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XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

QUALIDADE NA MERENDA ESCOLAR: INTERVENÇÕES


GASTRONÔMICAS

Leopoldo Gondim Neto- UFC

José de Arimatéa Barros Bezerra, Professor Dr.- UFC

Alice Nayara dos Santos- UFC

A alimentação é, após a respiração e a ingestão de água, a


mais básica das necessidades humanas [...] além de uma
necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de
significados sociais, sexuais, políticos, religiosos, éticos,
estéticos, etc.
Henrique Carneiro

RESUMO

O trabalho considera a alimentação humana como tema, buscando analisar a


interferência dos profissionais da gastronomia em uma escola pública do município de
Fortaleza- CE, no sentindo de melhorar a qualidade dos serviços de merenda escolar
prestados pelas escolas através de suas merendeiras e outros profissionais. Ressalta-se
que a educação não se restringe apenas à sala de aula. O currículo extrapola o caráter
disciplinar, evidenciado com a dimensão nutricional do ambiente escolar, dando
destaque para a segurança alimentar e as boas práticas de alimentação. Referidas ações
didáticas ocorreram através de oficinas de capacitação, em nível de treinamentos de
caráter formativo e temporal dos profissionais da merenda extensivo aos pais de alunos
e a comunidade, bem como com a proposição de cardápios. Assume-se, assim, uma
postura real-oficial nesse cenário da merenda escolar, propiciando, portanto,
experiências exitosas via mediação de cardápios reais e passíveis de aplicabilidade no
cotidiano da cozinha escolar. A qualidade da alimentação é hoje uma preocupação
mundial e traz para a discussão mais ampla as necessidades mais urgentes de mudança.
Com uma merenda escolar preparada de forma diferenciada, a aceitabilidade é bem
maior e a presença dos alunos se faz mais constante, assim como seu desempenho nas
disciplinas. Ademais a Gastronomia aqui vem como um instrumento de ajuda e para
fazer parte da mudança cultural, valorizando a aprendizagem e provando que uma
alimentação servida em uma instituição pública pode ter excelente sabor e alta
qualidade. O currículo informal, neste caso, traz em espaço diferente da sala de aula
uma alternativa de melhores dias para a educação praticada nas escolas públicas. Desta
forma o texto apresentado discute: merenda escolar; qualidade na alimentação e
gastronomia, articulando-se ao currículo, para a fomentação de discussões para uma
escola pública de qualidade.

Palavras- Chave: Currículo e Formação; Merenda Escolar; Gastronomia.

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INTRODUÇÃO

A alimentação tem importância nos processos nutritivos, na restauração


das forças vitais do organismo, na satisfação de preferências alimentares e nos hábitos
de uma sociedade. Uma boa alimentação traz um perfeito desenvolvimento do ser
humano, facilitando a educação escolar e sua desenvoltura nas relações sociais. Faz
parte do cotidiano das pessoas e está presente em diversos momentos: na reunião
familiar para fazer as refeições, no encontro com amigos, nas festas de ocasiões
comemorativas e nas refeições institucionais, as quais se dão nos colégios, nos
presídios, nos quartéis etc. Assim, a cultura de uma sociedade também pode ser
representada por seus hábitos alimentares, pelas variáveis na determinação na escolha
de produtos culinários e pela relação existente entre comida e a identidade cultural da
sociedade na qual está inserida (CARNEIRO, 2003).
Ao analisar a gênese da ciência e na arte da gastronomia, vemos que este
vocábulo de origem grega está ligado à medicina, significando o estudo do estômago.
Etimologicamente, o vocábulo é composto por gaster (ventre, estômago), nomos (lei) e
do sufixo “ia” formando assim um substantivo. Atualmente, em uma denominação
mais moderna, é um ramo da ciência que abrange a culinária, as bebidas, os materiais
usados na alimentação e, em geral, todos os aspectos culturais a ela associados. A
gastronomia hoje se preocupa também com a saúde e o bem estar dos consumidores,
buscando sempre apresentar pratos e outras preparações que estejam de acordo com
fatores de nutrição positivos (FRANCO, 2001).
Na área institucional nada chama mais atenção do que a alimentação
fornecida pela escola pública para os alunos através da merenda escolar. Em algumas
regiões do Brasil a merenda escolar é a principal refeição diária de muitos alunos.
O crescimento e o desenvolvimento da criança se constituem processos
dinâmicos que sofrem interferências de fatores genéticos (intrínsecos) e de fatores
ambientais (extrínsecos). Tendo como objetivo o desenvolvimento do potencial
genético legado no nascimento, é de grande importância à atenção especial na
alimentação e nutrição na infância, bem como na adolescência. (AMODIO, 2002)
De acordo com Maciel (2004, p. 25), “muito mais que um ato biológico,
alimentação humana é um ato social e cultural”. Ou seja, mais que uma necessidade
vital para o nosso corpo a alimentação agrega pessoas e as forma culturalmente. A

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alimentação não é um mero elemento na chamada “cultura material”; ela implica desde
escolhas, passando pelas representações e imaginários, bem como classificações e
símbolos que organizam as diversas visões de mundo no tempo e espaço. A
alimentação é um ato cultural, sendo assim é um sistema simbólico no qual estão
presentes códigos sociais que estabelecem as relações dos homens entre si e a natureza.
Nas palavras Cascudo (2004, p15), “é indispensável ter em conta o fator supremo e
decisivo do paladar. Para o povo não há argumento probante técnico, convincente,
contra o paladar...”.
É necessário perceber que a alimentação está diretamente ligada ao
currículo escolar. Qual a educação que quer se promover, qual o perfil de educando, e
como quer dar esta educação? O currículo aqui transcende a sala de aula, a educação
formal, pois a formação do ser humano não acontece somente nas salas das escolas.
Desta forma, faz-se necessária uma nova definição e compreensão de currículo que
abrace um conjunto de informações, valores e saberes, que atravessam o cotidiano dos
indivíduos; no caso em tela, essa concepção de currículo deve alcançar os alunos,
interferindo na forma de aprender, de ver, de pensar, de sentir. Neste contexto,
compreende-se que a educação pode ocorrer em quaisquer espaços e o currículo por
ser um artefato social e cultural conduzindo este pensamento para dentro das teorias
críticas de currículo (MOREIRA, 2004; SILVA, 2009).
O Projeto Museu de Ciências Ambientais Mundo Livre é um trabalho de
extensão da Universidade Federal do Ceará - UFC, desenvolvido pelo curso de
Geografia-UFC em parceria com o curso de bacharelado em Gastronomia - UFC.
Referido Projeto assume as escolas públicas como espaço real para realização de
oficinas e vivências didático-gastronômicas envolvendo as merendeiras, sendo estas
atividades extensivas aos pais dos alunos e à comunidade, buscando estabelecer as
bases da segurança alimentar e nutricional na escola, assim como nos lares,
despertando atenção para temas pertinentes dentro da alimentação saudável, como a
importância da higiene pessoal e do ambiente de trabalho (cozinha). O projeto busca
também oferecer novos caminhos para a merenda escolar, apresentando sugestões para
novos cardápios e, consequentemente, contribuindo para a valorização dos produtos da
região, ganhando elementos de frescor e de qualidade nos insumos utilizados. Com
proposição de novos cardápios, busca-se aumentar a aceitabilidade da merenda e fazer
valer as novas idéias de que o currículo contempla também a merenda oferecida,

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corroborando com a ideia de que a educação não se dá apenas em sala de aula, mas em
ambientes diversos também vivenciados cotidianamente por esses alunos.

A MERENDA ESCOLAR

A merenda escolar entra no que é definido como restauração social, que é


aquela em que os clientes, aqueles que a consomem, são fixos. É o que ocorre, além
das escolas, nos presídios, quartéis, etc. (BAPTISTA; LINHARES, 2005)
A distribuição da merenda nas escolas públicas brasileiras teve início no
ano de 1954, quando foi criado o Programa de Merenda Escolar, e abrangeu toda a
nação com a finalidade de oferecer alimentação que satisfizesse uma parte das
necessidades nutricionais diárias dos alunos. Somente em 1993 é que, após estudos de
especialistas, resolve-se descentralizar o processo de compra e controle da merenda
escolar passando para os estados e municípios a responsabilidade pela gestão. Desta
forma, ficam os administradores municipais competentes para o trabalho de licitação,
de aquisição, de escolha e de controle da distribuição e do preparo dos alimentos.
É sabido que a merenda escolar é um fator preponderante para o melhor
desenvolvimento do aprendizado da criança em fase de formação; a depender das
condições de vida a que esteja exposto, a criança ou adolescente terá um melhor
desempenho na escola. Pesquisas realizadas na área de nutrição vêm mostrar que o
desenvolvimento físico e intelectual do aluno depende do mínimo de vitaminas e
nutrientes que compõe uma alimentação saudável, delimitando-se aí a importância de
garantir uma merenda escolar de qualidade. (BOOG, 1999).
Uma alimentação deficitária e a baixa ingestão de calorias e energia
provavelmente desenvolverão na criança um quadro de desnutrição. O Programa
Nacional de Alimentação Escolar do Governo Federal - PNAE é o responsável pelas
diretrizes alimentares aplicáveis aos alunos no espaço escolar público. Do programa
são definidos parâmetros para a gestão da alimentação escolar que, de forma
descentralizada, fica sob a responsabilidade dos estados e municípios. A meta é
garantir que o cardápio da merenda escolar seja responsável em fornecer cerca de 350
quilocalorias e 9 gramas de proteínas por refeição. O Programa é um dos mais antigos
no cenário oficial de políticas públicas para suplementação alimentar. (PROGRAMA
NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR /PNAE, 2009)

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O PNAE, assegurado pela Constituição Federal de 1988, garante por meio


da transferência de recursos financeiros a alimentação escolar dos alunos de toda a
educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de
jovens e adultos) matriculados em escolas públicas e filantrópicas.
Seu objetivo é atender as necessidades nutricionais dos alunos durante sua
permanência em sala de aula, contribuindo para o crescimento, o desenvolvimento, a
aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes, bem como promover a
formação de hábitos alimentares saudáveis (FUNDO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, 2009).
Com o desenvolvimento do programa e aumento das refeições nas escolas,
os cuidados com as Doenças Transmitidas por alimentos - DTAs têm sido redobrados.
A disseminação dessas doenças causa uma perda de valor de referência da qualidade
da merenda. Assim, as Boas Práticas de Fabricação de Alimentos vêm sendo ensinadas
e cobradas resultando em refeições com maior qualidade. Simples ações como lavar as
mãos, colocar o lixo em local correto, armazenar os alimentos de forma adequada e
com a temperatura respeitada, mantendo a higiene local e pessoal, dão um resultado
positivo e afastam consideravelmente o risco de doenças (ALMEIDA; RAMOS,
2010).
A qualidade é hoje cobrada em todos os espaços de alimentação, não
importando se público ou privado. O usuário do serviço de alimentação está cada vez
mais ligado em saúde e no desenvolvimento do corpo. A qualidade de vida é
preocupação de todos e não poderia ficar de fora dos objetivos do programa de
alimentação servida nas escolas públicas.

QUALIDADE DA ALIMENTAÇÃO

A qualidade nos dias de hoje pode ser definida como o atendimento das
exigências do cliente. Segundo Juran (1995, p23), a qualidade é “a adequação à
finalidade ou uso”. Sobre esta questão, Feigenbaum (1997, p45) comenta que, no
caso da alimentação escolar, o cliente é o aluno da escola pública e o serviço é o de
merenda escolar, esclarecendo o descaso público em que, “(...) um total de
características de um produto ou de um serviço referentes a marketing, engenharia,

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manufatura, e manutenção e pelas quais, produto ou serviço, quando uso, atenderá às


expectativas do cliente”.
Um fator importante assumido na presente ação-intervenção na dimensão
dessa qualidade é o trabalho em grupo, imprescindível para o alcance desde fator tão
preponderante. Referida abordagem didática reafirma estratégias de formação em
equipe, buscando redimensionar a qualidade da merenda escolar e do serviço das
merendeiras. Ultrapassam-se os formatos e modelos de treinamentos usuais,
reescrevendo trajetos com arte, sensibilidade e competência técnica. Destarte, a
dimensão curricular incorpora no cotidiano escolar receitas e preparos norteados por
fichas técnicas que certamente darão condições para formação de novos hábitos
alimentares saudáveis em escolares, uma vez em que as receitas e as técnicas de
preparo de alimentos vivenciadas no treinamento instrumentalizam a
reconceptualização de cardápios planejados, aplicando uma abordagem original,
adequada e eficiente. A comunicação, a confiança, a livre troca de idéias, como
também o conhecimento de dados e práticas são fatores de relevância nesta busca. É
nesse sentido que buscamos auxiliar, como cozinheiros profissionais, a produção de
uma merenda de qualidade (DORNELAS, 2005).
Um produto ou serviço (no caso, a merenda escolar) deve ter uma série de
características para se adequar à questão da qualidade. Dependendo do tipo de
produto ou serviço, estes devem ter um cuidado com manuseio, matéria-prima de
origem regular, mão-de-obra especializada, atendimento às legislações e outros
(DEMING, 1997).

A qualidade em serviços não está apenas na conformidade dos processos,


mas sim no atendimento às necessidades dos clientes. Ela pode ser vista
como uma vantagem competitiva, quando se torna superior à qualidade
oferecida pelos concorrentes. Essa qualidade, na maioria das vezes, é
percebida pelos que usufruem do serviço de maneira subjetiva, por compor a
relação de intangibilidade de que o produto ou serviço possui, visto que “em
serviços, a avaliação de qualidade surge ao longo do processo de prestação,
que geralmente ocorre no encontro entre o que recebe o serviço e seu
prestador” (FITZSIMNMONS; FITZSIMNMONS, 1996: p64).

A percepção do serviço de merenda escolar prestado em face da


expectativa do serviço desejado define o nível de satisfação do aluno em relação à
qualidade, tornando-se um aspecto fundamental para determinar a vantagem de tal
serviço, seu diferencial. A obtenção da satisfação do aluno com serviço prestado e

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com o produto determinará que o cliente/aluno volte de forma espontânea e satisfeito


a utilizar o serviço de merenda escolar e seu produto. A qualidade de serviço de
merenda e o produto servido em determinada escola ou outra instituição pública
precisa superar não apenas os obstáculos técnicos, devendo a qualidade, portanto,
estar interligada à capacidade de interação entre quem compra e quem vende os
insumos, momento este o qual muitos autores denominam de “a hora da verdade”
(DORNELAS, 2005).
Desta forma, propõe-se que o serviço da merenda escolar tenha um produto
baseado nos princípios de qualidade, que busque a concretização da segurança
alimentar, dentro de suas implicações higiênicas, nutricionais e culturais, visando a
proporcionar ao aluno a satisfação de sua necessidade de alimentação através de sua
plena aceitabilidade da merenda servida.

A GASTRONOMIA E A MERENDA ESCOLAR

A preocupação dos gestores da merenda escolar sempre se fez presente no


que diz respeito aos insumos que serão utilizados e quais as melhores formas de
aproveitamentos destes ingredientes. A aceitabilidade total da merenda é uma meta das
escolas e, desta forma, foi a partir das ações conjuntas sistematizadas com o apoio do
conteúdo geográfico e gastronômico que instituímos ensaios críticos passíveis de
aplicabilidade e transformação do cotidiano da merenda em ambientes educativos
públicos, sediando estudos e formas de interferência positiva nas cozinhas das escolas.
Um dos principais pontos a serem analisados é o de que o aluno da escola
pública, por ser, majoritariamente, proveniente de classes sociais mais baixas, tem que
consumir uma merenda de “bucha”, aquela que tem volume e sacia pela quantidade de
massa. Vejamos o que diz Bezerra (2002, p, 185- 186.):

A prática mais imediata que decorre dessas representações sobre merenda é a


forma de elaboração dos cardápios, considerados como algo destinado à
criança carente, faminta e necessitada de um prato de comida. Assim,
predominam os alimentos salgados e encorpados, sobretudo a sopa, apesar de
os gestores da escola saberem que os alunos preferem mais o iogurte, o leite e
o nescau, os sucos e o mingau acompanhados de pão, biscoitos ou
sanduiches. Assim a merenda adquire a conotação de alimento destinado tão
somente a matar a fome e a sopa, por ser de menor custo,torna-se o alimento
mais servido, às vezes, a semana inteira.

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Desta forma, para ajudar a solucionar problemas como o citado acima é


que a intervenção visa a analisar os insumos e dar sugestões de novos pratos,
respeitando as diferenças culturais da região onde se localiza a instituição de ensino, o
gosto dos alunos, bem como dando maior atenção aos produtores desta região. A
sustentabilidade é aqui buscada através das compras nas próprias regiões, assim como
a valorização dos seus produtores rurais.
Servir alimentos mais saudáveis, de origem conhecida, com receitas
simples e de grande aceitabilidade e, mesmo estando em realidades diferentes, é saber
respeitar e tirar do que é possível de positivo do profissional de cozinha. O Chef de
Cozinha aprende com a realidade das merendeiras, assim como estas podem sair com
muitas novas idéias de pratos e preparações culinárias. O Projeto também contribuiria
com uma apropriação de novos sabores, construindo junto aos escolares um novo
gosto e fortalecendo a mudança cultural e a manutenção de hábitos alimentares mais
saudáveis, buscando valorizar o papel das merendeiras que muitas vezes não são
reconhecidas no seu campo de trabalho. Como cita COROBA (2002, p.24):

Na adolescência o indivíduo adquire comportamentos que, em grande parte,


serão mantidos ao longo da vida. Sendo assim, esse é o momento
privilegiado para intervenções na área da saúde e nutrição, tendo em vista a
adoção de hábitos de vida saudáveis e a promoção da saúde na vida adulta.

Na vivência-prática em questão, cita-se o caso-exemplo de uma escola do


município de Fortaleza que recebe um cardápio já estabelecido pelo Departamento de
Alimentação Escolar da Secretaria Municipal de Educação - SEDUC, o que dificulta
muitas vezes o trabalho de variar as preparações, uma vez em que os insumos enviados
se destinam ao preparo daquele tipo de cardápio.
Referida escola mantém um programa complementar de horta comunitária.
Assim, muitas das preparações consumidas na merenda escolar são enriquecidas por
verduras que são cultivadas nesta horta, o que vem a conformar a ideia de que se
trabalho for bem desenvolvido e a produção e diversificação dos produtos for
incrementada, pode-se resultar em melhor culinária a ser servida aos alunos. Um fato
curioso é que mesmo tendo o insumo advindo da horta comunitária, os cardápios
oficiais descartam possibilidades de mudança, tendo em vista que formatam
previamente os mesmos, pré-estabelecendo modelos de caráter generalista e universal
instituindo pratos repetitivos, os quais negam ou pouco aproveita determinados

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insumos, a exemplo do farelo de Tilápia, peixe farto no estado do Ceará e que


oferecem alto teor nutritivo. Do farelo podiam ser preparados bolinhos, almôndegas,
sopas, risotos e mais uma infinidade de pratos com grande aceitabilidade. Outro
ingrediente pouco aproveitado é uma espécie de curau, que é um mingau feito com
farinha de milho, com sabores de morango e chocolate que se misturados às frutas
resultariam em preparações de mais fácil aceitação. Outros ingredientes pouco
utilizados são os legumes, que através de nossas sugestões poderiam ser trabalhados
em tortas salgadas, creminhos e saladinhas.
Dentro do Projeto retrocitado, apresentamos ainda oficinas de segurança
alimentar, higiene pessoal, compras e armazenamento dos insumos assim como
higienização de legumes e verduras. Mesmo com as visitas e as aulas ministradas,
percebemos a dificuldade de se implementar mudanças no componente da merenda
escolar, embora estas tragam uma certa vantagem e melhores serviços. Temos a
consciência de que a segurança alimentar deve ser tratada como uma política pública,
com uma atuação constante (ROCHA, 2004).
O Projeto em questão poderá imprimir novas práticas sociais, agregando
também, além do serviço das merendeiras, a atenção dos pais de alunos, que são
convidados a fazer parte das oficinas de higiene de alimentos e da montagem dos
novos cardápios da merenda.
Todas as ações do Projeto discutem, de alguma forma, o currículo
apresentado buscando mostrar aos gestores, demais educadores e familiares que o tipo
de alimento servido, a forma como é preparado assim como as relações advindas deste
movimento fazem parte do currículo informal.
Sendo assim, a história do currículo tem sido importante na tarefa de
questionar a presente ordem curricular em um de seus pontos centrais: a
disciplinaridade. Apesar de todas as transformações importantes ocorridas na natureza
e na extensão da produção do conhecimento, o currículo continua fundamentalmente
centrado em disciplinas tradicionais. Essa disciplinaridade constitui, talvez, o núcleo
que primeiro deva ser atacado em uma estratégia de desconstrução da organização
curricular existente (MOREIRA; SILVA 2006).
As novas experiências curriculares trazem uma nova motivação às escolas.
O fortalecimento da escola pública, assim como o resultado da educação e pedagogia

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ali aplicadas passam por estas novas ações, incorporando novidades e que em um
futuro próximo poderá elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se que alunos bem alimentados e que se sintam parte atuante nas
decisões tomadas na escola tenham mais disposição para o aprendizado e demonstrem
um desenvolvimento pessoal e social mais saudável. A alimentação saudável é
fundamental na formação do ser humano. Muitas das crianças e jovens que na escola
se alimentam precisam, portanto, dos nutrientes que compõem as preparações
ofertadas para um desenvolvimento físico e intelectual adequado.
A qualidade da alimentação é hoje uma preocupação mundial e traz para a
discussão mais ampla as necessidades mais urgentes de mudança. Com uma merenda
escolar preparada de forma diferenciada, a aceitabilidade é bem maior e a presença dos
alunos se faz mais constante, assim como seu desempenho nas disciplinas. A
Gastronomia aqui vem como um instrumento de ajuda e para fazer parte da mudança
cultural, valorizando a aprendizagem e provando que uma alimentação servida em uma
instituição pública pode ter excelente sabor e alta qualidade. O currículo informal,
neste caso, traz em espaço diferente da sala de aula uma alternativa de melhores dias
para a educação praticada nas escolas públicas.

REFERÊNCIAS

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das Crianças e Adolescentes. Informativo Saúde e Nutrição, dez. 2002, n. 4, 4p,
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Mestrado. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE: UFC, 2002.
BOOG, M. G. F. Educação Nutricional em Serviços Públicos de Saúde. Caderno de
Saúde Pública. V.2 P.139-147. Rio de Janeiro: 1999
CÂMARA CASCUDO, L. História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Global,
2004.

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CAROBA, D. C. R, A Escola e o Consumo Alimentar de Adolescentes


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