino.

Deixando Ruby para trás com seu recalque de sempre, corri até Souma.

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Aff… odeio isso… — Eu pensei, num estado miserável.

Meu corpo todo doía, por conta do espancamento. Por isso, fiquei deitada olhando
para cima.

Eu, Ruby, fui repreendida por comprar brigas com Naden e todos os dragões se
juntaram para me atacar. Mesmo para os padrões dos dragões, sempre senti que era
bem forte, mas a maré contra mim era poderosa demais.

Os mesmos dragões que me atacaram disseram coisas horríveis sobre Naden pelas
costas dela, mas agora que precisavam de seu poder, se viraram contra mim e me
condenaram.

Você mereceu metade disso. — As palavras dela ecoaram em minha mente.

Aff, eu sei disso, tá?

O futuro marido de Naden estava certo. Estava com inveja dela. Sempre tive inveja
de Naden, que nasceu especial, aqui na Cordilheira do Dragão Estrela, um lugar onde
nosso sistema de valores era inflexível e a individualidade tendia a ser reprimida.
Eu queria algo especial, algo que os outros dragões não tinham, como a Naden…

Tantas vezes, eu queria ter nascido como um dragão comum como você, Ruby.

Nada funcionava como você queria. No fim, ambas só queriam o que não tínhamos.

Olhei para o teto, que era tão alto que mal conseguia vê-lo. As lágrimas em meus
olhos desceram e encharcaram minhas orelhas. Merda, onde foi que eu perdi o
caminho…?

— Sim, eu não consigo ver isso como o problema de outra pessoa — De repente, havia
uma voz acima da minha cabeça. Quando voltei meu olhar, um jovem ruivo, musculoso,
olhava para mim. — Quando eu vejo quão acabada você está, espancada e deixada
sozinha aqui, me lembra de como eu estava a não tanto tempo atrás. Eu zombei do
Souma também e o meu velho me deu uma surra por aquilo.

Enquanto dizia isso, o jovem ruivo coçou sua cabeça. Então, se agachou para olhar
para meu rosto enquanto eu continuava olhando para o alto; e ele riu.

— Ah… isso pode não ser problema meu, mas um conselho: você não pode mudar o fato
que ferrou com as coisas. Não tem como desfazer isso.

Eu fiquei em silêncio.

— Então, como vai pagar pelo erro? Há coisas nesse mundo que não tem como
compensar, claro. Mas se puder, você vai querer fazer isso, para você poder estufar
seu peito com orgulho, certo?

Compensar pelo erro e estufar meu peito com orgulho…

— Fazer as pazes com a pessoa que eu magoei, é o que quer dizer?

— Não. Você mesma.

Pagar pelo meu erro. Para que eu possa me olhar com orgulho. — Não sei o motivo,
mas por alguma razão, conseguia aceitar facilmente as palavras desse jovem. Então…

— Por que você tá agindo tão presunçoso dessa forma, Hal? — Uma garota de olhos
esguios perguntou.

— Que foi, Kaede?! Qual o problema? Só estava demonstrando compaixão aqui!

— Hmm….

A garota de orelhas de raposa olhou friamente para ele e o jovem ruivo começou a
tentar se explicar desesperadamente. Ele pareceu um pouco legal antes, mas seu
pânico arruinou a imagem.

Às vezes ele era legal e às vezes era bobo. Era interessante assisti-lo. E além
disso…

Você vai querer fazer isso, para você poder estufar seu peito com orgulho, certo?

Para você mesma.

Eu sentia como se as palavras daquele jovem tivessem me dado uma direção. Eu ergui
meu corpo dolorido.

— Ah! Ei, tem certeza que deveria estar levantando? — O jovem perguntou.

— Estando machucada, você pode só ficar deitada, sabe? — A menina com orelhas de
raposa disse.

Verdade, meu corpo todo doía, mas… se eu ficar deitada aqui, não conseguiria
estufar meu peito com orgulho. Então, me virei para o jovem ruivo, que a menina com
orelhas de raposa chamou de Hal. Eu me virei para o Hal e me curvei o máximo que
pude enquanto disse: — Eu gostaria de lhe pedir um favor.

Agora, com os dragões colocados no lugar deles, estava na hora de pensar sobre o
problema em questão, em como nos livraríamos dessa tempestade.

Em respeito aos dragões totalmente humilhados, deixamos o grande salão, que estava
com uma atmosfera que você esperaria encontrar num funeral e fomos para um quarto
menor.

Pelo que Naden disse, era tipo um quarto de espera para aqueles que gostariam de
ter uma audiência com Madame Tiamat. Naquele lugar, eu me dirigi aos meus
companheiros.

— Naden e eu vimos algo naquela tempestade.

— Viram algo? — Liscia perguntou.

— Só tive um vislumbre de algo sombrio através de um buraco nas nuvens.

— Tem certeza que não estava imaginando coisas?

— Nós ouvimos uma voz também, então estou certo. Eu só captei alguns fragmentos de
palavras tipo “você” e “destruir”. Você ouviu também, certo, Naden?

— Eu ouvi sim, mas não consegui entender nada claramente — Ela cruzou seus braços e
gemeu em pensamento. — Creio que não estava na nossa língua. Tipo, eu conseguia
dizer que eles estavam falando algo, mas não fazia ideia do que era.

— Hm? O mestre conseguiu ouvir, mas Madame Naden não? — Carla perguntou surpresa,
inclinando sua cabeça para o lado em sinal de confusão.
— … Poderia intervir por um momento? — Kaede, que estava quieta até agora, levantou
sua mão.

Com sua percepção, Kaede trabalhava como secretária do Ludwin, que era visto como o
futuro comandante das Forças de Defesa Nacional. Na nossa situação atual, sem
Hakuya por perto, ela era alguém confiável quando se tratava de resolver problemas.

— Se eu me lembro bem, você não é deste mundo, certo, senhor?

— Huh? Ah, sim, é isso mesmo.

— No seu mundo, eles com certeza usavam uma língua diferente da nossa. A despeito
disso, você entende nossa língua e nós entendemos a sua por causa de um poder
estranho.

Isso mesmo. Para ser mais preciso, Liscia e os outros ouviam o japonês que eu
estava falando como japonês, mas aparentemente eles conseguiam entender. O
contrário também era verdade. Por exemplo, se eu cantasse em japonês, Liscia e os
outros entenderiam as letras, mas se Juna me imitasse perfeitamente, ninguém
conseguiria entender a letra.

Parando para pensar… eu consigo ler e escrever na língua desse mundo, não?

Misteriosamente, eu conseguia entender o sistema de escrita desse mundo. Eu podia


ler e escrever também.

Por outro lado, se eu mostrasse algo para Liscia escrito em japonês, ela não
entenderia coisa alguma. Então, isso significava que a habilidade de tradução só
funcionava do meu lado. Graças a isso, eu conseguia fazer minha papelada, mas…
podia haver outro significado por trás do motivo da tradução funcionar de forma tão
diferente para palavra dita e escrita?

Enquanto estava pensando nisso, Kaede perguntou a Naden: — Madame Naden, você e
seus companheiros dragões conseguem falar diretamente nas nossas mentes, certo?

— Sim. Mas, nós chamamos isso de falar no coração, ou fala psíquica.

— Foi aí que eu tive uma ideia — Kaede disse. — Eu acho que a habilidade de Vossa
Majestade poderia ser semelhante.

Fazia sentido. Telepatia, hein? Não funcionava diretamente no sentido de ouvir, mas
sim na parte do cérebro que processava informação. Talvez a habilidade da Tomoe de
falar com animais e demônios funcionava de forma semelhante.

Mas, por que essa conversa surgiu do nada… ? Ah, é.

— É possível que o motivo que eu consegui entender aquelas palavras e Naden não,
foi porque um de nós tinha um poder desses e o outro não. É isso que você quis
dizer.

— Sim. Essa é a minha suspeita.

— Bom, isso significa que quem estiver naquela nuvem estava usando a língua do
mundo do Souma? — Liscia perguntou.

Sim. Era uma possibilidade, não?

Mas Kaede balançou firmemente a cabeça com a sugestão. — Eu acho que não.
— Como pode ter tanta certeza? — Liscia perguntou.

— Seria mais rápido colocar isso à prova. Senhor, eu sei que isso pode ser um pouco
incômodo, mas pode me ensinar como vocês cumprimentam um ao outro de manhã na
língua do seu mundo? Devagar, por favor.

Quando ela disse isso para mim, eu quebrei a palavra silaba por silaba. — O-ha-yo-
u.

— Ohayou, é isso? — Kaede perguntou. — Ohayou, princesa.

Liscia parecia surpresa e seus olhos se arregalaram — Estranho demais! Ambos soavam
como “Ohayou”, mas eu entendia que significava “Bom dia” quando Souma disse, e
quando ouvi da Kaede, parecia como uma língua desconhecida.

— Então… é verdade? — Eu perguntei.

Kaede assentiu — Sim. Eu acho que isso é prova que a pessoa na nuvem não estava
falando na língua do mundo que você veio. Se estivessem usando a língua do seu
país, Naden teria ouvido eles pronunciarem as palavras “você” e “destruir”, mesmo
que ela não entendesse.

Kaede trouxe uma mão para sua boca e falou o que pensava — Vossa Majestade entendeu
quem estava na nuvem, mas Naden não. E é difícil pensar que foi na língua do mundo
que Vossa Majestade veio. Isso levaria à conclusão de que a pessoa na nuvem falava
uma língua que não é a deste continente nem a do mundo de onde Vossa Majestade
veio.

Mas o quê? Isso significava que a pessoa na nuvem não era deste mundo, ou do meu
mundo, mas de algum outro? Se havia alguém assim lá fora, nós realmente não
teríamos meios de saber como lidar com eles.

… Espere, o quê?

Não, não é isso. Eles não precisam vir de outro mundo. Nós já temos eles. Aqui,
neste continente, há pessoas usando línguas completamente diferentes…

— Demônios…

Quando eu disse essa palavra, todos engoliram a seco.

A raça misteriosa, diferente dos monstros, que se dizia viver na parte mais
profunda do Domínio do Lorde Demônio. O único caso conhecido de diálogo com eles
foi uma troca curta entre Tomoe e um kobold. Era algo que só funcionou por causa da
habilidade especial dela, então era só o esperado.

Não seria estranho que eles tivessem sua própria língua, completamente diferente da
utilizada neste continente e das línguas do meu mundo. Também, se os demônios
conseguissem falar, minha habilidade de tradução poderia me permitir entendê-los.
Assim como, no meio daquela tempestade, eu fui o único que conseguiu entender o que
estava sendo dito.

Minha habilidade não me permite entender os animais, mas talvez eu poderia falar
com demônios?

— … Vocês acham que poderia ser esse o motivo da Madame Tiamat ter me chamado de a
“chave”?
— É bem provável — Kaede assentiu para mim.

Segurando sua cabeça em suas mãos, Liscia disse: — Suponhamos por um momento… que
realmente há um demônio nas nuvens…

— Supor? — Eu perguntei.

— Não quero que você vá, Souma — Liscia disse, encarando meus olhos. — É perigoso
demais. Se algo acontecesse com você, nosso país… eu…

Aisha foi a próxima a falar: — É isso mesmo! Eu vou no seu lugar Vossa Majestade, e
vou partir aquela coisa má no meio!

Eu estava certo de que ambas estavam preocupadas com minha segurança. Eu sabia quão
fraco eu era, então normalmente evitava esse tipo de perigo. Mas, dessa vez, senti
que não havia como evitar.

— Se isso pudesse ser resolvido com força marcial, Madame Tiamat não teria se dado
ao trabalho de me chamar aqui. Há muitas pessoas aqui que são mais fortes que eu,
no final das contas. Já que não é este o caso, Madame Tiamat deve pensar que essa
situação deva ser resolvida através do diálogo.

— Mas…. — Aisha reclamou.

— Eu acho que é uma oportunidade valiosa. Temos sorte do nosso país estar longe do
Domínio do Lorde Demônio. Se nós perdermos essa chance, não sabemos quando virá
nossa próxima oportunidade de interagir com um demônio.

— Souma… — Ainda preocupada, Liscia pôs uma mão no meu ombro.

— Claro, eu pretendo me manter o mais seguro quanto possível — Eu a confortei. —


Nós temos o equipamento que trouxemos do reino. Aisha servirá como minha guarda-
costas. Eu quero que todos os outros esperem em terra. Naden, eu quero que você
deixe Aisha montar em suas costas também. Tudo bem?

Eu ouvi que os dragões só deixavam que seu parceiro montasse em suas costas.

Naden pensou por um tempo — Hmm, não gosto disso, mas… Aisha é a parceira do meu
parceiro, então acho que dá para considerar ela como sendo minha parceira também?
Só lembre que ela não receberá minha proteção, então melhor amarrar ela bem, tá?

Carla cruzou seus braços e gemeu. — O parceiro do meu parceiro é meu parceiro
também? Parece que eu não poderei ir com você. Não posso voar com essa ventania
também. E queria fazer algo para ajudar…

— Não há o que fazer dada a situação — falei. — Aisha, desculpe por te pedir isso,
mas me proteja.

— Eu já sou quem te protege, sou sua cavaleira! — Aisha disse, estufando seu peito
com orgulho.

Liscia tomou sua mão. — Aisha, cuide do Souma por mim.

— Madame Liscia… sim! Por favor, conte comigo! — Aisha pôs sua mão na de Liscia.

Agora… por enquanto, era só isso, certo? Todos tinham seus papéis… espera, quê? Eu
olhei ao redor para meus companheiros e notei algo.

— Onde está o Hal?


— Hum? Agora que você mencionou… ele não está aqui — Liscia olhou ao redor
preocupada. Havia apenas seis pessoas no quarto: Liscia, Aisha, Naden, Carla,
Kaede, e eu. Onde o Hal foi?

— Sobre isso… — Kaede disse, parecendo não querer falar mais. — Ele precisou fazer
alguns preparativos, sabe? Então, ele decidiu faltar à reunião.

— Preparativos? — perguntei.

— Bom, um… pense nisso como um seguro, no caso de algo acontecer — Kaede disse de
uma forma que deixava claro que havia mais coisa nessa história.

Talvez Kaede estava preparando algo no caso de uma situação inesperada surgir.
Kaede era muito precavida, então se ela estava preparando algo para nos ajudar, era
reconfortante.

— Eu não aumentaria muito suas esperanças, sabe… (Hal vai ficar bem? Ele entendeu o
que sua proposta significava quando ele aceitou, certo?)

— Hm? Sua voz ficou meio baixa no final — Eu disse.

— … não, não é nada, sabe — Kaede disse, balançando sua cabeça apressadamente.

Eu não entendi muito bem, mas… bom, tanto faz.

— De qualquer forma, todo mundo, estou contando com vocês.

— Então, por que exatamente você está usando essa coisa, Souma? — Liscia perguntou,
me encarando com desgosto, enquanto estávamos nos preparando para entrar na nuvem.

Eu estava vestido em um traje kigurumi rechonchudo. Em suas mãos havia uma


naginata; passando por seu ombro havia um cordão de miçangas de oração; sobre seu
rosto havia uma seda cobrindo dois olhos adoráveis, parecidos com bolotas. Era um
dos bonecos Pequeno Musashibo (Grande) que não usava desde aquela vez que bebi com
Juno e seu grupo. Esse Pequeno Musashibo foi um dos itens que trouxe do reino, só
por precaução.

— Eu te disse que pretendia ficar o mais seguro possível, não? — Abri a parte da
cabeça e me virei para Liscia.

Aquele que usei antes era do tipo que você entrava por um buraco nas costas, mas
este aqui, a cabeça abria como a tampa de uma panela de arroz. Era notavelmente
mais fácil de colocar e tirar do que o modelo anterior. Eu estava trabalhando em
melhorias ainda mais simples do que essa até agora.

— Apesar da aparência boba, eu gastei mais dinheiro do que deveria na construção


com excelentes materiais, então é mais robusta que uma armadura comum, sabe? É
altamente à prova de lâminas, projéteis, resistente ao frio, calor e ácido. Você
pode lutar com monstros de dungeon nessa coisa. Meus Poltergeists Vivos funcionam
nisso também, então é tranquilo de se mover.

— Ainda… aff, eu me sinto uma idiota por me preocupar tanto — Liscia disse enquanto
segurava sua cabeça.

Uou, nós não fazíamos isso faz um tempo. Quando nos conhecemos pela primeira vez,
eu sentia como se Liscia sempre fosse arrastada em qualquer loucura que eu fizesse
e ela estava constantemente segurando sua cabeça.
Bom… ela tinha companhia agora…

— Algo está errado — Naden murmurou quando me viu no kigurumi. — Eu sonhei em ter
um cavaleiro andando nas minhas costas, então por que eu tenho que deixar essa
criatura misteriosa voar comigo? — Ela segurou sua cabeça.

— Não, não, eu não quero ouvir isso de uma misteriosa criatura de verdade como um
ryuu.

— Eu vou voar com você usando essa coisa?! Não é bobo demais?!

— …

Dendera, dendera, um ryuu voa pelo mar de nuvens. Em suas costas está um Pequeno
Musashibo profundamente satisfeito.

… É. Só de imaginar, eu sinto aquele senso de fantasia misteriosa correndo solto.

— Bo… bom, é uma emergência — falei. — Aguenta essa por mim, por favor.

— Aff… tá bom, entendo.

— Aisha, você está pronta?

— Quando você estiver! — Com sua espada larga de sempre em seu ombro, Aisha
assentiu firmemente.

Como voaríamos em uma tempestade, Aisha estava usando uma capa que cobria todo o
seu corpo, para repelir a chuva, sobre o seu equipamento.

Agora, então, com nossas preparações finalizadas, estava na hora de partir. Para
encontrar quem estivesse naquelas nuvens.

E então, a ryuu voou na tempestade. Em suas costas estava uma elfa negra em uma
capa de chuva e uma criatura misteriosa rechonchuda.

O vento uivava em nossos ouvidos.

Naden voava pela tempestade como se não fosse nada, mas o vento e a chuva contra
nossos corpos era tão forte como sempre.

— Aisha, você tá bem?!

— Sim! Não está balançando tanto aqui como estava na gôndola!

Diferente de mim, a proteção de Naden não cobria Aisha, então ela estava
experimentando toda a força da chuva, vento e gravidade. Era por isso que ela
estava sentada na minha frente, amarrada com uma corda, presa ao Pequeno Musashibo.
Porém, com o jeito que essa coisa era feita, parecia que ela estava amarrada em um
assento de primeira classe.

— Então, você acha que conseguiremos encontrar aquela pessoa misteriosa nessa
tempestade? — Aisha perguntou, protegendo seu rosto da chuva com seus braços. — A
chuva reduziu demais a visibilidade.

Verdade, procurar por algo nessa chuva seria uma droga.

… Na verdade, agora que já estava usando ele, eu percebi que o kigurumi reduzia
muito meu campo de visão. Você poderia pensar que isso deveria ser óbvio, mas por
causa da minha habilidade, Poltergeists Vivos, que me deixa ter uma visão aérea das
coisas, nunca me incomodou antes. Entretanto, nessa tempestade, eu não conseguia
fazê-la funcionar direito.

Quero dizer, sim, eu conseguia ver, mas era como olhar para uma TV velha com
recepção ruim. Eu não notei antes porque nunca tentei mover coisas dentro de uma
tempestade, mas minha habilidade tem outras fraquezas como essa?

Sem outra escolha, abri a cabeça da fantasia. Eu levei uma forte rajada de vento
na cara, mas se eu não conseguisse usar minha habilidade, teria de depender dos
meus olhos. Como Aisha disse, a visibilidade ainda estava horrível, mas pode não
ser necessário procurarmos para começo de conversa.

— Se são eles que estão causando a tempestade, só podem estar no centro dela,
Naden.

— Eu sei. Nós chegaremos lá em breve.

Então, do nada, o som do vento e da chuva diminuiu. A tempestade enfraqueceu?

As gotas de chuva acertando meu rosto cessaram agora. O vento ainda estava forte,
mas a falta de chuva facilitou as coisas para mim. Ainda assim, estávamos cercados
por nuvens.

Bom, se estivéssemos dentro de uma nuvem, a visibilidade seria como se estivéssemos


envolvidos em uma névoa.

Se eu sabia que havia nuvens nos cercando, isso significava que não havia nuvens
nesse lugar.

— Isso é…

— Senhor! Para cima! — Aisha disse.

Seguindo suas palavras, olhei para cima e lá…

— Mas que porra… ?

Havia uma massa cinzenta, enorme, flutuando lá. Era mais ou menos um cubo, com
cerca de dez metros de lado. Naden, na sua forma ryuu, tinha uns quarenta metros de
comprimento, então era improvável que ela conseguisse se enrolar nisso uma vez
sequer. Aquele cubo massivo estava ignorando a gravidade e flutuando no céu.

— É isso que você viu, senhor?

— … não sei. Eu só consegui ver sua sombra.

— Mas essa coisa com certeza está no centro da tempestade! — Naden disse, encarando
o cubo.

Essa coisa… foi o que causou a tempestade? Kaede levantou a questão e eu sugeri que
fosse um demônio, mas essa coisa estava ao menos viva? Independente se eu a
julgasse com os padrões deste mundo ou com os do meu, essa coisa era bizarra.
Então…

— Por que… você… não… responde…

Eu ouvi aquela voz de novo. Estava fragmentada e era difícil de entender, mas era
alta, como a voz de uma mulher, só que tinha algo de errado. A voz estava vindo do
cubo?

— Aisha, Naden, vocês entendem essa língua? — perguntei. — Estava falando algo
sobre uma resposta.

— Estava, senhor? Não ouvi coisa alguma.

— Eu consegui ouvir algo, mas foi só…

Como esperávamos, elas não conseguiam entender as palavras. Eu repeti as palavras


para elas conseguirem entender.

— Tiama… você destruiu… minhas crianças… então por que…

— Vamos ver… “Tiama… você destruiu… minhas crianças… então por que…”.

— Por que você não des… eu não tenho… nada…

— “Por que você não des… eu não tenho… nada…

— Certamente, parece que isso tem algo para falar com Madame Tiamat — Aisha disse.

Eu concordei com a ideia. Mas, Madame Tiamat sabia mesmo algo sobre essa coisa?
Parando para pensar, ela não previu essa tempestade?

Poderia ser que… esse objeto já entrou em contato com Tiamat antes? Enquanto eu
pensava, a qualidade da voz mudou do nada.

— Mesmo depois… ainda… não respo…

— “Mesmo depois… ainda… não respo…”.

A voz que eu ouvi era neutra, sem qualquer entonação. Mas, pela escolha das
palavras, sentia algo parecido com raiva. A imagem da situação não estava clara,
mas parecia que a coisa estava fazendo duras críticas.

— Acho que entendo e não entendo ao mesmo tempo — Aisha disse, balançando sua
cabeça de um lado para o outro. — Eu queria que ela viesse e falasse claramente.

Naden estava pensando isso também. — “Você” está se referindo provavelmente a


Madame Tiamat, certo? Isso significa…

— Espera! O cubo ainda está falando algo — interrompi Naden e me foquei em escutar.

— Nesse caso…

— “Nesse caso…” — repeti.

— Eu… vou destruir… o mundo das suas crianças.

— Quê?!

— O que foi, Souma?! O que ela falou?! — Naden gritou, mas eu não consegui
expressar em palavras na hora.

Eu vou destruir o mundo das suas crianças.

Se Naden estava certa e o “você” aqui era Madame Tiamat, então suas crianças eram
Naden e os dragões, e o mundo onde viviam era Dracul. A voz pretendia destruí-lo?
Ele deixou bem claro que era um aviso de sua intenção destrutiva.

Não… era pra ser algo que nós poderíamos resolver com uma conversa?

— Eu… destruir. Para que você… me destrua…

— O QUÊ?!

“Eu vou destruir. Para que você me destrua…” Foi isso que eu entendi.

Destruir a fim de ser destruído? A dona da voz não queria destruir Dracul, mas sim
fazer com que Madame Tiamat o destruísse por fazê-lo? Em outras palavras, a
tempestade estava sendo produzida pelo desejo de ser aniquilado do dono da voz.

— Souma! — Naden me chamou, fazendo com que eu acordasse de meus pensamentos.

— Ah!

— Se recomponha! Você é o único que consegue entender o que essa coisa fala, tá
bom?!

— Desculpa. Parece que essa coisa está tentando destruir Dracul, porque ela quer
que Madame Tiamat a destrua.

— Quê? Ele quer ser destruído, mas está destruindo a terra de outra pessoa? Eu
admito que não entendo o desejo de ser destruído, mas o objetivo e o método não
estão um pouco incoerentes? — Aisha parecia confusa.

Até eu não entendia o motivo.

— Bom, independente do que, essa coisa veio até Dracul para ser destruída. Mas
Madame Tiamat parece recusar, talvez por uma boa razão. Aparentemente, essa é a
causa dessa coisa criar essa tempestade. Parece que ela pensa que se colocar as
crianças de Madame Tiamat… ou seja, os dragões… em perigo, Madame Tiamat será
forçada a destruir ela.

— São muitos “parece” e “aparentemente”, não acha?

— Ei, não é como se eu pudesse fazer muito mais. Tenho pouca informação.

Provavelmente, Madame Tiamat sabia de todos os detalhes, mas como Hakuya disse
antes, ela não possui a “autoridade” para me dizer mais, então ficou por aquilo
mesmo.

O motivo de Madame Tiamat escolher não destruir esse cubo, poderia ter algo a ver
com essa “autoridade”, também?

— Eu… destruir. Então… você… destruirá…

A voz repetiu aquelas palavras de novo. Então, por volta de vinte esferas pequenas
saíram da parte de cima do cubo cinza. Bom, eu disse pequenas, mas só em relação ao
cubo mesmo. Em termos de tamanho, cada uma tinha cerca de um metro de diâmetro.
Aquelas esferas não flutuaram e foram puxadas pela gravidade.

Vendo isso, Naden perguntou em pânico: — Ei, Souma, aquelas… ?

— Sim. Não parecem nada bom para mim também.

Incontáveis esferas misteriosas apareceram depois dela falar sobre destruição. Eu


tinha um mal pressentimento sobre isso.

— Naden! Consegue destruí-las sem se aproximar?!

— É para já!

*Roaaaaaaaaaaar!*

Naden rugiu, liberando um ataque elétrico nas coisas que despencaram do céu. O
golpe se dividiu conforme avançava, perfurando as esferas no céu. Então.

*Boooom!*

No momento em que a eletricidade as acertou, aquelas esferas liberaram um cintilo


branco azulado e aumentaram de tamanho para se tornar bolas de luz. Seguida da luz,
nós ouvimos um estrondo e a pressão do vento que nos acertou depois do fato nos
mostrou bem claramente quão forte foram aquelas explosões.

Eu sabia… aquelas esferas negras eram bombas!

Aisha se virou para mim, como se tivesse se lembrado de algo. — Isso não é nada
bom, senhor! Liscia e os outros estão lá embaixo!

— Eu sei. Naden, estou contando com você! Destrua todas aquelas esferas, não
importa o que!

— Era minha intenção desde o início!

Enquanto voava pelo céu, Naden liberou golpes elétricos um após o outro, destruindo
as esferas uma após a outra. Mas havia esferas demais.

— Madame Naden! Eu vou te ajudar! — Aisha desamarrou as cordas e se levantou. —


Senhor, me segure, por favor!

— As… assim?! — Eu tirei meu torso do traje e abracei os quadris de Aisha. Ao mesmo
tempo, controlei o Pequeno Musashibo, fazendo com que ele segurasse os calcanhares
de Aisha. Ela, que estava de pé nas costas de Naden, preparou sua espada larga.

— Agora, senhor, mantenha sua cabeça baixa, por favor!

— Cla… claro.

— Aqui vou eu… Hahhhhhh! — Com um grito de guerra, Aisha balançou sua espada larga.

A ventania que eu vi antes ao vê-la treinar com Liscia começou, partindo uma das
esferas no meio. Então, com um golpe lateral, um corte diagonal da esquerda, outro
da direita. Com cada balançar da espada larga de Aisha, uma ventania afiada voaria,
partindo uma das esferas.

Aisha sempre foi um pouco decepcionante em sua vida diária, mas no campo de batalha
ela era confiável, a guerreira mais poderosa do reino.

Com Naden e Aisha trabalhando juntas, as esferas do cubo eram explodidas ou


cortadas. Entretanto, elas continuavam a cair, uma depois da outra.

— Isso não tem fim — Aisha gemeu.

— Mas, se pararmos, elas vão destruir tudo lá embaixo — Naden disse.


— Não podemos avançar, nem recuar. Seremos vencidas pelo cansaço se as coisas
continuarem assim.

Aisha estava certa. Merda! Se apenas pudéssemos entrar em contato com as pessoas lá
embaixo, poderíamos avisá-los do perigo e pedir que evacuassem. Eu deveria ter
trago um Braço Fabricado para servir de transmissor… bom, chorar sobre o leite
derramado não vai ajudar.

— Droga, o que a gente faz? — Eu olhei para o cubo, quebrando a cabeça.

Então, aconteceu.

— Eeeeei….

Eu ouvi uma voz vindo de algum lugar. Era diferente da voz que ouvi até o momento.
Dessa vez, era a voz de um homem.

— Eeeeeeei! Soumaaaaa!

A voz estava vindo… debaixo?

Quando me inclinei na lateral de Naden para olhar, eu vi um dragão vermelho vindo


na nossa direção em uma velocidade incrível. Suas asas estavam dobradas e ela
estava em um formato parecido com uma flecha. Espera, não estava voando meio rápido
demais sem bater suas asas?

Além disso, Halbert estava nas costas dela, segurando como se sua vida dependesse
disso.

— Hal! — Eu gritei.

— Ruby?! — Naden gritou ao mesmo tempo.

Ruby passou por nós com Halbert em suas costas. Os dois continuaram subindo como um
foguete, mas eventualmente perderam a inércia e começaram a cair de costas. Suas
asas não estavam abertas… ah, era isso! Porque se ela as abrisse, o vento
atrapalharia, hmm!

— Naden!

— Eu sei!

Naden ficou debaixo de Ruby e pegou ela. Daí, ela se enrolou em Ruby e a segurou no
lugar. Ruby parecia aliviada quando disse: — Esse método de voar… não é bom para o
coração.

— Ruby, como você…?

— Deixa o papo furado para depois! Não podemos deixar essas coisas chegarem no
chão!

Com essas palavras, Ruby inalou profundamente e soltou o lança-chamas conhecido


como respiro do dragão. As chamas se espalharam como num maçarico, torrando as
esferas e fazendo elas explodirem.

Quando ela viu isso, Naden girou seu corpo jogando choques elétricos em todas as
direções. Com isso, o respiro de Ruby começou a girar como os ponteiros de um
relógio, inflamando as esferas em uma área ainda maior.
A área ao nosso redor estava cheia de chamas, eletricidade e explosões brilhantes.
Começou a irritar os meus olhos.

Ao fazer todas as esferas explodirem de uma vez, isso nos deu um tempo até o
próximo grupo cair.

— Então, como você está aqui, Ruby? — Naden perguntou a Ruby, que estava um pouco
ofegante, quando as coisas se acalmaram. Agora que ela mencionou, não conversamos
sobre dragões alados não conseguirem voar nessas fortes correntes de ar?

— Eu pedi a cooperação dessa pessoa… e fiz umas coisas malucas para chegar aqui —
Ruby disse enquanto tentava recuperar o fôlego. Esticando seu pescoço longo, ela
usou seu focinho para apontar para suas costas.

Por “essa pessoa”, ela quis dizer o Hal?

— Hal, mas que porra você fez…? — Eu perguntei, me sentindo muito cansado.

Hal apontou para trás dele. — Souma… você trouxe isso, não? Nós usamos para… voar
até aqui.

O que Hal estava apontando enquanto dizia isso era o Dispositivo de Propulsão
Maxwelliano preso nas costas de sua sela, o Pequeno Susumo Mark V Leve.

Meus olhos se arregalaram.

Então, era disso que Kaede estava falando!

Mais cedo.

— Eu gostaria de te pedir um favor — Eu me sentei mesmo com a dor em meu corpo,


corrigi minha postura e, então, curvei minha cabeça para o jovem ruivo.

Enquanto me curvava, Hal trocou olhares com a menina de orelhas de raposa… Kaede,
não? — Não estou certa se este seria um bom momento para pedir favores…

— Primeiro, eu gostaria de ouvir que tipo de favor é esse, sabe. — Kaede disse. —
Há algo que você gostaria que Hal fizesse?

— Não me importa o que é. Só me dê algo que eu possa fazer! — implorei. Eu curvei


minha cabeça novamente. — Não quero depender da Naden para consertar essa situação!
Se eu deixar o destino de Dracul nas mãos dela enquanto eu não faço nada… não vou
conseguir mais ter orgulho de mim.

Eu não podia voar na tempestade. Mesmo assim, se deixasse Naden fazer todo
trabalho, eu nunca mais conseguiria ser um dragão digno da reputação de Cordilheira
do Dragão Estrela.

— Você é o vassalo daquele rei, do Souma, não é? Não há nada que podemos fazer, mas
já que vocês dois vieram de fora de Dracul, achei que poderiam ter alguma ideia do
que fazer.

— Não sei — Halbert disse.

— Não ligo para o perigo. Eu quero que me deixem fazer algo também — Meus
sentimentos rasgavam o meu coração.

Hal coçou sua cabeça com um olhar de alguém com um problema. — Hmm, não tenho ideia
de como voar numa tempestade tão forte que nem um dragão consegue voar nela. Kaede
consegue usar magia de gravidade, mas mesmo com isso, ela só consegue fazer as
coisas flutuarem um pouco, certo?

— Sim. Não acho que magia da terra vá servir de algo aqui também — Kaede assentiu.

Era como eu temia? Não havia algo que eu poderia fazer?

Quando o desespero começou a surgir em meu coração, Kaede disse de repente: — Mas
não é como se nós não tivéssemos nenhum outro jeito, sabe.

— Vo… vocês têm algo?

— É perigoso, mas… se o vento atrapalha suas asas, você pode só não abrir elas,
sabe.

Não abrir minhas asas? Ela estava me dizendo para voar sem balançar minhas asas?
Isso era… algo que só Naden conseguia fazer.

Hal tinha uma expressão duvidosa no que ouvia em seu rosto. — Não, não, como um
dragão alado vai voar sem suas asas?

Entretanto, Kaede olhou para ele exasperada. — Você esqueceu, Hal? A coisa que nós
temos na gôndola.

— Na gôndola? Vamos ver, há aquele kigurumi estranho que o Souma usa e… ah, aquilo!
O propelente, aquele tal de Pequeno Susumu alguma coisa.

Kaede apontou para as minhas costas e disse: — Dragões e wyverns possuem tamanhos
diferentes, mas seu formato no geral é semelhante. Se nós colocarmos o Pequeno
Susumo Mark V Leve nas costas dela, como nós fazemos para a cavalaria wyvern.
Ligarmos aquilo com todo seu poder e, mesmo que as asas dela estiverem fechadas,
ela conseguirá voar pelo céu.

— Entendo o que você diz, mas… não é perigoso demais? — Hal perguntou duvidoso. —
Ela só vai conseguir ir para cima, certo?

Kaede assentiu, confirmando suas preocupações. — Claro. Não há meios para mudar de
direção. Aquilo só consegue subir. Além disso, nós não o testamos nessas condições
tempestuosas, então não sei se seria possível. — Kaede parecia preocupada. —
Entretanto, do jeito que as coisas estão, se ela quiser fazer algo, esse é o único
jeito…

— Não ligo — Eu disse com firmeza. — Estou bem ciente do perigo. Me deixe fazer
isso.

— Ruby…

— Aff! Parece que eu não tenho outra escolha! — Hal coçou sua cabeça, um sorriso
maroto em seu rosto. — Fui eu quem te animou para fazer algo assim. Eu irei com
você.

A proposta de Halbert fez os olhos de Kaede se arregalarem. — Hal… você compreende


o que você está dizendo, não?

— Que eu vou estar em perigo mortal? Sim, estou mais que pronto. Além disso, o
dragão com o propelente não vai conseguir controlá-lo. Ela precisa de alguém para
montá-la e direcioná-la, certo?

— Não é a minha única preocupação… aff, não há outra escolha, né? — Kaede murmurou.
— Tá bom. Vou encontrar um jeito de contar para Vossa Majestade.

Kaede deu de ombros com um suspiro exasperado conforme aprovava a ideia.

— Obrigada. Hal, Kaede.

Eu curvei minha cabeça para os dois novamente. Não podia estar mais grata.

Daqui em diante, um improvisado cavaleiro de dragão vermelho nasceu.

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Enquanto Naden e Aisha continuavam interceptando as esferas, eu resumi a situação


para Hal e Ruby.

Esse cubo estava causando a tempestade, as esferas eram bombas e seria perigoso
deixá-las chegar na superfície. Não mencionei que aquela coisa estava aparentemente
tentando destruir Dracul para que ele fosse destruído. Eu não tinha provas, e não
queria gastar mais tempo explicando.

Quando ouviram minha explicação, Hal e Ruby assentiram juntos.

— Entendi — Hal disse. — Nós vamos contactar as pessoas no chão.

— Os outros dragões conseguem lutar do chão também — Ruby esticou seu pescoço,
aproximando seu rosto do de Naden. — Então, Naden, não se preocupem com as coisas
lá embaixo. Vá direto para aquela coisa.

— Posso confiar em você para cuidar das coisas lá embaixo?

— Seu trabalho é carregar o Souma, certo? Como um dragão da Cordilheira do Dragão


Estrela, posso não conseguir limpar o caminho para você, mas pelo menos cuido das
suas costas.

— … tá bom.

Naden desenrolou seu corpo e soltou Ruby. No momento que a dupla foi solta, Hal e
Ruby deixaram a gravidade fazer seu trabalho e caíram.

Eu gritei para eles: — Hal! Toma conta de Liscia e dos outros!

— Pode deixar! Faça sua parte também!

No sentido oposto que vieram, Hal e Ruby caíram direto para a superfície. Mesmo
enquanto caíam, Hal jogou a lança que segurava e abateu uma das esferas. Parecia
que seu treinamento na dracotropa trouxe bons frutos. Aquele ruivo do Hal, montando
num dragão vermelho e jogando uma lança… hmm.

— Eles estão fazendo essa coisa de cavaleiro de dragão direitinho, hein…

— Repete por favor — Naden disse. — Enquanto faz isso, olhe para nós, bem
esquisitos…
— Calma, calma aí — Aisha disse. — Senhor, eles são eles, nós somos nós. Por que
não podemos só deixar nisso?

— Pfft! — Quando Aisha resumiu as coisas dessa forma eu e Naden não conseguimos não
rir. Quando ela deixava para lá o assunto de um jeito tão despreocupado assim,
mesmo que Dracul estivesse em perigo, não tinha como não rir um pouco.

Sim, eu estava começando a sentir que havia algo que podíamos fazer sobre isso.

— Hahah… agora, vamos deixar as esferas para a galera no chão e vamos dar uma
olhada nesse cubo.

— Sim. Vamos lá, Souma, Aisha.

— Issae! — Aisha gritou.

Com uma acelerada forte, Naden começou a escalar.

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Quando Halbert e Ruby chegaram no chão, os dragões estavam todos reunidos defronte
ao Castelo de Cristal. Eles conseguiram ver Kaede, Liscia, e Carla de pé diante
daquelas criaturas enormes, então a dupla pousou perto do grupo.

— Hal, como estão as coisas lá em cima? — Kaede perguntou.

Halbert apontou para cima e disse: — Havia uma coisa estranha, quase um bloco, lá
em cima. Souma e as meninas estão indo em direção àquilo. Mas, mais importante, há
várias bombas esféricas vindo para cá. Temos que interceptá-las.

— Você está falando sobre interceptá-las, mas com toda essa chuva, as chamas
perderão metade de seu poder — Carla, que também usava magia de fogo, apontou.

As chamas que os dragões expeliam eram poderosas, mas elas seriam provavelmente
enfraquecidas e talvez sopradas para longe com toda essa chuva e vento.

Liscia assentiu amargamente. — Meu gelo não é algo que eu consiga atirar para o
céu, também.

— Há um jeito, sabe — Kaede disse, então se agachou e passou sua mão no chão. —
Mas, vocês terão que mudar um pouquinho a topografia.

Com isso dito, o chão começou a crescer e massas de rocha e areia de mais ou menos
um metro começaram a rolar por todo lugar. Kaede usou sua magia de terra. Só com um
olhar, já podia se dizer que havia umas cem daquelas massas. Devia custar uma
quantidade considerável de poder mágico.

Como esperado, Kaede cambaleou, tendo se esforçado demais e Liscia correu para
segurá-la.

— Vo… você está bem?

— Desculpa. Exagerei um pouco.


Com Liscia ajudando, Kaede explicou sua estratégia para todos.

— Eu quero que os dragões joguem essas massas de terra nas esferas. Com a força de
um dragão, vocês devem conseguir jogar elas bem alto. Quanto aos demais, gostaria
que usassem arcos mágicos. A prioridade é proteger o Castelo de Cristal e os ovos
dormentes abaixo dele. Mesmo se tiverem de ignorar as outras esferas, priorizem
interceptar qualquer uma que venha em direção ao Castelo.

— Entendido… vocês ouviram ela, galera! — Liscia ajudou Kaede a se levantar, então
gritou para seus companheiros e dragões. Como Liscia era a princesa de uma nação,
naturalmente, o comando acabou caindo no colo dela. — Nós vamos ajudar Naden, Aisha
e Souma daqui.

— Sim!

*Roaaaaaaaaaaaaar!*

Seus companheiros soltaram um grito de guerra enquanto todos os dragões rugiram


juntos.

— Ruby, vamos voltar lá para cima para interceptá-los do céu — Halbert disse.

— Sim. Vamos lá, Hal.

Halbert e Ruby voltaram para o céu com o Pequeno Susumo Mark V Brilhante.

Todos estavam dando seu melhor para fazer o que podiam agora. Enquanto assistia
aquela cena se desenrolar, Liscia preparou uma flecha.

Nós vamos fazer o que for necessário para proteger esse lugar.

Conforme retesava seu arco, Liscia pensou em Souma e nas meninas lá no céu.

Então, todos vocês… se certifiquem de voltar para casa são e salvos.

Depositando esses sentimentos nela, Liscia soltou sua flecha em direção ao céu
cheio de nuvens.

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— Uou! — Aisha disse de repente.

— Tudo bem, Aisha? — perguntei preocupado.

— Si… sim!

Quando subimos, esquecemos que Aisha tinha soltado as cordas que a mantinham no
lugar. Eu a segurei quando ela perdeu seu equilíbrio e amarrou a corda em mim para
nos prender juntos. Enquanto isso, Naden continuava a desviar das esferas e se
aproximar do cubo. Fora jogar bombas, o cubo não fazia qualquer coisa para nos
interceptar e nós conseguimos escalá-lo facilmente.
Esse treco… está ignorando a gente?

Isso significava que seu único alvo, ou a única coisa que estava interessada, era
Madame Tiamat? Ou ele tinha confiança plena que ninguém fora Madame Tiamat
conseguiria destruí-la? Independente disso, conseguimos nos aproximar o bastante,
tanto que seria possível tocá-lo facilmente, o que nos permitiu observá-lo bem de
perto.

Como eu suspeitava, um cubo com dez metros de lado.

A superfície parecia cinza de longe, mas era feita de camadas de pedra lustrosa
tipo obsidiana cortada e haviam padrões geométricos em alto relevo no cubo. Era
claramente artificial, mas tinha partes cobertas em musgo. Outras partes eu não
conseguia dizer se eram novas ou velhas. Não havia sinais de qualquer tipo de
propelente ou motor de jato, estava flutuando mesmo.

Hmm… eu ouvi uma voz, então esperava uma criatura ou algum tipo de veículo.

Independente de como eu olhasse, era só um cubo. Não era um veículo ou qualquer


coisa do tipo.

Ainda, não havia como um cubo comum, sem meios de propulsão, flutuar alto assim no
céu. Talvez, diferente do seu exterior simples, o interior daquela coisa era bem
complexo.

Eu não sabia se era prova disso, mas o lado superior apresentava incontáveis
buracos. A imagem daquela coisa cuspindo bombas em intervalos regulares era algo
bem sistemático e mecânico.

Se era esse o caso, então talvez era um exemplo do que Genia falou de ultra
tecnologia, tipo as jóias da Transmissão de Voz da Jóia, ou o Lunólito que os
rumores diziam estar no Estado Papal Ortodoxo Lunariano.

— Olhando para superfície… não acho que seja impossível cortar isso — Aisha disse.
— Se incomodam se eu tentar?

— … pode mirar num canto? Se essa coisa quebrar e cair, não há como dizer o que
pode acontecer.

— Sim, senhor… hah!

Aisha balançou sua espada larga, atirando uma ventania afiada. Acertou em cheio um
canto do cubo… ou deveria. Entretanto, o cubo não mostrou sinais de mudança.

Aisha balançou sua espada larga e falou: — Hmm… essa superfície é muito mais dura
que aço.

Isso significava que ela conseguia cortar aço?

Aisha pegou uma faca do bolso e atirou no cubo. A faca voou reta, então um tinido
agudo estranho ecoou e ela caiu.

— Olha. Não há nem um cortezinho na superfície.

— Isso significa que ela é muito dura?

— Não, significa que a faca nem acertou. Parece que foi defletida pouco antes de
acertar a superfície também.
— Hmm… essa coisa tem um campo de força de algum tipo?

— Campo de força? O que é isso? — Aisha perguntou, parecendo confusa.

— É um tipo de barreira científica. Mesmo no meu mundo antigo, esse tipo de coisa
só existia na ficção.

Era um tipo de habilidade sci-fi, mas eu sentia que poderia ter algo a ver com a
ultra ciência, que ia além da compreensão humana.

Eu tinha uma ideia do que podíamos tentar.

— Naden, consegue acertar essa coisa com um choque?

— Tá, mas… tem certeza que quer que eu acerte essa coisa com tudo?

— Sim. Dê tudo que tem.

— Tá bom então… hah!

*Zap!* *Crackle!*

A juba de Naden se eriçou enquanto liberava a mãe de todos os raios no cubo.

O Relâmpago roxo rasgou o céu e assim que estava prestes a acertar o cubo, outro
som indescritível surgiu, muito mais alto que antes. Era como se alguém aumentasse
o som de unhas arranhando um quadro-negro, então o som mudou de escala. Era um
barulho bem irritante.

Entretanto, apesar do barulho ser alto o bastante para doer os ouvidos, o cubo não
foi afetado. Quão dura era essa coisa…?

— Não é por isso que essa coisa quer que Madame Tiamat quebre ela? — Naden
perguntou.

— Sim, provavelmente…

Enquanto quebrava minha cabeça buscando uma solução, eu ouvi a voz de novo.

— Eu vou destruir. Para que você me destrua.

Eu ouvi claramente dessa vez. Era aguda demais para ser de um homem, sendo
obviamente a voz de uma mulher, mas havia algo estranho. Agora que ouvi claramente,
algo me chamou a atenção.

Essa voz…

Eu ouvi em algum lugar antes. Por algum motivo, tinha esse sentimento. Mas de onde?

Tentei vasculhar minhas memórias, mas o cubo não me deu tempo.

— Tiamat… se isso não for o suficiente para você me destruir…

Houve um som vindo do fundo do cubo.

— Naden, para baixo!

— É para já!
Nós fomos em direção ao fundo do cubo, o qual se abriu como uma caixa. Algo
parecido com uma lente de câmera saiu do fundo.

Essa… coisa… me dava um sentimento bem ruim.

— Eu realmente vou destruir tudo que é seu.

A lente saindo do fundo começou a emitir uma luz. De uma cor pálida, começou a
ficar mais brilhante com o tempo.

Essa cena… eu já vi algo do tipo em filmes sci-fi antigos. O fundo do pires


espacial enorme se abriu, se encheu cada vez mais de luz… e, então, a luz saiu e
explodiu prédios e cidades abaixo dele.

Espera, Liscia e os outros estavam abaixo daquela coisa!

— Aisha, Naden, ataquem aquela parte debaixo!

— Tá… tá bom!

— É para já! Haaaaah!

Aisha liberou uma ventania de sua espada e Naden disparou raios. Entretanto, a
despeito do barulho, aquelas coisas parecidas com lentes não sofreram um arranhão e
continuavam a reunir luz.

Nesse ponto, eu só conseguia imaginar um futuro onde aquela luz era disparada em
direção ao chão.

— Paraaaaaaaaa! — gritei, o mais alto que consegui.

— Se… senhor! — Aisha disse.

— Souma? — Naden vacilou.

Eu continuei gritando para o cubo: — Se você quer ser destruída, então caia em
algum lugar, ou afunde no oceano ou quebre sozinha! Não envolva outras pessoas… não
envolva minha família nas suas vontades auto-destrutivas, seu cubo estúpido!

— Ling… comp… detectada… vando funções.

Com isso, a luz parou de ser reunida repentinamente, e aquelas coisas parecidas com
lentes saindo do fundo do cubo perderam seu brilho gradualmente. Com o tempo, a luz
cessou e o cubo guardou as lentes dentro de si. Aquilo… parou o cubo mesmo?

Olhando melhor, o cubo parou de jogar aquelas esferas também.

— Você acha que ela parou? — Aisha perguntou.

— O que o Souma disse para parar ela?

Aisha e Naden estavam confusas. Como Naden estava dizendo, o timing com que essa
coisa parou sugeria que ela ouviu meus gritos. Talvez entendeu minhas palavras?
Parando para pensar…

Ling… comp… detectada… vando funções.

Tenho certeza que foi isso que o cubo disse. Houve um barulho atrapalhando, então
não consegui entender tudo, mas será que ele disse “desativando funções”?
Se sim, a primeira metade, “Ling… comp… detectada”, me interessava. “Detectada”
parecia bem direto, mas “ling, comp” significava… o que?!

Esse cubo parou porque eu gritei. Se essa coisa conseguiu entender minhas palavras
e desativou suas funções como resultado, então a parte de “ling… comp…” foi em
referência ao que eu disse.

Isso quer dizer…

— Linguagem compatível…

Linguagem compatível detectada. Desativando funções.

Foi isso que o cubo disse?

Uma linguagem compatível… mas a língua que eu falei era… japonês?!

Japonês era a chave…? Não, o cubo disse que era “linguagem compatível”, então pode
ser que outras linguagens fora o japonês sirvam também. Pensando de forma mais
abrangente, o cubo parou porque eu usei uma das línguas da Terra, ou porque eu usei
uma língua de outro mundo?

Quando cheguei nessa conclusão, os fragmentos de várias memórias dentro de mim


começaram a se conectar.

O motivo de Madame Tiamat ter me chamado de chave e me convidado para vir a


Cordilheira do Dragão Estrela. Não foi porque eu era um herói, mas porque eu era
japonês, ou porque eu era da Terra ou só de outro mundo?

A língua que usei… eu não sabia se era porque era japonês, uma língua da Terra, ou
ou uma língua de outro mundo mesmo. Mas, Madame Tiamat com certeza sabia que seria
uma peça chave para parar esse cubo.

Pode ser que Madame Tiamat conheça um pouco sobre o seu mundo. Se ela estava certa
que você conheceria a raça do ryuus, isso significa que ela devia estar certa de
que o mundo de onde você veio teria um conceito do que seria um ryuu. — Foi o que a
Hakuya me disse antes.

— Madame Tiamat… sabia sobre o mundo de onde eu vim? — murmurei.

Tive essa conversa com Hakuya há alguns dias.

Nós inferimos que Madame Tiamat deveria saber algo sobre meu mundo. Mas, eu estava
mais certo disso agora. Madame Tiamat, o cubo e o mundo de onde eu vim.

Se havia uma conexão entre eles, isso significava que esse mundo e aquele estão
conectados de alguma maneira, também? Em outras palavras…

Esse mundo, que eu pensava ser outro mundo, poderia não ser um de fato.

Aff… não sei de mais nada.

Havia um monte de ideias diferentes pipocando na minha cabeça, mas nenhuma passava
de mera especulação.

Mesmo se eu quisesse afirmar algo, eu não tinha a informação necessária para tal.

Só havia uma coisa que eu sabia sobre esse mundo e era que eu ainda não sabia nada
sobre ele. Assim que minha mente chegou em um estado extremo de confusão…

— Entendo… foi por isso que Tiamat…

O cubo começou a falar algo de novo.

— O fam… ainda… não… perdida.

Sua voz estava cortando. Era difícil de entender o que o cubo dizia dessa maneira,
mas não parecia com raiva, ou triste. Só solitário, mas quase como se entoasse uma
prece.

— … iliar… eu tenho… pedido.

— O fam… iliar? Ah, o familiar? Mas, o que seria esse pedido? — Eu perguntei ao
cubo.

Talvez porque a coisa me entendia, o cubo começou a explicar.

— Por favor… ó familiar… antes de sua vi… a um fim… lhe imploro… avor… dê dias de
paz para as… minhas crianças.

Porra! Estávamos finalmente tendo uma conversa, mas havia coisa demais que eu não
entendia. Parecia que o cubo estava falando fluentemente, mas a estática era tão
forte que eu não conseguia entender direito o que ele falava.

— Não consigo te entender quando você fala tanto! — Eu disse. — Me diga o que você
quer da forma mais breve que conseguir!

O cubo respondeu de uma só vez.

— Vá para o norte.

Vá para o norte.

Com isso, o cubo sumiu.

— Su… sumiu… — murmurei.

Não voou para longe, ou qualquer coisa do tipo. Só sumiu em um instante.


Provavelmente, ele se teletransportou, tipo Madame Tiamat.

Quando o cubo sumiu, a tempestade furiosa de antes se transformou em uma massa de


nuvens que eventualmente se espalharam no céu. Eventualmente, percebi que estávamos
debaixo do céu com um sol poente. O ar límpido e o vermelho do sol sumindo no
horizonte quase me cegou com seu brilho.

— Parece que essa coisa toda foi um sonho — Aisha disse atordoada. Esse tipo de
mudança abrupta fazia esse tipo de coisa.

— Mas, não foi um sonho, certo, Souma? — Naden perguntou. — O que aquela coisa
disse no final?

Eu a respondi, tão atordoado quanto Aisha — … vá para o norte. Pelo que eu entendi.

— Norte? Por norte, isso significa…

— O Domínio do Lorde Demônio… eu acho?


Eu senti como se tivesse ganho muita informação desse incidente. Entretanto, criava
mais perguntas do que resolvia. Sobre meu mundo, sobre mim, sobre a conexão do
mundo de onde vim e este aqui…

A única coisa que eu conseguia dizer com certeza era que nenhuma das respostas
apareceria tão cedo.

— Independentemente, a tempestade passou… — Eu disse. — Vamos voltar para os


outros.

Naden assentiu. — Sim. Estou exausta.

A situação estava mais ou menos resolvida, mas nós não estávamos totalmente
satisfeitos quando chegamos no chão.

— Isso é horrível…— murmurei.

Enquanto descíamos, pude ver os estragos resultantes em Dracul após o ataque do


cubo misterioso. Estava um caos.

O riacho que ficava perto da caverna de Naden tornou-se cheio e lamacento; os rios
transbordaram por toda parte, inundando as planícies.

O clima de Dracul sempre foi controlado pela Madame Tiamat, certamente uma obra de
drenagem nunca foi necessária. Dada a força dos dragões, era duvidoso que algum
deles tivesse morrido devido à inundação, mas os rios marrons e lamacentos
arruinaram o belo cenário.

— Você acha que Líscia e os outros estão bem? — perguntei.

— Estou preocupada, mas se qualquer coisa acontecer, tenho certeza que Ruby voará
para cá.

— Depois de tudo, agora tenho certeza de que os dragões podem voar — concordou
Aisha. — Nenhuma notícia também é uma boa notícia.

Com Naden e Aisha tentando me animar, fomos para o Castelo de Cristal onde Liscia e
os outros nos esperavam. Embora o nível do lago ao redor do Castelo de Cristal
tivesse subido e cobrisse uma área mais ampla, não havia nenhum sinal de mudança no
próprio castelo. Talvez ele tenha sido projetado para ser uma ilha flutuante.

Chegamos ao chão e, enquanto me sentia aliviado ao ver a integridade do local,


Líscia e os outros imediatamente correram em nossa direção.

— Souma! — Líscia me abraçou imediatamente. — Graças a Deus… Você está bem…

— Também estou feliz por vê-la bem — Retribuí o abraço de Líscia e acariciei seus
cabelos.

Depois que nos abraçamos por um tempo, Líscia soltou e, com uma cara meio zangada,
disse:

— Nossa, você me deixou preocupada, sabia? Vi clarões nas nuvens e depois


explosões. Se Halbert e Ruby não tivessem subido lá, estava prestes a colocar uma
hélice na gôndola e subido lá eu mesma, okay?

Usar a gôndola?! Isso teria sido muito imprudente.

— E-Eu sinto muito por fazer você se preocupar — disse. — Então, por favor, não
faça nada tão perigoso.

— Olha quem fala! — Disse Líscia enquanto puxava minha bochecha.

Ela… meio que tinha razão.

Ainda assim, ela mesma teria vindo atrás de mim… huh. Pensei que Líscia estava
agindo mais como uma futura primeira rainha primária, mas ainda se podia ver um
pouco de seu lado aventureira em momentos como este. Bem, era isso que Líscia era;
eu a amava por isso.

Então, Líscia se afastou e retornou para o lado de Aisha e Naden.

— Estou feliz que vocês duas estão seguras também.

— Claro que estamos! Fiz com que Souma voltasse ileso, como foi confiado a mim! —
falou Naden, orgulhosa, estufando seu peito não tão amplo com dignidade.

Aisha, que era muito mais bem dotada, deixou o seu cair com um suspiro de alívio.

— Tudo o que fiz foi destruir bombas, mas é bom ver que as coisas acabaram bem.

Enquanto observava as três, virei-me para Carla, que havia se aproximado, e fiz uma
pergunta.

— Houve algum dano aqui na superfície?

— Não. Graças ao Sir Halbert nos alertando sobre o perigo, os dragões foram capazes
de interceptar os objetos que caíram, então não houve danos notáveis. Líscia,
Madame Kaede e eu estávamos usando arcos encantados para interceptar as coisas.
Mas…

Carla desviou os olhos. Parecia que havia algo que ela estava tendo problemas para
dizer.

— Algo aconteceu?

— Não… Mas algo está prestes a acontecer, tenho certeza.

Após dizer isso, ela olhou para trás.

Seguindo sua linha de visão, vi Kaede com os braços cruzados e um sorriso


imponente, e Hal ajoelhado na frente dela. Ruby estava atrás dele agindo confusa.

Huh? O quê? Parecia que ele estava com problemas.

— Hal, você entende o que você fez? — disse Kaede, olhando para Hal sem deixar de
sorrir. — Você montou nas costas de um dragão solteiro, sabia? Você sabe o que isso
significa, certo?

— Não, hum… E-Eu não fazia ideia! Não que eles apenas deixassem aqueles que
tomariam como maridos em suas costas, ou que não deixar outros homens montá-los
fosse um sinal de castidade! — Hal se explicou desesperadamente, suando em baldes.

Oh, agora que ele mencionou isso, Naden disse algo assim. Poderia Hal ter montado
Ruby sem saber disso? Isso era como roubar um beijo de uma mulher solteira, ou algo
nesse sentido. Não estava errado quando pensei que ele estava com problemas.

— Para referência, o que acontece se ele montá-la sem saber com antecedência? —
Perguntei a Naden, que tinha uma expressão preocupada no rosto e coçou a bochecha.

— Hm… Se ele fizer um contrato com ela, não tem problemas, mas se ela tentar fazer
um contrato com outra pessoa enquanto ele ainda estiver vivo, ela será vista como
‘fácil’ ou vagabunda. Se ela não conseguir firmar um contrato com Halbert, Ruby
pode não conseguir um por mais oitenta anos.

Mesmo que tudo o que eles estivessem fazendo fosse deixar as pessoas cavalgarem em
suas costas, os dragões aparentemente tinham um senso de castidade muito severo.
Kaede deu de ombros em descrença e disse:

— Mesmo que você não soubesse disso antes, se ouvisse Sua Majestade e Madame Naden
quando eles estavam conversando, você saberia disso, não é?

— Não, eu sei que estou errado. Mas, Kaede, naquele momento… Você nunca disse nada
para me impedir de montá-la!

— Porque era uma crise — retrucou. — Conhecendo você, tinha minhas dúvidas de que
você sabia o que estava fazendo, mas dada a situação, decidi aceitar, sabe. Sim,
embora tenhamos ficado noivos noutro dia.

— Gulp…

Oh, Hal e Kaede estão noivos? Parabéns. Bem, eles eram amigos de infância, afinal,
esperava que isso eventualmente acontecesse, então não fiquei surpreso, mas… Se
fosse esse o caso, isso não poderia ter acontecido em um momento pior. Kaede
suspirou e seus ombros caíram.

— Qual a desculpa agora? Você não sabia? E quanto à Ruby que voou com você? Ela não
pode mais comparecer à Cerimônia do Contrato. Se você não se responsabilizar, ela
vai ficar sozinha enquanto você estiver vivo, sabe! Você está planejando
desperdiçar décadas da vida de uma garota?

— U-Um… Kaede — Ruby arriscou. — Estava pronta para aceitar isso quando…

— Você fique calada, Ruby!

— S-Sim, senhora… — Ruby apressadamente deu um passo para o lado.

— E pensar que ela poderia acabar com a Ruby com um grito… — Naden escolheu um
motivo estranho para se impressionar.

Normalmente Kaede era do tipo hesitante, mas quando era hora de se manter firme,
nada poderia amedrontá-la. Como quando Hal tentou se juntar a Georg. O fato de
geralmente envolver Hal era um sinal de quão profundo era o amor dela por ele

Nesse ponto, Carla sussurrou em meu ouvido:

— Hum, Mestre, está tudo bem em não impedi-los?

— Você acha que qualquer coisa que eu diga vai persuadi-los? — murmurei em
resposta. — Mesmo carregado de justificativas, estou tentando formar um contrato
com Naden quando já tenho quatro noivas.

— Acho que você tem razão… — Carla se afastou de mim.

Sim… Essa era a reação que deveria ter esperado.

Levantando o dedo ao lado de sua têmpora, Kaede declarou:


— Parece que não tenho escolha, sabe. Por favor, faça o certo por ela.

— Você está bem com isso, Kaede? — Halbert perguntou de forma franca.

— Vou deixar passar desta vez. Preciso pensar no que é melhor para a Casa Magna
daqui pra frente. Se minhas intenções são, realmente, pelo crescimento da Casa
Magna, firmar um contrato com um dragão como Ruby não é uma coisa ruim. Se você for
um cavaleiro dragão, será visto com deferência1 por inimigos e aliados, e isso deve
ser útil para você quando for para a guerra. Posso aceitar isso como um benefício
para minha casa.

— Kaede…

— Mas esta é a última vez que quero ver você pegando outras esposas, sem pensar nas
consequências!

— Uh, certo… vou guardar isso no peito.

— Muito obrigada, Kaede — Ruby curvou a cabeça para Kaede com alívio.

Pelo visto, Hal não conseguia levantar a cabeça em deferência a ela. Parecia que
Kaede conseguiu mostrar sua tolerância como esposa principal, enquanto se colocava
acima de Hal e Ruby. Agora Hal nunca seria capaz de responder a ela sobre assuntos
domésticos. Igualzinho a mim.

Parando pra pensar, vovô disse uma vez: — O segredo para uma família feliz é ser
sábio sobre como você acaba sob o domínio de sua esposa — Até minha avó, que estava
sempre sorrindo, tinha criticado meu avô quando ele se comportava mal quando eram
mais jovens. Líscia e as outras vão acabar assim eventualmente…? Sinto como se já
tivesse visto sinais disso.

— Você está pensando em algo rude, não é? — perguntou Líscia, lançando-me um olhar
frio. Ela estava, pelo visto, tentando descobrir algo.

— Oh, não… só estava pensando que deveríamos pedir a Madame Tiamat para resolver o
problema com a Ruby… ou algo do tipo — respondi apressadamente.

— Hm… Líscia olhou para mim com desconfiança.

Uh, hora de mudar de assunto.

— Oh, certo. Para onde foram os outros dragões? Carla estava dizendo que eles
estavam interceptando alguma coisa no solo.

— Hum? Ah, isso mesmo. As sacerdotisas dos dragões deixaram uma mensagem para você
— Líscia bateu palmas como se acabasse de lembrar.

— Uma mensagem?

— ‘Por favor, venha ao salão maior’, disseram. Parece que a Madame Tiamat está
esperando por você lá.

— Entendo… Bem, vamos então?

Madame Tiamat estava esperando, hein. Tinha uma montanha de perguntas, mas quantas
delas ela responderia?

Entramos no Castelo de Cristal e nos dirigimos para o salão maior.


— Huh?!

No caminho, quando entramos no corredor para o salão maior, havia dragões em forma
humana, alinhados em ambos os lados do corredor. Quando nos aproximamos, todos os
dragões se ajoelharam e abaixaram a cabeça. Eles eram como camponeses dando as
boas-vindas à procissão de um daimyo2.

— O-O quê?! O que está acontecendo?! — exclamou Naden.

— Todos os dragões se reuniram para se curvar a alguém… — sussurrou Ruby.

Quando viram aquela cena, Naden e Ruby expressaram sua surpresa e admiração. Era
uma situação familiar para Líscia, Aisha e para mim, já que morávamos em um
castelo, mas era uma visão excepcional para o resto do grupo. Estava com medo de
perceber que tinha me acostumado com isso em algum momento. Enquanto pensava nisso,
uma sacerdotisa dragão apareceu entre os dragões ajoelhados. Ela se curvou diante
de nós.

— A Senhorita Tiamat espera por você no salão maior. Rei Souma, princesa Líscia e
seus vassalos poderiam me seguir?

Dito isso, a sacerdotisa do dragão caminhou pelo corredor ladeado por dragões
ajoelhados. Seguindo suas orientações, chegamos ao salão maior onde, assim como
quando cheguei pela primeira vez na Cordilheira do Dragão Estrela, o monumental
dragão de prata — Madame Tiamat — nos aguardava. Os membros do grupo que a viram
pela primeira vez engoliram a seco em uníssono.

— Uau, ela é enorme… Ai! — gritou Halbert.

— Você tem que ficar quieto, sabe, Hal — sibilou Kaede enquanto pisava no pé de
Hal.

Então madame Tiamat abaixou seu pescoço longo e grosso.

Quando viram isso, os olhos de Naden e Ruby se arregalaram.

— Sem chance, a Senhorita Tiamat está se curvando! — exclamou Naden.

— Q-Que grande honra! — disse Ruby.

Oh, então ela estava inclinando a cabeça. Ela era tão grande que não consegui
perceber.

Se Madame Tiamat, que os dragões da Cordilheira do Dragão Estrela consideravam uma


mãe, e os praticantes da adoração à Mãe Dragão viam como uma deusa, estava
inclinando a cabeça em nossa direção, sim, podia entender porque elas estavam
chocadas. Madame Tiamat levantou lentamente a cabeça e começou a falar em um tom
baixo.

— Primeiro, Rei Souma do Reino Unido de Elfrieden e Amidônia, como representante


daqueles que vivem na Cordilheira do Dragão Estrela e como a mãe de todos os
dragões, deixe-me dar-lhe meus maiores agradecimentos por seus esforços para
resolver a crise que Dracul enfrentava — Madame Tiamat baixou a cabeça novamente. —
Além disso, permita-me também agradecer aqueles que o acompanharam em seus
esforços. Naden, Ruby, vocês também se saíram bem.

— S-Sim, senhora!
— Você é muito gentil!

Naden e Ruby se ajoelharam e estavam abaixando a cabeça. Dei um passo à frente e


falei como representante do grupo:

— Por favor, levante a cabeça. Não consigo imaginar que esse seja um problema que
afetaria apenas o seu país. Uma vez que a coisa naquela nuvem causando a tempestade
destruísse Dracul, não haveria como prever para onde iria a seguir. Poderia ter
prejudicado meu próprio país também. Era natural que cooperasse.

Então, depois de fazer uma pausa para respirar, fui direto ao ponto:

— Diria que isso é o suficiente para nossas gentilezas, como líderes de dois
estados, Madame Tiamat. Tenho muito que quero te perguntar.

Tiamat, que levantou a cabeça, assentiu como se concordasse.

— Eu sei. Porém, não há muito que possa dizer.

— Sem problemas. Você só tem que me dizer o que puder, então, por favor, explique.

— …Okay.

Com isso, Madame Tiamat foi engolida pela luz e assumiu a forma de uma mulher
vestindo um manto prateado, como da última vez. Fechei os olhos devido à claridade
e, quando os abri, havia aparecido uma grande mesa redonda e cadeiras suficientes
para todos os presentes.

Madame Tiamat colocou a mão em uma das cadeiras e encorajou o resto de nós a
sentar.

— Deve ser difícil conversar olhando para cima. Por favor, sentem-se.

— Você tem um ponto — concordei com a cabeça.

Assim que vi que todos estavam sentados, perguntei à Madame Tiamat:

— Deixe-me ir direto ao ponto. O que foi aquela coisa na nuvem que causou a
tempestade?

— Isso é… algo que não tenho autorização para responder.

Eu sabia: a questão da autoridade ia atrapalhar. Mas não podia simplesmente recuar.

— Você pode apenas me dizer o que puder, e se esta… proibição tornar difícil dizer
alguma coisa, você pode ser vaga, mas nos dê o máximo de informação que puder.

— Vejamos… Aquela coisa é como eu, uma de Os Antigos.

O-Os Antigos? Antigo… Eles eram algo como deuses, talvez?

— Cada um dos Antigos têm um dever — disse Tiamat. — O meu é o de ‘vigiar’, o ‘de
criar’. Normalmente, os Antigos não devem interagir, devendo fazer o máximo
possível para evitar influenciar os Novos. No entanto, aquela coisa se libertou de
suas amarras e tentou ferir meus filhos. Embora isso seja imperdoável, também
mostra o quanto aquela coisa queria…

— E-Espere, espere um segundo —. Parei Madame Tiamat, que estava passando


rapidamente por sua história.
Justo, pedi o máximo de informações que poderia dar e disse que poderia ser vaga
onde precisava, mas se continuasse sem realmente entendermos, ficaríamos sem ideia
sobre o que ela disse.

Talvez eu precisasse questioná-la sobre os detalhes.

Além disso, provavelmente seria melhor ter um Braço Fabricado imbuído com a minha
consciência no castelo para fazer anotações, permitindo revisá-las mais tarde.
Queria consultar Hakuya também.

— O que são os ‘Antigos’? — perguntei.

— Aqueles com origem diferente dos Novos que vivem neste continente.

— Você é um desses Antigos, Madame Tiamat? E os outros dragões?

— Eu sou a única dos Antigos na Cordilheira do Dragão Estrela.

Parecia que Madame Tiamat realmente era um ser em um nível diferente do resto da
raça dos dragões.

— Existem outros Antigos além de você e o cubo? — perguntei.

— Houve uma vez. No entanto, aquela coisa e eu somos os únicos que restam. Os
outros Antigos desapareceram com o tempo, tendo seus nomes lembrados apenas como
bestas divinas e outras coisas do tipo.

— Você disse bestas divinas?! — Aisha gritou de surpresa. — Na minha terra natal, a
Floresta Protegida por Deus, existe uma lenda que diz que uma besta divina está
protegendo a floresta.

— Essa seria a floresta dos elfos negros em Friedônia. É verdade, houve uma vez um
Antigo que assumiu a forma de um serow3 naquela floresta.

O “uma vez” na resposta de Madame Tiamat fez Aisha segurar a cabeça.

— O que… devo pensar sobre isso? — Ela surtou. — Devo ficar feliz por ter existido?
Ou triste por não mais existir?

— B-Bem, não é assim que é a fé? — Perguntei.

— Oh… Devo contar ao meu povo essa verdade? — perguntou hesitante.

— …vamos conversar com Wodan antes de decidirmos algo.

Era um ser que ninguém afirmava ter visto há muito tempo, então mesmo que não
existisse agora, isso não levantaria nenhum problema para ele como objeto de
adoração. Afinal, os deuses sempre foram algo em que você nunca sabia se eram reais
ou não, mas seria bom se fossem. Mas, mesmo assim… Antigos e Novos, certo? Foi o
tempo que separou o novo do velho? O fluxo do tempo neste mundo? Se sim… o que isso
fazia de mim, que tinha vindo de outro mundo naquela época?

— Não. Você não é nenhum dos dois — disse Madame Tiamat, como em resposta às minhas
dúvidas antes mesmo de pedir por respostas.

Oh, certo, Madame Tiamat podia ler minha mente, não é?

— Achava que era humano, como Líscia e os outros — falei.


— Sim, sua raça é certamente humana. No entanto, você não pode ser classificado
como um Novo como o resto da raça humana.

— Isso porque fui invocado de outro mundo?

— …não consigo achar possibilidade para responder a isso.

— O cubo disse que era familiar — falei. — E você mesma disse: ‘Você, que tem um
cheiro familiar’.

Naquele sonho em que nossas consciências estavam sincronizadas, Madame Tiamat


aproximou o nariz do meu peito e me chamou:

— Você, que tem um cheiro familiar.

A princípio, pensei que era porque ela estava me comparando ao primeiro Rei de
Elfrieden, que ouvi também ter sido um herói invocado de outro mundo e que formou
um contrato com um dragão da Cordilheira do Dragão Estrela.

No entanto, aquele cubo na nuvem também disse que eu era ‘familiar’.

O cubo não possuía conexão alguma com o primeiro herói.

Além disso, Madame Tiamat e o cubo, que me disseram que eram ‘familiares’, também
eram Antigos. Eu sou humano, mas não me enquadro na categoria de Novo, e os Antigos
me chamavam de familiar. Sendo assim…

— Será que sou uma criatura ‘ainda mais velha’, ou algo assim? —

perguntei.

— O que você quer dizer? — perguntou Líscia, então decidi explicar minha hipótese.

— Acho que talvez este mundo e o de onde vim estejam no mesmo eixo temporal.
Basicamente, isso significaria que este não é um mundo diferente para mim.

— O Souma… não é um herói de outro mundo? — Liscia murmurou com uma expressão de
choque no rosto.

Todos pareciam confusos com minha declaração, mas estava mais perplexo do que
qualquer um deles. O interior da minha cabeça era um profundo caos. Falei, dando
sequência ao raciocínio:

— Se bem me lembro, há muitas conexões aqui com o mundo em que eu estava antes. É
bem mais óbvio com nomes. Tomoe e Kaede vêm da língua do meu país de origem, o
japonês.

— E-Eles são? — Kaede arregalou os olhos.

Concordei com a cabeça e disse:

— Sim. Kaede era o nome de uma planta que ficava vermelha no outono. As folhas
vermelhas ficam bonitas ao sol poente, e muitas vezes as meninas recebiam esse
nome.

— Sabia que era um nome comum entre as famílias ligadas à União do Arquipélago do
Dragão de Nove Cabeças, mas… Nunca soube que vinha de uma planta.
Eles estavam usando esse nome sem saber disso? Olhei para Madame Tiamat.

— E também… o que mais me chamou a atenção, Madame Tiamat, foi seu nome.

Tiamat ficou em silêncio.

— Apenas sei disso pelos jogos e coisas do tipo, mas Tiamat era o nome de um dragão
citado em antigas lendas do meu mundo. E, por mais estranho que pareça, a Mãe
Dragão que governa os dragões neste mundo também é chamada de Tiamat. Se o nome é
tão único, não vou tratá-lo como algo irrelevante. Você não recebeu o nome de
Tiamat por ser a Mãe Dragão?

Madame Tiamat não confirmou nem negou. Ela não devia ter autoridade para tal. Se
foi esse o caso, não seria porque minha linha de raciocínio estava correta?

Considere as jóias da superciência das masmorras que Genia estava estudando, por
exemplo.

As jóias usadas na Transmissão de Voz da Jóia eram supertecnológicas do ponto de


vista de uma sociedade cujo nível se aproximava do fim da idade média, e ainda eram
pelos padrões do mundo de onde vim. Mas se este era um mundo com maior recurso
tecnológico, havia, pelo menos, alguma explicação para isso.

No entanto, isso apenas levantou mais dúvidas.

Presumindo que os dois estivessem conectados na mesma linha do tempo, o que diabos
poderia ter transformado aquele mundo científico em um de espadas e magias? Além
disso, havia mais do que apenas humanos aqui. Uma variedade de raças: Homens-fera,
elfos, dragonatos e muito mais.

Como todos eles nasceram?

O que exatamente era este mundo, magia, superciência, outras raças, monstros, e
demônios…?

Não tinha uma resposta clara para nenhuma. Isso não era bom. O problema ficou
complexo demais para ser resolvido dentro de minha pequena e limitada cabeça.

— A resposta para suas perguntas pode ficar clara com o tempo — A voz calma de
Madame Tiamat veio até mim enquanto segurava a cabeça confuso. — Não posso contar
tudo, mas se você quiser aprender sobre este mundo, tenho certeza de que descobrirá
a verdade.

— Isso é… uma profecia? — perguntei.

— Não, isso é um desejo.

— Um desejo? — perguntei, mas Madame Tiamat simplesmente me deu um sorriso suave e


solitário.

— Eventualmente, você chegará à verdade e depois irá para o norte, onde aquela
criança o aguarda.

Por fim, tudo o que aprendi com essa conversa com Tiamat foi que este mundo pode
estar na mesma linha do tempo que o meu. Mesmo após ter pedido por mais, Madame
Tiamat não respondeu.

Por óbvio, olhando para o formato do continente, nunca pensaria algo como “Era a
Terra o tempo todo!”, mas… quando se tratava daquele cubo e como este mundo surgiu,
tinha que imaginar que o de onde vim estava envolvido de alguma forma. Fiquei
frustrado, incapaz de encontrar uma explicação clara. Mesmo depois de ser conduzido
do salão maior para o que parecia ser uma sala de espera, estava repassando nossa
conversa em minha cabeça enquanto descansava no sofá confortável.“Eventualmente,
você chegará à verdade e depois irá para o norte, onde aquela criança o aguarda.”

Droga, o que ela quis dizer com “a verdade”? Não consegui impedir isso de me
incomodar. Se não tivesse um país em meus ombros, teria começado a voar por toda
parte, procurando vestígios do antigo mundo.

— Você ainda está se afligindo pelo que Madame Tiamat disse? — perguntou Líscia,
apoiando a cabeça em meu ombro.

— …bem, sim. Envolve minha origem, então é difícil impedir tais pensamentos.

— É verdade. Mas, Souma, você é você… E também é o rei — Líscia colocou sua mão
sobre a minha. — Como rei, você tem o poder de transformar pessoas. A taxa de
alfabetização do povo está aumentando e você reuniu tantos indivíduos inteligentes
para trabalhar com você. Então… não tente carregar o fardo sozinho. Não importa
quem você é, de onde é ou o que aconteceu com seu mundo, eu te amo.

— Líscia…

— Embora eu esteja dizendo isso com interesses egoístas, pois quero que continue
como o rei — Líscia me deu um sorriso malicioso ao dizer isso.

Aisha, que estava sentada do lado oposto de Liscia, se aproximou o suficiente para
que nossos ombros se tocassem.

— De fato! Não importa quem você é, senhor, estamos com você!

— Aisha… Obrigado. Às duas.

Com o encorajamento delas, senti que finalmente poderia relaxar um pouco os


ombros.

Enquanto isso, Hal estava sentado no sofá à nossa frente, com uma expressão meio
exasperada e admirada.

— Estou surpreso que você consiga ter um humor tão doce e melódico com duas
parceiras, Souma.

Kaede estava sentado ao seu lado, agarrada a ele, e, pelo número limitado de
assentos, Carla estava sentada no mesmo sofá, sentindo-se um pouco embaraçada.
Halbert suspirou, então começou a coçar a cabeça.

— Pra mim… ainda não caiu a ficha que tomarei Ruby como minha noiva. Quero dizer,
claro, os casamentos políticos são normais nas classes nobres e de cavaleiros, mas
eu já tenho Kaede. Éramos amigos de infância e… bem… queria torná-la minha esposa,
eventualmente.

Ele vai se gabar dela? Pensei, mas continuei quieto, ouvindo.

— Mas agora decidi por uma segunda esposa.

— Oh… estou feliz por você, Hal — disse. — Estou feliz que Madame Tiamat tenha
aceitado a situação em que você e Ruby se encontram.

Bem no final da conferência anterior, pedi desculpas a Madame Tiamat pelo fato de
Hal montar em um dragão solteiro, sendo esse a Ruby. Mesmo que fosse uma vantagem
para Dracul, foi algo que meu subordinado fez sem pensar o suficiente, então dei um
pedido de desculpas adequado para evitar um incidente diplomático.

Madame Tiamat sorriu para Hal e Ruby.

— Tenho certeza de que esse vínculo também foi o destino — Então se curvou para
Hal também. — Senhor Halbert. Deixo Ruby sob seus cuidados, até o dia de sua morte.

Quando o ser adorado como Mãe Dragão se curvou para ele, Hal reflexivamente se
levantou de sua cadeira e respondeu:

— S-Sim, senhora! — Com uma expressão tensa no rosto.

Rememorando tal acontecimento, sorri maliciosamente e disse:

— A Tiamat se curvou para você. É melhor fazer a Ruby feliz.

— Quanto a isso… — Hal segurou a cabeça entre as mãos. — Nunca pensei que chegaria
a isso, então não tenho ideia de como interagir com elas. Devo aceitá-la como um
casamento político? Devo amá-las igualmente? Uma vez que começo a pensar em coisas
como: “Não seria isso injusto com Kaede?” ou “Não seria injusto com Ruby?” não há
fim!

— Você odeia a ideia de se casar com Ruby? — perguntei.

— Se odiasse, não estaria me incomodando tanto!

Hal era, no fundo, um cara simples e devoto, então deve ter sido difícil aceitar a
possibilidade de amar duas mulheres. Isso me fez, com cinco noivas, sentir um pouco
mal comigo mesmo.

Quando olhei para Kaede, imaginando como se sentia em relação a Hal, ela levou a
mão à boca e tremia. Parecia que estava sufocando uma risada. Era engraçado que Hal
estivesse moendo seu cérebro inexistente e se preocupando com algo que Kaede já
havia aceitado.

Me sentiria mal por Ruby se ela continuasse com aquele olhar deprimido, então
decidi tentar animar um pouco o ambiente.

— Hal, sabia que você tem cérebro de ervilha?

— Huh? Sim, estou ciente disso, mas quando diz isso tão diretamente, me deixa irado
— Com certeza, ele parecia nervoso.

Suspirei, e disse:

— Pouco raciocínio é semelhante a raciocínio algum. Com seu cérebro, não resultará
em nada que preste, então nem perca seu tempo pensando. Além disso, vou esclarecer:
embora você esteja indeciso sobre o que fazer, não está deixando Kaede ou Ruby mais
felizes.

— Caramba…

— Outrossim, você é mais de fazer do que pensar, certo? Se tem tempo para se
preocupar se está faltando com sinceridade, use-o para mostrar às duas alguma da
mesma.

— Não me preocupar tanto e demonstrar a elas com minhas ações, huh… você está
certo. — Com isso, Hal se levantou, pegando Kaede em seus braços.

— Eek!

— Não é do meu feitio perder tempo pensando nessas coisas — disse ele. — Posso não
ter aceitado totalmente ainda, mas farei o que puder para deixar Kaede e Ruby
felizes.

Essa foi a cabeça de cima… er, o sincero Hal para vocês. Uma vez que ele decidiu
não se preocupar tanto, encontrou sua resolução. Foi muito legal dele tê-la pego em
seus braços e dizer uma frase tão apaixonada como essa, enquanto estava sóbrio. O
rosto de Kaede estava vermelho brilhante.

— Está bem… então. Por favor, dê o seu melhor, você sabe, Hal…

Com o quão envergonhada estava, parecia que era tudo o que Kaede conseguia dizer.

Haha, parece que o Hal deu o troco nela, pensei e estava sorrindo, mas aí…

— Já que o disse, dê o seu melhor também, Souma — Líscia sorriu.

— Oh! Oh! Senhor! A princesa e eu gostaríamos de sermos carregadas também! —


acrescentou Aisha.

Escutando de ambos os lados, me encolhi.

Então…

Uma sacerdotisa dragão apareceu de repente e nos disse:

— Senhor Souma, senhor Halbert, os preparativos estão completos.

— Souma, este é o grande dia dela, então mantenha a calma, ok? — disse Líscia.

— Vai que é sua, Senhor! — gritou Aisha, me expulsando.

— Você também, Hal — acrescentou Kaede. — Não desonre a Casa de Magna.

— O quê, sem discursos gentis pra mim?!

Kaede também enxotou Hal. Ela era como uma esposa do Período Edo, enxotando seu
marido ao bater numa rocha da fornalha, para que as faíscas caíssem em suas costas

Agora, portanto… era hora de ir. Naden e Ruby estavam esperando.

Haviam dois motivos pelos quais vim para a Cordilheira do Dragão Estrela.

O primeiro foi o pedido de Madame Tiamat para ajudar a lidar com a tempestade que
cairia sobre a Cordilheira do Dragão Estrela. O outro era formar um contrato de
cavaleiro do dragão, unindo Naden, aquela que poderia voar na tempestade, a mim. Em
razão disso, fui convidado a participar da Cerimônia de Contrato que foi realizada
entre os cavaleiros do dragão do Reino dos Cavaleiros do Dragão Nothung e os
dragões da Cordilheira do Dragão Estrela.

No entanto, pelos eventos se desenvolverem tão rapidamente, a ordem ficou


totalmente confusa e, pela tempestade ter causado danos à Dracul, com inundações,
entre outros acontecimentos, a Cerimônia de Contrato que o Reino de Nothung teria
sido convidado, foi cancelada. Mesmo assim, Naden, eu, Ruby e Halbert, já havíamos,
essencialmente, firmado os contratos. Foi por isso que uma Cerimônia de Contrato
seria realizada hoje, apenas com dois casais.

Quando Hal e eu fomos transportados para o salão maior, Madame Tiamat já se


encontrava em sua forma de dragão, e nós estávamos rodeados por dragões em forma
humana. A amiga de Naden, Pai, e os ex-lacaios de Ruby, Safira e Esmeralda, estavam
lá. Enquanto ainda estávamos nervosos, tendo sido colocados no centro das atenções,
Naden e Ruby apareceram usando um vestido preto e vermelho, respectivamente.

Ruby era uma garota bem bonita, mas Naden foi totalmente transformada por Líscia,
então ela brilhou com a mesma intensidade. Os vestidos pareciam ter sido
entrelaçados com fibra metálica e o contraste entre o preto de Naden e o vermelho
de Ruby era impressionante.

Enquanto isso, Hal e eu estávamos em nossas roupas militares habituais. O meu era
preto e o de Hal, verde. Elas se aproximaram de nós, se ajoelharam e levaram a mão
esquerda ao peito enquanto estendiam a mão direita para nós.

Ruby foi a primeira a falar.

— Meu cavaleiro, meu parceiro. Desejo firmar um contrato de montaria com você.

Hal respirou fundo, e disse:

— Aceito!

Ele pegou a mão dela, colocando-a de pé. Naden me explicou isso mais tarde, mas a
ordem em que os contratos foram formados foi decidida pelo status dos que se
tornaram cavaleiros. O cavaleiro de classificação mais alta deve ser mantido para o
final. Foi por isso que Naden foi a última, mas com apenas dois casais presentes,
não parecia tão especial ter essa demora para isso.

Bem, deixando isso de lado, em seguida, Naden foi a próxima a falar.

— Meu rei, meu parceiro. Desejo formar um contrato de montaria com você.

— Eu aceito — Peguei a mão de Naden, colocando-a de pé.

Fiquei surpreso quando ela me chamou de rei, mas estava certa; Não era um
cavaleiro, mas sim o rei de uma nação.

Assim que se levantou, Naden e eu apertamos as mãos. Estávamos na pose perfeita


para dançar na alta sociedade. No mesmo momento, a música começou a tocar no grande
salão. Silenciosa no início, mas logo crescendo, de forma gradual. As sacerdotisas
do dragão na frente de Madame Tiamat começaram a tocar instrumentos musicais. Era
um ritmo lento, uma melodia relaxada.

— Huh?! — estranhei. — Esta peça…

— O que foi, Souma? — perguntou Naden.

— …Não, não é nada.

Comecei a dar os passos no ritmo da música.

Dancei com Naden, me adequando à melodia. Hal e Ruby começaram a dançar, também.

Enquanto dançávamos, me inclinei e sussurrei no ouvido de Naden:

— Eles sempre usam essa música para a dança da Cerimônia de Contrato?


— Acho que não. Nunca ouvi essa antes.

— Entendo…

Nesse caso, Madame Tiamat pode ter providenciado isso. A peça que eles tocavam era
uma que tinha no meu mundo. Era o tema principal de um filme onde uma bela dançava
com uma fera. Naden e eu dançamos a famosa peça que tocou durante a cena de dança
que foi o ápice do filme.

Ver o rosto de Naden de perto me fez pensar: qual de nós era a bela e qual era a
fera? Se você visse isso como um conto de casamento entre humano e animal, porém
com um ryuu, isso faria de Naden a fera, mas ela também merecia ser chamada de
beldade. A garota na frente dos meus olhos era realmente uma fera graciosa.

— Mas que parceira de dança chique eu tenho… — murmurei.

— Hum? Você disse algo?

— Não, nada. Apenas pensando em quão sortudo sou.

Enquanto estávamos dançando, olhei para Hal e Ruby. Hal não devia estar acostumado
com esse tipo de coisa, pois seus movimentos eram um pouco desajeitados, mas Ruby
estava fazendo um bom trabalho em conduzi-lo.

— Você realmente sabe dançar, Souma — disse Naden. — Pensei que seria ruim nesse
tipo de coisa.

— Eu era, mas me esforcei desesperadamente para aprender e melhorar. Afinal, estava


sendo chamado para muitos eventos.

— Ahaha! Você tem uma vida difícil, hein.

— Sim, mais ou menos. Apesar das aulas que você faltou, está indo muito bem, Naden.

— E-Eu só comecei a faltá-las recentemente. Estava praticando como o esperado,


antes.

Olhei com carinho para Naden enquanto ela dava desculpas, quando…

— Naden — A voz de Madame Tiamat de repente falou em minha mente.

— Senhorita Tiamat?

Parecia que Naden podia ouvir a voz também.

Oh, sim. Ela estava a chamando, então é claro que podia.

Enquanto continuávamos dançando, a voz gentil de Madame Tiamat ecoava em nossas


mentes:
— Naden. Há algo pelo qual preciso pedir desculpas a você.

— Huh? Desculpar-se?

— Quando você estava preocupada com o fato de parecer diferente dos outros dragões,
não consegui dizer, ‘você é um ryuu’. O fato de você ter nascido nesta era
significava que alguém que sabia do seu valor apareceria. Escondi sua natureza para
não atrapalhar aquele encontro, e por isso peço desculpas.

— Não o faça!

Enquanto dançávamos, Naden virou apenas o rosto para Madame Tiamat. A música já
havia passado da metade e estava aumentando de intensidade. Nossas emoções
desabrocharam junto com a melodia.

Naden gritou, com lágrimas nos olhos:

— Você sempre esteve lá para me encorajar, Senhorita Tiamat! ‘Eventualmente, alguém


que sabe do seu valor aparecerá’, você disse! Quando ouvi, fiquei em cima do muro…
não, achei impossível disso acontecer… mas eu realmente conheci o Souma!

Rios de lágrimas começaram a se formar no rosto de Naden.

— Então… eu sou grata. Obrigado… Mãe.

Tive a sensação que Madame Tiamat sorriu ao ouvir as palavras de gratidão de Naden.

— Cuide-se, minha filha amada.

A música estava perto de terminar. Segurei Naden, cujo rosto estava encharcado
pelas lágrimas, bem perto.

— Naden, eu sei que não sou a pessoa mais confiável, mas vamos trabalhar juntos de
agora em diante.

Naden soluçou:

— Sim. Sim!

Aqui, hoje, Naden e eu formamos um contrato de parceria.

No extremo oeste do Império Gran Caos estava a capital, Valois. Era maior em escala
do que a capital do Reino da Friedônia; no topo da colina ficava a residência da
digna Imperatriz Maria, o Castelo de Valois.

Por ficar no cume de uma montanha, era difícil para um inimigo atacar, mas foi
construído com muito foco no design para realmente ser considerado funcional.
Dizia-se que era para demonstrar a outros países que eles eram os maiores e mais
poderosos entre as nações da humanidade.

Em uma sala do Castelo de Valois, no escritório de Jeanne Euphoria, um homem e uma


mulher estavam sentados frente a frente.

A que estava na mesa era Jeanne, a chefe da casa e um general que também era a irmã
mais nova da imperatriz Maria. Diante dela estava o embaixador enviado da Friedônia
para residir no Império, Piltory Sarraceno.

Jeanne falou:
— Oh, certo. Você deveria voltar hoje, não é?

— Sim — respondeu Piltory. — Pelo bem da minha esposa, vou tirar uma licença
temporária.

Piltory foi enviado para ser o embaixador residente no Império, mas antes de
partir, pegou as duas belas irmãs escravas, Anzu e Shiho, para serem suas esposas e
as trouxe para o Império com ele. Ele as obteve com Ginger, que ainda era um
comerciante de escravos na época.

Eventualmente, a irmã mais velha, Anzu, engravidou. Foi decidido que, em vez de dar
à luz em um país estranho, seria melhor na casa da família de Piltory, a Casa dos
Saracen.

A fim de devolver Anzu ao reino, Piltory retornaria por um tempo e voltaria ao


império imediatamente assim que a deixasse aos cuidados de sua família.

Piltory disse:

— Na minha ausência, Shiho permanecerá aqui para servir como seu elo com o reino.

— Sinto muito — disse Jeanne. — Tenho certeza de que sua esposa prefere ir com você
também.

— Não… Minha esposa entende a importância dos meus deveres.

Havia uma aliança secreta entre o reino e o Império. Os embaixadores permanentes


que serviam como contatos eram indispensáveis para ambos os lados; era um segredo
conhecido apenas por poucos.

Desde que o reino e o Império formaram seu pacto secreto, adotaram um sistema que
lhes permitia usar a Transmissão de Voz da Jóia e receptores simples para realizar
o equivalente a teleconferências a qualquer momento.

Quando se tratava de assuntos delicados, Souma e Maria conversavam pessoalmente,


mas para os de menor importância (como a troca de informações), seus
intermediários, Hakuya e Jeanne, conversariam. O papel de Piltory era,
principalmente, agendar suas reuniões.

— Ah, certo — disse Jeanne. — Já que vai voltar para o seu país, gostaria de te
pedir um favor…

— Um favor?

Jeanne abriu uma gaveta em sua mesa e tirou algo que se assemelhava a uma caixa de
madeira bem trabalhada.

— Por favor, dê isso a Sir Hakuya, seu primeiro-ministro.

Com isso, Jeanne abriu a caixa. Dentro havia uma garrafa de vinho de aparência cara
com um rótulo sofisticado, embalada com lascas de madeira que provavelmente
deveriam absorver qualquer impacto.

— Por acaso acabei conseguindo duas boas garrafas de vinho, então pensei em enviar
uma para ele.

— Isto é para o primeiro-ministro? — perguntou Piltory.

— Não está envenenado, garanto. Se você estiver preocupado, pode pedir a um


provador de veneno para testá-lo.

— Oh não! Não há nenhuma suspeita que faria isso!

Enquanto observava Piltory correr para se desculpar, Jeanne soltou uma risada
alegre.

— Hahaha! Eu sei disso. O segundo em comando do Império está enviando um presente


para o segundo em comando do reino. Eu posso entender o porquê de você querer
examinar minhas intenções. Mas este é apenas um pequeno agradecimento ao Senhor
Hakuya por sempre me ouvir reclamar de minha irmã.

— O-Oh… Se é apenas isso…

Quando Piltory aceitou a garrafa, foi aí que aconteceu.

Houve uma corrida repentina de alguém do lado de fora da sala, e então as portas do
escritório foram escancaradas com um estrondo. A mulher que havia invadido a sala
segurava um vestido vermelho em uma das mãos e um vestido azul na outra. Era
ninguém menos que a imperatriz desta nação, Maria Euphoria.

— Ei, Jeanne! Qual vestido você acha que seria melhor para a transmissão de hoje? —
Maria gritou.

Ela empurrou os dois vestidos para a irmã.

Esses vestidos eram babados, tinham saias curtas, expunham a barriga e acentuavam o
peito. Do tipo que, se Souma os visse, diria:

— Sério, trajes de idol? — e inclinar a cabeça em confusão.

Jeanne bateu com as mãos na mesa.

— Irmã! Estou com um visitante!

— Oh meu Deus. Se não é o Senhor Piltory, bem-vindo — disse Maria com um sorriso
suave, imperturbável pelos gritos de Jeanne.

Diante da aparição repentina da chefe de estado do Império, a mente de Piltory


travou por um momento, mas quando ele voltou a si, endireitou-se e a saudou.

— Sim, Vossa Majestade Imperial! É meu mais humilde prazer… encontrar-me em sua…
estimada companhia?

Tendo se deparado com a intromissão bizarra de uma imperatriz carregando dois


vestidos de idols, a resposta de Piltory foi um desastre, e dada com muitas pausas.

Vendo a reação de Piltory, Maria deu uma risadinha e falou:

— Não precisa ficar tão tenso. Você é um dos vassalos do Senhor Souma, então não
precisa ser tão formal comigo. Vamos, relaxe, relaxe.

Dito isso, Maria deu a ele um sorriso que faria derreter o coração de qualquer um
que o visse.

Enquanto isso, Jeanne tinha uma expressão no rosto como se tivesse mordido algo
amargo.

— Você é muito desleixada! O que a imperatriz desta nação pensa que está fazendo,
correndo pelos corredores carregando roupas tão chamativas e extravagantes!

— Ah, mas esse é um trabalho que estou fazendo para as pessoas, sabe? — Maria disse
com um sorriso provocador. — É para a transmissão de programas de entretenimento
usando a Transmissão de Voz da Jóia. Proporcionar um momento de descanso para as
pessoas que trabalham tanto todos os dias… Acho que é uma ideia maravilhosa que o
Senhor Souma teve.

Ao ouvir o mestre a quem servia ser elogiado, Piltory se endireitou mais uma vez.

— E-eu estou feliz em ouvir isso.

Jeanne, por outro lado, levou a mão à testa, balançando a cabeça como se dissesse:

— Oh, meu Deus…

— Mesmo que seja verdade, certamente não há necessidade de você se tornar uma
lorelei1.

— Mas houve um grande número de pedidos para eu cantar, não houve? — perguntou
Maria.

— Bem… sim, mas…

O conceito de lorelei foi algo que Souma trouxe para este mundo. Para explicar
rapidamente, o que era chamado de ídolo na Terra era chamado de lorelei aqui.

Agora, se você perguntasse o que um ídolo precisa, seria um rosto bonito e carisma.
Também era bom ser habilidoso no canto e dança, mas se alguém tivesse uma aparência
acima da média (isso tinha que ser um dom natural) e o charme para atrair as
pessoas, era o suficiente para ser um ídolo.

Mas, se perguntasse quem no Império tinha o rosto mais bonito e o maior carisma, a
primeira resposta seria, sem dúvida, Maria Euphoria. E Maria também era uma cantora
e dançarina talentosa, então tinha tanto potencial que até mesmo se tornar uma idol
de primeira classe poderia ser mais do que apenas um sonho para ela. Seu talento
até rivalizava com o de Juna.

Por conta disso, houveram muitos pedidos do povo para ouvi-la cantar, recentemente
o apelido popular de Maria — Santa do Império — passou a vir acompanhado de
‘Cantora e Dançarina’.

— Eles te chamam de Santa Cantora e Dançarina do Império… — Jeanne disse


exasperada.

— Você está bem com isso?!

— No que me diz respeito, a parte de ‘Santo’ é a que eu poderia prescindir. Se eu


tiver que ser chamada de alguma coisa, gostaria que fosse a Imperatriz Cantora e
Dançarina Maria.

— Isso não é uma questão de gosto, sabe… — Jeanne deixou cair os ombros.

Oh, entendo. Então, esse é o tipo de coisa que o primeiro-ministro a ouve


desabafar… Piltory pensou enquanto observava Jeanne, achando-se estranhamente
satisfeito com a resposta.

—Alguns dias depois, na época em que Souma foi levado para a Cordilheira do Dragão
Estrela—
Piltory estava de volta a Parnam, a capital do Reino da Friedônia, dentro do
escritório do primeiro-ministro Hakuya Kwonmin no Castelo de Parnam.

Tendo deixado sua esposa grávida, Anzu, com sua família, veio ao castelo para uma
visita de cortesia antes de retornar ao Império. No entanto, agora, descobriu-se
que Souma estava em uma visita diplomática à Cordilheira do Dragão Estrela, então
ele veio visitar Hakuya, que estava cuidando das coisas na ausência de Souma.
Piltory parou em frente à mesa onde Hakuya estava sentado, com uma saudação.

— Agora, então, primeiro-ministro, partirei para o Império mais uma vez.

— Estou grato pelo seu empenho. Porém, tenho certeza que você preferiria estar ao
lado de sua esposa… — disse Hakuya com uma expressão fria, que admitia certo
sentimento.

Pode ter soado seco, mas Hakuya foi quem recomendou que ele voltasse ao reino
quando soube que sua esposa estava grávida, em primeiro lugar.

Souma vinha abordando a questão da higiene urbana e atualmente estava realizando


reformas médicas centradas em Hilde e Brad, de modo que este país agora se tornou
“o melhor país do continente para dar à luz”.

Hakuya também providenciou que Hilde e seu pessoal cuidassem da gravidez de Anzu.
Além disso, ele também forneceu transporte de gôndola wyvern de ida e volta à nova
cidade, Venetinova, onde Hilde estava.

Portanto, mesmo que ele fosse frio, Hakuya o tratava bem, e Piltory era grato por
isso.

— Não… estou bem ciente da importância dos meus deveres — respondeu Piltory,
pensando: tive uma conversa semelhante com Madame Jeanne outro dia.

Então Hakuya se levantou de seu assento e se dirigiu a uma prateleira. Pegou uma
caixa de madeira dela, colocando-a sobre a mesa.

— Já que você viajará para o Império, tenho um item que gostaria de entregar para
Madame Jeanne.

— Você quer que entregue algo? — Piltory inclinou a cabeça para o lado
interrogativamente.

Hakuya abriu a tampa da caixa. Dentro, havia um espelho caro com desenhos
impressionantes esculpidos nele.

Ao lado do espelho havia um orifício no qual se encaixaria outro espelho do mesmo


tipo, mostrando que o primeiro era uma de duas peças de um conjunto.

— Recebi um bom vinho outro dia, então estou enviando este presente em troca. É meu
pequeno sinal de agradecimento a Madame Jeanne por sempre me ouvir reclamar de
Vossa Majestade.

— Reclamando… Você também, primeiro-ministro?

Jeanne disse que reclamou para Hakuya sobre sua irmã mais velha. Será que Hakuya
fazia o mesmo também?

Enquanto Piltory ponderava sobre isso, ouviu alguém correndo pelo corredor, então
uma batida superficial antes que a porta da sala fosse escancarada. Quem entrou era
a filha do antigo rei e a candidata a se tornar a primeira rainha primária de
Souma.

Quando ela entrou na sala, a princesa Liscia não prestou atenção a Piltory enquanto
entregava apressadamente uma carta a Hakuya.

— Hakuya, recebemos outro mensageiro kui de Carla! ‘Será difícil para nós três
parar o alvo! Solicitando reforços imediato!’, diz!

— Urgh… De novo? — A expressão fria de Hakuya suavizou ligeiramente. — Muito bem.


Prefiro não aumentar o número de testemunhas, por isso não posso enviar reforços,
mas vou mandar a Força Nacional de Defesa trabalhar para isolar a área. Vou colocar
uma ordem de mordaça na região também. Se isso ainda assim piorar… pode levar a
opiniões ruins sobre a futura segunda rainha primária, afinal.

— Vou deixar isso com você.

Com isso, a princesa Liscia saiu da sala tão rápido quanto havia entrado. Quando
Hakuya colocou a mão na cabeça e se recostou na cadeira, Piltory perguntou
hesitante:

— Hum … O que aconteceu?

Hakuya deu a ele um sorriso seco.

— Oh, nada… Só mais uma coisa que poderei reclamar com Madame Jeanne.

Pela maneira como ele disse isso, provavelmente houve algum problema envolvendo o
rei Souma.

Piltory teve uma espécie de premonição.

Em algum momento num futuro próximo, Hakuya e Jeanne beberiam a mesma marca de
vinho, em copos idênticos, juntos por meio de suas telas de transmissão de voz da
Jóia. Eles reclamariam de seus respectivos mestres, Souma e Maria, para acompanhar
a bebida.

Piltory imaginou aquela cena ao retornar ao Império.

Todas as noites no Reino da Friedônia, vários shows de variedades iam ao ar no


Programa de Transmissão de Voz da Jóia.

Dependendo do dia, podia ser um programa de canto, ou uma novela, um programa


performático centrado na comédia e em truques, mas todos eles tinham forte apego no
coração das pessoas. Com os grandes elogios que aqueles programas recebiam do povo
do reino, o número de espectadores em emissoras fixas não parava de crescer. Agora,
eles foram colocados até em pequenas cidades; nas maiores já haviam várias
instalações, aumentando o número de locais onde as pessoas podiam assistir. Não
havia meios de gravação e todas as transmissões eram ao vivo, então faltava certa
liberdade artística, mas as transmissões haviam se enraizado como parte da cultura
deste país.

De todos esses programas de transmissão, havia um drama documental que se tornou um


sucesso entre as pessoas.

O nome do programa era Heróis Anônimos.

[Heróis Anônimos Episódio 3: Próximos do Vazio]


O que diferenciou esse drama foi a cortina preta colocada na parte de trás da tela.

Como a Transmissão de Voz da Jóia permitia apenas apresentações ao vivo, os


programas de drama envolviam os atores interpretando os roteiros no momento em que
a transmissão começava. Por isso, era normal ter uma paisagem adequada (cenários e
tal) por trás dos atores, para que parecesse o menos possível com uma peça; mas
esse drama foi filmado em frente a uma cortina preta.

O outro aspecto que se destacou foi que todos os personagens usavam capuzes pretos
como os ajudantes de palco kuroko1 em uma produção de kabuki2. Isso, apesar de
usarem trajes adequados à função do pescoço para baixo.

Agora, quanto ao efeito gerado, combinado com a cortina preta, fez com que
parecessem não tendo uma face. Como era um pano preto fino na frente de seus
rostos, os atores podiam ver bem o suficiente para atuar, mas os espectadores que
assistiam à transmissão não conseguiam ver os rostos dos atores.

Acredito que você descobrirá o motivo pelo qual essa forma de apresentação foi
usada enquanto assistimos ao programa.

Pois bem, no palco do drama de hoje havia uma cena transbordante do tipo de coisas
vistas em um laboratório experimental.

Haviam dois jovens pesquisadores, um homem e uma mulher, vestindo jalecos brancos,
que usavam uma balança para medir uma quantidade de pó, ou examinavam um frasco de
fundo redondo sendo aquecido com um queimador de álcool.

— Oh, puxa! — Disse o pesquisador masculino que estava medindo com a balança e
batia na mesa.

— Ei, Toto, esses produtos químicos são perigosos, então não fique sacudindo as
coisas! — disse a pesquisadora quando viu como seu novato estava se comportando.

O pesquisador masculino que ela chamava de Toto continuava com raiva.

— Mas, Momo! Quando nos formamos na Academia Real, entramos nos Laboratórios Cosno
movidos por um desejo apaixonado de desenvolver algo que ajudará as pessoas deste
país! Como Madame Genia da Casa de Maxwell faz! E ainda… o trabalho que recebemos é
sempre apenas para ‘pesquisar sua pesquisa’…

Incapaz de refutar suas palavras, a pesquisadora chamada Momo suspirou.

— É verdade, Genia produziu muitas invenções incríveis. Mas o Dr. Mattis não disse
sempre que a pesquisa básica é igualmente importante?

—Sim, mas, eu não posso aceitar isso!

As juntas dos dedos de Toto estavam brancas de frustração.

— Dr. Mattis é um ótimo pesquisador! Um grande pesquisador que produziu resultados


com progresso lento e constante… mas a única que recebe elogios do público é Genia,
por sua série de invenções excêntricas!

— Sim — disse Momo. — Bem, sei bem como é…

— Vocês estavam falando de mim?

Enquanto os dois conversavam, um pesquisador idoso apareceu.


Essa pessoa também estava usando um capuz preto. Para transmitir a ideia de que era
idoso quando o público não podia ver seu rosto, ele usava seu jaleco branco um
pouco mais folgado do que Toto ou Momo, como se estivesse acostumado, e usava
roupas e sapatos surrados também.

— Dr. Mattis! — Toto e Momo gritaram em uníssono.

Este homem era o pesquisador-chefe deste laboratório, Mattis Cosno. Ao


reconhecerem, os dois jovens assumiram uma postura ereta e Mattis riu.

— Por favor, não me elogie tanto, Toto. Sei melhor do que ninguém que a imaginação
de Madame Genia é muito maior que a minha. É melhor para eu desenvolver lentamente
meus estudos, em vez de apresentar ideias revolucionárias como as dela.

— Mas, Doutor!

Toto estava prestes a dizer mais, mas Mattis ergueu a mão para detê-lo.

— Você quer ‘desenvolver algo que vai ajudar as pessoas deste país’. Você acabou de
dizer isso, não é? O maior desejo dos pesquisadores e engenheiros é, e sempre será,
criar as coisas que tornarão o amanhã melhor do que hoje. Não posso dizer que não
queremos ser elogiados pelo que fazemos, mas não é nossa principal motivação.

— Doutor…

— Agora, se você entendeu isso, vamos trabalhar duro em nossa pesquisa novamente
hoje. Ouvi dizer que acabamos de receber outro objeto de pesquisa da capital — Dito
isso, Mattis colocou uma espécie de caroço na mesa.

Olhando para o objeto rubro-negro que parecia um tijolo, Momo franziu a testa.

— O que é isso, doutor?

— Isso aqui é um material de absorção de choque.

— Sim. Quando Sua Majestade perguntou a Madame Genia: ‘Gostaria que você
desenvolvesse um sistema para reduzir a quantidade de tremores no trem do
rinossauro’, ela teve a ideia de usar esse tipo de material de absorção de choque
nas rodas.

— Madame Genia de novo, hein — A voz de Toto tinha um tom descontente, mas Mattis
riu.

— Essa é a pesquisadora da Casa de Maxwell. Perspicácia aguçada, como sempre… No


entanto, como esse material amortecedor de choque usa a carne de dentro da dura
armadura do tatu gigante, ele não pode ser produzido em massa. Espera-se que os
trens de rinossauros se desenvolvam como um meio de transporte de carga e de
viagens para as pessoas. Mas sem a capacidade de produzi-los em massa, eles não têm
sentido. A solicitação de pesquisa que recebemos foi desenvolver uma alternativa
viável para esse material.

Pode parecer que ele estava explicando demais as coisas, mas o fato é que as falas
de Mattis estavam explicando as coisas para o espectador.

Momo bateu no material de absorção de choque.

— É muito duro, não é? — comentou.

— Com esse nível de força, você não fará nada com um pedaço desse material — disse
Mattis. — Mais do que isso, se uma força poderosa for exercida sobre ela, ela
mudará de forma para dispersar o choque. Em outras palavras, as propriedades
importantes desse material são a tenacidade e elasticidade.

— Duro, mas elástico… Espera, isso não é contraditório? — Toto exclamou.

Mattis riu.

— Contraditório ou não, estamos olhando para isso. A tarefa que nos foi confiada é
encontrar uma alternativa de produção em massa para este material. Vou contar com a
ajuda de vocês dois.

— Sim, doutor!

Com isso, todos os membros dos Laboratórios Cosno (embora, para os propósitos
desta peça, fossem apenas três atores) buscaram um material que pudesse ser usado
como um substituto para este material absorvente de choque. No entanto, tentaram
todos os materiais em que puderam pensar e ainda não conseguiram encontrá-lo.

Resistente, mas possuindo elasticidade. Se eles testassem coisas com resistência,


eles não tinham elasticidade e não funcionavam como amortecedores. Se eles
testassem coisas com elasticidade, elas poderiam funcionar como amortecedores, mas
quebrariam rapidamente.

Eram peças a serem usadas em carros de carga e de passageiros puxados por enormes
rinossauros. Se eles falhassem, mesmo numa taxa de um em mil, ou mesmo em um milhão
de vezes, seria uma grande tragédia. Por isso, tiveram que escolher os materiais
com cuidado e rigor.

Os três gradualmente mostraram sinais cada vez maiores de fadiga.

Houve um escurecimento e, quando as luzes voltaram ao palco, Toto desabou em sua


mesa.

— Não há esperança! Simplesmente não conseguimos encontrar um material que seja


resistente e elástico!

— Sim — disse Momo com um suspiro, colocando a mão nas costas de Toto. — Estou
começando a pensar que foi um milagre que esse material tenha sido encontrado em
primeiro lugar.

Vendo os dois tão exaustos, Mattis soltou uma risada irônica e tentou animá-los.

— Vamos, vamos, não há necessidade de ter tanta pressa. Se você se esforçar demais,
não terá boas ideias. Vamos tentar tomar um copo de leite quente, ok?

Com isso, Mattis se levantou de sua cadeira e… aconteceu.

— Hum? …Uau?! D-Doutor! — Toto gritou e de repente caiu da cadeira.

— O-O que deu em você, Toto?! — gritou Momo.

— Há algo de errado? — perguntou Mattis.

Quando Momo e Mattis se aproximaram dele, Toto apontava em uma direção, parecendo
assustado de alguma forma. O que ele estava apontando, incrivelmente, era uma
caneta que havia caído no chão e parecia flutuar no ar. Os outros dois ficaram
boquiabertos.
— De jeito nenhum… Isso é mágica? — perguntou Momo.

— Não, não deveria haver nenhum mago neste laboratório que possa usar magia de
manipulação da gravidade — disse Mattis.

— M-Mas, doutor, essa caneta está flutuando enquanto falamos!

— Hm… Mas o jeito que ela flutua é estranho. Como se tivesse sido pega por alguma
coisa.

Dito isso, Mattis se aproximou e passou a mão por cima da caneta. Quando o fez, a
caneta se moveu no mesmo sentido da mão direita, como se estivesse presa ao fundo
dela.

— Huh?!

— Entendo… Então é isso.

Enquanto os dois pesquisadores reagiam com surpresa, Mattis assentiu sabiamente.


Então, segurando a caneta flutuante com a mão esquerda, ele os fez dar uma boa
olhada no espaço entre a parte inferior de sua mão e a caneta.

— Olhem bem. Vocês não veem algo no meio?

— Ah! É bem fino, mas vejo algo como um fio!

— Ei, você está certo! É superfino, mas tem um fio!

Ao ouvir os dois dizerem isso, Mattis sorriu e acenou com a cabeça.

— Precisamente. Isso é um fio de aranha. Se eu fosse adivinhar, diria que a caneta


que caiu ficou presa a um fio de seda de aranha pendurado na mesa.

— O-Oh… Isso me surpreendeu… — Toto caiu exausto no chão.

— Mas a seda de uma aranha é incrível, sabe. Mesmo sendo tão fina, consegue segurar
uma caneta.

— Não é? Ainda sendo tão macia, também.

— Ah! — Mattis agiu como se uma descarga elétrica tivesse passado por sua cabeça.

Eles vinham trabalhando com objetos de forma fixa até então, mas e esse fio? A seda
da aranha era dura, mas também elástica. E se eles tentassem reproduzi-lo?

Felizmente, este mundo tinha todos os tipos de aranhas, grandes e pequenas, e


também havia outras criaturas que produziam seda. Se eles pudessem encontrar um
candidato viável para o material de absorção de choque de um deles, seria possível
produzir em massa.

— Encontramos! Finalmente encontramos!

Enquanto Mattis gritava isso, a tela escureceu.

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Quando o palco foi iluminado novamente, o cenário havia mudado.

Eles estavam em um lugar que parecia uma sala de recepção, com duas pessoas
sentadas em cadeiras de frente uma para a outra.

Desta vez, as duas pessoas não eram atores e seus rostos estavam visíveis.

Uma delas era Juna Doma, amplamente conhecida como a Prima Lorelei, que
recentemente começou a cantar para crianças no programa educacional.

O outro era um homem relaxado na casa dos quarenta que usava um jaleco branco. Ele
tinha um bigode grisalho que combinava com seu cabelo. Este era o verdadeiro (não
interpretado por um ator) Pesquisador Principal, Mattis Cosno.

Juna segurou um objeto preto nas mãos e perguntou a Mattis:

— Então, depois disso, você criou esse material resistente a choques, certo?

— Exatamente. Quando testamos a seda produzida por uma variedade de criaturas, um


certo tipo de bicho-da-seda foi considerado o mais adequado. Isso seria o que você
está segurando aí — Mattis respondeu com confiança.

Agora, o segmento de diálogo com esses dois começou.

O drama anterior tinha sido uma reencenação de eventos. Este drama documental,
Heróis Anônimos, tinha um formato de dois segmentos. Primeiro, as conquistas da
pessoa focada naquele episódio (neste caso, Mattis) seriam explicadas com uma
reconstituição e, em seguida, a pessoa em questão teria um diálogo com Juna.

— Pois então, Mattis — disse Juna. — É possível produzir em massa este material?

— Sim. Ele usa os casulos dos bichos-da-seda como matéria-prima, de modo que a
produção em massa é possível, assim como a seda. No entanto, ele responde mal ao
calor e às chamas, por isso aplicamos um processo anti-fogo e anti-calor como parte
do processamento. Quanto ao método… Isso é considerado um segredo nacional.

— Entendo. Afinal, a tecnologia de ponta é um tesouro nacional. Honestamente… acho


que você fez algo maravilhoso aqui. Sua Majestade deve ter ficado muito satisfeita.

— Sim — disse Mattis. — Quando fui convocado para o castelo, me perguntei do que se
tratava, mas fui elogiado pelo meu trabalho no desenvolvimento deste material. Não
é comum nós pesquisadores sermos reconhecidos pelo nosso trabalho, mas dessa vez…
Sim. Estou feliz por ter feito o trabalho sobre isso.

Ouvindo Mattis resumir as coisas, Juna abaixou a cabeça.

— Obrigado por dedicar seu tempo para ter esta importante conversa conosco hoje,
doutor.

Mattis ficou tocado com isso e se curvou. Quando Juna levantou a cabeça, ela se
virou para a Transmissão de Voz da Jóia e disse:

— Agora, teremos uma reconstituição da época em que Mattis conheceu Sua Majestade,
o Rei Souma, e então encerraremos este programa.

Quando Juna disse isso, a tela escureceu novamente.


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— Bom trabalho, irmãzona Juna — disse Roroa.

Quando a transmissão terminou, Juna se despediu de Mattis e saiu do palco para um


local onde a jóia da transmissão não a mostrasse. Ela foi recebida por uma
sorridente Roroa.

Juna devolveu o sorriso.

— Obrigado Roroa. Como me saí?

— Ótima. É uma pena que não pudemos fazer com que o queridinho e a irmãzona Cia
vissem isso.

Souma e Líscia haviam partido para a Cordilheira do Dragão Estrela com Naden. Eles
aparentemente enfrentariam uma “tempestade” que estava prestes a atingir a
Cordilheira do Dragão Estrela.

Roroa e Juna estavam preocupadas com Souma e o resto, é claro, mas essas duas que
foram deixadas para trás no reino tinham suas próprias responsabilidades e elas
manteriam o foco enquanto Souma e o resto estivessem fora. Este programa que ela
apresentou com diligência e polidez, resultou na satisfação de Juna.

Parecia que Roroa estava desapontada com uma coisa, no entanto.

— Ah, mas e o cara interpretando o queridinho que saiu no final? Eu não estava tão
interessada nele.

Roroa estava falando do “Souma” que apareceu na cena final da reconstituição,


chamando Mattis e sua equipe para apertar suas mãos um por um e elogiá-los por
desenvolver um material de absorção de choque produzido em massa. Roroa cruzou os
braços e disse:

— Aquele ator estava usando uma coroa, uma capa elegante e segurava um cetro nas
mãos enluvadas, percebeu? Eu nunca vi o amorzinho em um traje assim.

— Isso foi, bem… para tornar mais fácil de entender.

A cerimônia de coroação ainda não havia acontecido, então o ex-rei Albert ainda
estava segurando a coroa e Souma não gostava de capas e cetros. Dito isso, se o
ator tivesse usado a roupa casual usual de Souma, uma camisa e calças, seria
difícil pensar nisso como uma cena sobre uma audiência com um rei.

— Você tem razão — disse Roroa com uma risada. — Ainda assim, este programa, Heróis
Anônimos, parece muito popular.

— Eu acho que, para as pessoas comuns, deve ser mais fácil se identificar com um
artesão altamente capaz como o Senhor Mattis do que com uma verdadeira gênia como
Madame Genia — disse Juna.

As pessoas comuns têm mais facilidade em criar empatia com aqueles que obtiveram
seus dons por meio do trabalho árduo, em vez daqueles que os têm por talento
natural.

— Bem, acho que isso é algo bom — disse Roroa. — Quando você olha para as políticas
do amorzinho, parece que todas elas só foram possíveis devido a um pequeno grupo de
gênios, mas o público deve saber que na verdade existem esses tipos de ‘Heróis
anônimos’ trabalhando nos bastidores também.

— Sim. Acho que você está absolutamente certa.

Espero que as pessoas compreendam, pensaram as duas, olhando uma para a outra com
um sorriso.

— Chegou a hora da Genia…

— E-E da Merula…

— Vamos testar!

As duas que gritaram e ergueram os punhos ao ar eram a supercientista Genia, que


tinha acabado de ficar noiva de Ludwin Arcs, o capitão da Guarda Real; e Merula
Merlin, do Reino Espiritual de Garlan, a elfa de alta classe, cuja teimosa
curiosidade a levou a ser acusada de bruxa e a forçou a fugir do Estado Papal
Ortodoxo de Lunaria.

As duas estavam agora na oficina da masmorra em ruínas, de propriedade da Casa de


Maxwell.

— Uh, há algum significado por trás deste brado?— Perguntou Merula a Genia, com seu
rosto pálido agora avermelhado.

— Huh? Obviamente foi apenas no calor do momento.

— No calor do momento…? Agora escute, Genia…

— Sério, Merumeru. O tempo é finito. Vamos aos testes!

— Por favor, não me chame de Merumeru!

Ignorando os protestos de Merula, Genia puxou algo de trás dela. Era um invólucro
esquálido1, mais ou menos do tamanho de um saco de areia usado nos treinos de boxe.

— Este aqui é o convocado para o teste de hoje — declarou Genia.

— Dun-du-du-duun: o Saco do Herói.

— O Saco do Herói?

— É dito que este saco foi usado pelo primeiro rei de Elfrieden, o qual, assim como
nosso rei Souma, foi invocado de outro mundo como um herói. Pode não parecer, mas
consegue aguentar bastante peso; recentemente o Senhor Poncho o tem usado para
armazenar os ingredientes que coleta em todo o continente, trazendo-os em retorno.

— O primeiro rei… Espere, isso não é um tesouro real? — perguntou merula, cutucando
o saco.

Se era do primeiro Rei de Elfrieden que se falava, foi um grande herói que uniu as
muitas raças para formar este reino. Sua história foi contada em lendas e ele ainda
era amado e respeitado por seu povo. Se o primeiro rei usou isso, provavelmente era
um item incrivelmente valioso

— De fato é, tecnicamente, um tesouro nacional — disse Genia, como se não fosse


grande coisa.

— T-Tesouro Nacional?! — Merula deu um pulo para trás, surpresa. — Espere, é


realmente correto lidar com um tesouro nacional de forma, assim, tão desleixada?!

— Quando disse ao rei ‘quero estudá-lo’, ele disse: ‘não o quebre’, e me emprestou.

— Tão facilmente?! Como se você estivesse pedindo emprestado um novo relógio de


bolso que ele acabou de comprar?!

— Parece que o rei quer pesquisar relíquias da superciência— Genia deu de ombros.
— Você acha que aconteceu alguma coisa?

— E-eu não faço ideia…

Tendo aprendido que havia uma conexão entre seu antigo mundo e este, após o
incidente na Cordilheira do Dragão Estrela, Souma voltou suas organizações de
pesquisa à singular necessidade de investigar as relíquias da superciência que
eram, sem sombra de dúvidas, a chave para descobri-la. Entretanto, não foi tão
longe, não ao ponto de dar maiores explicações.

— Seja como for, acho que hoje faremos testes no Saco do Herói — Genia pegou a
relíquia. — Pra começar, vamos ver seu peso e volume. Como pode ver no momento,
mesmo uma frágil e exclusiva moradora de porões, de braços finos como eu, pode
levantá-lo facilmente.

— Era mesmo necessária a autodepreciação? Mas sim, certamente parece leve.

— Mas, veja só, já tem um monte de coisas dentro. Certo, meus golens, tragam isso
para fora.

Ao seu comando, Genia fez com que os golens de terra, que fizera com seu próprio
poder, trouxessem um grande tanque de água retangular. Tinha que ser tão grande
quanto um galpão considerável. A base tinha cerca de quatro por cinco metros e mais
de quatro metros de altura. Genia teve que colocar uma escada só para ficar na
ponta.

Merula, que ficou olhando para ela, perguntou:

— Hum, Genia? Para que serve isso?

— A questão sobre este saco é que ele já foi deixado imerso em um rio por meio dia.

— O que você está fazendo com um tesouro nacional?! Não seria punida por isso?!
Merula ficou confusa, mas Genia não se importou.

— Não podemos deixar que tais futilidades atrapalhem o progresso acadêmico.

— Eu… eu sempre pensei que era muito obcecada por pesquisas, mas… é um mundo grande
lá fora.

— Haha! Por favor, não me elogie tanto, Merumeru.

— Não estou te elogiando!

— Bem, de qualquer forma, graças a estar imerso no rio por meio dia, há muita água
dentro. Não sabemos o volume, então continua a dúvida, se está cheio ou não. Apesar
disso, acho que se abrirmos o saco neste tanque, poderemos descobrir quanta há aí
dentro. E, se a situação exigir, podemos simplesmente fechar o saco, afinal — Dito
isso, Genia o virou em direção à caixa d’água. —Agora, a grande abertura.

Após tal proclamação, tranquila, Genia abriu o saco e a água começou a jorrar com
uma força incrível. O contragolpe fez Genia se inclinar para trás, apesar de tudo,
mas ela conseguiu evitar que se tornasse um problema ao utilizar seus servos golem
para que a segurassem no lugar. O nível continuava a subir e, em pouco tempo, o
tanque já estava na metade. Por ter sido enchido com água do rio, estava lamacenta
e havia muitas algas, pedaços de madeira flutuando e lixo dentro.

— Oh, peixes… — Merula, que estava olhando de baixo, notou vários peixes nadando
dentro do tanque. Devem ter entrado enquanto estava imerso no rio.

Apesar dos resíduos, os peixes na sacola ainda estavam vivos. Isso é fascinante.
Não sei como é a bolsa por dentro, mas, no mínimo, ela tem as condições necessárias
para suportar peixes vivos.

Merula tendia a ser arrastada pelo entusiasmo de Genia, mesmo sendo tão curiosa
quanto. Ela rapidamente mudou o foco de sua mente para o modo ‘pesquisa’ e começou
a analisar.

A água, que parecia poder sair infinitamente, acabou parando com o nível do tanque
em 90% cheio.

— Hum — disse Genia. — É inimaginável que tenha sido só isso que entrou depois de
ficar meio dia imerso no rio. Sendo assim, essa pode ser, relativamente, a
capacidade do saco. Mais ou menos um galpão cheio? Normalmente, se houvesse tanta
água dentro, eu não conseguiria levantá-lo. Isso significa que o peso das coisas
dentro pode ser ignorado?

Após descer da escada, Genia especulou com a mão no queixo.

— É incrível que consiga ignorar o peso de tanta água…— Merula ponderou. — Oh!
Olhe, Genia. Consegue ver os peixes nadando no tanque?

— Hum? Certo. Estão nadando com tanto vigor.

— Será que estão mais energéticos porque foi apenas meio dia? Mas não há luz lá
dentro, certo? Mesmo que houvesse água o tempo todo, provavelmente pensariam que
era noite e ficariam mais lentos.

— Os peixes lá dentro são energéticos, hein… Tem algo nessa sentença que me chama a
atenção. Se bem me lembro, o rei disse que a comida que é colocada lá dentro não
apodrece facilmente. Se for esse o caso…

As meninas trocaram argumentos que pareciam não levar a lugar nenhum.

Enquanto o faziam, havia dois homens observando-as do terraço da cabana de toras


construída dentro da masmorra em ruínas. Um deles era o capitão da Guarda Real,
Ludwin Arcs, noivo de Genia. O outro era o guardião de Merula, Souji Lester, o
bispo corrupto, enviado do Estado Papal Ortodoxo de Lunaria.

Os mesmos bebiam cerveja no terraço, enquanto observavam as mulheres, empenhadas em


sua pesquisa. Um expressava um sorriso estupefato enquanto o outro segurava a
cabeça.

— Essa Genia, sendo imprudente de novo — Este, que segurava a cabeça, era Ludwin.
Hoje, como em todos os dias, o sisudo³ Capitão da Guarda Real estava sendo
ludibriado por sua amiga de infância, Genia. — Ela disse, realmente, que deixou um
tesouro nacional num rio por metade de um dia? No que ela estava pensando?! Se
aquilo se perdesse, fariam mais do que apenas erradicar a Casa Maxwell!

— Hahaha! — Souji sorriu como uma criança, enquanto Ludwin, pelo desespero,
apertava a própria cabeça. — Ah, que mal há? Em todo caso, durante sua geração, a
Casa dos Arcs e Maxwell vai emergir para se tornar a Casa de Maxwell-Arcs, não é?

— Urgh, esse não é o problema! Além do que, é certo deixar a Madame Merula à sorte
da própria independência, Senhor Souji? Você é seu guardião, não é?

— Ainda que me intitule como guardião dela, meu trabalho é, apenas, o de descansar
e evitar atender aos pedidos que meu país me enviar — disse Souji. —Irei protegê-la
das exigências de meu país em prendê-la, mas não me importo o suficiente para
comentar sobre. Quando se trata de algo além da pesquisa, ela consegue agir melhor
do que eu, de qualquer forma.

— Ufa…— acrescentou. — Quando se trata de um de nós repreender o outro, a Merula é


a mais barulhenta, sabia? É sempre: ‘Limpe esta sala’ ou ‘Você está sendo
desleixado. Se recomponha.’

— Não, acho que Madame Merula está certa… Ambas são pesquisadoras, mas a maneira
como ela é limpa e arrumada é o oposto de Genia.

— Você pode se surpreender ao descobrir que seria melhor ficar com Merula, não
acha? Souji perguntou.

— Da mesma forma, se colocássemos você em dupla com Genia, acho que vocês dois
ficariam ainda mais loucos do que agora.

Imaginando os pares de Ludwin e Merula, Souji e Genia… Os dois sorriram


ironicamente. Isso porque, embora resultasse em casais com personalidades
semelhantes, eles simplesmente sentiam que não era bom.

— Bem, é difícil que as coisas funcionem quando ambos os parceiros são muito
parecidos, afinal — disse Souji.

— É assim que funciona, então?

Enquanto os dois estavam tendo esse tipo de conversa franca, Genia acenou para
Souji. — Ei, você tem um minuto, velho Souji?

— Hum? Você quer dizer eu, jovem senhorita Genia?

— Sim. Desculpe, mas você poderia vir aqui por um momento?

— Nossa, acho que vou ter que …

Com passos ligeiramente instáveis pelo álcool, Souji se dirigiu para onde Genia e
Merula estavam.

Sendo chamado pelo nome quando Genia estava realizando experimentos…

Ludwin teve um mau pressentimento sobre isso. Mas se ele impedisse o homem de ir,
ele seria o único a receber uma bala perdida, então ele calou a boca e observou
Souji partir.
— Um pouco antes de Genia chamar Souji —

— Suspeito que a razão pela qual a comida que é colocada no saco não apodrece
facilmente é porque o tempo que leva para apodrecer está sendo prolongado — disse
Genia.

— O que você quer dizer? — perguntou Merula.

— Acho que o fluxo do tempo dentro do saco é diferente do fluxo do tempo fora do
saco. Talvez a razão pela qual os peixes que ficaram dentro por meio dia ainda
estivessem tão enérgicos também se deva ao fato de o fluxo do tempo ser diferente.
Então, aqui está a ideia.

Genia puxou uma ampulheta. Ao virar de cabeça para baixo, a areia que preenchia a
parte superior começou a cair para o fundo. Genia colocou a ampulheta no saco
naquele estado.

— Esta ampulheta foi projetada para que toda a areia demore cinco minutos para
chegar ao fundo. Vamos esperar cinco minutos assim.

— Percebo. Então fará desse modo.

—Cinco minutos depois—

Quando Genia puxou a ampulheta, a areia ainda não havia caído completamente. Mais
do que isso, houve pouca mudança na quantidade de areia no topo.

Genia levou a mão ao queixo e resmungou.

— Hrm… esperava que a areia não tivesse caído totalmente, mas se a quantidade no
topo não mudou visivelmente, isso significa que o tempo está praticamente parado?

— O tempo parou dentro desta bolsa?! Isso é possível?!

— Nosso bom senso não se aplica quando se trata de como funcionam as relíquias da
superciência, minha querida Merumeru.

— Não me chame assim… Mas como podemos saber se o tempo está parado lá dentro ou
não?

— Hm… Parece que somos forçados a usar nosso último recurso.

— Ú-Último recurso? — Merula engoliu em seco quando Genia lançou a ela um sorriso
indomável.

— Ver para crer.

E foi por isso que Souji foi chamado.

Merula lançou um olhar frio para Genia.

— Então você não vai entrar.

— Sou uma observadora— disse Genia. —Tenho o dever de registrar o experimento.

— Honestamente… Isso realmente vai dar certo, não é?

— Você está preocupado com o velho? — Genia sorriu e Merula se virou para desviar o
olhar.
— Mesmo que fosse ele, eu teria problemas para dormir à noite se algo acontecesse.
— Vai ficar tudo bem— disse Genia. — Você viu como os peixes estavam nadando
energicamente, não viu?

— Eles podem ter parecido assim à olho nu, mas não há como dizer se os peixes estão
realmente bem quando não podem se comunicar.

Então Souji se aproximou.

— Chamou, senhorita Genia?

— Hee hee! Eu sei que é repentino, mas vamos pedir que você nos ajude um pouco.

— Vos ajudar? Espere, uh?!

Sem esperar por sua resposta, Genia colocou o Saco do Herói por cima de Souji.

Souji tinha um físico terrivelmente musculoso para um homem do clero, normalmente


nunca caberia em um saco como aquele; mas uma vez que passou por cima de sua
cabeça, ele entrou facilmente.

Ele havia sido engolido pelo mesmo num piscar de olhos. Merula pasmou com o que
acontecera tão de repente.

— Espere! Ele vai ficar bem mesmo?!

— Não se preocupe, não se preocupe… Provavelmente.

— O que você quer dizer com ‘provavelmente’?

— Por enquanto, vamos esperar.

Já haviam se passado dez minutos?

Genia lentamente tirou o corpo de Souji da bolsa.

Quando Souji voou e caiu de bunda, Merula correu até ele.

— Souji! Você está bem?!

— Ai, ai, ai… O quê? O que diabos acabou de acontecer?

— Não há nada de errado com você, certo?! Você continua com seus dois braços e
pernas?! Você ainda tem dois olhos, narizes e orelhas?!

— Não, seria estranho se um humano tivesse dois narizes. Espere, mas, hein?

Quando Souji olhou inquieto ao redor da área, Genia fez uma pergunta a ele.

— Velho Souji, agora mesmo, eu coloquei você em uma bolsa. Quanto tempo você acha
que já passou?

— Tempo? Eu não estava contando, mas… você me tirou no momento seguinte, certo?

— Não. Na verdade, você ficou dentro da bolsa por cerca de vinte segundos.

— Não seja estúpida. Não tem como ter demorado tanto.


— Hm… Ai!

Enquanto Genia tentava pensar — smack — um punho desceu sobre sua cabeça.

Quando Genia se virou, Ludwin estava parado ali com um sorriso no rosto e uma veia
pulsando em sua têmpora. Em resposta àquele olhar ameaçador, Genia conseguiu forçar
um sorriso, o rosto contorcendo-se.

— I-Irmãozão Luu? E-eu não posso dizer que aprovo essa violência doméstica.

— Fique quieta! O que você pensa que está fazendo, usando o Senhor Souji, do nada,
para seus experimentos?!

— Foi para o avanço da ciência…

— Existem coisas que podemos fazer e outras que não! Agora, escute aqui, você…
Enquanto Ludwin estava começando a dar uma palestra completa para Genia, Merula
estava olhando para o Saco do Herói que havia sido deixado no chão.

Souji notou, e falou:

— E-Ei… Merula?

Mesmo depois de ter chamado seu nome, os olhos de Merula ainda estavam fixos no
saco.

Souji se recordou. Merula Merlin era um amontoado de curiosidade, e persistiria em


sua vontade, mesmo depois de matar o gato. Por exemplo, houve um momento em que ela
se esgueirou a um lugar sagrado, a principal igreja da Ortodoxia Lunariana, para
dar uma olhada no Lunalith, um monólito que transmitia profecias do deus da lua
Lunaria, do qual se dizia ter sido enviado e era objeto de adoração na religião.
Foi assim que foi declarada bruxa pela Igreja Ortodoxa e acabou fugindo.

Tendo decidido tentar por si mesma, Merula gritou e enfiou a cabeça no saco.

— Merula?! — gritou Souji.

Então Ludwin e Genia também perceberam a situação.

— Senhora Merula?!

— Merumeru!

Ao contrário de Ludwin, que estava genuinamente preocupado com seu bem-estar, Genia
se aproximou de Merula, que estava com os ombros enfiados na bolsa, então puxou um
relógio de bolso e a chamou.

— Merumeru, você pode ouvir minha voz?

— Sim. Ouço você — A resposta veio de dentro da bolsa. Parecia que ela estava bem.
— Merumeru, como é aí dentro? Consegue ver alguma coisa?

— Eu vi algo preto logo após entrar. Não sei como dizer, mas era como uma
escuridão. Acabei enfiando a cabeça dentro dela, mas agora não consigo ver mais
nada.

— Escuridão, hein… Você ouve minha voz sem nenhum atraso?

— Sim, consigo te ouvir. Na minha situação atual, parece que o fluxo do tempo não é
diferente do lado de fora.

— Hm… me pergunto até onde é necessário ir para que o fluxo do tempo mude. Você vai
seguir em frente?

— Vou tentar. Você poderia segurar meus tornozelos, só por precaução?

— Vai na fé2. Estou segurando firme.

Genia agarrou Merula pelos tornozelos enquanto ela rastejava lentamente para dentro
da bolsa. Mesmo quando estava no meio do caminho, Merula parecia ouvir Genia
perfeitamente, sem nenhum atraso.

— Merula, você poderia cantar alguma coisa enquanto avança daqui em diante? — pediu
Genia.

—Ok. …La La lu la.

Uma voz clara e bonita veio de dentro da bolsa. Uma melodia que ninguém aqui
conhecia, provavelmente uma música de origem na terra natal de Merula, o Reino
Espiritual de Garlan. Enquanto podiam ouvir aquele canto, o corpo de Merula
continuou avançando para dentro da bolsa. Então, quando os pés de Merula e as mãos
de Genia estavam dentro da bolsa até os pulsos, algo aconteceu.

O canto de Merula parou de repente.

— Merula, você pode me ouvir? — Genia a chamou, mas não obteve resposta.

No entanto, as mãos de Genia, com certeza, continuavam segurando os tornozelos de


Merula. Nesse momento, Genia conseguiu a ajuda de Ludwin e Souji para tirar Merula
do saco. Quando o fizeram…

— La la la.

No momento em que começaram a puxá-la, ouviram o canto de Merula.

Ela continuou cantando, como se nada tivesse acontecido. Quando foi puxada para
fora, Merula inclinou a cabeça para o lado em confusão.

— A maneira como me senti, não muito depois de começar a cantar, foi como se você
imediatamente tivesse me puxado para fora. Nem tinha terminado minha primeira
música ainda.

Ao ouvir o relato de Merula, Genia disse:

— Hm…— e pensou profundamente a respeito. —Parece que quando um ‘alvo’ é colocado


dentro da bolsa, o decorrer do tempo para este alvo é interrompido quando ele está
totalmente dentro. É por isso que, quando os pés de Merula estavam para fora e
quando eu tinha apenas minhas mãos dentro, não fomos afetados.

Dito isso, Genia bateu palmas.

— Bem, por agora, vamos resumir o que descobrimos em um relatório. As relíquias da


superciência são, de fato, fascinantes. Acho que apenas com as descobertas de hoje
serão o suficiente para satisfazer o rei.

— Você tem razão. É um item verdadeiramente fascinante.

As mulheres escreveram o relatório do dia, cheias de energia por algum motivo.


Olhando para as duas, os homens suspiraram.

— Hahh… Parece que terminou sem nenhum infortúnio — disse Ludwin.

— Ei, Ludwin, você passa por isso o tempo todo?— perguntou Souji, genuinamente
preocupado, recebendo uma resposta acompanhada de um sorriso seco.

— Sim… Mas teremos uma paz, por agora…

— Pensando bem, Merumeru — Genia comentou —Recebi um pedido do rei para investigar
a Sala de Invocação, sabia?

— Oh, aquela sala que usaram para o ritual de invocação que trouxe Sua Majestade
aqui de outro mundo? Isso parece, muito, muito interessante.

— …

Pelo visto, um segundo episódio de “Vamos Testar!” havia sido confirmado.

Vendo o olhar atordoado nos olhos de Ludwin, Souji deu um tapinha em seu ombro.

Tendo firmado nossos contratos com Naden e Ruby na Cordilheira do Dragão Estrela,
voltamos ao Reino.

Como disse a Tomoe, o castelo ainda estava sendo inundado com pedidos de casamento,
então planejei continuar minha viagem ao exterior. No entanto, tínhamos alguns
itens como o Pequeno Mark V Susumu e o Pequeno Musashibo, que eram volumosos e
inadequados para a nossa viagem, então voltamos para deixá-los.

Quando Naden, o ryuu preto, e Ruby, o dragão vermelho, pousaram no Castelo de


Parnam, os guardas começaram a entrar em pânico. Mesmo que já soubessem sobre
Naden, eles dificilmente poderiam ter previsto que Ruby também se juntaria a nós…

Pensando bem, tinha esquecido completamente de relatar isso.

Ainda assim, desmontei de Naden e fui até a gôndola que Ruby estava carregando.
Naden carregou a gôndola no caminho até lá, mas ela seria minha rainha. Se ela o
carregasse e a esposa de Hal chegasse de mãos vazias, pegaria mal para Ruby, então
decidimos que ela o carregaria.

— Ruby — disse Naden. —Você carregou sem tremer, não é?

— Não enche, Naden. Eu carreguei muito bem.

Naden e Ruby começaram a brigar no momento em que voltaram à forma humana. Deveria
haver uma relação hierárquica entre elas no momento, como esposas de um rei e de um
súdito, mas parecia que nenhuma delas se importava, sem dizer que se divertiam
brigando entre si. Esse tipo de relacionamento deve ter sido mais fácil para elas.

— Então a porta da gôndola se abriu e Líscia saiu.

— Urgh… — resmungou Líscia.

— Líscia?! — exclamei.

No momento em que ela chegou ao chão, Líscia tropeçou, então corri para pegá-la.
Com Líscia em meus braços, olhei para ela e descobri que estava pálida e cobrindo a
boca.
— V-você está bem?! O que há de errado?!

— Desculpe… Estou com certa instabilidade em meu andar… Será que é enjoo?

Enjoo da gôndola… Era isso? Vendo Líscia assim, Naden culpou Ruby.

— Você disse que se esforçou em não deixar chacoalhar! — gritou Naden.

— E-Eu acho que não chacoalhou, tá certo?!

— Calma, por favor — disse Aisha, desembarcando. — Acho que não chacoalhou tanto.
Líscia riu baixinho e acrescentou:

— Não acho que seja culpa da Ruby — para encobri-la. — Acho que o cansaço da longa
viagem finalmente me atingiu. Devo ter falhado em administrar minha saúde
adequadamente. — Você está realmente bem? — perguntei.

— Sim… Mas vou na frente, para descansar no meu quarto. Carla, você vem comigo?

— O-Ok. Pode se apoiar em mim.

— É necessário que eu vá com você também? — perguntei.

— Você precisa dar a Hakuya um relatório sobre o que aconteceu, não é, Souma? E
também se assegurar dos preparativos para as moradias de Naden e Ruby. Vou ficar
bem, então vá fazer o seu trabalho.

Urkh… Quando respondeu dessa forma, não houve nada que pudesse dar em resposta. No
final, tudo que pude fazer foi observar enquanto Líscia saía para o quarto dela,
apoiando-se no ombro de Carla. Se transparecesse minha preocupação, ela
provavelmente ficaria brava, então decidi me concentrar no que precisava ser feito
no momento.

— Agora que estamos todos reunidos…

Ao chegar no escritório de assuntos governamentais, relatei a Hakuya os eventos que


haviam ocorrido, cuidei dos vários procedimentos que serviriam Naden e Ruby da
melhor forma e enviei uma ordem ao instituto de pesquisa sobre uma investigação
sobre relíquias da superciência. Agora que o trabalho prioritário foi concluído,
convoquei os membros de minha comitiva itinerante mais uma vez.

Na sala estavam os seis que voltaram conosco: Aisha, Naden, Carla, Halbert, Kaede e
Ruby; e mais três: Hakuya, Juna e Roroa, que estavam cuidando do castelo. Líscia
ainda não estava se sentindo bem, então estava em seu quarto descansando.

— Ainda é uma boa ideia eu ficar longe do castelo? — perguntei, olhando para
Hakuya. Ele concordou com a cabeça.

— Sim… O número de pedidos de casamento que chegam ao castelo ainda não reduziu.

Faz sentido. O assunto na Cordilheira do Dragão Estrela se concluiu tão rápido que
levou menos dias do que eu esperava, afinal. Não, com tudo o que aconteceu, deveria
estar feliz por ter sido resolvido tão rapidamente.

— Bem, sendo o caso, acho que sairei em missão diplomática para outro país. A saúde
de Líscia me preocupa, mas ela mesma me disse para ir.

Na verdade, estava pensando em ficar no castelo até que Líscia se recuperasse


completamente, mas ela disse:
— Não quero que minha saúde fraca o impeça de aproveitar esta importante
oportunidade de visitar outros países — Ela enfatizou fortemente. — O contato com
outras culturas ajudará a formar você. Então quero que você vá e veja o mundo.

Colocando as coisas dessa forma, eu não teria escolha a não ser ir.

— Tomoe está esperando naquela aldeia, então quero partir amanhã — disse. — Agora,
quanto ao nosso próximo destino… acho que gostaria de ir para a República de
Turgis.

A República de Turgis era uma terra gélida no extremo sul do continente. Era um
país inacessível, coberto de neve e gelo durante o inverno e os céus eram cortados
por correntes de ar quente, impedindo que os wyverns voassem. Eles tinham uma
política nacional de expansionismo para o norte e recentemente mostraram sinais de
avanço, mesmo durante a guerra com o Principado da Amidônia, não é?

Olhei para cada um dos meus companheiros e disse:

— Eu realmente não compreendo as ações que esse país está tomando. É um país que eu
não entendo muito bem no geral, então gostaria de ver como as coisas são por mim
mesmo. Quer tenhamos relações hostis ou cordiais com eles no futuro, acho que saber
mais sobre eles me permitirá tomar decisões mais apropriadas.

A batalha com o Principado da Amidônia aconteceu porque eles já haviam firmado sua
vontade de se opor a nós, então não havia espaço para eu investigar sua situação
doméstica. Também pode-se dizer que foi por isso que Roroa me derrotou no final.
Para evitar que isso aconteça da próxima vez, eu queria investigar minuciosamente
as coisas com antecedência.

— A-A República de Turgis? — perguntou Naden.

— Esse não é exatamente um lugar que eu gostaria de ir — acrescentou Ruby.

Ambas tinham olhares de insatisfação em seus rostos.

Sabia que os wyverns odiavam lugares frios, mas parecia que também se aplicava à
ryuus e dragões em geral.

Era meados de maio e o Reino já havia aquecido. Aparentemente, no entanto, na


República, a temperatura havia subido apenas para cerca de dez graus Celsius. Esse
clima seria severo para Naden e Ruby.

— É uma terra fria, afinal. Acho que também não serei muito útil como guarda-costas
— disse Carla, que, como dragonewt, também tinha problemas para lidar com o frio.

Se ela usasse roupas grossas, poderia vir, mas aparentemente queria dizer que se
isso a atrasasse, faria com que trazê-la como guarda-costas fosse inútil.

Não ser capaz de trazer essas três seria um grande corte em nosso poder de fogo no
geral, mas não havia o que fazer quando suas raças as tornavam inadequadas para a
tarefa em questão. Se as forçasse a fazer algo impossível, o que já não era
razoável e muito menos esperado, teriam, como resultado, uma saúde em frangalhos e
isso seria um problema para mim. Teria que desconsiderá-las desta vez.

— Naden, Ruby e Carla, por favor, fiquem no Reino — falei. — Farei com que Líscia
descanse e se recupere desta vez, também. Aisha, Hal e Kaede, gostaria que vocês
três continuassem como meus guarda-costas. Traremos Tomoe e Inugami também.
— Deixa comigo — Aisha bateu com o punho no peito.

— S-Sim, senhor — Hal e Kaede saudaram.

— E também… Roroa.

— Hum? Eu? — Roroa tinha um olhar vazio no rosto.

— Gostaria que você viesse também. Quero que verifique os bens que poderíamos
negociar com a República. Você possui uma companhia1, então tenho certeza de que
está familiarizada com produtos comerciais. O rosto de Roroa derreteu em um sorriso
caloroso. — Oh! Tu num se importa de eu ir junto?2 Yippee! Mweheheh, só
deixa comigo, pudinzinho. Vô encontrar pra você uns bons produtos pra tu vendê —
Ela se envolveu em mim. Enquanto acariciava sua cabeça, virei-me para Juna.

— Se estou trazendo Roroa, isso me deixa menos confiante na quantidade de poder de


fogo que temos em mãos. Então, Juna…

— Sim?

— Juna, gostaria que você viesse também. Você pode incluir isso em sua agenda?

Como a Prima Lorelei, Juna era o rosto do Programa de Transmissão de Voz da Jóia.
Ela era a apresentadora do programa educacional e também precisava aparecer no
programa de canto. Era por isso que não havia vagas em sua agenda, e a pergunta
era, afinal: é possível ajustar sua agenda? Juna me deu um largo sorriso.

— Hee hee. Está bem. Ia fazer isso de qualquer modo, então está tudo bem — Ela
disse orgulhosamente, levando a mão ao peito e se curvando.

— Se eu tiver Komari e Siena me cobrindo no programa educacional, não haverá


problema. As loreleis mais jovens estão crescendo e acho que ficarão bem sem mim
por um tempo.

— Elas vão? Isso ajuda.

— Não, assim como Roroa, eu quero viajar com você, senhor — Juna me deu uma
piscadela provocadora. Sim, ela era muito charmosa.

Por enquanto, os integrantes do grupo foram escolhidos.

— Hakuya, você poderia tentar fazer um pedido de negociações com a República de


Turgis, por mim? — perguntei. — Para ser sincero, pretendo passar despercebido, mas
posso precisar solicitar uma reunião no local. Arrume as coisas para mim, certo?

— Entendido — Hakuya se curvou e aceitou a tarefa.

Pronto, estava tudo mais ou menos resolvido.

— Bem, então, todo mundo — falei — Devemos seguir nosso caminho?

E assim partimos para o país gelado do sul: a República de Turgis.

Tomoe Segurando as Pontas

Isso aconteceu quando Souma e os outros estavam enfrentando a tempestade na


Cordilheira do Dragão Estrela.

Tomoe, que havia sido deixada para trás em uma cidade fronteiriça com o Estado
Papal Ortodoxo Lunariano —visto que os acompanhar seria muito perigoso —, estava
olhando para a Cordilheira do Dragão Estelar ao noroeste enquanto rezava para que
todos ficassem bem.

— Irmãozão… Irmãzona — orou. — Pessoal… por favor, voltem em segurança.

Inugami, quem havia recebido a tarefa de protegê-la, estava preocupado. —


Irmãzinha…

Hoje, desde que uma grande nuvem negra foi avistada sobre a Cordilheira do Dragão
Estrela, Tomoe estava olhando pela janela em sua direção enquanto rezava pela
segurança de todos. Já que era a única coisa que podia fazer, então estava fazendo
isso com todo o seu coração.

Incapaz aguentar essa visão por mais tempo, Inugami tentou animá-la:

— Está tudo bem. Vossa Majestade e a princesa estão em companhia de Madame Aisha,
do Oficial Halbert e da jovem Senhorita Carla; os principais lutadores do nosso
reino. Além disso, se considerarmos a Madame Naden, uma dragão, tenho certeza de
que eles serão capazes de proteger os dois independentemente do que acontecer.

Inugami disse isso para a encorajar, mas Tomoe olhou para baixo.

— Eu sei disso. Eu sei, mas… me preocupo. Acho que Aisha daria a sua vida pelo
Irmãozão, mas isso me deixa com medo de que ela se machuque…

Inugami ficou em silêncio.

Souma havia escolhido pessoas próximas deles para serem seus guarda-costas, então
Tomoe devia estar preocupada com o que aconteceria se algum deles sofresse uma
lesão fatal. Afinal, é mais fácil pensar no pior quando alguém que você conhece
está envolvido.

Seria fácil dizer que tudo ficaria bem, mas… mesmo sendo fácil falar, não seria o
suficiente para tranquilizá-la, já que não havia nenhuma prova. É melhor mudar o
seu foco.

Inugami colocou a mão no ombro de Tomoe: — Se preocupar tanto não é bom para a sua
saúde. Ao invés de pensar em um futuro desagradável, por que não tenta falar sobre
o que fará depois disso? Pode conversar comigo.

— O que eu vou fazer depois disso…? — perguntou Tomoe, olhando para cima.

Agora que tinha capturado seu interesse, Inugami continuou com um tom de voz
animado: — Sim. Sua Majestade disse que continuaria viajando ao exterior, e também
deixou claro que a levaria junto. Qual você acha que vai ser o próximo país que vai
visitar?

— Está falando de outro lugar além da Cordilheira do Dragão Estrela, certo?

Tomoe começou a tentar adivinhar o próximo país. Um bom sinal.

— Temos boas relações com o Império, mas ele está muito longe, não é? Então deve
ser um dos países vizinhos…

— Bem, quais vizinhos o Reino de Friedônia tem?

— Temos cinco: a União das Nações Orientais, a República de Turgis, o Estado


Mercenário de Zem, o Estado Papal Ortodoxo Lunariano e a União do Dragão de Nove
Cabeças, do outro lado do mar.

Graças às lições do Hakuya, agora ela era capaz de dizer esses nomes com tanta
facilidade que era difícil a ver como uma criança.

— Quais desses parecem lugares que você não iria? — indagou Inugami.

— Acho que, com o problema envolvendo a travessia do mar, além da disputa pelos
direitos de pesca, provavelmente não será a União do Dragão de Nove Cabeças. Ela
fica na direção contrária da cidade em que estamos hospedados, também. Além disso,
o Estado Papal Ortodoxo Lunariano tentou transformar o Irmãozão em um rei santo
recentemente, então não acho que ele gostaria de ir para lá.

— Tenho que concordar — assentiu Inugami. — Além desses, a União das Nações
Orientais é um conjunto de Estados pequenos e médios, então as negociações para Sua
Majestade visitar cada um deles seriam difíceis. Sem mencionar que boa parte dos
pedidos de casamento que estão inundando o castelo vêm desses países, então ele
provavelmente hesitaria em visitá-los.

— Então… vai ser a República de Turgis ou o Estado Mercenário de Zem? — disse


Tomoe.

Embora houvessem ocorrido alguns problemas com Zem e sua eterna neutralidade
durante a guerra com Amidônia, não era um país abertamente hostil. Quanto à
República, não estava totalmente claro se ela era hostil ou não.

Tomoe perguntou: — O que sabe sobre Zem e a república, Senhor Inugami?

— Como a república é um país fechado, sei que suas cinco principais raças controlam
o país por meio de um conselho, mas… só isso. No entanto, ouvi algumas coisas sobre
Zem dos mercenários.

Embora tenha sido encerrado após o trono ser passado ao Souma, o Reino Elfrieden já
teve um contrato de mercenários com Zem. Por isso, mercenários Zeminianos já
estiveram no reino.

— Aparentemente, é uma meritocracia… Ou melhor, parece que a força é o que manda


lá.

— A-A força? — gaguejou Tomoe.

— Sim. Parece que até mesmo o direito de governar pode ser reivindicado por
habilidades marciais. O país se reúne uma vez por ano para realizar um grande
torneio de artes marciais, onde é feito tudo possível para conceder um desejo ao
vencedor. Se ele desejar ser rei, terá direito a desafiar o atual e, se conseguir
vencer, assumirá seu lugar. Por esse motivo, o rei de Zem é sempre o guerreiro mais
poderoso do país.

— Hmm, isso funciona? Alguém ser o rei só porque é forte…

— Os burocratas que lidam com os assuntos internos são independentes do rei, então
provavelmente dá tudo certo. O rei só é responsável pela área militar. Dessa forma,
mesmo que ele somente seja talentoso em combates, deve ser capaz de assumir o
posto. Também parece que os cidadãos acham isso reconfortante. Seu país não vai
atacar os outros, já que afirma ser neutro. Além disso, se eles forem atacados por
outro país, terão o rei mais forte possível para defendê-los. É como se fosse um
amuleto, eu acho.”

— Uau… Realmente têm muitas maneiras de administrar um país. — Tomoe suspirou,


impressionada, e sorriu. — Há tantos países diferentes no mundo. Será que era isso
o que meu professor quis dizer quando falou para expandir meus horizontes?

— Talvez.

— Quero aprender mais sobre os outros países. Assim, acho que vou conseguir amar
ainda mais o país que o Irmãozão e os outros governam.

— Heh… Te acompanharei até onde quiser, Irmãzinha.

Após isso, Inugami acariciou a cabeça de Tomoe, e…

— Ah! Eu sinto muito!

Ele retirou a mão rapidamente. Ao vê-la tão entusiasmada, fez carinho na sua cabeça
sem pensar, mas fazer isso com a irmã adotiva de seu soberano obviamente não era
adequado.

Tomoe estava com um olhar vazio em seu rosto, mas rapidamente balançou a cabeça
quando viu Inugami se curvando para ela. — Ah, não! Não se preocupe com isso! Eu
não me incomodei!

— Mas…

— Erm… isso me lembrou um pouco do papai. Me trouxe boas lembranças.

O pai de Tomoe havia falecido logo após o nascimento de seu irmão mais novo. Devia
ser por isso que Inugami, que era de uma raça semelhante, havia a lembrado dele.

Ela pegou a mão de Inugami.

— Então… eu quero que você continue me ensinando, me elogiando e me fazendo cafuné.

— Irmãzinha… Tudo bem.

Após Tomoe fazer o pedido com um olhar pidão, Inugami não conseguiu negar.

Aliás, Inugami não era o único membro dos Gatos Pretos presente. Seus companheiros
falavam da expressão indescritível que fez nesse momento por um bom tempo, sempre
que bebiam.

Naden e a Capital Real

Meu nome é Naden Delal.

Eu sou uma ryuu negra da Cordilheira do Dragão Estrela. Recentemente, formei um


contrato dracônico com Souma, o Rei de Friedônia, e, então, vim para esse país para
me tornar sua noiva.

No entanto, veja, mesmo que seja um contrato dracônico, Souma é um rei e eu, uma
ryuu, então meio que somos uma exceção à regra.

Agora, na noite em que retornamos ao Castelo Parnam, Souma me chamou ao escritório


de assuntos governamentais.

— Ei, Naden, eles te ensinaram sobre como se comportar como uma senhorita na
Cordilheira do Dragão Estrela, certo?
— Sim — falei. — A Senhorita Tiamat me ensinou tudo que precisaria saber para me
tornar a esposa de um cavaleiro.

— Tendo em vista o quão bem você dança, o nível da educação na Cordilheira do


Dragão Estrela deve ser bem alto. Acho que você não precisa de nenhuma aula para se
tornar uma rainha secundária.

De acordo com Souma, diferente da rainha primária, uma rainha secundária desiste do
direito de seus filhos herdarem o trono em troca de não ser restringida pelas leis
e etiquetas rígidas. Aparentemente, se apoiar a rainha primária em público e manter
certo nível de etiqueta, não terá problemas.

Uma mulher poderia se tornar rainha secundária independentemente de sua classe


social. Além disso, também poderia sair do castelo com certa liberdade, desde que
informasse onde estaria indo. Devido a isso, muitas mulheres almejavam se tornar
rainhas secundárias.

Souma coçou a bochecha e disse:

— Bem, mesmo se tornando uma rainha secundária, ainda pertencerá à realeza, então
normalmente precisaria sair junto de um guarda, mas… duvido que tantas coisas
possam ser perigosas para uma ryuu. Se estiver transformada, ninguém vai conseguir
encostar um dedo em você. Além disso, se realmente houver algum risco, você pode
facilmente voar para longe.

— Acho que você está certo, mas… o que quer dizer? — Não tinha certeza do motivo de
ele estar focando tanto nisso.

Souma sorriu, sem graça, e respondeu:

— Eu irei para a República de Turgis em breve, mas você não pode nos acompanhar, já
que faz muito frio lá, não é, Naden? Por isso, a sua agenda vai estar vazia
enquanto eu não estiver aqui.

Ele estava certo: ryuus, dragões e dragonatos não suportam bem o frio. Se fosse
contra o meu instinto e o acompanhasse em um local tão frio como Turgis, minha
saúde poderia ser prejudicada e eu causaria problemas para Souma.

Por isso, eu não poderia acompanhá-lo em sua jornada até a República de Turgis. Não
ser capaz de ajudar era frustrante.

— Não faça essa cara. — Souma se levantou da cadeira e acariciou minha cabeça. —
Tenho um pedido para você. É algo que só você pode fazer. Quero conversar com você
sobre isso assim que voltarmos da república.

— Souma…

— É por isso que… bom, queria dizer que seria legal você andar pela capital até
ficar satisfeita, enquanto isso. A segurança dentro da capital é boa, afinal. Eu
gosto do modo como você é livre e desinibida; não quero te aprisionar no castelo —
Souma sorriu. — Então, pode andar pela cidade livremente. Era isso o que eu queria
dizer.

— Souma… Obrigada.

Ele estava pensando nas minhas necessidades. Eu era grata por isso.

— Ha ha… — Ele riu. – Ah, também cuide da Liscia por mim.


— Sim, ela parecia estar meio mal.

Ela tinha dito que era por causa da exaustão, mas eu ainda estava um pouco
preocupada.

— Entendido. Vou cuidar da Liscia — Bati em meu peito com uma mão para prometer
isso.

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— Mesmo que ele tenha dito que podia ir e vir livremente…

Alguns dias após Souma e os outros irem para a República de Turgis, me dirigi a
cidade do castelo

E Liscia, que estava se sentindo mal, não se recuperou completamente ainda, mas
está estável; sem febre e com apetite. No entanto, por precaução será pegando leve
por enquanto, deixando o seu corpo relaxar um pouco. Um bom médico vai vê-la
amanhã, então não há nada que eu possa fazer.

Sendo esse o caso, eu vim para a cidade, mas eu não tinha ideia do que fazer. Este
era um solo desconhecido para mim, afinal. Conseguiria ver o castelo de qualquer
canto da cidade, então não havia como eu perder, mas onde eu estava indo? Enquanto
eu pensava nisso….

— Hum… De repente, eu senti um puxão na minha saia. Quando eu olhei para baixo,
havia uma pequena garota da altura da minha cintura, chorando e agarrando a renda
da minha saia.

— Hm, quem é você? Não, o que houve?

— Eu vim aqui… com meu amigo, mas… eu não sei o caminho de volta… — A menininha me
disse entre soluços

Carambolas, ela se perdeu.

Eu agachei até chegar à mesma altura que ela, acariciando sua cabeça.

— É…hm, você veio com seu amigo, certo? Onde estavam indo?

— Para… a praça… com a fonte….

A praça com a fonte, é? Lembro-me de ver algo assim quando voava. Talvez, ao invés
de deixar com os guardas, seria mais rápido simplesmente levar ela para lá eu
mesma. Então peguei a pequena garota em meus braços.

— Quê?

— Tá tudo bem. Eu te levo lá.

Eu pulei usando uma parede como apoio, e então pousei em um telhado laranja. Mesmo
na minha forma humana, eu poderia fazer algo assim. Eu então avancei sobre os
telhados em direção a praça.

— V-você é tão rápida… — A garotinha que eu levava piscou em surpresa — Mas ser
carregada dessa forma… é meio assustador. Você pode me levar nas costas…?

— Não dá

— Por que não?

— Porque o único que pode montar nas minhas costas é meu marido — Disse
provocativamente. A garotinha me deu um olhar vazio

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Uma vez que vi a garota na praça da fonte onde seu amigo estava, acabei brincando
com eles também. Já estava coberta de lama quando voltei pro castelo.

Quando ela ouviu sobre isso, fui convocada por Liscia, que me deu um sermão

— Naden… você brincou demais — repreendeu.

— Sim.

Talvez uns quinze minutos tenham se passado desde que me fizeram sentar em frente à
cama onde Liscia estava sentada.

Tenha mais consciência sobre como as pessoas te veem. Mesmo que você seja uma
rainha secundária, mostre mais entendimento de sua posição, e, sério, uma mulher
deveria estar toda coberta de lama, pra começar? Levando em conta a palestra que eu
recebi, ela me parecia bem saudável.

— Naden — Liscia disse e olhou diretamente para mim.

E-eu ia ouvir mais? Estava tensa, já esperando isso, mas Liscia me deu um sorriso.

— Você já pegou um gosto por esse país?

Eu sorri e dei uma resposta firme.

— Sim

Poncho Vira um Governador

Isso aconteceu pouco antes de Souma partir para a Cordilheira do Dragão Estrela.

Neste dia, Souma convocou Poncho, o Ministro da Agricultura e Silvicultura do Reino


de Friedônia, para o escritório de assuntos governamentais.

Quando Poncho entrou na sala, Souma estava sentado em sua cadeira e, por algum
motivo, a criada chefe Serina estava de pé no canto da sala.
A presença de Serina, que estava com um olhar calmo em seu rosto, pareceu chamar
sua atenção, mas Poncho se dirigiu primeiro ao rei provisório.

— E-Eu vim a seu pedido, sim.

— É bom ter você aqui — respondeu Souma. — Tenho um trabalho para você.

— Um trabalho?

Souma desenrolou um mapa do país em cima da mesa. — Você sabe que construímos a
nova cidade, Venetinova, para ser o ponto principal de distribuição de bens, certo?
Levando em conta a importância da cidade, decidi criar o novo posto de “governador”
para a administrá-la, ao invés de um magistrado. Pretendo confiar o cargo ao Weist,
que se destacou durante a guerra, mas parece que ele está ocupado com os
procedimentos para mudar seu domínio. Por isso, preciso de outra pessoa para servir
como governador em seu lugar por enquanto. Quero que seja responsável por isso,
Poncho.

— Eu?! Administrando uma cidade tão importante?!

— Justamente por ser uma cidade importante. Além disso, a cidade acolheu um grande
número de ex-refugiados como cidadãos. Se eu cometesse o erro de deixar isso para
um nobre orgulhoso, haveria o risco de que ele causasse atritos desnecessários.
Quero alguém com uma personalidade suave e que tenha um bom apoio da população.

— M-Mas… eu não tenho experiência… — Poncho parecia incerto.

No entanto, Souma sorriu ironicamente e o deu seu selo de aprovação. — Deve dar
tudo certo. Pedi à Serina para que fosse sua assistente, além de que Komain, que
era a antiga vice-líder dos refugiados, também está em Venetinova. Você a conhece,
certo?

— S-Sim… Sim. Nos encontramos várias vezes enquanto eu distribuía as doações de


comida…

Komain era a jovem que havia sido a vice-líder do campo de refugiados. Ela foi quem
reuniu os ex-refugiados que tinham escolhido deixar de lado suas terras natais para
se tornar cidadãos do reino. Ela nunca foi tímida, mesmo quando lidava com homens,
o que a tornou popular. Com a sua ajuda, os cidadãos aceitariam Poncho facilmente.

— Você pode pedir ajuda às duas enquanto trabalha — explicou Souma. — Estou
contando com você.

Após o rei provisório lhe dizer isso, Poncho não conseguiu dizer que não queria. —
S-Sim. Entendido. Contarei com seu apoio também, Madame Serina.

— Como foi uma ordem do meu mestre, parece que não tenho escolha — constatou
Serina, com um olhar composto no rosto. Logo em seguida, se curvou. — Vou apoiá-lo
da melhor maneira possível.

O fato é que, quando Souma disse “Quero que seja a assistente de Poncho em
Venetinova” à Serina, ela aceitou imediatamente. Aparentemente, não queria ficar
sem comer a comida de Poncho enquanto ele estava longe do castelo. Sabendo disso,
Souma somente conseguia sorrir ironicamente.

— Bom, faça o seu melhor. Ah, também acho que as suas propostas de casamento que
vêm ao castelo vão começar a ir para aquela cidade, então boa sorte com todas elas.

— P-Perdão? — A repentina menção às propostas de casamento fez os olhos de Poncho


esbugalharem e sua voz soar engraçada. — V-Vieram propostas para mim?

— Sim. Bom, você sabe que um dos motivos de eu viajar ao exterior foi para
conseguir uma desculpa para recusar todos os pedidos de conhecer jovens mulheres
interessadas no casamento que estão inundando o castelo, certo? Acontece que
tivemos uma certa quantidade do mesmo tipo de pedido para você. Pelo bem do
castelo, gostaria que você também fosse para outro lugar.

— E-Então a razão pela qual fui escolhido para ser magistrado de Venetinova também
foi…

— Também foi por isso. Fiz Serina lhe prestar assistência, então se esforce.

Ao escutar isso, Poncho somente ficou parado, como se estivesse atordoado.

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Alguns dias depois, no escritório da mansão do governador de Venetinova…

— Enfim, vou fazer uma lista dos refugiados que se juntaram a nós — disse Komain.

— Por favor, sim.

Poncho observou a garota, que antes era a vice-líder dos refugiados, sair da sala
com os papéis em mãos. Essa era a última coisa que precisava aprovar hoje, como
governador.

— Seus deveres governamentais do dia foram finalizados, mas ainda há coisas que
precisam ser feitas — anunciou Serina, sua assistente..

Poncho, que entendeu o que Serina quis dizer, perguntou hesitante: — Então, quantas
serão hoje? Sim?

— Cinco pessoas. Um número relativamente baixo. — Serina respondeu de forma direta,


fazendo com que Poncho ficasse cabisbaixo.

Sempre que terminava seus deveres, tinha que conhecer possíveis candidatas ao
casamento. Aparentemente, as filhas de nobres e mercadores poderosos que queriam se
casar com ele já estavam na sala de espera. Era um dia de trabalho normal, então
foram apenas cinco, mas ele era inundado com tantas candidatas em seus dias de
folga que tinham que formar uma fila.

Esse era o homem reverenciado como Lorde Ishizuka, o Deus da Comida, para você.
Poncho era tão popular que não conseguia descansar nem nos dias de folga. Se
casasse com uma delas logo, as coisas poderiam se acalmar um pouco, mas,
infelizmente, nenhuma proposta se concretizou, mesmo com tantas delas.

— Sinto muito por fazer você passar por isso também, Madame Serina — disse ele.

— Esta é uma ordem do meu mestre, então não deixe isso te incomodar.

Serina havia acompanhado Poncho em todas essas reuniões matrimoniais, já que Souma
havia pedido para que ficasse de olho nele e garantisse que não se apaixonasse por
nenhuma mulher de uma Casa que tivesse segundas intenções.

Serina falou com um olhar tranquilo em seu rosto, enquanto Poncho mostrava sua
gratidão a ela.

— Realmente sou grato a você, madame Serina, sim.

— Falar é fácil. — Serina se virou. Em seguida, olhou para Poncho com o canto de
seu olho. — Gostaria que provasse com ações.

— Entendi, sim. — Com um sorriso sem graça, Poncho tirou algo da gaveta de sua
mesa. Ao colocar aquela coisa longa e preta em sua mesa, Serina olhou atentamente.

— Isso é… algas marinhas?

— Esta é uma cidade litorânea, afinal. Consegui adquirir kombu de boa qualidade.
Hoje à noite, vou usar o caldo disso e ovos para fazer um prato chamado
“chawanmushi” que Sua Majestade me ensinou, sim.

— Chawanmushi… Que tipo de prato será esse? — Seu tom de voz estava tranquilo, mas
havia um brilho nos olhos de Serina, o que deixava claro que estava interessada.

— Me disseram que é macio como um pudim, mas tem um sabor tão profundo quanto o
mar.

— Ooh… Vamos tirar essas reuniões do caminho logo, Sir Poncho.

Serina segurou o braço de Poncho com um olhar animado no rosto. Com ela, cuja
cabeça claramente estava cheia de chawanmushi, apressando-o, Poncho saiu do
escritório com um sorriso tenso.

A propósito, por conta da ansiedade de Serina, a dificuldade das reuniões de Poncho


com possíveis parceiras estava prestes a aumentar, mas… isso é uma história para
outra hora.

(Continua no volume 7.)

Juna e Roroa Exigem Respostas

Isso aconteceu na noite em que eu retornei temporariamente da Cordilheira do Dragão


Estrela para verificar se deveria formar um contrato de cavaleiro-dragão com Naden,
visto que seria, basicamente, um noivado.

Depois de apresentá-la para Liscia, Juna e Roroa, que tinham ficado no reino,
Liscia a levou para algum lugar. Por algum motivo, ela disse que tomariam um banho
juntas. Depois, fui arrastado por Roroa e Juna, cada um segurando um braço e
levando ao quarto de Roroa.

O quarto dela estava cheio de coisinhas de menina.

Fui colocado em uma das cadeiras de lá e Roroa se sentou em minha frente em uma
pequena mesa. Juna foi com um grande sorriso para o lado dela.

O-O que é isso…? Do jeito que as coisas estavam indo, eu estava para ser
interrogado ou algo do tipo?

— Vamos lá querido, Desembucha. — Roroa juntou suas mãos dobradas em frente de sua
boca enquanto dizia isso.
— D-Desembuchar… o que, exatamente? — perguntei hesitantemente.

— Tudo sobre Naden, obviamente. Só se passou um mês e meio desde que você foi para
a Cordilheira do Dragão Estrela, sabe? No entanto, o que a deixou tão apaixonada
por você em tão pouco tempo?

— Isso também chamou minha atenção. Ah, aqui está. Tome um chá. — disse Juna
enquanto servia uma xícara de chá preto, o qual ela havia preparado em algum
momento. — Eu senti que ela tinha um forte desejo de se casar com você. Vocês só se
conheceram recentemente, não é? O que aconteceu de tão especial nesse meio tempo?

— Especial? Eu só estava fazendo minhas coisas normalmente mesmo…

— Nos conte mais sobre isso.

Certo.

Ambas me pressionaram, então desisti e as contei tudo sobre Naden.

Falei sobre como ela era a única ryuu em meio a vários dragões e que parecia estar
isolada por ser diferente daqueles ao seu redor.

Também discorri sobre como eu, por um acaso, sabia o que os ryuus eram e que,
quando falei que ela era uma, parecia como se um grande peso tinha sido removido de
seus ombros.

Como nós assistimos uma Transmissão Imperial de Voz da Joia no quarto dela, lemos
novelas de romance e ficamos sem fazer nada por um tempo.

Sobre tê-la ajudado quando um dragão vermelho chamado Ruby começou uma briga com
ela.

E também como pude ensiná-la a voar…

Assim por diante. Elas ficaram me fazendo perguntas e questionando sobre cada
pequeno detalhe sobre o tempo que passamos juntos.

Após ouvir tudo o que eu tinha para falar, as bochechas de Roroa estavam em um tom
brilhante de vermelho. — O que foi esse encontro romântico? Querido, você é
praticamente um príncipe em um cavalo branco.

— Mas eu não estava montado em nenhum cavalo branco. — falou. — Um dragão me levou
para a Cordilheira do Dragão Estrela em sua boca.

— Quem liga se você foi realmente montado em um! Você apareceu na frente de uma
jovem donzela em perigo e resolveu seus problemas de forma rápida. Isso é mais do
que qualquer garota pode pedir!

Espera, realmente foi a Roroa quem disse que foi um encontro artificial? Se bem que
realmente parecia que estávamos dançando na palma da mão da Dragão Mãe.

— Eu concordo com a Roroa.

Até tu, Juna?

— Após ouvir a sua história, senti que entendi como você se tornou uma pessoa
especial para Naden. Eu diria que você já é uma pessoa que ela não vive sem. Deve
ser por isso que quer tanto ficar com você.
— Foi tudo tão dramático desde que vocês se encontraram — Roroa estava concordando;
acenando com a cabeça.

Mas não.

— Se estamos falando sobre como nos encontramos, a forma como encontrei vocês
também não foi bem dramática? — questonei — Juna, você era uma espiã mandada por
Excel, e Roroa veio até a mim com seu país atrás, não? Caramba, você até estava
embrulhada em um carpete e me surpreendeu com um dun-da-da-dun.

— Eu coordeno o que eu faço. Estou com inveja de Nadie, que teve um encontro
dramático sem ter que fazer nada senão ser ela mesma.

— Isso mesmo — disse Juna. — Me encontrar com você como uma espiã deixou uma má
impressão também…

Roroa se levantou da cadeira e virou-se para não olhar para mim, enquanto Juna
parecia um pouco rejeitada. As atitudes individuais de cada uma… era muito fofa, de
alguma maneira.

Eu me levantei da minha cadeira e abracei as duas ao mesmo tempo.

— Sem vocês duas, tenho certeza de que não estaríamos aqui fazendo nada disso.
Juna, você me ajudou a formar laços com Excel. Roroa, você amaciou os corações das
pessoas do principado. Claro, o mesmo se aplica para os meus encontros com Liscia e
Aisha. Não importa como nos encontramos, se qualquer uma de vocês não estivesse
aqui, eu não teria um presente tão bom quanto esse que temos agora.

— Senhor…

— Querido…

Mostrei um grande sorriso a Roroa e Juna.

— Foi graças a vocês que eu estou conseguindo ser rei de alguma maneira. Sou muito
grato.

— Hee hee! Você é muito gentil. — Juna deu uma risadinha.

— Ha ha ha! Se você diz, eu definitivamente não vou reclamar.

As duas sorriram. E eu ainda estava vivo…

— Mas ainda assim, querido. Eu acho que você deve mostrar mais gratidão. — disse
Roroa, de forma direta e reta.

Hã? Mostrar?

Roroa agarrou meu braço e começou a balançar pra lá e prá cá. — Então, sendo assim,
o Querido vai dormir na minha cama hoje.

— Ro-roroa?! — As pupilas de Juna se dilataram.

— Como funciona essa lógica?! — Exclamei.

— Não posso deixar você encostar um dedo em mim ainda, por causa de toda aquela
coisa de sucessão, mas se você mantiver as mãos para si, tudo vai ficar bem, né? Eu
ouvi dizer que você já dormiu ao lado da Irmãzona Cia e da Irmãzona Ai, porque você
não dorme comigo e Juna também?
— Oh, se isso for tudo… vou pegar os travesseiros. — Juna, aparentemente satisfeita
com aquela explicação, deixou o quarto.

Já foi tudo decidido?

— Ha ha ha! Vou ter doces sonhos hoje a noite. — Roroa riu entredentes.

— Ok… Entendi — falei.

E, então, naquela noite, nós três dormimos juntos,

Roroa foi mais fogosa do que o necessário, e o cheiro maravilhoso de Juna me deixou
um pouco zonzo, mas me senti cansado de me mover, então rapidamente adormeci.

Agora, sobre o que sonhei… foi meio vergonhoso, então prefiro não dizer.

Ruby Vai Para a Casa da Família do Hal

Eu me chamo Ruby. Sou um dragão que recentemente formou um pacto cavaleiro-dragão


com Halbert, um oficial do Reino de Friedonia.

Não é muito comum um dragão da Cordilheira do Dragão Estelar matrimoniar em nenhum


outro país que não seja em Nothung, o Reino dos Cavaleiros Dracônicos, mas se for
para falar de exceções, fico muito atrás daquela garota que se casou com o rei.

Por agora, eu vim visitar a casa de Hal, a Casa dos Magna, mas-

— Seu grande imbecil! — Um homem de repente berrou.

— Gwah!

No momento em que a porta da mansão abriu, Hal foi enviado voando para longe. Na
minha frente restou apenas um senhor, muito elegante, que se parecia bastante com
Hal. Ele estava com o punho estendido, tinha uma barba vermelha e um corpo
musculoso;parecia muito com um guerreiro experiente.

— Owww, o que você está fazendo assim do nada, pai? — Hal retrucou enquanto
massageava a própria bochecha

Então quer dizer que o senhor elegante é, na verdade, pai do Hal?

Seu pai, Glaive — como me disseram depois —, apontou seu punho cerrado em direção
de Hal.

— Eu li todos os relatórios, Hal. Sobre tudo o que fez na Cordilheira. Reconheço


que há momentos de crises em que você foi vital para solucionar. Dito isso, você
não se sente mal pela Kaede? Vocês eram noivos! E o mesmo vale para essa garota
também. Suas ações sem sentido decidiram o futuro dela em seu lugar!

― Guh!

Hal ficou desestabilizado com a fala de seu pai, mas mesmo assim não deu nenhuma
resposta. Me pareceu que ele estava pensando em algo, mas… era terrível, ter que
ver Hal ser castigado por ter formado o contrato comigo.

— Pare isso! Eu que sou a culpada! — Eu rapidamente me coloquei entre eles. — Eu me


meti entre eles porque eu queria ser capaz de fazer algo. Hal e Kaede apenas
aceitaram! Então, por favor, me puna no lugar deles!
Quando eu supliquei para ele dessa forma, Glaive hesitou. Foi como se estivesse
surpreso por algo que ele não imaginava que poderia ocorrer.

Por que a reação dele foi assim? Não era para ele estar irritado sobre nosso
contrato?

Houve um silêncio constrangedor após minha fala, mas então-

— Ok, tudo bem. Você, venha aqui comigo, mocinha.

Houve um puxão repentino em meu braço, me movendo para longe deles. Quando eu
virei, havia uma moça com um olhar gentil em seu rosto. A moça então soltou meu
braço e pousou essa mesma mão, em meus lábios

— Não interrompa. É assim que eles conversam entre si.

— C-conversam? — gaguejei. — Tem certeza?

Me pareceu mais que Hal tomou uma surra de verdade!

A moça então colocou sua outra mão na bochecha enquanto fazia um sorriso complexo.

— Olhe, homens podem ser bem idiotas. Quando ouviu queseu filho tinha se tornado um
cavaleiro dracônico, o primeiro desde a era do primeiro herói-rei, ele ficou todo
feliz dizendo “Huh, então aquele idiota agora é um cavaleiro dracônico?”

— É assim que ele diz como está feliz?!

— Você tem razão, mas se ele fosse agir de forma alegre, isso não seria injusto com
Kaede e os outros membros da Casa Foxia? Ninguém vai culpar Hal dado como a
situação ocorreu, e é por isso que ele está ficando nervoso no lugar deles.

— Q-Que relação estranha de pai e filho… — Eu disse de forma exasperada, e a moça


me deu uma risada.

— Eles são sua família agora. A propósito, muito prazer, mocinha, me chamo Elba,
sou a mãe de Halbert.

— V-V-Você é a mãe dele?!

— Oh meu Deus, como você é fofa. Seu cabelo vermelho se parece muito com o deles.
Vai ser como se eu tivesse uma filha de verdade tendo você conosco — disse
Senhorita Elba com um sorriso acolhedor. Foi muito reconfortante ver como parecia
ser uma pessoa calorosa.

Enquanto isso, agora que a Senhorita Elba disse seus pensamentos em alto e bom som,
o Senhor Glaive ficou vermelho de vergonha.

— Seu moleque sortudo! — exclamou Glaive, enquanto batia no próprio filho.

— Gwah…! Pare! Eu não vou aceitar que você me bata por isso, seu canalha!

Oh, essa vez Hal revidou.

— Ngh! Kaede não era o bastante pra você, então você vai lá e seduz outra boa
garota como essa?!

—Urgh… Eu não seduzi ninguém!


Os dois estavam tendo uma luta desorganiza e brusca, mas, de algum modo, pareciam
estar cheios de vitalidade. Talvez a Senhorita Elba esteja certa e esta é apenas a
forma como eles, os Magnas, se comunicam.

A propósito, a comunicação terminou com uma vitória para o Senhor Glaive. Isso era
porque Hal provavelmente ainda se sentia culpado, pois seus golpes eram hesitantes,
como se estivesse se segurando.

Enquanto arrastava seu filho ensanguentado, o Senhor Glaive disse para a Senhorita
Elba:

— Me perdoe, querida. Nós estamos indo nos desculpar com a Casa Foxia.

Ela sorriu.

— Voltem logo.

Glaive partiu tranquilamente enquanto arrastava Hal. Senhorita Elba assistia suas
idas como um sorriso gentil em seu rosto. Quando lhe perguntei sobre isso, ela me
disse que Hal já havia desrespeitado o rei anteriormente e essa foi sua punição: ir
até o castelo para um pedido de desculpas. Talvez agora seja uma tradição da Casa
Magna buscar perdão dessa forma.

Será que eu consigo viver nesta Casa…?

Enquanto me preocupava com isso…

— Eu tinha dito isso a Kaede também, mas o mais importante na vida de casado é “se
adaptar”, tudo bem? — disse Senhorita Elba.

— Eu vou dar o meu melhor, Se… Mãe Elba

Tudo o que eu poderia fazer era aceitar.

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Alguns dias depois, Hal e Kaede acompanharam o rei para o sul da República de
Turgis.

Contudo,acabei ficando para trás, cuidado da Casa Magna. Dragões e Ryuus são fracos
contra o frio, então eu provavelmente só seria um estorvo caso fosse para as terras
frígidas da República.

E por enquanto eu estava aproveitando a família que eu nunca tive.

— O que você está achando, Pai Glaive? — perguntei sobre minha massagem.

— E-ungh… Nada… mal.

Glaive tinha uma cara meio fria e suas palavras eram curtas, mas suas orelhas
estavam ficando vermelhas, então eu poderia facilmente dizer que ele estava com
vergonha. Pensou que ele era alguém sério e vaidoso, mas ele tinha um lado muito
fofo também.

— Ruby, querido, eu vou fazer o jantar — disse Senhorita Elba. — Você pode me
ajudar, Ruby?

— Sim, Mãe Elba.

E eu com prazer fui à cozinha.

O “E Se” Mais Conhecido Como Elemento Narrativo Descartado

*Nota: Esta história não tem nada a ver com a história principal. Me desculpe.

— Realmente há muitos deles… — disse Liscia. — Muito mais do que esperávamos.

— Isso mostra o quão sério o principado está.

De cima das muralhas de Altomura, Liscia e eu podíamos ver as forças do Principado


de Amidônia avançando em nossa direção. Os 30.000 soldados do exército do
principado, que marchavam para Elfrieden a fim de se aproveitar da discórdia entre
mim e os três duques, estavam vindo do sul em direção à Altomura, uma região fértil
e produtora de grãos.

Tínhamos acabado de derrubar os três duques, e o Exército Proibido, nossa principal


força, estava no meio da absorção do Exército do Ducado de Carmine para ser
reorganizada como a Força de Defesa Nacional. A recém-formada Força de Defesa
Nacional não viria para cá. Ao invés disso, iria lançar um contra-ataque ao norte e
tomaria a capital do principado, Van.

Por isso, Altomura tinha apenas a guarnição local de quinhentos soldados e uma
força de dois mil fuzileiros navais sob o comando da Almirante da Marinha, Excel.
Tínhamos que parar a força do principado de 30.000 com apenas 2.500 soldados e
ganhar tempo até que a força principal pudesse começar o seu contra-ataque.

— Vai ser uma batalha difícil — declarou Liscia.

— Nós já sabíamos disso. É por isso que trouxemos aquilo, não é?

Nos viramos para olhar para a prata brilhante e metálica de um enorme dragão
mecânico. Seu nome era Dramecha, criado pelo orgulho do nosso reino, a super
cientista Gênia Maxwell. Possuía uma armadura resistente a canhões e com um Tipo 10
embutido, o qual refletia ataques mágicos, mas não tinha nenhuma função que o
fizesse se mover. Antes era um elefante branco, com nenhuma função além de ser um
possível espantalho gigante. No entanto, com a minha habilidade, Poltergeists
Vivos, fui capaz de movê-lo.

— Vossa Majestade, as coisas estão prontas do meu lado — anunciou Aisha.

— Os fuzileiros navais estão prontos para partir a qualquer momento — acrescentou


Juna.

Aisha, a melhor guerreira do reino, e Juna, a cantora que também era comandante dos
fuzileiros navais, vieram conosco. Esse foi o relatório de ambas. Se enviássemos o
Dramecha, com certeza conseguiríamos gerar confusão nas tropas do principado. Nesse
tempo, Aisha e os fuzileiros navais sairiam pelo portão dos fundos e, depois,
dariam uma grande volta para cortar as rotas de suprimento do inimigo pela
retaguarda.

Assenti com a cabeça para as duas.


— Tudo bem. Então vamos começar.

— Sim, senhor!

Após ver Aisha e Juna partirem, tentei entrar na “cabine” do Dramecha. Nesse
momento, de repente…

— Souma! — Liscia gritou meu nome, o que me fez parar.

Quando me virei para olhar, Liscia se jogou em mim e me abraçou.

— L-Liscia?

Depois que a segurei, cambaleando levemente, Liscia disse com uma voz tensa:

— Hm, olha… Eu sinto muito por te envolver em uma batalha como essa.

Havia lágrimas em seus olhos. Seu olhar enquanto lacrimejava estava repleto de
culpa por ter me arrancado da minha terra natal, e ainda me fazer lutar em nome
desse país. Ela deve ter aguentado isso esse tempo todo.

Não queria que Liscia me olhasse assim, então coloquei a mão em cima de sua cabeça.

— Não me olhe assim. Eu sou o rei agora, então há coisas que devo fazer.

Liscia continuou preocupada.

— Mas, se alguma coisa acontecer com você, eu… Eek!

Eu a abracei com força. Enquanto abraçava o seu corpo que, apesar de toda a sua
força, era bastante delicado, eu acariciei gentilmente a sua nuca.

— Está tudo bem. Eu e o Dramecha não vamos perder.

— Souma…

— Espere por mim. Vou botar eles pra correr e voltarei para o seu lado logo em
seguida.

— Tudo bem…!

Soltei Liscia e entrei na cabine. Então, quando me sentei em meu banco, coloquei
minhas mãos nas laterais da saleta e transferi uma de minhas consciências para o
Dramecha.

No próximo instante, Dramecha começou a se mover e soltou um rugido mecânico, como


se tivesse uma consciência própria.

Ok… Vamos, Dramecha.

— Aqui é o Souma Kazuya no Dramecha, partindo.

Separador Tsun

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— Espera… quê?

Ao abrir meus olhos, estava no escritório de assuntos governamentais em Parnam.

Havia uma montanha de papelada para analisar em minha frente. É… o de sempre.

Aparentemente, eu havia cochilado enquanto trabalhava. Tive a impressão de que


tinha tido um sonho bem realista e longo, mas… não consegui me lembrar dos
detalhes.

Bom, sonhos são assim mesmo.

Quando me espreguicei, Liscia, que estava analisando a papelada comigo, me olhou


com um olhar confuso no rosto.

— Está tudo bem? Pode ir descansar, se estiver cansado, sabia?

Liscia estava preocupada com o meu bem-estar, mas eu a respondi com um sorriso
forçado:

— Não, não é nada demais. Eu só tive um sonho estranho enquanto cochilava.

Explicação: É assim que a história seria se todos os limites tivessem sido


removidos e as habilidades de Souma, as funções do Dramecha e as reações dos países
vizinhos a ambos fossem abordadas. Nos estágios iniciais da escrita de Herói
Realista, pensei em deixar as habilidades de Souma correrem soltas, mas parecia
mais difícil fazer esse trabalho se destacar dos outros dessa maneira, além de que
também parecia ser o contrário do que os leitores queriam, então descartei a ideia.

Liscia se Recuperando

Eu sou a Liscia Elfrieden, candidata a se tornar a Primeira Rainha de Souma.

Todos nós voltamos para o reino ontem, após resolvermos a questão da Cordilheira do
Dragão Estrela, porém eu devo ter ficado exausta por causa do movimento que fiz, já
que fiquei mal. Estava sentindo tontura e letargia afetando todo o meu corpo desde
que havia desembarcado da gôndola. Além disso, estava com um pouco menos de apetite
do que o normal.

Como provavelmente era só um resfriado, eu estava descansando para me recuperar em


minha própria cama. Sempre havia pessoas correndo ao redor do castelo, mas hoje
estava quieto. Tinha certeza de que estavam tentando não fazer muito barulho ao
redor desta sala porque não estava me sentindo bem.

— É como se… o tempo tivesse parado — murmurei.

Os dias passaram extremamente rápido desde que Souma havia chegado, então talvez
fizesse um tempo desde que tivesse me sentido tão calma. Ele sempre tinha algum
tipo de trabalho para fazer, então fazia um bom tempo desde a última vez que eu não
precisava fazer nada, já que sempre o ajudava. Era bom poder relaxar, mas…

— Estou entediada…

Sempre me juntava aos guardas do castelo em seu treinamento com Aisha quando tinha
tempo livre, mas não podia fazer isso na minha condição. Bom, pensei em ler um
livro, mas tudo que tinha nesta sala eram manuais sobre táticas e estratégias
militares. Se lesse isso agora, com certeza perderia meu almoço. Dói admitir, mas
eu tinha um quarto sem graça. A única coisa feminina nesta sala era uma boneca que
Souma havia feito como parte de seu hobby, então me senti muito patética. (O poder
feminino de Souma era muito grande.)

Enquanto estava sentada, sem nada para fazer, ouvi uma batida na porta.

— Entre — gritei. Em seguida, Roroa entrou com Aisha, que carregava um objeto
grande e coberto.

— E aí, Irmãzona Cia. Como você está?

— Com licença… Ufa. — Aisha colocou o objeto no chão.

Eu pisquei. — Estou melhorando, mas… o que é aquilo?

Roroa riu de forma travessa.

— Imaginei que você estivesse entediada, então pegamos isso emprestado do Querido.
Né, Irmãzona Ai?

— Isso mesmo. Tcharam.

Aisha puxou o pano e revelou um receptor simples da Transmissão de Voz da Joia.


Quando Roroa apertou o botão, a transmissão estava bem no meio de um programa de
canto.

— Pedi para uma das unidades da família real ajustar para receber transmissões
públicas — explicou Roroa, com um olhar presunçoso e confiante. — Isso deve ajudar
a acabar com o tédio enquanto não pode sair, não acha?

— Não tem problema eu usá-lo? Não temos tantos receptores simples…

— Recebemos permissão de Sua Alteza. Não havia planos de usá-lo em um futuro


próximo, então ele disse que está tudo bem — comentou Aisha.

Se tinham obtido permissão, acho que não havia nenhum problema…

— Obrigada.

— Ha ha ha! — Roroa riu. — Relaxa.

— Fique bem logo — acrescentou Aisha.

Elas estavam com medo de que ficar muito tempo pudesse me incomodar, então saíram
da sala rapidamente. Após ser deixada sozinha, me distraí assistindo a um programa
de música. Normalmente, eu era quem estava na produção dessas coisas, então nunca
tinha relaxado e assistido dessa maneira antes. Contudo… foi surpreendentemente
bom.

Enquanto pensava nisso, escutei outra batida na porta.

— Entre — gritei. Desta vez, Juna e Naden entraram.

— Com licença — disse Juna.

— Estamos entrando.
Ambas, pelo que vi, estavam com os braços cheios de livros. Elas os carregaram e
deixaram ao lado da minha cama. Pelas capas e pelos títulos, aparentemente eram
crônicas de aventura e romance.

— Por que trouxeram esses livros? — perguntei.

— Eles são meus. Trouxe eles da Cordilheira do Dragão Estrela — disse Naden,
estufando o peito com orgulho.

Juna sorriu ironicamente e acrescentou: — Ouvimos da Senhorita Roroa que você


estava entediada, então Naden trouxe seus livros para te emprestar.

— Ouvi dizer que você só tem livros militares. Todos esses livros são ótimos.

Parecia que Juna e Naden, como Roroa e Aisha, tinham vindo com algo para amenizar o
meu tédio. Eu sorri e agradeci.

— Obrigada.

— Por favor, cuide-se — me respondeu Juna.

— Se precisar de alguma coisa, pode nos chamar — comunicou Naden.

As duas saíram da sala. Acenei para elas conforme, relutantemente, fechavam a porta
enquanto segurava um dos livros que trouxeram. Estava muito grata pela gentileza de
todos.

— Ngh… — murmurei.

Aparentemente, acabei dormindo enquanto segurava o livro de Naden em algum momento.

Quando acordei, o sol já havia se posto. No entanto, ainda estava claro dentro da
sala porque as lanternas estavam acesas. Provavelmente uma das empregadas tinha
feito isso por mim enquanto estava dormindo.

Ao me sentar, ouvi uma batida na porta.

— Como você está, Liscia?

Quem entrou depois da batida foi Souma. Em suas mãos, estava segurando uma bandeja
com uma panela pequena. Além dele, Carla vinha logo atrás, carregando um prato de
sopa e muito mais.

— Me disseram que você estava sem apetite, mas achei que deveria comer alguma
coisa, pelo menos — disse Souma. — Mandei os funcionários da cozinha fazerem isso.

Após dizer isso, Souma levantou a tampa da panela para me mostrar o que havia
dentro.

— Tcharam. A receita especial da vovó para gripes: “Tamatama Udon”.

— Tamatama Udon?

— É só ferver cebolas no caldo até ficarem macias e, depois, adicionar macarrão


udon, como os que Poncho fez para mim. Assim que for fervido ao ponto de ficar
macio e fácil de digerir, é só colocar um ovo. Também tem gengibre nele, então vai
te aquecer, além de ser altamente nutritivo.

O vapor saiu do caldo da sopa bem diante dos meus olhos. Eu ainda não tinha muito
apetite, mas parecia estar com fome. Isso me deu muita vontade de comer.

— Obrigada. Vou querer um pouco — falei.

— Só coma o quanto aguentar, ok? Tenho certeza de que Aisha vai comer o restante.

— Hehe! Talvez eu coma tudo e deixe a Aisha triste… Nossa, isso está bom.

Souma e Carla sorriram enquanto viam eu comer o udon. Eu estava conseguindo sentir
a bondade de todos…

É um segredo, mas eu pensei sabe, isso não é tão ruim, de vez em quando.

Contudo, não podia deixar todo mundo preocupado comigo para sempre. Souma e os
outros iriam para a República, mas aparentava que Hilde, a médica, viria em breve.
Iria pedir para que ela fizesse um exame minucioso em mim.

O antigo casal real aproveita a vida tranquila

O Reino de Friedonia tinha um território nas montanhas que estava sob controle
direto da família real. Este era o território pessoal do antigo rei, Albert, em
seus dias como nobre. Agora, no entanto, servia como local de descanso para o
antigo casal real.

Era um pasto, e as pessoas de lá trabalhavam nos campos e em celeiros durante seus


dias. E apesar de que eles pudessem apenas ouvir, apreciavam a Joia de Transmissão
de Voz com suas músicas e outros programas enquanto bebiam a noite. Ficava no
interior, mas as pessoas eram pacíficas e essa era uma área surpreendentemente
fácil de se viver.

— La, la, la. — Albert Cantou

Neste lugar tranquilo, no moinho de Albert, o antigo rei estava podando as árvores
de seu jardim enquanto cantarolava. Albert era lembrado pelas pessoas como um bom
homem e um rei medíocre, mas havia um talento em que era excelente: horticultura.

Albert era especialmente bom aparando os galhos das árvores ou fazendo lindas
flores desabrocharem. Isso porque, em seus dias como nobre empobrecido, fez o
jardim para o moinho ele mesmo. Desde então tem sido seu hobby em privado e suas
habilidades rapidamente melhoraram. A verdade era que, mesmo se casando com Elisha
e se juntando a família real, ainda ajudava a manter os jardins interiores do
castelo.

Em particular, Albert era habilidoso em podar as árvores ao ponto de seus galhos


terem formatos de animais. As folhas e os galhos que agora eram podados se pareciam
com um cisne limpando suas asas. Ainda há alguns detalhes para se trabalhar, mas já
era um trabalho cuja qualidade dava a sensação de que estava vivo. Então…

Você poderia ter um descanso e se juntar a mim para um chá? — Sua esposa o chamou.

A antiga rainha, Elisha, estava no terraço ao lado do jardim, enquanto a empregada


estava ao seu lado com o chá preparado.

Albert limpou o suor das sobrancelhas e retrucou com um sorriso.

— Oh, Elisha, eu logo estarei ai.


E então, os dois aproveitaram em silêncio o chá no terraço. O entardecer chegou
lentamente para eles. Elisha aproveitou o momento, observando o jardim enquanto
tomava sua chávena.

— O número de flores e animais certamente cresceram. É como se vivesse em um livro


de fantasia!

— A-ahaha… talvez eu tenha me deixado levar também após os elogios do nosso genro —
admitiu Albert, com um sorriso embaraçado.

As habilidades de horticultura de Albert eram maravilhosas, e o atual rei


provisório, Souma, as tratou como especiais. Devido a isso, Souma pagou pelos
custos da jardinagem de Albert do seu próprio bolso. Ele construiu uma estufa nos
jardins, e sempre que encontrava flores incomuns, as enviava para Albert verificar
se poderiam ser cultivadas no país. Graças a isso, o jardim agora era repleto de
árvores com formato animal e flores das mais diversas cores.

Quando viu quão tímido Albert ficou, Elisha riu.

— Qual é o problema? O jardim é muito popular, afinal.

Havia um recente rastro de pegadas. Parece que as crianças da vila vizinha vieram
brincar.

— Reeei, Rainhaaa, Ooi!

— Oláááá!

As crianças os saudaram com sorrisos perfeitos.

— Rainha, rainha — Uma das crianças disse. — Podemos explorar o jardim de novo?

— Hee hee!

Após terem suas aprovações, as crianças comemoraram alto.

— Eba!

Em seguida, jogaram as mãos para o ar e começaram a correr pelo jardim.

O lugar, que transbordava de flores multicoloridas e árvores em formatos de


animais, era um lugar atraente para as crianças explorarem, e elas frequentemente
vinham para brincar. Albert e Elisha não se importaram, mas os pais das crianças,
cientes de seu status, eram bastante humildes sobre isso, sempre os presenteando
com vegetais frescos como um símbolo de apreciação por deixarem seus filhos
brincarem.

— É bom para mim vê-los tão energéticos, mas não somos mais rei e rainha, ou
qualquer outra coisa desse tipo — disse Albert, se sentindo perturbado enquanto
mexia em seu bigode.

— Oh, qual o problema? Deixe nos chamarem do que quiserem.

— Eu entendo o que você quer dizer, mas isso me faz sentir que estou sendo injusto
com nosso genro e com Liscia, que trabalham duro no castelo.

Aqueles dois não se importavam nem um pouco.

Dito isso, Elisha olhou para as crianças brincando no jardim.


— Em pensar que poderíamos gastar nossos dias em paz como agora… nunca imaginei
isso.

— De fato. A primeira metade de nossas vidas foi bastante difícil, afinal.

Os dois haviam dado suporte um ao outro para sobrepujar na guerra de sucessão após
a morte do rei anterior a Albert. Naquele momento, eles provavelmente não
imaginavam que uma vida pacífica como essa viria.

Sorrindo, Elisha colocou sua mão em cima da de Albert.

— Mas é por isso que estou feliz que escolhi você. Por causa do meu eu desse mundo
ter te escolhido, nós agora podemos viver nossos dias em paz dessa forma.

— Elisha… Foi seu poder que me possibilitou confiar o trono ao nosso genro. Graças
a isso eu sou capaz de ter uma vida calma e brincar por aí com jardinagem, assim
como gastar meu tempo com aqueles que amo.

— Eu te amo, Al.

— Eu te amo também, Elisha.

A empregada poderia apenas sorrir enquanto assistia os pombinhos de meia idade


transbordando afetos de amor.

Então outra empregada veio ao encontro dos dois e entregou uma carta a Albert.

— Mestre Albert, uma carta de Liscia destinada a vocês dois.

De Liscia, ela está bem?

Aceitando a carta, os dois a olharam completamente. E então…

— Oh, querida.

— Oh meu Deus, meu Deus — exclamou Elisha.

O conteúdo fez os dois sorrirem em satisfação.

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