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Clínica Psicanalítica
Aula 11: A função diagnóstica – neurose,
psicose e perversão
Lacan, baseado nas descobertas freudianas, vai pensar as estruturas clínicas. Ele utiliza as
categorias da Psiquiatria clássica para criar o conceito de estrutura. A partir dessa referência, o
diagnóstico estrutural torna-se um compromisso ético do analista com o inconsciente. A
Psicanálise faz uso do diagnóstico estrutural e não do diagnóstico descritivo de sinais e sintomas.
Sempre parte-se da relação estabelecida pelo sujeito com a linguagem, para que seja possível
pensar um diagnóstico.
Neurose e Psicose
Neurose: o ego, em sua dependência da realidade, suprime um fragmento do id (da vida instintual);
Isso, porém, não concorda em, absoluto, com a observação que todos nós podemos fazer, de que toda
neurose perturba de algum modo a relação do paciente com a realidade, servindo-lhe de um meio de se
afastar da realidade, e que, em suas formas graves, significa concretamente uma fuga da vida real. (FREUD,
1924, p. 229)
• A neurose consiste nos processos que fornecem uma compensação à parte do id danificada –
isto é, na reação contra a repressão e no fracasso da repressão.
• [...] a perda da realidade afeta exatamente aquele fragmento de realidade, cujas exigências
resultaram na repressão instintual ocorrida. (Ibidem);
Exemplo de um caso de neurose na qual a causa excitante (a ‘cena traumática’) é conhecida e onde se
pode ver como a pessoa interessada volta as costas à experiência, e a transfere à amnésia.
A reação psicótica teria sido uma rejeição (Verleugnung) do fato da morte da irmã. ( Ibid., p. 230 –
ver nota de rodapé p. 182)
Ao que diz respeito aos processos psíquicos, devem ser considerados separadamente, na relação entre
o esquecer e recordar. Freud fala que com frequência acontece de ser “recordado” algo que na
verdade nunca poderia ser “esquecido”, em ocasião nenhuma foi “notado” — nunca tendo sido
consciente.
O paciente não nota a diferença de algo que foi esquecido e algo que nunca foi CS, e a convicção que o
paciente alcança no decurso da análise, independe da lembrança.
IMPORTANTE!
Nesse momento, Freud aponta algo de novo.
O aparelho psíquico não somente se constitui de conteúdos recalcados, ou seja, idéias insuportáveis ao
CS, mas também de idéias e conteúdos que nunca constituíram uma representação. Mas estão lá,
sendo esses também energias.
• Tanto a neurose quanto a psicose são, pois, expressão da rebeldia do id contra o mundo
externo, de seu desprazer ou [...] de sua incapacidade de adequar-se à necessidade real. A
neurose e a psicose diferem uma da outra muito mais em sua primeira reação introdutória
do que na tentativa de reparação que a segue. (Ibid., p. 231)
Neurose: Psicose:
um fragmento da realidade é evitado por a fuga inicial é sucedida por uma fase ativa
uma espécie de fuga. Não repudia a de remodelamento da realidade. A psicose
realidade, apenas a ignora. repudia a realidade e tenta substituí-la.
Naturalmente, esse comportamento [...] conduz à realidade do trabalho no mundo externo; ele
não se detém, como na psicose, em efetuar mudanças internas. (Ibidem)
Psicose: a remodelação da realidade é executada a partir de sua vivência anterior, dos seus traços de
memória, ideias e os julgamentos anteriormente derivados da realidade e através dos quais a realidade
foi representada na mente.
Assim, a psicose também se depara com a tarefa de obter percepções tais que correspondam à nova
realidade; o que é feito, de modo mais radical, pela via da alucinação.
A elucidação dos diversos mecanismos que, nas psicoses, são projetados para afastar o indivíduo da
realidade e para reconstruir essa última, constitui uma tarefa para o estudo psiquiátrico especializado,
ainda não empreendida. (Ibidem);
Tanto na neurose, como na psicose, ocorre um fracasso na tentativa de reparação (segunda etapa);
malsucedida uma vez que o instinto reprimido é incapaz de conseguir um substituto completo:
• Neurose: a pulsão recalcada não consegue arranjar um substituto integral;
• Psicose: a realidade não pode ser remodelada de maneira satisfatória.
Distinção topográfica do conflito patogênico: se o ego cedeu a sua fidelidade ao mundo real ou à sua
dependência do id;
Neurose: contenta-se em evitar uma porção da realidade e se protege do encontro com ela.
• Não obstante, produz algo semelhante à psicose, substituindo a realidade indesejada pelo
mundo das fantasias, muito mais condizente com os seus desejos inconscientes.
Isso é possibilitado pela existência de um mundo de fantasia, de um domínio que ficou separado do
mundo externo real na época da introdução do princípio de realidade. Esse domínio, desde então, foi
mantido livre das pretensões das exigências da vida, como uma espécie de ‘reserva’; ele não é
inacessível ao ego, mas só frouxamente ligado a ele. É deste mundo de fantasia que a neurose retira
o material para suas novas construções de desejo e, geralmente, encontra esse material pelo
caminho da regressão a um passado real satisfatório.
Na psicose, o mundo da fantasia tem o mesmo papel – é dela que se extrai o material para a
construção de uma nova realidade;
Na neurose, tal como nos jogos infantis, esse mundo se apoia em uma porção da realidade (diferente
daquela de que foi preciso defender-se).
Vemos, assim, que tanto na neurose quanto na psicose interessa a questão não apenas da perda da
realidade, mas também a questão do substituto para a realidade. (FREUD, 1924, p. 234)
Perversão
É frequente, no discurso de pessoas leigas, uma associação entre perversão e perversidade.
A Medicina o definia como sinônimo de distúrbio psicossocial. Os desvios (século XIX) passaram a ser
entendidos como aberrações que deveriam ser tratadas, pois atingiam todos os aspectos da vida da
pessoa e, consequentemente, da sociedade.
A origem do termo deriva do verbo latino pervertere ("pôr de lado", ou "pôr-se à parte“), o que pode
levar a essa associação.
Aurélio (2001) a define como: "ato ou efeito de perverter (-se); corrupção, depravação, desvio da
normalidade de instinto ou de julgamento, e devido a distúrbio psíquico”.
Esse conceito compreende a perversão em um sentido moral e ético. Dessa forma, a escolha da
palavra perversão, que é usada para nomear um desvio, denota um sentido pejorativo, impregnado
de “pré-conceitos”.
A Psicanálise, em especial, construiu todo um arsenal teórico sobre a perversão, levando em conta a
visão predominante da Medicina da época, a estruturação da perversão durante a infância, a
diferenciação para com as neuroses e psicoses, além do seu mecanismo de recusa (Verleugnung).
Na sua obra Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905) apresenta pela primeira vez o
conceito de perversão.
Freud fez duas formulações acerca da conceituação de “perversão”, que se tornaram clássicas:
1ª A neurose é o negativo da perversão, ou seja, aquilo que uma pessoa neurótica reprime e pode
gratificar-se simbolicamente através de sintomas, o paciente com perversão expressa diretamente em
sua conduta sexual.
2ª Freud diz que a perversão sexual resulta na fixação em uma das manifestações da polimorfia
sexual infantil ou seja, fixação em uma pulsão parcial (ligada a zonas erógenas determinadas/
pré‑genitais) – em detrimento da primazia genital. A sexualidade genital não é alcançada e a
sexualidade adulta fica restrita a uma forma parcial de satisfação.
Significa que: a regressão da libido a pontos de fixação ocorreria não apenas por que tais pontos
foram particularmente gratificantes, mas também devido a obstáculos externos à construção da
psicossexualidade.
Diferença entre a sexualidade infantil e sexualidade perversa no adulto: enquanto à primeira falta a
centralização das pulsões parciais, na segunda ela está centralizada na pulsão que sofreu fixação
(FREUD, 1917).
• Freud destacou que as fantasias dos neuróticos e dos perversos são as mesmas. A diferença
reside não no tipo de desejo sexual, mas no modo como este desejo se expressa.
Para o neurótico — o desejo vai se expressar pela formação do sintoma, que é uma
formação de compromisso entre o desejo e a censura.
No perverso — o desejo aparece pela via da atuação, ou, dito de outro modo, o perverso
age, ele encena o desejo.
Do ponto de vista freudiano, a estrutura perversa parece, então, encontrar sua origem em
torno de dois pólos:
• na angústia da castração;
• na mobilização de processos defensivos destinados a contorná-la.
O perverso tem uma vivência da ordem do horror no confronto com a diferença dos sexos e nisto está a
confirmação de que ele está condenado a perder o objeto do desejo (a mãe) assim como o seu pênis.
Ele não consegue reconhecer que ao renunciar à mãe, está abrindo as portas para desejar outras
mulheres. Ao reconhecer que há uma lei, poderia ter garantido para si o estatuto de sujeito desejante.
Nas Teorias sexuais infantis (1908/1995) e na Análise de uma fobia de um menino de cinco anos
(1909/1995), Freud destaca a recusa da criança em aceitar a natureza “não fálica” da mãe.
a recusa da criança, em aceitar a falta fálica na mãe, ocasiona a recusa da percepção da castração, que
retorna à ideia da figura da mulher com o pênis, origem da fantasia da mulher fálica. (SEQUEIRA, 2009)
O que ocorre na estrutura perversa é a castração edipiana: o perverso não aceita ser submetido às leis
paternas e, em consequência, às leis e normas sociais. (SEQUEIRA, 2009)
Lacan
• Lacan (1957-58/1999) localizou a perversão como decorrente do momento em que a mãe é objeto
de amor, tanto do menino, como da menina, na fase pré-edipiana;
• Situação imaginária, na qual o filho satisfaz totalmente a mãe. A identificação pré-genital é fálica,
relacionada diretamente ao falo materno; a criança está presa no desejo do outro e se insere na
ilusão de ser ela o falo da mãe;
• Há uma recusa em saber da diferença sexual; o fetiche é o símbolo que dribla, engana. Nessa
recusa, o sujeito não se submete à lei paterna (simbólica), desafiando-a. Há uma insistência na
transgressão que não anula a angústia da castração.
O perverso recusa a castração em forma de ato: transgredindo a lei, ele descumpre o pacto edípico.
A diferença entre perversão e psicose está nos conflitos e nas contradições decorrentes da castração.
• o psicótico tende a substituir a realidade.
• já o perverso unifica, simultaneamente, a negação da castração e seu reconhecimento através do
fetiche ou outros substitutos